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FICHA CATALOGltAPlCA (preJXIrado pelO Cenlro de C(Jl4lop(J~o'Il/l'folllc do SlndlallO Nadonal dos l1dllores de Uoro!. BJ) Borsor PeLar L. ;: A •COlllltnl;f.o social da reAlIdt.do: Irat.8do do AOclolorta do conhecimento Iporl Pelar L. Borger 101 'l'bDlllU X.uck:nlllUll traduçllo ele Florlllllo de SoIWl f'emandes. Petr6poll.S, vozes, 1985. uep. :110m (AntropololPll., 5). Blbllogratla. 1. Sociologia do conhecimento. ]. LueJunann, ThOn'lIlS. n. Titulo. JII. Sdrie. O CDO - 301.01 CDU - ~01 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE Tratado de Sociologia do Conhecimento PETER L. BERGER PrDfealof d. SDC/D/0f,/a na RU1Bera Ulllvrrl'1 TBOMAS LUCKMANN Pro/estDr de SOclO/Dlla lia Unl""a'''od. d. Frankfurt Traduç40 de FlorÜlno de Souza Fernanflel/ + EDITORA , ·..vOZ6S .. ' •. " Petr6polis 2004

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

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Page 1: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

FICHA CATALOGltAPlCA

(preJXIrado pelO Cenlro de C(Jl4lop(J~oIllfolllc doSlndlallO Nadonal dos l1dllores de Uoro BJ)

Borsor PeLar L A bullCOlllltnlfo social da reAlIdtdo Irat8do doAOclolorta do conhecimento Iporl Pelar L Borger101 lbDlllU XucknlllUll traduccedilllo ele Florlllllo deSoIWl femandes Petr6pollS vozes 1985

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OCDO - 30101CDU - ~01

A CONSTRUCcedilAtildeO SOCIALDA REALIDADE

Tratado de Sociologia do Conhecimento

PETER L BERGERPrDfealof d SDCD0fa

na RU1Bera Ulllvrrl1

TBOMAS LUCKMANNProestDr de SOclODlla

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Tiacutetulo do original inglecircs THE SOCIAL CONSTRUCTlON OF REALlTYEditado por Doubleday amp Company Inc

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Direitos de publicaccedilatildeo em Hngua portuguesa no BrasilEditora Vozes LtdaRua Frei LuIs 100

25689-900 Petr6polis RJlriternet hltpllwwwvozescombr

Brasil

Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra poderaacute serrcproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios

(eletrocircnico ou mecacircnico incluindo fotoc6pia e gravaccedilatildeo)ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados

sem pcnnisslio escrita da Editora

o PRESENTE VOLUME PRETENDE SER UM TRATADO TEOacuteRICO SISTE-maacutetico de sociologia do conhecimento Natildeo tem portanto a in-tenccedilatildeo de oferecer uma vista geral histoacuterica do desenvolvimentodesta disciplina nem de empenharse na exegese das vaacuterias formasde tais ou quais extensotildees da teoria sociol6gicaacute ou mesmo mostrarcomo eacute posslvel chegar-se a uma slntese de v6rias dessas furmiddotmas e extensotildees Tampouco haacute aqui qualquer intuito polecircmicoOs comentaacuterios crlticos sobre outras posiccedilotildees teoacutericas fornmintroduzidos (natildeo no texto mas nas Notas) somente onde possamservir para esclarecer a presente argumentaccedilatildeo

~ nueleo do racio~Jnio encra-se nas secccedilotildees 11 e IJI (cASOCiedade como Realidade Obletlvu e cA Sociedade como Rea-lidade Subjetivu) contendo a primeira noSsa compreensatildeo fun-damental dos problemas da sociologia do conhecimento e asegunda aplicando esta compreensatildeo ao nlvel da consciecircnciasubjetiva construindo desta maneira uma ponte teoacuterica para 05problemas da psicologia social A secccedilatildeo I conteacutem aquilo quepoderia ser melhor descrito como proleg6menos filosoacuteficos aonuacutecleo do racloclnio em termos de anjlise fenomenoloacutegica darealidade da vida cotidiana (cFundamentos do Conhecimento naVida Cotidianaraquo O leItor interessado somente na argumentaccedilatildeollociol6gica propriamente dita poderia ser tentado a saltar estaparte mas deve ser avisado de que cerlos conceitos-chavesempregados durante todo o raelaelnio satildeo definidos na secccedililo I

Embora nosso interesse natildeomiddot seja histoacuterico sentimo-nos naobrigaccedilatildeo de explicar por que e em que sentid~ nossa concepccedilatildeoda sociologJa do conhecimento diferencia-se do que ateacute aquitem sido geralmente compreendido como conslltuindo essa di~middotciplina Desineumbimomiddotnos desta tarefa na Introduccedilatildeo Na partefinal fuem~ algumas obsertaccedilotildees com O caraacuteter de conclusotildeespara indicai~ que consideramos serem os clucrosgt do presente

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empreendimento para a teoria sociol6gica em geral e para certasaacutereas da pesquisa emplrica I

A loacutegica de nosso racioclnio torna inevitaacutevel certo nuacutemerode repeticcedilotildees Assim alguns problemas satildeo examinados entreparenteses fenomenol6gicos na secccedilatildeo I tomados novamente nasecccedilatildeo Il sem esses parecircnteses e com interesse em sua gecircneseemplrica e depois retomados ainda uma vez na secccedilatildeo l1l aonlvel da consciecircncia subjetiva Esforccedilamo-nos por tornar estelivro tio legiacutevel quanto posslvel mas sem violar sua 16gicaInterna e esperamos que o leitor compreenderA as razotildees dessasrepeticcedilotildees que nio podiam ser evitadas Ibn ulArabi o grande mlstico isldmico exclama em um deseus poemas cLivrai-nos Alaacute do mar de nomes Temos fre-qUentemente repetido esta exclamaccedilatildeo em nossas conferecircnciassobre a teoria sociol6gica ConseqUentemente decidimos eliminartodos os nomes de nosso arual racioclnio Este pode ser lidoagora como uma apresentaccedil10 conllnua de nossa posiccedillio pessoalsem a constante incluslio de observaccedilotildees tais como cDurkheimdiz isto cWeber dli aquilot cconcordamos aqui com Durkheimmas nio com Webert laquoparece-nos que Durkheim loi mal commiddotpreendido neste pontot e assim por diante E evidente emcada paacutegina que nossa posiccedilatildeo natildeo surgiu u nihilo mas dese-jamos que seja julgada por seus proacuteprios meacuteritos e natildeo emfunccedilAo de seus allpectos exegeacuteticos Ou sintetlzantes Colocamosp0r conseguinteacute todas as refer~nclas nas Notas assim como (embora sempre resumidamente) quaisquer discussotildees que temos comas fontes de que somos devedores Isto obrigou a um aparatode notas bastante grande Natildeo quisemos render homenagem aosrituais da Wissenschaftlichkeil mas preferimos nos manter fieacuteisagraves exigencias da gratidatildeo histoacuterica

O projeto do qual este livro li a reafizaccedillo foi pela primeiravez maquinado no veratildeo de 1962 no curso de algumas conversasfolgadas ao peacute (e agraves vezes no alto) dos Alpes da AacuteustriaOcidental O primeiro plano para o livro foi traccedilado no inIciode 1963 De comeccedilo tinha-se em vista um empreendimento queinclula um outro socioacutetogo li dois fil6sofos Os outros partici-pantes por vaacuterias razotildees biograacuteficas foram obrigados a se re-tirarem da participaccedilatildeo ativa no projeto mas desejamos agramiddotIfecer com grande apreccedilo os contlnuos comentaacuterios crltlcos deHansfried Kellner (atualmente na Universidade de Frankfurt)e Stanley Pullberg (atualmente na Ecole Pratique des Hautesetudes)

Em vaacuterias partes deste tratado ficarA clara a divida que temoscom o falecido Alfred Schutz Gostarlamos poreacutem de reconheceraqui a influecircncia do ensino e das obras de Schutz em nossopensamento Nossa compreensatildeo de Weber deve muito aos en-snamentos de Carl Mayer (Graduate Facully New School forSocial Research) assim como a compreensatildeo de Durkhelm e de

sua escola aproveitou imensamente com as interpretaccedilotildees deAlbert Salomon (tambeacutem da Graduate Faculty) Luckmann re-cordando-se de muitas proveitosas conversas durante um pe-rodo de ~nslno conjunto no Hobart College e em outras oca-s~otildees deseja expressar sua admiraccedilatildeo pelo pensamento de Fried-rlch Tenbru~ (atualmente na Universidade de Frankfurt)~rger gostaria de agradecer a Kurt Wolff (Brandeis Univer-Slty) e Anton Zijde~eld (Universidade de Leiden) por seu cana-tante Interesse critico no progresso das id~ias incorporadas aesta obra

E costume em projetos desta espeacutecie agradecer as vaacuterias contrlbulccedilotildees Impalpaacuteveis das esposas IiIhos e outros colaborado-res privados de siuaccedilAo legal mais duvidosa Embora ao me-nos p~ra transgredIr este costume estivemos tentados ltI dedicareste livro a um certo Jod~er de Brand Vorarlberg Entretantoqueremos agra~ecer a Btlgllte Buger (Hunter College) e BenilaLuckmann (~D1~ersldade de freiburg) natildeo por quaisquer de-sempenhos Cientificamente sem Importacircncia de funccedilotildees privadasmas por suas observaccedilotildees criticas como dentistas sociais ~por sua mflexvel recusa a serem facilmente requisitadas

PITER L BEROEROraduae FaelI

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THOMAS LUCJ(MANNtJnllrrlldadt d FrGnkjur

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INTRODUCcedilAtildeOo PROBLEMA DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 11

J OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO NAVIDA COTIDIANA 35

1 A realidade da vida cotidiana 352 A lnteraccedilaacuteo social na vida cOlidiana 46

3 A linguagem e o conhecimento na vida cotidiana 53

I Instituclonalizaccedilatildeo 69a) Organismo e atividade 69

b) As origens da inslitucionalizaccedilatildeo 77c) Sedimentaccedilatildeo e tradiccedilatildeo 95

d) Papeacuteis 101e) Extensatildeo e modos de instituclonalizaccedilatildeo 110

2 Legilimaccedilatildeo 126a) As origens dos unIversos simboacutelicos 126

b) Os mecanismos conceiluais da manutenccedilatildeo do universo 142c) A organizaccedilatildeo social para a manutenccedilatildeo do universo 157

1 A interiorizaccedilatildeo da realidade 173a) A socializaccedilatildeo primaacuteria 173

b) A socializaccedilatildeo secundAria 184c) A conservaccedilatildeo e a transformaccedilatildeo da realidade subjetiva 195

2 A interiorizaccedilatildeo e a estrutura soelal 2163 Teorias sobre a identidade 228

4 Organismo e identidade 236

CONCLUSAtildeOA SOCIOLOOIA DO CONHECIMENTO E A TEORIA

SOCIOLoacuteOICA 242 o Problema da Sociologiado Conhecimento

~ As AFIRMACcedilOtildeES fUNDAMENTAIS DO RAC10ClNJO DESTElivro acham-se impllcitas no titulo e no sublltulo e con-sistem em declarar que a realidade eacute construiacuteda social-mente e que a sociologia do conhecimento deve analisaro processo em que este fato ocorre Os termos essen-ciais nestas afirmaccedilotildees satilde-o realidade e conhecimentotermos natildeo apenas correntes na linguagem diiria mas quetecircm atraacutes de si uma longa histoacuteria de investigaccedilatildeo filo-soacutefica Natildeo precisamos entrar aqui na discussatildeo das mi-nuacutecias semacircnticas nem do uso cotidiano ou do uso filo-soacutefico desses termos Paraacute a nossa finalidade seraacute su-ficiente _definir realidade como uma qualidade perten-cente a fenOmenos que reconhecemos terem um ser in-dependente de nossa proacutepria voliccedilatildeo (natildeo podemosdesejar que natildeo existam) e definir conhecimentocomo a certeza de que os fenocircmenos satildeo reais e possuemcaracteriacutesticas especlficas E neste sentido (declarada-mente simplista) que estes termos tecircm importacircncia tantopara o homem da rua quanto para o filoacutesofo O homemda rua habita um mundo que eacute real para ele emboraem graus diferentes e conhece com graus variacircveisde certeza que este mundo possui tais ou quais caracle~rlstlcas O filoacutesofo naturalmente levanta ratilde questotildees re~lativas ao status ultimo tanto desta realidade quantodeste conhecimento Que eacute real~ Como se conhece~Estas satildeo algumas das mais antigas perguntas natildeo 80-

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mente da pesquisa filosoacutefica propriamente dita mas dopensamento humano enquanto tal Precisamente por esta

razatildeo a intromIssatildeo do socioacutelogo neste veneraacutevel terri-toacuterio intelectual poderacirc provavelmente chocar o homem darua e mesmo ainda mais provavelmente enfurecer o fi-loacutesofo E por conseguinte importante que esclareccedilamosdesde o inicio o sentido em que usamos estes termos

no contexto da sociologia e que imediatamente repudie-mos qualquer pretendo da sociologia a dar resposta aestas antigas preocupaccedilotildees filosoacuteficas

Z Se quiseacutessemos ser meticulosos na argumentaccedilatildeo aseguir expostl- deverlamos pOr entre aspas os dois men-cionados termos todas as vezes que os empregamos masisto seria estilistlcamente deselegante Falar em aspasporeacutem pode dar um indlcio da maneira peculiar em queestesmiddot termos aparecem em um contexto socioloacutegico Po-der-se-ia dizer que a compreensatildeo socioloacutegica da urea-lidade e do conhecimento situa-se de certa maneira agravemeia distancia entre a do homem da rua e a do filoacutesofoO homem da rua habitualmente natildeo se preocupa com oque eacute real para ele e com o que conhece a natildeoser que esbarre com alguma espeacutecie de problema Daacutecomo certa sua realidade e seu conhecimento O so-cioacutelogo natildeo pode fazer o mesmo quanto mais natildeo sejapor causa do conhecimento sistemaacutetico do fato de que oshomens da rua tomam como certas diferentes realida-des quando se passa de uma sociedade a outra O s()-ci61ogo eacute forccedilado pela proacutepria loacutegica de sua dlsclpllnaa perguntar quanto mais natildeo seja se a diferenccedila entreas duas realidades natildeo pode ser compreendida comrelaccedilatildeo agraves vaacuterias diferenccedilas entre as duas socledadesO filoacutesofo por outro lado eacute profissionalmente obrigadoa natildeo considerar nada como verdadeiro e a obter a maacute-xima clareza com respeito ao status uacuteltimo daquilo queo homem da rua acredita ser a realidade e o conhe~cimento Noutras palavras o filoacutesofo eacute levado a decidironde as aspas satildeo adequadas e onde podem ser segura-mente omitidas isto eacute a estabelecer a distinccedilatildeo entreafirmativas vaacutelidas e invaacutelidas relativas ao mundo O so-

ci6logo possivelmente natildeo pode fazer isso Logicamentequando natildeo estilisticamente estaacute crivado de aspas

3 Por exemplo o homem da rua pode acreditar quepossui liberdade- da vontade sendo por conseguinteresponsaacutevel por suas accedilotildees ao mesmo tempo em quenega esta liberdade e esta responsabilidade agraves crian-ccedilas e aos lunaacuteticos O filoacutesofo seja por que meacutetodos f~rtem de indagar do status ontoloacutegico e epistemoloacutegicodestas concepccedilotildees O homem eacute livre Que eacute a respon-sabilidade Onde estatildeo os limites da responsabilidadeComo se pode conhecer estas COisas E assim por dianteNatildeo eacute necessaacuterio dizer que o socioacutelogo natildeo tem condi-ccedilotildees para dar respostas a estas perguntas O que podee deve fazer contudo eacute perguntar por que a noccedilatildeo deJiberdade chegou a ser suposta como certa em uma~oci~dade e natildeo em outra como sua realidade eacute man- tida em uma sociedade e como de modo ainda maisinteressante esta realidadeacute pode mais de uma vez ~erperatildeRlatilde por um indiviacuteduo ou uma coletividade inteira

ml O interesse socioloacutegico nas questotildees da realidade t1 do conhecimento justifica-se assim inicialmente pelo

fato de sua relatividade social O que eacute real para ummonge tibetano pode natildeo ser real para um homem denegoacutecios americano O conhecimento do criminoso eacutediferente do conhecimento do criminalista Segue-seque aglomeraccedilotildees especificas da realidade e do conhe-cimento referem-se a contextos sociais especlficos e queestatildes relaccedilotildees teratildeo de ser incluiacutedas numa correta anaacute-lise socioloacutegica desses contextos A necessidade da so-cia1ogiCdordm ccedilonl1ecirttentomiddotestaacute assim dada jaacute nas ciffirenccedilas obse~vaacutevelsentre as sociedades em term9~ daqllql~eacute admitidocomltlcqnh~imento nel~~ Aleacutem dissoporeacutem uma disciplina que se chama a si mesma por essenome teraacute de ocupar-se dos modos gerais pelos quaisas realidades satildeo admitidas como conhecidas nassociedades humanas Em outras palavras uma socio[o-gia da conhecimento teraacute de tratar natildeo somente da mulmiddotIlplicidade emplrica do conhecimento nas sociedades

~humanas mas tambeacutem dos processos pelos quais quaq~er

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~orpo de conhecimento chega a seLsocialmente estabe-AacuteeCido como realidade~ Nosso ponto de vista por conseguinte eacute que a socio-

logia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquiloque passa por conhecimento em uma sociedade inde-pendentemente da validade ou invalidade uacuteltima (porquaisquer criteacute~ios) desse conhecimento E na medidaem ~ todo con~ecimento humano desenvolve-setransmite-se e manteacutem-se em situaccedilotildees sociais a socio-logia do conhecimento deve procurar compreenderoprocesso pelo qual isto se realiza de tal maneira qu~uma realidade admitida como certa solidifica-se paraohomem da rua Em outras palavras defendemos oponto de vista que a sociologia do conhecimento dk

I r~eito agrave anaacutelise da construccedilatildeo social da realidadeO Esta compreensatildeo do verdadeiro campo da sociologia

do conhecimento difere do que geralmente se entendepor esta disciplina desde que pela primeira vez foi cha-mada por este nome haacute cerca de quarenta anos atraacutesPor cons~guinte antes de comeccedilarmos nossa presenteargumentaccedilatildeo seraacute uacutetil examinar resumidamente o de-senvolvimento anterior da disclplina e explicar de quemaneira e por que motivos sentimos a necessidade denos afastarmos dele1O termo sociocirclogia do conhecimento (Wissenssozio-logie) foi forjado por Max Scheler I na deacutecada de 1920na Alemanha e Scheler era um filoacutesofo Estes trecircs fa-tos satildeo muito importantes para a compreensatildeo da gecirc-nese e do ulterior desenvolvimento da nova disciplinaA sociologia do conhecimento teve origem em uma par-ticular situaccedilatildeo da histoacuteria intelectual alematilde e em de-terminado contexto filosoacutefico Embora a nova disciplinafosse posteriormentemiddot introduzlda no adequado contextosociol6gico especialmente no mundo de Ilngua inglesacontinuou a ser marca da pelos problemas da particularsituaccedilatildeo intelectual de onde surgiu Como resultado a

I CI Mu 8chele Dr~ WJueluforrnel utrd dfe Gelelelrlllr (Btrna Iran-cke 1960) Elte Yalume de ~nnral publicado pela primeira ve~ em 1025conltm a lormulaccedillo blslel da IOcloloampJa do cOllhetlmenlo num enllloInlllulado Probleme elner Sozlololll du WIenl I 111 101 origInalmentepUllllCldo um ano anlel

sociologia do conhecimento permaneceu no estado deobjeto marginal de estudo entre os socioacutelogos em geralque natildeo participavam dos particulares problemas quepreocupavam os pensadores alematildees na deacutecada de 1920Isto foi especialmente verdade no que diz respeito aossocioacutelogos americanos que de modo geral consideravama disciplina como uma especialidade perifeacuterica de sa-bor caracteristicamente europeu Mais importante con-tudo foi o fato da permanente ligaccedilatildeo da sociologia doconhecimento com sua original constelaccedilatildeo de problemaster constituldo uma fraqueza teoacuterica mesmo nos lugaresem que houve interesse pela disciplina Isto eacute a socio-logia do conhecimento foi considerada por seus prota~gonistas e em geral pelo puacuteblico sociol6glco mais oumenos indiferente como uma espeacutecie de glosa socioloacutegicasobre amiddot histoacuteria das Ideacuteias O resultado foi uma conside-raacutevel miopia com relaccedilatildeo agrave significaccedilatildeo teoacuterica polen-cial da sociologia do conhecimento

B Houve diferen~es definiccedilotildees da natureza e do acircmbitoda sociologia do conhecimento Na verdade eacute posslveldizer-se que a histoacuteria dessa subdisciplina tem sido ateacuteagora a histoacuteria de suas vArias definiccedilotildees Entretantohaacute acordo geral em que a sociologia do conhecimentotrata das relaccedilotildees entre o pensamento humano e o con-texto social dentro do qual surge Pode dizer-se assimquumlecirc a sociologia do conhecimento constitui o foco so-cio~g~~o de um problema muito maiacutes geral o da deter-minaccedilatildeo existencial (Seinsgebundenhelt) do pensamentoenquanto tal Embora neste caso a atenccedilllo se concentresobre o fator social as dificuldades teoacutericas satildeo seme-lhantes agraves que surgiram quando outros fatores (tais comoos histoacutericos os psicol6gicos ou os bioloacutegicos) forampropostos com o valor de determinantes do pensamentohumano Em todos esses casos o problema geral temsido estabelecer a extensatildeo em que o pensamento refleteos fatores determinantes propostos ou eacute independentedeles

j E provaacutevel que a proeminecircncia do problema geral narecente filosofia alematilde tenha suas raizes na vasta acu-

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I mulaccedilatildeo de erudiccedilatildeo histoacuterica que foi um dos maioresfrutos Intelectuais do seacuteculo XIX na Alemanha De ummodo sem precedente em qualquer outro periacuteodo da his-toacuteria intelectual o passado com sua assombrosa varie-dade de formas de pensamento foi tornado presenteao espfrito contemporacircneo pelos esforccedilos da cultura his-toacuterica cientrfica E dlffcil disputar o direito da culturaalematilde ao primeiro lugar neste empreendimento Natildeo deve-ria por conseguinte surpreender-nos que o problema teoacute-rico instituiacutedo pelo mencionado empreendimento tenha si-do sentido mais agudamente na Alemanha Pode-se dizerque este problema eacute o da vertigem da relatividade A di-mensatildeo epistemoloacutegica do problema eacute oacutebvia No niacutevel em-p[rico conduziu agrave I~9c~paccedilatildeo de investigar o mais cui-dadosamente possiacutevel as relaccedilotildees concretas entre o pen-samento e suas situaccedilOes histoacutericas Se esta Interpretaccedilatildeoeacute correta a sociologia do conhecimento tomou a si umproblema originariamente colocado pela erudiccedilatildeo histoacutemiddotrica numa focalizaccedillio mais estreita sem duacutevida masessencialmente com o interesse nas mesmas questotildees I10 Nem o problema geral nem sua focallzaccedilatildeo mais es-treita satildeo novos A consciecircncia dos fundamentos sociaisdos valores e das concepccedilotildees do mundo pode ser jaacute en~contrada na Antiguidade Pelo menos a partir do I1umi-nismo esta consciecircncia cristalizou-se tornando-se um dosprincipais temas do moderno pensamento ocidental Assimeacute posslvel justificar convenientemente muitas genealo-gias do problema central da sociologia do conhecimen-to I Pode qJesmo dizer-se que o problema estaacute contidoin nuce na famosa frase de Pascal de acordo com aqual aquilo que eacute verdade de um lado dos Pirineus eacuteerro do outro lado No entanto os antecedentes i~lectu~i J~edJ~tos da socio)og~do conheeacuteiilentosatildeo-~trecircscrf(CcedilOtildeesdO_P~Ilgm~nt6 atildelematildeo do seacuteculo XIX opensa-mento marxista o nietzscheanomiddot e o historicista

bull CI Wllhelm Wlndelblnd e Helnl Helmoel~L Lllrbllcll der OelChchtedlt Phlloophle (TDblnltn Mollr 19~Ol pp ltU~bullbullbull

bull Cl AlbHl Salomon 1n Ptole oJ Enl[lZltlrnmen (Ncw Vork McrldlanBookl 1963) HaRI B8rth WorrhlU llnll IltlIololZe (Zurlell MaMne lD4~) iWerner Stlrk Tlle SodI)I ~I ICllowedlZe (ChICllo Prce Prell 01 OleR-coe 1958) pp ~lIl1iKurl Lenk (ed) ldtolot (leuwledRheln Luehlerhlnll1981) pp bull 1311

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j1A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-siccedilatildeo de Marx que declara ser a consciecircncia do homemdeterminada por seu ser social Sem duacutevida tem havidomuitos debates para se )aber ao certo que espeacutecie dedeterminaccedilatildeo Marx tinha em mente Pode-se dizer comcerteza que muito da grande luta com Marxu que ca-racterizou natildeo somente os comeccedilos da sociologia do co-nhecimento mas a Idade clatildesslca da sociologia em geral(particularmente tal como eacute manifestada nas obras deWeber Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-tra uma defeituosa interpretaccedilatildeo de Marx pelos marxistasmodernos Esta proposiccedilatildeo ganha plausibiJidade quandorefletimos no fato de que foi somente em 1932 que osimportantiacutessimos Manuscritos Econocircmicos e Filosoacuteficosde 1844 foram redescobertos e somente depois da Se-gunda Guerra Mundial a plena implicaccedilatildeo dessa redesco-berta poderia ser esgotada na pesquisa sobre Marx Co-mo quer que seja a sociologia do conhecimento herdoude Marx natildeo somente a mais exata formulaccedilatildeo de seuproblema central mas tambeacutem alguns de seus conceitoschaves entre o~ quas deveriam ser mencionados parti-cularmente os conceitos de ideologiaU (ideacuteias que ser-vemmiddot de armas para interesses sociais) e falsa conscin-cia (pensamento alienado do ser social real do pen~sador)

j t A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-cinada pelos dois conceitos gecircmeos estabelecidos porMarx de infra-estrutura e superestrutura (UnlerbaumiddotUeberbau) Foi neste ponto principalmente que a con-troveacutersia se tornou violenta a respeito da correta inter-pretaccedilatildeo do proacuteprio pensamento de Marx O marxismoposterior teve a tendecircncia a Identificar a infra-estruturacom a estrutura econocircmica tout court da qual se supu-nha que a usuperestrutura era um reflexo direto(assim por exemplol Lenin) E agora de todo claroque isto representa incorretamente o pensamento deMarx pois o caraacuteter essencialmente mecanicista em vez

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1

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1middot IImiddot i middot

I i

antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

iJ

I i I

11

I Imiddot

I i1 I~

I

logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

51

ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

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Page 2: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

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Tiacutetulo do original inglecircs THE SOCIAL CONSTRUCTlON OF REALlTYEditado por Doubleday amp Company Inc

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o PRESENTE VOLUME PRETENDE SER UM TRATADO TEOacuteRICO SISTE-maacutetico de sociologia do conhecimento Natildeo tem portanto a in-tenccedilatildeo de oferecer uma vista geral histoacuterica do desenvolvimentodesta disciplina nem de empenharse na exegese das vaacuterias formasde tais ou quais extensotildees da teoria sociol6gicaacute ou mesmo mostrarcomo eacute posslvel chegar-se a uma slntese de v6rias dessas furmiddotmas e extensotildees Tampouco haacute aqui qualquer intuito polecircmicoOs comentaacuterios crlticos sobre outras posiccedilotildees teoacutericas fornmintroduzidos (natildeo no texto mas nas Notas) somente onde possamservir para esclarecer a presente argumentaccedilatildeo

~ nueleo do racio~Jnio encra-se nas secccedilotildees 11 e IJI (cASOCiedade como Realidade Obletlvu e cA Sociedade como Rea-lidade Subjetivu) contendo a primeira noSsa compreensatildeo fun-damental dos problemas da sociologia do conhecimento e asegunda aplicando esta compreensatildeo ao nlvel da consciecircnciasubjetiva construindo desta maneira uma ponte teoacuterica para 05problemas da psicologia social A secccedilatildeo I conteacutem aquilo quepoderia ser melhor descrito como proleg6menos filosoacuteficos aonuacutecleo do racloclnio em termos de anjlise fenomenoloacutegica darealidade da vida cotidiana (cFundamentos do Conhecimento naVida Cotidianaraquo O leItor interessado somente na argumentaccedilatildeollociol6gica propriamente dita poderia ser tentado a saltar estaparte mas deve ser avisado de que cerlos conceitos-chavesempregados durante todo o raelaelnio satildeo definidos na secccedililo I

Embora nosso interesse natildeomiddot seja histoacuterico sentimo-nos naobrigaccedilatildeo de explicar por que e em que sentid~ nossa concepccedilatildeoda sociologJa do conhecimento diferencia-se do que ateacute aquitem sido geralmente compreendido como conslltuindo essa di~middotciplina Desineumbimomiddotnos desta tarefa na Introduccedilatildeo Na partefinal fuem~ algumas obsertaccedilotildees com O caraacuteter de conclusotildeespara indicai~ que consideramos serem os clucrosgt do presente

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empreendimento para a teoria sociol6gica em geral e para certasaacutereas da pesquisa emplrica I

A loacutegica de nosso racioclnio torna inevitaacutevel certo nuacutemerode repeticcedilotildees Assim alguns problemas satildeo examinados entreparenteses fenomenol6gicos na secccedilatildeo I tomados novamente nasecccedilatildeo Il sem esses parecircnteses e com interesse em sua gecircneseemplrica e depois retomados ainda uma vez na secccedilatildeo l1l aonlvel da consciecircncia subjetiva Esforccedilamo-nos por tornar estelivro tio legiacutevel quanto posslvel mas sem violar sua 16gicaInterna e esperamos que o leitor compreenderA as razotildees dessasrepeticcedilotildees que nio podiam ser evitadas Ibn ulArabi o grande mlstico isldmico exclama em um deseus poemas cLivrai-nos Alaacute do mar de nomes Temos fre-qUentemente repetido esta exclamaccedilatildeo em nossas conferecircnciassobre a teoria sociol6gica ConseqUentemente decidimos eliminartodos os nomes de nosso arual racioclnio Este pode ser lidoagora como uma apresentaccedil10 conllnua de nossa posiccedillio pessoalsem a constante incluslio de observaccedilotildees tais como cDurkheimdiz isto cWeber dli aquilot cconcordamos aqui com Durkheimmas nio com Webert laquoparece-nos que Durkheim loi mal commiddotpreendido neste pontot e assim por diante E evidente emcada paacutegina que nossa posiccedilatildeo natildeo surgiu u nihilo mas dese-jamos que seja julgada por seus proacuteprios meacuteritos e natildeo emfunccedilAo de seus allpectos exegeacuteticos Ou sintetlzantes Colocamosp0r conseguinteacute todas as refer~nclas nas Notas assim como (embora sempre resumidamente) quaisquer discussotildees que temos comas fontes de que somos devedores Isto obrigou a um aparatode notas bastante grande Natildeo quisemos render homenagem aosrituais da Wissenschaftlichkeil mas preferimos nos manter fieacuteisagraves exigencias da gratidatildeo histoacuterica

O projeto do qual este livro li a reafizaccedillo foi pela primeiravez maquinado no veratildeo de 1962 no curso de algumas conversasfolgadas ao peacute (e agraves vezes no alto) dos Alpes da AacuteustriaOcidental O primeiro plano para o livro foi traccedilado no inIciode 1963 De comeccedilo tinha-se em vista um empreendimento queinclula um outro socioacutetogo li dois fil6sofos Os outros partici-pantes por vaacuterias razotildees biograacuteficas foram obrigados a se re-tirarem da participaccedilatildeo ativa no projeto mas desejamos agramiddotIfecer com grande apreccedilo os contlnuos comentaacuterios crltlcos deHansfried Kellner (atualmente na Universidade de Frankfurt)e Stanley Pullberg (atualmente na Ecole Pratique des Hautesetudes)

Em vaacuterias partes deste tratado ficarA clara a divida que temoscom o falecido Alfred Schutz Gostarlamos poreacutem de reconheceraqui a influecircncia do ensino e das obras de Schutz em nossopensamento Nossa compreensatildeo de Weber deve muito aos en-snamentos de Carl Mayer (Graduate Facully New School forSocial Research) assim como a compreensatildeo de Durkhelm e de

sua escola aproveitou imensamente com as interpretaccedilotildees deAlbert Salomon (tambeacutem da Graduate Faculty) Luckmann re-cordando-se de muitas proveitosas conversas durante um pe-rodo de ~nslno conjunto no Hobart College e em outras oca-s~otildees deseja expressar sua admiraccedilatildeo pelo pensamento de Fried-rlch Tenbru~ (atualmente na Universidade de Frankfurt)~rger gostaria de agradecer a Kurt Wolff (Brandeis Univer-Slty) e Anton Zijde~eld (Universidade de Leiden) por seu cana-tante Interesse critico no progresso das id~ias incorporadas aesta obra

E costume em projetos desta espeacutecie agradecer as vaacuterias contrlbulccedilotildees Impalpaacuteveis das esposas IiIhos e outros colaborado-res privados de siuaccedilAo legal mais duvidosa Embora ao me-nos p~ra transgredIr este costume estivemos tentados ltI dedicareste livro a um certo Jod~er de Brand Vorarlberg Entretantoqueremos agra~ecer a Btlgllte Buger (Hunter College) e BenilaLuckmann (~D1~ersldade de freiburg) natildeo por quaisquer de-sempenhos Cientificamente sem Importacircncia de funccedilotildees privadasmas por suas observaccedilotildees criticas como dentistas sociais ~por sua mflexvel recusa a serem facilmente requisitadas

PITER L BEROEROraduae FaelI

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THOMAS LUCJ(MANNtJnllrrlldadt d FrGnkjur

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INTRODUCcedilAtildeOo PROBLEMA DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 11

J OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO NAVIDA COTIDIANA 35

1 A realidade da vida cotidiana 352 A lnteraccedilaacuteo social na vida cOlidiana 46

3 A linguagem e o conhecimento na vida cotidiana 53

I Instituclonalizaccedilatildeo 69a) Organismo e atividade 69

b) As origens da inslitucionalizaccedilatildeo 77c) Sedimentaccedilatildeo e tradiccedilatildeo 95

d) Papeacuteis 101e) Extensatildeo e modos de instituclonalizaccedilatildeo 110

2 Legilimaccedilatildeo 126a) As origens dos unIversos simboacutelicos 126

b) Os mecanismos conceiluais da manutenccedilatildeo do universo 142c) A organizaccedilatildeo social para a manutenccedilatildeo do universo 157

1 A interiorizaccedilatildeo da realidade 173a) A socializaccedilatildeo primaacuteria 173

b) A socializaccedilatildeo secundAria 184c) A conservaccedilatildeo e a transformaccedilatildeo da realidade subjetiva 195

2 A interiorizaccedilatildeo e a estrutura soelal 2163 Teorias sobre a identidade 228

4 Organismo e identidade 236

CONCLUSAtildeOA SOCIOLOOIA DO CONHECIMENTO E A TEORIA

SOCIOLoacuteOICA 242 o Problema da Sociologiado Conhecimento

~ As AFIRMACcedilOtildeES fUNDAMENTAIS DO RAC10ClNJO DESTElivro acham-se impllcitas no titulo e no sublltulo e con-sistem em declarar que a realidade eacute construiacuteda social-mente e que a sociologia do conhecimento deve analisaro processo em que este fato ocorre Os termos essen-ciais nestas afirmaccedilotildees satilde-o realidade e conhecimentotermos natildeo apenas correntes na linguagem diiria mas quetecircm atraacutes de si uma longa histoacuteria de investigaccedilatildeo filo-soacutefica Natildeo precisamos entrar aqui na discussatildeo das mi-nuacutecias semacircnticas nem do uso cotidiano ou do uso filo-soacutefico desses termos Paraacute a nossa finalidade seraacute su-ficiente _definir realidade como uma qualidade perten-cente a fenOmenos que reconhecemos terem um ser in-dependente de nossa proacutepria voliccedilatildeo (natildeo podemosdesejar que natildeo existam) e definir conhecimentocomo a certeza de que os fenocircmenos satildeo reais e possuemcaracteriacutesticas especlficas E neste sentido (declarada-mente simplista) que estes termos tecircm importacircncia tantopara o homem da rua quanto para o filoacutesofo O homemda rua habita um mundo que eacute real para ele emboraem graus diferentes e conhece com graus variacircveisde certeza que este mundo possui tais ou quais caracle~rlstlcas O filoacutesofo naturalmente levanta ratilde questotildees re~lativas ao status ultimo tanto desta realidade quantodeste conhecimento Que eacute real~ Como se conhece~Estas satildeo algumas das mais antigas perguntas natildeo 80-

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mente da pesquisa filosoacutefica propriamente dita mas dopensamento humano enquanto tal Precisamente por esta

razatildeo a intromIssatildeo do socioacutelogo neste veneraacutevel terri-toacuterio intelectual poderacirc provavelmente chocar o homem darua e mesmo ainda mais provavelmente enfurecer o fi-loacutesofo E por conseguinte importante que esclareccedilamosdesde o inicio o sentido em que usamos estes termos

no contexto da sociologia e que imediatamente repudie-mos qualquer pretendo da sociologia a dar resposta aestas antigas preocupaccedilotildees filosoacuteficas

Z Se quiseacutessemos ser meticulosos na argumentaccedilatildeo aseguir expostl- deverlamos pOr entre aspas os dois men-cionados termos todas as vezes que os empregamos masisto seria estilistlcamente deselegante Falar em aspasporeacutem pode dar um indlcio da maneira peculiar em queestesmiddot termos aparecem em um contexto socioloacutegico Po-der-se-ia dizer que a compreensatildeo socioloacutegica da urea-lidade e do conhecimento situa-se de certa maneira agravemeia distancia entre a do homem da rua e a do filoacutesofoO homem da rua habitualmente natildeo se preocupa com oque eacute real para ele e com o que conhece a natildeoser que esbarre com alguma espeacutecie de problema Daacutecomo certa sua realidade e seu conhecimento O so-cioacutelogo natildeo pode fazer o mesmo quanto mais natildeo sejapor causa do conhecimento sistemaacutetico do fato de que oshomens da rua tomam como certas diferentes realida-des quando se passa de uma sociedade a outra O s()-ci61ogo eacute forccedilado pela proacutepria loacutegica de sua dlsclpllnaa perguntar quanto mais natildeo seja se a diferenccedila entreas duas realidades natildeo pode ser compreendida comrelaccedilatildeo agraves vaacuterias diferenccedilas entre as duas socledadesO filoacutesofo por outro lado eacute profissionalmente obrigadoa natildeo considerar nada como verdadeiro e a obter a maacute-xima clareza com respeito ao status uacuteltimo daquilo queo homem da rua acredita ser a realidade e o conhe~cimento Noutras palavras o filoacutesofo eacute levado a decidironde as aspas satildeo adequadas e onde podem ser segura-mente omitidas isto eacute a estabelecer a distinccedilatildeo entreafirmativas vaacutelidas e invaacutelidas relativas ao mundo O so-

ci6logo possivelmente natildeo pode fazer isso Logicamentequando natildeo estilisticamente estaacute crivado de aspas

3 Por exemplo o homem da rua pode acreditar quepossui liberdade- da vontade sendo por conseguinteresponsaacutevel por suas accedilotildees ao mesmo tempo em quenega esta liberdade e esta responsabilidade agraves crian-ccedilas e aos lunaacuteticos O filoacutesofo seja por que meacutetodos f~rtem de indagar do status ontoloacutegico e epistemoloacutegicodestas concepccedilotildees O homem eacute livre Que eacute a respon-sabilidade Onde estatildeo os limites da responsabilidadeComo se pode conhecer estas COisas E assim por dianteNatildeo eacute necessaacuterio dizer que o socioacutelogo natildeo tem condi-ccedilotildees para dar respostas a estas perguntas O que podee deve fazer contudo eacute perguntar por que a noccedilatildeo deJiberdade chegou a ser suposta como certa em uma~oci~dade e natildeo em outra como sua realidade eacute man- tida em uma sociedade e como de modo ainda maisinteressante esta realidadeacute pode mais de uma vez ~erperatildeRlatilde por um indiviacuteduo ou uma coletividade inteira

ml O interesse socioloacutegico nas questotildees da realidade t1 do conhecimento justifica-se assim inicialmente pelo

fato de sua relatividade social O que eacute real para ummonge tibetano pode natildeo ser real para um homem denegoacutecios americano O conhecimento do criminoso eacutediferente do conhecimento do criminalista Segue-seque aglomeraccedilotildees especificas da realidade e do conhe-cimento referem-se a contextos sociais especlficos e queestatildes relaccedilotildees teratildeo de ser incluiacutedas numa correta anaacute-lise socioloacutegica desses contextos A necessidade da so-cia1ogiCdordm ccedilonl1ecirttentomiddotestaacute assim dada jaacute nas ciffirenccedilas obse~vaacutevelsentre as sociedades em term9~ daqllql~eacute admitidocomltlcqnh~imento nel~~ Aleacutem dissoporeacutem uma disciplina que se chama a si mesma por essenome teraacute de ocupar-se dos modos gerais pelos quaisas realidades satildeo admitidas como conhecidas nassociedades humanas Em outras palavras uma socio[o-gia da conhecimento teraacute de tratar natildeo somente da mulmiddotIlplicidade emplrica do conhecimento nas sociedades

~humanas mas tambeacutem dos processos pelos quais quaq~er

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~orpo de conhecimento chega a seLsocialmente estabe-AacuteeCido como realidade~ Nosso ponto de vista por conseguinte eacute que a socio-

logia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquiloque passa por conhecimento em uma sociedade inde-pendentemente da validade ou invalidade uacuteltima (porquaisquer criteacute~ios) desse conhecimento E na medidaem ~ todo con~ecimento humano desenvolve-setransmite-se e manteacutem-se em situaccedilotildees sociais a socio-logia do conhecimento deve procurar compreenderoprocesso pelo qual isto se realiza de tal maneira qu~uma realidade admitida como certa solidifica-se paraohomem da rua Em outras palavras defendemos oponto de vista que a sociologia do conhecimento dk

I r~eito agrave anaacutelise da construccedilatildeo social da realidadeO Esta compreensatildeo do verdadeiro campo da sociologia

do conhecimento difere do que geralmente se entendepor esta disciplina desde que pela primeira vez foi cha-mada por este nome haacute cerca de quarenta anos atraacutesPor cons~guinte antes de comeccedilarmos nossa presenteargumentaccedilatildeo seraacute uacutetil examinar resumidamente o de-senvolvimento anterior da disclplina e explicar de quemaneira e por que motivos sentimos a necessidade denos afastarmos dele1O termo sociocirclogia do conhecimento (Wissenssozio-logie) foi forjado por Max Scheler I na deacutecada de 1920na Alemanha e Scheler era um filoacutesofo Estes trecircs fa-tos satildeo muito importantes para a compreensatildeo da gecirc-nese e do ulterior desenvolvimento da nova disciplinaA sociologia do conhecimento teve origem em uma par-ticular situaccedilatildeo da histoacuteria intelectual alematilde e em de-terminado contexto filosoacutefico Embora a nova disciplinafosse posteriormentemiddot introduzlda no adequado contextosociol6gico especialmente no mundo de Ilngua inglesacontinuou a ser marca da pelos problemas da particularsituaccedilatildeo intelectual de onde surgiu Como resultado a

I CI Mu 8chele Dr~ WJueluforrnel utrd dfe Gelelelrlllr (Btrna Iran-cke 1960) Elte Yalume de ~nnral publicado pela primeira ve~ em 1025conltm a lormulaccedillo blslel da IOcloloampJa do cOllhetlmenlo num enllloInlllulado Probleme elner Sozlololll du WIenl I 111 101 origInalmentepUllllCldo um ano anlel

sociologia do conhecimento permaneceu no estado deobjeto marginal de estudo entre os socioacutelogos em geralque natildeo participavam dos particulares problemas quepreocupavam os pensadores alematildees na deacutecada de 1920Isto foi especialmente verdade no que diz respeito aossocioacutelogos americanos que de modo geral consideravama disciplina como uma especialidade perifeacuterica de sa-bor caracteristicamente europeu Mais importante con-tudo foi o fato da permanente ligaccedilatildeo da sociologia doconhecimento com sua original constelaccedilatildeo de problemaster constituldo uma fraqueza teoacuterica mesmo nos lugaresem que houve interesse pela disciplina Isto eacute a socio-logia do conhecimento foi considerada por seus prota~gonistas e em geral pelo puacuteblico sociol6glco mais oumenos indiferente como uma espeacutecie de glosa socioloacutegicasobre amiddot histoacuteria das Ideacuteias O resultado foi uma conside-raacutevel miopia com relaccedilatildeo agrave significaccedilatildeo teoacuterica polen-cial da sociologia do conhecimento

B Houve diferen~es definiccedilotildees da natureza e do acircmbitoda sociologia do conhecimento Na verdade eacute posslveldizer-se que a histoacuteria dessa subdisciplina tem sido ateacuteagora a histoacuteria de suas vArias definiccedilotildees Entretantohaacute acordo geral em que a sociologia do conhecimentotrata das relaccedilotildees entre o pensamento humano e o con-texto social dentro do qual surge Pode dizer-se assimquumlecirc a sociologia do conhecimento constitui o foco so-cio~g~~o de um problema muito maiacutes geral o da deter-minaccedilatildeo existencial (Seinsgebundenhelt) do pensamentoenquanto tal Embora neste caso a atenccedilllo se concentresobre o fator social as dificuldades teoacutericas satildeo seme-lhantes agraves que surgiram quando outros fatores (tais comoos histoacutericos os psicol6gicos ou os bioloacutegicos) forampropostos com o valor de determinantes do pensamentohumano Em todos esses casos o problema geral temsido estabelecer a extensatildeo em que o pensamento refleteos fatores determinantes propostos ou eacute independentedeles

j E provaacutevel que a proeminecircncia do problema geral narecente filosofia alematilde tenha suas raizes na vasta acu-

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I mulaccedilatildeo de erudiccedilatildeo histoacuterica que foi um dos maioresfrutos Intelectuais do seacuteculo XIX na Alemanha De ummodo sem precedente em qualquer outro periacuteodo da his-toacuteria intelectual o passado com sua assombrosa varie-dade de formas de pensamento foi tornado presenteao espfrito contemporacircneo pelos esforccedilos da cultura his-toacuterica cientrfica E dlffcil disputar o direito da culturaalematilde ao primeiro lugar neste empreendimento Natildeo deve-ria por conseguinte surpreender-nos que o problema teoacute-rico instituiacutedo pelo mencionado empreendimento tenha si-do sentido mais agudamente na Alemanha Pode-se dizerque este problema eacute o da vertigem da relatividade A di-mensatildeo epistemoloacutegica do problema eacute oacutebvia No niacutevel em-p[rico conduziu agrave I~9c~paccedilatildeo de investigar o mais cui-dadosamente possiacutevel as relaccedilotildees concretas entre o pen-samento e suas situaccedilOes histoacutericas Se esta Interpretaccedilatildeoeacute correta a sociologia do conhecimento tomou a si umproblema originariamente colocado pela erudiccedilatildeo histoacutemiddotrica numa focalizaccedillio mais estreita sem duacutevida masessencialmente com o interesse nas mesmas questotildees I10 Nem o problema geral nem sua focallzaccedilatildeo mais es-treita satildeo novos A consciecircncia dos fundamentos sociaisdos valores e das concepccedilotildees do mundo pode ser jaacute en~contrada na Antiguidade Pelo menos a partir do I1umi-nismo esta consciecircncia cristalizou-se tornando-se um dosprincipais temas do moderno pensamento ocidental Assimeacute posslvel justificar convenientemente muitas genealo-gias do problema central da sociologia do conhecimen-to I Pode qJesmo dizer-se que o problema estaacute contidoin nuce na famosa frase de Pascal de acordo com aqual aquilo que eacute verdade de um lado dos Pirineus eacuteerro do outro lado No entanto os antecedentes i~lectu~i J~edJ~tos da socio)og~do conheeacuteiilentosatildeo-~trecircscrf(CcedilOtildeesdO_P~Ilgm~nt6 atildelematildeo do seacuteculo XIX opensa-mento marxista o nietzscheanomiddot e o historicista

bull CI Wllhelm Wlndelblnd e Helnl Helmoel~L Lllrbllcll der OelChchtedlt Phlloophle (TDblnltn Mollr 19~Ol pp ltU~bullbullbull

bull Cl AlbHl Salomon 1n Ptole oJ Enl[lZltlrnmen (Ncw Vork McrldlanBookl 1963) HaRI B8rth WorrhlU llnll IltlIololZe (Zurlell MaMne lD4~) iWerner Stlrk Tlle SodI)I ~I ICllowedlZe (ChICllo Prce Prell 01 OleR-coe 1958) pp ~lIl1iKurl Lenk (ed) ldtolot (leuwledRheln Luehlerhlnll1981) pp bull 1311

bull Ptll~II Y 294

j1A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-siccedilatildeo de Marx que declara ser a consciecircncia do homemdeterminada por seu ser social Sem duacutevida tem havidomuitos debates para se )aber ao certo que espeacutecie dedeterminaccedilatildeo Marx tinha em mente Pode-se dizer comcerteza que muito da grande luta com Marxu que ca-racterizou natildeo somente os comeccedilos da sociologia do co-nhecimento mas a Idade clatildesslca da sociologia em geral(particularmente tal como eacute manifestada nas obras deWeber Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-tra uma defeituosa interpretaccedilatildeo de Marx pelos marxistasmodernos Esta proposiccedilatildeo ganha plausibiJidade quandorefletimos no fato de que foi somente em 1932 que osimportantiacutessimos Manuscritos Econocircmicos e Filosoacuteficosde 1844 foram redescobertos e somente depois da Se-gunda Guerra Mundial a plena implicaccedilatildeo dessa redesco-berta poderia ser esgotada na pesquisa sobre Marx Co-mo quer que seja a sociologia do conhecimento herdoude Marx natildeo somente a mais exata formulaccedilatildeo de seuproblema central mas tambeacutem alguns de seus conceitoschaves entre o~ quas deveriam ser mencionados parti-cularmente os conceitos de ideologiaU (ideacuteias que ser-vemmiddot de armas para interesses sociais) e falsa conscin-cia (pensamento alienado do ser social real do pen~sador)

j t A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-cinada pelos dois conceitos gecircmeos estabelecidos porMarx de infra-estrutura e superestrutura (UnlerbaumiddotUeberbau) Foi neste ponto principalmente que a con-troveacutersia se tornou violenta a respeito da correta inter-pretaccedilatildeo do proacuteprio pensamento de Marx O marxismoposterior teve a tendecircncia a Identificar a infra-estruturacom a estrutura econocircmica tout court da qual se supu-nha que a usuperestrutura era um reflexo direto(assim por exemplol Lenin) E agora de todo claroque isto representa incorretamente o pensamento deMarx pois o caraacuteter essencialmente mecanicista em vez

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

iJ

I i I

11

I Imiddot

I i1 I~

I

logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

51

ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 3: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

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empreendimento para a teoria sociol6gica em geral e para certasaacutereas da pesquisa emplrica I

A loacutegica de nosso racioclnio torna inevitaacutevel certo nuacutemerode repeticcedilotildees Assim alguns problemas satildeo examinados entreparenteses fenomenol6gicos na secccedilatildeo I tomados novamente nasecccedilatildeo Il sem esses parecircnteses e com interesse em sua gecircneseemplrica e depois retomados ainda uma vez na secccedilatildeo l1l aonlvel da consciecircncia subjetiva Esforccedilamo-nos por tornar estelivro tio legiacutevel quanto posslvel mas sem violar sua 16gicaInterna e esperamos que o leitor compreenderA as razotildees dessasrepeticcedilotildees que nio podiam ser evitadas Ibn ulArabi o grande mlstico isldmico exclama em um deseus poemas cLivrai-nos Alaacute do mar de nomes Temos fre-qUentemente repetido esta exclamaccedilatildeo em nossas conferecircnciassobre a teoria sociol6gica ConseqUentemente decidimos eliminartodos os nomes de nosso arual racioclnio Este pode ser lidoagora como uma apresentaccedil10 conllnua de nossa posiccedillio pessoalsem a constante incluslio de observaccedilotildees tais como cDurkheimdiz isto cWeber dli aquilot cconcordamos aqui com Durkheimmas nio com Webert laquoparece-nos que Durkheim loi mal commiddotpreendido neste pontot e assim por diante E evidente emcada paacutegina que nossa posiccedilatildeo natildeo surgiu u nihilo mas dese-jamos que seja julgada por seus proacuteprios meacuteritos e natildeo emfunccedilAo de seus allpectos exegeacuteticos Ou sintetlzantes Colocamosp0r conseguinteacute todas as refer~nclas nas Notas assim como (embora sempre resumidamente) quaisquer discussotildees que temos comas fontes de que somos devedores Isto obrigou a um aparatode notas bastante grande Natildeo quisemos render homenagem aosrituais da Wissenschaftlichkeil mas preferimos nos manter fieacuteisagraves exigencias da gratidatildeo histoacuterica

O projeto do qual este livro li a reafizaccedillo foi pela primeiravez maquinado no veratildeo de 1962 no curso de algumas conversasfolgadas ao peacute (e agraves vezes no alto) dos Alpes da AacuteustriaOcidental O primeiro plano para o livro foi traccedilado no inIciode 1963 De comeccedilo tinha-se em vista um empreendimento queinclula um outro socioacutetogo li dois fil6sofos Os outros partici-pantes por vaacuterias razotildees biograacuteficas foram obrigados a se re-tirarem da participaccedilatildeo ativa no projeto mas desejamos agramiddotIfecer com grande apreccedilo os contlnuos comentaacuterios crltlcos deHansfried Kellner (atualmente na Universidade de Frankfurt)e Stanley Pullberg (atualmente na Ecole Pratique des Hautesetudes)

Em vaacuterias partes deste tratado ficarA clara a divida que temoscom o falecido Alfred Schutz Gostarlamos poreacutem de reconheceraqui a influecircncia do ensino e das obras de Schutz em nossopensamento Nossa compreensatildeo de Weber deve muito aos en-snamentos de Carl Mayer (Graduate Facully New School forSocial Research) assim como a compreensatildeo de Durkhelm e de

sua escola aproveitou imensamente com as interpretaccedilotildees deAlbert Salomon (tambeacutem da Graduate Faculty) Luckmann re-cordando-se de muitas proveitosas conversas durante um pe-rodo de ~nslno conjunto no Hobart College e em outras oca-s~otildees deseja expressar sua admiraccedilatildeo pelo pensamento de Fried-rlch Tenbru~ (atualmente na Universidade de Frankfurt)~rger gostaria de agradecer a Kurt Wolff (Brandeis Univer-Slty) e Anton Zijde~eld (Universidade de Leiden) por seu cana-tante Interesse critico no progresso das id~ias incorporadas aesta obra

E costume em projetos desta espeacutecie agradecer as vaacuterias contrlbulccedilotildees Impalpaacuteveis das esposas IiIhos e outros colaborado-res privados de siuaccedilAo legal mais duvidosa Embora ao me-nos p~ra transgredIr este costume estivemos tentados ltI dedicareste livro a um certo Jod~er de Brand Vorarlberg Entretantoqueremos agra~ecer a Btlgllte Buger (Hunter College) e BenilaLuckmann (~D1~ersldade de freiburg) natildeo por quaisquer de-sempenhos Cientificamente sem Importacircncia de funccedilotildees privadasmas por suas observaccedilotildees criticas como dentistas sociais ~por sua mflexvel recusa a serem facilmente requisitadas

PITER L BEROEROraduae FaelI

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THOMAS LUCJ(MANNtJnllrrlldadt d FrGnkjur

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INTRODUCcedilAtildeOo PROBLEMA DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 11

J OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO NAVIDA COTIDIANA 35

1 A realidade da vida cotidiana 352 A lnteraccedilaacuteo social na vida cOlidiana 46

3 A linguagem e o conhecimento na vida cotidiana 53

I Instituclonalizaccedilatildeo 69a) Organismo e atividade 69

b) As origens da inslitucionalizaccedilatildeo 77c) Sedimentaccedilatildeo e tradiccedilatildeo 95

d) Papeacuteis 101e) Extensatildeo e modos de instituclonalizaccedilatildeo 110

2 Legilimaccedilatildeo 126a) As origens dos unIversos simboacutelicos 126

b) Os mecanismos conceiluais da manutenccedilatildeo do universo 142c) A organizaccedilatildeo social para a manutenccedilatildeo do universo 157

1 A interiorizaccedilatildeo da realidade 173a) A socializaccedilatildeo primaacuteria 173

b) A socializaccedilatildeo secundAria 184c) A conservaccedilatildeo e a transformaccedilatildeo da realidade subjetiva 195

2 A interiorizaccedilatildeo e a estrutura soelal 2163 Teorias sobre a identidade 228

4 Organismo e identidade 236

CONCLUSAtildeOA SOCIOLOOIA DO CONHECIMENTO E A TEORIA

SOCIOLoacuteOICA 242 o Problema da Sociologiado Conhecimento

~ As AFIRMACcedilOtildeES fUNDAMENTAIS DO RAC10ClNJO DESTElivro acham-se impllcitas no titulo e no sublltulo e con-sistem em declarar que a realidade eacute construiacuteda social-mente e que a sociologia do conhecimento deve analisaro processo em que este fato ocorre Os termos essen-ciais nestas afirmaccedilotildees satilde-o realidade e conhecimentotermos natildeo apenas correntes na linguagem diiria mas quetecircm atraacutes de si uma longa histoacuteria de investigaccedilatildeo filo-soacutefica Natildeo precisamos entrar aqui na discussatildeo das mi-nuacutecias semacircnticas nem do uso cotidiano ou do uso filo-soacutefico desses termos Paraacute a nossa finalidade seraacute su-ficiente _definir realidade como uma qualidade perten-cente a fenOmenos que reconhecemos terem um ser in-dependente de nossa proacutepria voliccedilatildeo (natildeo podemosdesejar que natildeo existam) e definir conhecimentocomo a certeza de que os fenocircmenos satildeo reais e possuemcaracteriacutesticas especlficas E neste sentido (declarada-mente simplista) que estes termos tecircm importacircncia tantopara o homem da rua quanto para o filoacutesofo O homemda rua habita um mundo que eacute real para ele emboraem graus diferentes e conhece com graus variacircveisde certeza que este mundo possui tais ou quais caracle~rlstlcas O filoacutesofo naturalmente levanta ratilde questotildees re~lativas ao status ultimo tanto desta realidade quantodeste conhecimento Que eacute real~ Como se conhece~Estas satildeo algumas das mais antigas perguntas natildeo 80-

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mente da pesquisa filosoacutefica propriamente dita mas dopensamento humano enquanto tal Precisamente por esta

razatildeo a intromIssatildeo do socioacutelogo neste veneraacutevel terri-toacuterio intelectual poderacirc provavelmente chocar o homem darua e mesmo ainda mais provavelmente enfurecer o fi-loacutesofo E por conseguinte importante que esclareccedilamosdesde o inicio o sentido em que usamos estes termos

no contexto da sociologia e que imediatamente repudie-mos qualquer pretendo da sociologia a dar resposta aestas antigas preocupaccedilotildees filosoacuteficas

Z Se quiseacutessemos ser meticulosos na argumentaccedilatildeo aseguir expostl- deverlamos pOr entre aspas os dois men-cionados termos todas as vezes que os empregamos masisto seria estilistlcamente deselegante Falar em aspasporeacutem pode dar um indlcio da maneira peculiar em queestesmiddot termos aparecem em um contexto socioloacutegico Po-der-se-ia dizer que a compreensatildeo socioloacutegica da urea-lidade e do conhecimento situa-se de certa maneira agravemeia distancia entre a do homem da rua e a do filoacutesofoO homem da rua habitualmente natildeo se preocupa com oque eacute real para ele e com o que conhece a natildeoser que esbarre com alguma espeacutecie de problema Daacutecomo certa sua realidade e seu conhecimento O so-cioacutelogo natildeo pode fazer o mesmo quanto mais natildeo sejapor causa do conhecimento sistemaacutetico do fato de que oshomens da rua tomam como certas diferentes realida-des quando se passa de uma sociedade a outra O s()-ci61ogo eacute forccedilado pela proacutepria loacutegica de sua dlsclpllnaa perguntar quanto mais natildeo seja se a diferenccedila entreas duas realidades natildeo pode ser compreendida comrelaccedilatildeo agraves vaacuterias diferenccedilas entre as duas socledadesO filoacutesofo por outro lado eacute profissionalmente obrigadoa natildeo considerar nada como verdadeiro e a obter a maacute-xima clareza com respeito ao status uacuteltimo daquilo queo homem da rua acredita ser a realidade e o conhe~cimento Noutras palavras o filoacutesofo eacute levado a decidironde as aspas satildeo adequadas e onde podem ser segura-mente omitidas isto eacute a estabelecer a distinccedilatildeo entreafirmativas vaacutelidas e invaacutelidas relativas ao mundo O so-

ci6logo possivelmente natildeo pode fazer isso Logicamentequando natildeo estilisticamente estaacute crivado de aspas

3 Por exemplo o homem da rua pode acreditar quepossui liberdade- da vontade sendo por conseguinteresponsaacutevel por suas accedilotildees ao mesmo tempo em quenega esta liberdade e esta responsabilidade agraves crian-ccedilas e aos lunaacuteticos O filoacutesofo seja por que meacutetodos f~rtem de indagar do status ontoloacutegico e epistemoloacutegicodestas concepccedilotildees O homem eacute livre Que eacute a respon-sabilidade Onde estatildeo os limites da responsabilidadeComo se pode conhecer estas COisas E assim por dianteNatildeo eacute necessaacuterio dizer que o socioacutelogo natildeo tem condi-ccedilotildees para dar respostas a estas perguntas O que podee deve fazer contudo eacute perguntar por que a noccedilatildeo deJiberdade chegou a ser suposta como certa em uma~oci~dade e natildeo em outra como sua realidade eacute man- tida em uma sociedade e como de modo ainda maisinteressante esta realidadeacute pode mais de uma vez ~erperatildeRlatilde por um indiviacuteduo ou uma coletividade inteira

ml O interesse socioloacutegico nas questotildees da realidade t1 do conhecimento justifica-se assim inicialmente pelo

fato de sua relatividade social O que eacute real para ummonge tibetano pode natildeo ser real para um homem denegoacutecios americano O conhecimento do criminoso eacutediferente do conhecimento do criminalista Segue-seque aglomeraccedilotildees especificas da realidade e do conhe-cimento referem-se a contextos sociais especlficos e queestatildes relaccedilotildees teratildeo de ser incluiacutedas numa correta anaacute-lise socioloacutegica desses contextos A necessidade da so-cia1ogiCdordm ccedilonl1ecirttentomiddotestaacute assim dada jaacute nas ciffirenccedilas obse~vaacutevelsentre as sociedades em term9~ daqllql~eacute admitidocomltlcqnh~imento nel~~ Aleacutem dissoporeacutem uma disciplina que se chama a si mesma por essenome teraacute de ocupar-se dos modos gerais pelos quaisas realidades satildeo admitidas como conhecidas nassociedades humanas Em outras palavras uma socio[o-gia da conhecimento teraacute de tratar natildeo somente da mulmiddotIlplicidade emplrica do conhecimento nas sociedades

~humanas mas tambeacutem dos processos pelos quais quaq~er

I i11

ii I

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li I I j

~orpo de conhecimento chega a seLsocialmente estabe-AacuteeCido como realidade~ Nosso ponto de vista por conseguinte eacute que a socio-

logia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquiloque passa por conhecimento em uma sociedade inde-pendentemente da validade ou invalidade uacuteltima (porquaisquer criteacute~ios) desse conhecimento E na medidaem ~ todo con~ecimento humano desenvolve-setransmite-se e manteacutem-se em situaccedilotildees sociais a socio-logia do conhecimento deve procurar compreenderoprocesso pelo qual isto se realiza de tal maneira qu~uma realidade admitida como certa solidifica-se paraohomem da rua Em outras palavras defendemos oponto de vista que a sociologia do conhecimento dk

I r~eito agrave anaacutelise da construccedilatildeo social da realidadeO Esta compreensatildeo do verdadeiro campo da sociologia

do conhecimento difere do que geralmente se entendepor esta disciplina desde que pela primeira vez foi cha-mada por este nome haacute cerca de quarenta anos atraacutesPor cons~guinte antes de comeccedilarmos nossa presenteargumentaccedilatildeo seraacute uacutetil examinar resumidamente o de-senvolvimento anterior da disclplina e explicar de quemaneira e por que motivos sentimos a necessidade denos afastarmos dele1O termo sociocirclogia do conhecimento (Wissenssozio-logie) foi forjado por Max Scheler I na deacutecada de 1920na Alemanha e Scheler era um filoacutesofo Estes trecircs fa-tos satildeo muito importantes para a compreensatildeo da gecirc-nese e do ulterior desenvolvimento da nova disciplinaA sociologia do conhecimento teve origem em uma par-ticular situaccedilatildeo da histoacuteria intelectual alematilde e em de-terminado contexto filosoacutefico Embora a nova disciplinafosse posteriormentemiddot introduzlda no adequado contextosociol6gico especialmente no mundo de Ilngua inglesacontinuou a ser marca da pelos problemas da particularsituaccedilatildeo intelectual de onde surgiu Como resultado a

I CI Mu 8chele Dr~ WJueluforrnel utrd dfe Gelelelrlllr (Btrna Iran-cke 1960) Elte Yalume de ~nnral publicado pela primeira ve~ em 1025conltm a lormulaccedillo blslel da IOcloloampJa do cOllhetlmenlo num enllloInlllulado Probleme elner Sozlololll du WIenl I 111 101 origInalmentepUllllCldo um ano anlel

sociologia do conhecimento permaneceu no estado deobjeto marginal de estudo entre os socioacutelogos em geralque natildeo participavam dos particulares problemas quepreocupavam os pensadores alematildees na deacutecada de 1920Isto foi especialmente verdade no que diz respeito aossocioacutelogos americanos que de modo geral consideravama disciplina como uma especialidade perifeacuterica de sa-bor caracteristicamente europeu Mais importante con-tudo foi o fato da permanente ligaccedilatildeo da sociologia doconhecimento com sua original constelaccedilatildeo de problemaster constituldo uma fraqueza teoacuterica mesmo nos lugaresem que houve interesse pela disciplina Isto eacute a socio-logia do conhecimento foi considerada por seus prota~gonistas e em geral pelo puacuteblico sociol6glco mais oumenos indiferente como uma espeacutecie de glosa socioloacutegicasobre amiddot histoacuteria das Ideacuteias O resultado foi uma conside-raacutevel miopia com relaccedilatildeo agrave significaccedilatildeo teoacuterica polen-cial da sociologia do conhecimento

B Houve diferen~es definiccedilotildees da natureza e do acircmbitoda sociologia do conhecimento Na verdade eacute posslveldizer-se que a histoacuteria dessa subdisciplina tem sido ateacuteagora a histoacuteria de suas vArias definiccedilotildees Entretantohaacute acordo geral em que a sociologia do conhecimentotrata das relaccedilotildees entre o pensamento humano e o con-texto social dentro do qual surge Pode dizer-se assimquumlecirc a sociologia do conhecimento constitui o foco so-cio~g~~o de um problema muito maiacutes geral o da deter-minaccedilatildeo existencial (Seinsgebundenhelt) do pensamentoenquanto tal Embora neste caso a atenccedilllo se concentresobre o fator social as dificuldades teoacutericas satildeo seme-lhantes agraves que surgiram quando outros fatores (tais comoos histoacutericos os psicol6gicos ou os bioloacutegicos) forampropostos com o valor de determinantes do pensamentohumano Em todos esses casos o problema geral temsido estabelecer a extensatildeo em que o pensamento refleteos fatores determinantes propostos ou eacute independentedeles

j E provaacutevel que a proeminecircncia do problema geral narecente filosofia alematilde tenha suas raizes na vasta acu-

I

I mulaccedilatildeo de erudiccedilatildeo histoacuterica que foi um dos maioresfrutos Intelectuais do seacuteculo XIX na Alemanha De ummodo sem precedente em qualquer outro periacuteodo da his-toacuteria intelectual o passado com sua assombrosa varie-dade de formas de pensamento foi tornado presenteao espfrito contemporacircneo pelos esforccedilos da cultura his-toacuterica cientrfica E dlffcil disputar o direito da culturaalematilde ao primeiro lugar neste empreendimento Natildeo deve-ria por conseguinte surpreender-nos que o problema teoacute-rico instituiacutedo pelo mencionado empreendimento tenha si-do sentido mais agudamente na Alemanha Pode-se dizerque este problema eacute o da vertigem da relatividade A di-mensatildeo epistemoloacutegica do problema eacute oacutebvia No niacutevel em-p[rico conduziu agrave I~9c~paccedilatildeo de investigar o mais cui-dadosamente possiacutevel as relaccedilotildees concretas entre o pen-samento e suas situaccedilOes histoacutericas Se esta Interpretaccedilatildeoeacute correta a sociologia do conhecimento tomou a si umproblema originariamente colocado pela erudiccedilatildeo histoacutemiddotrica numa focalizaccedillio mais estreita sem duacutevida masessencialmente com o interesse nas mesmas questotildees I10 Nem o problema geral nem sua focallzaccedilatildeo mais es-treita satildeo novos A consciecircncia dos fundamentos sociaisdos valores e das concepccedilotildees do mundo pode ser jaacute en~contrada na Antiguidade Pelo menos a partir do I1umi-nismo esta consciecircncia cristalizou-se tornando-se um dosprincipais temas do moderno pensamento ocidental Assimeacute posslvel justificar convenientemente muitas genealo-gias do problema central da sociologia do conhecimen-to I Pode qJesmo dizer-se que o problema estaacute contidoin nuce na famosa frase de Pascal de acordo com aqual aquilo que eacute verdade de um lado dos Pirineus eacuteerro do outro lado No entanto os antecedentes i~lectu~i J~edJ~tos da socio)og~do conheeacuteiilentosatildeo-~trecircscrf(CcedilOtildeesdO_P~Ilgm~nt6 atildelematildeo do seacuteculo XIX opensa-mento marxista o nietzscheanomiddot e o historicista

bull CI Wllhelm Wlndelblnd e Helnl Helmoel~L Lllrbllcll der OelChchtedlt Phlloophle (TDblnltn Mollr 19~Ol pp ltU~bullbullbull

bull Cl AlbHl Salomon 1n Ptole oJ Enl[lZltlrnmen (Ncw Vork McrldlanBookl 1963) HaRI B8rth WorrhlU llnll IltlIololZe (Zurlell MaMne lD4~) iWerner Stlrk Tlle SodI)I ~I ICllowedlZe (ChICllo Prce Prell 01 OleR-coe 1958) pp ~lIl1iKurl Lenk (ed) ldtolot (leuwledRheln Luehlerhlnll1981) pp bull 1311

bull Ptll~II Y 294

j1A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-siccedilatildeo de Marx que declara ser a consciecircncia do homemdeterminada por seu ser social Sem duacutevida tem havidomuitos debates para se )aber ao certo que espeacutecie dedeterminaccedilatildeo Marx tinha em mente Pode-se dizer comcerteza que muito da grande luta com Marxu que ca-racterizou natildeo somente os comeccedilos da sociologia do co-nhecimento mas a Idade clatildesslca da sociologia em geral(particularmente tal como eacute manifestada nas obras deWeber Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-tra uma defeituosa interpretaccedilatildeo de Marx pelos marxistasmodernos Esta proposiccedilatildeo ganha plausibiJidade quandorefletimos no fato de que foi somente em 1932 que osimportantiacutessimos Manuscritos Econocircmicos e Filosoacuteficosde 1844 foram redescobertos e somente depois da Se-gunda Guerra Mundial a plena implicaccedilatildeo dessa redesco-berta poderia ser esgotada na pesquisa sobre Marx Co-mo quer que seja a sociologia do conhecimento herdoude Marx natildeo somente a mais exata formulaccedilatildeo de seuproblema central mas tambeacutem alguns de seus conceitoschaves entre o~ quas deveriam ser mencionados parti-cularmente os conceitos de ideologiaU (ideacuteias que ser-vemmiddot de armas para interesses sociais) e falsa conscin-cia (pensamento alienado do ser social real do pen~sador)

j t A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-cinada pelos dois conceitos gecircmeos estabelecidos porMarx de infra-estrutura e superestrutura (UnlerbaumiddotUeberbau) Foi neste ponto principalmente que a con-troveacutersia se tornou violenta a respeito da correta inter-pretaccedilatildeo do proacuteprio pensamento de Marx O marxismoposterior teve a tendecircncia a Identificar a infra-estruturacom a estrutura econocircmica tout court da qual se supu-nha que a usuperestrutura era um reflexo direto(assim por exemplol Lenin) E agora de todo claroque isto representa incorretamente o pensamento deMarx pois o caraacuteter essencialmente mecanicista em vez

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

iJ

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11

I Imiddot

I i1 I~

I

logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

IIi~

ii Ii

Iii jf

COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 4: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

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INTRODUCcedilAtildeOo PROBLEMA DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 11

J OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO NAVIDA COTIDIANA 35

1 A realidade da vida cotidiana 352 A lnteraccedilaacuteo social na vida cOlidiana 46

3 A linguagem e o conhecimento na vida cotidiana 53

I Instituclonalizaccedilatildeo 69a) Organismo e atividade 69

b) As origens da inslitucionalizaccedilatildeo 77c) Sedimentaccedilatildeo e tradiccedilatildeo 95

d) Papeacuteis 101e) Extensatildeo e modos de instituclonalizaccedilatildeo 110

2 Legilimaccedilatildeo 126a) As origens dos unIversos simboacutelicos 126

b) Os mecanismos conceiluais da manutenccedilatildeo do universo 142c) A organizaccedilatildeo social para a manutenccedilatildeo do universo 157

1 A interiorizaccedilatildeo da realidade 173a) A socializaccedilatildeo primaacuteria 173

b) A socializaccedilatildeo secundAria 184c) A conservaccedilatildeo e a transformaccedilatildeo da realidade subjetiva 195

2 A interiorizaccedilatildeo e a estrutura soelal 2163 Teorias sobre a identidade 228

4 Organismo e identidade 236

CONCLUSAtildeOA SOCIOLOOIA DO CONHECIMENTO E A TEORIA

SOCIOLoacuteOICA 242 o Problema da Sociologiado Conhecimento

~ As AFIRMACcedilOtildeES fUNDAMENTAIS DO RAC10ClNJO DESTElivro acham-se impllcitas no titulo e no sublltulo e con-sistem em declarar que a realidade eacute construiacuteda social-mente e que a sociologia do conhecimento deve analisaro processo em que este fato ocorre Os termos essen-ciais nestas afirmaccedilotildees satilde-o realidade e conhecimentotermos natildeo apenas correntes na linguagem diiria mas quetecircm atraacutes de si uma longa histoacuteria de investigaccedilatildeo filo-soacutefica Natildeo precisamos entrar aqui na discussatildeo das mi-nuacutecias semacircnticas nem do uso cotidiano ou do uso filo-soacutefico desses termos Paraacute a nossa finalidade seraacute su-ficiente _definir realidade como uma qualidade perten-cente a fenOmenos que reconhecemos terem um ser in-dependente de nossa proacutepria voliccedilatildeo (natildeo podemosdesejar que natildeo existam) e definir conhecimentocomo a certeza de que os fenocircmenos satildeo reais e possuemcaracteriacutesticas especlficas E neste sentido (declarada-mente simplista) que estes termos tecircm importacircncia tantopara o homem da rua quanto para o filoacutesofo O homemda rua habita um mundo que eacute real para ele emboraem graus diferentes e conhece com graus variacircveisde certeza que este mundo possui tais ou quais caracle~rlstlcas O filoacutesofo naturalmente levanta ratilde questotildees re~lativas ao status ultimo tanto desta realidade quantodeste conhecimento Que eacute real~ Como se conhece~Estas satildeo algumas das mais antigas perguntas natildeo 80-

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mente da pesquisa filosoacutefica propriamente dita mas dopensamento humano enquanto tal Precisamente por esta

razatildeo a intromIssatildeo do socioacutelogo neste veneraacutevel terri-toacuterio intelectual poderacirc provavelmente chocar o homem darua e mesmo ainda mais provavelmente enfurecer o fi-loacutesofo E por conseguinte importante que esclareccedilamosdesde o inicio o sentido em que usamos estes termos

no contexto da sociologia e que imediatamente repudie-mos qualquer pretendo da sociologia a dar resposta aestas antigas preocupaccedilotildees filosoacuteficas

Z Se quiseacutessemos ser meticulosos na argumentaccedilatildeo aseguir expostl- deverlamos pOr entre aspas os dois men-cionados termos todas as vezes que os empregamos masisto seria estilistlcamente deselegante Falar em aspasporeacutem pode dar um indlcio da maneira peculiar em queestesmiddot termos aparecem em um contexto socioloacutegico Po-der-se-ia dizer que a compreensatildeo socioloacutegica da urea-lidade e do conhecimento situa-se de certa maneira agravemeia distancia entre a do homem da rua e a do filoacutesofoO homem da rua habitualmente natildeo se preocupa com oque eacute real para ele e com o que conhece a natildeoser que esbarre com alguma espeacutecie de problema Daacutecomo certa sua realidade e seu conhecimento O so-cioacutelogo natildeo pode fazer o mesmo quanto mais natildeo sejapor causa do conhecimento sistemaacutetico do fato de que oshomens da rua tomam como certas diferentes realida-des quando se passa de uma sociedade a outra O s()-ci61ogo eacute forccedilado pela proacutepria loacutegica de sua dlsclpllnaa perguntar quanto mais natildeo seja se a diferenccedila entreas duas realidades natildeo pode ser compreendida comrelaccedilatildeo agraves vaacuterias diferenccedilas entre as duas socledadesO filoacutesofo por outro lado eacute profissionalmente obrigadoa natildeo considerar nada como verdadeiro e a obter a maacute-xima clareza com respeito ao status uacuteltimo daquilo queo homem da rua acredita ser a realidade e o conhe~cimento Noutras palavras o filoacutesofo eacute levado a decidironde as aspas satildeo adequadas e onde podem ser segura-mente omitidas isto eacute a estabelecer a distinccedilatildeo entreafirmativas vaacutelidas e invaacutelidas relativas ao mundo O so-

ci6logo possivelmente natildeo pode fazer isso Logicamentequando natildeo estilisticamente estaacute crivado de aspas

3 Por exemplo o homem da rua pode acreditar quepossui liberdade- da vontade sendo por conseguinteresponsaacutevel por suas accedilotildees ao mesmo tempo em quenega esta liberdade e esta responsabilidade agraves crian-ccedilas e aos lunaacuteticos O filoacutesofo seja por que meacutetodos f~rtem de indagar do status ontoloacutegico e epistemoloacutegicodestas concepccedilotildees O homem eacute livre Que eacute a respon-sabilidade Onde estatildeo os limites da responsabilidadeComo se pode conhecer estas COisas E assim por dianteNatildeo eacute necessaacuterio dizer que o socioacutelogo natildeo tem condi-ccedilotildees para dar respostas a estas perguntas O que podee deve fazer contudo eacute perguntar por que a noccedilatildeo deJiberdade chegou a ser suposta como certa em uma~oci~dade e natildeo em outra como sua realidade eacute man- tida em uma sociedade e como de modo ainda maisinteressante esta realidadeacute pode mais de uma vez ~erperatildeRlatilde por um indiviacuteduo ou uma coletividade inteira

ml O interesse socioloacutegico nas questotildees da realidade t1 do conhecimento justifica-se assim inicialmente pelo

fato de sua relatividade social O que eacute real para ummonge tibetano pode natildeo ser real para um homem denegoacutecios americano O conhecimento do criminoso eacutediferente do conhecimento do criminalista Segue-seque aglomeraccedilotildees especificas da realidade e do conhe-cimento referem-se a contextos sociais especlficos e queestatildes relaccedilotildees teratildeo de ser incluiacutedas numa correta anaacute-lise socioloacutegica desses contextos A necessidade da so-cia1ogiCdordm ccedilonl1ecirttentomiddotestaacute assim dada jaacute nas ciffirenccedilas obse~vaacutevelsentre as sociedades em term9~ daqllql~eacute admitidocomltlcqnh~imento nel~~ Aleacutem dissoporeacutem uma disciplina que se chama a si mesma por essenome teraacute de ocupar-se dos modos gerais pelos quaisas realidades satildeo admitidas como conhecidas nassociedades humanas Em outras palavras uma socio[o-gia da conhecimento teraacute de tratar natildeo somente da mulmiddotIlplicidade emplrica do conhecimento nas sociedades

~humanas mas tambeacutem dos processos pelos quais quaq~er

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~orpo de conhecimento chega a seLsocialmente estabe-AacuteeCido como realidade~ Nosso ponto de vista por conseguinte eacute que a socio-

logia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquiloque passa por conhecimento em uma sociedade inde-pendentemente da validade ou invalidade uacuteltima (porquaisquer criteacute~ios) desse conhecimento E na medidaem ~ todo con~ecimento humano desenvolve-setransmite-se e manteacutem-se em situaccedilotildees sociais a socio-logia do conhecimento deve procurar compreenderoprocesso pelo qual isto se realiza de tal maneira qu~uma realidade admitida como certa solidifica-se paraohomem da rua Em outras palavras defendemos oponto de vista que a sociologia do conhecimento dk

I r~eito agrave anaacutelise da construccedilatildeo social da realidadeO Esta compreensatildeo do verdadeiro campo da sociologia

do conhecimento difere do que geralmente se entendepor esta disciplina desde que pela primeira vez foi cha-mada por este nome haacute cerca de quarenta anos atraacutesPor cons~guinte antes de comeccedilarmos nossa presenteargumentaccedilatildeo seraacute uacutetil examinar resumidamente o de-senvolvimento anterior da disclplina e explicar de quemaneira e por que motivos sentimos a necessidade denos afastarmos dele1O termo sociocirclogia do conhecimento (Wissenssozio-logie) foi forjado por Max Scheler I na deacutecada de 1920na Alemanha e Scheler era um filoacutesofo Estes trecircs fa-tos satildeo muito importantes para a compreensatildeo da gecirc-nese e do ulterior desenvolvimento da nova disciplinaA sociologia do conhecimento teve origem em uma par-ticular situaccedilatildeo da histoacuteria intelectual alematilde e em de-terminado contexto filosoacutefico Embora a nova disciplinafosse posteriormentemiddot introduzlda no adequado contextosociol6gico especialmente no mundo de Ilngua inglesacontinuou a ser marca da pelos problemas da particularsituaccedilatildeo intelectual de onde surgiu Como resultado a

I CI Mu 8chele Dr~ WJueluforrnel utrd dfe Gelelelrlllr (Btrna Iran-cke 1960) Elte Yalume de ~nnral publicado pela primeira ve~ em 1025conltm a lormulaccedillo blslel da IOcloloampJa do cOllhetlmenlo num enllloInlllulado Probleme elner Sozlololll du WIenl I 111 101 origInalmentepUllllCldo um ano anlel

sociologia do conhecimento permaneceu no estado deobjeto marginal de estudo entre os socioacutelogos em geralque natildeo participavam dos particulares problemas quepreocupavam os pensadores alematildees na deacutecada de 1920Isto foi especialmente verdade no que diz respeito aossocioacutelogos americanos que de modo geral consideravama disciplina como uma especialidade perifeacuterica de sa-bor caracteristicamente europeu Mais importante con-tudo foi o fato da permanente ligaccedilatildeo da sociologia doconhecimento com sua original constelaccedilatildeo de problemaster constituldo uma fraqueza teoacuterica mesmo nos lugaresem que houve interesse pela disciplina Isto eacute a socio-logia do conhecimento foi considerada por seus prota~gonistas e em geral pelo puacuteblico sociol6glco mais oumenos indiferente como uma espeacutecie de glosa socioloacutegicasobre amiddot histoacuteria das Ideacuteias O resultado foi uma conside-raacutevel miopia com relaccedilatildeo agrave significaccedilatildeo teoacuterica polen-cial da sociologia do conhecimento

B Houve diferen~es definiccedilotildees da natureza e do acircmbitoda sociologia do conhecimento Na verdade eacute posslveldizer-se que a histoacuteria dessa subdisciplina tem sido ateacuteagora a histoacuteria de suas vArias definiccedilotildees Entretantohaacute acordo geral em que a sociologia do conhecimentotrata das relaccedilotildees entre o pensamento humano e o con-texto social dentro do qual surge Pode dizer-se assimquumlecirc a sociologia do conhecimento constitui o foco so-cio~g~~o de um problema muito maiacutes geral o da deter-minaccedilatildeo existencial (Seinsgebundenhelt) do pensamentoenquanto tal Embora neste caso a atenccedilllo se concentresobre o fator social as dificuldades teoacutericas satildeo seme-lhantes agraves que surgiram quando outros fatores (tais comoos histoacutericos os psicol6gicos ou os bioloacutegicos) forampropostos com o valor de determinantes do pensamentohumano Em todos esses casos o problema geral temsido estabelecer a extensatildeo em que o pensamento refleteos fatores determinantes propostos ou eacute independentedeles

j E provaacutevel que a proeminecircncia do problema geral narecente filosofia alematilde tenha suas raizes na vasta acu-

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I mulaccedilatildeo de erudiccedilatildeo histoacuterica que foi um dos maioresfrutos Intelectuais do seacuteculo XIX na Alemanha De ummodo sem precedente em qualquer outro periacuteodo da his-toacuteria intelectual o passado com sua assombrosa varie-dade de formas de pensamento foi tornado presenteao espfrito contemporacircneo pelos esforccedilos da cultura his-toacuterica cientrfica E dlffcil disputar o direito da culturaalematilde ao primeiro lugar neste empreendimento Natildeo deve-ria por conseguinte surpreender-nos que o problema teoacute-rico instituiacutedo pelo mencionado empreendimento tenha si-do sentido mais agudamente na Alemanha Pode-se dizerque este problema eacute o da vertigem da relatividade A di-mensatildeo epistemoloacutegica do problema eacute oacutebvia No niacutevel em-p[rico conduziu agrave I~9c~paccedilatildeo de investigar o mais cui-dadosamente possiacutevel as relaccedilotildees concretas entre o pen-samento e suas situaccedilOes histoacutericas Se esta Interpretaccedilatildeoeacute correta a sociologia do conhecimento tomou a si umproblema originariamente colocado pela erudiccedilatildeo histoacutemiddotrica numa focalizaccedillio mais estreita sem duacutevida masessencialmente com o interesse nas mesmas questotildees I10 Nem o problema geral nem sua focallzaccedilatildeo mais es-treita satildeo novos A consciecircncia dos fundamentos sociaisdos valores e das concepccedilotildees do mundo pode ser jaacute en~contrada na Antiguidade Pelo menos a partir do I1umi-nismo esta consciecircncia cristalizou-se tornando-se um dosprincipais temas do moderno pensamento ocidental Assimeacute posslvel justificar convenientemente muitas genealo-gias do problema central da sociologia do conhecimen-to I Pode qJesmo dizer-se que o problema estaacute contidoin nuce na famosa frase de Pascal de acordo com aqual aquilo que eacute verdade de um lado dos Pirineus eacuteerro do outro lado No entanto os antecedentes i~lectu~i J~edJ~tos da socio)og~do conheeacuteiilentosatildeo-~trecircscrf(CcedilOtildeesdO_P~Ilgm~nt6 atildelematildeo do seacuteculo XIX opensa-mento marxista o nietzscheanomiddot e o historicista

bull CI Wllhelm Wlndelblnd e Helnl Helmoel~L Lllrbllcll der OelChchtedlt Phlloophle (TDblnltn Mollr 19~Ol pp ltU~bullbullbull

bull Cl AlbHl Salomon 1n Ptole oJ Enl[lZltlrnmen (Ncw Vork McrldlanBookl 1963) HaRI B8rth WorrhlU llnll IltlIololZe (Zurlell MaMne lD4~) iWerner Stlrk Tlle SodI)I ~I ICllowedlZe (ChICllo Prce Prell 01 OleR-coe 1958) pp ~lIl1iKurl Lenk (ed) ldtolot (leuwledRheln Luehlerhlnll1981) pp bull 1311

bull Ptll~II Y 294

j1A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-siccedilatildeo de Marx que declara ser a consciecircncia do homemdeterminada por seu ser social Sem duacutevida tem havidomuitos debates para se )aber ao certo que espeacutecie dedeterminaccedilatildeo Marx tinha em mente Pode-se dizer comcerteza que muito da grande luta com Marxu que ca-racterizou natildeo somente os comeccedilos da sociologia do co-nhecimento mas a Idade clatildesslca da sociologia em geral(particularmente tal como eacute manifestada nas obras deWeber Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-tra uma defeituosa interpretaccedilatildeo de Marx pelos marxistasmodernos Esta proposiccedilatildeo ganha plausibiJidade quandorefletimos no fato de que foi somente em 1932 que osimportantiacutessimos Manuscritos Econocircmicos e Filosoacuteficosde 1844 foram redescobertos e somente depois da Se-gunda Guerra Mundial a plena implicaccedilatildeo dessa redesco-berta poderia ser esgotada na pesquisa sobre Marx Co-mo quer que seja a sociologia do conhecimento herdoude Marx natildeo somente a mais exata formulaccedilatildeo de seuproblema central mas tambeacutem alguns de seus conceitoschaves entre o~ quas deveriam ser mencionados parti-cularmente os conceitos de ideologiaU (ideacuteias que ser-vemmiddot de armas para interesses sociais) e falsa conscin-cia (pensamento alienado do ser social real do pen~sador)

j t A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-cinada pelos dois conceitos gecircmeos estabelecidos porMarx de infra-estrutura e superestrutura (UnlerbaumiddotUeberbau) Foi neste ponto principalmente que a con-troveacutersia se tornou violenta a respeito da correta inter-pretaccedilatildeo do proacuteprio pensamento de Marx O marxismoposterior teve a tendecircncia a Identificar a infra-estruturacom a estrutura econocircmica tout court da qual se supu-nha que a usuperestrutura era um reflexo direto(assim por exemplol Lenin) E agora de todo claroque isto representa incorretamente o pensamento deMarx pois o caraacuteter essencialmente mecanicista em vez

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

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I Imiddot

I i1 I~

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logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

IIi~

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Iii jf

COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 5: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

b) A socializaccedilatildeo secundAria 184c) A conservaccedilatildeo e a transformaccedilatildeo da realidade subjetiva 195

2 A interiorizaccedilatildeo e a estrutura soelal 2163 Teorias sobre a identidade 228

4 Organismo e identidade 236

CONCLUSAtildeOA SOCIOLOOIA DO CONHECIMENTO E A TEORIA

SOCIOLoacuteOICA 242 o Problema da Sociologiado Conhecimento

~ As AFIRMACcedilOtildeES fUNDAMENTAIS DO RAC10ClNJO DESTElivro acham-se impllcitas no titulo e no sublltulo e con-sistem em declarar que a realidade eacute construiacuteda social-mente e que a sociologia do conhecimento deve analisaro processo em que este fato ocorre Os termos essen-ciais nestas afirmaccedilotildees satilde-o realidade e conhecimentotermos natildeo apenas correntes na linguagem diiria mas quetecircm atraacutes de si uma longa histoacuteria de investigaccedilatildeo filo-soacutefica Natildeo precisamos entrar aqui na discussatildeo das mi-nuacutecias semacircnticas nem do uso cotidiano ou do uso filo-soacutefico desses termos Paraacute a nossa finalidade seraacute su-ficiente _definir realidade como uma qualidade perten-cente a fenOmenos que reconhecemos terem um ser in-dependente de nossa proacutepria voliccedilatildeo (natildeo podemosdesejar que natildeo existam) e definir conhecimentocomo a certeza de que os fenocircmenos satildeo reais e possuemcaracteriacutesticas especlficas E neste sentido (declarada-mente simplista) que estes termos tecircm importacircncia tantopara o homem da rua quanto para o filoacutesofo O homemda rua habita um mundo que eacute real para ele emboraem graus diferentes e conhece com graus variacircveisde certeza que este mundo possui tais ou quais caracle~rlstlcas O filoacutesofo naturalmente levanta ratilde questotildees re~lativas ao status ultimo tanto desta realidade quantodeste conhecimento Que eacute real~ Como se conhece~Estas satildeo algumas das mais antigas perguntas natildeo 80-

I

11I

mente da pesquisa filosoacutefica propriamente dita mas dopensamento humano enquanto tal Precisamente por esta

razatildeo a intromIssatildeo do socioacutelogo neste veneraacutevel terri-toacuterio intelectual poderacirc provavelmente chocar o homem darua e mesmo ainda mais provavelmente enfurecer o fi-loacutesofo E por conseguinte importante que esclareccedilamosdesde o inicio o sentido em que usamos estes termos

no contexto da sociologia e que imediatamente repudie-mos qualquer pretendo da sociologia a dar resposta aestas antigas preocupaccedilotildees filosoacuteficas

Z Se quiseacutessemos ser meticulosos na argumentaccedilatildeo aseguir expostl- deverlamos pOr entre aspas os dois men-cionados termos todas as vezes que os empregamos masisto seria estilistlcamente deselegante Falar em aspasporeacutem pode dar um indlcio da maneira peculiar em queestesmiddot termos aparecem em um contexto socioloacutegico Po-der-se-ia dizer que a compreensatildeo socioloacutegica da urea-lidade e do conhecimento situa-se de certa maneira agravemeia distancia entre a do homem da rua e a do filoacutesofoO homem da rua habitualmente natildeo se preocupa com oque eacute real para ele e com o que conhece a natildeoser que esbarre com alguma espeacutecie de problema Daacutecomo certa sua realidade e seu conhecimento O so-cioacutelogo natildeo pode fazer o mesmo quanto mais natildeo sejapor causa do conhecimento sistemaacutetico do fato de que oshomens da rua tomam como certas diferentes realida-des quando se passa de uma sociedade a outra O s()-ci61ogo eacute forccedilado pela proacutepria loacutegica de sua dlsclpllnaa perguntar quanto mais natildeo seja se a diferenccedila entreas duas realidades natildeo pode ser compreendida comrelaccedilatildeo agraves vaacuterias diferenccedilas entre as duas socledadesO filoacutesofo por outro lado eacute profissionalmente obrigadoa natildeo considerar nada como verdadeiro e a obter a maacute-xima clareza com respeito ao status uacuteltimo daquilo queo homem da rua acredita ser a realidade e o conhe~cimento Noutras palavras o filoacutesofo eacute levado a decidironde as aspas satildeo adequadas e onde podem ser segura-mente omitidas isto eacute a estabelecer a distinccedilatildeo entreafirmativas vaacutelidas e invaacutelidas relativas ao mundo O so-

ci6logo possivelmente natildeo pode fazer isso Logicamentequando natildeo estilisticamente estaacute crivado de aspas

3 Por exemplo o homem da rua pode acreditar quepossui liberdade- da vontade sendo por conseguinteresponsaacutevel por suas accedilotildees ao mesmo tempo em quenega esta liberdade e esta responsabilidade agraves crian-ccedilas e aos lunaacuteticos O filoacutesofo seja por que meacutetodos f~rtem de indagar do status ontoloacutegico e epistemoloacutegicodestas concepccedilotildees O homem eacute livre Que eacute a respon-sabilidade Onde estatildeo os limites da responsabilidadeComo se pode conhecer estas COisas E assim por dianteNatildeo eacute necessaacuterio dizer que o socioacutelogo natildeo tem condi-ccedilotildees para dar respostas a estas perguntas O que podee deve fazer contudo eacute perguntar por que a noccedilatildeo deJiberdade chegou a ser suposta como certa em uma~oci~dade e natildeo em outra como sua realidade eacute man- tida em uma sociedade e como de modo ainda maisinteressante esta realidadeacute pode mais de uma vez ~erperatildeRlatilde por um indiviacuteduo ou uma coletividade inteira

ml O interesse socioloacutegico nas questotildees da realidade t1 do conhecimento justifica-se assim inicialmente pelo

fato de sua relatividade social O que eacute real para ummonge tibetano pode natildeo ser real para um homem denegoacutecios americano O conhecimento do criminoso eacutediferente do conhecimento do criminalista Segue-seque aglomeraccedilotildees especificas da realidade e do conhe-cimento referem-se a contextos sociais especlficos e queestatildes relaccedilotildees teratildeo de ser incluiacutedas numa correta anaacute-lise socioloacutegica desses contextos A necessidade da so-cia1ogiCdordm ccedilonl1ecirttentomiddotestaacute assim dada jaacute nas ciffirenccedilas obse~vaacutevelsentre as sociedades em term9~ daqllql~eacute admitidocomltlcqnh~imento nel~~ Aleacutem dissoporeacutem uma disciplina que se chama a si mesma por essenome teraacute de ocupar-se dos modos gerais pelos quaisas realidades satildeo admitidas como conhecidas nassociedades humanas Em outras palavras uma socio[o-gia da conhecimento teraacute de tratar natildeo somente da mulmiddotIlplicidade emplrica do conhecimento nas sociedades

~humanas mas tambeacutem dos processos pelos quais quaq~er

I i11

ii I

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li I I j

~orpo de conhecimento chega a seLsocialmente estabe-AacuteeCido como realidade~ Nosso ponto de vista por conseguinte eacute que a socio-

logia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquiloque passa por conhecimento em uma sociedade inde-pendentemente da validade ou invalidade uacuteltima (porquaisquer criteacute~ios) desse conhecimento E na medidaem ~ todo con~ecimento humano desenvolve-setransmite-se e manteacutem-se em situaccedilotildees sociais a socio-logia do conhecimento deve procurar compreenderoprocesso pelo qual isto se realiza de tal maneira qu~uma realidade admitida como certa solidifica-se paraohomem da rua Em outras palavras defendemos oponto de vista que a sociologia do conhecimento dk

I r~eito agrave anaacutelise da construccedilatildeo social da realidadeO Esta compreensatildeo do verdadeiro campo da sociologia

do conhecimento difere do que geralmente se entendepor esta disciplina desde que pela primeira vez foi cha-mada por este nome haacute cerca de quarenta anos atraacutesPor cons~guinte antes de comeccedilarmos nossa presenteargumentaccedilatildeo seraacute uacutetil examinar resumidamente o de-senvolvimento anterior da disclplina e explicar de quemaneira e por que motivos sentimos a necessidade denos afastarmos dele1O termo sociocirclogia do conhecimento (Wissenssozio-logie) foi forjado por Max Scheler I na deacutecada de 1920na Alemanha e Scheler era um filoacutesofo Estes trecircs fa-tos satildeo muito importantes para a compreensatildeo da gecirc-nese e do ulterior desenvolvimento da nova disciplinaA sociologia do conhecimento teve origem em uma par-ticular situaccedilatildeo da histoacuteria intelectual alematilde e em de-terminado contexto filosoacutefico Embora a nova disciplinafosse posteriormentemiddot introduzlda no adequado contextosociol6gico especialmente no mundo de Ilngua inglesacontinuou a ser marca da pelos problemas da particularsituaccedilatildeo intelectual de onde surgiu Como resultado a

I CI Mu 8chele Dr~ WJueluforrnel utrd dfe Gelelelrlllr (Btrna Iran-cke 1960) Elte Yalume de ~nnral publicado pela primeira ve~ em 1025conltm a lormulaccedillo blslel da IOcloloampJa do cOllhetlmenlo num enllloInlllulado Probleme elner Sozlololll du WIenl I 111 101 origInalmentepUllllCldo um ano anlel

sociologia do conhecimento permaneceu no estado deobjeto marginal de estudo entre os socioacutelogos em geralque natildeo participavam dos particulares problemas quepreocupavam os pensadores alematildees na deacutecada de 1920Isto foi especialmente verdade no que diz respeito aossocioacutelogos americanos que de modo geral consideravama disciplina como uma especialidade perifeacuterica de sa-bor caracteristicamente europeu Mais importante con-tudo foi o fato da permanente ligaccedilatildeo da sociologia doconhecimento com sua original constelaccedilatildeo de problemaster constituldo uma fraqueza teoacuterica mesmo nos lugaresem que houve interesse pela disciplina Isto eacute a socio-logia do conhecimento foi considerada por seus prota~gonistas e em geral pelo puacuteblico sociol6glco mais oumenos indiferente como uma espeacutecie de glosa socioloacutegicasobre amiddot histoacuteria das Ideacuteias O resultado foi uma conside-raacutevel miopia com relaccedilatildeo agrave significaccedilatildeo teoacuterica polen-cial da sociologia do conhecimento

B Houve diferen~es definiccedilotildees da natureza e do acircmbitoda sociologia do conhecimento Na verdade eacute posslveldizer-se que a histoacuteria dessa subdisciplina tem sido ateacuteagora a histoacuteria de suas vArias definiccedilotildees Entretantohaacute acordo geral em que a sociologia do conhecimentotrata das relaccedilotildees entre o pensamento humano e o con-texto social dentro do qual surge Pode dizer-se assimquumlecirc a sociologia do conhecimento constitui o foco so-cio~g~~o de um problema muito maiacutes geral o da deter-minaccedilatildeo existencial (Seinsgebundenhelt) do pensamentoenquanto tal Embora neste caso a atenccedilllo se concentresobre o fator social as dificuldades teoacutericas satildeo seme-lhantes agraves que surgiram quando outros fatores (tais comoos histoacutericos os psicol6gicos ou os bioloacutegicos) forampropostos com o valor de determinantes do pensamentohumano Em todos esses casos o problema geral temsido estabelecer a extensatildeo em que o pensamento refleteos fatores determinantes propostos ou eacute independentedeles

j E provaacutevel que a proeminecircncia do problema geral narecente filosofia alematilde tenha suas raizes na vasta acu-

I

I mulaccedilatildeo de erudiccedilatildeo histoacuterica que foi um dos maioresfrutos Intelectuais do seacuteculo XIX na Alemanha De ummodo sem precedente em qualquer outro periacuteodo da his-toacuteria intelectual o passado com sua assombrosa varie-dade de formas de pensamento foi tornado presenteao espfrito contemporacircneo pelos esforccedilos da cultura his-toacuterica cientrfica E dlffcil disputar o direito da culturaalematilde ao primeiro lugar neste empreendimento Natildeo deve-ria por conseguinte surpreender-nos que o problema teoacute-rico instituiacutedo pelo mencionado empreendimento tenha si-do sentido mais agudamente na Alemanha Pode-se dizerque este problema eacute o da vertigem da relatividade A di-mensatildeo epistemoloacutegica do problema eacute oacutebvia No niacutevel em-p[rico conduziu agrave I~9c~paccedilatildeo de investigar o mais cui-dadosamente possiacutevel as relaccedilotildees concretas entre o pen-samento e suas situaccedilOes histoacutericas Se esta Interpretaccedilatildeoeacute correta a sociologia do conhecimento tomou a si umproblema originariamente colocado pela erudiccedilatildeo histoacutemiddotrica numa focalizaccedillio mais estreita sem duacutevida masessencialmente com o interesse nas mesmas questotildees I10 Nem o problema geral nem sua focallzaccedilatildeo mais es-treita satildeo novos A consciecircncia dos fundamentos sociaisdos valores e das concepccedilotildees do mundo pode ser jaacute en~contrada na Antiguidade Pelo menos a partir do I1umi-nismo esta consciecircncia cristalizou-se tornando-se um dosprincipais temas do moderno pensamento ocidental Assimeacute posslvel justificar convenientemente muitas genealo-gias do problema central da sociologia do conhecimen-to I Pode qJesmo dizer-se que o problema estaacute contidoin nuce na famosa frase de Pascal de acordo com aqual aquilo que eacute verdade de um lado dos Pirineus eacuteerro do outro lado No entanto os antecedentes i~lectu~i J~edJ~tos da socio)og~do conheeacuteiilentosatildeo-~trecircscrf(CcedilOtildeesdO_P~Ilgm~nt6 atildelematildeo do seacuteculo XIX opensa-mento marxista o nietzscheanomiddot e o historicista

bull CI Wllhelm Wlndelblnd e Helnl Helmoel~L Lllrbllcll der OelChchtedlt Phlloophle (TDblnltn Mollr 19~Ol pp ltU~bullbullbull

bull Cl AlbHl Salomon 1n Ptole oJ Enl[lZltlrnmen (Ncw Vork McrldlanBookl 1963) HaRI B8rth WorrhlU llnll IltlIololZe (Zurlell MaMne lD4~) iWerner Stlrk Tlle SodI)I ~I ICllowedlZe (ChICllo Prce Prell 01 OleR-coe 1958) pp ~lIl1iKurl Lenk (ed) ldtolot (leuwledRheln Luehlerhlnll1981) pp bull 1311

bull Ptll~II Y 294

j1A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-siccedilatildeo de Marx que declara ser a consciecircncia do homemdeterminada por seu ser social Sem duacutevida tem havidomuitos debates para se )aber ao certo que espeacutecie dedeterminaccedilatildeo Marx tinha em mente Pode-se dizer comcerteza que muito da grande luta com Marxu que ca-racterizou natildeo somente os comeccedilos da sociologia do co-nhecimento mas a Idade clatildesslca da sociologia em geral(particularmente tal como eacute manifestada nas obras deWeber Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-tra uma defeituosa interpretaccedilatildeo de Marx pelos marxistasmodernos Esta proposiccedilatildeo ganha plausibiJidade quandorefletimos no fato de que foi somente em 1932 que osimportantiacutessimos Manuscritos Econocircmicos e Filosoacuteficosde 1844 foram redescobertos e somente depois da Se-gunda Guerra Mundial a plena implicaccedilatildeo dessa redesco-berta poderia ser esgotada na pesquisa sobre Marx Co-mo quer que seja a sociologia do conhecimento herdoude Marx natildeo somente a mais exata formulaccedilatildeo de seuproblema central mas tambeacutem alguns de seus conceitoschaves entre o~ quas deveriam ser mencionados parti-cularmente os conceitos de ideologiaU (ideacuteias que ser-vemmiddot de armas para interesses sociais) e falsa conscin-cia (pensamento alienado do ser social real do pen~sador)

j t A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-cinada pelos dois conceitos gecircmeos estabelecidos porMarx de infra-estrutura e superestrutura (UnlerbaumiddotUeberbau) Foi neste ponto principalmente que a con-troveacutersia se tornou violenta a respeito da correta inter-pretaccedilatildeo do proacuteprio pensamento de Marx O marxismoposterior teve a tendecircncia a Identificar a infra-estruturacom a estrutura econocircmica tout court da qual se supu-nha que a usuperestrutura era um reflexo direto(assim por exemplol Lenin) E agora de todo claroque isto representa incorretamente o pensamento deMarx pois o caraacuteter essencialmente mecanicista em vez

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

iJ

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11

I Imiddot

I i1 I~

I

logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

IIi~

ii Ii

Iii jf

COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 6: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

I

11I

mente da pesquisa filosoacutefica propriamente dita mas dopensamento humano enquanto tal Precisamente por esta

razatildeo a intromIssatildeo do socioacutelogo neste veneraacutevel terri-toacuterio intelectual poderacirc provavelmente chocar o homem darua e mesmo ainda mais provavelmente enfurecer o fi-loacutesofo E por conseguinte importante que esclareccedilamosdesde o inicio o sentido em que usamos estes termos

no contexto da sociologia e que imediatamente repudie-mos qualquer pretendo da sociologia a dar resposta aestas antigas preocupaccedilotildees filosoacuteficas

Z Se quiseacutessemos ser meticulosos na argumentaccedilatildeo aseguir expostl- deverlamos pOr entre aspas os dois men-cionados termos todas as vezes que os empregamos masisto seria estilistlcamente deselegante Falar em aspasporeacutem pode dar um indlcio da maneira peculiar em queestesmiddot termos aparecem em um contexto socioloacutegico Po-der-se-ia dizer que a compreensatildeo socioloacutegica da urea-lidade e do conhecimento situa-se de certa maneira agravemeia distancia entre a do homem da rua e a do filoacutesofoO homem da rua habitualmente natildeo se preocupa com oque eacute real para ele e com o que conhece a natildeoser que esbarre com alguma espeacutecie de problema Daacutecomo certa sua realidade e seu conhecimento O so-cioacutelogo natildeo pode fazer o mesmo quanto mais natildeo sejapor causa do conhecimento sistemaacutetico do fato de que oshomens da rua tomam como certas diferentes realida-des quando se passa de uma sociedade a outra O s()-ci61ogo eacute forccedilado pela proacutepria loacutegica de sua dlsclpllnaa perguntar quanto mais natildeo seja se a diferenccedila entreas duas realidades natildeo pode ser compreendida comrelaccedilatildeo agraves vaacuterias diferenccedilas entre as duas socledadesO filoacutesofo por outro lado eacute profissionalmente obrigadoa natildeo considerar nada como verdadeiro e a obter a maacute-xima clareza com respeito ao status uacuteltimo daquilo queo homem da rua acredita ser a realidade e o conhe~cimento Noutras palavras o filoacutesofo eacute levado a decidironde as aspas satildeo adequadas e onde podem ser segura-mente omitidas isto eacute a estabelecer a distinccedilatildeo entreafirmativas vaacutelidas e invaacutelidas relativas ao mundo O so-

ci6logo possivelmente natildeo pode fazer isso Logicamentequando natildeo estilisticamente estaacute crivado de aspas

3 Por exemplo o homem da rua pode acreditar quepossui liberdade- da vontade sendo por conseguinteresponsaacutevel por suas accedilotildees ao mesmo tempo em quenega esta liberdade e esta responsabilidade agraves crian-ccedilas e aos lunaacuteticos O filoacutesofo seja por que meacutetodos f~rtem de indagar do status ontoloacutegico e epistemoloacutegicodestas concepccedilotildees O homem eacute livre Que eacute a respon-sabilidade Onde estatildeo os limites da responsabilidadeComo se pode conhecer estas COisas E assim por dianteNatildeo eacute necessaacuterio dizer que o socioacutelogo natildeo tem condi-ccedilotildees para dar respostas a estas perguntas O que podee deve fazer contudo eacute perguntar por que a noccedilatildeo deJiberdade chegou a ser suposta como certa em uma~oci~dade e natildeo em outra como sua realidade eacute man- tida em uma sociedade e como de modo ainda maisinteressante esta realidadeacute pode mais de uma vez ~erperatildeRlatilde por um indiviacuteduo ou uma coletividade inteira

ml O interesse socioloacutegico nas questotildees da realidade t1 do conhecimento justifica-se assim inicialmente pelo

fato de sua relatividade social O que eacute real para ummonge tibetano pode natildeo ser real para um homem denegoacutecios americano O conhecimento do criminoso eacutediferente do conhecimento do criminalista Segue-seque aglomeraccedilotildees especificas da realidade e do conhe-cimento referem-se a contextos sociais especlficos e queestatildes relaccedilotildees teratildeo de ser incluiacutedas numa correta anaacute-lise socioloacutegica desses contextos A necessidade da so-cia1ogiCdordm ccedilonl1ecirttentomiddotestaacute assim dada jaacute nas ciffirenccedilas obse~vaacutevelsentre as sociedades em term9~ daqllql~eacute admitidocomltlcqnh~imento nel~~ Aleacutem dissoporeacutem uma disciplina que se chama a si mesma por essenome teraacute de ocupar-se dos modos gerais pelos quaisas realidades satildeo admitidas como conhecidas nassociedades humanas Em outras palavras uma socio[o-gia da conhecimento teraacute de tratar natildeo somente da mulmiddotIlplicidade emplrica do conhecimento nas sociedades

~humanas mas tambeacutem dos processos pelos quais quaq~er

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~orpo de conhecimento chega a seLsocialmente estabe-AacuteeCido como realidade~ Nosso ponto de vista por conseguinte eacute que a socio-

logia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquiloque passa por conhecimento em uma sociedade inde-pendentemente da validade ou invalidade uacuteltima (porquaisquer criteacute~ios) desse conhecimento E na medidaem ~ todo con~ecimento humano desenvolve-setransmite-se e manteacutem-se em situaccedilotildees sociais a socio-logia do conhecimento deve procurar compreenderoprocesso pelo qual isto se realiza de tal maneira qu~uma realidade admitida como certa solidifica-se paraohomem da rua Em outras palavras defendemos oponto de vista que a sociologia do conhecimento dk

I r~eito agrave anaacutelise da construccedilatildeo social da realidadeO Esta compreensatildeo do verdadeiro campo da sociologia

do conhecimento difere do que geralmente se entendepor esta disciplina desde que pela primeira vez foi cha-mada por este nome haacute cerca de quarenta anos atraacutesPor cons~guinte antes de comeccedilarmos nossa presenteargumentaccedilatildeo seraacute uacutetil examinar resumidamente o de-senvolvimento anterior da disclplina e explicar de quemaneira e por que motivos sentimos a necessidade denos afastarmos dele1O termo sociocirclogia do conhecimento (Wissenssozio-logie) foi forjado por Max Scheler I na deacutecada de 1920na Alemanha e Scheler era um filoacutesofo Estes trecircs fa-tos satildeo muito importantes para a compreensatildeo da gecirc-nese e do ulterior desenvolvimento da nova disciplinaA sociologia do conhecimento teve origem em uma par-ticular situaccedilatildeo da histoacuteria intelectual alematilde e em de-terminado contexto filosoacutefico Embora a nova disciplinafosse posteriormentemiddot introduzlda no adequado contextosociol6gico especialmente no mundo de Ilngua inglesacontinuou a ser marca da pelos problemas da particularsituaccedilatildeo intelectual de onde surgiu Como resultado a

I CI Mu 8chele Dr~ WJueluforrnel utrd dfe Gelelelrlllr (Btrna Iran-cke 1960) Elte Yalume de ~nnral publicado pela primeira ve~ em 1025conltm a lormulaccedillo blslel da IOcloloampJa do cOllhetlmenlo num enllloInlllulado Probleme elner Sozlololll du WIenl I 111 101 origInalmentepUllllCldo um ano anlel

sociologia do conhecimento permaneceu no estado deobjeto marginal de estudo entre os socioacutelogos em geralque natildeo participavam dos particulares problemas quepreocupavam os pensadores alematildees na deacutecada de 1920Isto foi especialmente verdade no que diz respeito aossocioacutelogos americanos que de modo geral consideravama disciplina como uma especialidade perifeacuterica de sa-bor caracteristicamente europeu Mais importante con-tudo foi o fato da permanente ligaccedilatildeo da sociologia doconhecimento com sua original constelaccedilatildeo de problemaster constituldo uma fraqueza teoacuterica mesmo nos lugaresem que houve interesse pela disciplina Isto eacute a socio-logia do conhecimento foi considerada por seus prota~gonistas e em geral pelo puacuteblico sociol6glco mais oumenos indiferente como uma espeacutecie de glosa socioloacutegicasobre amiddot histoacuteria das Ideacuteias O resultado foi uma conside-raacutevel miopia com relaccedilatildeo agrave significaccedilatildeo teoacuterica polen-cial da sociologia do conhecimento

B Houve diferen~es definiccedilotildees da natureza e do acircmbitoda sociologia do conhecimento Na verdade eacute posslveldizer-se que a histoacuteria dessa subdisciplina tem sido ateacuteagora a histoacuteria de suas vArias definiccedilotildees Entretantohaacute acordo geral em que a sociologia do conhecimentotrata das relaccedilotildees entre o pensamento humano e o con-texto social dentro do qual surge Pode dizer-se assimquumlecirc a sociologia do conhecimento constitui o foco so-cio~g~~o de um problema muito maiacutes geral o da deter-minaccedilatildeo existencial (Seinsgebundenhelt) do pensamentoenquanto tal Embora neste caso a atenccedilllo se concentresobre o fator social as dificuldades teoacutericas satildeo seme-lhantes agraves que surgiram quando outros fatores (tais comoos histoacutericos os psicol6gicos ou os bioloacutegicos) forampropostos com o valor de determinantes do pensamentohumano Em todos esses casos o problema geral temsido estabelecer a extensatildeo em que o pensamento refleteos fatores determinantes propostos ou eacute independentedeles

j E provaacutevel que a proeminecircncia do problema geral narecente filosofia alematilde tenha suas raizes na vasta acu-

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I mulaccedilatildeo de erudiccedilatildeo histoacuterica que foi um dos maioresfrutos Intelectuais do seacuteculo XIX na Alemanha De ummodo sem precedente em qualquer outro periacuteodo da his-toacuteria intelectual o passado com sua assombrosa varie-dade de formas de pensamento foi tornado presenteao espfrito contemporacircneo pelos esforccedilos da cultura his-toacuterica cientrfica E dlffcil disputar o direito da culturaalematilde ao primeiro lugar neste empreendimento Natildeo deve-ria por conseguinte surpreender-nos que o problema teoacute-rico instituiacutedo pelo mencionado empreendimento tenha si-do sentido mais agudamente na Alemanha Pode-se dizerque este problema eacute o da vertigem da relatividade A di-mensatildeo epistemoloacutegica do problema eacute oacutebvia No niacutevel em-p[rico conduziu agrave I~9c~paccedilatildeo de investigar o mais cui-dadosamente possiacutevel as relaccedilotildees concretas entre o pen-samento e suas situaccedilOes histoacutericas Se esta Interpretaccedilatildeoeacute correta a sociologia do conhecimento tomou a si umproblema originariamente colocado pela erudiccedilatildeo histoacutemiddotrica numa focalizaccedillio mais estreita sem duacutevida masessencialmente com o interesse nas mesmas questotildees I10 Nem o problema geral nem sua focallzaccedilatildeo mais es-treita satildeo novos A consciecircncia dos fundamentos sociaisdos valores e das concepccedilotildees do mundo pode ser jaacute en~contrada na Antiguidade Pelo menos a partir do I1umi-nismo esta consciecircncia cristalizou-se tornando-se um dosprincipais temas do moderno pensamento ocidental Assimeacute posslvel justificar convenientemente muitas genealo-gias do problema central da sociologia do conhecimen-to I Pode qJesmo dizer-se que o problema estaacute contidoin nuce na famosa frase de Pascal de acordo com aqual aquilo que eacute verdade de um lado dos Pirineus eacuteerro do outro lado No entanto os antecedentes i~lectu~i J~edJ~tos da socio)og~do conheeacuteiilentosatildeo-~trecircscrf(CcedilOtildeesdO_P~Ilgm~nt6 atildelematildeo do seacuteculo XIX opensa-mento marxista o nietzscheanomiddot e o historicista

bull CI Wllhelm Wlndelblnd e Helnl Helmoel~L Lllrbllcll der OelChchtedlt Phlloophle (TDblnltn Mollr 19~Ol pp ltU~bullbullbull

bull Cl AlbHl Salomon 1n Ptole oJ Enl[lZltlrnmen (Ncw Vork McrldlanBookl 1963) HaRI B8rth WorrhlU llnll IltlIololZe (Zurlell MaMne lD4~) iWerner Stlrk Tlle SodI)I ~I ICllowedlZe (ChICllo Prce Prell 01 OleR-coe 1958) pp ~lIl1iKurl Lenk (ed) ldtolot (leuwledRheln Luehlerhlnll1981) pp bull 1311

bull Ptll~II Y 294

j1A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-siccedilatildeo de Marx que declara ser a consciecircncia do homemdeterminada por seu ser social Sem duacutevida tem havidomuitos debates para se )aber ao certo que espeacutecie dedeterminaccedilatildeo Marx tinha em mente Pode-se dizer comcerteza que muito da grande luta com Marxu que ca-racterizou natildeo somente os comeccedilos da sociologia do co-nhecimento mas a Idade clatildesslca da sociologia em geral(particularmente tal como eacute manifestada nas obras deWeber Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-tra uma defeituosa interpretaccedilatildeo de Marx pelos marxistasmodernos Esta proposiccedilatildeo ganha plausibiJidade quandorefletimos no fato de que foi somente em 1932 que osimportantiacutessimos Manuscritos Econocircmicos e Filosoacuteficosde 1844 foram redescobertos e somente depois da Se-gunda Guerra Mundial a plena implicaccedilatildeo dessa redesco-berta poderia ser esgotada na pesquisa sobre Marx Co-mo quer que seja a sociologia do conhecimento herdoude Marx natildeo somente a mais exata formulaccedilatildeo de seuproblema central mas tambeacutem alguns de seus conceitoschaves entre o~ quas deveriam ser mencionados parti-cularmente os conceitos de ideologiaU (ideacuteias que ser-vemmiddot de armas para interesses sociais) e falsa conscin-cia (pensamento alienado do ser social real do pen~sador)

j t A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-cinada pelos dois conceitos gecircmeos estabelecidos porMarx de infra-estrutura e superestrutura (UnlerbaumiddotUeberbau) Foi neste ponto principalmente que a con-troveacutersia se tornou violenta a respeito da correta inter-pretaccedilatildeo do proacuteprio pensamento de Marx O marxismoposterior teve a tendecircncia a Identificar a infra-estruturacom a estrutura econocircmica tout court da qual se supu-nha que a usuperestrutura era um reflexo direto(assim por exemplol Lenin) E agora de todo claroque isto representa incorretamente o pensamento deMarx pois o caraacuteter essencialmente mecanicista em vez

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

iJ

I i I

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I Imiddot

I i1 I~

I

logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

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Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

51

ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 7: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

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~orpo de conhecimento chega a seLsocialmente estabe-AacuteeCido como realidade~ Nosso ponto de vista por conseguinte eacute que a socio-

logia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquiloque passa por conhecimento em uma sociedade inde-pendentemente da validade ou invalidade uacuteltima (porquaisquer criteacute~ios) desse conhecimento E na medidaem ~ todo con~ecimento humano desenvolve-setransmite-se e manteacutem-se em situaccedilotildees sociais a socio-logia do conhecimento deve procurar compreenderoprocesso pelo qual isto se realiza de tal maneira qu~uma realidade admitida como certa solidifica-se paraohomem da rua Em outras palavras defendemos oponto de vista que a sociologia do conhecimento dk

I r~eito agrave anaacutelise da construccedilatildeo social da realidadeO Esta compreensatildeo do verdadeiro campo da sociologia

do conhecimento difere do que geralmente se entendepor esta disciplina desde que pela primeira vez foi cha-mada por este nome haacute cerca de quarenta anos atraacutesPor cons~guinte antes de comeccedilarmos nossa presenteargumentaccedilatildeo seraacute uacutetil examinar resumidamente o de-senvolvimento anterior da disclplina e explicar de quemaneira e por que motivos sentimos a necessidade denos afastarmos dele1O termo sociocirclogia do conhecimento (Wissenssozio-logie) foi forjado por Max Scheler I na deacutecada de 1920na Alemanha e Scheler era um filoacutesofo Estes trecircs fa-tos satildeo muito importantes para a compreensatildeo da gecirc-nese e do ulterior desenvolvimento da nova disciplinaA sociologia do conhecimento teve origem em uma par-ticular situaccedilatildeo da histoacuteria intelectual alematilde e em de-terminado contexto filosoacutefico Embora a nova disciplinafosse posteriormentemiddot introduzlda no adequado contextosociol6gico especialmente no mundo de Ilngua inglesacontinuou a ser marca da pelos problemas da particularsituaccedilatildeo intelectual de onde surgiu Como resultado a

I CI Mu 8chele Dr~ WJueluforrnel utrd dfe Gelelelrlllr (Btrna Iran-cke 1960) Elte Yalume de ~nnral publicado pela primeira ve~ em 1025conltm a lormulaccedillo blslel da IOcloloampJa do cOllhetlmenlo num enllloInlllulado Probleme elner Sozlololll du WIenl I 111 101 origInalmentepUllllCldo um ano anlel

sociologia do conhecimento permaneceu no estado deobjeto marginal de estudo entre os socioacutelogos em geralque natildeo participavam dos particulares problemas quepreocupavam os pensadores alematildees na deacutecada de 1920Isto foi especialmente verdade no que diz respeito aossocioacutelogos americanos que de modo geral consideravama disciplina como uma especialidade perifeacuterica de sa-bor caracteristicamente europeu Mais importante con-tudo foi o fato da permanente ligaccedilatildeo da sociologia doconhecimento com sua original constelaccedilatildeo de problemaster constituldo uma fraqueza teoacuterica mesmo nos lugaresem que houve interesse pela disciplina Isto eacute a socio-logia do conhecimento foi considerada por seus prota~gonistas e em geral pelo puacuteblico sociol6glco mais oumenos indiferente como uma espeacutecie de glosa socioloacutegicasobre amiddot histoacuteria das Ideacuteias O resultado foi uma conside-raacutevel miopia com relaccedilatildeo agrave significaccedilatildeo teoacuterica polen-cial da sociologia do conhecimento

B Houve diferen~es definiccedilotildees da natureza e do acircmbitoda sociologia do conhecimento Na verdade eacute posslveldizer-se que a histoacuteria dessa subdisciplina tem sido ateacuteagora a histoacuteria de suas vArias definiccedilotildees Entretantohaacute acordo geral em que a sociologia do conhecimentotrata das relaccedilotildees entre o pensamento humano e o con-texto social dentro do qual surge Pode dizer-se assimquumlecirc a sociologia do conhecimento constitui o foco so-cio~g~~o de um problema muito maiacutes geral o da deter-minaccedilatildeo existencial (Seinsgebundenhelt) do pensamentoenquanto tal Embora neste caso a atenccedilllo se concentresobre o fator social as dificuldades teoacutericas satildeo seme-lhantes agraves que surgiram quando outros fatores (tais comoos histoacutericos os psicol6gicos ou os bioloacutegicos) forampropostos com o valor de determinantes do pensamentohumano Em todos esses casos o problema geral temsido estabelecer a extensatildeo em que o pensamento refleteos fatores determinantes propostos ou eacute independentedeles

j E provaacutevel que a proeminecircncia do problema geral narecente filosofia alematilde tenha suas raizes na vasta acu-

I

I mulaccedilatildeo de erudiccedilatildeo histoacuterica que foi um dos maioresfrutos Intelectuais do seacuteculo XIX na Alemanha De ummodo sem precedente em qualquer outro periacuteodo da his-toacuteria intelectual o passado com sua assombrosa varie-dade de formas de pensamento foi tornado presenteao espfrito contemporacircneo pelos esforccedilos da cultura his-toacuterica cientrfica E dlffcil disputar o direito da culturaalematilde ao primeiro lugar neste empreendimento Natildeo deve-ria por conseguinte surpreender-nos que o problema teoacute-rico instituiacutedo pelo mencionado empreendimento tenha si-do sentido mais agudamente na Alemanha Pode-se dizerque este problema eacute o da vertigem da relatividade A di-mensatildeo epistemoloacutegica do problema eacute oacutebvia No niacutevel em-p[rico conduziu agrave I~9c~paccedilatildeo de investigar o mais cui-dadosamente possiacutevel as relaccedilotildees concretas entre o pen-samento e suas situaccedilOes histoacutericas Se esta Interpretaccedilatildeoeacute correta a sociologia do conhecimento tomou a si umproblema originariamente colocado pela erudiccedilatildeo histoacutemiddotrica numa focalizaccedillio mais estreita sem duacutevida masessencialmente com o interesse nas mesmas questotildees I10 Nem o problema geral nem sua focallzaccedilatildeo mais es-treita satildeo novos A consciecircncia dos fundamentos sociaisdos valores e das concepccedilotildees do mundo pode ser jaacute en~contrada na Antiguidade Pelo menos a partir do I1umi-nismo esta consciecircncia cristalizou-se tornando-se um dosprincipais temas do moderno pensamento ocidental Assimeacute posslvel justificar convenientemente muitas genealo-gias do problema central da sociologia do conhecimen-to I Pode qJesmo dizer-se que o problema estaacute contidoin nuce na famosa frase de Pascal de acordo com aqual aquilo que eacute verdade de um lado dos Pirineus eacuteerro do outro lado No entanto os antecedentes i~lectu~i J~edJ~tos da socio)og~do conheeacuteiilentosatildeo-~trecircscrf(CcedilOtildeesdO_P~Ilgm~nt6 atildelematildeo do seacuteculo XIX opensa-mento marxista o nietzscheanomiddot e o historicista

bull CI Wllhelm Wlndelblnd e Helnl Helmoel~L Lllrbllcll der OelChchtedlt Phlloophle (TDblnltn Mollr 19~Ol pp ltU~bullbullbull

bull Cl AlbHl Salomon 1n Ptole oJ Enl[lZltlrnmen (Ncw Vork McrldlanBookl 1963) HaRI B8rth WorrhlU llnll IltlIololZe (Zurlell MaMne lD4~) iWerner Stlrk Tlle SodI)I ~I ICllowedlZe (ChICllo Prce Prell 01 OleR-coe 1958) pp ~lIl1iKurl Lenk (ed) ldtolot (leuwledRheln Luehlerhlnll1981) pp bull 1311

bull Ptll~II Y 294

j1A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-siccedilatildeo de Marx que declara ser a consciecircncia do homemdeterminada por seu ser social Sem duacutevida tem havidomuitos debates para se )aber ao certo que espeacutecie dedeterminaccedilatildeo Marx tinha em mente Pode-se dizer comcerteza que muito da grande luta com Marxu que ca-racterizou natildeo somente os comeccedilos da sociologia do co-nhecimento mas a Idade clatildesslca da sociologia em geral(particularmente tal como eacute manifestada nas obras deWeber Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-tra uma defeituosa interpretaccedilatildeo de Marx pelos marxistasmodernos Esta proposiccedilatildeo ganha plausibiJidade quandorefletimos no fato de que foi somente em 1932 que osimportantiacutessimos Manuscritos Econocircmicos e Filosoacuteficosde 1844 foram redescobertos e somente depois da Se-gunda Guerra Mundial a plena implicaccedilatildeo dessa redesco-berta poderia ser esgotada na pesquisa sobre Marx Co-mo quer que seja a sociologia do conhecimento herdoude Marx natildeo somente a mais exata formulaccedilatildeo de seuproblema central mas tambeacutem alguns de seus conceitoschaves entre o~ quas deveriam ser mencionados parti-cularmente os conceitos de ideologiaU (ideacuteias que ser-vemmiddot de armas para interesses sociais) e falsa conscin-cia (pensamento alienado do ser social real do pen~sador)

j t A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-cinada pelos dois conceitos gecircmeos estabelecidos porMarx de infra-estrutura e superestrutura (UnlerbaumiddotUeberbau) Foi neste ponto principalmente que a con-troveacutersia se tornou violenta a respeito da correta inter-pretaccedilatildeo do proacuteprio pensamento de Marx O marxismoposterior teve a tendecircncia a Identificar a infra-estruturacom a estrutura econocircmica tout court da qual se supu-nha que a usuperestrutura era um reflexo direto(assim por exemplol Lenin) E agora de todo claroque isto representa incorretamente o pensamento deMarx pois o caraacuteter essencialmente mecanicista em vez

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

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11

I Imiddot

I i1 I~

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logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

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~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

1(1

]iJ IU If

4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 8: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

I

I mulaccedilatildeo de erudiccedilatildeo histoacuterica que foi um dos maioresfrutos Intelectuais do seacuteculo XIX na Alemanha De ummodo sem precedente em qualquer outro periacuteodo da his-toacuteria intelectual o passado com sua assombrosa varie-dade de formas de pensamento foi tornado presenteao espfrito contemporacircneo pelos esforccedilos da cultura his-toacuterica cientrfica E dlffcil disputar o direito da culturaalematilde ao primeiro lugar neste empreendimento Natildeo deve-ria por conseguinte surpreender-nos que o problema teoacute-rico instituiacutedo pelo mencionado empreendimento tenha si-do sentido mais agudamente na Alemanha Pode-se dizerque este problema eacute o da vertigem da relatividade A di-mensatildeo epistemoloacutegica do problema eacute oacutebvia No niacutevel em-p[rico conduziu agrave I~9c~paccedilatildeo de investigar o mais cui-dadosamente possiacutevel as relaccedilotildees concretas entre o pen-samento e suas situaccedilOes histoacutericas Se esta Interpretaccedilatildeoeacute correta a sociologia do conhecimento tomou a si umproblema originariamente colocado pela erudiccedilatildeo histoacutemiddotrica numa focalizaccedillio mais estreita sem duacutevida masessencialmente com o interesse nas mesmas questotildees I10 Nem o problema geral nem sua focallzaccedilatildeo mais es-treita satildeo novos A consciecircncia dos fundamentos sociaisdos valores e das concepccedilotildees do mundo pode ser jaacute en~contrada na Antiguidade Pelo menos a partir do I1umi-nismo esta consciecircncia cristalizou-se tornando-se um dosprincipais temas do moderno pensamento ocidental Assimeacute posslvel justificar convenientemente muitas genealo-gias do problema central da sociologia do conhecimen-to I Pode qJesmo dizer-se que o problema estaacute contidoin nuce na famosa frase de Pascal de acordo com aqual aquilo que eacute verdade de um lado dos Pirineus eacuteerro do outro lado No entanto os antecedentes i~lectu~i J~edJ~tos da socio)og~do conheeacuteiilentosatildeo-~trecircscrf(CcedilOtildeesdO_P~Ilgm~nt6 atildelematildeo do seacuteculo XIX opensa-mento marxista o nietzscheanomiddot e o historicista

bull CI Wllhelm Wlndelblnd e Helnl Helmoel~L Lllrbllcll der OelChchtedlt Phlloophle (TDblnltn Mollr 19~Ol pp ltU~bullbullbull

bull Cl AlbHl Salomon 1n Ptole oJ Enl[lZltlrnmen (Ncw Vork McrldlanBookl 1963) HaRI B8rth WorrhlU llnll IltlIololZe (Zurlell MaMne lD4~) iWerner Stlrk Tlle SodI)I ~I ICllowedlZe (ChICllo Prce Prell 01 OleR-coe 1958) pp ~lIl1iKurl Lenk (ed) ldtolot (leuwledRheln Luehlerhlnll1981) pp bull 1311

bull Ptll~II Y 294

j1A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-siccedilatildeo de Marx que declara ser a consciecircncia do homemdeterminada por seu ser social Sem duacutevida tem havidomuitos debates para se )aber ao certo que espeacutecie dedeterminaccedilatildeo Marx tinha em mente Pode-se dizer comcerteza que muito da grande luta com Marxu que ca-racterizou natildeo somente os comeccedilos da sociologia do co-nhecimento mas a Idade clatildesslca da sociologia em geral(particularmente tal como eacute manifestada nas obras deWeber Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-tra uma defeituosa interpretaccedilatildeo de Marx pelos marxistasmodernos Esta proposiccedilatildeo ganha plausibiJidade quandorefletimos no fato de que foi somente em 1932 que osimportantiacutessimos Manuscritos Econocircmicos e Filosoacuteficosde 1844 foram redescobertos e somente depois da Se-gunda Guerra Mundial a plena implicaccedilatildeo dessa redesco-berta poderia ser esgotada na pesquisa sobre Marx Co-mo quer que seja a sociologia do conhecimento herdoude Marx natildeo somente a mais exata formulaccedilatildeo de seuproblema central mas tambeacutem alguns de seus conceitoschaves entre o~ quas deveriam ser mencionados parti-cularmente os conceitos de ideologiaU (ideacuteias que ser-vemmiddot de armas para interesses sociais) e falsa conscin-cia (pensamento alienado do ser social real do pen~sador)

j t A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-cinada pelos dois conceitos gecircmeos estabelecidos porMarx de infra-estrutura e superestrutura (UnlerbaumiddotUeberbau) Foi neste ponto principalmente que a con-troveacutersia se tornou violenta a respeito da correta inter-pretaccedilatildeo do proacuteprio pensamento de Marx O marxismoposterior teve a tendecircncia a Identificar a infra-estruturacom a estrutura econocircmica tout court da qual se supu-nha que a usuperestrutura era um reflexo direto(assim por exemplol Lenin) E agora de todo claroque isto representa incorretamente o pensamento deMarx pois o caraacuteter essencialmente mecanicista em vez

rrn~11I

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

iJ

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11

I Imiddot

I i1 I~

I

logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 9: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

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de dialeacutetico desta espeacutecie de determinismo econOmicotorna-o suspeito Q que interessava a Marx eacute que o pen-samento humano funda-se na alividade humana Ctraba-lho nomiddot sentido mais amplo da palavra) e nas relaccedilotildeessociais produzidas por esta atividade O melhor modo decompreender as expressotildees infra-estrutura e superes-truturan eacute consideraacute-Ias respectivamente como atividadehumana e mundo produzido por esta atividade De qual-quer modo o esquema fundamental infra-estruturasuper-estrutura foi admitido em vaacuterias formas pela sociologiado conhecimento a comeccedilar por Scheler sempre com-preendendo-se que existe alguma espeacutecie de relaccedilatildeo enteeo pensamento e uma realidade subjacente distinta dopensamento A fascinaccedilatildeo desse esquema prevaleceu ape-sar do fato de grande parte da sOCiologia do conheci-mento ter sido explicitamente formulada em oposiccedilatildeo aomarxismo e de terem sido tomadas diferentes posiccedilotildeesnesse campo com relaccedilatildeo agrave natureza do correlaciona-mento entre os dois componentes do esquema

A 3As ideacuteias de Nietzsche continuaram menos explicita- mente na sociologia do conhecimento mas participam

multo de seus fundamentos intelectuais gerais e da at-mosfera em que surgiu O anti-ideaJismo de Nietzscheapesar das diferenccedilas no contelido natildeo dessemelhante aode Marx na forma acrescentou novas perspectivas sobreo pensamento humano como instrumento na luta pela so-brevivecircncia e pelo poder Nietzsche desenvolveu sua proacute-pria teoria da falsa consciecircncia em suas anaacutelises dasignificaccedilatildeo social do engano e do auto-engano e da

bull Sobre o esquem1 de Mau UnlrrbllllUrbrrbllll r Karl KlutlkyNVerhllltnle Von Vnterbou und UebubAu em Irlnl Puchcr (ed) DuJforxlmll (Munlch Plper 1962) pp 160ss AntoniO Labrloll MDe VermiddotmlIunI tllllclren 811 uml Uebrrbau Ibd pp 1611s Jeen-Vvel CalvezLa pen~e l1e K(lrl Itarr (Paris EdlllQftS du Seull 1955) pJl 42~U Amel Importenl reformulaccedilAo do probleml lelta no sfeulo XX f a deOlIrl lukAc om lua OClchlchlt und KIllenburern (BerUm 1923)hoje mais lacllmene eenlvel nA tradut50 Iraoccsa Hlrolre t conscientede caue (PlIrls Idltlons de Mlnur 19GO) A lnterrrellccedilfto de Luk~s doconcelro de dlllUlcA di Marx ~ Ilnto mtll nolAve quonto anleedeu dequae umll dfeada I reducoberla dOI Manu6crlto Em~o e Filo6CQIde 1844

bull As obrat mlle Importlntes de Nlel~schc parll a socIologia do conhecimiddotmento 550 A OentaDlo da Mortll c A Vonrade de Poder Para dl5cOU~es$Ocundeacuterlns cl Wllller A Koulmlnn Nleruche (New York IerldlanBooksJbull 1956)i Karl LlIwlth From Hcgd 0 NletzlCle [traduccedil50 Inglcsa -New york Molt Rlnehar and Vlnston 11)64)

ilusatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria da vida A concepccedilatildeonietzscheana do ressentimento como fator causal decertos tipos de pensamento humano foi retomada direta-mente por Scheler De modo mais geral contudo podedizer-se que a sociologia do conhecimento representa umaaplicaccedilatildeo especrfica daquilo que Nietzsche chamava ade-

~

adamente a arte da desconfianccedilamiddot1- O hlstoricismo expresso especialmente na obra dei1helm Dilthey precedeu imediatamente a sociologia do

conhecimento I O tema dominante aqui era o esmagadorsentido da relatividade de todas as perspectivas sobre osacontecimentos humanos isto eacute (ia inevitaacutevel historici-dade do pensamento humanlaquol A insistecircncia com que ohistoricismo afirmava que nenhuma situaccedilatildeo histoacuterica po-deria ser entendida exceto em seus proacuteprios termos pres-tava-se a ser facilmente traduzida na acentuaccedilatildeo da si-tuaccedilatildeo sacia do pensamento Certos conceitos historlcIs-tas tais como determinaccedilatildeo situacional (Standortsge-bundenheit) e sede na vida (Sitz im Leben) poderiamser diretamente traduzidos como se referindo agrave localiza-ccedilatildeo socialmiddot do p~nsamento Em termos mais gerais aheranccedila historicista da sociologia do conhecimento pre-dispOs esta uacuteltima a tomar intenso interesse pela his-toacuteria e a empregar um meacutetodo essencialmente histoacutericofato diga-se de passagem que contribuiu tambeacutem para amarginalizaccedilatildeo dessa disciplina no ambiente da sociolo-jla americanaiO interesse de Scheler pela sociologia do conheci-j mento e pelas questotildees socioloacutegicas em geral foi essen-cialmente um episOdio passageiro em sua carreira filo-soacuteficalOl Seu objetivo final era o estabelecimento de urna

bull Um d prlmefra e 11 IfttertUlnttl apticlccedilGu do penllmenlodc Nletutbe l loelololl do conh~clmenlo eneoAlr-c em B~bullbullbullurIl tilVetlrllft de Allrtd Sddel (80nn Cohenbull 1927) Seldel que rol alunoele WliH procurou camblnr Nltl1lche t -reud com lima radical erlUcaallclaldElc di eonlcl~ncl bullbull

bull Um di lul uEttUn dleu bullbull 5e d relaccedillo entre hllrorlclmo t0cI01011 t bull de Culo em Dollo Iorldmo aIa lotloloea (Iorenccedil190) Tamb4m cl H SIarl HUlhu COIIe1ollntl arrd SOdtl) (ticwYark Iltnopl 1058) pp l83u A mal 11lIlOIlnlt obra de Wllllelm DllIheyPUI no prelente conllderaccedil~ ~ Der Auba der rtlChtlllllthenWeII 11 dtll GellIowlulIcla(ltn (SluUllrt Tcubnu 1Q5ll)

Plra um excolenle eltudo da coneepccedillo de Schel lobre I oelologlado conhcelnlenlQ d Hans-Jolclllm Llebor Wluen utd Ouellchafl (Til-blnlen Nlomcycr 1852) pp 55$ Veja-se lambfm SlIrk op di pbullbullbull lm

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

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conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

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logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

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~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

1(1

]iJ IU If

4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 10: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

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1middot IImiddot i middot

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antropologia filosoacutefica que transcendesse a relatividadedos pontos de vista especrfico~ histoacuterica e sotialmentelocalizados A sociologia do conhecimento deveria servirde instrumento para alcanccedilar este prop6sito tendo porprincipal fiacutehalidade esclarecer e afastar as dificuldadeslevantadas pelo relativismo de modo que a verdadeiratarefa filosoacutefica pudesse ir adiante A sociologia do co-nhecimento de Scheler eacute em sentido muito real ancillaphilosophiae e de uma filosofia muito especifica al~mdo maie

j Ajusi~ndo-se a esta orientaccedilatildeo a sociologia do conhe-cimento de Scheler eacute essencialmente um meacutetodo negativoScheler afirmava que a relaccedilatildeo entre fatores ideais(ldealfaktoren) e fatores reais (Realfakloren) termosque lembram claramente o esquema marxista infrasuper-estrutura era meramente uma relaccedilatildeo regulativa Istoeacute os fatores-reais regulam as condiccedilotildees nas quais certosll-fatores ideais podem aparecer na histoacuteria mas natildeo po-dem afetar o conteuacutedo destes uacuteltimos Em outras pala-vras a sociedade determina a presenccedila (Dasein) masnatildeordm-- acirc natureza (Sosein) das ideacuteias A sociologia doconhecimento portanto eacute o procedimento pelo qual deveser estudada a seleccedilatildeo s6cio--hist6rica dos conteuacutedosideativos ficando compreendido que estes conteuacutedos en-quanto tais satildeo independentes da causalidade soacutecio-histoacute-rica e por conseguinte inacesslveis agrave anaacutelise socioloacutegicaSe eacute possivel descrever pitorescamente o meacutetodo deScheler poderia dizer-se que consiste em lanccedilar um pe-daccedilo de patildeo de bom tamanho molhado em leite aodragatildeo a relatividade mas somente com o fjm de podermelhor penetrar no castelo da certeza ontoloacutegicad1Neste quadro intencionalmente (e inevitavelmente)modesto Scheler analisou com abundantes detalhes a ma-neira em que o conhecimento humano eacute ordenado pelasociedade Acentuou que o conhecimento humano eacute dadona sociedade como um a priori agrave experiecircncia individualfornecendo a esta sua ordem de significaccedilatildeo Esta ordemembora relativa a uma particular situaccedilatildeo soacutecio-histoacutericaaparece ao Indiviacuteduo como o modo natural de conceber

o mundo Scheler chamou a isto a 4lrelafiva e naturalconcepccedilatildeo do mundo (relativnatuumlrliche Weltanschauung)de uma sociedade conceito que pode ainda ser conside-

I Aado central na sociologia do conhecimento1 10 Seguindo-se agrave invenccedilatildeo por Scheler da sociologial do conhecimento houve na Alemanha um largo debateI a respeito da validade acircmbito e aplicabiJidade da nova

disciplina li Deste debate emergiu uma formulaccedilatildeo que-l marcou a transposiccedilatildeo da sociologia do conhecimento

para um contexto mais estreitamente socioloacutegico Foinessa mesma formulaccedilatildeo que a sociologia do conheci-mento chegou ao mundo de lIngua inglesa Trata-se daformulaccedilatildeo de Kar1 Mannheim Pode-se afirmar comseguranccedila que quando os soci61ogos hoje em dia pen-sam na sociologia do conhecimento proacute ou contra emgeral o fazem nos termos da formulaccedilatildeo de MannhelmNa sociologia americana este fato eacute facilmente inteliglvelse refletirmos em que a totalidade da obra de Mannheimvirtualmente se tornou acessJvel em Inglecircs (uma partedesta obra _na verdade foi escrita em inglecircs durante operlodo em que Mannheim esteve ensinando na Ingla-terra depois do advento do nazismo na Alemanha oufoi publicada em traduccedilotildees inglesas revistas) ao passoque a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimentopermaneceu ateacute hoje sem traduccedilatildeo Deixando de lado ofator difusatildeo a obra de Mannheim eacute menos carregada

S1 Pari o desenvolvImento Berll dI loelol0cll Ieml dllranle ule pulodOel Rlymond Aron La lotla1e alemonde tontmporolnt [Paria Pressellnlverallalru de rallel 19~O) Corno Importlnte eonulbulccedillo dem pe-1lodo eoneernente 1 loclologla do eonheelmenlo cl 511amp11111LlndshlltKrllk dtr SOllololllt (MlInleh 1llZ9)1 Hlnl PreyCf Sozololllt olr Wlrklfth-ICtlt bullbull mhlffl (Ldp111 1030) Ernlt OrDnwakl Da ProbllfI du Sodololltder Wlrrtnr (VIena 1934) Alexandlr von Sehe1Una lfar Wtberl WIInmiddotIthaflthrt (Ttlblnlen l~) Ella dlUma obrl aTnda o mais Importlntebullbull Iudo da metDdolOi1a de Webel deve ler entendida levando- bullbull em contao debate sobre IOdolorla do cOlgtheelm1nlo Intlo coneenlrldo nll lomulae6es de Scbelel e Mllllnhclm

li Kall Mannhlhll Ideolollgt ond VIDplo (LonclrCl Roulledre li KeronPaul 1936) Erra 011 lhe SoeolOI 01 Klloledgl (New Vork OslorclUnlvulty Prcu 10~2)I BIIC)r 011 Sololorgt alld Soda I PJlChOlolY (NewYorJc Oxiord Unlvelllty Puu 1953) eIPY 011 lha SolODIli o CIJIUft(NIIW York OlClorcl Unlvenllr Preu 1956) Um comp~ndlo dOI mall 1m-portant Cltrllos de Mannhe m lob bull 0clololaquola do conheclmenlo commiddotpilado par Kull WoUl tendo um~ uUl lnlrodllccedilllo t WJtllnorlologlc deKarl Mlnnhelrn (NeuwledRheln Luehlcrhand IQ6oI) PUI Iludol 1111111-dAr101 di eoneepccedillo de M4nnhelm obre I sociologia do conheclmenlocl Jacquts J llaquet Sotolagl dt III tOllnoluaTlcc [LOUvnln NallWellcrl19411) Aroll op cl Robl K Merlon Soclol Tluor IIld Sodal SIruclufC(Chlearo Pree Presa 01 Olclleoe 1951) pp 48951 Slllrk op m Ltcber01

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

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conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

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I Imiddot

I i1 I~

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logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

51

ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 11: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

de bagagem filosoacutefica que a de Scheler Isto eacute espe-cialmente verdade no que se refere aos uacuteltimos escritosde Mannheim e pode ser visto se compararmos a traduccedilatildeoinglesa de sua principal obra ldeologia e Utopia como original alematildeo Mannheim tornou-se assim uma figuramais compatiacutevel para os soci6logos mesmo paraaqueles que criticavam o seu modo de ver ou natildeo se

jnteressavam por elet~A compreensatildeo que Mannheim linha da sociologia doconhecimento era muito mais extensa que a de Schelerpossivelmente porque o confronto com o marxismo tinhamaior destaque em seu trabalho A sociedade era vistadeterminando natildeo somente a aparecircncia mas tambeacutem oconteuacutedo da ideaccedilatildeo humana com exceccedilatildeo da matemaacutemiddottica e pelo menos de algumas partes das ciecircncias na-turais A sociologia do conhecimento tornou-se assim ummeacutetodo positivo para o estudo de quase todas as facelasdo pensamento humano

20 E muito significativo o fato de Mannheim preocu-par-se prinCipalmente com o fenocircmeno da ideologia Es-tabelece a distinccedilatildeo entre os conceitos particular total egeral de ideologia _ a ideologia constituindo somenteum segmento do pensamento do adversaacuterio a ideologiaconstituindo a totalidade do pensamento do adversaacuterio(semelhante agrave falsa consciecircncia de Marx) j e (aqui se-gundo pensou Mannheim indo aleacutem de Marx) a ideo-logia caracterizando natildeo somente o pensamento de umadversaacuterio mas tambeacutem o do proacuteprio pensador Com oconceito geral de ideologia alcanccedila-se o nlvel da socio-logia do conhecimento a compreensatildeo de que natildeo haacutepensamen to humano (apenas com as exceccedilotildees antes men-cionadas) que seja Imune agraves influecircmlas ideologizantesde seu contexto social Mediante esta expansatildeo da teoriada ideologia Mannheim procura separar seu problemacentral do contexto do uso polftico e trataacute-Io como pro-blema geral da epistemologia e da sociologia histoacutericaZ J) Embora Mannheim natildeo partilhasse das ambiccedilotildees on-toloacutegicas de Scheler tambeacutem ele sentia-se pouco agrave vonmiddottade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecIa

conduzi-Io Cunhou o termo relacionismo (por oposiccedilatildeoa relativismo) para designar a perspectiva eplstemo-loacutegica de sua sociologia do conhecimento natildeo uma ca-pitulaccedilatildeo do pensamento diante das relatividades soeio-histoacutericas mas o soacutebrio reconhecimento de que o conheci-mento tem sempre de ser conhecimento a partir de umacerta posiccedilatildeo A influecircncia de Dilthey ecirc provavelmente degrande importacircncia neste ponto do pensamento de Man-nheim o problema do marxismo eacute resolvido com os ins-trumentos do historicismo Seja como for Mannheim acremiddotditava que as influecircncias ideologizantes embora natildeo pu-dessem ser completamente erradicadas podiam ser miti-gadas pela anaacutelise sistemaacutetica do maior nuacutemero possiacutevelde posiccedilotildees variaacuteveis socialmente fundadas Em outraspalavras o objeto do pensamento torna-se progressiva-mente mais claro com esta acumulaccedilatildeo de diferentes pers-pectivas a ele referentes Nisso deve consistir a tarefada s9Ciologia do conhecimento que se torna assim umaimportante ajuda na procura de qualquer entendimen10correto dos acontecimentos humanos21 Mannheim acreditava que os diferentes grupos sociaisvariam enormemente em sua capacidade de transcenderdeste modo sua proacutepria estreita posiccedillo Depositava amaior esperanccedila na Inteligecircncia socialmente descomprometida (FreischwebeTlde lntelligenz termo derivado deAlfred Weber) uma espeacutecie de estrato intersticial queacreditava estar relativamente livre de interesses de classeMannheim acentuou tambeacutem o poder do pensamentoutoacutepico que (tal como a ideologia) produz uma ima-gem destorcida de realidade social mas que (ao contraacute-rIo da ideologia) tem o dinamismo necessaacuterio para trans-formar essa realidade na imagem que dela faz

~3 Natildeo eacute preciso dizer que as observaccedilotildees acima de mo-do algum fazem justiccedila nem agrave concepccedilatildeo de Schelernem agrave de Mannheim com relaccedilatildeo agrave sociologia do conhe-cimento Natildeo eacute esta nossa intenccedilatildeo Indicamos unica-

mente alguns aspectos decisivos das duas concepccedilotildeesque foram convenientemente chamadas respectivamenteas concepccedilotildees moderada e llradical da sociologia do

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

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11

I Imiddot

I i1 I~

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logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

IIi~

ii Ii

Iii jf

COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 12: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

Imiddot [r~1 I

I

I

conhecimento JI O fato notacircvel eacute que o subseqUente de-senvolvimento da sociologia do conhecimento consistiuem grande parte etn criticas e modificaccedilotildees dessas duasconcepccedilotildees Conforme jaacute tivemos ocasiatildeo de indicar aformulaccedilatildeo feita poi Mannheim da sociologia do conhe-cimento continuou a estabelecer os termos de referecircnciapara essa disciplina de maneira definitiva particularmentena sociologia de Ifngua inglesar_n q O_m~is importante socioacutelogo americano que prestou

rF se~Tamente atenccedilatildeo ~fociologia do conhecimento foiRebert Merton A anaacutelise da disclplina que abrange-Odois capftulos de sua obra principal serviu de uacutetil in-troduccedilatildeo a este campo de estudos para aqueles soci6logosamericanos que se interessaram por ele Merton cons-truiu um paradigma para a sociologia do conhecimentoexpondo os temas mais importantes desta disciplina emforma condensada e coerente Esta construccedilatildeo eacute interes-sante porque procura iltegrar a abordagem da sojiolo-gia do conhecimento coniacute- a -da teoria funcionalest~~~aJMerton aplica seus proacuteprios conceitos de funccedilotildees manl-festas e latentes agrave esfera da ideaccedilatildeo fazendo dis~inccedilatildeoentre funccedilotildees conscientes intencidnais das ideacuteias e funccedilotildeesinconscientes natildeo-intencionais Embora Merton se con-centrasse na obra de Mannheim que ecirc para eacutele o socioacute-logo do conhecimento por excelecircncia acentuou a impor-tacircncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de PitirimSorokin E interessante notar que Merton ao que parecedeixou de ver a importacircncia para a s~ciologia ~o conhe-cimento de certas importantes extensotildees da psicologiasocial americana tais como a teoria dos grupOs de re-ferecircncia que discute em um local diferente da mesmaobra

t~Talcott Parsons fez tambeacutem comentaacuterios sobre a so-ciologia do conhecimento U Seus comentaacuterios poreacutem li

Elta craelerrZlCcedilO d dUII ormulaccediltlu orlglnall de dllclpllna rolfelte por LIber op tl bull

bullbull CI Menon op dI 1P 43911li CI TelcoU Pauon An ApproBch 10 lhe Soclology Df lCnOWIdllcmiddot

TrllnlCltllGII of lhe FOllrlh World eongTl 01 SodolDg) (touvaln In-terntlonel SOclol061c1 Assoeltlon 1059) Vol IV pp ~ NCullure andlhe Social Syslem em PlnOD C col Cds) ntorlt of Soclty (NewYork Ire Pre bullbull 1901) Vol li pp amp~u

mitam-se principalmente agrave criacutetica de Mannheim e natildeoprocuram a integraccedilatildeo da disciplina no proacuteprio sistemateoacuterico de Parsons Neste uacuteltimo sem- duacutevida o proble-ma do papel das ideacuteias ecirc analisado extensamente masnum slstea de referecircncia muito diferente do empregadopela sociologia do conhecimento de Scheler ou de ManR

nheim Podemos portanto tomar a liberdade de dizerque nem Merton nem Parsons deram qualquer passo de-cisivo aleacutem da sociologia do conhecimento tal como foiformulada por Mannheim_O mesmo pode dizer-se deoutros criticos Mencionando apenas o mais eloqiacutelente CWrlght MlIIs tralou da sociologia do conhecimento em

1 seus primeiros trabalhos mas de maneira exposiliva e sem fazer qualquer contribuiccedilatildeo para o desenvolvimentol teoacuterico positivamente sem contribuir para o desenvolvl-

t mento teoacuterico do assunto 11i 2~ Um interessante esforccedilo para integrar a sociologia doi conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo~~ gia em -geral eacute o de Theodor Oeiger que teve grande

influecircncia sobre a sociologia escandinava depois que emi-it grou da Alemanhamiddot Oeiger voltou a um conceito mais) estreito da ideologia como sendo o pensamento soclalR

mente destorcido e sustentou a possibilidade de superara ideologia pela cuidadosa ~bservaccedilatildeo dos cacircnones cien-Uficos de procedimento O enfoque neopositivlsta da anaacute-lise ideoloacutegka foi mais recentemente continuado na SOR

ciologia de Ifngua alematilde na obra de Ernst Topitsch queacentuou as rafzes ideoloacutegicas de vatilderias posiccedilotildees filo-soacuteficas li Mas na medida em que a anaacutelise socioloacutegicadas ideologias constitui uma parte importante da socio-logia do conhecimento conforme foi detinida por Man-nheim tem havido muito interesse nela tanto na socio-

M CI Tcott Paraonl The S~dfll S)lIIm (Olenco 111 Pre PlIn(051) PI 32011

~f C Wrllllt MIIlI POliU Polilu Ilnd People (NIV Vork 8nllonllnSookl 19113) PP 45388bull cI Tbeodor Oeller Jdtoloele und WDhrh1I (SlulIgarl llumboldt1053)1 ArblIn zar SOtlD(oel (NuwldRheln tuchtelhn~J 1962) pp 41281

11 Ernll TOllllICII Vom Urtprung und EM du mloph)llk (VlenlSprln(er 19~) Sozlalphllorophll uluhn ldoloiI und WIbullbullbull nuhflI (roIu-wledKl1eln Luchl~rhnd 1961) Uma Influencia ImpDtlnle lobre TopUlch~ bull IIcola do pOllllvlsmo Igal d Keln Para n ImpllcaccedilGs dlla Illllnllno que diz relpe1lo 1 loelologla do conhclmenlo ti Hanl Kelun Aulllluur ldNllofllkrlk (NeuwldRheln Iuchterhand 1964)

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I i1 I~

I

logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

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Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

51

ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 13: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

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logia europeacuteia quanto na americana desde a SegundaGuerra Mundial bull

Z rJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir aleacutem deMannheim na construccedilatildeo de uma ampla sociologia doconhecimento eacute a de Werner Stark outro erudito conti-nental emigrado que ensinou na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos li Stark vai mais longe deixando para traacutesa focaJizaccedilatildeo feita por Mannheim do problema da ideo-logia A tarefa da sociologia do conhecimento natildeo con-siste em aesmascarar ou revelar as distorccedilotildees socialmenteproduzidas matildes noestudo sistemaacutetico das condiccedilotildees so-ciais do conhecimento enquanto tal Dito de maneirasimples o problema central eacute a sociologia da verdadet1~ordm_~sociologia ~o -erro Apesar de seu enfoque carac~terlstico Stark provavelmente estaacute mais perto de Schelerque de Mannheim na compreensatildeo da relaccedilatildeo entre asideacuteias e seu contexto social

1oPor outro lado eacute evidente que natildeo tentamos dar umadequado panorama histoacuterico da histoacuteria da sociologiado conhecimento Aleacutem disso ignoramos ateacute aqui certosdesenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor-tacircncia para a sociologia do conhecimento mas natildeo foramconsiderados como tais por seus proacuteprios protagonistasEm outras palavras limitamo-nos aos desenvolvimentosque por assim dizer navegaram sob a bandeira da so-ciologia do conhecimento (considerando a teoria daideo logia como parte desta uacuteltima) Isto tornou claroum fato A parte o interesse epistemql6gico de algunssocioacutelogos do conhecimento o foco empirico da atenccedilatildeosituou-se quase exclusivamente na esfera das Ideacuteias ouseja do pensamento teoacuterico Isto eacute verdade com relaccedilatildeoa Stark que colocou como subtltulo de sua obra princi-pal sobre a sociologia do conhecimento a expressatildeo En-saio para Servir de Auxilio agrave Compreensatildeo mais pro-funda da Histoacuteria das Ideacuteias Em outras palavras ILID-teresse da sociologia do connecimento foi constit~ido

_ --- CI Danlel Bell Tlrt End o [dt (New York Free Preu 01 Olencoe

1000) Kun Lenk (edl Idr()oRlr Norman Blrnlllum (edl Tht Sot[o()RlcalSludl o Idrcy (Oxlard BllckWell 1952) cI Slark p clt

I pelas questOes epistemoloacutegicas em uivei teoacuterico e pelbullbull questotildees da histoacuteria intelectual em nivel emplrico Zamp Desejamos acentuar que natildeo temos reservas de qual-f quer espeacutecie quanto agrave validade e importacircncia desses dois~ conjuntos de questotildees Consideramos poreacutem infeliz que~ esta particular constelaccedilatildeo tenha dominado ateacute agora af sociologia do conhecimento Nosso middotponto de vista eacute queI como resultado a plena significaccedilatildeo teoacuterica da socio-t logia do conhecimento ficou obscuumlrecida~30 Incluir as questotildees epistemol6gIcas concernentes agrave va-i idade do conhecimento socioloacutegico na sociologia do co-

nhecimento eacute de certo modo O mesmo que procurar em-purrar um ocircnibus em que estamos viajando Sem duacutevidaa sotiologia do conhecimento como todas as disciplinasemplricas que acumulam indiacutecios referentes agrave relatividadee determinaccedilatildeo do pensamento humano conduz a ques-totildees epistemol6gicas a respeito da proacutepria sociologiaassim como de qualquer outro corpo cientiacutefico de conhe-cimento Conforme observamos anteriormente neste pontoa sociologia do conhecimento desempenha um papel se-melhante ao da histoacuteria da psicologia e da biologia paramencionar somente as trecircs disciplinas empfricas maisimportantes que causaram dificuldade agrave epistemologla Aestrutura loacutegica dessa dificuldade eacute fundamentalmente amesma em todos os casos a saber como posso tercerteza digamos de minha anaacutelise socioloacutegica dos cos-tumes da classe meacutedia americana em vista do fato deque as categorias por mim usadas para esta anaacutelise satildeoco~diclonadas por formas de pensamento historicamenterelativas e mais que eu proacuteprio e tudo quanto pensosou determinado por meus genes e por minha inatahostilidade aos meus semelhantes e aleacutem do mais pararematar tudo isso eu proacuteprio sou um membro da classemeacutedia americana3 middott Estaacute longe de noacutes o desejo de repelir estas questotildeesTudo quanto desejaramos afirmar aqui eacute que estas ques-totildees natildeo satildeo por si mesmas parte da disciplina empiricada sociologia Pertencem propriamente agrave metodologiadas ciecircncias sociais empreendimento que pertence agrave fi-

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

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~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

1(1

]iJ IU If

4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 14: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

r r

r losofla e eacute por de~iniccedilatildeo diferente da sociologia que naverdade eacute objeto de suas indagaccedilotildees bull J sociologia doconhecimento juntamente com outros criadores de dlfl~culdacircdes epistemoloacutegicas entre as ciecircncias emplricasalimentaraacute~ de problemas esta investigaccedilatildeo metodoloacute-gica Natildeo pode resolver estes problemas em seu proacuteprioquadro de referecircncia

~ 2 Por conseguinte exclufmos da sociologia do conheci-I mento os problemas epistemoloacutegicos e metodoloacuteglcos que

perturbaram ambos os seus principais criadores Em virtu-de desta exclusatildeo afastamo-l1os tanto da concepccedilatildeo dadisciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta porMannheim e tambeacutem dos uacuteltimos socioacutelogos do conheci-mento (principalmente os de orientaccedilatildeo neopositivista)que partilham de tais concepccedilotildees a este respeito Aolongo de todo este livro colocamos decididamente entreparecircnteses todas as questotildees epistemoloacutegicas ou metodo-loacutegicas relativas agrave validade da anaacutelise socioloacutegica napr6pria sociologia do conhecimento ou em qualquer outroterreno Consideramos a sociologia do conhecimento comiddotmo parte da disciplina empfrica da sociologia Nosso pro-poacutesito aqui eacute evidentemente de ca~aacuteter teoacuterico Mas nossateorizaccedilatildeo referemiddotse agrave disciplina emprrica em seus pro-blemas concretos e natildeo agrave pesquisa filosoacutefica dos funda-mentos da disciplina emprrica Em resumo nosso em-preendimento pertence agrave teoria socioloacutegica e natildeo agrave Jle-todologia da sociologia Em uma uacutenica secccedilatildeo de nossotratado (a que ~esegUe imediatamente a esta Introduccedilatildeo)vamos aleacutem da teoria sociacuteoloacutegica propriamente dita masisto eacute feito por motivos que nada tecircm a ver com a epis-temologia conforme seraacute explicado no devido momento

1 Contudo devemos tambeacutem redefinir a tarefa da so-) ciologia do conhecimento no nlvel emplrico isto eacute en-

quanto teoria engrenada com a disciplina empfrica dasociologia Conforme vimos neste nlvel a sociologia doconhecimento ocupou-se com a histoacuteria intelectual nosentido da histoacuteria de ideacuteias Ainda mais acentuarlamosque este eacute na verdade um foco muito importante dapesquisa socioloacutegica Aleacutem disso em contraste com a ex-

c1usatildeo feita por noacutes do problema epistemo16glco e metrdoloacutegico admitimos que este foco pertence agrave soclologlado conhecimento Defenderemos poreacutem o ponto de vistade que o problema das ideacuteias incluindo o problemaespecial da ideologia constitui apenas parte do problemamais amplo da sociologia do conhecimento natildeo sendo

r

middotmiddotmiddot nem mesmo uma parte central3~A sociologia do conhecimento deve ocupar-se com tudo

aqUilo que eacute considerado conhecimento na sociedadeBasta este enunciado para se compreender que a foca-Ilzaccedilatildeo sobre a histoacuteria intelectual eacute mal escolhida oumelhor eacute mal escolhida quando se torna o foco centralda sociologia do conhecimento O pensamento teoacuterico asideacuteias Wettanschauungen natildeo satildeo tatilde~ importantesassim na sociedade Embora todas as SOCiedades conte-nham estes fenocircmenos satildeo apenas parte da soma totaldaquilo que eacute considerado uconheciinento Em qualquersociedade somente middotum grupo muito limitado de pessoas

L se empenhaem produzir teorias em ocupar-se de ideacuteiasI e construir Wettanschauungen mas todos os homens nal sociedade participam de uma maneira ou de outra dor conhecimento por ela possuldo Dito de outra maneira s6 muito poucas pessoas preocupammiddotse com a interprej faccedilatildeo teoacuterica do mundoJ mas todos vivem em um mundo de algum tipo Natildeo somente a focalizaccedilatildeo sobre o~ pensamento teOacuterico eacute indevidamente restrtiva ~a soclolo-f gia do conhecimento mas tambeacutem l~sahsf~t6na porqueI mesmo esta parte do conhecimento SOCIalmente eXls-f tente natildeo pode ser plenamente compreendida se natildeo forI colocada na estrutura de uma anaacutelise mais gerar do co-1~ nhecimento ~ Exagerar a importacircncia do pensamento teoacuterico na so-L ciedade e na hist6ria eacute um natural engano dos teonza-f dores Isto torna por conseguinte ainda mais necessaacuterio

corrigir esta incompreensatildeo inteectualistaAs formul~ccedilotildees fteoacutericas da realidade quer sejam clentlhcas ou f1losoacute-ficas quer sejam ateacute mitoloacutegicas natildeo esgotam o que eacute J

real para os membros de uma sociedade Sendo assima sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

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~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

1(1

]iJ IU If

4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 15: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

se com oque os homens conbeccedil~mocomo realidadeem sua vida cotidiana vida natildeo teoacuterica ou preacute~teoacutericaacute

oEm outras palavras 9~~~9nhecimento do senso comume natildeo as ideacuteias deve ser o foco middotcentral da sociologia(Jii conhecimento E precisamente este conhecimentoque consliluio tecido de signi~icados sem o qual ne-nhuma sociedade poderia existir

3b~sociologia do conhecimento portanto deve tratar ccedillconstrucatildeo social da realidade ~ anaacutelise da articulaccedilatildeoteoacuterica desta realidade continuaraacute certamente sendo umaparte deste interesse mas natildeo a parte mais importanteFicaraacute claro que apesar da exclusatildeo dos problemas epls-temoroacutegicos e metodol6gicos o que estamos sugerindoaqui eacute uma redefiniccedilatildeo de longo alccedilMce do acircmbito dasociologia do conhecimento muito mais ampla do quetudo quanto ateacute agora tem sido entendido como consti-

tuindo esta disciplina~fAgravequestatildeo que se apresenta eacute a de saber quais satildeo os

ingredientes teoacutericos que devem ser acrescentados agrave so-ciologia do conhecimento para permitirem que seja rede-finida no sentido acima indicado Devemos a compreen-satildeo fundamental da necessidade desta redeflniccedilatildeo aAlfred Schutz Em toda sua obra como filoacutesofo e comosocioacutelogo Schutz concentrou-se sobre a estrutura do mun-do do sentido comum da vida cotidiana Embora natildeotenha elaborado uma sociologia do conhecimento perce-beu claramente aquilo sobre o que esta disciplina deveriafocalizar a atenccedilatildeo

3~Todas as tipificaccedilotildees do pensamento do senso comum satildeo efementos integrais do concreto Lfb~nswelt histoacuterico e soacutecioI cultural em que prevalecem sendo admitidas como certas e so-

cialmente aprovadas Sua estrutura determina entre outras coisasi a distribuiccedilatildeo social do conhecimento e sua relatividade e imporI tacircncia para o ambiente social concreto de um grupo concreto em um~ situaccedilatildeo histoacuterica concreta Arham-se aqui os pro-I blemas legitimas do relativismo do hisforicismo e da chamadasOdologia do conhecimento

11 AlIrtd Sehu12 Caltetil POptrl VoI I (Tlle Haguc N1lhofr 11162)~P 1411 arllos nouos

~ E ainda uma vez

O conhecimento encontra~se socialmente dislribu1do e o ~e-canismo desta distribuiccedilatildeo pode tornarmiddotse objeto de uma dl~-cipUna socioloacutegica Na verdade temos uma chamada sociologiado conhecimento No entanlo com muito poucas exceccedilotildees adisciplina assim incorretamente denominada abordou o problemada distribuiccedilatildeo social do conhecimento meramente pelo acircnguoda fundamentaccedilatildeo ideoloacutegica da verdade e sua dependecircnCiadas condiccedilotildees sociais e especialmenle ec~nOmlcas ou do ln~ulodas Implicaccedilotildees sociais da educaccedilao ~ alRda d~ ponto de Ylstado papel social do homem de conheCimento Nao foram os so-cioacutelogos mas os economistas e filoacutesofos que estudarm algunsdos numerosos outros aspectos teoacutericos do problema

10 Embora natildeo demos o papel central agrave distri~uiccedilatildeo so-cial do conhecimento que Schut~ recla~a a~u~ concor-damos com a critica por ele feita agrave dlsclphna assimincorretamente denominada e derivamos dele nos~a n~-ccedilaacuteo baacutesica da maneira pela qual a tarefa da soclolo~lado conhecimento deve ser redefinida Nas conslderaccediloesque se seguem dependemos grandemente de Schutz n~sprolegOmenos referentes aos tundame~tos do con~~clmento na vida diaacuteria e temos uma Importante dividapara com sua obra em vaacuterios decisivos lugares de nossoprincipal raciociacutenio ulterior

V ~ Nossos pressupostos antropoloacutegicos satildeo fortemete m-o fluenciados por Marx especialmente por seus pnmelros

escritos e pelas implicaccedilotildees antropoloacutegicas Iradas dabiologia humana por Helmuth Plessner Amol Gehlene outros Nossa concepccedilatildeo da natureza da reahda~e s~-cial deve muito a Durkheim e sua escola de s~clologlada Franccedila embora tenhamos modiflado a teoria dur~-heimiana da sociedade pela introduccedilao de uma plspe(~Uva dialeacutetica derivada de Marx e uma acentuaccedil~o daconstituiccedilatildeo da realidade social mediante os sIgnificadossubjetivos derivada de Weber Nossos pressupostos

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

38

minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

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~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

1(1

]iJ IU If

4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 16: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

soacutecio-psicoloacutegicos especialmente importantes para a anaacute-lise da interiorizaccedilatildeo da realidade social satildeo grande-mente influenciados por Oeorge Herbert Mead e algunsdesenvolvimentos de sua obra realizados pela chamadaescola simb6lico-interacionista da sociologia americana 21

Indicaremos nas Notas ateacute que ponto estes vaacuterios ingre-dientes satildeo usados em nossa formaccedilatildeo teoacuterica Com-preendemos plenamente eacute claro que neste uso natildeo so-mos nem podiacuteamos ser fieacuteis agraves intenccedilotildees originais destasvaacuterias correntes da teoria social mas conforme jaacute disse-mos nosso propoacutesito aqui natildeo eacute exegeacutetico nem mesmo ode fazer uma slntese s6 pelo valor da slntese Compreende-mos bem que em vaacuterios lugares violentamos certos pen-sadores integrando seu pensamento em uma formaccedilatildeoteoacuterica que alguns deles teriam julgado inteiramente es-tranha Poderiamos dizer a titulo de justificaccedilatildeo que agratidatildeo histoacuterica natildeo eacute por si mesma uma virtude cien-tlfica Poderiacuteamos citar aqui algumas observaccedilotildees deTalcott Parsons (sobre cuja teoria temos seacuterias dClvidas

bullbull o enfoque mal aproximado lanlO quanlo alblmot fello pelo In-lerl~lanlmo lmb6U~0 101 prOblema da lo~lolo11la do conhecimento odeau cncantrlda em Tamolu Shlbulanl Referente Qroupl and Soelll Canmiddottrai em Arnold Roe (edI Human Behovfor ond Sodal Proceutl(Bolian Haughlon MIII1II1 Ig62) pp 12811 O mllogro em later a co-nealo nue a pllcolClll1 toelal de Meld e a IClClo10111do ~onheclmenlopor parle dos loteraelanlall IImb611cClI relaclClnl-le 10m duvida eom IIImllada dllullo da IOtl01ol11 do conhecimento nos estada I Unldolmas leu lundamento teoacuterico mlls Importante 11m de ser enconlrado nolaia de bullbull d e leua adeploa posterior nlD terem criada um concelloadqgado da IIlrulurl aoell Precl bullbull mente par esta razlo pensamos ~140 Imf)Orflnle bull lotegrlccedilAa da abordoleol de MellS bull de DurkhelmPode obluvlr-se aqUI que uslm CORlo a In411erellccedila com rellccedillo lloel0101la da eonheelmenlo par parte dOI pllc6010S loclal amerlcanosImpediU bullbull tea de rellclonlr lua perspectivas com uma leorla moeroloelo-loacutetlca ds mesma maneira a lolal IlnClrAncl da abra de Mcad conallulum Irlvc defeito leoacuterlco do penbullbull menlo socrll neomatllsta nl IlIropahoje em dia lU uma conllderlvel Ironll na filO de 1I1l111l~menleoe6rlc05 neomaulstll estarem procurando uma Illaccedilllo cClm A psicologiaIreudlana (fundamenllmenle Incompallvel com 01 premllsll Inlropo16middotglcII do marxismo) nquccendo compelamente bull exsUnela d teorll deMud lobre a dlal~tIC enlre a locledodc e o IndlYlduo que urll lmonmiddotsuravelmenle mala compatlvel com lua pr6prll Ibordagem Como uempl0dalle fcn6meno Ir6olco c Oeorles lapalde Lentr~e dan Ia c (Parisedlllonl de Mlnult 1063) livro por outro lado altamenle IUUUYOI qUIpor Islm dlter brada Ilvor de Meac I cada pillna A mesma ronllembora em um dllarenle contexlo de IIlregaclo Inlelecluol ellclnlramiddotsen05 reeenlel eforccedilos americanos de oprClxlmlccedillo entre o marxismo e oIrellcllamo Um locl610go europeu que tirou mall colbullbull e com sgcellOde Mad e da Iradlclo deh aulor no tonSlruccedillo 110 100r~ ~oclol6lflc 1Prledrlch middotenbruck cr lua OClChlchc urrd CJcllclchllt (HDampIIIIlUonhrltUnlVerlldade de Prelburg 1 ser publlClda em oe)l especllmente bull seeccedilaoInUlulada RealltAl Im um cOnlUlO slstemAlIco nlferente do noSlo milde certo modo multo compllvel com nOlsa or6orla abordagem da promiddotblemttlea de Mead Tenbruck dlellle a origem locl1 d ruUdadc e aababullbullbull 16clo-cslruturol da cOnlervaccedillo da rulldsdc

mas de cuja intenccedilatildeo integradora participamos plena-mente)

Zo objetivo principal do estudo natildeo consiste em determinare enunciar em forma condensada aquilo que estes escritoresdiseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quaisesreviam Natildeo eacute tampouco indagar diretamente com referecircnciaa cada proposiccedilatildeo de suas c1eorias se aquilo que disserampode ser sustentado agrave luz do atual conhecimento socioloacutegico enoccedilotildees afins E um tatudo da teoria social natildeo de teoriasSeu Interesse natildeo esta nas proposiccedilotildees separadas e descontlnuasQue se encontram nas obras desses homens ma em um unicocorpo de racloclnio teoacuterico sistemaacutetico U

Y3 Nossa finalidade de fato consiste em nos empenhar-mos em um racioclnio teoacuterico sistemaacutetico

I (J Deve jaacute se ter tornado evidente que nossa redefiniccedilatildeode sua natureza e alcance deslocaraacute a sociologia do co-nhecimento da periferia para o proacuteprio centro da teoriasocioloacutegica Podemos assegurar ao leitor que natildeo temosnenhum interesse adquirido no roacutetulo SOCiologia do co-nhecimento Ao contraacuterio nossa compreensatildeo da teoriasocioloacutegica eacute que nos levou agrave sociologia do conhecimentoe orientou a maneira pela qual chegarfamos a redefiniros problemas e tarefas desta uacuteflima O melhor modo dedescrever o caminho que seguimos seraacute fazer referecircnciaa duas das mais famosas e influentes ordens de mar-

cha da sociologiaCfruma foi dada por Durkheim em As Regras do Meacutetodo

Socioloacutegico a outra por Weber em Wirtschafl und Qe-settschafl (Economia e Sociedade) DurkMlm diz-nos liAprimeira regra e a mais fundagravemental eacute Considerar Osfatos SOciais como coisas rl E Weber observa Tantopara a sociologia no sentido atual quanto para_a_hisJ6riao objeto de conhecimento eacute o complexo de sjgnificac19ssubjetivoacute da accedilatildeomiddot Estes dois enunciados natildeo satildeo con-traditoacuterios A sociedade possui na verdade facticidade ob~

bullbull TIlcotl Plnonl The Situeare of SoeaI AdIo (ChluIO Free Pren11149) pv

bullbull Emlle Dllrkllelm The Ruiu of Sodccol Mclhod (Chle-ca FrcePresa IlllO) p 14

a Mu Weber 7hr Thtory 01 Soeai lIId leonomfe Orgtlfllzalon (NebullbullbullbullbullYork Oltlord UlIlverelly Pun 1941) p 101

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

51

ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

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COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

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4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
Page 17: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

jetiva E a sociedade de fato eacute construlda pela atividadeque expressa um significado subjetivo E diga-se depassagem Durkheim conheceu este uacuteltimo enunciadoassim como Weber conheceu o primeiro E precisamenteo duplo caraacuteter da sociedade em termos de faclicidadcobjetiva e significado subjetivo que torna sua realidadesai generis para usar outro termo fundamental de Dur-kheim A questatildeo central da teoria socioloacutegica pode porconseguinte ser enunciada desta maneira como ~ possi-vel que significados subjetivos se tornem facticldades ob-jetivas Ou em palavras apropriadas agraves posiccedilotildees teoacutericasacima mencionadas Como eacute posslvel que a atividadehumana (Handeln) produza um mundo de coisas (choses)Em outras palavras a adequada compreensao da reaR

lidade sul generis da sociedade exige a investigaccedilatildeoda J1laneira pela qual esta realidade ~ ~onstruJ~a Estainvestigaccedilatildeo afirmamos constitui a tarefa da sociologiado conhecimento

Os Fundamentos do Conhecimentons Vida Cotidiana

I A REALIDADE OA VIDA COTIDIANA

1 SENDO NOSSO PROPOacuteSITO NESTE TRABALHO A ANAacuteLISE

socioloacutegica da realidade da vida cotidiana ou mais preciR

samente do conhecimento que dirige a conduta na vidadiaacuteria e estando noacutes apenas tangencialmente interessadosem saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-tuais em vaacuterias perspectivas teoacutericas devemos comeccedilarpelo esclarecimento dessa realidade tal corno eacute acessiacutevelao senso comum dos membros ordinaacuterios da sociedadeSaber como esta realidade do senso comum pode ser in-fluenciada pelas construccedilotildees teoacutericas dos intelectuais eoutros comerciantes de ideacuteias eacute uma questatildeo diferenteNosso empreendimento por conseguinte embora de ca~raacuteter teoacuterico engrena-se com a compreensatildeo de umarealidade que constitui a mateacuteria da ciecircncia emplrica dasociologia a saber o mundo da vida cotidiana

Z Deveria portanto ser evidente que nosso propoacutesitonatildeo eacute envolver-nos na filosofia Apesar disso se quiserR

mos entender a realidade da vida cotidiana eacute preciso levarem conta seu caraacuteter intriacutenseco antes de continuarmoscom a anaacutelise socioloacutegica propriamente dita A vida cofi-dian~ apresenta-se como uma realidade interpretada peR

Ias homens e subjetivamente dotada de sentido para elesriamiddot J11eacutedlda em que forma um mundo coerente Como so-Cioacutelogos tomamos esta realidade por objeto de nossasanaacutelises No quadro da sociologia enquanto ciecircncia em-

036357

Bsta ICcccedil10 [ntelrll de nono Irltado ~ baseada no livro d~ AllrcdScbuI e Thom Lllckmlllln Dlr Srukturtn der LebenWtll Igora pre

arada Ira publlca~ao em ViiI 1I11lo abllemo-nOI de [orneer rclerin-~llIS IndryldualS h palSlIrens da ollr publlcoda de Scl1UtZ onde ai mesmal pTobem~1 alo dlscUlldo Nos lIrgllmenlllccedillo bbullbull ela-5e aqui emSebulz lal como f(ll desenyolvlda por Luckmonn no IrabalhO 4clmll menelonallD I lato O lellor dClCjando conhecer li obra publlcadll de ScbulZ1I1~ ell dala podc con1I11ar Allrell SclDlz Dcr snlDfl Aufbllu dclsOJlIlcn Wclt (Viena Sprlnllcr 1960) Colteltd PIIPC( Vos I e 11O lellor lnteresud(l na adllplllccedillo do m~odo lenomeno 4810 rella p(lrSchuh bull Intllle l(l mllnd(l social consulte e5leclalmenle seus CollctdPlIPrs Vai I pp 99n e Alaurlc Nalonaon (ed) Plrloloply of IhrSo[ol Selene (N Vork Rln~om Houbullbull 1961) pp 1831bull

L A an~Uise fenomenoloacutegica da vida cotidiana ou me-lhor da experiecircncia subjetiva da vida cotidiana absteacutem-se de qualquer hip6tese causal ou geneacutetica assim comode afirmaccedilotildees relativas ao status ontoloacutegico dos fenocirc-menos analisados E importante lembrar este ponto Osenso comum conteacutem inumeraacuteveis interpretaccedilotildees preacute-Cientlficas e quase-cientiacuteficas sobre a realidade cotidianaque admite como certas Se quisermos descrever a rea-lidade do senso comum temos de nos referir a estas in-terpretaccedilotildees assim como temos de levar em conta seucaraacuteter de suposiccedilatildeo indubitaacutevel mas fazemos isso co-locando o que dizemos entre parecircnteses fenomenol6gicos

5 A consciecircncia eacute sempre intencional sempre tendepara ou eacute dirigida para objetos Nunca podemos apreen-der um suposto substrato de consciecircncia enquanto talmas somente a consciecircncia de ta1 ou qual coisa Istoassim eacute pouco importando que o objeto da experiecircnciaseja experimentado como pertencendo a um mundo fisicoexterno ou apreendido como elemento de uma realidadesubjetiva interior Quer eu (a primeira pessoa do singularaqui como nas ilustraccedilotildees seguintes representa a auto-consciecircncia ordinaacuteria na vida cotidiana) esteja contem-plando o panorama da cidade de Nova York ou tenliaconsciecircncia de uma ansiedade interior os processos deconsciecircncia implicados satildeo intencionais em ambos os ca-sos Natildeo eacute preciso discutir a questatildeo de que a consciecircn-cia do Empire State Building eacute diferente da consciecircnciada ansiedade Uma anaacutelise fenomenoloacutegica detalhadadescobriria as vaacuterias camadas da experiecircncia e as dife-rentes estruturas de significaccedilatildeo implicadas digamos nofato de ser mordido por um cachorro lembrar ter sidomordido por um cachorro ter fobia por todos os cachor-ros e assim por diante O que nos interessa aqui eacute ocaraacuteter intencional comum de toda consciecircncia

~ Objetos diferentes apresentam-se agrave consciecircncia comoconstituintes de diferentes esferas da realidade Reconheccedilomeus semelhantes com os quais tenho de tratar no cursoda vida diaacuteria como pertencendo a uma realidade inlei-ramente diferente da que tecircm as figuras desencarnadas

pirica ecirc posslvel tomar esta realidade como dada tomarcomo dados os fenOcircmenos particulares que surgem dentrodela sem maiores indagaccedilotildees sobre os fundamentos dessarealidade tarefa jaacute de ordem filosoacutefica Contudo consid-rando o particular propoacutesito do presente tratado naopodemos contornar completamente o problema filosoacutefico

O mundo da vida cotidiana natildeo somente eacute tomado comoLiina realidade cerla pelos membros ordinaacuterios da socie-dade na conduta subjetivamente detada de sentido queimprimem a suas vidast mas eacute um mundo que se origmano pensamento e na accedilatildeo dos homens comuns sendoafirmado como real por eles Antes portanto de em-preendermos nossa principal tarefa devemos tentar escla-recer os fundamentos do conhecimento na vida cotidian3a saber as objetivaccedilotildees dos processos (e significaccedilotildees)subjetivas graccedilas agraves quais eacute construido o mundo inter-subjetivo do senso comum

- Para a finalidade em apreccedilo isto eacute uma tarefa prelimi-nar mas natildeo podemos fazer mais do que esboccedilar osprincipais aspectos daquilo que acreditamos ser uma so-luccedilatildeo adequada do problema filosoacutefico adequada apres~samo-nos em acrescentar apenas no sentido de poderservir como ponto de partida para a anAlise socioloacutegicaAs consideraccedilotildees a seguir feitas tecircm portanto a natur~zade prolegocircmenos filosoacuteficos e em si mesmas preacute-soclo-loacutegicas O meacutetodo que julgamos mais conveniente paraesclarecer os fundamentos do conhecimento na vida co-tidiana eacute o da anaacutelise fenomenoloacutegica meacutetodo puramentedescritivo e como tal emplrico mas natildeo cienUficosegundo ~ modo como entendemos a natureza das ciecircn-cias emplricasmiddot

que aparecem em meus sonhos Os dois ~onluntos deobjetos introduzem tensotildees intiramente dlferentes emminha consciecircncia e minha atenccedilao com ~eferecircncla ~ el~seacute de natureza completamente diversa Mmha co~sclecircnclapor conseguinte eacute capaz de mover-se atraveacutes de dlfere~tesesferas da realidade Dito de outro mo~o tenho co~sclen-ela de que o mundo c~nsiste em multJplas r~ahdadesQuando passo de uma realidade a outra experimento atransiccedilatildeo como uma espeacutecie de choque Este choque deveser entendido como causadq pelo deslocamento da ate~-ccedilatildeo acarretado pela transiccedilatildeo A mais simples Jlustraccedilaodeste deslocamento eacute o ato de acordar de um sonho

1- Entre as muacuteltiplas realidades haacute uma ~ue se ~presentacomo sendo a realidade por excelecircnCia E a realidade davida cotidiana Sua posiccedilatildeo privilegiada autoriza a da-lhe a designaccedilatildeo de realidade predor~Inante ~ ten~aoda consciecircncia chega ao maacuteximo na Vida cotidIana Istoeacute esta ultima impotildee-se agrave consciecircncia de maneira mais~aciccedila urgente e intensa E impossivel ignorar e mesmoeacute diflcUacute diminuir sua presenccedila imperiosa ConseqUentemen-t~ forccedila-me a ser atento a ela de maneira mais comple~aExperimento a vida cotidiana no estado de total vlgfhioEste estado de total vigllia de existir na realidade ~avida cotidiana e de apreend-Ia eacute conSIderado por mImnormal e evidente isto eacute constitui minha atitude natural

tiApreendo a realidade da vida diaacuteria como uma reali-iade ordenada Seus fenOmenos acham-se preyiamentedispostos em padrotildees que parecem ser independentes daapreensatildeo que deles tenho e que ~e impotildeem ~ mln~aapreensatildeo A realidade da vida cotidiana aparece Jaacute obJe-t1vada isto eacute constituida por uma ordem de objetos queforam design~dos como objetos ~ntes ~e minha entradana cena A linguagem usada na Vida cotidiana fornee-mecontinuamente as necessaacuterias objetlvaccedilotildees e determma ordfOrdem_em-qlEfestas adquirem sentido e na qual a vid~eacuteotidiana ganha significado para mim Vivo num lugarque eacute geografica~~ntemiddot determinado uso Instrumentosdesde os abridores de latas ateacute os automoacuteveis de es-potilderle quacuteeacutefem sua designaccedilatildeo no vocabulaacuterio teacutecnico da

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minha sociedade vivo dentro de uma teia de relaccedilotildeeshumanas de meu clube de xadrez ateacute os Estados Unidosda Ameacuterica que satildeo tambeacutem ordenadas por meio doyocabulaacuterio Desta maneira a linguagem marca as coor-denadas de minha vida na sociedade e enche esta vidade objetos dotados de significaccedilatildeo

~ A realidade da vida cotidiana estaacute organizada em lornodo aqui de meu corpo e do agora do meu presenteEste aqui e agora eacute o foco de minha atenccedilatildeo agrave rea-lidade da vida cotidiana Aquilo que eacute aqui e agoraapresentado a mim na vida cotidiana eacute o realissimum deminha consciecircncia A realidade da vida diaacuteria poreacutemnatildeo se esgota nessas presenccedilas imediatas mas abraccedilafenOmenos que natildeo estatildeo presentes aqui e agora Istoq1~rdizer que experimento a vida cotidiana em diferenmiddot~s graus de apro_~im~~9e distacircncia espacial e tempo-tordfhnente A mais proacutexima de mim eacute a zona da vidacotidiana diretamente acessfvel agrave mInha manipulaccedilatildeo cor-poral Esta zona conteacutem o mundo que se acha ao meualcance o mundo em que atuo a fim de modificar arealidade dele ou o mundo em que trabalho Neste mun-do do trabalho minha consciecircncia eacute dominada pelo mo-tivo pragmaacutetico isto eacute minha atenccedilatildeo a esse mundo eacuteprincipalmente determinada por aquilo que estou fazendofiz ou planejo fazer nele Deste modo eacute meu mundopor excelecircncia Sei evidentemente que a realidade davida cotidiana conteacutem zonas que natildeo me satildeo acessiveisdesta maneira Mas ou natildeo tenho interesse pragmaacuteticonessas zonas ou meu interesse nelas eacute indireto na me-dida em que podem ser potencialmente zonas manipulaacute-veis por mim Tipicamente meu interesse nas zonas dis-tantes eacute menos intenso e certamente menos urgente Es-tou intensamente interessado no aglomerado de objetosimplicados em minha ocupaccedilatildeo diaacuteria por exemplo omundo da garage se sou um mecacircnico Estou interessa~do embora menos diretamente no que se passa nos la-boratoacuterios de provas da induacutestria automobiJIstica em Oe-troit pois eacute improvaacutevel que algum dia venha a estarem algum destes laboratoacuterios mas o trabalho af efe-

tuado poderaacute eventualmente afetar minha vida cotidianaPosso tambeacutem estar interessado no que se passa emCabo Kennedy ou no espaccedilo coacutesmico mas este inte-resse eacute uma questatildeo de escolha privada ligada ao Utem-po de lazer mais do que uma necessidade urgente deminha vida cotidiana

I)OA realidade da vida cotidiana aleacutem disso apresenta-sea mim como um mundo intersubjetivo um mundo de queparticipo juntamente com outros homens Esta intersubje-tividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outrasrealidades das quais tenho conscincia Estou sozinho nomundo de meus sonhos mas sei que o mundo da vidacotidiana eacute tatildeo real para os outros quanto para mimmesmo De fato natildeo posso existir na vida cotidiana semestar continuamente em inleraccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com osoutros Sei que minha atitude natural com relaccedilatildeo a estemundo corresponde agrave atitude natural dos outros que~es tambeacutem compreendem as objetivaccedilotildees graccedilas agravesquais este mundo eacute ordenado que eles tamb~m organi-zam este mundo em torno do -aqui e agora de seuccedil~ordfr nee e tecircm projeto~ de trabalho nele Sei tambeacutemc_videntemente que os outros tecircm urna perspectiva destemundo comum que tlatildeo eacute idecircntica agrave minha Meu aqui

eacute o laacute deJes Meu agora natildeo se superpotildee comple-tamente ao deles Meus projetos diferem dos deles cpodem mesmo entrar em conflito De todo modo seiqu~ vivo com eles em um mundo comum O que tema maior importacircncia eacute que eu sei que haacute uma continuacorrespondecircncia entre meus significados e seus significa-dos neste mundo que partilhamos em comum no querespeita agrave realidade dele A atitude natural eacute a atitudeda consciecircncia do senso comum precisamente porque serefere a um mund() glle eacute c~~um a muitos homens Oconhecimento do senso comum eacute o conhecimento que eupartilho com os outros nas rotinas normais evidentes dayida cotidiana

iYA realidade da vida cotidiana eacute admitida como sendoa realidade Natildeo requer maior verificaccedilatildeo que se esmiddotmiddottenda aleacutem de sua simples presenccedila Estaacute ~implesmente

ai como tacticidade evidente por si mesma e compul-soacuteria Sei que eacute real Embora seia capaz de empenhar~meem duacutevida a respeito da realidade dela sou obrigado asuspender esta duacutevida ao existir rotineiramente na vidacotidiana Esta suspensatildeo dltl duacutevida eacute tatildeo firme que paraabandonaacute-Ia como poderia desejar fazer por exemplo nacontemplaccedilatildeo teoacuterica ou religiosa tenho de realizar umaextrema transiccedilatildeo O mundo da vida cotidiana procla-ma-se a si mesmo e quando quero contestar esta pro-clamaccedilatildeo tenho de fazer um deliberado esforccedilo nadafaacutecil A transiccedilatildeo da atitude natural para a atitude teoacute-rica do filoacutesofo ou do cientista ilustra este ponto Masnem todos os aspectos desta realidade satildeo Igualmentenatildeo problemaacuteticos A vida cotidiana divide~se em setoresque satildeo apreendidos rotineiramente e outros que se apre-sentam a mim com problemas desta ou daquela espeacutecieSuponhamos que eu seja um mecacircnico de automoacuteveiscom grande conhecimento de todos os carros de fabrlca~ccedilatildeo americana Tudo quanto se refere a estes eacute umafaceta rotineira natildeo problemaacutetica de minha vida diaacuteriaMas um certo dia aparece algueacutem na garage e pede-mepara consertar seu Volkswagen Estou agora obrigadoa entrar no mundo problemaacutetico dos carros de constru-ccedilatildeo ~strangeira Posso fazer isso com relutlncia ou comcuriosidade profissional mas num caso ou noutro estouagora diante de problemas que natildeo tinha ainda rotini-zado Ao mesmo tempo eacute claro natildeo deilCo a realidadeda vida cotidiana De fato middotesta enriquece-se quando co-meccedilo a Incorporar a ela o conhecimento e a habilidaderequeridos para consertar os carros de fabricaccedilatildeo es-trangeira A realidade da vida cotidiana abrange os doistipos de setores desde que aquilo que aparece comoproblema natildeo peacutertenccedila a uma realidade inteiramente di-ferente (por exemplo a realidade da Usica te6rica ou ados pesadelos) Enquanto as rotinas da vida cotidianacontinuarem sem middotinterrupccedilatildeo satildeo apreendidas como natildeo-froblemaacuteticas

~ v Mas mesmo o setor natilde~problemaacutetico da realidade C~tidiana s6 ecirc tal ateacute novo conhecimento isto eacute atecirc que

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sua continuidade seja interrompida pelo aparecimentode um problema Quando isto acontece a realidade davida cotidiana procura integrar o setor problemaacuteticodentro daquilo que jaacute eacute natildeo-problemaacutetico O conheci-mento do sentido comum contecircm uma multiplicidade deinstruccedilotildees sobre a maneira de fazer Isso Por exemploos outros com os quais trabalho satildeo natildeo-problemaacuteticospara mim enquanto executam suas rotinas familiares eadmitidas como certas por exemplo datilografar numaescrevaninha proacutexima agrave minha em meu escritoacuterio Tor-nam-se problemaacuteticos se interrompem estas rotinas porexemplo amontoando-se num canto e falando em formade cochicho Ao perguntar sobre o que significa estaatividade estranha haacute um certo nuumlmero de possibilidadesque meu conhecimento de sentido comum eacute capaz de rein-tegrar nas rotinas natildeo problemaacuteticas da vida cotidianapodem estar discutindo a maneira de consertar uma maacute-quina de escrever quebrada ou um deles pode ter algumasinstruccedilotildees urgentes dadas pelo patratildeo ete De outro ladoposso achar que estatildeo discutindo uma diretriz dada pelosindicato para entrarem em greve coisa que estaacute aindafora da minha experiecircncia mas dentro do clrculo dosproblemas com os quais minha consciecircncia de senso co-mum pode tratar Trataraacute da questatildeo mas como proble-ma e natildeo procurando simplesmente reintegraacute-Ia no setornatildeo problemaacutetico da vida cotidiana Se entretanto che-gar agrave conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceramcoletivamente o problema que se apresenta eacute entatildeo deoulra espeacutecie Acho-me agora em face de um problemaque ultrapassa os limites da realidade da vida cotidianae indica uma realidade inteiramente diferente Com efeitoa conclusatildeo de que meus colegas enlouqueceram implicapso facto que entraram num mundo que natildeo eacute mais omundo comum da vida cotidiana

i Comparadas agrave real~dade da vida cotidiana as outrasreahdades aparecem como campos finitos de significa-ccedilatildeo enclaves dentro da realidade dominante marcadapo~ significados e modos de experiecircncia delimitados AgraveJealidade dominan~e envolve-as por todos os lados potilder

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assim dizer e a consciecircncia sempre retorna agrave realidadedominante como se voltasse de uma excursatildeo Isto eacuteevidente conforme se vecirc pelas Ilustraccedilotildees jaacute dadas comona realidade dos sonhos e na do pensamento teoacutericoComutaccedilotildees semelhantes ocorrem entre deg mundo davida cotidiana e o mundo do jogo quer seja o brinquedlgtdas crianccedilas quer ainda mais nitidamente o jogo dosadultos O teatro fornece uma excelente ilustraccedilatildeo destaatividade luacutedica por parte dos adultos A transiccedilatildeo entreas realidades eacute marcada pelo levantamento e pela descidado pano Quando o pano se levanta o espectador ecirctransportado para um outro mundoJl

com seus proacute-prios significados e uma ordem que pode ter relaccedilatildeo ounatildeo com a ordem da vida colldiana Quando o panodesce o espectador retorna agrave realidade isto eacute agrave rea-lidade predominante da vida cotidiana em comparaccedilatildeocom a qual a realidade apresentada no palco apareceagora tecircnue e efecircmera por mais vivida que tenha sidoa representaccedilatildeo alguns poucos momentos antesA expe-riecircncia esteacutetica e religiosa eacute rica em produzir transiccedilotildees desla espeacutecie na medida em que a arte e a religiatildeosatildeo produtores endecircmicos de campos de significaccedilatildeoi4Todos os campos finitos de significaccedilatildeo caracteriz~~-

se por desviar a atenccedilatildeo da realidade da vida contempo-racircnea Embora haja estaacute claro deslocamentos de atenccedilatildeo dentro da vida cotidiana o deslocamento para um campo finito de significaccedilatildeo eacute de natureza muito mais

f-ordfdical Produz-se uma radical transformaccedilatildeo na ten-satildeo da consciecircncia No contexto da experiecircncia reli-giosa isto jaacute foi adequadamente chamado transes Eimportante poreacutem acentuar que a realidade da vida co-tidiana conserva sua situaccedilatildeo dominante mesmo quandoestes transes ocorrem Se nada mais houvesse a lin~guagem seria suficienje para nos assegurar sobre esteponto A linguagem comum de que disponho para lLobi~tivaccedilatildeo de minhas experiecircncias funda-se na vida co-tidiana e conserva-se sempre apontando para ela mesmoquando a emprego para interpretar experiecircncias em cammiddottos delimitados de significaccedilatildeo Por conseguinte des-

torccedilo tipicamente a realidade destes uacuteJtimos logo assimque comeccedilo a usar a linguagem coacutemum para int~~pr~_~~-los isto ecirc traduzo as experiecircncias natildeo-pertencentesagrave vida cotidiana na realidade suprema da vida diaacuteriaIsto pode ser facilmente visto em termos de sonhCsmaseacute tambeacutem tlplco das pessoas que procuram relatar osmun~os de significaccedilatildeo teoacutericos esfeacuteticos ou religiososO frsico teoacuterico diz-nos que seu conceito do espaccedilo natildeopode ser transmitido por meios Iilguumllsticos tal comoo artista com relaccedilatildeo ao significado de suas criaccedilotildeesc o miacutestico com relaccedilatildeo a seus encontros com a divin-dade Entretanto todos estes - o sonhador o fiacutesico oartista e o miacutestico - tambeacutem vivem na realidade davida cotidiana Na verdade um de seus importantes pro-blemas eacute interpretar a coexistecircncia desta realidade comos enclaves de realidade em que se aventuram

1--rO mundo da vida cotidiana eacute estruturado especial etemporalmente A estrutura espacial tem pouca impor-tacircncia em nossas atuais consideraccedilotildees Basta indicar quetem tambeacutem uma dimensatildeo social em virtude do fategtda minha zona de manipulaccedilatildeo entrar em contacto coma dos outros Mais importante para nossos propoacutesitosatuais eacute a estrutura temporal da vida cotidiana

1(0 A temporalidade eacute uma propriedade intrinseca daconsciecircncia A corrente de consciecircncia eacute sempre ordena-da temporalmente E possrvel estabelecer diferenccedilas en~tre nlvels distintos desta temporalidade uma- vez quenos eacute acessfvel intra-subjetivamente Todo indivfduo temconsciecircncia do fluxo interior do tempo que por suaacutevez se funda nps ritmos fisiol6gicos do organismo emR

bora nllo se identifique com estes Excederia de muitoO Ambito destes prolegOmenos entrar na anaacutelise deta-lhada desses niacuteveis da temporalidade intra-subjetivaConforme indicamos poreacutem a Intersubjetividade na vi-da cotidiana tem tambeacutem uma dimensatildeo temporal Omundo da vida cotidiana tem seu proacuteprio padratildeo dotempo que eacute acessfvel intersubjetivamente O tempopadratildeo pode ser compreendido como a intersecccedilatildeo entreo tempo coacutesmico e seu calendaacuterio socialmente estabele-

cido baseado nas seqUecircncias temporais da nawreza porum lado e o tempo interior por outro lado em suasdiferenciaccedilotildees acima mencionadas Nunca pode havercompleta simultaneidade entre estes vaacuterios nlveis de tem-poralldade conforme nos indica claramente a experiecircnciada espera Tanto meu organismo quanto minha sociedadeimpotildeem a mim e a meu tempo interior certas seqOecircnciasde acontecimentos que incluem a espera Posso desejartomar parte num acontecimento esportivo mas tenho deesperar ateacute que meu joelho machucado se cure Ou entatildeodevo esperar ateacute que certos papeacuteis sejam tramitadospara que minha inscriccedilatildeo no acontecimento possa ser ofi-cialmente estabelecida Vecirc-se facilmente que a estruturatemporal da vida cotidiana eacute extremamente complexa por-que os diferentes nlveis da temporalidade empiricamentepresente devem ser continuamente correlacionadOSj

d 1-A estrutura temporal da vida cotidiana colOCa-se emface de uma facticidade que tenho de levar em contaisto eacute com a qual tenho de sincronizar meus proacutepriosprojetos q tempo que encontro na realidade diaacuteria eacutecontinuo e finito Toda minha existecircncia neste mundo ~continuamente ordenada pelo tempo dela estaacute de fato en-volvida por esse tempo Minha proacutepria vida eacute um episoacutediona corrente do tempo externamente convencional O tem-po jaacute existia antes de meu nascimento e continuaraacute aexistir depois que morrer O conhecimento de minhamorte inevitaacutevel torna este tempo finito para mim 5oacutedisponho de certa quantidade de tempo para a realizaccedilatildeode meus projetos e o conhecimento deste fato afetaminha atitude com relaccedilatildeo a estes projetos Tambeacutemcomo nl0 desejo morrer este conhecimento injeta emmeus projetos uma ansiedade subjacente Assim natildeoposso repetir indefinidamente minha participaccedilatildeo emacontecimentos esportivos Sei que vou ficando velhoPode mesmo acontecer que esta seja a uacuteltima oportuni-dade que tenho de participar desses acontecimentosMinha espera tornar-se~aacute ansiosa conforme o grau emque a finitude do tempo inciacutedir sobre meu projeto

1fgtA mesma estrutura temporal como jaacute foi indicado eacutecoercitiva Natildeo posso inverter agrave vontade as sequumlecircnciasimpostas por ela primeiro as primeiras coisas eacute umelemento essencial de meu conhecimento da vida cotidianaAssim natildeo posso prestar determinado exame antes deter cumprido certo programa educativo natildeo posso exercerminha profissatildeo antes de prestar esse exame e assim pordiante Tambeacutem a mesma estr~tura temporal fornece ahistoricidade que determina minha situaccedilatildeo no mundo davida cotidiana Nasci em certa data enlrei para a escolaem outra data comecei a trabalhar como profissional emoutra ete Estas datas contudo estatildeo todas localizadasem uma hist6ria multo mais ampla e esta localizaccedilatildeoconfigura decisivamente minha situaccedilatildeo Assim nasci noano da grande bancarrota bancaacuteria em que meu pai perdeua fortuna entrei para a escola pouco antes da revoluccedilatildeocomecei a trabalhar pouco depois de irromper a GrandeGuerra etc A estrutura temporal da vida cotidiana natildeosomente impotildee sequumlecircncias predeterminantes agravemiddotminJ1aagenda de um uacutenico dia mas impotildee-se ta~beacutem agrave nti-nha biotildegrafia em totalidade Dentro das coordenadas es~middottabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tantoa agenda diaacuteria quanto minha completa biografia Orel6gio e a folhinha asseguram de fato que sou umhomem do meu tempo Soacute nesta estrutura temporal eacuteque a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea-lidade Assim em casos em que posso ficar desorien-tado por qualquer motivo (por exemplo sofri um aci-dente de automoacutevel em que fiquei inconsciente) sintouma necessidade quase instintiva de me reorientae den-tro da estrutura temporal da vida cotidiana Olho para O

reloacutegio e procuro lembrar-me que dia eacute S6 por essesatos retorno agrave realidade da vida cotidiana

tidiana Ainda aqui eacute posslvel estabelecer diferenccedilas en-tre vaacuterios modos desta experiecircncia

Z~ A mais importante experiecircncia dos outros ocorre nasituaccedilatildeo de estar face agrave face com o outro que eacute o casoptototiacutepico da interaccedilatildeo social Todos os demais casosderivam deste

Z d Na sit~accedilatildeo facemiddota face o outro eacute apreendido por mimnum vivIdo presente partIlhado por noacutes dois Sei queno mesmo vivido presente sou apreendido por ele Meuaqui e agora e o dele colidem continuamente um como outro enquanto dura a situaccedilatildeo face a face Comoresultado haacute um Intercacircmbio continuo entre minha ex-p~essividade e a dele Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-gindo ao meu ato de fechar a cara parando de sorrirdepois sortindo de novo quando tambeacutem eu sorrJo etc~To~as as minhas expressotildees orientam-se na direccedilatildeo delee vlce-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-sivos eacute simultaneamente acesslvel a noacutes ambos Isto sig-nifica que na situaccedilatildeo face a face a subjetividade dooutro me eacute acesslveJ mediante o maacuteximo de sintomasCertamente posso interpretar erroneamente alguns dessessintomas Posso pensar que o outro estaacute sorrindo quandode fato estaacute sortindo afetadamente Contudo nenhumaoutra forma de relacionamento social pode reproduzir aplenitude de sintomas da subjetividade presentes na si-tuaccedilatildeo face aacute face Somente aqui a subjetividade do outroeacute expressivamente upr6xima Todas as outras formasde relacionamento com o outro satildeo em graus variaacuteveisremotas

Z1N~si~accedilatilde~ fac~ ~ 8ce o outro eacute plenamente real~sa realIdade eacute parte ai-realidade global da vida co-hdlana e como tal maciccedila e irresistivel Sem duacutevida ooutro pode ser real pata mim sem que eu o tenha en-contrato face a face por exemplo de nome ou por mecorresponder com ele Entretantb s6 se torna real paramim no pleno sentido da paavra quando o encontropessoalmente De fato pode-se afirmar que o outro nasituaccedilatildeo face a face eacute mais real para mim que eu proacuteprioEvidentemente conheccedilo-me melhor do que posso jamais

2 A INTERACcedilAacuteO SOCIAL NA VIDA COTIDIANA

~ ~_ realid~de ~~yi_d~c~~idJHLLpartUhada com outrosMaS- deacute que modo experimento esses outros na vida c o

l~

conhececirc-Io Minha subjetividade eacute acesslveI a mim de ummodo em que a dele nunca poderaacute ser por mais pr6-xlma que seja nossa relaccedilatildeo Meu passado me eacute acess(velna memoacuteria c~m uma plenitude em que nunca podereireconstruir Ccedill passado dele por mais que ele o relate amim Mas este melhor conhecimento de mim mesmoexige reflexatildeo Natildeo eacute imediatamente apresentado a mimO outro poreacutem eacute apresentado assim na situaccedilatildeo facea face Por conseguinte aquilo que ele ecirc me ecirc conti-nuamente acesslvel Esta acessibilidade eacute Ininterrupta eprecede a reflexatildeo Por outro lado li aquilo que sounatildeo eacute acess(vel assim Para tornA-lo acess(vel eacute precisoque eu pare detenha a contfnua espontaneidade de minhaexperiecircncia e deliberadamente volte a minha atenccedilatildeosobre mim mesmo Ainda mais esta reflexatildeo sobre mimmesmo eacute tipicamente ocasionada pela atitude com relaccedilatildeoa mim que o outro middotmanifesta E tipicamente uma res~posta de espelho agraves atitudes do outro

1lSegue-se que as relaccedilotildees com os outros na situaccedilAoface a face satildeo altamente flexiacuteveis Dito de maneira ne-gativa eacute relativamente difiacutecil impor padrotildees riacutegidos agraveiitteraccedilatildeo face a face Sejam quais forem os padrotildees quese introduza teratildeo de ser continuamente modificados de--vido ao intercacircmbio extremamente variado e sutil designificados subjetivos que tecircm lugar Por exemplo possoolhar o ou1ro como algueacutem inerentemente hostil a mfme agir para com ele de acordo com um padratildeo de IIre_laccedilotildees hostis tal como eacute entendido por mim Na situa-ccedilatildeo face a face poreacutem o outro pode enfrentar-me comatitudes e atos que contradizem esse padratildeo chegandqtalvez a um ponto tal que me veja obrigado a abandonaro padrJo por ser inaplicaacutevel e considerar o outro amiga~velmente Em outras palavras o padratildeo natildeo pode resistiragrave maciccedila demonstraccedilatildeo da subjetividade alheia de quetomo conhecimento na situaccedilatildeo face a face Em contramiddotposiccedilatildeo ecirc muito middotmais faacutecil para mim ignorar essa demiddotmonstraccedilatildeo desde que natildeo encontre o outro face a faceMesmo numa relaccedilatildeo de certo modo proacutexima cornoa mantida por correspondecircncia posso com mais sucesso

rejeitar os protestos de amizade do outro acreditando natildeorepresentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-laccedilatildeo a mim simplesmente porque n~ correspondecircncianatildeo disponho da presenccedila imediata continua e maciccedila-mente real de sua expressivida(le Sem duacutevida eacute posslvelque interprete mal as intenccedilotildees do outro mesmo na si-tuaccedillo face a face assim como eacute posslvel que ele hipo-critamente esconda suas intenccedilotildees De qualquer modoa interpretaccedilatildeo errocircnea e a hipocrisia satildeo mais dificeisde manter na interaccedilatildeo face a face do que em formasmenos proacuteximas de relaccedilotildees sociais ~__

Z 4 Por outro lado apreendo o outro por meio de esquemiddotmas tipificadores mesmo na situaccedilatildeo face a face emboraestes esquemas sejam mais vulneraacuteveis agrave interferecircnciadele do que em formas mais remotas de interaccedilatildeoNoutras palavras embora seja relativamente diflcil imporpadrotildees rfgidos agrave interaccedilatildeo face a face dcsd~ o inicioesta jaacute eacute padronizada se ocorre dentro da rotina da vidacotidiana (Podemos deixar de parte para exame poste~rior os casos de interaccedilatildeo entre pessoas completamenteestranhas que natildeo tecircm uma base comum na vida coti-diana) A realidade da vida cotidiana contecircm esquemastipif~dore~ ~m termos dos quais os outros satildeo apreen-didos sendo estabelecidos os modos como lidamos comeles nos encontros face a face Assim apreendo o outrocomo middothomem europeu comprador tipo jovialete Todas estas tiplficaccedilotildees afetam continuamente minhainteraccedilatildeo com o outro por exemplo quando decido di-vertir~me com ele na cidade antes de tentar vender-lhemeu produto Nossa interaccedilatildeo face a face seraacute modeladapor estas tipificaccedill5es pelo menos enquanto natildeo se torA

nam problemaacuteticas por alguma interferecircncia da partedele Assim ele pode dar provas de que apesar de serum lIomem europeu e comprador eacute tambeacutem umfarisaico moralista e que aquiJo que a principio parecia

jovialidade eacute realmente uma expressatildeo de desprezo pelosamericanos em geral e pelos vendedores americanos emparticular Neste ponto evidentemente meu esquema tipIacute-ficador teraacute que ser modificado e o programa da noite

~~

~~1

I

planejado diferentemente de acordo com esta modifIca-ccedilatildeo Mas a natildeo ser que haja esta objeccedilatildeo as tiplflcaccedilotildeesseratildeo mantidas ateacute nova ordem e determinaratildeo minhas~otildees na situaccedilatildeo

tJ Os esquemas tipificadores que entram nas situaccedilotildeesface a face satildeo naturalmente reciprocas O outro tambeacutemme apreende de uma maneira tipificada como homemamericano vendedor um camarada insinuante etcAs tipificaccedilotildees do outro satildeo tatildeo suscetiacuteveis de sofrereminterferecircncias de minha parte como as minhas satildeo daparte dele Em outras palavras os dois esquemas tipifi-cadores entram em contrnua negociaccedilatildeo na situaccedilatildeoface a face Na vida diaacuteria esta negociaccedilatildeo provavel-mente estaraacute predeterminada de uma maneira tlpica co-mo no caracteristico processo de barganha entre com-pradores e vendedores Assim na maior parte do tempomeus encontros com os outros na vida cmldiana satildeotfplcos em duplo sentido apreendo o outro como um tipoe interaluo com ele numa situaccedilatildeo que eacute por si mesmatiacutepica

~fotildeAs tipificaccedilotildees da interaccedilatildeo social tornam-se progresi-sivamente anOcircnimas agrave medida que se afastam da si-tuaccedilatildeo tace a face Toda tipiticaccedilatildeo naturalmente acarretauma -anonimidade inicial Se tipiticar meu amigo Henrycomo membro da categoria X (por exemplo como inglecircs)interpreto iR facto pelo menos certos aspectos de su~conduta como resultantes desta t1pificaccedilatildeo assim seusgostos em mateacuteria de comida slio trpicos dos inglesesbem como suas maneiras algumas de suas reaccedilotildees emo-cionais etc lsttgt implica contudo que tais caracterlstlcase accedilotilde~s de meu amigo Henry satildeo atributos de qualquerpessoa da categoria dos ingleses isto eacute apreendo estesaspectos de seu ser em termos anocircnimos Entretanto logoassim que meu amigo Henry se torna acesslvel a mimna plenitude da expressividade da situaccedilatildeo face a faceele romperaacute constantemente meu tipo de inglecircs anocircnimoc se manifestaraacute como um indiviacuteduo uacutenico e portantoatipico como seu amigo Henry O anonimato do tipo eevidentemente menos sllsceptlvel a esta espeacutecie de indivi-

dualizaccedilatildeo quando a interaccedilatildeo face a face eacute um assuntodo passado (meu amigo HenrYI o inglecircs que conheciquando eu era estudante no coleacutegio) ou eacute de caraacuteter su-perficial e transitoacuterio (o inglecircs com quem converseipouco tempo num trem) ou nunca teve lugar (meuscompetidores comerciais na Inglaterra)

Z vm importante aspecto da experiencia dos outros navida cotidiana eacute pois o caraacuteter direto ou indireto dessaexperiecircncia Em qualquer tempo eacute possivel distinguirentre companheiros com os quais tive uma atuaccedilatildeo co-mum em situaccedilotildees face a face e outros que satildeo meroscontemporacircneos dos quais tenho lembranccedilas mais oumenos detalhadas ou que conheccedilo simplesmente de oilivaNas situaccedilotildees face a face tenho a evidecircncia direta demeu companheiro de suas accedilotildees atributos etc Jaacute omesmo natildeo acontece no caso de contemporacircneos dosquais tenho um conhecimento mais ou menos digno deconfianccedila Aleacutem disso tenho de levar em conta meussemelhantes nas situaccedilotildees face a face enquanto possovoltar meus pensamentos para simples contemporJlneos

I mas natildeo estou obrigado a isso O anonimato cresce agravemedida que passo dos primeiros para os uacuteltimos porqueo anonimato das tipificaccedilotildees por meio das quais apreendoos semeacutelhantes nas situaccedilotildees tace a face eacute constantementeprecncnido pela multiplicidade de vIvidos sintomas re-ferentes a um ser humano concreto

Zt6Entretanto isto natildeo eacute tudo Haacute evidentes diferenccedilasem minhas experiecircncias dos simples contemporacircneosAlguns deles satildeo pessoas de quem tenho repetidas ex-periecircncias em situaccedilotildees face a face e que espero encon-trar novamente de modo regular (meu amigo Henry)outros satildeo pessoas de que me lembro como seres hu-manos concretos que encontrei no passado (a loura aolado de quem passei na rua) mas o encontro foi raacutepidoe muito provavelmente natildeo Se repetiraacute De outros aindasei que satildeo seres humanos concretos mas s6 possoapreendecirc-Ios por meio de tipiflcaccedilotildees cruzadas mais ouInenoa anOnimas (meus competidores comerciais inglesesa rainha da Inglaterra) Entre estes uacuteltimos eacute pos91vel

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ainda distinguir entre provaacuteveis conhecidos em situaccedilotildeesface a face (meus competidores comerciais ingleses) econhecidos potenciais mas improvaacuteveis (a rainha da In-glaterra)t00 grau de anonimato que caracteriza a experllncia dos

outros na vida cotidiana depende contudo de outro fatortambeacutem Vejo o jornaleiro da esquina tatildeo regularmentequanto vejo minha mulher Mas ele eacute menos importantepara mim e natildeo tenho relaccedilotildees Intimas com ele Podeser relativamente anOnimo para mim O grau de interessee o grau de intimidade podem combinar-se para aumentarou diminuir o anonimato da experiecircncia Podem tambeacuteminfluenciaacute-Ia independentemente Posso ter relaccedilotildees bas-tante rnUrnas com vaacuterios membros de meu clube de tecircnise relaccedilotildees multo formais com meu patratildeo Contudo osprimeiros embora de modo algum inteiramente anOni-mos podem fundir-se naquele grupo da quadra en-quanto o primeiro destaca-se como indivfduo uacutenico Efinalmente o anonimato pode tornar-se quase total comcertas tiPlficaccedill5~S ue natildeo pretendem jamais tornarem-setipificaccedilotildees tais c mo o tfpico leitor do Times de Lon-dres Finalment o raio de accedilatildeo da tiplficaccedilatildeo -e com isso seu anonimato ~ pode ser ainda mais au-mentado falando-se da opiniatildeo puacuteblica inglesa

Ocirc~ realidade social da vida cotidiaa eacute portanto apreen-dida num continuo de tipificaccedilotildees que se vatildeo tornandoprogressivamenle anOnimas agrave medida que se -distanciamdotilde aqui e agora da situaccedilatildeo face a face Em um poacutelodo continuo estatildeo aqueles outros com os quais fre-qUente e intensamente entro em accedilatildeo recfproca em sl-tuaccedileacute5es face a face meu ciacuterculo interior por assimdizer No outro poacutelo estatildeo abstraccedilotildees inteiramente anOcirc-nimas que por sua proacutepria natureza natildeo podem nuncaser achadas em uma inleraccedilatildeo face a face A estrllturasocial ecirc a soma dessas tipificaccedilotildees e dos padrotildees re-correntes de interaccedilatildeo estabelecidos por meio delas Assimsendo a estrutura social eacute um elemento essencial darealidade da vida cotidiana

3IacuteUm ponto ainda deve ser indicado aqui embora natildeopossamos desenvolvecirc-Io Minhas relaccedilotildees com os outrosnatildeo se limitam aos conhecidos e contemporacircneos Rela-ciono-me tambeacutem com os predecessores e sucessoresaqueles outros que me precederam e se seguiratildeo a mimna lJistoacuteria geral de minha sociedade Exceto aquelesque satildeo companheiros passados (meu falecido amigoHenry) relaciono-me com meus predecessores mediantetipificaccedilotildees de todo anocircnimas meus antepassados emi-grantes e ainda mais os Pais Fundadores Meus su-cessores por motivos compreenslveis satildeo tipificados demaneira ainda mais anOcircnima - os filhos de meusfilhos ou as geraccedilotildees futuras Estas tipificaccedilotildees satildeoprojeccedilotildees substancialmente va2ias quase completamentedesliturdas de conteuacutedo individuali2ado ao passo que astipificaccedilotildees dos predecessores tecircm ao menos algum con-teuacutedo embora de natureza grandemente mltica O ano-nimato de ambos estes conjuntos de tipificaccedilotildees natildeo osimpede poreacutem de entrarem como elementos na realidadeda vida cotidiana agraves vezes de maneira muito decisivaAfinal posso sacrificar minha vida por lealdade aos PaisFundadores ou no mesmo sentido em favor das geraccedilotildeesfuturas

3 A L1NOUAOEM E O CONHECIMENTONA VIDA COTIDIANA

Iacute )A expressividade humana eacute capaz de objetivaccedilotildees isto

eacute manifesta-se em produtos da atividade humana queestatildeo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outroshomens como elementos que satildeo de um mundo comumEstas objetivaccedilotildees servem de Indices mais ou menos du-radouros dos processos subjetivos de seus produtorespermitindo que se estendam aleacutem da situaccedilatildeo face aface em que podem ser diretamentemiddot apreendidas Porexemplo uma atitude subjetiva de coacutelera eacute diretamenteexpressa na situaccedilatildeo face a face por um certo nuacutemerode indices corpoacutereos fisionomia postura geral do cor-po mo1lim~ntos especificas dos braccedilos e dos peacutes ete

I~ 1~ i ~I

1-1 I

1i~

1

~middotmiddotiIimiddotj

Estes fndices estatildeo coritinuamente ao alcance da vistana situaccedilatildeo face a face e esta eacute precisamente a razatildeopela qual me oferecem a situaccedilatildeo oacutetima para ter acessoagrave subjetividade do oulro Os mesmos fndices satildeo in-capazes de sobreviver ao presente nftido da situaccedilatildeoface a face A c6lera poreacutem pode ser objetivada pormeio de uma arma Suponhamos que tenha tido umaalteraccedilatildeo com outro homem que me deu amplas provasexpressivas de raiva contra mim Esta noite acordo comuma faca enterrada na parede em cima de minha camaA faca enquanto objeto exprime a ira do meu adversacircrioPermite-me ter acesso agrave subjetividade dele embora euestivesse dormindo quando ele lanccedilou a faca e nunca Otenha vistq porque fugiu depois de quase ter-me atingi-do Com efeito se deixar o objeto onde estaacute posso vecirc-Iode novo na manhatilde seguinte e novamente exprime paramim a coacutelera do homem que a lanccedilou Mais ainda outraspessoas podem vir e olhar a faca chegando agrave mesmaconclusatildeo Noutras palavras a faca em minha paredelornou-se um constituinte objetivamente acessfvel da rea-lidade que partilho com meu adversaacuterio e com outroshomens Presunllvemente esta faca natildeo foi produzidacon o propoacutesito exclusivo de ser lanccedilada em mim Masexprime uma intenccedilatildeo subjetiva de violecircncia quer moti-vada pela coacutelera quer por consideraccedilotildees utilitaacuterias comomatar um animal para comecirc-Ia A faca enquanto objetodo mundo realJ continua a exprimir uma intenccedilatildeo geralde cometer violencla o que eacute reconheclvel por qualquerpessoa conhecedora do que eacute uma arma Por conseguinted arma eacute ao mesmo tempo um produto humano e unta

objetivaccedilatildeo da subjetivaccedilo humana 3 1 r~alidade da vida cotidiana natildeo eacute cheia unicamentede objetiv~ccedil~~s eacute somente posslvel por causa delasEstou constantemente envolvido por objetos que proclatilde-mam as Intenccedilotildees subjetivas de meus semelhantes em-bora possa agraves vezes ter dificuldade de saber ao certoo que um objeto particular estaacute proclamando espe-cialmente se foi produzido por homens que natildeo conhecibem ou mesmo natildeo conheci de todo em situaccedilatildeo face

a face Qualquer etnoacutelogo ou arqueoacutelogo pode facilmentedar testemunho destas dificuldades mas o proacuteprio falode poder superaacute-Ias e reconstruir partindo de um arte-iato as intenccedilotildees subjetivas de homens cuja sociedadepode ter sido extinta a milecircnios eacute uma eloqnente provado duradouro poder das objetivaccedilotildees humanas

3YUm caso especial mas decisivamente importante deobjeivaccedilatildeo eacute a significaccedilatildeo isto eacute a produccedilatildeo humanade ~inais Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-vaccedilotildeespor sua intenccedilatildeo expllcita de servir de fndice designificados subjetivos Sem duacutevida todas as objetiva-ccedilotildees satildeo susceptlveis de utilizaccedilatildeo como sinais mesmoquando natildeo foram primitivamente produzidas com estaintenccedilatildeo Por exemplo uma arma pode ter sido origina-riamente produzida para o fim de caccedilar animais maspode em seguida (por exemplo num uso cerimonial)tornar-se sinal de agressividade e violecircncia em geral Mashaacute certas objelivaccedilotildees originaacuterias e expressamente des-tinadas a servir como sinais Por exemplo em vez delanccedilar a faca contra mim (ato que presumivelmente ti-nha por intenccedilatildeo matar-me mas que concebivelmentepode ter tido por intenccedilatildeo apenas significar essa possi-bilidade) meu adversaacuterio poderia ter pintado um X negroem minha porta sinaf admitamos de estarmos agoraoficialmente em estado de inimizade Este sinal cujafinalidade natildeo vai aleacutem de indicar a intenccedilatildeo subjetivade quem o fez eacute tambeacutem objetivamente exequumliacutevel narealidade comum de que tal pessoa e eu partilhamos jun-tamente com outros homens Reconheccedilo a intenccedilatildeo queindica e o mesmo acontece com os outros homens ecom efeito eacute acesslvel ao seu produtor como lembreteobjetivo de sua intenccedilatildeo original ao faz-Io Pelo queacabamos de dizer fica claro que haacute grande imprecisatildeoentre o uso instrumental e o uso significativo de certasobjetivaccedil~es O caso especial da magia em que haacute umafusatildeo muito in1eressante desses dois usos n30 precisaser objeto de nosso interesse neste momentO

- Os sinais agrupam-se em um certo nuacutemero de siste-mas Assim haacute sistemas de sinais gesticulat6rios de mo-

vimentos corporais padronizados de vaacuterios conjuntos deartefatos materiais ete Os sinais e os sistemas de sinaissatildeo objetivaccedilotildees no sentido de serem objetivamente aces-siacuteveis aleacutem da expressatildeo de intenccedilotildees subjetivas aqui eagora Esta capacidade de se destacar das expressotildeesimediatas da subjetividade tambeacutem pertence aos sinaisque requerem a presenccedila mediatizante do corpo Assimexecutar uma danccedila que significa intenccedilatildeo agressiva eacutecoisa completamente diferente de dar berros ou cerraros punhos num acesso de c6lera Estes uacuteltimos atos ex-primem minha subjetividade aqui e agora enquantoos primeiros podem ser inteiramente destacados destasubjetividade posso natildeo estar de todo zangado ou agres-sivo ateacute este ponto mas simplesmente tomando parte nadanccedila porque me pagam para fazer isso por conta deuma outra pessoa que estaacute encolerizada Em outras pa-lavras a danccedila pode ser destacada da subjetividade dodanccedilarino ao passo que os berras do indivfduo natildeo po-dem Tanto a danccedila como o tom desabrido da voz satildeomanifestaccedilotildees de expressividade corporal mas somentea primeira tem c~raacuteter de sinal objetivamente acesslvelOs sinais e os sistemas de sinais satildeo todos carordf~tecizaCcedil1ospelo desprendimento mas natildeo podem seacuter diferenciadosen1 termos do grau em que se podem desprender dordfisituaccedilotildees face a face Assim uma danccedila eacute evidentementemenos destacada do que um artefato material que sigmiddotnifique a mesma intenccedilatildeo subjetiyamiddot

A linguagem que pode ser aqui definida como sistemade sinais vocais eacute o mais importante sistema de sinaisda sociedade humana Seu fundamento naturalmenteencontra-se na capacidade intrrnseca do organismo humano de expressividade vocal mas soacute podemos comeccedilara falar de linguagem quando as expressotildees vocais torna-ram-se capazes de se destacarem dOS estados subjetivosimediatos aqui e agora Natildeo eacute ainda linguagem serosno grunho uivo ou assobio embora estas expressotildeesvocais sejam capazes de se tornarem lingOlsticas na me-dida em que se integram em um sistema de sinais ob-jetivamente praticaacutevel As objetivaccedilotildees comuns da vida

cotidiana satildeo manlidas primordialmente pela significaccedilatildeoIingiacuteUstica A vida cotidiana eacute sO~)Cl~tudoa vida com aIingL~gem e por meio dela de que participo com meussemelhantes A compreensatildeo da linguagem eacute por issoessencial para minha compreensatildeo da realidade da vidacotidiana

31A linguagem tem origem na situaccedilatildeo face a face maspode ser facilmente destacada desta Isto natildeo ecirc somenteporque posso gritar no escuro ou agrave distacircncia falar pelotelefone ou pelo raacutedio ou transmitir um significado lin-guumliacutestica por meio da escrita (esta constitui por assimdizer um sistema de sinais de segundo grau) O desta-ccedilamenfo da linguagem consiste multo mais fundamental-mente em sua capacidade de comunicar significados quenatildeo s30 expressotildees diretas da subjetividade aqui eagora Participa desta capacidade justamente com ou-tros sistemas de sinais mas sua imensa variedade ecomplexidade tornam-no muito mais facilmente destacaacutevelda situaccedilatildeo face a face do que qualquer outro (porexemplo um sistema de gestos) Posso falar de inume-_iaacuteveis assuntos que natildeo estatildeo de modo algum presentesna situaccedilatildeo face a face lnclusive assuntos dos quaisnunca tive nem terei experiecircncia direta Deste modo alinguagem eacute capaz de se tornar o repositoacuterio objetivode vastas acumulaccedilotildees de significados e experiecircnciasque pode entatildeo preservar no tempo e transmitir agraves gera-ccedilotildees seguintes

3~Na situaccedilatildeo face a face a linguagem possui uma qua-lidade inerente de reciprocidade que a distingue de qual-quer outro sistema de sinais A contfnua produccedilatildeo desinais vocais na conversa pode ser sincronizada de modosensivel com as intenccedilotildees subjetivas em Curso dos parti-cipantes da conversa Falo como penso e o mesmo fazmeu lnterlocutor na conversa Ambos ouvimos o que ca-da qual diz virtualmente no mesmo instante o que tornaposslvel o continuo sincronizado e reclproco acesso agravesnossas duas subjetividades uma aproximaccedilatildeo intersub-jetiva na situaccedilatildeo face a face que nenhum outro sistemade sinais pode reproduzir Mais ainda ouccedilo a mim mesmo

)medida qu~ f~Io Mesproacuteprios significados subjetivostornam~se objetiva e conhnuamente alcanccedilaacuteveis por mime ipso facto passam a ser mais reais para mim Outramaneira de dizer a mesma coisa eacute lembrar o que foidito antes sobre meu melhor conhecimento do outro~m comparaccedilatildeo com o conhecimento de mim mesmo nasituaccedilatildeo face a face Este fato aparentemente paradoxalfoi anteriormente explicado pela acessibilidade maciccedilacontinua e preacute-reflexiva do ser do outro na situaccedilatildeoface a face comparada com a exigecircncia de refl~xatildeo paraalcanccedilar meu proacuteprio ser Ora ao objetivar meu proacuteprioser por meio da linguagem meu proacuteprio ser torna-semaciccedila e continuamente acessivel a mim ao mesmo tempoque se torna assim alcanccedilaacutevel pelo outro e posso espon~taneamente responder a esse ser sem a interrupccedilatildeo dareflexatildeo deliberada Pode dizer-se por conseguinte quea linguagem faz mais real minha subjetividade natildeosomente para meu interlocutor mas tambeacutem para mimmesmo Esta capacidade da linguagem de cristalizar eestabilizar para mim minha proacutepria subje1ividade eacute con-servada (embora com modificaccedilotildees) quando a linguagemse destaca da situaccedilatildeo face a face Esta caracteriacutesticamuito importante da linguagem eacute bem retratada no ditadoque diz deverem os homens falarem de si mesmos ateacute seconhecerem a si mesmos

~ 131Aacute linguagem tem origem e encontra sua referecircnciaprimaacuteria na yi~_acotidiana referindo-se sobretucto- agrave reaIidideacute que experimento na consciecircncia em estado de vi-gilia que eacute domtnadil pQr motivos pragmaacutetjc~s (istoacute e oaglomerado de significados diretamente referentes a accedilotildeespresentes ou futuras) e_que partilho com outros de umamaneira suposta ev~d~t~middot Embora a liacuteriguumlilgem possatambecircm ser empregada para se referir a outras realida-des o que seraacute discutido a seguir dentro em breve con-serva mesmo assim seu arraigamento na realidade dosenso comum da vida diaacuteria Sendo um sistema de sinais_~ Ii~guagem tem a qualidadeacute da objetividade Enco~a linguagem coino uma facticidade externa aacute mim exef

I

cendo efeitos coercitivos sobre mim A Iinguagem-fo-rccedila-

me a entrar em seus padrotildees Natildeo posso usar as re-gras da sintaxe alematilde quando falo inglecircs Natildeo possousar palavras inventadas por meu filho de trecircs anos deidade se quiser me comunicar com pessoas de fora dafamllia Tenho de levar em consideraccedilatildeo os padrotildees do-minantes da fala correta nas vaacuterias ocasiotildees mesmo sepreferisse meus padrotildees lIimproacuteprios privados A lin-guagem me fornece a imediata possibilidade de continuaobjetivaccedilatildeo de minha experiecircncia em desenvolvimentoEm outras palavras a linguagem eacute flexivelmente expan-siva de modo que me permite objetivar um grande nuacutemiddot

mero de experiinclas que encontro em meu caminho nocurso da vida A linguagem tambeacutem tipifica as experiecircn-cias permitindo-me agrupaacute~las em amplas categoriasem termos das quais tem sentido natildeo somente para mimmas tambeacutem para meus semelhantes Ao mesmo tempo

middotem que tipifica tambeacutem torna anOnimas as experiecircnciaspois as experiecircncias tipificadas podem em principio serrepetidas por qualquer pessoa incluiacuteda na categoria emquestatildeo Por exemplo tenho um briga com minha sograEsta experiecircncia concreta e subjetivamente uacutenica tipifica-se lingalsticamente sob a categoria de aborrecimento comminha sogra Nesta tipificaccedilatildeo tem sentido para mimpara os outros e presumivelmente para minha sogra Amesma tipificaccedilatildeo poreacutem acarreta o anonimato Natildeoapenas eu mas qualquer um (mais exatamente qualquerum na categoria dos genroS) pode ler aborrecimentoscom a sogra Desta maneira minhas experiecircncias bio~gratildeficas estatildeo sendo continuamente reunidas em ordensgerais de significados objetiva e subjetivamente reais

L60 pevido a esta capacidade de transcender o aqui eagora a linguagem estabelece pontes entre diferenteszonas dentro da realidade da vida cotidiana e as fntegraem uma totalidade dotada de sentido As transcendecircnciastecircm dimensotildees espaciais temporais e sociais Por meioda linguagem posso transcender o hiato entre minhaaacuterea de atuaccedilatildeo e a do oulro posso sincronizar minhasequumlecircncia biograacutefica temporal com a dele e posso con-versar com ele a respeito de indiviacuteduos e coletividades

IIi~

ii Ii

Iii jf

COnl lS quais natildeo estamos agora em interaccedilatildeo face aface Como resrrttado destas transcendecircncias a lingua-gem ecirc ~apaz de tornar presente uumlma graiacuteitle vatiedadede objetos que estatildeo espacial temporal -e soElalOacuteIacuteenteausentes do aqui e agora Ipso facto uma vasta acu-mulaccedilatildeo de experiecircncias e significaccedilotildees podem ser ob-jetivadas no aqui e agora Dito de maneira simplespor meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua-lizado em qualquer momento Este poder que a lingua-gem tem de transcender e Integrar conserva-se mesmoquando natildeo estou realmente conversando com outra pes-soa Mediante a objetivaacuteccedilatildeo Iinguumlfstica mesmo quandoestou falando comigo mesmo no pensamento solitaacuterioum mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquermomento No que diz respeito agraves relaccedilotildees sociais a lin-guagem torna presente a mim natildeo somente os seme-lhantes que estatildeo fisicamente ausentes no momento masindiylduos no passado refembrado ou reconstiturdo assimcomo outros projetados como figuras imaginaacuterias no fu-turo Todas estas presenccedilas podem ser altamente dCcedill-tadas de sentido evidentemente na contiacutenua realidade-qa vida cotidiana

lI)Ainda mais a linguagem eacute capaz de tra nscender com-pletamente a realidade da vida cotidiana Pode referir-sea experiecircncias pertencentes a aacutereas limitadas de signifi-caccedilatildeo e ~barcar esferas da realidade separadas Porexemplo posso interpretar o significado de um sonhointegrando-o Iinguumlisticament~ na ordem da vida cotidianaEsta integraccedilatildeo transpotildee a distinta realidade do sonhopara a realidade da vida cotidiana tornando-a ~um en-clave dentro desta uacuteltima O sonho fica agora dotado desentido em termos da realidade da vida cotidiana em vezde ser entendido em termos de sua proacutepria realidadeparticular Os enclaves produzidos por esta transposiccedilatildeopertencem em certo sentido a ambas as esferas da rea-lidade Estatildeo localizados em uma realidade mas re-ferem-se a outra

~ LQualqller tema significativo quemiddot abrange assim_es~-ras da realidade pode ser definido como um sfmbolo

e a maneira IingUlstica pela qual se realiza esta transcendecircncia pod~ ser chamada de linguagem simboacutelica AQnlvel do simbolismo por conseguinte a significaccedilatildeo lln-gUistica alcanccedila o maacuteximo desprendimento do aqui eagora da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a re-giotildees que satildeo inacessiveis natildeo somente de facto mastambeacutem a priori agrave experincia cotidiana A linguagcmconstroacutei entatildeo imensos edifiacutecios de representaccedilatildeo sim-boacutelica que parecem elevar-se sobre a realidade da vidacotidiana como gigantescas presenccedilas de um outro mundoA religiatildeo a filosofia a arte e a ciecircncia satildeo os sistemasde siacutembolos historicamente mais importantes deste gecirc-nero A simples menccedilatildeo destes temas jaacute representa dizerquumlc apesar do maacuteximo desprcndimento da experiecircnciacotidiana que a construccedilatildeo desses sistemas requer podemter na verdade grande importacircncia para a realidade davida cotidiana A linguagem eacute capaz natildeo somente geconstruir siacutembolos altamente abstraiacutedos da experincladiaacuteria mas tambeacutem de fazer retornar estes siacutembolosapresentando~os como elementos objetivamente reais naviacuteda cotidiana Desta maneira o simbolismo e a Jingua-

gem simboacutelica tornam-se componentes essenciais da rea-lidade da vida cotidiana e da apreensatildeo pelo senso co-mum desta realidade Vivo em um mundo de sinais eslmbolos todos os dias1 linguagem constroacutei campos semacircnticos ou zonas designificaccedilatildeo Iinguumlisticamente circunscritas O vocabulaacuterioa gramaacutetica e a sintaxe estatildeo engrenadas na organizaccedilatildeodesses campos semacircnticos Assim a linguagem constr6iesquemas de classificaccedilatildeo para diferenciar os objetos em I

gecircnero (coisa muito diferente do sexo estaacute claro) ouem nuacutemero formas para realizar enunciados da accedilatildeopor oposiccedilatildeo a enunciados do ser i modos de indicargraus de intimidade social etc Por exemplo nas liacutenguasque distinguem o discurso iacutentimo do formal por meio depronomes (tais como lu e vous em francecircs ou du e $ieem alematildeo) esta distinccedilatildeo marca as coordenadas de umcampo semacircntico que poderia chamarmiddotse zona de intimi-dade Situa-se aqui o mundo do tutoiement ou da Bru-

derschaft com uma rica coleccedilatildeo de significados que mesatildeo continuamente aproveitacircveis para a ortienaccedilatildeo deminha experiecircncia social Um campo semacircntico desta es~peacutecie tambeacutem existe estaacute ciaro para o falante do inglecircsembora seja mais circunscrito IiacutengUisticamente Ou paradar outro exemplo a soma das objetivaccedilotildees lingUlsticasreferentes agrave minha ocupaccedilatildeo constitui outro campo se-macircntico que ordena de maneira significativa 10~os osacontecimentos de rotina que encontro em meu trabalhodiaacuterio Nos campos semacircnticos assim construidos a ex-periecircncia tanto biograacutefica quanto hist6rica pode_ser ob-jetivada conservada e acumulada A acumulaccedilao estaacuteclaro eacute seletiva pois os campos semacircnticos determinamaquilo que seraacute retido e o que seraacute esquecido comopartes da experiecircncia total do indiviacuteduo e da sociedadeEm virlude desta acumulaccedilatildeo constitui-se um acervo so-cial de conhecimento que eacute transmitido de uma geraccedilatildeoa outra e utilizaacutevel pelo indivrduo na vida cotidianaVivo no mundo do senso comum da vida cotidiana equi-pado com corpos especIficas de conhecimento Mais ain-da sei que outros partilham ao menos em parte desteconhecimento e eles sabem que eu sei disso Minha in-teraccedilatildeo com os outros na vida cotidiana eacute por conse-guinte constantemente afetada por nossa participaccedilatildeo co-mum no acervo social disponlvel do conhecimento

Lo acervo social do conhecimento inclui o conhecimentode minha situaccedilatildeo e de seus limites Po~ exemplo seique sou pobre que por conseguinte natildeo posso esperarviver num bairro elegante Este conhecimento estaacute claroeacute partilhado tanto por aqueles que satildeo t~mbeacuteri1 pobresquanto por aqueles que se acham em situaccedilatildeo mais pri-vilegiada A participaccedilatildeo no acervo social do conheci~mento permite assim a localizaccedilatildeo dos individuos nasociedade e o manejo deles de maneira apropriadaIsto natildeo eacute posslvel p~ra quem natildeo participa deste co-nhecimento tal como o estrangeiro que natildeo pode abso-lutamente me reconhecer como pobre talvez porque oscriteacuterios de pobreza em sua sociedade sejam inteiramente

diferentes Como posso ser pobre se uso sapatos e natildeopareccedilo estar passando fome

l5 Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-maacuteticos o conhecimento receitado isto eacute o conhecimentolimitado agrave competecircncia pragmaacutetica em desempenhos derotina ocupa lugar eminente no acervo social do conhe-cimento Por exemplo uso o telefone todos os dias parameus propoacutesitos pragmaacuteticos especlficos Sei como fazerisso Tambeacutem sei o que fazer se meu telefone natildeo fun-ciona mas isto natildeo significa que saiba consertaacute-Io esim que sei para quem devo apelar pedindo assistecircnciaMeu conhecimento do telefone inclui tambeacutem uma infor-maccedilatildeo mais ampla sobre o sistema de comunicaccedilatildeo tele-focircnica por exemplo sei que algumas pessoas tecircm nuacute~meros que natildeo constam do cataacutelogo que em cerlas cIr-cunstacircncias especiais posso obter uma ligaccedilatildeo simultacircneacom duas pessoas na rede interurbana que devo contarcom a diferenccedila de tempo se quero falar com algueacutemem Hongkong e assim por diante Todo este conheci-mento telefOcircnico eacute um conhecimento receitado uma vezque natildeo se refere a nada mais senatildeo agravequilo que tenhode saber para meus propoacutesitos pragmaacuteticos presentes epossiacuteveis no futuro Natildeo me interessa saber pOr que o telefone opera dessa maneira no enorme corpo de co-nhecimento cientiacutefico e de engenharia que torna possivela construccedilatildeo dos telefones Tampouco me interessa osusos do telefone que estatildeo fora de meus propoacutesitospor exemplo amiddot combinaccedilatildeo COm as ondas curtas doraacutedio para fins de comunicaccedilatildeo marftima Igualmentetenho um conhecimento de receita do funcionamento dasrelaccedilotildees humanas Por exemplo sei o que devo fazerpar-a requerer um passaporte Soacute me interessa obter opassaporte ao final de um certo perlodo de espera Natildeome interessa nem sei como meu requerimento eacute pro-cessado nas reparticcedilotildees do governo por quem e depois deque tracircmites eacute dada a aprovaccedilatildeo que potildee o carimbo nodocumento Natildeo estou fazendo um estudo da burocraciagovernamental apenas desejo passar um perlodo de feacute-rias no estrangeiro Meu interesse nos trabalhos ocultos

do processo de obtenccedilatildeo do passaporte s6 seraacute desper-tado se deixar de conseguir meu passaporte no finaNesse ponto do mesmo modo como chamo a telefonistade auxfJio quando meu telefone estaacute com defeito chamoum perito em obtenccedilatildeo de passaportes digamos um ad-vogado ou a pessoa que me representa no Congressoou a Uniatildeo Americana das Liberdades Civis Mutatismutandis uma grande parte do acervo cultural do co-nhecimento consiste em receitas para atender a proble-mas de rotina Tipicamente tenho pouco interesse emir aleacutem deste conhecimento pragmaticamente necessaacuteriodesde que os problemas possam na verdade ser domIna-dos por este meio

~oO cabedaJ social de conhecimento diferencia a realI-dade por graus de familiaridade Fornece informaccedilatildeocomplexa e detalhada referente agravequeles setores da vidadiaacuteria com que tenho freqaentement~ de traiacutear Forneceuma informaccedilatildeo muito mais geral e imprecisa sobre se-tores mais remotos Assim meu conhecimento de minhaproacutepria ocupaccedilatildeo e seu mundo eacute muito rIco e especIficoenquanto tenho somente um conhecimento muito incom-pleto dos mundos do trabalho dos outros O estoque so-cial do conhecimento fornece-me aleacutem disso os esquemastipificadores exigidos para as principais rotinas da vidacotidiana natildeo somente as tipificaccedilotildees dos outros queforam anteriormente discutidas mas tambeacutem tipificaccedilotildeesde todas as espeacutecies de acontecimentos e experi~nclastanto sociais quanto naturais Assim vivo em um mundode parentes colegas de trabalho e funcionaacuterios puacuteblicosidentificaacuteveis Neste mundo por conseguinte experimentoreuniotildees familiares encontros profissionais e relaccedilotildeescom a polIcia de transito O pano de fundo naturaldesses acontecimentos eacute tambeacutem tiplficado no acervo deconhecimentos Meu mundo eacute estrufurado em termos derotina que se aplicam no bom ou no mau tempo naestaccedilatildeo da febre do feno e em situaccedilotildees nas quais umcisco entra debaixo de minha paacutelpebra Sei que fazercom relaccedilatildeo a todos estes outros e a todos esses aconte~cimentos de minha vida cotidiana Apresentandose a

mim como um lodo integrado o capital social do co-nhecimento fornece-me tambeacutem os meios de integrarelementos descontlnuos de meu proacuteprio conhecimentoEm oulras palavras aquilo qLJe todo mundo sabe temsua proacutepria loacutegica e a mesma loacutegica pode ser aplicadapara ordenar vaacuterias coisas que eu sei Por exemplosei que meu amigo Henry eacute inglecircs e que eacute sempre muitopontuai em chegar aos encontros marcados Como todomundo sabe que a pontualidade eacute uma caracterislicainglesa posso agora integrar estes dois elementos de meuconhecimento de Henry em uma tipificaccedilatildeo dotada desentido em termos do cabedal social do conhecimento

i1-A validade de meu conhecimento da vida cotidiana eacutesupOsta certa por mim e pelos outros afeacute nova ordemIsto eacute ateacute surgir um problema que natildeo pode ser resol-vido nos termos por ela oferecidos Enquanto meu co-nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estoudisposto a suspender qualquer duacutevida a respeito deleEm certas atitudes destacadas da realidade cotidiana _contar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar-menuma especulaccedilatildeo filosoacutefica - posso talvez pOr em duacute-vida alguns elementos dela Mas estas duacutevidas natildeo satildeopara ser levadas a seacuterio Por exemplo como homemde negoacutecios sei que vale a pena ser indelicado com osoutros Posso rir de uma pilheacuteria na qual esta maacuteximaleva agrave falecircncia posso ser movido por um ator ou umpregador exaUando as virtudes da consideraccedilatildeo e possoreconhecer em um estado de esplrito filosoacutefiCO que to-das as relaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelaRegra de Ouro Tendo rido tendo sido movido e filo-sofado retorno ao mundo seacuterio dos negoacutecios reco-nheccedilo uma vez mais a loacutegica das maacuteximas que lhe dizemrespei~o e atuo de acordo com elas Somente quandominhas maacuteximas falham em cumprir o prometido nomundo em que satildeo destinadas a serem aplicadas podemprovavelmente tornarem-se problemaacuteticas para mim liaseacuterio

ampmbora _o estoque sacia do conhecimento representeo mundo cotidiano de maneiraimegrada diferenciado

1(1

]iJ IU If

4e - acordo com zonas de familiaridade e afastamentod~lxa opaca a totalidade desse mundo Noutras pala-vras agrave iealidade da vida cotidiana sempre aparece comouma zona clara atraacutes da qual haacute um fundo de obscu-ridade Assim como certas zonas da realidade satildeo ilumi-nadas outras permanecem na sombra Natildeo posso conhe-cer tudo que haacute para conhecer a respeito desta reali-dade Mesmo se por exemplo sou aparentemente umdeacutespota onipotente em minha famllia e sei disso natildeoposso conhecer todos os fatores que entram no continuosucesso de meu despotismo Sei que minhas ordens dosempre obedecidas mas natildeo posso ter certeza de todasas fases e de todos os motivos situados entre a expedi-ccedilatildeo e a execuccedilatildeo de minhas ordens Haacute sempre coisasque se passam por traacutes de mim Isto eacute verdade afortiori quando se trata de relaccedilotildees sociais mais com-plexas que as da famllia e explica diga-se de passa-gem por que os deacutespotas satildeo endemicamente nervososMeu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidadede um instrumento que abre caminho atraveacutes de umafloresta e enquanto faz isso projeta um estreito conede luz sobre aquilo que estaacute situado logo adiante eimediatamente ao redor enquanto em todos os lados docaminho continua a haver escuridatildeo Esta imagem eacuteainda mais adequada evidentemente agraves muacuteltiplas reali-dades nas quais a vida cotidiana eacute continuamente trans-cendida Esta uacuteltima afirmaccedilatildeo pode ser parafraseadapoeticamente mesmo quando natildeo exaustivamente dizen-do que a realidade da vida cotidiana eacute toldada pelapenumbra de nossos sonhos

LMeu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se emtermos de conveniecircncias Meus interesses pragmaacuteticosimediatos determinam algumas destas enquanto outrassatildeo determinadas por minha situaccedilatildeo geral na sociedadecircE coisa que natildeo tem importacircncia para mim saber comominha mulher se arrania para cozinhar meu ensopadopreferido enquanto este for feito da maneira que meagrada Natildeo tem importacircncia para mim o fato das accedilotildeesde uma companhia estarem caindo se natildeo possuo tais

accedilotildees ou de que os catoacutelicos estatildeo modernizando suadoutrina se sou ateu ou que eacute possiacutevel agora voar semescalas ateacute a Africa se natildeo desejo ir latilde Contudo minhasestruturas de conveniecircncias cruzam as estruturas de con~veniecircncias dos outros em muitos pontos dando em re-sultado termos coisas interessantes a dizermos uns aosoutros Um elemento importante de meu conhecimento davida cotidiaruacutei eacute ltgt conhecimento das estruturas que tecircmimportacircncia para os outros Assim sei o que tenho de~Ihor a fazer do que falar ao meu meacutedico sobre meusp~~blemas de Investimentos ao meu advogado sobre mi-nhas dores causadas por uma uacutelcera ou ao meu contaMista a respeito de minha procura da verdade religiosaAs estruturas que tecircm importacircncia baacutesica referentes agravevida cotidiana satildeo apresentadas a mim jaacute prontas pelo~stoque social do proacuteprio conhecimento Sei que a cori~versa das mulheres natildeo tem importacircncia para mim comohomem que a especulaccedilatildeo ociosa eacute irrelevante paramim como homem de accedilatildeo etc Finalmente o acervosocial do conhecimento em totalidade tem sua proacutepriaestrutura de importacircncia Assim em termos do estoquede conhecimento objetlvado na sociedade americana natildeotem importacircncia estudar o movimento das estrelas parapredizer o movimento da bolsa de valores mas tem im-portacircncia estudar os lapsus Iinguae de um indivlduop~ra d~scobrir coisa sobre sua vida sexual e assim pordiante Inversamente em outras sociedades a astrologiapode ter consideraacutevel importacircncia para a economia en-quanto a anaacutelise da linguagem eacute de todo sem significaccedilatildeopara a curiosidade eroacutetica etc

~ Se~ia conv~ni~nt~ ssinalar aqui uma questatildeo final arespeito da dlstrlbulccedilao social do conhecimento Encontroo conhecimento na vida cotidiana socialmente distribui doisto eacute possuiacutedo diferentemente por diversos Indivrduo~e tipos de indivlduos Nacirco partilho meu conhecimentoigualmente com todos os meus semelhantes e pode haveralgum conhecimento que natildeo partilho com ningueacutemCompartilho minha capacidade profissional com os colegas mas natildeo com minha famfIia e natildeo posso partilhar

com ningueacutem meu conhecimento do modo de trapacearno jogo A distribuiccedilatildeo social do conhecimento de certoselementos da realidade cotidiana pode tornar-se altamente complexa e mesmo confusa para os estranhosNatildeo somente natildeo possuo o conhecimento supostamenteexigido para me curar de uma enfermidade flsica masposso mesmo natildeo ter o conhecimento de qual seja dentrea estonteante variedade de especialidades meacutedicas aquelaque pretende ter o direito sobre o que me deve CurarEm tais casos natildeo apenas peccedilo o conselho de especia-listas mas o conselho anterior de especialistas em espe-cialistas A distribuiccedilatildeo social do conhecimento comeccedilaassim com o simples fato de natildeo conhecer tudo que ecircconhecido por meus semelhantes e vice-versa e culminaem sistemas de periacutecia extraordinariamente complexose esoteacutericos O conhecimento do modo COmo o estoquedisponlvel do conhecimento eacute distribufdo pelo menos emsuas linhas gerais eacute um importante elemento deste proacute-prio estoque de conhecimento Na vida cotidiana sei aomenos grosseiramente o que posso esconder de cadapessoa a quem posso recorrer para pedir Informaccedilotildeessobre aquilo que natildeo conheccedilo e geralmente quais ostipos de conhecimento que se supotildee serem possuidos pordeterminados indiviacuteduos

nA Sociedade como Realidade

Objetiva

O HOMEM OCUPA UMA POSICcedilAacuteO PECULIAR NO REINOanimal 1 Ao contraacuterio dos outros mamiferos superioresnatildeo possui um amoiente especifico da espeacutecie um am~biente firmemente estruturado por sua proacutepria organiza-ccedilatildeo Instintiva Natildeo existe um mundo do homem no sen-tido em que se pode falar de um mundo do cachorroou de um mundo do cavalo Apesar de uma aacuterea deaprendizagem e acumulaccedilatildeo individuais o cachorro ou ocavalo individuais tecircm uma relaccedilatildeo em grande partefixa com seu ambiente do qual participa com todos osoutros membros da respectiva espeacutecie Uma conseqlUn-cia 6bvia deste fato eacute que os cachorros e os cavalos emcomparaccedilatildeo com o homem satildeo muito mais restritos auma distribuiccedilatildeo geograacutefica especifica A espec1ficldade

1 Sobre o recente trabalho blohlglco conccrnenlc bull polccedillo pecultlr dohomem no reino animal f Jakob van Uuktlll BldlalunfIhrl (Hlmmiddotbllrlo Rowohll 19581 fio J J BurtcndlJk Itfnuh lInd Tllr IHlmbufloRowohll lQ58) Adolf Porlmlnn ZofI und dor nl bullbull BId pm MCIIhl(HalllblllrO Rowohll 1956) As mil [mporlanlCl Ivlllaccedilae deuu penopeUva blol6lflCat IClundo uma antropologia fllos61lcI tio 11 de HelrnulhPleSler (Dle Sufell de OrfonIJchlI und dtr M tsch 1928 e 19Ii~l CATnold Ochlen (Der MIII Itfl nc Nallr Ulld bullbull IIlI SIltuni 111 der Wtil194D e 1950) Foi Oeh1cn que levou adiante eslas perspectlvas em lrmOlde lima teorlll todol6gtclI dI InslllutCcedilael Icspeclalmcnl em eu Urmtnchund SptllllIltur 1950) Para urna Inlroduccedilllo a cate Olllmo cf Pcler LBerger e Hansfrlcd Kellnr ~Arno[d Oehlcn and lhe Theorr 01 IntIlUlloflSocIal RCltllrch 32 I 110 (1965)

O tUlIIO Mlmblente elpeclllco da e5p~de~ IDI tirado de VOn UexkDII

  • BERGER P L A construccedilatildeo social da realidade0001pdf
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