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A CONQUISTA DA TERRA E A ATUAL SITUAÇÃO DOS CAMPONESES NO ASSENTAMENTO RURAL LAGOA DE ITAPARICA, MUNICÍPIO DE XIQUE- XIQUE (BA) Railton do Nascimento Barbosa Universidade Federal da Bahia – UFBA Campus de Barreiras [email protected] Janes Terezinha Lavoratti Universidade Federal da Bahia – UFBA Campus de Barreiras [email protected] Resumo Este trabalho resultou da inquietação com relação à situação dos camponeses do Assentamento Rural Lagoa de Itaparica no município de Xique-Xique (BA), onde os mesmos têm a promessa de um lote de terra para plantar, desde o ano de criação do Projeto de Assentamento de Reforma Agrária em 2004, o que não se efetivou porque a área onde serão instalados é uma Área de Preservação Ambiental que ainda aguarda a licença ambiental. Assim sendo, estas famílias sobrevivem com renda proveniente de outros recursos, como a pesca artesanal e os benefícios governamentais oriundos do Bolsa Família, Seguro Defeso e aposentadorias. A análise desta situação nos remete ao fato de que o problema da propriedade da terra e dos incentivos para o homem permanecer no campo vivendo e produzindo com dignidade, em nosso país, apresenta um sistema falho que deve ser avaliado e discutido nos seus mais diversos aspectos. Palavras-chave: Camponeses. Assentamento Rural. Reforma Agrária. Propriedade da Terra. Introdução A atividade agrícola é uma das formas mais antigas que o homem encontrou para produzir alimentos para o seu sustento e da sua família. Essa atividade serviu, desde a pré-história, para transformar as formas de se produzir e (re) produzir espaço, através da alteração de um espaço natural em espaço geográfico através das ações humanas. A agricultura inicialmente foi condicionada à presença de recursos naturais que propiciassem o seu desenvolvimento, como um solo fértil, chuvas abundantes, leitos dos rios, clima favorável, topografia do relevo, entre outros, a exemplo do que ocorreu no vale do Rio Nilo e na Mesopotâmia entre os rios Tigre e Eufrates na antiguidade, onde surgiram as primeiras civilizações e o domínio das primeiras técnicas relacionadas com a agricultura.

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A CONQUISTA DA TERRA E A ATUAL SITUAÇÃO DOS CAMPONESES NO ASSENTAMENTO RURAL LAGOA DE ITAPARICA, MUNICÍPIO DE XIQUE-

XIQUE (BA)

Railton do Nascimento Barbosa Universidade Federal da Bahia – UFBA

Campus de Barreiras [email protected]

Janes Terezinha Lavoratti

Universidade Federal da Bahia – UFBA Campus de Barreiras

[email protected]

Resumo

Este trabalho resultou da inquietação com relação à situação dos camponeses do Assentamento Rural Lagoa de Itaparica no município de Xique-Xique (BA), onde os mesmos têm a promessa de um lote de terra para plantar, desde o ano de criação do Projeto de Assentamento de Reforma Agrária em 2004, o que não se efetivou porque a área onde serão instalados é uma Área de Preservação Ambiental que ainda aguarda a licença ambiental. Assim sendo, estas famílias sobrevivem com renda proveniente de outros recursos, como a pesca artesanal e os benefícios governamentais oriundos do Bolsa Família, Seguro Defeso e aposentadorias. A análise desta situação nos remete ao fato de que o problema da propriedade da terra e dos incentivos para o homem permanecer no campo vivendo e produzindo com dignidade, em nosso país, apresenta um sistema falho que deve ser avaliado e discutido nos seus mais diversos aspectos. Palavras-chave: Camponeses. Assentamento Rural. Reforma Agrária. Propriedade da Terra.

Introdução A atividade agrícola é uma das formas mais antigas que o homem encontrou para

produzir alimentos para o seu sustento e da sua família. Essa atividade serviu, desde a

pré-história, para transformar as formas de se produzir e (re) produzir espaço, através

da alteração de um espaço natural em espaço geográfico através das ações humanas.

A agricultura inicialmente foi condicionada à presença de recursos naturais que

propiciassem o seu desenvolvimento, como um solo fértil, chuvas abundantes, leitos dos

rios, clima favorável, topografia do relevo, entre outros, a exemplo do que ocorreu no

vale do Rio Nilo e na Mesopotâmia entre os rios Tigre e Eufrates na antiguidade, onde

surgiram as primeiras civilizações e o domínio das primeiras técnicas relacionadas com

a agricultura.

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Todavia, atualmente, com o avanço das técnicas associadas ao incremento de novas

tecnologias e informação à produção agrícola, essa “dependência” dos fatores naturais

se inverteu um pouco, uma vez que se um local não oferece as condições naturais

necessárias para o cultivo de determinado produto, existem inúmeras formas de tornar

esse local propício, como os corretivos e adubação de solo, dentre outros.

A Região Nordeste do Brasil, até bem pouco tempo era vista como uma “região-

problema” devido à seca, que se configurou posteriormente em alvo das políticas

destinadas à captação de água para a produção agropecuária (políticas hidráulicas)

adotadas pelo Estado, o que se configurou mais tarde na conhecida “indústria da seca”,

a qual beneficiava os coronéis e grandes fazendeiros da região, em detrimento das

famílias dos pequenos agricultores camponeses.

Hoje, seletas áreas do nordeste brasileiro são alvos de intensas políticas públicas, sendo

consideradas como as novas fronteiras agrícolas a serem exploradas em nosso país, a

exemplo do cultivo de soja no Oeste Baiano, da fruticultura irrigada entre Juazeiro e

Petrolina e da possível exploração das terras do Baixio de Irecê. Até então não se sabe

ao certo o que será cultivado nesse espaço.

Como exemplo desse processo, podemos citar atualmente o polêmico projeto de

integração (transposição) das águas do Rio São Francisco e o próprio projeto de

irrigação Baixio de Irecê, os quais já possuem consumidores potenciais, principalmente

estrangeiros.

Em relação ao Baixio de Irecê, cogita-se que o perímetro irrigado será ocupado pela

monocultura da cana de açúcar, fatos que contribuem mais uma vez em mais recursos

para o agronegócio exploratório para atender a uma demanda energética nacional e

mundial, em detrimento da agricultura familiar camponesa.

Este tipo de atitude acaba por ser negativo para a região, pois gerará poucos empregos,

e, trará consigo uma forte especulação fundiária e imobiliária, o que pode acarretar em

péssimas condições para os camponeses, pequenos produtores, pescadores e demais

trabalhadores ligados a setores menos valorizados pelas políticas governamentais.

Decorre daí nossa preocupação de como a agricultura camponesa sobreviverá, sem

recursos, sem assistência técnica, e sendo os movimentos de luta pela terra, muitas

vezes, banalizados de forma geral. É importante destacar que a agricultura camponesa

tem suas estratégias de sobrevivência, apesar dos poucos recursos com os quais lida.

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Em contraponto com a agricultura que se implantou no Sul e Sudeste do Brasil, onde

predominou o cooperativismo e o associativismo, no Nordeste, sobressaiu-se a

concentração fundiária e a falta de apoio governamental, acompanhada do fracasso do

processo de organização para a produção e comercialização dos produtos advindos da

pequena produção agropecuária, bem como do insucesso de muitos assentamentos

rurais.

O motivo pelo qual a organização social no meio rural nordestino não obter êxito, em

alguns espaços da região, necessita de maiores reflexões. Em contra partida, podemos

aqui fazer algumas inferências, pois não sabemos se o problema é por falta de

acompanhamento estatal, se é por falta de organização da sociedade civil, ou, se é por

questões culturais. O que se sabe é que o Estado historicamente manteve o Nordeste

aquém dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento.

Sabemos que a realidade nordestina obteve alguns avanços positivos, principalmente

nas últimas décadas, mas, ainda permanece a concentração da renda e da terra, com um

verdadeiro descaso em relação aos assentamentos rurais. Tal fato não poderia continuar

a acontecer, uma vez que os camponeses desta região ainda sobrevivem em péssimas

condições de vida, como foi constatado nesta pesquisa.

A partir do exposto acima, o presente projeto de pesquisa analisou como se deu a

conquista da terra e como se encontra a situação dos camponeses no Assentamento

Rural Lagoa de Itaparica no município de Xique-Xique/BA. Assim como, por quais

fatores este projeto de assentamento como forma de produzir espaço, não tem

experimentado avanços significativos na produção, tanto para a subsistência dos

assentados, quanto para a produção de excedentes, capaz de promover o bem-estar das

famílias ali assentadas.

A pesquisa de campo se realizou entre os meses de Outubro e Dezembro do ano de

2011, quando realizamos visitas técnicas aos assentados, com posterior aplicação de

questionários às famílias assentadas e entrevistas com um dos fundadores da associação

dos moradores da comunidade de Saco dos Bois, povoado próximo à Lagoa de

Itaparica, o que serviu de base para as primeiras movimentações pró-criação do

assentamento.

Os documentos e publicações relacionados com o tema e os instrumentos fornecedores

de dados úteis à pesquisa foram consultados no enriquecimento da pesquisa e no debate

crítico sobre o tema. A pesquisa bibliográfica aconteceu de forma contínua e processual

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para dar continuidade à parte prática do trabalho, consoante a bibliografia à disposição,

bem como o auxílio dos professores e colegas universitários.

O trabalho de conclusão de curso, ao qual se dedicou esta pesquisa, resultou em uma

monografia de 6 capítulos, sustentados pela pesquisa bibliográfica e de campo, para

chegar às proposições e recomendações.

Justificativa

Um estudo sobre a conquista da terra e a atual situação dos camponeses no

assentamento rural Lagoa de Itaparica, pode reverter-se em contribuição para a melhoria

da qualidade de vida dos assentados.

A ausência de pesquisas na área de abrangência deste estudo é um motivo a mais para

esta inquietação, a qual procura contribuir com um espaço que está sendo produzido por

agricultores familiares camponeses que, conseguem produzir muito pouco, e atualmente

buscam agrupar-se com o fim de buscar apoio governamental, bem como para

pressionar o Estado a buscar novas alternativas para a melhoria de vida de suas famílias

e resolver a questão da propriedade da terra em forma de lotes para poderem plantar,

pois o espaço onde estão assentados não lhes proporciona esta possibilidade.

Diante destes aspectos, este trabalho visou identificar essa busca por um

desenvolvimento da produção para a melhoria de vida desses camponeses e,

consequentemente contribuir para o avanço nos estudos agrários e da ciência geográfica.

Entende-se, portanto, que é preciso provocar o debate não só na Universidade, mas,

principalmente no âmbito regional, assim como proporcionar aos assentados

ferramentas que auxiliem no processo de consolidação da luta pela terra.

Objetivos Analisar como se deu o processo de conquista da terra e como se encontra a situação

dos camponeses no Projeto de Assentamento Lagoa de Itaparica, no município de

Xique-Xique (BA).

Identificar o papel exercido pela pesca artesanal na dinâmica do município de Xique-

Xique, bem como na do Assentamento Lagoa de Itaparica;

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Estudar a problemática de desenvolvimento da produção rural do assentamento e

possibilidades de desenvolvimento;

Entender a distribuição fundiária do município e a inserção do assentamento estudado;

Fazer um levantamento das potencialidades do entorno do assentamento e propor

alternativas.

Caracterização e Localização da Área de Estudos A ocupação regional remonta período histórico e geográfico bem remoto, quando a

região do Vale do São Francisco era habitada exclusivamente por tribos indígenas de

diversas etnias, com seus costumes, valores, crenças e o modo bem peculiar de labutar

com o rio e demais atributos naturais.

Somente em meados do século XVI, o português Francisco Garcia Dias D’Ávila, que

acompanhava Tomé de Souza (fundador de Salvador), iniciou expedição navegando de

jusante a montante do Rio São Francisco e do seu principal afluente, o rio Grande,

chegando até aos confins do Piauí e do Maranhão. Em cada parada Garcia D’ávila

deixava um casal de escravos com alguns animais bovinos e equinos. Assim surgiram

os primeiros núcleos de colonização portuguesa no vale do Rio São Francisco e dos

seus afluentes. (MACHADO NETO, 1999; ROCHA, 2004).

Por volta de 1540, sertanistas à procura de ouro iniciaram o desbravamento do Vale do

São Francisco. Em torno do ano de 1700, formaram-se as primeiras fazendas na

margem direita do Rio São Francisco, estas situavam-se basicamente em terras

pertencentes às famílias Casa da Ponte e Mestre de Campo Guedes de Brito, dentre as

quais destacam-se a Fazenda Praia e a Fazenda Saco dos Bois. A primeira originou o

atual município de “Xique-Xique” e a segunda o assentamento rural Lagoa de

Itaparica, objeto de estudo desta pesquisa.

Na Fazenda Praia, de posse do latifundiário Sebastião José de Carvalho, foi construída

a capela de Senhor do Bonfim e Bom Jesus de Chique-Chique, a qual passou a atender

os habitantes da Ilha do Miradouro e os ex-garimpeiros das minas de ouro da Serra do

Assuruá (atual município de Gentio do Ouro).

O Rio São Francisco como Indutor de Desenvolvimento O município de Xique-Xique localiza-se mais precisamente no noroeste do estado da

Bahia (figura 1), a uma distância de aproximadamente 583 km da capital, Salvador.

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Foi no passado um importante centro comercial regional quando as ligações entre as

cidades eram feitas quase que exclusivamente por via fluvial.

Até meados do século XX, quando a navegação fluvial representava o principal meio

de transporte pelo Rio São Francisco, Xique-Xique representava um dos mais

importantes entrepostos comerciais do vale do rio da integração nacional ou rio dos

currais, como ficou conhecido este grande rio. Servia de base para interligar a Região

do semi-árido baiano ao litoral. Naquele contexto, era o maior centro urbano regional.

Neste contexto, boa parte das mercadorias que eram produzidas nas fazendas da

região, e, também, as que chegavam com as embarcações movidas a vapor, iriam

alimentar os trabalhadores ligados à mineração aurífera na Serra do Assuruá. Essas

mercadorias, principalmente as ligadas à agropecuária, também eram escoadas através

de Feira de Santana para abastecer o Recôncavo e a capital baiana, Salvador.

O desenvolvimento das cidades ribeirinhas sempre teve uma íntima relação entre o

Estado e o Rio São Francisco, todas as atividades econômicas relacionadas com o rio

sempre tiveram esta estreita ligação, desde o período colonial; por isso, recebeu um

destaque especial em relação aos demais rios do Brasil.

O município de Xique-Xique tivera contra si a inexistência de uma política agrícola

mais eficaz, nem a criação do Programa de Valorização da Pequena Produção Rural

(PRONAF) conseguiu alterar tal situação da agricultura familiar nordestina e neste

contexto está o município em questão.

Além de contar com uma estrutura fundiária predominantemente concentrada, formada

por grandes fazendas de gado, Xique-Xique ainda contou com o descaso do Estado,

frente às políticas públicas, capazes de barrar o atraso em que se encontrava. Tais

aspectos negativos dificultaram a fixação de núcleos humanos nesse espaço, fazendo

com que o município perdesse parte da polarização exercida na região para a cidade de

Irecê.

Esses acontecimentos associados à opção do transporte rodoviário pelo governo

brasileiro, a partir da década de 1960, através da construção de Brasília, provocaram a

perda da importância da navegação fluvial pelo Rio São Francisco, ocasionando o

empobrecimento e a decadência de alguns dos antigos centros comerciais não

beneficiados com as estradas de rodagem, e que permaneceram, por várias décadas, à

margem do desenvolvimento.

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Até meados da década de 1990, Xique-Xique se destacava como um dos maiores

produtores de cebola do Vale do São Francisco. Este produto era cultivado nas áreas

não alagáveis pelas cheias do referido rio. A cebola proporcionava alta produtividade

em pequenas áreas de terras, mas exigia altos investimentos e demandava grandes

quantidades de água para irrigação, a qual utilizava as técnicas da moto-bomba,

tecnologia implantada inicialmente no baixo-médio São Francisco, mais precisamente

na cidade de Cabrobó em Pernambuco (TURNOWSKI, 1966).

Entretanto, a cebola era bastante perecível, e, o município não dispunha de locais

ideais para armazenamento, nem de transportes adequados para escoamento da

produção e nem de técnicas avançadas de irrigação. Tais fatos associados com a

concorrência da cebola importada da argentina, resultaram no declínio do produto e a

falência de muitos produtores, os quais ainda têm marcados na paisagem de suas terras

as ruínas e os resquícios da suntuosidade vivenciada naquela época.

Entretanto, as tradições culturais e históricas de Xique-Xique não permitiram que ele

desaparecesse no vendaval do processo. Porém, tais acontecimentos fizeram com que

grande parte da população deste município migrasse para a região do Platô de Irecê,

impulsionadas pela atividade agrícola crescente, principalmente aquelas ligadas ao

cultivo do feijão (SEI, 1994), e, sobretudo para as grandes metrópoles do Sudeste

brasileiro, principalmente para São Paulo e Rio de Janeiro.

Atualmente, este município é um grande produtor de peixes, abastecendo boa parte do

comércio local e regional, devido a abundancia de áreas pesqueiras nos diferentes

recursos hídricos, como a Ipueira (única no Rio São Francisco) que banha a cidade,

bem como às diversas lagoas que se formam ao longo do curso do grande rio, e, em

especial a Lagoa de Itaparica.

Esta atividade emprega muitos pescadores e seus familiares, os quais estão

“devidamente” cadastrados junto à Colônia de Pescadores Z-37, e recebem um

benefício de quatro salários mínimos durante a época da piracema (período de defeso

dos peixes). No período de Novembro a Março é proibida a pesca, com o intuito de

garantir a reprodução dos peixes e a consequente continuidade da atividade pesqueira.

Cabe aqui abrir um parêntese sobre a importância socioeconômica da Lagoa de

Itaparica, pois a mesma se configura como a maior lagoa às margens do Rio São

Francisco (SEMARH, 2011) e abriga inúmeras comunidades de pescadores ao longo

de sua área de abrangência.

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Muitos catingueiros, como são conhecidos os sertanejos, que tem mais contato com a

caatinga do que com o rio, habitantes da região vizinha a Xique-Xique por onde não

passam rios perenes, utilizam esse espaço para adquirir peixes a baixo custo e

comercializá-los por preços mais elevados em outros espaços.

Os pescadores que habitam as margens da Lagoa de Itaparica, até bem pouco tempo

pagavam 1/3 dos peixes pescados para o latifundiário dono da fazenda que circundava

a mesma.

Os pescadores muitas vezes levam a sua produção em bicicletas, há uma distância de

dezenas de quilômetros até a sede municipal, aonde os peixes já chegam, em muitos

casos, estragados. Neste caso, o poder público municipal poderia disponibilizar um

transporte adequado como alternativa de melhorar as técnicas de armazenamento e

comercialização do pescado, e a consequente melhoria de vida daqueles sofridos

ribeirinhos.

Os acontecimentos relatados demonstram uma grande identidade dos ribeirinhos com

o Rio São Francisco, pois além de fonte de renda através da pesca e da pequena

agricultura nos terrenos aluviais, o mesmo também serve para o abastecimento de

água da população local e dos animais. Este rio carece de uma maior preservação não

só pela população local, como também de projetos elaborados pelo poder público nas

três esferas de governo, com o intuito de manter a perenidade do mesmo, uma vez

que todos os afluentes da margem direita deste rio são intermitentes ou temporários.

Características Físicas e Humanas do Município de Xique-Xique

De acordo com a publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE

(2010, site oficial), o município de Xique-Xique possui área de 5.502,297 Km2,

configurando-o como o mais extenso da Região de Irecê, com uma população de

45.536 habitantes, a densidade demográfica alcança 8,28 hab./km2.

Ainda acompanhando os dados do IBGE, o clima do município caracteriza-se como

sub-úmido a seco, com vegetação predominante de caatinga arbórea aberta. Na

formação geológica se insere no domínio morfoclimático de calcários; depósitos

eluvionares e coluvionares; depósitos fluviais; dolomitos e quartzitos. Está nas

unidades geomórficas do Pediplano Sertanejo das Várzeas e Terraços Aluviais.

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Entre estes espaços existe sempre uma área de transição e de contado, configurando

características bastante complexas para os mesmos. Assim, o município de Xique-

Xique, encontra-se totalmente inserido no Nordeste seco, pertencendo ao polígono

das caatingas.

A média de chuvas no Nordeste seco está entre 268 e 800 mm anuais, mesmo assim

este espaço ainda se configura como uma das áreas semi-áridas mais habitadas do

mundo, com pouco mais de 23 milhões de habitantes (AB’ SÁBER, 2003)

De acordo com este mesmo autor, devido aos baixos índices pluviométricos, a

hidrologia regional do Nordeste seco é intima e totalmente dependente do ritmo

climático sazonal, dominante no espaço fisiográfico dos sertões.

Ocorre bastante diferença inter-regional no Nordeste, onde a zona da mata, o agreste,

o sertão e o meio norte são muito distintos, apesar de existirem resquícios de uma ou

outra vegetação nos interstícios de um domínio, fruto de alterações climáticas

passadas. Quanto à riqueza cultural, sem dúvida é no Sertão que existe a maior, a qual

resistiu ao tempo.

A maior mentira que nos é passada é a de que o nordestino não sabe conviver com a

seca. O sertanejo conhece as árvores medicinais, as que pode extrair água, bem como

os períodos mais propícios para o plantio e posterior colheita. Isso só serve, mais uma

vez, para que os políticos falaciosos programem falsas promessas para os nordestinos

no intuito de comprar o seu bem mais precioso, o seu voto.

Quanto à localização geográfica, o município está situado a uma altitude de 402 msnm,

a 10º49´18’’ de Latitude Sul de e 42º43´52’’ de Longitude Oeste, conforme a figura de

nº 01, a seguir:

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Figura 1. Mapa de localização do município de Xique-Xique/BA

Elaboração: Ronivon Rodrigues em 11/01/2012

O Projeto de Assentamento de Reforma Agrária Lagoa de Itaparica, caracteriza-se como

local privilegiado para entendermos o real significado de produção do espaço rural,

ainda que insipiente. O seu processo de implantação no ano de 2004 é resultado da

desapropriação de uma fazenda com mais de 2.300 ha.

Esse processo de desapropriação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA), significou para as 50 (cinquenta) famílias assentadas, novas formas

de organização social, em uma área de pouco mais de 2.327,13 hectares (ainda não

loteados), bem como em territorialidades mais solidárias, associadas à diferenciação nos

usos e funções da propriedade.

É importante frisar que a implantação de um assentamento não encerra a luta dos

camponeses, pelo contrário, começa aí uma série de desafios em busca dos seus direitos

sociais consagrados na Constituição Federal de 1988, os quais só poderão ser

conseguidos se os agricultores trabalharem em conjunto e articulados com outros

agentes de produção do espaço regional e local.

Procuraremos entender o Assentamento Lagoa de Itaparica, baseado em sua totalidade:

vias de transportes, circulação de mercadorias, ensino, produção e modo de produzir,

relação entre Estado e movimentos sociais, enfim, abre-se uma série de possibilidades.

Durante muito tempo, as informações sobre a pesca no Rio São Francisco foram

defasadas, dificultando o monitoramento e a fiscalização pelos órgãos oficiais, como

também as pesquisas científicas e a gestão adequada desta importante atividade, a qual

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movimenta a economia de muitas cidades ribeirinhas do Velho Chico e seus

tributários.

Neste contexto, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) sob responsabilidade da

Coordenação do Programa de Revitalização da Bacia do São Francisco em parceria

com o IBAMA, realizou o primeiro Censo Estrutural da Pesca na Bacia do Rio São

Francisco no ano de 2006, como parte integrante da metodologia de implementação de

um programa continuo de monitoramento da pesca, no intuito de gerenciar de forma

sustentável os recursos oriundos da pesca.

De acordo com a metodologia utilizada, este censo selecionou 29 municípios

ribeirinhos em relação à dinamicidade da atividade pesqueira. Dos 332 locais de

desembarque do pescado, dos quais o mais expressivo é Porto do Cais no município de

Xique -Xique, como pode ser observado na Figura 2 a seguir:

Figura 2. Canoas atracadas na Ipueira, porto do Cais em Xique-Xique/BA

Fonte: Autor da pesquisa

O acesso aos locais de desembarque de camponeses ribeirinhos e de suas lavouras, em

sua maioria, é feito através de barcos a remo e a motor e em estradas vicinais, sem

pavimentação. Dentre os locais de desembarque de pescado, podemos citar a Lagoa de

Itaparica e a comunidade de Saco dos Bois.

Cabe ressaltar que no município de Xique-Xique, particularmente, existe pista de

pouso para pequenas aeronaves, a qual tem pouca utilidade à comunidade pesquisada,

servindo apenas às lideranças políticas e elites locais.

Conforme o censo realizado em 2006 e publicado em 2007 pelo IBAMA, dos 9.531

pescadores cadastrados, 2.020 (21,2%) são do município de Xique-Xique. Os

municípios que apresentam maior índice de pescadores colonizados são: Casa Nova,

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Xique-Xique, Sento Sé, Remanso, Barra e Pilão Arcado, com 3.006, 2.949, 2.480,

1.400, 1.320 e 1.300 pescadores colonizados, respectivamente.

Não resta dúvida que a pesca é importante para Xique-Xique e região, uma vez que

esta atividade contribui para a organização do espaço local, no qual muitas lojas e

comércios sobrevivem da venda de materiais de pesca e similares, mostrando o quanto

a renda dos pescadores é drenada para o próprio município.

Situação do Assentamento e a Problemática da Propriedade da Terra Apesar dos poucos investimentos do Estado nas três esferas de governo, Federal,

Estaduais e Municipais, sobretudo, no que diz respeito à assistência técnica, incentivo

ao crédito rural e máquinas para auxiliar nas lavouras, ainda assim, a agricultura

familiar camponesa emprega cerca de 80% da mão de obra agrícola no Brasil

(OLIVEIRA, 2007).

Nesse contexto, torna-se errôneo pensar que só o agronegócio exploratório movimenta a

economia no campo, uma vez que, a sua produção é voltada para abastecer o mercado

externo. As máquinas utilizadas para a produção das commodities são altamente

modernizadas, e, grande parte dos camponeses expropriados de suas terras não

acompanha o processo, causando sérios problemas para o país.

Em Xique-Xique, por exemplo, existe um grande número de camponeses sobrevivendo

da pequena produção familiar, materializada através de projetos de Assentamento de

Reforma Agrária e de outros do mesmo gênero.

Os camponeses conseguem produzir para o sustento de suas famílias, e as vezes,

abastecer o comércio local com produtos, acima de tudo, orgânicos, apesar do descaso

estatal.

A pequena produção familiar camponesa necessita de políticas sociais mais eficazes, no

intuito de garantir saúde, educação de qualidade, infra-estrutura de transportes,

proporcionando geração de renda capaz de garantir a soberania alimentar das famílias

camponesas.

Os representantes políticos da região de Xique-Xique, não por coincidência, são

também grandes fazendeiros, ou seja, os latifundiários. Dessa forma, torna-se difícil os

anseios dos camponeses serem correspondidos nesse espaço regional marcado pelo

predomínio de territorialidades hegemônicas.

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Assim, constatamos que o programa Bolsa Família, o Seguro Defeso na piracema e as

aposentadorias são os principais benefícios de que os assentados dispõem para

complementar sua renda, uma vez que, seria difícil sobreviver com dignidade nos

assentamentos rurais com o pouco que produzem em suas propriedades, motivados pelo

descaso do governo.

Constatamos também que os assentados necessitam de posto médico na comunidade;

escolas de Ensino Fundamental (séries finais); assistência técnica eficaz. A principal

reivindicação dos assentados, sem dúvida, é o urgente loteamento dos mais e 2.000

hectares vizinhos à APA da Lagoa de Itaparica, o qual aguarda a licença ambiental por

parte dos órgãos competentes.

Feito isso, os assentados poderão criar seus animais e cultivar as suas lavouras de forma

eficiente, contribuindo para a melhoria dos índices sociais do assentamento, do

município de Xique-Xique, e, consequentemente, do estado da Bahia e do Brasil.

Da forma que se encontram os assentamentos rurais no município estudado, podemos

inferir que o Estado assenta as famílias, mas não proporciona a infraestrutura mínima

para a sobrevivência com dignidade e respeito. Este fato nos faz crer que o Estado deixa

a desejar no processo de reforma agrária no Brasil, induzindo a opinião pública a pensar

no fracasso dos assentamentos rurais, abrindo margem para o descrédito deste tipo de

política pública.

Todavia, a iniciativa privada entra com força, dando abertura para os latifundiários do

agronegócio, concentrar a terra e a renda, causando a monopolização da terra pelo

capital ou a territorialização do capital no campo, onde lhes interessa, mais

recentemente no vale do São Francisco.

Historicamente, as atividades arroladas no campo são feitas pelos homens, onde os

mesmos se ocupam das tarefas ditas pesadas, por causa da sua formação biológica,

enquanto as mulheres se encarregam de cuidar das tarefas domésticas e dos filhos. Mas,

essas características estão mudando no contexto da sociedade atual, no qual as mulheres

estão gradativamente ganhando mais espaço no mercado de trabalho, até mesmo em

atividades ditas masculinas, como a construção civil, por exemplo.

Percebemos nas conversas informais, bem como nas observações e aplicação de

questionários que 48% desses assentados sobrevivem, acima de tudo, da quantia obtida

com o programa de renda mínima do governo Federal, o Bolsa Família. Isso mostra a

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importância desse programa para os assentados manterem a soberania alimentar de suas

famílias.

Quantidade expressiva, ou seja, 33% dos assentados responderam possuir como auxílio

governamental o Seguro Defeso ou Seguro Desemprego, como dizem os pescadores da

região de Xique-Xique, recebido durante a época de reprodução ou desova dos peixes,

a piracema. O Seguro Defeso atualmente corresponde a 4 (quatro) salários mínimos

durante o período em que a pescaria fica parada, ou seja, entre os meses de Novembro a

Fevereiro.

Essa característica citada anteriromente demonstra a íntima relação dos assentados com

a Lagoa de Itaparica, pois é dela que eles extraem o seu principal sustento. Estes peixes

são vendidos para complemento da renda, e, muitas vezes, são doados pelos que pescam

para outros assentados, evidenciando o caráter solidário entre os projetos de reforma

agrária, em um mundo capitalista tão mesquinho e individualista em que estamos

inseridos.

Aspectos sociais e políticos

Uma quantia significativa 19%, possuem renda através da aposentadoria, seja por

invalidez, por tempo de serviço ou por idade, de acordo com Vandú, morador antigo do

povoado Saco dos Bois, vizinho ao assentamento: “os mais velhos estão sustentando os

mais novos por aqui...” . Tais dados se apresentam nos Gráficos 01 e 02, a seguir:

Gráfico 01. Tipo de auxílio Gráfico 02. Renda mensal por família

48%

33%

19%

Auxílio Governamental

Bolsa Família Seg. Defeso Aposentadoria

0102030405060708090

Menos de 1

salário mínimo

de 1 a 2 Salários mínimos

de 2 a 4 Salários mínimos

mais de 4 salários

mínimos

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Os movimentos sociais tem importância imprescindível para a formação do espaço

brasileiro, dentre os quais destacamos os movimentos de luta pela terra, sejam eles

velhos ou novos movimentos sociais (FOSCHIERA, 2010), estes são importantíssimos

para a formação da mentalidade da sociedade, na busca da conquista de um espaço mais

justo e solidário.

No processo de luta pela terra que antecedeu a criação do assentamento pesquisado,

poucos dos assentados participaram desse movimento. Dos que participaram, apenas

22% estavam ligados a algum movimento social, enquanto a esmagadora maioria 78%

não participaram de movimento algum. Este acontecimento talvez esteja ligado à grande

rotavidade dos assentados, visto que, das 50 famílias assentadas inicialmente, apenas 19

ainda permanecem no projeto.

A primeira reunião na comunidade de Saco dos Bois, com técnicos da EBDA (Empresa

Baiana de Desenvolvimento Agrícola) para a criação do Núcleo de Gestão Ambiental da

Lagoa de Itaparica, com ampla participação das mulheres, se deu em 11 de outubro de

2011, nesse galpão onde as famílias se reúnem eventualmente para discutir assuntos

ligados a própria comunidade, fato que demonstra uma certa esperança de ações

participativas comunitárias. Conforme se pode ver nas figuras 03 e 04, a seguir:

Figuras 03 e 04. Reunião da Comunidade Saco dos Bois

Fonte: autor da pesquisa

Nas ultimas décadas, a mídia vem influenciando cada vez mais no modo de vida das

pessoas, e, sobretudo, na sua forma de pensar. Dessa forma, os líderes dos movimentos

socias, são tachados como desordeiros e disseminadores da discórdia na sociede que

está sujeita a informações simultâneas, as quais são manipuladas para atender interesses

específicos das classes hegemônicas.

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Daí movimentos de luta pela terra como o MST, que se caracterizam como “novos

movimentos sociais” estarem inteligados com outros organizações sociais como a CPT,

o MAB, a via campesina, os seringueiros, dentre outros, contribuindo para a resistência

no campo e formação de massa crítica frente à correnteza imposta pelo modo de

produção captalista dominante (FOSCHIERA, 2010 op cit).

Neste contexto, 83% dos assentados da Lagoa de Itaparica são a favor da luta do

Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), enquanto os 17% restantes

demonstraram ser contra ou não souberam opinar sobre o assunto. Esse fato registra

que, apesar da baixa escolaridade dos trabalhadores rurais, eles demonstram politização

em relação ao processo histórico de luta pela terra no Brasil, através do maior

movimento social do Brasil e um dos maiores do mundo.

Desde o início deste projeto de pesquisa, houve a preocupação em levantar dados sobre

os meios de sobrevivência desses assentados, assim, a venda de excedentes poderia

contribuir com a melhoria de vida das famílias.

No entanto, ao serem questionados sobre os produtos que conseguem comercializar, as

respostas se inclinam para o fato de não comercializarem nada (56%) ou dispõem da

possibilidade de comercializar o pescado da Lagoa de Itaparica (28%), a venda de

produtos provenientes da agropecuária é incipiente com relação a esses outros dois

fatores. Isto reforça o argumento de que, esses assentados sem terra para plantar e criar

animais, estão vivendo maioritariamente dos benefícios oriundos dos programas sociais

em aplicação e é neste sentido que se defende a necessidade de investimentos a ser

aplicados para que estes camponeses pudessem trabalhar a terra e não viver do

assistencialismo.

Podemos inferir que o grande culpado pelo pouco desenvolvimento deste projeto de

assentamento é o Estado, que não garante a estrutura mínima de sobrevivencia para os

assentados, e, elabora projetos mal feitos, sem o planejamento adequado. Assim, temos

algumas indagações a fazer: por que criar um assentamento sem infra-estrutura? Seria

uma forma de legitimar o fracasso dos PAs de Reforma Agrária e corroborar com a

desorganização dos movimentos de luta pela terra? Seria também uma maneira de

ludibriar a opinião pública e não realizar a reforma agrária no país?

Alguns questionamentos para serem respondidos, necessitam de estudos mais

aprofundados. Por isso, enchergamos estas indagações sobre as contradições que

envolvem as questões agrárias no Brasil, não como algo pronto e acabado, mas acima de

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tudo, como uma provocação ao poder público nas três esferas de governo, e, sobretudo

aos assentados para buscarem seus direitos.

Outros aspectos devem ser observados, pois, de acordo com o Gestor das APAs Dunas e

Veredas do Baixo Médio São Francisco e Lagoa de Itaparica, Carlos Marçal, os

principais impactos ambientais ocorridos na Lagoa de Itaparica são: retirada ilegal de

areia, desmatamento, caça e pesca predatória. Como podemos observar nas imagens

abaixo, pescadores em atividade, tendo o gestor da APA (camisa branca e óculos

escuros) em campanha de conscientização com pescadosres nas margens da Lagoa,

alertando sobre o perigo do uso de malhas finas de naylon abaixo da bitola, para a

captura de especies menores do que o permitido por lei.

Figuras 05 e 06. Pescadores em atividade – entorno Lagoa de Itaparica

Fonte: www.viagemnosaofrancisco.blogspot.com

Os aspectos da vegetação de carnauba margeando a Lagoa de Itaparica, como se pode

observar abaixo, nos fornecem material suficiente para defender uma urgente gestão na

área, pelo que se pode recomendar a criação de uma Reserva Extrativista (Resex).

Ademais, como já foi dito anteriormente, os assentados não possuindo seus lotes para

plantar, estão utilizando espaços ligados ao entorno da Lagoa, para o cultivo de

melancia, abóbora, feijão e milho durante a vazante da mesma, bem como para a

criação de suinos e ovinos.

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Figuras 07 e 08 Vegetação de Carnaúba – margens da Lagoa de Itaparica

Fonte: autor da pesquisa.

Tendo em evidencia os carnaubais, reforça a idéia da tomada de medidas urgentes para

a distribuição de lotes aos assentados para desenvolverem a agricultura e sua pequena

criação de animais, com um planejamento adequado salvaguardando o entorno da Lagoa

e dando condições de vida digna às famílias que aí vivem.

Conclusões

Sobre as potencialidades naturais de Xique-Xique, Aziz Ab’Sáber (2003) já

recomendava o turismo como alternativa para a região, com fins de recreação e lazer.

Conforme esse autor, no município encontra-se o mais importante psamobioma do

interior do Brasil e enfatiza: “...para falar no mais importante psamobioma do interior

brasileiro, constituído pelo paleocampo de dunas quaternário da região de Xique-Xique

e este espaço pode, também, ser incorporado para a pesquisa científica”.

Com tantos atributos, fica o desafio ao município de Xique-Xique em adotar práticas

endógenas e centrípetas, as quais necessitam ser pensadas levando em consideração os

anseios do local, com ampla participação popular, para que tenha um futuro promissor.

Assim, como alternativas para o desenvolvimento do assentamento pesquisado,

propomos a criação de áreas para a prática do ecoturismo, do geoturismo, do turismo

pedagógico e científico na Lagoa de Itaparica, e no paleocampo de dunas, com a

posterior valorização da cultura e do artesanato local. É bom deixar claro que qualquer

planejamento turístico vindouro necessita abranger os anseios da população afetada,

desde o processo do planejamento, até a consolidação da atividade, tal como se

reportam Barbosa e Moura (2009).

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Para tanto, é imprescindível que o município seja visto também como base para o

empreendedorismo competitivo, mais evidente no mundo a partir da década de 1970 aos

dias atuais.

No bojo do processo, em se tratando de Xique-Xique, para que se efetive uma eficaz

política de desenvolvimento municipal, torna-se imprescindível o rompimento do

apadrinhamento e do parentesco enraizado na política nacional, que se reflete na política

regional e local, dando lugar ao empreendedorismo competitivo e participativo.

Notas ________________ 1.Railton do Nascimento Barbosa, licenciado em Geografia pela Universidade Federal da Bahia – Campus de Barreiras (BA). Professor de Geografia no ensino fundamental e médio na cidade de Barreiras. 2.Janes Terezinha Lavoratti, Doutora em Geografia pela Universidade de Córdoba/Espanha professora

adjunta da Universidade Federal da Bahia – Curso de Geografia, Campus de Barreiras (orientadora).

Referências

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OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007, 184p. TURNOWSKI, Salomão. A ocupação agrícola no Médio São Francisco. A área de Cabrobó. Rio de Janeiro, AGB - S. R. R. J. Boletim Carioca de Geografia ano XVII, 1965/1966. Sites consultados: http://www.sei.ba.gov.br, Acesso em 28/02/2010 <http://www.geografar.ufba.br/imagens/assent_bahia.pdf>, Acesso em 04/03/20011 http://www.geografar.ufba.br/Tabelas_assentamentos.pdf, Acesso em 04/03/2001 <http://www.viagemnosaofrancisco.blogspot.com> <http://www.ibge.gov.br> Acesso em 15/12/2011