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7/30/2019 A consciência segundo Spinoza (Cláudio Ulpino) http://slidepdf.com/reader/full/a-consciencia-segundo-spinoza-claudio-ulpino 1/24 A consciência segundo Spinoza. Aula de Cláudio Ulpiano de 10 de setembro de 1995 LADO A da fita. Esta é uma aula trágica. Trágico não quer dizer sofrimento – não é nada disso; mas uma aula fundada num homem que esteve neste planeta durante quarenta e cinco anos. Nesses quarenta e cinco anos de vida, ele se preocupou em compreender e em observar se há ou havia saída para o sofrimento da alma humana. Esse homem chama- se Espinosa. Espinosa viveu no século XVII: nasceu em 1632. Ele foi injuriado e odiado durante a sua vida… e acusado de materialista e de ateu. Quando diziam que ele era materialista e ateu, ele, sim, sentia uma enorme alegria, porque ele era materialista e ateu. Mas não considerava isso uma desonra. Pelo contrário! Uma posição, para ele, a mais elevada que o homem poderia ter. Eu usei uma expressão perigosa – “a posição mais elevada que o homem poderia ter”. Dizer: a posição mais elevada que o homem poderia ter – não tem uma significação moral. Significa que aquele que tem a posição mais elevada venceu todos os medos, todas as angústias e todos os sofrimentos. Ou seja: o homem mais elevado, no conceito de Espinosa, é aquele que, através do seu pensamento, descobriu que a vida pode se dar sem angústia ou depressão. Então, dizer “o homem mais elevado”, não é um elogio pelos discursos que Espinosa proferiu; mas um fato, que ele teve como questão da vida dele - e os mais jovens talvez não entendam a força existencial do que eu estou dizendo -, que ele teve como questão primacial da obra dele o sofrimento da humanidade. Diante desse sofrimento – e não é o sofrimento do corpo que preocupou Espinosa – é o sofrimento da alma: a alma humana envolvida com o medo da morte, das angústias, dos terrores que a acompanham desde o nascimento. Se nós, literalmente, não tivéssemos tido Espinosa – quer dizer, este Espinosa que eu vou começar a dar pra vocês -, o homem seria um ser sem saída Ele seria um ser definitivamente mergulhado na angústia. Ou melhor: tudo aquilo que está dentro do tempo… nasce, desenvolve-se e morre. O que leva qualquer criatura dentro do tempo - se não houvesse Espinosa -, a estar condenada a um sofrimento insuportável.

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A consciência segundo Spinoza.

Aula de Cláudio Ulpiano de 10 de setembro de 1995

LADO A da fita.

Esta é uma aula trágica. Trágico não quer dizer sofrimento – não énada disso; mas uma aula fundada num homem que esteve nesteplaneta durante quarenta e cinco anos. Nesses quarenta e cinco anosde vida, ele se preocupou em compreender e em observar se há ouhavia saída para o sofrimento da alma humana. Esse homem chama-se Espinosa.

Espinosa viveu no século XVII: nasceu em 1632. Ele foi injuriado eodiado durante a sua vida… e acusado de materialista e de ateu.Quando diziam que ele era materialista e ateu, ele, sim, sentia umaenorme alegria, porque ele era materialista e ateu. Mas nãoconsiderava isso uma desonra. Pelo contrário! Uma posição, para ele,a mais elevada que o homem poderia ter.

Eu usei uma expressão perigosa – “a posição mais elevada que ohomem poderia ter”. Dizer: a posição mais elevada que o homempoderia ter – não tem uma significação moral. Significa que aqueleque tem a posição mais elevada venceu todos os medos, todas as

angústias e todos os sofrimentos. Ou seja: o homem mais elevado, noconceito de Espinosa, é aquele que, através do seu pensamento,descobriu que a vida pode se dar sem angústia ou depressão.

Então, dizer “o homem mais elevado”, não é um elogio pelosdiscursos que Espinosa proferiu; mas um fato, que ele teve comoquestão da vida dele - e os mais jovens talvez não entendam a forçaexistencial do que eu estou dizendo -, que ele teve como questãoprimacial da obra dele o sofrimento da humanidade. Diante dessesofrimento – e não é o sofrimento do corpo que preocupou Espinosa –é o sofrimento da alma: a alma humana envolvida com o medo da

morte, das angústias, dos terrores que a acompanham desde onascimento.

Se nós, literalmente, não tivéssemos tido Espinosa – quer dizer, esteEspinosa que eu vou começar a dar pra vocês -, o homem seria umser sem saída Ele seria um ser definitivamente mergulhado naangústia. Ou melhor: tudo aquilo que está dentro do tempo… nasce,desenvolve-se e morre. O que leva qualquer criatura dentro do tempo- se não houvesse Espinosa -, a estar condenada a um sofrimentoinsuportável.

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Essas afirmações que estou fazendo antes de começar a apresentarEspinosa pra vocês, é porque a obra dele tem como principaladversário – e aqui as palavras começam a ficar um pouco difíceispara serem entendidas -, o principal adversário da obra de Espinosa éa ignorância. Ele considera a ignorância o pior inimigo da vida.

Ignorância quer dizer ignorar. E quando você encontra um ser –Atenção pela beleza e pela dificuldade do que eu vou dizer! – quandovocê encontra um ser que é ignorante por acidente, significa que esseser é ignorante, mas pode deixar de ser. Ou seja: ignorância poracidente significa que esse ser, dependendo de determinadasocorrências, deixaria de ser ignorante. A questão de Espinosa não éessa! A questão do Espinosa é com aquele ser que é ignorante poressência. E que nada, jamais nada no universo pode modificar aquelaignorância. É um ser que tem como elemento inseparável de simesmo a ignorância.

Espinosa diz que este ser, que tem como elemento inseparável de simesmo a ignorância, que este ser é o maior inimigo da vida. E elechama esse ser do mesmo nome que nós costumamos chamar – aconsciência. Essa afirmação aqui é uma afirmação inicial.

Intervenção de aluna.: Ele chama a ignorância….

A consciência, para Espinosa, é um ser absolutamente ignorante e aignorância da consciência… – não adianta mandar a consciência paraum internato na Suíça, porque ela não tem cura. O Espinosa está

dizendo que ela é ignorante por essência, e não por acidente.É nesse momento que começa uma obra que dada a filosofia…???……esquece para sempre a consciência. Ela é declarada a ignorante semcura. E a partir dessa denúncia que Espinosa está fazendo para todosos homens – ele está dizendo para todos os homens: “Olhem, aconsciência, ela é… a ignorância absoluta!” Evidentemente que oshomens, que são governados pela consciência, não entendem o queele diz.

A gente ouve essa afirmação que Espinosa está fazendo – que aconsciência é ignorante – e, inicialmente, acha que são meraspalavras ou jogos de palavras que vão aparecer para nós – comoaconteceu durante toda a história do homem – que é ir se deparandocom jogos de palavras. Não é essa a questão! A questão de Espinosaé… de uma radicalidade assustadora! Ele diz e afirma que aconsciência jamais poderá deixar de ser ignorante. E, a partir dessaafirmação, eu vou mostrar pra vocês o que é a consciência.

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Em primeiro lugar, o que é algo fácil de ser entendido, o homem éconstituído de duas coisas – e as palavras aqui podem serprejudicadas pelas influências religiosas… – o homem é constituído deum corpo e de um espírito. Essa noção de espírito é a afirmação deque o homem é capaz de tentar – se ele consegue ou não é outro

problema! – entender a natureza; capaz de sofrer pelo sofrimento dosoutros e dos seus próprios; e é capaz de inventar novos objetos.

Inventar novos objetos, sofrer e procurar entender a natureza sãoíndices de que o homem possui um espírito.

Possuir um espírito é o fato de que o homem avalia, julga, sente,projeta, recorda-se, lamenta, sente alegria, sente tristeza… – todosesses componentes indicam, exaustivamente, que o homem não seesgota no corpo: que ele tem um espírito!

Então, Espinosa começa por essa afirmação: o homem é corpo eespírito! Essa afirmação, pelo menos aparentemente, não é muitooriginal, porque todas as religiões disseram a mesma coisa: o homemtem um corpo e um espírito.

A originalidade começa quando Espinosa diz que o espírito apareceno mundo por uma forma chamada consciência. Ou seja, nossoespírito – não vou dar exemplos porque vocês não iriam entender –aparece no mundo por uma forma que se chama consciência –Atenção! – e essa forma, a consciência, tem por função recolher em situdo o que ocorre na natureza. A consciência é como que… o

resultado dos acontecimentos da natureza. A consciência sofre, seangustia, tem depressões. A consciência é um órgão do espírito, ouum órgão no espírito humano que teria a função de conhecer anatureza das coisas. Teria a função de conhecer a natureza dascoisas… mas ela não pode conhecer a natureza das coisas.

Atenção! Espinosa diz que a natureza das coisas são relações causais.O que são relações causais? São relações de forças que percorrem anatureza.

A natureza são as forças dos corpos, ou melhor, diz Espinosa, oinfinito inteiro da natureza é constituído por dois afetos – acomposição e a decomposição dos corpos.

Quando você conhece a natureza, você conhece – diz ele - que anatureza só tem dois afetos: a composição e a decomposição. Maisnada!

Então, a natureza se explicaria pelos corpos que se compõem e peloscorpos que se decompõem. Para Espinosa a natureza não tem maisnenhuma lei, só essas duas; só esses dois afetos: composição edecomposição.

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A consciência – sendo um órgão do conhecimento – teria a função deconhecer as regras que organizam a composição e a decomposição.Mas ela não pode fazer isso – e esse é o momento mais difícil e maissofisticado para vocês entenderem - porque ela, a consciência, é umefeito da composição e da decomposição [dos corpos]. Ou seja, só

porque há composição e há decomposição é que há consciência. Aconsciência não é primária; ela é secundária – um produto dasrelações causais da natureza. Por isso, a natureza é toda constituídapor relações causais, nas suas composições e nas suasdecomposições; e ela, a natureza, só tem um efeito: esse efeitochama-se… consciência!

A consciência é um efeito; e sendo um efeito (ela é como se fosse aComlurb) – só recolhe os acontecimentos causais da natureza. Então,quando a consciência pertence a um corpo que está em composiçãocom outro corpo, a natureza recolhe alegria; quando está em

decomposição com outro corpo, ela recolhe tristeza. A consciêncianão compreende a natureza: ela sente a natureza!

(Atenção, para o que eu estou dizendo:)

A consciência não compreende os movimentos causais que anatureza efetua. Ela não compreende, mas sente esses movimentos.Por isso, a consciência é constituída pela variação das composições edas decomposições da natureza, que dão à consciência variação desentimentos.

A consciência é uma interminável sucessão de sentimentos. Ela passade um sentimento para outro, em função das composições e dasdecomposições que existem dentro da natureza.

Pergunta de aluno.: Uma interminável consciência dessesmovimentos? É como se fosse um movimento continuado, não é?

REPOSTA DO PROFESSOR.: O que a consciência tem são sentimentos.Ela não sabe o que são as composições e as decomposições danatureza; ela tem apenas sentimentos.

Então, por exemplo, o meu corpo se compõe com outro corpo, a

minha consciência sente alegria. O meu corpo e outro corpo sedecompõem, ela sente tristeza. Quando a composição permanece pormais tempo, ela sente amor. Quando a decomposição demora maistempo, ela sente ódio. Então, a consciência vai variando desentimentos. Ela é uma variação permanente de sentimentos.

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Por isso, qualquer homem está em permanente variação desentimentos. Ele sente amor, ódio, tristeza, alegria, esperança,angústia, desventura, raiva…. Tudo isso está se dando naconsciência, porque na natureza os corpos estão em composição eem decomposição. A partir daí, a definição da consciência é “aquela

que recolhe os efeitos do afeto que percorre o infinito da natureza: oafeto das composições e das decomposições”. Assim, a consciência éum ser mutilado. Ela é mutilada porque ela não pode apreender, elanão apreende as causalidades. Então, todo o saber que a consciênciatem é um saber mutilado, é um saber pela metade: ela não apreendeas causas; ela só conhece os efeitos.

Sendo assim, imediatamente, ela, a consciência, é por essênciaangustiada. Ela se angustia, porque sequer pode saber quanto tempoum sentimento que está nela vai durar. Porque ela não sabe que asvariações de sentimentos se dão pelas composições e pelas

decomposições da natureza. Ela só recolhe os efeitos.

Pergunta de aluno.: Decomposição seria a separação?

REPOSTA DO PROFESSOR.: A decomposição, M.L., é quando, porexemplo, digamos: você tem uma idéia sobre o que é democracia, aí você lê um texto em que um determinado autor produz uma noção dedemocracia que entra em choque com a sua. Quando duas idéias nãose compõem, elas se decompõem; e a decomposição de uma idéiaproduz em nós um sentimento de fraqueza.

Então, o que eu estou chamando de composição e decomposição écomposição e decomposição de idéias e composição e decomposiçãode corpos. Nós temos uma série de idéias e, de repente, essas idéiasentram em composição com outras idéias. Se essas duas idéias secompuserem nós sentimos alegria, porque nossa força aumenta.

Pergunta de aluno.: Elas somam?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Elas somam!

E se elas entrarem em confronto, nós sentimos tristeza. Então, o quenós temos que entender… – e aqui já começou a violência de

Espinosa -… que a consciência não entende: ela sente.

(É uma diferença fundamental, vou insistir até que vocês…)

Pergunta de aluno.: Soma ou perde, não é?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Ela compõe e decompõe.

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Ela não conhece composição nem decomposição. Ela só conhece ossentimentos. A consciência não conhece as leis da natureza. Ela sórecolhe – das composições e das decomposições – os sentimentos.Então, a nossa consciência é uma variação interminável desentimentos e esses sentimentos em variação constante geram um

sobre-sentimento, que se chama angústia. A angústia apareceria nãocomo um sentimento, mas como um sobre -sentimento, pelo fato deque a consciência não entende nada do que se passa. Nada! Ela nãofoi feita para entender; ela foi feita para sentir. Então ela passa toda asua existência mudando de um sentimento para outro. Essa variaçãode sentimento chega a um ponto que abafa a própria consciência. Aí ela sente angústia.

A angústia é a impossibilidade de a consciência permanecer num sósentimento. Os sentimentos não param de oscilar, porque a naturezanão pára de compor-se e de decompor-se. Então, o ponto de partida

da aula (está entendendo, R?) é que a consciência… ela não entende;ela sente.

Pergunta de aluno.: Ela sente a composição e a decomposição?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Ela pega os efeitos.

Aqui já apareceu um elemento da ignorância dela. Ela não temcapacidade para entender os movimentos da natureza. Ela nãoconsegue entender. Não conseguindo entender, o processo dela ésentir.

Pergunta de aluno.: A decomposição tem a ver com perda, não é?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Isso não tem muita importância, não,porque o importante aqui é o estado da consciência em termos desentimento.

O que nós chamamos de consciência é que todos nós temos acapacidade de sentir um determinado estado em que a gente está.De repente, você está aqui e uma tristeza te toma, daqui a poucouma alegria te toma, dali a pouco uma raiva, depois um ódio, dali apouco um amor. A consciência vai passando de sentimento para

sentimento. Então ela não consegue entender a natureza de maneiranenhuma, porque todo o procedimento dela é sentir.

A consciência sente, ela é o ser do sentimento. Então, envolvida emsentimento durante toda a sua existência, – toda a sua existênciaenvolvida em sentimento -, a consciência (Prestem atenção ao que euvou dizer agora porque é o enunciado principal!) a consciência nãoentende a natureza, ela não pode entender a natureza. (Prestem bematenção! ) Ela não pode entender a natureza! ! Então, ela, aconsciência, estaria fora do campo do entendimento.

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A consciência está fora do campo do entendimento. E aquilo que estáfora do campo do entendimento entra no campo da obediência. Aconsciência não nasceu para entender. Ela nasceu para obedecer oudesobedecer.

Não tendo como entender a natureza, a consciência acha que ela lhedá ordens: que a natureza envia ordens para ela, a consciência. E elaresponde a essas ordens obedecendo ou desobedecendo.

Quando ela obedece, espera de imediato uma recompensa. Quandodesobedece, ela espera uma punição. Então a nossa consciência,obedecendo ou desobedecendo, vive infernizada pela culpa. A culpa apercorre o tempo inteiro. Ela se sente culpada. A culpa que a percorreestá na própria incapacidade que ela tem de entender a natureza.Não entendendo a natureza, ela se sabe mutilada Ela é inteiramentemutilada! E em função disso emerge a culpa, que jamais poderá

abandoná-la. Então, quando se diz “consciência culpada”, isso é umaafirmação essencial. Toda e qualquer consciência é necessariamenteculpada.

Al Como é que ela desobedece à natureza?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Ela desobedece… Vou dar um exemplo.Um exemplo famoso em Espinosa.

Espinosa chama de Deus a própria natureza. Natureza para Espinosaé sinônimo de Deus. Então Espinosa diz:

Um dia Deus chegou para Adão – e Adão é um homem da consciência– e disse: “Adão, não coma este fruto!” Adão, quando ouviu aquilo,reagiu a esta afirmação de Deus – qual foi? – “não coma deste fruto”.Adão tomou aquilo como uma ordem: “Deus está me dando umaordem!” – foi assim que ele entendeu, porque a consciência nãoentende o que é dito. Tudo o que é dito a consciência toma comouma ordem. Então, Adão recebeu essa ordem de Deus – assim queele pensou que fosse! - e o que é que ele fez? Ele desobedeceu, istoé: ele comeu [o fruto]!

Quando ele come o fruto, ou seja, na hora em que ele desobedece a

ordem de Deus, o corpo de Adão vai sofrer as conseqüências: ele vaisentir dor! Na hora em que sente dor, Adão pensa que Deus está sevingando dele: que Deus o está castigando, porque ele desobedeceu.

Na verdade, Deus não estava dando uma ordem. Deus estavadizendo: “Olha, meu filho, se você comer esse fruto, quando as partesdo corpo desse fruto entrarem em contato com as partes do seucorpo, vai haver uma decomposição. Então, não coma esse fruto,porque você vai ficar envenenado!”. Deus estava dando a eleentendimento.

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Mas Adão, regido pela consciência, não pode entender: ele só podeobedecer ou desobedecer. Porque a consciência jamais é capaz deentender!

É nesse momento que Espinosa vai dizer provavelmente um dos

enunciados mais violentos da história do homem. Ele vai dizer que ohomem, governado pela consciência, é – por essência, por natureza –infeliz.

E ele diz: todos os homens, quando lhes é perguntado qual omomento mais feliz da existência deles, todo homem responde amesma coisa – “a minha infância”. Todo homem pensa, acha, que asua infância foi seu momento mais feliz.

Diz Espinosa: ao contrário, a infância é o momento mais infeliz dequalquer homem porque, na infância, o que governa uma criança é aconsciência – que só faz uma coisa: obedecer e desobedecer.Espinosa, então, diz que a infância é o momento mais triste da vida,porque [nessa etapa da vida] nós não temos capacidade de entendernada! Toda a nossa vida, na infância, se passa como uma relação decomando sobre nós – que nós obedecemos ou desobedecemos.

A partir daí Espinosa vai considerar a humanidade adâmica, ele vaiidentificar o homem – todos os homens – a Adão. Ou seja: ele chama“Adão, o ignorante e angustiado”; “o homem, o ignorante eangustiado”. Então, para Espinosa, o fator da perturbação que ohomem tem desde que nasce até que morre é a consciência.

Pergunta de aluno.: E quando a criança desobedece?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Quando ela desobedece, ela é punida: éassim que ela acha, porque a consciência não entende que anatureza é regida por leis; ela pensa que a natureza dá ordens. Então,ela obedece. E aí, quando ela obedece, [ela acredita que] a naturezadá um premio para ela; e [quando] desobedece, que a natureza acastiga. A consciência é escrava por essência.

O homem da consciência é um homem escravo. Ele é escravo domedo, da angústia, da mutilação, da impossibilidade de conhecer, das

incertezas. Espinosa aponta para essas questões, mas a prática queele está exercendo não é absolutamente original, porque muitosfilósofos também viram que há um motivo para o sofrimento dohomem. O motivo é a consciência, com sua incapacidade absoluta desair do sentimento e de entender qualquer coisa: ela não entende!

Não entendendo, vivendo em torno dos sentimentos, ela se embrulhanas suas mutilações e nas suas angústias… e sofre pela passagem dotempo e com todos os efeitos que recolhe das relações causais danatureza.

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Essa é a maior denúncia que já houve na história do pensamento, jamais, antes, houve uma denúncia desse tipo. Espinosa denunciaque a causa da infelicidade e da ignorância do homem é aconsciência. Então, o homem é um ser “necessariamente ignorante einfeliz” – diz ele. E isso nos coloca numa posição difícil!

Pergunta de aluno.: “Sem saída?”

REPOSTA DO PROFESSOR.: Aparentemente. Mas ele vai utilizar o LivroV – que eu estou começando [a apresentar] nesse curso pra vocês! –ele vai utilizar o Livro V da Ética para mostrar a saída.

Começa a surgir, aqui, um confronto com a vida, que a consciência,por sua própria essência, rejeita: a consciência rejeita o confrontocom a vida! E nós temos a impressão de que essa rejeição doconfronto com a vida é [algo de] bom pra nós, mas não é… porquetodas as práticas que a consciência faz, – que são práticas demutilação -, forçosamente geram nela uma angústia.

Então dizer: se surgir um ser vivo em Sirius e me perguntar o que é ohomem – eu responderei: é um ser angustiado, ignorante e infeliz! Eufaço essa enunciação com a maior tranqüilidade.

(Já estou dando os elementos iniciais…)

A partir dessa noção – que ele vai [fazer] crescer – Espinosa vaiapresentar a consciência de todas as maneiras, para o gosto de quemquiser – do cientista, do filósofo, do artista… Ele vai invadir, de

maneira total, esse campo da consciência, para nos mostrar que aconsciência é ignorante porque ela não pode entender nada; ela sópode sentir. E em seguida, vai dar início a uma famosa práticachamada a desvalorização da consciência.

Ele vai começar a desvalorizar tudo o que a consciência faz. E esse éum momento dramático para história da vida, porque o homem,desamparado, apostou na sua consciência – ele apostou que aconsciência iria dar conta das suas questões. E Espinosa disse: “nãotem jeito”!

Pergunta de aluno.: Consciência não tem nada a ver com razão?REPOSTA DO PROFESSOR.: A razão seria um elemento dela, seria umelemento da consciência. (Quer dizer, no decorrer das aulas eu dareiessa resposta com mais precisão.)

Quando se chega a uma posição dessas, há um pessimismo, como se,então, se dissesse: o homem é a consciência, a consciência éangustiada e infeliz… então… não há saída! Espinosa diz que aconsciência produz as paixões tristes e isso se distribui para toda ahumanidade. Onde [quer que] você encontre o homem você encontra

as paixões tristes. O homem, envolvido na tristeza das suas paixões…como se não pudesse ter outro caminho para ele!

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Nesse momento… (eu estou fazendo aqui um apressamento, paravocês começarem a entender todo esse arauto da beleza que éEspinosa.) Nesse momento ele diz que o espírito e a consciência nãosão a mesma coisa. A consciência é como se fosse uma ponta doiceberg. Há, no espírito, uma parte muito mais ampla que Espinosa

chama de inconsciente.Prestem atenção que esse momento é um dos momentos mais ricosdo espírito, porque ele não identificou o espírito à consciência. Aconsciência é apenas um ponto do espírito. Ele diz que existe noespírito uma parte mais poderosa que se chama inconsciente oupensamento.

Pela primeira vez na história do saber um filósofo faz essa denúnciada consciência e uma denúncia, que eu ainda não fiz integralmentepra vocês, que é uma denúncia sem saída – a consciência não tem

saída! Mas ele mostra que o espírito não se resume à consciência.Que há alguma coisa a mais no espírito, que ele chama depensamento.

Pergunta de aluno.: Ou inconsciente!?

Resp.: Ou inconsciente!

Muita gente pensará: ele está antecipando Freud? Não. Não, porque oinconsciente do Freud é a própria consciência. Isto aqui é muitoimportante de se entender: a diferença do inconsciente do Espinosa edo inconsciente do Freud. O inconsciente do Freud é umprolongamento da consciência e o inconsciente do Espinosa é umaparte separada da consciência. Então você vai encontrar no espíritohumano uma força chamada inconsciente ou pensamento, que não éignorante e não está governada pelos sentimentos.

Então, essa foi uma apresentação inicial (não é?) do que é o Espinosa,porque nós nos aproximamos cada vez mais de um mundo em que agrande revolução, a grande batalha, será do espírito. O Che Guevarado futuro é o próprio espírito! Ou seja: o esforço enorme da vida paraabandonar os domínios da consciência.

Eu vou contar um caso pra vocês e só vou contar esse caso para queas pessoas não fiquem confundindo que o homem – louro, de olhosazuis, adulto – do ocidente não é melhor do que ninguém. Isso é umailusão… [fim de fita]

LADO B da fita.

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Antonin Artaud foi ao México procurar uma tribo chamada Tarahumara (soletra). (Olhem que coisa que vocês vão ouvir!) Essesprimitivos, chamados Tarahumaras, tinham uma prática, em seucotidiano, de tomar uma beberagem chamada peyote. O peyote éuma droga psicodélica. Ela produz uma… alteração qualquer.

Aí Artaud se informou: – Por que vocês bebem peyote todos os dias?(E agora vem uma coisa pra gente ficar de joelhos!)

Os Tarahumaras responderam: – “é para impedir a dominação deciguri. ”

Aí Artaud perguntou: – “mas quem é ciguri?”

E eles responderam: – “a consciência”.

É Magnífico! A lição das mais brilhantes que eu já ouvi em toda a

minha vida! Ela [a lição] está nos dizendo que, em todos os instantesda nossa vida, nós corremos o risco de sermos tomados pela maldita– pela consciência! Quando ela nos domina, ela empurra desespero eangústia no nosso coração.

Então… eu vou contar pra vocês um fato mais… mais erudito, porquenão se trata mais de primitivos, mas de um escritor chamadoShakespeare. E, entre as obras dele, há uma chamada “Ricardo III”.

Não sei se vocês conhecem o Ricardo III – ele é a pessoa maisdeformada: é corcunda, tem pé chato, dedo virado, nariz bicudo, sei

lá o quê… ele é horroroso! E, salvo equívoco, ele é o quinto nalinhagem de herança do reinado da Santa Inglaterra, (não é?) Mas,antes de se tornar rei, tem cinco antes dele. O que é que ele faz?Mata os cinco! Dentre os cinco tem criancinhas, mulheres, homensbonitos, ele… mata tudo! E toma o poder.

Há um momento, na obra, em que ele se encontra com uma princesachamada Anne, que é mulher de um daqueles que ele matou, e esseencontro é sublime! Porque ela…no olhar dela… ela descobre quehomem magnífico é Ricardo III.

O último quadro da obra é Ricardo III num campo com seus soldados.Eles vão lutar com os outros soldados que vieram vingar os cincomortos.

A luta vai se dar de manhã. Ele dorme, tranquilamente, para acordarde manhã bem disposto. Mas de noite ele sonha; e quem aparece nosonho? Os cinco mortos, dizendo: “Assassino! Monstro! Crápula! Lesamajestade!”

Aí ele acorda de manhã, bate as mãos aqui [mostrando a testa] e diz:“Perdes tempo, ó consciência: eu não acredito em você!”

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Ou seja: ele não acreditou em nenhuma das acusações que o sonhofez a ele, porque ele sabia que aquelas acusações vinham daconsciência. E a consciência é um órgão constituído para umcomponente só – a angústia. Quando não está angustiada, aconsciência está angustiada porque está infeliz, por não estar

angustiada. (Tá?)Então, quando um homem não está angustiado… sai da frente porqueele se torna perigoso: ele precisa da angústia pra viver. .. porque é aconsciência que precisa da angústia. A obra de Espinosa é paraproduzir um homem que não precise da consciência. (Ponto p tomarum café.)

(Agora, esse momento de explicação desta passagem do campoteórico, vai ser um pouco difícil. Mas, talvez, seja a mais bonita…)

Espinosa vai fazer uma afirmação: a consciência funciona por julgamento, a consciência… os atos dela… são de julgamento: ela julga. E essa prática… (isso tudo é novo, hem? Não se esgota nisso!)

 Julgar – o que é julgar? (Atenção! Se vocês não entenderem, meperguntem!) Julgar é afirmar ou negar. Por exemplo: “V. é bonita” –isso é um julgamento e uma afirmação. “V. não é bonita” – isso é um julgamento, uma negação e uma idiotia! (Risos….) Então o julgamento… (marquem, para vocês saberem para o resto da vida!) Julgar é afirmar ou negar um predicado de um sujeito.

Então vamos lá, vou fazer um julgamento:

“M. é dançarina” – isso é um julgamento. Dançarina é o predicadoque eu afirmei do sujeito M. (Compreendeu, ML?) Então julgar éafirmar ou negar alguma coisa. E a consciência…

Pergunta de aluno.: é de novo obedecer…

REPOSTA DO PROFESSOR.: (É… vamos por aqui pra você entenderbem, tá?) A consciência julga, por exemplo, ela julga que V. é bonita.Mas ela não sabe que todo julgamento que ela faz… o fundamento do julgamento… é a tendência da natureza. A minha natureza tende pra

V., a minha consciência vai e diz: “V. é bonita”. A consciência ésempre secundária; primárias são as tendências.

É a tendência que nos leva para tudo o que nós fazemos. Mas tudoaquilo para o qual nós tendemos, a consciência julga como se fossebom. E pensa que é o julgamento dela que nos conduz àquilo. Jamais!O que nos conduz às coisas é a tendência da natureza. A minhatendência, por exemplo, é V. A minha consciência vai e diz: “V ébonita”… e pensa que é ela que está determinando as minhasatividades… Mas ela não tem poder para isso! A consciência recolheefeitos. A tendência é da tua natureza. A tua natureza tem tendência

e a consciência julga! A consciência…

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Pergunta de aluno.:…e as emoções básicas?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Como, emoções básicas… por exemplo…?

Pergunta de aluno.:…alegria, tristeza…

REPOSTA DO PROFESSOR.: Você não ouviu que o que eu disse, que oque você está chamando de emoções básicas… são os sentimentosque a consciência recolhe em função das composições edecomposições? Eu disse que a consciência tem sentimentos; e ossentimentos se originam nas composições e decomposições. Isso éque são as emoções básicas! Você sente alegria – quando você sentealegria… é porque o seu corpo se compôs com alguma coisa: aí vocêsente alegria. O que você está chamando de emoções básicas sãoefeitos de composição e decomposição… que aparecem naconsciência em forma de sentimento.

Pergunta de aluno.: E as tendências estão aonde?

REPOSTA DO PROFESSOR.: As tendências são da natureza. Atendência é do inconsciente. A tendência é do inconsciente!

Pergunta de aluno.: É da natureza ou é…

REPOSTA DO PROFESSOR.: O inconsciente é a natureza! Eu não disseque o espírito tem um pontinho – a consciência; e um nó – chamadoinconsciente? O inconsciente do espírito é a tendência!

Pergunta de aluno.: É ela que orienta a nossa vida?

REPOSTA DO PROFESSOR.: A tendência, claro!… É claro, mas o perigoque nós sofremos é essa presunção da consciência. Ela acha que éela que faz tudo! Então Espinosa vai dizer um enunciado aqui…lindíssimo! Ele diz assim: “Nós não tendemos em direção a uma coisaporque a julgamos boa, mas ao contrário, nós julgamos que ela é boaporque nós tendemos para ela”.

Pergunta de aluno.: A tendência é igual ao inconsciente e oinconsciente é igual à natureza?

REPOSTA DO PROFESSOR.: É exatamente isso!A tendência é a natureza. Então nós temos uma natureza! A nossanatureza é a nossa tendência. O que o homem não entende é queexistem nele tendências que constroem o bom e o mau. A tendênciaé que constrói o bom e o mau. Não existe nada na natureza que sejabom ou que seja mau. Só é bom e só é mau aquilo que a tendênciaquer.

Pergunta de aluno.: A tendência é nossa?!

REPOSTA DO PROFESSOR.: É da natureza… do espírito!

A: Do espírito, não da natureza!

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Cl: A natureza e o espírito… é a mesma coisa! Você não falou emanimismo? Isso é animismo: a natureza e o espírito são a mesmacoisa.

Pergunta de aluno.: Eu falei animismo da natureza… eu pensei que a

pedra era natureza, o…REPOSTA DO PROFESSOR.: Tudo tem tendência. A pedra, porexemplo, tem uma tendência. Qual é a tendência [da pedra]?Submeter-se à gravidade. Tudo tem tendência! Tudo que existe nanatureza…

Pergunta de aluno.: E o inconsciente também é…

REPOSTA DO PROFESSOR.: É uma tendência, é a natureza.

Pergunta de aluno.: Só a consciência não é tendência?! É a única

parte…REPOSTA DO PROFESSOR.: Que não é natureza: é um efeito.

Pergunta de aluno.: Capta pelo sentimento.

REPOSTA DO PROFESSOR.: Capta pelo sentimento; pelo sentimentoela capta a natureza. Então, captando a natureza pelo sentimento…ela não entende nada!

Pergunta de aluno.: Ela poderia estreitar o campo das tendências?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Estreitar como, diminuir?Pergunta de aluno.: É… diminuir, comprimir…

REPOSTA DO PROFESSOR.: É, ela tenta fazer isso. O problema daconsciência… Eu queria que, nessa aula, vocês mantivessem acompreensão da consciência em termos de ciguri. Lembram-se dociguri que eu falei? Ciguri ou cigurí, que é o negócio do peyote…Mantenham por aí. A consciência é uma ameaça permanente à vida.Ela ameaça! Então, aqui que temos que partir da idéia espinosista deque nós temos uma natureza e essa natureza é uma tendência. Essa

tendência vai fazer… com que seja bom tudo aquilo para o qual nóstendemos. A natureza… não existe o bem e o mal na natureza! Anatureza só tem tendências. Então, tudo aquilo para o qual a suanatureza tende você considera bom. Não está entendendo bem, não,N.?

Pergunta de aluno.: Não, aí…

REPOSTA DO PROFESSOR.: A sua natureza… ela tende para algumacoisa. Por exemplo, a sua natureza tende para achar belo o cair datarde.

Pergunta de aluno.:… Tende para a vida! Ela tende pra vida!

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REPOSTA DO PROFESSOR.: Ah! A natureza é vida. Ela é umatendência! O nosso ser é uma tendência! Então, o nosso equívoco épensar que nós somos dirigidos pelos julgamentos da consciência… Jamais!! A consciência não tem esse poder! Porque ela julga emfunção da tendência. Ela diz assim “V. é bonita” porque eu tendo pra

V. Jamais na natureza existiria alguma coisa em si mesma bonita oufeia. É a tendência que vai estabelecer isso.

Pergunta de aluno.: Pois é, essa tendência, o que é, hein?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Essa tendência começou a aparecer comoalguma coisa que seria a força que nos dirige, que dirige a vida.Então, por exemplo, se você tem determinadas tendências na suavida, que é se compor com alguma coisa, você se compõe comalguma coisa e ao compor-se com aquela coisa você sente alegria,aquilo é tendência! Está difícil a noção de tendência?

(…vozes indistintas…)

A vida… (prestem atenção!) A vida… se você pergunta assim a umgênio: – Gênio, o que é a vida? Ele responde: – A vida são tendências,a vida se explica por tendências. Isso que é a vida!

Pergunta de aluno.: O que quer dizer tendência?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Tender para alguma coisa… A vida, ela sedá… tendendo para alguma coisa. A vida não é um ser que seenclausura. Ela tende para. (Entenderam?) É como um elástico, ela

tende! Ela cria…

Pergunta de aluno.: Mas todas as pessoas tendem cada uma paraalguma coisa, não é isso?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Não, de modo nenhum. Se você for poressa linha, você não vai entender! Nós temos que partir de uma idéiamuito simples. Vida - definição: tender para. Isso é vida! A vida é isso,a vida é uma tendência. Então, você nunca vai encontrar um vivo quenão tenha tendência. Ele tende. A natureza é tendência!

Agora, essa tendência avalia tudo o que está na frente dela. Porquetudo para o qual a sua tendência tende, é belo e bom. É belo e bom atua tendência. Então, é aqui que começa a surgir o grande momentodesse curso, não dessa aula, que é a diferença da natureza, que étendência; e da consciência, que é julgamento. A consciência passa aexistência dela julgando. E a vida passa a existência dela tendendo.

(Nós vamos fazer um esforço!)

Eu vou dizer que julgar é fazer uma prática chamada moral. O julgamento é sempre mora l e a tendência (aqui é lindo, hem?) atendência é sempre ética!

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Então, a grande diferença entre ética e moral apareceria exatamenteentre tendência e julgamento. A alma moral é uma alma governadapela consciência, dominada pela consciência; e ela julga tudo! Tudo oque cai nas malhas dela, ela julga. E, o inconsciente (ou a natureza)não julga nada. Ela [a natureza] tende. Então, ética quer dizer:

composição de corpos ou, numa linguagem bem explícita: modo devida. Ética é modo de vida. Moral é julgamento da consciência. ONietzsche é lindo! Ele entendeu Espinosa! E disse: “Diga-me comovocê vive e eu direi o que você pensa. Ou seja: você não podeproduzir determinados tipos de pensamento com determinadosmodos de vida.

Então, o modo de vida é a tendência. E a tendência é o plano ético davida. A consciência… ela é julgamento, e o julgamento é moral.Então, nós temos que distinguir o que é moral e o que é ética. Amoral é o produto da consciência. A moral é um produto da angústia,

um produto do… da mutilação, a moral é um produto do sofrimento. Ea ética é um produto das tendências. Então, o homem é ético quandoele avalia as suas composições e as suas decomposições. A ética é omodo de vida.

Pergunta de aluno.: O que é avaliar composições?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Avaliar as composições e asdecomposições. Por exemplo, é muito famoso, na história da filosofia,uma aposta que Pascal fez. Pascal apostou que Deus existia.

Pascal disse assim: “Eu aposto que Deus existe”! E Espinosaacrescenta ao que Pascal falou: “Existem modos de vida que podemafirmar a existência de Deus… e outros não.”

(Prestem atenção ao que eu estou dizendo:)

É o modo de vida que constrói a tua vida. Tua vida é produto da tuatendência. É produto das tuas composições. Se você…

(Eu vou me dirigir um pouquinho para a M. porque ela vai entenderuma pergunta que eu fiz a ela:) Se você fez determinadascomposições na tua vida e de repente você desfaz aquelas

composições e faz outras composições, cabe perguntar por quê.Entendeu? Por que; o que houve nessa composição; o que, nessacomposição, estava te envenenando? Porque uma composição,quando ela aumenta a nossa potência, nós jogamos toda a força donosso pensamento pra que aquela composição não termine jamais.

Isso daí explica a música minimalista. A música minimalista do (nãosei se vocês conhecem) Steve Reich, do Philip Glass, que fazemaquelas músicas da repetição. Repete-se, para não acabar nunca!Porque é a repetição das composições que aumenta a sua potência.(Entendeu o que eu disse?)

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Então aqui aparece o momento superior da vida. Não é quando você julga, da maneira que a consciência faz. É quando você avalia…Atenção! Aí você entende bem: quando você avalia os seusencontros. Saber entender os encontros que aumentam a suapotência e os encontros que diminuem a sua potência. Todo encontro

que é governado pela consciência diminui a nossa potência.Pergunta de aluno.: Esse é o homem ético. Agora, o homem moralcomo é que ele age?

REPOSTA DO PROFESSOR.: O homem moral julga tudo! Tudo o que caina mão dele…

Pergunta de aluno.: Ele julga a si mesmo?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Ele julga a si próprio! Ele… se considera…Eu vou responder pelo Nietzsche:

Nietzsche diz que o homem da consciência se divide em dois. Sedivide em: “A culpa é tua” e “A culpa é minha”. Que o homem daconsciência começa a vida acusando os outros, dizendo (arremeda avoz):

“Eu sou feio porque papai e mamãe são feios”, “Eu sou pobre porquepapai e mamãe são pobres”, Eu sou burro porque o titio não meensinou”. “Eu tenho esse pé feio porque o meu irmão pisou no meupé”. Então, tem sempre um culpado pra tudo o que lhe acontece.Vocês conhecem essa gente? Os chamados queixosos? Mas… tem um

outro, que diz assim: “A culpa é minha”!

Eu vou contar uma história pra vocês… pra vocês saberem queminventou essa idéia de culpa é minha. Vocês conhecem o Eça deQueiroz?

Há uma personagem na obra de Eça de Queiroz chamado Raposão.Raposão era sobrinho de uma mulher podre de rica e o Raposão sópensava numa coisa: herdar aquela grana. Mas a tia dele era carola,carolona daquelas brabas. E ela tinha um altar dentro de casa. Depoisdo altar dela estava o quarto da empregada. E Raposão não

agüentava mais de vontade de comer a empregada! (risos…)Então, toda noite Raposão ia deslizando, ia deslizando… passava emfrente ao altar da tia, entrava no quarto da empregada, trepava comela e voltava… deslizando pelo chão. Mas o Raposão já ia nu, ele ianu, deslizando, pra chegar ao quarto da empregada. Um dia ele vaideslizando nu e a tia vê. Na hora que a tia vê ele começa a bater nopeito: “Mea culpa, mea culpa, mea culpa” (Risos…)

(Entenderam?)

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Basta que você projete uma culpa para você mesmo, que aconsciência te perdoa. Imediatamente ela te perdoa. Ah, você sesente culpado, então é bom. A consciência só sabe viver dessas duasmaneiras: dizendo que os outros são culpados ou dizendo-se elamesma culpada.

E agora aparece um momento magnífico! O momento da culpa éminha – é o nascimento de Édipo.

O famoso Édipo da Psicanálise aparece por volta do final do séculoXVIII, com o surgimento do homem dizendo “a culpa é minha.” Nahora em que o homem passa a dizer que a culpa é dele, sai da frenteque o mundo virou um horror!

Não sei se vocês leram uma entrevista que fizeram com AnthonyQuinn… Assustadora…! Ele está com oitenta e poucos anos, dizendoque ele se sente culpado de tudo! Assustador! O Anthony Quinn égovernado pela consciência… e eu jamais suporia isso dele, depoisque eu vi Zorba!

Pergunta de aluno.: Ele parecia o oposto disso!…

(Falas…)

REPOSTA DO PROFESSOR.: Inteiramente dominado pela consciência;inteiramente dominado!

Pergunta de aluno.: Se julga culpado e se vinga!

REPOSTA DO PROFESSOR.: Se sente culpado e se vinga o tempo todo:o culpado se vinga!

Bom, nós chegamos aos dois elementos principais:

Essa expressão mea culpa. .. – é muito importante se compreenderisso. Porque surgiram dois conceitos [nessa aula], que eu nãoexpliquei inteiramente: um, se chama julgamento – que é o exercícioda consciência. A consciência julga o tempo inteiro; ela julga tudo!

Notem… (eu não posso dizer quem, hem?)…Mas notem o olhar da

consciência. (risos). Ela não pára. Porque ela está julgando tudo. Está jogando a imundície dela em cima das coisas. Ela é imunda; imunda!E ela vai… apodrecendo tudo que passa!

Espinosa diz: “Tome cuidado. .. com os encontros que você faz!”

E eu falo com uma seriedade muito grande:

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A nossa vida se explica pelos encontros que nós fazemos. Se nós nãosoubermos compreender que um encontro é aumento ou diminuiçãode potência, isso pode nos levar à morte. Tá? Então, aqui nós vamoster um confronto, lindíssimo, entre o julgamento e a tendência. Atendência é aquilo que leva um homem a fazer [por exemplo], “uma

cidade em Teresópolis”. Ou seja, a tendência é o que faz com que umhomem faça da vida dele coisas… tão difíceis de se compreender…como pintar girassóis!… [referência a Van Gogh]

Não sei se vocês entenderam a violência que isso é. Quer dizer, umhomem recebe a vida, toma peyote e não deixa ciguri tomar contadele (é lindo isso!) – tomar peyote para ciguri não tomar conta demim! Ou seja: ele luta até o ultimo instante da vida dele – vouconcluir por aqui – pra conseguir a liberdade! Espinosa diz quenenhum homem jamais conseguirá atingir a liberdade – porque aliberdade não é uma coisa que se conquiste! A liberdade é um

exercício permanente na sua vida; e esse exercício é contra aconsciência.

Pergunta de aluno.: Você não ia falar do Édipo?

REPOSTA DO PROFESSOR.: O Édipo… (eu ia falar do Édipo?) Porque oÉdipo é iguPergunta de aluno.: a culpa é minha. O Édipo é aintrojeção da culpa. É o seguinte: o homem, ele recebia uma puniçãona hora que ele praticava uma ação.

Por exemplo: eu dava um cascudo em alguém (diz o nome de um

estudante de filosofia). Aí a estrutura da filosofia [diz rindo]… “Seucanalha, você vai preso!”

Quer dizer, o homem era julgado e castigado por suas ações!

Mas o Ocidente, a prática de poder do Ocidente, deu um golpeextraordinário (e, inclusive, produziu uma economia de “grana” – n averdade, a razão foi pra economizar dinheiro!): inventaram osuperego. O superego é um policial que está dentro de nós. Ele não julga as nossas ações; sabe o que ele julga? As nossas intenções! Ecomo as nossas intenções são sempre… – vocês conhecem! -, nóssomos o tempo inteiro… culpados. (Entenderam?)

O superego nos destrói: ele fica dentro da gente nos acusando detudo! Então, nisso daí, Nietzsche foi o primeiro filósofo que viu isso. Oque fizeram com a vida, disse Espinosa! Botaram o superego…

Pergunta de aluno.: O superego foi invenção do Freud?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Não. O Freud não tem poder parainventar… O que a Psicanálise fez foi se tornar solidária com aquelasforças que produziram o superego. Essas forças que produziram osuperego são forças históricas e sociais. Jamais a Psicanálise teria

poder para produzir o superego!

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Pergunta de aluno.: O Freud que deu o sentido terapêutico?

REPOSTA DO PROFESSOR.: O Freud não, o Freud não deu o sentidoterapêutico, não. Ele se associou a essas forças reacionárias que jogaram o superego pra cima da gente… ele se associou pra mantê-

las.(vozes…) (Comentário inaudível) Coitado!!!

REPOSTA DO PROFESSOR.: Você tem pena dele?

Cl [indignado!]: Eu não tenho nenhuma, porque ele me fez muito malcom isso. Eu não tenho pena de nada que me fez mal. Eu não gostode maus encontros…

Eu não tenho dúvida nenhuma, N, que na hora em você faz umadenúncia desse tipo que Espinosa está fazendo, o que aconteceu com

Espinosa! ? [cita fatos:] Deram uma facada nele; ele teve que fugir deAmsterdã; ele teve que não publicar os livros dele em vida! Queindignidade! Um gênio como Espinosa teve que esconder as obrasdele…

Pergunta de aluno.: Por quê?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Porque, se não, o matariam! (Vozes…) Porque o matariam? (Não… Vozes…)

Pergunta de aluno.: Por que essa reação contra ele?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Porque ele está dizendo que a consciênciaé criminosa! Ele está acusando a consciência!

N, deixa eu explicar uma coisa que talvez vocês não saibam… Ohomem tem uma consciência. A consciência dele – foi o que acabei deexplicar pra vocês – ela julga. O homem inventou um Deus. E vocêsabe qual é o modelo de Deus? A consciência! O Deus cristão é aconsciência! Ele se vinga, ele acusa, ele tem vontade, ele temintelecto… Então foi exatamente [por] aí que o Espinosa foiperseguido! Porque se diz, ah, Espinosa não tinha um Deus? Ele tinhaum Deus! Ele usava a seguinte expressão: Deus sive natura - Deus ou

Natureza. Deus não pode ser uma pessoa, porque as pessoas são… aconsciência.

Então, um filósofo que tem a coragem de dizer que essa constituiçãode um Deus-pessoa é contra a vida, é um homem maravilhoso! Aindaque ele esteja equivocado, ele é um homem maravilhoso! Porquetodos os enunciados dele são a favor da vida.

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Então, tudo aquilo que vem fortalecer a vida eu me abraçoapaixonadamente e tudo que é contra, eu… denunci o. Não querosaber! Tudo que a humanidade pôde fazer de violência comigo, bastavocês olharem pro meu rosto! Então, pouco me importa o que opsicanalista vai achar ou não vai achar… Eu apenas afirmo,

textualmente, que a existência da Psicanálise não chega a 10 anosmais. Não agüenta mais. Os homens não suportam mais seremcondenados a ser, até a morte, edipianos.

Pergunta de aluno.: Pois devia existir uma Psicanálise quetransformasse o homem de moral em ético!

REPOSTA DO PROFESSOR.: Por que não fizeram isso?

Pergunta de aluno.: Por ignorância!?

REPOSTA DO PROFESSOR.: Eles tiveram o século XX – ele e os

marxistas – tiveram o século XX inteiro pra resolver essas coisas. E oque eles fizeram? Stalin matou 50 milhões. Quantos Freud matou?

Pergunta de aluno.: Não sei quantos…

REPOSTA DO PROFESSOR.: E vai embora… Eles tiveram o século todoe não fizeram nada! Agora vou fazer o quê? Vou bater palmas praeles? Não! Acabou! Acabou o tempo deles. Agora vamos inventaroutras coisas. Então, isso que é Espinosa!

E o Artaud, sofreu tudo aquilo por quê? Hem? O Artaud, o sofrimento

de Artaud não tem nada a ver com isso não, viu? Essas ilusões quepensam que o Artaud foi sacrificado por psiquiatra é mentira. Nadadisso!

O sofrimento do Artaud é muito parecido com o dos tarahumaras. Elequeria liberar o inconsciente do domínio da consciência. O Artaud éum mártir! O Artaud é um mártir! Então esse desejo de liberar a vidadas forças da consciência é que produziram aquele grande sofrimentodele. Mas isso não esgota o Artaud, viu?

O Artaud é um homem que, na verdade, criou uma nova imagem do

pensamento. Pra explicar isso seria toda uma longuíssima aula… Eleé espinosista. Um espinosista”!

Pergunta de aluno.: Qual linha do Espinosa?

REPOSTA DO PROFESSOR.: A linha de Espinosa é ateísta, materialista,liberdade, Deus igual a natureza…

Pergunta de aluno.: Tudo que é bom! Quais são os filósofos quevieram…?…

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REPOSTA DO PROFESSOR.: Fundamentalmente são os pós-kantianos.São espinosistas. Alguns desses pós-kantianos, entre eles, porexemplo, Fichte foi notável. Entende? Porque, a obra de Espinosa, elaexplodiu na Alemanha do século XIX. Então, no século XIX aAlemanha se torna maravilhosa, porque o pensamento de Espinosa

começou a penetrar. Mas, [por outro lado], o pensamento de Kantcomeçou a segurar. Porque o Kant, até um certo momento da obra(“Eu estou falando muito filosoficamente agora, viu?”)… até o próprioKant se julgava espinosista. Pra você ter uma idéia, Hegel se julgavaespinosista! Mas Hegel chega a doer, não é? É demais! Porque esseshomens não conseguiram – e agora eu vou dizer a palavra final – émuito difícil se libertar da consciência: é muito difícil! Geralmenteessa luta é uma luta em que… não se consegue uma vitória! Aconsciência é mesquinha demais! Porque ela é muito mesquinha, elanão pára de aprisionar o que há de mais belo na vida. Ela não pára defazer esse aprisionamento.

Então, onde é que a gente vê essa beleza da vida passar? Onde vocêvê a beleza da vida passar? É sempre no mesmo lugar: nas artes! Abeleza está sempre passando nas artes. Então, eu estou dizendo pravocês que a beleza é como um pássaro de vôo, sem planejamento. Sevocê puder seguir com seus olhos o vôo desse pássaro, duas coisasvão acontecer: a primeira é que você vai ficar zarolho, porque opássaro não tem um planejamento. Ele é como a vida, ele não templanejamento, ele tem tendências. Mas é a beleza, a saída da vida. Avida sai do seu engasgamento pela beleza.

Eu acho que eu vou mostrar isso pra vocês na inauguração que estoufazendo do curso de Espinosa. Porque… Tudo porque eu vi anecessidade de dar Espinosa pra vocês. O que vocês vão fazer comele, não é minha questão? O Deleuze tem uma frase lindíssima –Deleuze é meu Espinosa, não é? Deleuze é tudo, é… nos cursos deDeleuze na França apareciam muitos músicos. E dificilmente ummúsico vai entender um conceito filosófico. E se eu fosse dar umEspinosa filosófico pra vocês, apareceriam aqueles conceitos muitoviolentos – substância, modo, atributos, essência, existência… EDeleuze é um filosofo, ele é radical, ele não quer saber quem está

ouvindo. Ele dá a filosofia dele. E esses músicos que iam assistir aaula do Deleuze, assistir Deleuze falando em Espinosa, eles nãoconseguiam entender aqueles conceitos espinosistas. Mas quandosaiam da aula, faziam músicas espinosistas! Isso é muito curioso.

O que eu estou dizendo… é mais ou menos… é o maior espinosista dahistória! Chama-se David Herbert Lawrence – D.H. Lawrence –altamente espinosista! Toda a questão desses pensadores é umaexaltação da vida. Exaltar a vida!… Vocês notem que a vida… Há umtexto… eu vou ler, está aqui:

Chama-se Yves Bonnefoy. Ele diz assim: “Eu dedico esse livro aoimprovável – isto é, à vida.”

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A vida, ela é inteiramente improvável. Porque ela é frágil. É frágil econstituída por tendências. Então ela…ela entra na matéria, a matériapesada, quebradiça, e a vida vai-se bifurcando. Isso que é a vida! Enós, somos produtos dela. Pra sermos os guardiões dela, da vida. Sero guardião da vida! O homem começou a aprender que ele tem que

se esquecer do Estado e da Igreja e se ajoelhar para a única coisabela que existe, que é a vida. Qualquer um sabe disso! Basta liberarsuas tendências, que descobre que a vida… é de uma beleza! !!…Olhem!… Todo aquele que sentiu uma brisa tocar no seu cabelo…tem direito à eternidade. E quem nos dá isso é a vida. É o encanto davida que deslumbra um pensador maravilhoso!

Então, por isso eu respondi em termos da Psicanálise com essaradicalidade, entende? Porque a Psicanálise, nesse século, a únicacoisa que ela apresentou foi Édipo e castração, eu não conheço nadamais: Édipo e castração! Édipo e castração! Édipo e castração! Eu não

agüento mais! Porque que eu trabalhei com isso muitos anos!… Atéque cheguei a um ponto que não suportava mais. Era Édipo de umlado, castração de outro, luta de classes de outro, ato falho de outro…Eu já não agüentava mais! Eram aquele jargões te machucando otempo todo… E você sabe que a gente, quando é tomado peloespírito, pela aventura do espírito, bate mesmo, bate forte! Aquilobateu forte na minha vida! Eu queria fazer um caminho bonito praminha vida. E o marxismo e a Psicanálise me seguravam…

Eu não estou acusando Marx! E de alguma maneira também nãoestou acusando Freud! Eles tentaram alguma coisa… Mas depois,

Freud fez um recuo – um recuo muito grande! -, ele não agüentoutudo aquilo que ele disse, porque a gente não agüenta… É uma… éuma prática muito difícil pro homem… ser ateu. Porque a noção deateísmo, e isso vai aparecer na nossa aula, viu?

O ateísmo do século XX – eu queria que vocês anotassem isso! – oateísmo do século XX é um ateísmo vulgar. Jamais o ateísmo deEspinosa é isso. Não tem nada a ver com esse ateísmo banal quevocês encontram aí na rua, não tem nada a ver com isso, esseateísmo do morreu e acabou. Jamais! O ateísmo de Espinosa… oateísmo de Nietzsche é excepcional! Eles produzem temas, que eu

não vou dizer em final de aula porque a violência é muito grande.

Provavelmente – provavelmente! – cada um de nós é eterno, aindaque sejamos ateus!

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Eu vou dizer uma coisa pra vocês. Se, por acaso, a natureza for umprocesso de repetição e… esta cena que está se dando aqui jáaconteceu infinitas vezes e vai acontecer infinitas vezes. Ou seja, quea nossa vida se repete infinitas vezes. O que nós teremos que fazer;sempre? Aquilo que for mais belo! Porque nós vamos [nos] repetir

eternamente! Vejam se entenderam? Se você aplica em você a idéiade que sua vida vai se repetir, significa que tudo que você fizer vai serepetir infinitamente. Então, você procura fazer aquilo que for maisbelo! Isso é uma ética do Nietzsche. Desde que você entenda que asua vida pode se repetir pela eternidade afora…

Fim de fita!