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A CONTRATAÇÃO INTEGRADA NO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÃO (LEI 12.462/2011) Guilherme F. Dias Reisdorfer Mestrando em Direito do Estado pela USP Advogado de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini 1. Introdução A Lei 12.462/2011 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Por meio dele, são estabelecidas regras específicas para licitação e contratação de serviços e bens necessários à realização dos eventos esportivos que o país receberá a partir de 2013. O art. 1º da Lei define que as contratações regidas pelo RDC devem ser vinculadas: (i) aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; e (ii) à Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo 2014. No primeiro caso, competirá à Autoridade Pública Olímpica (APO) definir as contratações a serem incluídas no RDC (Carteira de Projetos Olímpicos), cabendo considerar, neste ponto, também a incidência do art. 65 da Lei 12.462. 1 No segundo caso, a incumbência de decidir quais contratações serão submetidas ao RDC caberá ao Grupo Executivo Gecopa 2014 do Comitê Gestor. O novo regime será aplicado também às obras de infraestrutura e aos serviços relacionados aos aeroportos das capitais dos estados federados que distem até 350 quilômetros das cidades sedes dos eventos esportivos (art. 1º, inc. III, da Lei 12.462). O RDC prevê diversas inovações em relação ao regime jurídico instituído pela Lei 8.666/1993. Uma das alterações consiste na previsão de um novo regime de execução contratual a contratação integrada. O presente texto propõe-se a tratar de algumas das características e das possíveis implicações que podem decorrer da adoção desse novo regime no processo de licitação e na execução do contrato. 2. Características e pressupostos de adoção do regime de contratação integrada De acordo com o art. 9º, § 1º, da Lei 12.462, a contratação integrada “compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e 1 A redação do art. 65 é a seguinte: “Até que a Autoridade Pública Olímpica defina a Carteira de Projetos Olímpicos, aplica-se, excepcionalmente, o disposto nesta Lei às contratações decorrentes do inciso I do art. 1º desta Lei, desde que sejam imprescindíveis para o cumprimento das obrigações assumidas perante o Comitê Olímpico Internacional e o Comitê Paraolímpico Internacional, e sua necessidade seja fundamentada pelo contratante da obra ou serviço”.

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A CONTRATAÇÃO INTEGRADA NO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÃO (LEI 12.462/2011)

Guilherme F. Dias Reisdorfer

Mestrando em Direito do Estado pela USP Advogado de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini

1. Introdução

A Lei 12.462/2011 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Por meio dele, são estabelecidas regras específicas para licitação e contratação de serviços e bens necessários à realização dos eventos esportivos que o país receberá a partir de 2013.

O art. 1º da Lei define que as contratações regidas pelo RDC devem ser vinculadas: (i) aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; e (ii) à Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo 2014. No primeiro caso, competirá à Autoridade Pública Olímpica (APO) definir as contratações a serem incluídas no RDC (Carteira de Projetos Olímpicos), cabendo considerar, neste ponto, também a incidência do art. 65 da Lei 12.462.1 No segundo caso, a incumbência de decidir quais contratações serão submetidas ao RDC caberá ao Grupo Executivo – Gecopa 2014 do Comitê Gestor.

O novo regime será aplicado também às obras de infraestrutura e aos serviços relacionados aos aeroportos das capitais dos estados federados que distem até 350 quilômetros das cidades sedes dos eventos esportivos (art. 1º, inc. III, da Lei 12.462).

O RDC prevê diversas inovações em relação ao regime jurídico instituído pela Lei 8.666/1993. Uma das alterações consiste na previsão de um novo regime de execução contratual – a contratação integrada. O presente texto propõe-se a tratar de algumas das características e das possíveis implicações que podem decorrer da adoção desse novo regime no processo de licitação e na execução do contrato.

2. Características e pressupostos de adoção do regime de contratação integrada

De acordo com o art. 9º, § 1º, da Lei 12.462, a contratação integrada “compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e

1 A redação do art. 65 é a seguinte: “Até que a Autoridade Pública Olímpica defina a Carteira

de Projetos Olímpicos, aplica-se, excepcionalmente, o disposto nesta Lei às contratações decorrentes do inciso I do art. 1º desta Lei, desde que sejam imprescindíveis para o cumprimento das obrigações assumidas perante o Comitê Olímpico Internacional e o Comitê Paraolímpico Internacional, e sua necessidade seja fundamentada pelo contratante da obra ou serviço”.

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executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto”. Trata-se de solução similar à já indicada no Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobrás, prevista nos seguintes termos: “Sempre que economicamente recomendável, a PETROBRÁS poderá utilizar-se da contratação integrada, compreendendo realização de projeto básico e/ou detalhamento, realização de obras e serviços, montagem, execução de testes, pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, com a solidez e segurança especificadas” (item 1.9).

No RDC, a contratação integrada é reservada para a execução de obras e serviços de engenharia (art. 9º, caput). A adoção desse regime é preferencial para serviços e obras de engenharia (art. 8º, § 1º), ao lado dos regimes de empreitada integral e por preço global.

O ponto de identidade entre esses três regimes reside em que eles devem ser em regra reservados a prestações contratuais não fracionáveis, isto é, a objetos que devem ser executados de forma conjunta ou unitária. Utilizam-se esses regimes quando, por razões técnicas ou econômicas, afasta-se a viabilidade de licitar parcelas desses serviços ou obras de engenharia como unidades autônomas. É o que se extrai da leitura conjugada dos arts. 8º, § 1º, e 11, § 2º, da Lei 12.462: enquanto o primeiro dispositivo prevê que as obras e serviços de engenharia devem ser contratados preferencialmente mediante a adoção dos regimes acima mencionados, o segundo esclarece que tais prestações não podem ser objeto de contratação simultânea de mais de uma empresa para o objeto contratado. Ou seja: devem ser desenvolvidas de forma unitária.

A rigor, as maiores semelhanças encontram-se sobretudo entre os regimes de contratação integrada e empreitada integral. De acordo com o art. 2º, inc. I, da Lei 12.462, a empreitada integral é aplicável quando o objeto da contratação abrange a totalidade das etapas de obras, serviços e instalações, sendo responsabilidade da contratada entregar a obra em condições de operação de acordo com os requisitos necessários. Estes requisitos, no entanto, são prefixados pelo Poder Público, visto que os projetos constituem encargo seu. Salvo quando se contrata a formulação do projeto executivo, apenas a execução da obra ou do serviço é transferida ao particular.

De forma similar, no regime de contratação integrada o particular será responsável pela “execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto”. O ponto comum entre os regimes de empreitada integral e de contratação integrada, como se vê, consiste no propósito comum de conferir uma margem de autonomia mais ampla ao particular em relação à concepção da prestação a ser executada2.

Mas a margem de autonomia do particular na contratação integrada é ainda mais ampla do que aquela relativa à empreitada integral. Tendo em vista

2 A respeito da empreitada integral, Marçal Justen Filho aponta que se trata de regime

adequado “nas hipóteses de objetos dotados de elevada carga de complexidade, em que a Administração não dispõe de condições de identificar, de modo preciso e exato, as etapas, as tecnologias e os custos mais adequados. A empreitada integral propicia, nesses casos, que a Administração atribua aos licitantes uma margem mais ampla de autonomia para conceber soluções complexas e heterogêneas” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 131).

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o disposto no art. 9º, § 1º, da Lei 12.462, pode-se dizer que a contratação integrada abrange os mesmos encargos da empreitada integral, com o acréscimo da participação do particular na própria concepção do projeto básico do objeto contratado. Caberá ao contratado desenvolver os projetos básico e executivo da obra ou do serviço a ser executado.

A previsão de transferência do encargo de formular o projeto básico para contratações de serviços de engenharia não é inovadora no direito brasileiro. Além da hipótese prevista no Regulamento da Petrobrás, acima indicada, já se admitia essa sistemática para os contratos de concessão, que podem ser licitados com a mera especificação de “elementos do projeto básico” no edital (art. 18, inc. XV, Lei 8.987/1995).

Essas contratações são inspiradas por uma lógica de cooperação mais acentuada. Isto se dá na medida em que o particular é chamado a participar da concepção da prestação a ser contratada. Reputa-se que, por um lado, o envolvimento do parceiro privado na elaboração do projeto pode possibilitar a obtenção de ganhos de eficiência na execução do contrato, dada a sua potencial expertise. Parte-se da premissa de que “a possibilidade de produção de ganhos de eficiência é diretamente proporcional à abrangência das responsabilidades transferidas pelo contrato ao parceiro privado. Ou seja, quanto maior o conjunto de atividades delegadas ao parceiro privado, maior espaço ele terá para aumentar a eficiência na prestação do serviço”.3 Por outro lado, promove-se o deslocamento de uma parcela maior dos riscos relativos à execução do contrato ao particular, na proporcional medida das novas responsabilidades assumidas em razão da concepção do projeto a ser implementado.

Assim como ocorre com os demais regimes, a utilização da contratação integrada pela Administração Pública não é livre. Tal como os demais regimes de empreitada devem ter a sua utilização motivada, o art. 9º da Lei 12.462 impõe que a utilização da contratação integrada só será possível se “técnica e economicamente justificada”. Significa dizer que a Administração Pública deve demonstrar a viabilidade e a utilidade técnica de atribuir ao particular a elaboração dos projetos. É necessário apontar também as possíveis vantagens econômicas decorrentes da adoção de tal regime. Como observa Cesar A. Guimarães Pereira a respeito da opção por um ou outro regime de contratação, “há o dever legal de identificar razões (ou seja, de expor fatos e demonstrar seu enquadramento jurídico) que justifiquem a opção por esse instrumento de atuação estatal. Tais razões são vinculantes e controláveis. Não se inserem em um campo de suposta discricionariedade técnica – ainda que possam envolver apreciações técnicas, as quais a Administração deve demonstrar com transparência”.4

Em síntese, a adoção da contratação integrada pode justificar-se a partir da demonstração de que ela constitui solução mais eficiente em determinado

3 RIBEIRO, Mauricio Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de PPP – parceria

público-privada: fundamentos econômico-jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 268. Ainda segundo os autores, “um elemento importante para a geração de eficiência em PPPs e concessões comuns é a transferência para o parceiro privado da obrigação de desenvolver o projeto básico de engenharia, em conjunto com a realização da obra” (p. 268).

4 O Processo Licitatório das Parceiras Público-Privadas (PPP) na Lei 11.079/2004. In:

TALAMINI, Eduardo; JUSTEN, Monica Spezia (org.). Parcerias Público-Privadas: um enfoque multidisciplinar. São Paulo: RT, 2005, p. 219.

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caso – seja porque mais econômica, seja por possibilitar agregar maior qualidade técnica à futura contratação.

3. Peculiaridades da licitação: a definição do objeto licitado e a análise das propostas

3.1. A questão do planejamento da licitação e do futuro contrato

Um dos principais problemas historicamente apontados nas licitações públicas diz respeito ao planejamento falho ou incompleto das contratações públicas. A Lei 8.666 estabelece uma série de diretrizes e regras para o planejamento da futura contratação. Permite que se licite um determinado objeto apenas a partir da existência de um projeto básico, podendo o desenvolvimento do projeto executivo ser concomitante à execução do contrato (art. 7º, § 1º). Contudo, não raro constata-se no curso do contrato a formulação equivocada do projeto básico. É recorrente que os contratantes deparem-se com algum aspecto defasado ou, mesmo, com algum erro ou imprecisão no projeto originalmente licitado. Isto acaba por impor a revisão do contrato e a ampliação dos custos inicialmente previstos.

3.2. A caracterização do projeto básico e as funções por ele desempenhadas

O projeto básico pressupõe estudos técnicos preliminares empreendidos pela Administração. De acordo com a Resolução 361/91 do CONFEA, “O Projeto Básico é uma fase perfeitamente definida de um conjunto mais abrangente de estudos e projetos, precedido por estudos preliminares, anteprojeto, estudos de viabilidade técnica, econômica e avaliação de impacto ambiental, e sucedido pela fase de projeto executivo ou detalhamento” (art. 2º).

O projeto básico deve ser composto por um conjunto mínimo de elementos suficientes para identificar a prestação a ser realizada. Por meio dele, são caracterizados os serviços a serem executados e os materiais necessários para o cumprimento do contrato. Do projeto deverão constar uma análise do objeto contratual sob a perspectiva ambiental e da viabilidade técnica e econômica do empreendimento. Por isso, o projeto básico deve conter “soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a restringir a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem a situações devidamente comprovadas em ato motivado da administração pública” (art. 2º, par. ún., inc. II, Lei 12.462). Ademais, o projeto básico pressupõe orçamento detalhado baseado nos estudos e levantamentos feitos pela Administração (art. 2º, par. ún., inc. VI).

Nos termos da Lei 12.462, os dados contidos no projeto básico devem possibilitar ainda “o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra” (art. 2º, par. ún., inc. IV), bem como a “montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos” (art. 2º, par. ún., inc. V).

Daí porque é tão destacada pelos órgãos de controle a necessidade de elaboração de um projeto básico suficiente. Sob a perspectiva da Administração Pública, o projeto básico é relevante porque confirma a viabilidade, proporciona certa estabilidade e constitui uma pauta de controle do futuro contrato; possibilita uma estimativa mais precisa dos gastos que deverão

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ser assumidos e, em tese, evita a “manipulação indevida no contrato”5 a partir de alterações supervenientes. Já para os particulares interessados em contratar com a licitação, o projeto básico permite identificar o objeto licitado e confirmar a viabilidade de sua execução. É por meio dele, enfim, que se dá o conhecimento do que “a Administração busca contratar, propiciando, assim, condições isonômicas de competitividade”.6

3.3. A questão da dispensa do projeto básico e as consequências decorrentes

Em face do regime da Lei 8.666, a principal inovação prevista na Lei 12.462 para a licitação de contratação integrada consiste na dispensa de projeto básico como componente do instrumento convocatório do certame. Para substituí-lo, o edital deverá ser integrado por “anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço” (art. 9º, § 2º, inc. I).

Como acima se indicou, a contratação integrada retrata a intenção de promover a licitação com um grau maior de flexibilidade, já admitido para os contratos de concessão. Em relação a estes, admite-se a licitação embasada em “elementos do projeto básico” (art. 18, inc. XV, Lei 8.987). A essa pretendida flexibilidade agrega-se um componente de incerteza, resultante da maior lassidão na definição dos aspectos da prestação a ser contratada. Ao dispensar a existência de projeto básico, a contratação integrada permite o processamento de uma licitação na qual a Administração Pública disporá de menos dados para o controle das propostas.

Ocorre que, se por um lado a relativa incerteza resultante não é desejável a priori, por outro ela permite a um só tempo absorver para o âmbito administrativo soluções técnicas inovadoras e remeter os riscos de projeto ao futuro contratado. A solução que a Lei 12.462 oferece é a de dispensar a existência de projeto básico no edital, mas, paralelamente, atribuir ao particular a responsabilidade pela sua edição. A lógica da contratação integrada é a de atribuir uma responsabilidade maior ao particular e diminuir os riscos assumidos pela Administração Pública em uma atividade que, em tese – segundo apurado nos estudos iniciais empreendidos em âmbito administrativo –, pode ser mais bem desempenhada pela iniciativa privada. Porém, evidentemente a alocação de riscos em cada situação concreta depende dos termos específicos de cada contrato. Não é possível presumir a extensão da responsabilidade do contratado por questões ligadas ao projeto básico. A definição dependerá das condições, informações e dados incluídos pela Administração no ato convocatório.

Em termos financeiros, a alocação dos riscos de projeto ao particular confere maior estabilidade à Administração. Como regra geral, no caso de necessidade de revisão de projetos, ela não terá de assumir a responsabilidade pelos custos decorrentes. Logo, o risco que é assumido na Lei 8.666 pela Administração (eventual necessidade de reformulação das especificações técnicas do objeto a ser executado), e que deveria ser minimizado por meio do

5 TCU, Acórdão nº 2.737/2009, Plenário, rel. Min. Raimundo Carreiro, j. 18/11/2009, Dou

20/11/2009.

6 TCU, Acórdão nº 1.564/2009, Plenário, rel. Min. André Luís de Carvalho, j. 15/07/2009, Dou

17/07/2009. Nos termos desta decisão, “a sua incompletude [do projeto básico] pode resultar em restrição ao caráter competitivo do processo licitatório”.

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projeto básico, pode ser, em certa medida, atribuído ao particular na contratação integrada.

Entretanto, não há uma transferência automática e plena de riscos: a admissão da contratação integrada também passa pela “idéia segundo a qual a transferência de riscos não deve ser total, mas ser objeto de um compromisso: cada tipo de risco deve ser transferido à parte em melhores condições de assumi-lo”.7 Cabe, portanto, ao Poder Público responsabilizar-se por caracterizar e definir aspectos do objeto a ser contratado, relegando determinadas especificações técnicas dos projetos ao particular, desde que se chegue à conclusão de que o contratado poderá elaborar os projetos da futura contratação de forma mais eficiente. É imperativo, repita-se, demonstrar de modo objetivo que a contratação integrada permite atingir um ajuste contratual mais vantajoso. O desafio que se põe é o de compatibilizar as contratações integradas com a segurança e as vias de controle necessárias para o acompanhamento da execução do contrato por parte da Administração Pública.

Como se vê, nem o modelo da Lei 8.666 nem o da Lei 12.462 oferecem soluções isentas de riscos. Aliás, nenhum processo de contratação é apto a eliminar por completo os riscos a ele subjacentes. O que é possível é minimizar os riscos (como o risco político, que pode resultar de conduta cambiante da própria Administração ao longo do contrato) e alocá-los segundo as vocações das partes contratantes. Por isso, é relevante que o contrato disponha sobre as responsabilidades assumidas por cada parte de forma analítica, e não meramente remissiva ao texto legal. Trata-se de medida que aumenta a transparência do ajuste, inclusive para fins de controle, e confere maior segurança à relação entre os contratantes.8

3.4. O anteprojeto de engenharia

A ausência do projeto básico não pode, por evidente, significar que a Administração Pública estará autorizada a promover uma licitação lacônica ou com objeto indefinido. Daí a alusão pela Lei 12.462 ao anteprojeto de engenharia.

Tal documento não possui a mesma abrangência das funções do projeto básico. As suas características são previstas nas alíneas do art. 9º, § 2º, inc. I, da Lei 12.462. O anteprojeto deve demonstrar e justificar as necessidades a serem atendidas, bem como conter uma previsão dos investimentos correspondentes (alínea a). Além disso, por meio dele a Administração deve fixar parâmetros de qualidade da obra – “condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega” (alínea b), “a estética do projeto arquitetônico” (alínea c) e “os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade” (alínea d).

Em qualquer caso, o anteprojeto de engenharia pressupõe um exame da viabilidade técnica, econômica e ambiental (inclusive no tocante ao meio ambiente urbano – art. 4º, § 1º, IV, Lei 12.462) do futuro empreendimento. Sem

7 COSSALTER, Phillipe. A “Private Finance Initiative”. In: Revista de Direito Público da

Economia, n. 06. Belo Horizonte: Fórum, abr./jun. 2004, p. 146.

8 Daí porque se afirma que, “em se tratando de riscos, três posturas são relevantes:

administrar, evitar ou transferir. Se existem riscos (e eles sempre existirão) essas medidas passam a ser relevantes” (NÓBREGA, Marcos. Riscos em projetos de infraestrutura: incompletude contratual; concessões de serviços públicos e PPPs. In: Revista Brasileira de Direito Público, n. 28. Belo Horizonte: Fórum, jan./mar. 2010, p. 80).

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esse exame, sequer será possível à Administração Pública justificar a adoção do regime de contratação integrada.

Logo, não há como estabelecer uma dicotomia que considere os conceitos de “projeto básico” e de “anteprojeto de engenharia” antagônicos. O afastamento da exigência de projeto básico no curso do certame não resulta em dispensar que o anteprojeto de engenharia identifique o objeto licitado e acabe por exercer algumas das funções do projeto básico. Tome-se como exemplo a necessidade de o projeto básico “caracterizar a obra ou serviço de engenharia, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares” (art. 2º, inc. IV, al. a, da Lei 12.462). A mesma função é atribuída ao anteprojeto de engenharia (art. 9º, § 2º, inc. I, al. a, da Lei 12.462), que deverá ser integrado dos documentos técnicos necessários e suficientes para tanto.

Do mesmo modo, a Administração deverá estimar o impacto ambiental e identificar toda e qualquer especificação cuja observância seja necessária (cogente) para a realização dos projetos e posterior execução da obra ou serviço no caso da contratação integrada. Os estudos preliminares, que darão embasamento ao anteprojeto de engenharia e à estimativa de custos imprescindível para a licitação, devem conter elementos mínimos que viabilizem a caracterização do objeto a ser contratado e possibilitem a formulação dos projetos segundo as pautas pretendidas.

Em suma, será essencial e imprescindível que o edital da contratação integrada disponha de um grau de objetividade suficiente para possibilitar: (i) a identificação do objeto licitado; e (ii) a elaboração, a seleção e o controle das propostas. É a estipulação concreta de critérios de seleção das propostas e de definição dos aspectos essenciais da contratação em relação aos fins e resultados que devem ser atingidos pelo futuro contratante que poderá confirmar a adequação da utilização do regime de contratação integrada.

3.5. A ênfase no controle sobre os fins e resultados a serem atendidos na execução do contrato

Vê-se, assim, que a ausência do projeto básico e a consequente ampliação da autonomia do particular produzem uma série de decorrências no processo licitatório, refletindo-se inclusive na própria concepção do modelo de licitação. Na elaboração do edital e do anteprojeto de engenharia, caberá à Administração Pública focar mais nos indicadores de resultado e nos fins a serem atingidos pelo particular contratado. Esses indicadores de resultado, obviamente, são irrenunciáveis e obrigatórios. Será necessário a Administração especificar o que quer obter e os resultados a serem atingidos pelo futuro contratado. Para tanto, o particular terá maior autonomia para definição dos meios de execução do contrato.

Mas a autonomia do contratado está condicionada pelas balizas estipuladas no instrumento convocatório. É a partir delas que o particular deverá cogitar das soluções possíveis para atingir os fins e resultados que a Administração espera obter. Em outras palavras, a contratação integrada não poderá implicar a outorga de “carta branca” ao particular. O contratado ficará obrigado a cumprir as especificações do anteprojeto de engenharia e os padrões e resultados fixados no edital. O controle da atuação do particular se dará, se for o caso, acompanhado da aplicação das penalidades cabíveis e do uso das garantias contratuais, sem prejuízo de se estabelecer a possibilidade de um controle indutivo por meio da previsão de remuneração variável (o tema é retomado adiante, no tópico 4.5).

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3.6. O conteúdo das propostas

Como estabelecido no art. 20 da Lei 12.462, as propostas devem ser elaboradas e analisadas “mediante a utilização de parâmetros objetivos obrigatoriamente inseridos no instrumento convocatório”. Não haverá uma liberdade absoluta do particular no tocante à elaboração dos projetos e à definição dos “meios” a serem utilizados. Ao decidir pela contratação integrada, a Administração Pública não fica impossibilitada de definir critérios que vincularão a futura elaboração dos projetos básico e executivo. Portanto, a proposta técnica dos licitantes deverá demonstrar o atendimento dos requisitos que venham a ser estabelecidos no edital.

De outra parte, não parece possível exigir que as propostas sejam desde logo integradas pelos projetos básico e executivo. Tal exigência seria excessiva primeiro em razão do prazo exíguo previsto pela Lei para elaboração das propostas (30 dias úteis – art. 15, inc. IV, da Lei 12.462). Depois, por conta dos custos envolvidos na mobilização de recursos humanos e materiais necessários para a elaboração de projetos. Tais despesas serão efetuadas sem a certeza de que haverá a contratação, o que poderá resultar na diminuição dos potenciais interessados na licitação. Registre-se o entendimento do Tribunal de Contas da União sobre o tema – aplicável a toda exigência atinente à formulação de propostas –, pelo qual se reconhece ser “vedada a inclusão em editais de licitação de quesitos de pontuação técnica para cujo atendimento as empresas licitantes tenham de incorrer em despesas que sejam desnecessárias e anteriores à própria celebração do contrato ou frustrem o caráter competitivo do certame”.9

Na realidade, o texto legal acaba por esclarecer a questão, ao aludir que a elaboração dos projetos integra o escopo do futuro contrato. Nos termos do art. 9º, § 1º, da Lei 12.462, a “contratação integrada compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo...”. É o que se extrai também do art. 36, § 2º, da Lei 12.462, que trata a elaboração do projeto executivo como “encargo do contratado, consoante preço previamente fixado pela administração pública”. Assim, os projetos básico e executivo não integrarão as propostas. Deverão ser executados no curso do contrato.

3.7. O julgamento das propostas

O exame das propostas técnicas se dará por meio de ato motivado que contemple a verificação objetiva do atendimento dos parâmetros, requisitos e indicadores de resultado relacionados ao objeto do certame e previstos no edital. Dada a natureza da prestação a ser contratada, a Administração terá de estabelecer requisitos objetivos para o exame dos aspectos técnicos das propostas, o que resultará em uma maior complexidade da fase de julgamento das propostas, tanto sob o prisma técnico quanto econômico. Note-se que o anteprojeto de engenharia pode admitir “a apresentação de projetos com metodologias diferenciadas de execução” (art. 9º, § 3º, Lei 12.462). Serão analisadas técnicas distintas baseadas em conjuntos de despesas peculiares às diversas soluções apresentadas.

A maior complexidade do exame das concepções técnicas apresentadas pelos licitantes traz potenciais problemas de controle sobre as propostas. Em primeiro lugar, a estimativa concreta de custos da futura contratação, por

9 Acórdão 165/2009 – Plenário, Rel. Min. RAIMUNDO CARREIRO, j. 11/02/2009, Dou

16/02/2009.

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exemplo, só poderá ocorrer tendo em vista as características e detalhamentos das propostas a serem apresentadas. A aferição da viabilidade econômica das propostas com metodologias diversas dependerá do exame específico tanto das diversas técnicas propostas pelos licitantes quanto dos custos distintos envolvidos em cada proposta.

Note-se que o edital que tenha em vista a contratação integrada não será elaborado com base em orçamento detalhado. O orçamento pressupõe a existência de projeto básico. Depende da identificação dos serviços a executar, dos materiais a serem empregados e de um detalhamento mínimo a respeito da forma de execução do contrato. Por isso, nas contratações integradas o orçamento detalhado dá lugar a uma estimativa de valor da contratação. Conforme os critérios previstos no art. 9º, § 2º, inc. II, o valor estimado será calculado com base nos valores praticados no mercado ou pagos pela Administração Pública em serviços ou obras similares, sem prejuízo de se avaliar o custo global da obra por meio de “orçamento sintético ou metodologia expedita ou paramétrica”.

Tendo em vista essa realidade, a própria Lei 12.462 estabelece ser menos intenso o controle sobre o preço das propostas relativas a obras e serviços de engenharia. Nesses casos, em princípio hão de ser considerados apenas os itens (valores e quantitativos) reputados “relevantes” no contexto da contratação. A Lei, contudo, não oferece maiores detalhes e relega o tratamento pormenorizado da matéria à disciplina regulamentar. Na dicção do art. 24, § 3º, prevê-se apenas que, “No caso de obras e serviços de engenharia, para efeito de avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários considerados relevantes, conforme dispuser o regulamento”.

De outra parte, é em razão da complexidade do exame das propostas que se verifica outra peculiaridade do regime de contratação integrada, consistente na adoção obrigatória do critério de julgamento de técnica e preço (art. 9º, § 2º, inc. III, da Lei 12.462). Como regra, não poderia ser outro o critério de julgamento das propostas, visto que a contratação integrada pressupõe a atribuição ao licitante do encargo de formular os projetos do futuro contrato. A maior abertura da definição das características do objeto a ser executado à participação dos particulares só se justifica se a Administração promover o exame específico das soluções técnicas apresentadas. A necessidade dessa análise se dá inclusive porque, afinal, o edital não disporá de forma exaustiva acerca das referências e dos dados técnicos necessários para a execução da obra.

A adoção do critério de técnica e preço para a contratação integrada harmoniza-se com a sistemática prevista na Lei 8.666. Nas licitações regidas por aquela Lei, o critério de técnica e preço é reservado “para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no § 4º do artigo anterior” (art. 46 – grifou-se).

Por conseguinte, a contratação integrada subsume-se às hipóteses do art. 20, § 1º, incs. I e II, da Lei 12.462. Nos termos desses dispositivos, o objeto a ser executado no regime de contratação integrada ou deve ser “de natureza predominantemente intelectual e de inovação tecnológica ou técnica”, ou passível de ser executado “com diferentes metodologias ou tecnologias de

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domínio restrito no mercado”. Desse modo, será possível pontuar “as vantagens e qualidades que eventualmente forem oferecidas para cada produto ou solução”, tal como indica o art. 20, § 1º, inc. II. Aliás, é possível dizer que o ato que deverá justificar “técnica e economicamente” a adoção da contratação integrada terá de refletir também alguma das hipóteses previstas na Lei 12.462 que torna necessária a adoção do critério de técnica e preço.

A Lei 12.462 não estabelece regras para o procedimento de exame das propostas técnica e comercial. Quando menos, seria conveniente que a matéria venha a ser tratada no regulamento a que a Lei alude. De qualquer modo, embora em tese a Lei 8.666 seja inaplicável (art. 1º, § 2º, da Lei 12.462), seria recomendável que os editais adotassem sistemática similar à disposta no art. 46 da Lei 8.666, de modo a promover a dissociação do exame das propostas técnica e comercial. Procedimento similar encontra-se consagrado em outras leis (arts. 15, da Lei 8.987, e 12, inc. I, da Lei 11.079). A dissociação do julgamento das propostas técnica e comercial tem efeitos práticos relevantes, na medida em que o exame conjunto das propostas possibilita que o conhecimento da proposta comercial influencie no julgamento da proposta técnica. Nesse sentido, Marçal Justen Filho escreve que “A pluralidade de envelopes de propostas visa a permitir a análise dissociada dos diversos ângulos relevantes na apreciação das propostas. Evita-se, desse modo, a confusão nos critérios de julgamento ou a subjetividade na eleição da melhor proposta”.10

4. Peculiaridades da contratação

Apesar das diversas inovações, a Lei 12.462 não é tão detalhada no tocante à disciplina contratual.

4.1. Ainda a questão dos riscos e a autonomia do particular

Como se indicou anteriormente, a atribuição de uma maior margem de autonomia para a definição das especificações do objeto contratado às propostas parece refletir o propósito de atribuir os riscos inerentes às opções técnicas e de execução ao futuro particular contratado. No entanto, a contratação integrada não implica a imputação plena e irrestrita dos riscos envolvidos na contratação ao particular. Afinal, é atribuição irrenunciável da Administração caracterizar e definir os aspectos essenciais da contratação. Sendo assim, o Poder Público detém responsabilidade sobre todos os temas relativos à execução do contrato que venham a ser por ele delineados. Além disso, a Lei 12.462 mantém a responsabilidade da Administração Pública pelo reequilíbrio contratual em face de casos fortuitos ou de força maior (art. 9º, § 4º, inc. I).

4.2. A questão do aditamento do contrato

A maior autonomia reservada ao particular reflete também uma tentativa de reduzir alterações contratuais supervenientes que envolvam aumento de despesas para a Administração. Essa intenção está positivada na previsão do art. 9º, § 4º, da Lei 12.462. O dispositivo veda, nos casos de contratação integrada, “a celebração de termos aditivos aos contratos firmados”, tendo em vista especialmente “erros ou omissões por parte do contratado” nos projetos

10

Comentários..., p. 597. Ainda nas palavras do autor, “é precisamente essa a razão pela qual a Lei obriga a diferenciação entre as etapas de julgamento de propostas técnica e de preços: reduzir a influência de juízos subjetivos da Administração” (p. 639).

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por ele elaborados (art. 9º, § 4º, inc. II). Dessa forma, transferem-se os ônus decorrentes das falhas e omissões nos projetos ao contratado.

Tal sistemática reflete a orientação segundo a qual a garantia do equilíbrio econômico-financeiro não é remissível a um modelo único, pois variará conforme a autonomia reservada ao particular no bojo do contrato. A propósito das concessões de serviço público, mas em lição aplicável às contratações administrativas de um modo geral, Marçal Justen Filho nota que “a adoção de um modelo que amplia a autonomia dos prestadores de serviços públicos conduz a uma nova perspectiva jurídica para proteção da equação econômico-financeira. Não é cabível garantir a esses empresários dose de liberdade que lhes assegure o poder de formular as escolhas econômicas acerca da sua atuação e, ademais disso, reconhecer que o eventual insucesso

será arcado pelos cofres públicos ou pela comunidade”.11

O art. 9º, § 4º, prevê duas hipóteses em que o aditamento do contrato original é possível: a recomposição da equação econômico-financeira do contrato em caso de desequilíbrio resultante de caso fortuito ou força maior (inc. I); e “alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado” (inc. II).

4.3. As hipóteses de caso fortuito ou de força maior

Por força do art. 39 da Lei 12.462, as situações de caso fortuito e de força maior submetem-se à mesma disciplina prevista na Lei 8.666. Logo, as consequências resultantes dessas hipóteses terão de ser assumidas pelo Poder Público. Ao particular, caberá a recomposição do equilíbrio contratual, se este houver sido afetado, e as demais providências eventualmente necessárias para a reorganização do contrato, como a prorrogação do prazo de execução.

4.4. A revisão de falhas nos projetos e as alterações por iniciativa do particular

A vedação ao aditamento do contrato para alteração dos projetos em razão de “erros ou omissões por parte do contratado” não pode significar, obviamente, a impossibilidade de revisão das incongruências e defeitos que venham a ser detectados. A correção constitui providência que se impõe para preservar a própria utilidade da contratação. Nem seria cabível que a Administração Pública, identificando algum erro ou imprecisão no projeto, mantivesse-se inerte. A vedação legal ao aditamento não impede a alteração do projeto. Significa apenas que constituirá obrigação exclusiva do particular contratado assumir a responsabilidade técnica e os encargos econômicos relativos à revisão do projeto.

Do mesmo modo, ao menos em tese não se afasta a possibilidade de o próprio particular pretender empreender alterações nos projetos para ampliação da eficiência. Isto poderá ocorrer desde que mantidos o objeto e as especificações previstas no instrumento convocatório da licitação, e desde que não acarrete custo adicional ao Poder Público. Seria conveniente que o edital disciplinasse uma eventual partilha dos ganhos de eficiência gerados por essa atuação – o que pode, em alguns casos, vir a ser contemplado na previsão de remuneração variável.

4.5. As alterações contratuais promovidas por iniciativa da Administração

11

Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 363.

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Conquanto tenha limitado as hipóteses de aditamento do contrato, a Lei atribui à Administração a competência de determinar a alteração contratual para fins de adequação técnica “do projeto ou das especificações” (art. 9º, § 4º, inc. II).

Essas alterações encontrarão os mesmos limites fixados no art. 65 da Lei 8.666 (art. 9º, § 4º, inc. I, da Lei 12.462). Assim, os limites quantitativos de alteração serão de 25% na generalidade dos casos, ou de 50% na hipótese de reforma de edifício ou de equipamento (art. 65, §1º, da Lei 8.666). Deverão, ainda, seguir as demais diretrizes que se consolidaram ao longo do tempo em relação às alterações dos contratos regidos pela Lei 8.66612.

Em regra, para os contratos da Lei 8.666 a Administração exaure a sua discricionariedade na edição do instrumento convocatório, ao dispor sobre as especificações e condições de execução do contrato. Por isso, salvo sob a justificativa da ocorrência de eventos supervenientes ou não conhecidos no momento da licitação e da assinatura do contrato, de forma geral não se afigura possível que a Administração venha a arbitrar posteriormente a forma de execução do objeto contratado.13

Já no caso da contratação integrada, essa discricionariedade é exercida no momento da elaboração do “anteprojeto de engenharia” e da definição dos critérios de julgamento das propostas. Mas não há uma vinculação irrestrita e absoluta da Administração aos termos do edital no que se refere a certos aspectos do escopo do contrato, pois os projetos só serão desenvolvidos no curso da contratação. Portanto, não será possível afastar a hipótese de a Administração Pública verificar a necessidade de alteração dos projetos no curso do contrato. É que, a rigor, a própria elaboração dos projetos constitui “evento superveniente” a ser acompanhado e fiscalizado pela Administração. E

12

Trata-se de diretivas como aquelas sumarizadas na Decisão 215/99 do Plenário do Tribunal de Contas da União: “...nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos: I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório; II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado; III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial; IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos; V - ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes; VI - demonstrar-se - na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea "a", supra - que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência” (Acórdão 215/99, Plenário, rel. Min. ADYLSON MOTTA, DOU de 21/05/1999).

13 “Ao expedir o ato convocatório e conduzir a licitação até seu encerramento, promovendo a

contratação, a Administração exercitou sua competência discricionária. (...) Logo, a modificação unilateral do contrato pressupõe eventos ocorridos ou apenas conhecidos após a contratação. A Administração tem a faculdade de modificar o contrato, mas tendo em vista ocorrências subsequentes à data da contratação. Deverá ter ocorrido uma modificação das circunstâncias de fato ou de direito, motivando a necessidade ou a conveniência de alterar o contrato. Há uma força vinculante do contrato administrativo mesmo para a Administração Pública. Porém, essa força vinculante põe-se rebus sic stantibus” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários..., p. 737).

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isso justificaria, no caso da contratação integrada, que a Administração Pública tome a iniciativa de determinar eventuais alterações nos projetos.

No entanto, a Lei não oferece maior detalhamento sobre a matéria. Pressupõe-se que a execução do contrato envolverá um primeiro momento correspondente à elaboração do projeto básico pelo particular. Embora pareça possível o projeto executivo ser elaborado de forma concomitante à execução da obra ou do serviço contratado tal como ocorre no regime da Lei 8.666, nada impede que ele também seja formulado na fase inicial da contratação. Caberá, em seguida, à Administração analisar e aprovar os projetos, exercendo juízo condicionado ao quanto estabelecido no edital. Admitindo a adequação dos projetos, a Administração também se vincula a eles.

Por esse motivo, a iniciativa administrativa de alteração contratual só pode ser admitida de forma excepcional. Há uma série de limitações e condicionantes que devem ser observados para a modificação do contrato. Em primeiro lugar, além de não poderem servir para a correção de erros ou omissões nos projetos, as alterações contratuais deverão observar o princípio da licitação: é vedada a distorção do objeto licitado – daí a remissão, aliás, à observância das limitações previstas na Lei 8.666 neste ponto. Em segundo lugar, os critérios estabelecidos no edital devem ser mantidos. Sobre tais critérios, a Administração já exauriu a sua discricionariedade quando da elaboração do edital. Portanto, eventual modificação em torno desses aspectos só poderia ocorrer diante da necessidade de nova ponderação relacionada a evento superveniente ou não conhecido, ou diante da constatação objetiva que uma dada disposição revela-se antieconômica ou inviável. Em terceiro lugar, as modificações contratuais também não poderão resultar na descaracterização do regime contratual. Se a contratação integrada só pode ser admitida quando adequada técnica e economicamente, é preciso avaliar com cautela a extensão das alterações que a Administração Pública pretenda promover no curso da execução do contrato.

Em outras palavras, o jus variandi é limitado também em vista do regime legal atribuído à contratação integrada, marcado por uma liberdade mais ampla do particular contratado. Como regra geral, não será cabível que a Administração pretenda revisar unilateralmente as soluções técnicas apresentadas pelo particular e aceitas (tanto que contratadas), quando a premissa da contratação integrada é precisamente a de conferir ao contratado uma maior autonomia nessas definições.

Se fosse o caso de dirigir a elaboração dos projetos, a Administração deveria ter providenciado isto na licitação, de modo a oportunizar a igualdade de condições para os concorrentes – o que poderia até vir a afastar o cabimento do regime de contratação integrada. A competência de alterar o contrato não poderá ser exercida a ponto de caracterizar a distorção do regime original da contratação, sob pena de configurar desvio de finalidade. Na hipótese de se identificar a necessidade de promover revisões profundas nos projetos do particular, será preciso avaliar a possibilidade de modificar o próprio regime de execução do contrato, na forma do art. 65, inc. II, b, da Lei 8.666. Porém, essa alteração terá que ser bilateral, já que a lei impõe acordo entre as partes nesse caso (art. 65, inc. II), e deverá observar o postulado constitucional e legal da intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato.

Por isso, o permissivo legal às alterações contratuais deve ser interpretado restritivamente. A modificação unilateral das características técnicas do projeto desenvolvido pelo particular contratado terá de considerar o

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fim admitido por lei – “melhor adequação técnica aos objetivos da contratação”. Será cabível em princípio quando, diante de fatos supervenientes, desconhecidos ou não mensurados no momento da aprovação dos projetos, for necessária a alteração contratual para manter a eficácia da contratação. Eventuais ajustes supervenientes devem ter comprovadas a sua adequação, a sua necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, isto é, a demonstração de que se trata da melhor solução a ser implementada em face das circunstâncias e dos interesses envolvidos.

Ademais, do mesmo modo que o particular assume os riscos pelos projetos por ele desenvolvidos, a Administração toma para si a responsabilidade técnica e patrimonial pelas alterações que propuser. As alterações devem resultar na revisão contratual, como medida necessária para formalizar a modificação e assegurar a justa remuneração do contratado conforme os termos originais do contrato. Além disso, caberá única e exclusivamente à Administração Pública responder pelos encargos resultantes da eventual incorreção ou da necessidade de revisão ou adaptação das soluções que venham a ser por ela determinadas.

4.6. A autonomia do contratado e a remuneração variável

A ampliação da autonomia do particular, inerente à contratação integrada, pode ser vinculada à sistemática de remuneração variável que se encontra prevista no art. 10 da Lei 12.462. De acordo com esse dispositivo, é possível a estipulação de remuneração variável conforme o desempenho do contratado, tendo como parâmetros “metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega definidos no instrumento convocatório e no contrato”.

Surge evidente aqui, novamente, a ênfase em relação mais aos fins e metas que devem ser atingidos pelo particular do que em relação aos meios. A remuneração variável vincula-se ao atingimento de certos resultados, na medida em que serve de estímulo para o particular contratado atingir determinados padrões de qualidade previamente fixados. Mauricio Portugal Ribeiro e Lucas Navarro Prado apontam que se trata de tendência “no sentido de centrar atenção nos resultados, no output que o Poder Público deseja obter com a contratação. O objetivo é gerar o incentivo adequado para que o parceiro privado busque a forma e os meios mais eficientes para a prestação dos serviços”14. O particular levará em conta que o incremento da qualidade da prestação a ser entregue à Administração proporcionará um retorno maior.

Para tanto, o edital deverá estipular de forma objetiva: (i) o padrão mínimo de qualidade a ser observado em qualquer caso pelo particular; (ii) os padrões e resultados que, se atendidos, resultarão em remuneração conforme a performance obtida; e (iii) os critérios de avaliação do desempenho do particular. O incentivo resultante da remuneração variável acaba constituindo uma forma de controle ou, quando menos, um mecanismo de influência sobre a atuação do particular, sem prejuízo do dever da Administração de acompanhar a execução dos serviços do particular. A Administração permanece com o encargo de fiscalizar a execução do contrato, zelando pela observância das regras inscritas no instrumento convocatório, da proposta do particular vencedor do certame e dos projetos a seguir elaborados. Logo, pode-se até considerar que o controle sobre os fins é privilegiado nas contratações

14

Comentários..., p. 141.

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integradas, mas ele não será a única perspectiva de acompanhamento da execução do ajuste.

Em outras palavras, a remuneração variável surge como um reforço do controle sobre a atividade do particular, compatível com a ampliação de sua autonomia e similar (mas, talvez, menos efetivo) ao modelo das concessões administrativa e patrocinada (art. 6º, par. ún., Lei 11.079). Diz-se que a remuneração variável constituirá controle potencialmente menos efetivo porque, diversamente do que ocorre no caso das contratações regidas pela Lei 11.079, nos casos do RDC ao menos em regra a previsão de remuneração variável não será acompanhada da exploração da infraestrutura produzida pelo particular. Já nas concessões disciplinadas pela Lei 11.079, pode-se prever a remuneração variável ao lado do encargo do contratado de explorar o empreendimento, de modo que as condições da infraestrutura afetarão diretamente as atividades do parceiro privado. Assim, há uma garantia maior de que o particular estará efetivamente comprometido com a qualidade do empreendimento e com os resultados que se espera sejam atingidos. Pelo menos ao longo da vigência do contrato, o parceiro privado comunga com o Poder Público do interesse de que a infraestrutura seja satisfatória, pois durante esse período é ele quem assume o risco de sua utilização ou exploração.

5. Considerações finais

A previsão legislativa de um regime contratual que dispensa a elaboração do projeto básico pela Administração Pública revela mais do que uma busca por maior eficiência nas contratações administrativas. Na verdade, parece refletir também uma preocupação com o problema crônico de planejamento que tem marcado as licitações públicas no Brasil. Por diversas razões, a experiência prática aponta que o planejamento e a elaboração de projetos pela Administração Pública são dois dos principais impasses que põem em causa a eficiência dos contratos celebrados. A deficiência no planejamento produz em si uma “álea” que, no mais das vezes, gera prejuízos tanto ao particular quanto, invariavelmente, desperdício de recursos e de tempo também para o Poder Público.

Em última análise, a instituição do regime de contratação integrada retrata a tentativa de eliminar esses riscos provocados por um planejamento deficiente. Contudo, a própria contratação integrada não pode prescindir de um planejamento adequado, que confirme (i) a utilidade de transferir os encargos técnicos ao particular e (ii) a viabilidade de controlar a atividade do futuro contratado, preservando a autonomia que lhe é conferida para justificar a adoção da contratação integrada. A ausência de projeto básico implicará novos problemas e exigirá uma nova postura de controle da Administração no curso da execução do contrato. Para obter uma contratação efetivamente mais eficiente, é indispensável dispor de parâmetros suficientes para orientar de forma suficiente a elaboração das propostas – afinal, sem um edital adequado e patamares mínimos de segurança, reduz-se o número de interessados em competir –, bem como para analisar essas propostas de forma objetiva e controlar a sua posterior execução.

Informação bibliográfica do texto:

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REISDORFER, Guilherme Fredherico Dias. A contratação integrada no Regime Diferenciado de Contratação (Lei 12.462/2011). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n.º 55, setembro de 2011, disponível em http://www.justen.com.br/informativo, acesso em [data].