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A confiança entre os agricultores na garantia do atributo ecológico de sua produção Confidence among farmers on securing the ecological attributes of their production FORNAZIER, Armando 1; PEDROZO, Eugenio Avila 2. 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Programa de Pós-Graduação em Agronegócios,Porto Alegre/RS, Brasil, [email protected]; 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Programa de Pós-Graduação em Agronegócios, Porto Alegre/RS, Brasil, [email protected] RESUMO: A produção de produtos denominados orgânicos ou ecológicos tem sido uma realidade, porém, no processo de comercialização muitas vezes não se consegue caracterizar todos os atributos do produto. O objetivo deste trabalho foi de avaliar a percepção dos agentes envolvidos na produção e comercialização de produtos oriundos da agricultura ecológica comercializados numa feira de produtos ecológicos de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, avaliando o processo através de alguns aspectos da Economia dos Custos de Transação (ECT). Dessa forma, busca-se descrever como a confiança entre os membros permite o desenvolvimento de uma relação de afirmação na garantia de uma dada característica do produto. O estudo do caso mostrou ter relações de confiança entre os agentes. Confiança essa adquirida por uma maior freqüência nas relações, menor incerteza nas negociações devido a um processo de certificação participativa e a um ativo específico dentro de um determinado padrão. PALAVRAS-CHAVE: confiança, economia dos custos de transação, agroecologia ABSTRACT: The production of products called organic or ecological has been a reality, but in the process of marketing is often not able to characterize all the attributes of the product. The goal of this work was evaluating the perception of those agents involved in the production and trade of products from the ecological farming, marketed in a fair of ecological products from Porto Alegre, state of Rio Grande do Sul, on evaluating this process through some aspects of the Economy of Transaction Costs (ETC). Then, it tries to describe how the confidence among members allows the development of an endorsement in the securing of a particular characteristic of the product. The study of the case showed to have a relationship of confidence among the agents. Confidence this won by a higher frequency of relationships, minor uncertainty in the negotiations due to a process of participative certification and to an active specific within a definite pattern. KEY WORDS: reliability, economy of transaction costs, agroecology. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia, Porto Alegre, 5(1):114-126 (2010) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 24/01/2010

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A confiança entre os agricultores na garantia do atributo ecológicode sua produção

Confidence among farmers on securing the ecological attributes of their production

FORNAZIER, Armando 1; PEDROZO, Eugenio Avila 2.

1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro de Estudos e Pesquisas emAgronegócios (CEPAN), Programa de Pós-Graduação em Agronegócios,Porto Alegre/RS, Brasil,[email protected]; 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro deEstudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Programa de Pós-Graduação em Agronegócios, PortoAlegre/RS, Brasil, [email protected]

RESUMO: A produção de produtos denominados orgânicos ou ecológicos tem sido uma realidade,porém, no processo de comercialização muitas vezes não se consegue caracterizar todos os atributosdo produto. O objetivo deste trabalho foi de avaliar a percepção dos agentes envolvidos na produção ecomercialização de produtos oriundos da agricultura ecológica comercializados numa feira de produtosecológicos de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, avaliando o processo através de algunsaspectos da Economia dos Custos de Transação (ECT). Dessa forma, busca-se descrever como aconfiança entre os membros permite o desenvolvimento de uma relação de afirmação na garantia deuma dada característica do produto. O estudo do caso mostrou ter relações de confiança entre osagentes. Confiança essa adquirida por uma maior freqüência nas relações, menor incerteza nasnegociações devido a um processo de certificação participativa e a um ativo específico dentro de umdeterminado padrão.

PALAVRAS-CHAVE: confiança, economia dos custos de transação, agroecologia

ABSTRACT: The production of products called organic or ecological has been a reality, but in theprocess of marketing is often not able to characterize all the attributes of the product. The goal of thiswork was evaluating the perception of those agents involved in the production and trade of products fromthe ecological farming, marketed in a fair of ecological products from Porto Alegre, state of Rio Grandedo Sul, on evaluating this process through some aspects of the Economy of Transaction Costs (ETC).Then, it tries to describe how the confidence among members allows the development of anendorsement in the securing of a particular characteristic of the product. The study of the case showed tohave a relationship of confidence among the agents. Confidence this won by a higher frequency ofrelationships, minor uncertainty in the negotiations due to a process of participative certification and to anactive specific within a definite pattern.

KEY WORDS: reliability, economy of transaction costs, agroecology.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia, Porto Alegre, 5(1):114-126 (2010)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 24/01/2010

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Introdução

O setor agropecuário é caracterizado por umextenso número de pessoas envolvidas naprodução. As atividades encontram-se dispersasem diversas propriedades que variam de área enível de tecnologia adotada. No segmento defrutas, legumes e verduras (FLV), mais conhecidocomo hortigranjeiros, a diversidade depropriedades é ainda maior, com a predominânciada pequena propriedade. Essas características dosetor dificultam algumas atividades como acomercialização, devido à pequena escala deprodução que impossibilita o abastecimentoconstante dos mercados por um único produtor.

A agricultura sem o uso de produtosquímicos ou especificamente os chamadosagrotóxicos (fungicidas, inseticidas, herbicidas,nematicidas, entre outros), bem como fertilizantese hormônios, vem se configurando como um nichode mercado. Essa produção busca atenderconsumidores que os consideram mais saudáveise, por isso, compram os produtos origináriosdesse sistema de produção. Por parte do produtoresse sistema minimiza dependência de insumosexternos, muito desses originários decombustíveis fósseis. O uso da mão-de-obranesse sistema de produção torna-se maisabundante devido a muitas técnicas que não sãoutilizadas. Assim, por exemplo, o uso deherbicidas na agricultura convencional, diminui amão-de-obra que seria usada em capinas ouroçadas manuais. Na agricultura orgânica, alémdas capinas e roçadas, outros métodos como ocontrole de pragas mais preventivo faz com que oagricultor dedique mais tempo à atividade, o quetorna um fator de grande importância para autilização da mão-de-obra familiar e que aprodução ocorra em menores áreas.

A produção sem o uso de agrotóxicospode ser certificada por certificadorasespecializadas. Essas realizam vistorias nosistema produtivo e autorizam o uso de selos nasembalagens dos produtos comercializados, isso

garante que o produto foi produzido dentro dedeterminados padrões. O processo de certificaçãoé tido como de alto custo para as condições dospequenos produtores, principalmente devido àpequena escala de produção. Para diminuirproblemas com a pequena escala, estão sendoaprimorados processos de certificaçãoparticipativa ao processo de produção, quepressupõe a participação solidária dos segmentosinteressados em assegurar a qualidade final doproduto, através de uma dinâmica social deintegração entre os envolvidos.

No processo de certificação ou garantiada qualidade de um produto através de redes ouassociações, a proximidade e o conhecimento dosoutros participantes da produção torna-se ummeio de fiscalização dos participantes, pois, areputação de um pode interferir na reputação dogrupo todo. Esse processo ocorre na produçãoorgânica de pequenos produtores, quecomercializam os seus produtos em feiras deprodutos agroecológicos, que não teria viabilidadeeconômica um processo de certificação porcertificadoras privadas com vistorias individuaisdevido à baixa escala de produção. Nesse caso, aconfiança do consumidor na associação,cooperativa ou outra forma de organização dosprodutores torna-se um mecanismo de afirmaçãoda qualidade e, entre os produtores, da mesmaforma, o conhecimento mútuo entre eles é o meiode controle. A confiança entre os agentesenvolvidos no sistema de produção evita ter quebuscar outras fontes de garantia dos atributoscomo os selos e contratos individuais, o queaumentaria muito o número de transações.

O referencial teórico utilizado no artigo será aNova Economia Institucional (NEI),especificamente a Economia dos Custos deTransação (ECT) para abordar os aspectosrelacionados à confiança. Outra abordagem é emrelação à produção de produtos sem agrotóxicos,mais comumente conhecida pela população como

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agricultura orgânica.Esse trabalho tem por objetivo avaliar a

percepção dos agentes envolvidos na produçãodos produtos oriundos da agricultura ecológicacomercializados numa feira de produtosecológicos de Porto Alegre, Rio Grande do Sul,buscando identificar as ações que sãoimplementadas para transmitir uma maior garantiados atributos dos produtos e do sistema deprodução aos consumidores. Dessa forma, busca-se descrever como a confiança entre os membrospermite o desenvolvimento de uma relação deafirmação na garantia de uma dada característicado produto.

Economia dos Custos de Transação (ECT): aconfiança

A economia neoclássica tem recebido muitascríticas por suas análises, pois o homemeconômico não tem demonstrado tantaracionalidade para maximizar seus lucros. Nocotidiano ocorrem muitas relações entre osdiversos agentes da sociedade, onde o indivíduorelaciona-se para exercer atividades de comércio,parcerias, atividades pessoais, de ajuda mútua,entre outras. As relações, principalmente quandoenvolvem alguma troca, podem ser regidas pormeio de contratos ou pela confiança entre osmembros.

Ronald Coase, um economista inglês, em 1937escreveu um artigo intitulado “The Nature of theFirm” (COASE, 1937) onde discute por que asfirmas existem e produzem, ao invés de existirapenas o mercado. Coase considera que um dosobjetivos da firma é coordenar a produção sob aautoridade que coordena a alocação de recursos,diminuindo as relações e contratos entre osagentes, pois negociar nos mercados tem custos.Assim, dentro da firma não há a necessidade decontratos entre cada operação de ordem ouserviço a ser cumprida.

Oliver Williamson, no início dos anos 1970,lançou um programa de pesquisa com a Economia

dos Custos de Transação (ECT) na chamadaNova Economia Institucional (NEI), começando apesquisar as transações, o que Coase em 1937chamava de negociações. A ECT tem como limitede análise as relações que possam serformuladas como um problema de contratação,como as relações de troca do capitalismo, asdenominadas transações (WILLIAMSON, 1985). Atransação passa a ser a unidade básica deanálise da teoria da firma. Os custos de transaçãosão aqueles incorridos na elaboração enegociação dos contratos, mensuração efiscalização de direitos de propriedade,monitoramento do desempenho e organização deatividades (AZEVEDO, 1997). O mecanismo decontratos possui custos que podem ser ex ante ouex post. No ex ante se estabelece as penalidadese recompensas pelo comportamento desviante eas tarefas de cada agente. Não é possível prevertudo o que irá acontecer, por isso existe custos expost decorrentes de monitoramento, adaptações,falhas e resoluções de conflitos.

Três características são responsáveis pordefinir as transações segundo Williamson (1991),a frequência, a incerteza e a especificidade dosativos envolvidos; sendo para a ECT aespecificidade dos ativos envolvidos a principalcaracterística responsável pela determinação dotipo de coordenação (mercado, firma, etc.). Aespecificidade é uma referência ao grau em queum ativo pode ser reempregado para usosalternativos ou por outros agentes, sem que hajaperda de sua capacidade ou valor produtivo. Ummaior grau de especificidade tem a necessidadede maiores salvaguardas contratuais, pois, umaquebra de contrato pode gerar gastosirrecuperáveis devido ao ativo ser destinadoquase que exclusivamente a uma função; outraalternativa é internalizar a produção verticalizandoa produção. Ativos com menor grau deespecificidade, como é o caso das commoditiesque são produtos mais padronizados, o

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mecanismo de mercados normalmente é maiseficiente, já que diminuem os custos contratuais.

A incerteza é um atributo que exerceráinfluência nas características das instituições epode levar a formas intermediárias ou híbridas deempresas (WILLIAMSON, 1991). As formasintermediárias ou híbridas são referidas comoacordos ou contratos entre firmas, por exemplo,franquias ou joint ventures, entre outras. Aincerteza também dificulta contratos completos. Afrequência de ocorrência de uma transação éimportante para a coordenação e gestão dastransações, pois, quanto maior a frequência darealização de uma determinada transação, maisse conhece dos agentes envolvidos(comprometimento e reputação), facilitando agestão.

Quanto às características dos agentesenvolvidos numa transação, Williamson (1991)considera a racionalidade limitada e oportunismocomo características de grande importância. Aracionalidade limitada está presente na ECT, bemcomo o potencial comportamento oportunista(WILLIAMSON, 1985). A racionalidade limitada dizque o indivíduo não possui capacidade de coletare processar todas as informações, ou seja, éimpossível que o indivíduo conheça todas asalternativas de que dispõe ou todas as suasconseqüências (SIMON, 1965). No modelo deSimon, as decisões são satisfatórias e não ótimas.O autor trata da tomada de decisão na teoriaadministrativa, mostrando que o indivíduo devido afatores como o tempo ou custos, não consegue tertodas as informações antes de decidir e, por isso,busca tomar uma decisão que seja satisfatória enão ótima.

Pelo fato do indivíduo não conseguir prevertudo, ações oportunistas estão presentes. Ooportunismo é um dos níveis de promoção deautointeresse. Dada à existência de informaçãoassimétrica, o oportunismo traduz-se pela formacom que os detentores de informaçõesprivilegiadas a utilizam (WILLIAMSON, 1985).

Nas negociações, com uma maior freqüêncianas transações, há a possibilidade de se conhecermelhor o parceiro, o que pode aumentar asrelações de confiança. A confiança é comumentedefinida como o cálculo subjetivo que uma pessoafaz da probabilidade de que seu parceiro venha aagir de maneira cooperativa em uma transação(e.g. DASGUPTA, 1988; GAMBETTA, 1988). Otema confiança vem recebendo cada vez maisatenção na literatura da área de Economia, bemcomo nas Ciências Sociais, em geral. Um dosaspectos que constitui o “capital social” de umpaís é o nível de confiança de seus cidadãos, istoé, a percepção do grau de risco ao qual aspessoas se submetem nas suas relações umascom as outras (LAZZARINI et al., 2005).

Agricultura sem uso de produtos químicos- A produção sem o uso de agrotóxicos pode

receber diversas denominações, Oltramari et al.(2002) relatam algumas características dediversas correntes. São essas:

- Agricultura Biodinâmica: surgiu na Alemanhaem 1924, tendo Rudolf Steiner como um de seusprincipais divulgadores. Prega um tipo deagricultura que envolva não somente aspectostécnicos ou produtivistas na relação homem-natureza, mas uma integração do homem aouniverso;

- Agricultura Orgânica: originou-se naInglaterra com base nas teorias de Albert Howardem seu livro denominado Testamento daAgricultura (1940). O autor chama atenção para opapel fundamental da conversão da fertilidade dosolo, relatando a importância da matéria orgânica,dos microorganismos e da necessidade deintegração entre produção vegetal e animal;

- Agricultura Biológica: foi desenvolvida naSuíça, na década de 1930, por Hans-Peter Rusche Hans Müller. Esse tipo de agriculturasemelhante à orgânica, preconiza o manejo desolos, a fertilização e a rotação de culturas;

- Agricultura Natural: o seu fundador é

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Masanobu Fukuoka, suas idéias e experiênciasdesenvolvidas na década de 1930 foram escritasno livro Agricultura Natural (1978). A filosofia daagricultura natural propõe intervenção mínima dohomem nos processos da natureza, com ausênciade aração, gradagem, capinas, fertilizantes eagrotóxicos. A denominação de agricultura naturalé muito utilizada pelos seguidores do filósofojaponês Mokiti Okada, fundador da igrejamessiânica;

- Permacultura: desenvolveu-se na década de1980 por Bill Mollison e David Holmgren a partir dolivro Permacultura. Os autores propõem apermacultura como um sistema evolutivointegrado de espécies vegetais e animais perenesou auto-perpetuadas, úteis ao homem;

- Agroecologia: considera os sistemasagrícolas como unidades fundamentais de estudo.Os ciclos minerais, as transformações de energia,os processos biológicos e as relaçõessocioeconômicas são investigadas e analisadasem conjunto.

A Agroecologia é definida por Altieri (2001)como uma nova abordagem que integra osprincípios agronômicos, ecológicos e sócio-econômicos à compreensão e avaliação dosefeitos das tecnologias sobre os sistemasagrícolas. Nesse sentido, a Agroecologiafundamenta sua análise na ação operativa dosagroecossistemas, sendo seu objetivo principal omanejo de sistemas agrícolas complexos, onde asinterações ecológicas e sinergismos entre oscomponentes biológicos criem, eles próprios, afertilidade do solo, a produtividade e a proteçãodos cultivos.

As várias denominações diferenciam ossistemas de cultivo, porém, o produto final, possuimuitas características semelhantes, como apossibilidade de menor acúmulo de substânciasquímicas originárias da aplicação de agrotóxicos,pois, nos vários sistemas, a utilização deagrotóxicos é proibida. O Decreto Nº. 6.323, de 27de dezembro de 2007 que regulamenta a Lei Nº.

10.831, de 23 de dezembro de 2003, considera osistema orgânico de produção agropecuária comotodo aquele em que se adotam técnicasespecíficas, mediante a otimização do uso dosrecursos naturais e socioeconômicos disponíveise o respeito à integridade cultural dascomunidades rurais. O objetivo do sistema deagricultura orgânica é promover a sustentabilidadeeconômica e ecológica, a maximização dosbenefícios sociais, a minimização da dependênciade energia não renovável, empregando, sempreque possível, métodos culturais, biológicos emecânicos. O modelo contrapõe ao uso demateriais sintéticos, a eliminação do uso deorganismos geneticamente modificados eradiações ionizantes, em qualquer fase doprocesso de produção, processamento,armazenamento, distribuição e comercialização, ea proteção do meio ambiente (BRASIL, 2007).

A Federação Internacional dos Movimentos deAgricultura Orgânica (IFOAM) define agriculturaorgânica como um sistema baseado em umconjunto de processos, resultando em umecossistema sustentável, alimento seguro, boanutrição, bem-estar animal e justiça social. Assim,o IFOAM define que a produção orgânica é maisdo que apenas um sistema de produção que incluiou exclui certos insumos (IFOAM, 2002).

Na produção orgânica ou com outrasdenominações como ecológica, biológica, entreoutras, o IFOAM é uma entidade que determinaos lineamentos básicos para este tipo de sistemaprodutivo. Nesse sentido, a entidade é umaplataforma de intercâmbio e cooperaçãointernacional que representa o movimento mundialda agricultura ecológica.

Muitas das leis e diretrizes dos países, porexemplo, do Brasil, são feitas seguindo ospadrões do IFOAM. No entanto, variações deinsumos, inclusive pela diversidade dosagroecossistemas, fazem com os países realizemo seu conjunto de leis.

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Os sistemas de certificação têm uma grandeimportância para que as normas possam sercumpridas. Porém, algumas características comoo alto custo operacional e a pequena escala deprodução podem dificultar a utilização dedeterminadas certificações. Para atender algumaspeculiaridades da diversidade da produçãoagropecuária, o MAPA permite o uso de trêsmecanismos de garantia das características dosprodutos e do processo de produção: acertificação por auditoria, os sistemasparticipativos de garantia e o controle social para avenda direta sem certificação (BRASIL, 2007).

Na certificação por auditoria uma certificadoraavalia a conformidade de um produto, processo ouserviço, objetivando a certificação; essascertificadoras que realizam as auditorias nãopoderão desenvolver atividades relacionadas àassistência técnica nas unidades de produção.

Os sistemas participativos de garantia daqualidade orgânica são formados pelo conjunto deseus membros como os produtores,transportadores, comercializadores,armazenadores, consumidores, técnicos eorganizações públicas ou privadas que atuam narede de produção orgânica. O conjunto forma umorganismo participativo de avaliação daconformidade que deve ser credenciado junto aoMinistério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento (MAPA). Esse organismo terápersonalidade jurídica própria, com atribuições eresponsabilidades formais, consignadas em seuestatuto social.

Na venda direta sem certificação é permito ouso do controle social. Nesse caso, os agricultoresfamiliares deverão estar vinculados a umaorganização de controle social cadastrada noMAPA ou em outro órgão fiscalizador federal,estadual ou distrital conveniado. Os agricultoresterão de garantir a rastreabilidade de seusprodutos e o livre acesso dos órgãosfiscalizadores e dos consumidores aos locais deprodução e processamento.

Os mecanismos de garantia das característicasdos produtos ou processo de produção buscamque os consumidores possam conhecer maissobre os produtos adquiridos. Stumm (2008),avaliando a relação entre sistemas de certificaçãoe práticas sócio-produtivas na agriculturaecológica em uma localidade do estado doParaná, observa que o sistema via inspeção ouauditoria organiza-se a partir de instrumentosformais de avaliação da conformidade, onde ocontrole é baseado no trabalho do inspetor, nocontrole de registros e nas análises técnicas nabusca da credibilidade. Enquanto, na certificaçãoparticipativa em rede procura-se atingir uma“conformidade social” na medida em que ainteração social é um componente de verificação.Assim, a autora aborda que na certificaçãoparticipativa, a comunicação e entendimento entreos membros de um grupo, entre os diferentesgrupos, núcleos regionais e consumidores são oselementos importantes na busca de geraçãocoletiva de credibilidade.

MetodologiaPara a realização do presente trabalho foi

utilizado a metodologia de Estudo de Caso. OEstudo de Caso é uma metodologia utilizada emmuitas situações onde inclui estudosorganizacionais e gerenciais e vem sendo cadavez mais adotada como ferramenta de pesquisa(YIN, 2001).

O estudo de caso, segundo Yin (2001), é umaferramenta utilizada pelos pesquisadores pararesponder como e por que certos fenômenosocorrem, quando se persegue o foco em umevento contemporâneo e quando não se requercontrole sobre o comportamento dos eventos. Oestudo foi realizado em uma feira de produtosecológicos denominada Feira de AgricultoresEcologistas (FAE), situada no Bairro Bom Fim, nacidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande doSul. A feira ocorre todos os sábados pela manhã.

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Foram realizadas entrevistas abertas com oscoordenadores da feira e 12 produtores/feirantesno período de setembro de 2008. Em maio de2009, realizou-se uma nova visita à FAE,buscando algumas informações complementaresdo estudo inicial.

Na escolha dos entrevistados procurou-se osprodutores que se enquadravam mais nacomercialização de produtos agrícolas in naturacomo frutas, legumes, verduras, milho verde, etc.O universo da FAE é de 43 produtores, porém,alguns comercializam mais produtos elaboradoscomo sanduíches, pães, etc. Dessa forma, osprodutores abrangidos são os que além dacomercialização na FAE, participam também daetapa de produção agrícola. Portanto, o grupo deselecionados para participarem da pesquisa sãosujeitos que têm um maior envolvimento com asetapas de produção e comercialização. A escolhados sujeitos que participam de mais etapas entre aprodução e o consumo foi com o propósito de termais informações da relação desses integrantesda FAE.

Os produtores são originários da RegiãoMetropolitana de Porto Alegre e municípiosvizinhos e da Serra Gaúcha. Essaheterogeneidade de localização deve-se ao fatode alguns produtos como a maçã sercaracterística das regiões de maior altitude,portanto, mais na Serra Gaúcha. Enquanto outrosprodutos, por necessitarem de condiçõesespecíficas de clima e solo, são cultivados emregiões de menor altitude como nos arredores daGrande Porto Alegre.

Buscou-se compreender o processo de entradados produtores na feira com uma determinadacaracterística de produto, denominado orgânico ouecológico, mas que não possui um selo decertificação. Dessa forma busca-se relatar a formaem que se inserem esses produtores na feira eseus produtos de forma que respeitem adenominação que pregam, analisando asquestões que levam a ter uma maior

confiabilidade uns com os outros, com aadministração da feira e com os consumidoresque adquirem um produto com determinadascaracterísticas.

Resultados e discussãoEssa etapa compreende os resultados obtidos

com a pesquisa relacionando-os aos aspectos dateoria.

Feira de Agricultores Ecologistas (FAE)A atual feira de agricultores ecologistas (FAE)

é originária da Cooperativa Ecológica ColméiaLtda. A cooperativa foi fundada em 1978 e em1989 formou-se a feira, inicialmente mensal,depois quinzenal e depois semanal. A FAE estálocalizada ao lado de outra feira de produtosecológicos denominada Arco-íris, no Bairro BomFim, na cidade de Porto Alegre, estado do RioGrande do Sul.

A FAE é composta por 43 produtores quecomercializam produtos diversos. A maior partedas bancas é constituída por frutas, legumes everduras (FLV); os produtores são de diversosmunicípios do entorno de Porto Alegre queencontraram na feira a oportunidade decomercializar os seus produtos sem agrotóxicos.Para oferecer uma maior diversidade e opção decompra para os freqüentadores da FAE(consumidores), outros produtos passaram aserem ofertados, por exemplo, pães, bolos,biscoitos, cogumelos, entre outros. Além de sermais um atrativo para as pessoas visitarem afeira, isso contribui para a inserção de novaspessoas na comercialização de produtos naturais,pois auxilia aos vários membros da famíliaparticiparem do processo produtivo e deocupação. A FAE, além da venda dos produtosagroecológicos, é uma associação agroecológicaque busca capacitar os membros através detrocas de experiências, para difundir os ideais dosistema de produção, valorizando também a

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relação do Ser Humano com a Natureza.Com o fechamento da Cooperativa Ecológica

Colméia Ltda., a FAE passou a ser a entidade degestão da feira. A FAE se constituiu numaassociação agroecológica, pois, a estrutura deorganização é considerada uma formaparticipativa onde as pessoas mesmo produzindode forma individual unem-se no propósito decomercializar seus produtos e de divulgar suaforma de produção e de vida. Para muitos dosprodutores, esse tipo de produção é também umafilosofia de vida, onde se busca respeitar oequilíbrio entre o Homem e a Natureza, comopreconiza a associação (FAE).

A associação é composta por agricultores,juntamente com uma estrutura de promoção eapoio. Assim, possui técnicos que auxiliam desdea arrumação e acompanhamento das atividadesna feira, uma jornalista que auxilia nas atividadesde acompanhamento dos visitantes e orientaçãoaos produtores, uma nutricionista que auxiliatambém fornecendo informações sobre produtosmais saudáveis, entre outros. Os produtores sãooriundos de diversos municípios, sendo quemuitos vêm de outras associações de agricultoresecológicos ou orgânicos de diversas localidades,ou seja, algumas associações inserem-se na feiraque hoje é uma associação.

A diversidade de produtores, tanto emquantidade quanto uma diversidade espacial, delocalização, torna-se necessária para que sepossa oferecer uma maior variedade de produtos.Os agricultores são familiares, dotados depequenas áreas e que pela baixa escala deprodução teriam dificuldades de inserir em outroscanais de comercialização. Além disso, com asáreas pequenas, eles relataram que não dariapara competir com culturas de grande escalacomo soja, milho, trigo, entre outros. Com isso,perceberam na produção ecológica ou orgânicauma forma de produzir e sustentar a família eoferecer um produto mais saudável aosconsumidores.

A preocupação dos produtores quecomercializam na FAE não é apenas com aqualidade do produto, mas sim, com o respeito aomeio ambiente e com a cultura herdada dosantepassados. Busca-se resgatar muitas vezes aprodução de variedades de plantas que deixaramde ser adotadas com a Revolução Verde, ondepassou a valorizar mais a produtividade e, paraisso, o uso de uma grande quantidade deinsumos, principalmente industrializados eoriginários de substâncias químicas.

Na preocupação ambiental, osprodutores/feirantes e toda a equipe da feiradifundem práticas que agridam menos o meioambiente como a substituição de sacolas plásticaspor sacolas de pano retornáveis, entre outras. Naequipe, o trabalho da nutricionista é orientar osconsumidores quanto ao preparo dos alimentospara que preserve mais as característicasnutricionais, bem como possa aproveitar outraspartes dos produtos que normalmente não seriamconsumidas como cascas, etc.

Os produtores/feirantes relatam que muitosconsumidores querem saber do processo deprodução, da família. Nesse caso, a FAE é umambiente de interação entre os produtores econsumidores. Outros consumidores são maispreocupados mesmo com as características dosprodutos, por terem ouvidos sobre ascaracterísticas dos orgânicos, principalmentequanto a ser um produto mais saudável, tem afeira como um ambiente de comprar os produtosfrescos.

O processo de certificação: o aumento daconfiança?

Os produtos comercializados na feira nãopossuem um selo de certificação orgânicafornecidos por uma certificação auditada, poisesse é tido como de alto custo para os pequenosagricultores, na visão dos mesmos. De acordocom o Decreto Nº 6.323, de 27 de dezembro de

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2007 que regulamenta a Lei Nº 10.831, de 23 dedezembro de 2003 que dispõe sobre a agriculturaorgânica, para que os produtos possam sercomercializados direto ao consumidor, semcertificação, os agricultores familiares deverãoestar vinculados a uma organização com controlesocial cadastrada no MAPA ou em outro órgãofiscalizador federal, estadual ou distritalconveniado. Os agricultores devem garantir arastreabilidade de seus produtos, bem como olivre acesso dos órgãos fiscalizadores e dosconsumidores aos locais de produção eprocessamento (BRASIL, 2007).

Outra forma de organização e controle daprodução são os Sistemas Participativos deGarantia da Qualidade Orgânica que sãocaracterizados como um conjunto de atividadesdesenvolvidas em determinada estruturaorganizativa. Esses sistemas visam assegurar agarantia de que um produto, processo ou serviçoatende a regulamentos ou normas específicas eque foi submetido a uma avaliação daconformidade de forma participativa. Esseprocesso mais comumente conhecido comoCertificação Participativa vem sendo adotadopelos produtores da FAE. A certificação érealizada pela Rede Ecovida de Agroecologia quepermite a participação dos agricultores, técnicos econsumidores no processo. Assim, um grupo deagricultores visita outras propriedades ouassociações e um técnico também acompanha oprocesso. Consumidores também visitam o setorprodutivo com o objetivo de conhecer ou fiscalizara produção. O custo desse sistema é menor doque pagar uma certificação auditada.

A Rede Ecovida de Agroecologia possui ofuncionamento descentralizado com núcleosregionais formados por membros de uma regiãocom características semelhantes. A CertificaçãoParticipativa da Rede Ecovida de Agroecologiafornece um selo após os produtores cumprirem osprocedimentos de certificação recomendadosdento do núcleo regional. Dessa forma, não

necessariamente um membro Rede Ecovida deAgroecologia terá o selo em seu produto, há anecessidade de seguir certos procedimentoscomo o interesse pelo selo, a elaboração derelatórios das visitas, pareceres do Conselho deÉtica do Núcleo, etc.

Além disso, a adoção do selo pode serdificultada por alguns fatores como a forma decomercialização do produto. Na FAE, muitosprodutos são comercializados sem embalagemcomo em maços, unidades ou pesa-se nomomento da compra. Assim, mesmo com acertificação participativa, não há um selo nosprodutos. Alguns produtos chegam a ter o selo,mas não é a maioria.

O Sistema Participativo de Garantia daQualidade Orgânica é visto pelos produtorescomo um mecanismo importante, pois, evita de teruma empresa especializada para controlar aqualidade dos produtos. A certificação individualpela empresa especializada aumentaria muito oscustos dos produtos, elitizando o público da feira,na visão dos mesmos. Na percepção dosprodutores, além de um produto de qualidade,eles pregam um preço justo para que muitosconsumidores possam adquirir os produtos daagroecologia.

Na certificação auditada, os agricultoresrecebem a vistoria de um inspetor de umaempresa que fará uma auditoria na propriedade,podendo coletar materiais para a análise deresíduos. A concessão ou a manutenção dacertificação será precedida de auditoria, a serrealizada por organismo de avaliação daconformidade credenciado junto ao MAPA, com afinalidade de avaliar a conformidade com asnormas regulamentadas para a produçãoorgânica. Esse serviço é tido como de alto custopara pequenos produtores.

A certificação participativa que vem sedesenvolvendo é um processo de confiança entreos membros, pois, a percepção de um grupo de

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produtores e consumidores irá determinar o tipode produção dos outros produtores. Nas feirasecológicas, entretanto, é o agricultor que funcionacomo garantia, pois ao estabelecer uma relaçãode confiança com o consumidor, o selo deixa deser necessário. Porém nas relações à distância,nos grandes mercados, onde a relação éimpessoal é a certificação que inicia o processo decriação de laços de confiança com o consumidorconforme ilustra a Figura 1 (BAUER, 2004).A visão relatada por Bauer (2004) na percepçãodos produtores/feirantes é o que ocorre noprocesso da certificação auditada. Na certificaçãoparticipativa, a interação dos consumidores comos produtores, o contato que se entende porlongos períodos é visto como de grandeimportância para a confiança nos produtos eprocesso produtivo.

As relações entre os agentes: característicasda ECT

O processo de certificação participativa, comoum processo regulamentado, vem sendo adotadopelos produtores que comercializam na FAE.Dessa forma, desde a entrada de um produtor nafeira ele é visitado para avaliar as suas condiçõesde produção. Após a entrada, ele pode servistoriado pelo conjunto de outros produtores oupor um grupo de consumidores, mas, nesseambiente predomina muito a confiança entre osagentes (produtores, consumidores, técnicos,etc.). A certificação é, portanto do sistemaprodutivo e não uma certificação de produtoindividual.

A confiança na visão dos produtores é algoalcançado com o tempo, com alguns

comportamentos e atitudes. A ECT, através dealgumas características da transação como afrequência, a incerteza e a especificidade dosativos envolvidos oferece-nos algunsentendimentos do cotidiano.

A freqüência das transações, nesse caso, érepresentada pela participação do indivíduo naFAE (tempo e compromisso, no caso a presençasemanal). Os produtores que participam todos osfins de semana são vistos pelos colegas e pelosconsumidores como indivíduos mais confiáveis,pois, na visão dos produtores/feirantes seconhece mais sobre o perfil pessoal e os produtosque oferecem. O indivíduo tem um padrão (umconjunto de produtos com determinadascaracterísticas), que os colegas da FAEconhecem bem; assim, uma alteração como umproduto com características bem distintas,principalmente superiores quanto ao tamanho eaparência, os colegas disseram que passam adesconfiar. É possível que o produtor mude osseus padrões, mas com a convivência e oconhecimento mais profundo sobre o produtor esua região, pode-se verificar se está seguindo ospressupostos da produção ecológica.

O maior contato entre os produtores na feiraacaba gerando um vínculo de amizade entre eles.Entre os produtores essa frequência de operaçõescontribui para trocas de produtos (sobras) no fimda feira, onde um que possui, por exemplo,repolho, passa para outro o que não vendeu erecebe algo em troca, assim, a troca de produtoevita dos produtores terem que desembolsardinheiro para comprar alguns produtos que nãopossuem.

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Entre os consumidores, os produtores/feirantesrelataram que muitos buscam conhecer bem oproduto que está sendo consumido, de onde veio,como foi produzido, entre outras características,para que possam comprar. Porém, outros mais“apressados” ouviram dizer que produto orgânicoou agroecológico é saudável e, por isso,compram. Para os que valorizam mais a conversa,conhecer a produção, a feira se torna umambiente de interação e ajuda entre os membros,o produtor dá sugestões aos consumidores(preparo, conservação, etc.) e o consumidortambém dá dicas do produto que deseja. Oprodutor que deseja continuar na feira por maistempo, busca atender conforme o que for possível,os desejos dos consumidores. Um produtorrelatou que há consumidores que compram todosos fins de semana um produto, no caso, aabóbora, que possui determinadas característicascomo um tamanho menor, pois, o tamanho atendemelhor o número de membros de sua família.Dessa forma, na visão do produtores/feirantes, hácom um grupo de consumidores uma maiorinteração e confiança com a maior freqüência dastransações, porém, os consumidores sãoheterogêneos e outros mais “apressados”, nãopersonificam tanto a relação, mesmo tendo umamaior freqüência das transações.

Um selo de certificação tem o objetivo dediminuir as incertezas quanto às características deum determinado produto. Dessa forma, apresença de um selo pode ser útil para garantir ascaracterísticas expostas num rótulo ou ser ummecanismo de recorrer a problemas ocorridospelo consumo de certo produto. A presença daembalagem e rótulos onde o produto estácondicionado é um importante mecanismo paraque se possa fazer análise em caso de suspeitade contaminação. Na certificação participativa,alguns produtos estão acondicionados emembalagens com rótulos e selos, porém, emgrande parte das FLVs comercializadas na FAE,este selo não está presente, pois o produto é

pesado ou comercializado em maços, etc.. Nessecaso, as visitas aos produtores é um mecanismode diminuir a incerteza, pois ver in loco o processode produção, as características sociais eambientais é uma forma de conhecer mais dequem está comprando. Na visão dosprodutores/feirantes, esse mecanismo torna-seimportante, pois a preocupação de algunsindivíduos não é apenas com as características doproduto, mas com as características da produçãocomo respeito ao meio ambiente e condições detrabalho. Assim, a confiança entre os agentes éocasionada pelo maior convívio, o que diminui aincerteza.

Quanto à especificidade do ativo, essa mostrouque está muito presente nas relações, sendo umaforma de avaliar se o indivíduo está sendosincero. Isso ocorre, por exemplo, ao se avaliarum determinado padrão de um produto, muitosprodutos num processo mais orgânico podem teruma cor diferenciada, uma textura ou tamanhodiferente, etc. O que os próprios colegas de feiraavaliam é que se um determinado produtoorgânico está escasso devido a fatores climáticosou biológicos, e surge um produtor com umproduto diferenciado, é uma forma de se avaliarbem o caso e verificar se aquele produto é de fatoorgânico ou se foi adquirido de outro produtor quecultiva de forma convencional. A especificidadepode ser também avaliada pela suaregionalização (especificidade de localização),pois, uma região tem características específicasprincipalmente de clima para produzirdeterminado produto.

Quanto às características dos agentesenvolvidos, a racionalidade limitada está presentee, por isso, não é possível conhecer todas ascaracterísticas dos produtos. Dessa forma, tantona relação entre feirantes como com osconsumidores sempre ficam algumas dúvidas nãose conhecendo tudo, mas as pessoas buscamtransacionar de forma que acreditem em certas

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características. Mesmo alguns fatores como umproduto fora de um determinado padrão gerandouma desconfiança, não é a única característica dedizer que aquele produto não é orgânico, nesseaspecto a reputação do indivíduo adquirida peloseu tempo de feira se torna um fator importante. Ooportunismo tem sido pouco constatado entre osagentes, os processos de vistoria naspropriedades por outros produtores econsumidores contribuem para diminuir ooportunismo, pois se diminui as informaçõesassimétricas, dessa forma as relações deconfiança predominam.

Considerações FinaisAs relações entre os membros da Feira de

Agricultores Ecologistas (FAE) em Porto Alegre,Rio Grande do Sul, mostrou ter relações deconfiança entre os agentes. Essa confiança éadquirida principalmente por uma maior freqüêncianas relações que gera uma interação dosprodutores/feirantes com os seus colegas e comos consumidores. Porém, como os consumidoressão heterogêneos, há consumidores que nãocriam tanto vínculo com os produtores/feirantes,mesmo com uma maior freqüência nastransações.

Os selos de certificação e a rotulagem sãomecanismos usados na certificação auditada etambém na participativa, o que permite que osconsumidores e colegas de produção possamconhecer melhor as características dos produtos,diminuindo a incerteza. Porém, na FAE, mesmoadotando a certificação participativa, devido àscaracterísticas dos produtos como o ato deescolher o produto e pesar ou separar porunidades no momento da compra, muitosprodutores/feirantes não usam o selo doorganismo participativo de avaliação daconformidade no produto.

As características de especificidade dos ativoscomo de ser de uma determinada região ou umpadrão, são mecanismos que permitem que os

produtores/feirantes possam conhecer melhor osprodutos oferecidos pelos colegas. Porém, comoo indivíduo não consegue prever tudo devido àsua racionalidade limitada, a confiança tanto entreprodutores/feirantes com colegas como com osconsumidores nunca é total.

As feiras como a FAE permitem que na relaçãodos produtores/feirantes com os consumidoresocorra uma maior interação, o que gera umamaior personificação das relações para atenderalguns requisitos como um produto comdeterminadas características.

As percepções de determinadoscomportamentos de um agente como a confiançaem algo ou em alguém são de difícil mensuração,dificultando generalizar o estudo para outraspopulações. Assim, o trabalho traz os conceitosda teoria (ECT) e na visão dosprodutores/feirantes como os elementos da teoriaestão presentes.

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