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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Centro de Educação e Humanidades Instituto de Letras Língua Portuguesa VIII A Contribuição do Elemento Árabe na Língua Portuguesa Carlos Alberto Moreira

A Contribuição do Elemento Árabe

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROCentro de Educação e HumanidadesInstituto de Letras

Língua Portuguesa VIII

A Contribuição do Elemento Árabe na Língua Portuguesa

Carlos Alberto Moreira

Rio de JaneiroNovembro/ 1999

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UM ESTUDO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO ELEMENTO ÁRABE NO LÉXICO DA LÍNGUA PORTUGUESA, COM UM RESUMIDO PANO DE FUNDO HISTÓRICO.

Monografia apresentada ao Prof. Amaury de Sá e Albuquerque, em cumprimento às exigências da disciplina Língua Portuguesa VIII, do curso de bacharelado em Letras da UERJ.

Rio de Janeiro, Novembro/1999

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Sumário

Introdução 4A Presença Muçulmana 6

O Domínio Árabe 6O Moçárabe 8A Toponímia 9

A Contribuição Árabe no Léxico Português 10Referências Bibliográficas 14

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Introdução

As conquistas do Islam, que se estenderam sobre uma parte do mundo durante os séculos VIII a XV, determinaram grandes modificações na vida de alguns dos povos conquistados. Em certos países, como o Iraque, a Transjordânia, a Síria, o Líbano, o Egito e toda a costa litoral do norte da África, a conquista teve conseqüências duradouras. A língua árabe substituiu as línguas e os dialetos dos povos conquistados, atingindo tanto a superfície (os vocábulos) quanto a profundidade (as formas de expressão) do sistema lingüístico existente até então. No entanto, não conseguiu alterar de forma relevante o sistema fonético, que foi meio natural de resistência contra o invasor. Os dialetos falados hoje nesses países são frutos da reação do aramaico, do siríaco, do copta, do berbere e do latim contra o árabe. São um modelo de resistência dos substratos contra a língua invasora.

Em outros países e locais onde a sua passagem durou séculos sem interrupção, como a Pérsia, Malta e Andaluzia (que, para os árabes, era a totalidade dos territórios ocupados por eles na Península Ibérica), não se observaram os mesmos fatos e nem a conquista obteve as mesmas conseqüências. De uma parte (Pérsia e Malta), houve a adoção quase que total e espontânea da língua do vencedor. Um grande número de vocábulos novos trazidos pelo vencedor foi sendo usado paralelamente aos vocábulos nativos de mesmo significado. Novas formas de expressão penetraram nas línguas e dialetos e, com o correr do tempo, exerceram influência sobre eles, até que progressivamente os substituíram. Na outra parte (Andaluzia), aconteceu algo diverso. O vencedor não se confundiu com os povos vencidos. Eram muito profundas as diferenças de raça e de religião. O povo conquistado não adotou a língua do vencedor e o povo conquistador não impôs a sua língua. Não houve assimilação. Em vez disso, manifestou-se uma total indiferença, um grande desprezo na atitude de vencedores para com vencidos e vice-versa.

Assim, paralelamente ao árabe, existiam o persa e o maltês. Os árabes nada fizeram para que se introduzissem na língua persa, como existem atualmente, os elementos árabes que alcançam a terça parte do vocabulário dessa língua.

Na Espanha e em Portugal aconteceu o oposto do que ocorreu em Malta e na Pérsia. A proporção dos vocábulos árabes nas línguas destes dois países foi mais modesta, embora relevante. Em comparação com aquelas, as línguas da Península Ibérica eram e insistiram em permanecer uma continuação do latim, um latim bárbaro, que continha aspectos de diferentes partes do mundo romano, mas que, apesar de heterogêneo, ainda apresentava um certo grau de unidade. Tudo estava propício para que uma nova língua se difundisse ali. Porém, a língua árabe só conseguiu atingir os dialetos da Andaluzia na sua superfície (isto é, apenas nos vocábulos, e estes, em regra, nomes de coisas, substantivos na maioria e alguns adjetivos), sem alcançar a sua profundidade. As formas de expressão, onde estão alojadas as estruturas e os alicerces de uma língua, continuaram a existir e a ser o que sempre foram antes. Prosseguiram em sua evolução, sem a interferência do invasor. O elemento árabe veio se juntar ao elemento germânico proveniente da conquista visigótica, ou ao elemento grego, cuja introdução se deve à

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irradiação da civilização grega, ou ao dialeto céltico, ou ainda ao elemento genuinamente ibérico. Esses elementos não foram substituídos.

Poderíamos dizer mais ainda. Se formos estudar com cuidado a extensão dos vocábulos árabes em outras línguas européias (deixando-se de lado o turco e o persa, que são constituídos de mais de um terço de vocábulos árabes), vamos logo perceber que foram raros os elementos do vocabulário árabe que são próprios ao português ou ao espanhol. O número de vocábulos comuns a todas as outras línguas européias (ou a maior parte delas) é muito maior. Assim, é justo afirmar como faz Nimer:

A difusão dos vocábulos árabes não é devida à conquista dos muçulmanos. É conseqüência da irradiação da sua civilização, a civilização árabe.1

Outros fatores também concorreram para a propagação de vocábulos árabes no português. Uns são fatores históricos, como as Cruzadas, que explicam em parte os termos comuns a uma porção das línguas européias. A conquista do norte da África pelos almôades e, conseqüentemente, da Espanha e Portugal, deve-se à preponderância judaica nas letras e nas ciências durante quase dois séculos (1050-1204) e à criação de um exército de trugimãos, que serviram de intermediários entre os conquistadores e os povos da Europa cristã. Os compiladores talmúdicos judeus estabeleceram-se em Toledo, abandonando definitivamente a Babilônia (o atual Iraque), onde tinham uma grande comunidade desde os tempos do cativeiro. Tanto o espanhol como o português devem a esse centro de saber muitas das palavras árabes que enriquecem o seu léxico.

A epopéia marítima, que ergueu a bandeira de Portugal sobre os mares das Índias, foi outro fator histórico que ofereceu condições à propagação de vocábulos árabes na língua portuguesa, diretamente ou através do persa e de outras línguas asiáticas.

Outro marco histórico importante, que marca o começo do declínio da propagação dos elementos árabes, foi a queda de Contantinopla nas mãos turcas. Nimer afirma:

A conquista de Constantinopla pelos turcos em 29 de Maio de 1453, cujas conseqüências foram incalculáveis, parece marcar o termo da difusão dos vocábulos árabes. Mas o tratado celebrado entre a Turquia e a França (as capitulações de 1535) restabelece a circulação. A língua francesa se encarrega de propagar doravante esses vocábulos com um cunho de fonética turca.2

A esses fatores históricos acrescentam-se outros de ordem social, como a contribuição do elemento feminino e a convivência que durou séculos. Esses fatores diretos são de suma importância. Estaremos estudando nas páginas seguintes, de forma reduzida, algumas destas influências.

1 NIMER, Miguel. Influências Orientais na Língua Portuguesa. São Paulo, 1943, p. X.2 Idem, p. XI.

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A Presença Muçulmana

É a partir de 711 (e também durante muitos séculos depois de terminada a Reconquista Portuguesa em 1249) que se torna constante a convivência da população hispano-goda com a população muçulmana. É Sílvio Elia quem afirma:

No século VIII sobrevem a invasão árabe. Comandados por Tárik, os mouros atravessaram as colunas de Hércules (estreito de Gibraltar) e derrotaram na batalha de Xeres [Jerez de la Frontera, Nota do autor deste trabalho] o exército dos visigodos comandado pelo Rei Rodrigo. Em três anos dominaram a península e, no afã de reduzir pelas armas os inimigos de Mafoma, atravessam os Pireneus, mas são derrotados em Poitiers (732) por Carlos Martel, avô de Carlos Magno.3

Esta interação foi fraca a norte do Douro, mas como o romance galego-português acompanhou o sentido meridional da Reconquista, o número de vocábulos de origem árabe é elevado justamente porque, em sua maioria, entraram diretamente do árabe para o galego-português; outras seguiram um percurso um tanto quanto equivalente: eram inicialmente empréstimos feitos ao romance moçárabe. Sobre isto, é Sílvio Elia quem esclarece:

Pouco a pouco a crueza dos árabes teve de ir cedendo diante da necessidade de convivência, não sendo de menor importância o fato de que, por não trazerem mulheres, se tivessem casado com hispano-godas. Em poucas gerações os cristãos de Andaluzia são quase tão espanhóis quanto os cristãos independentes. Puderam, pois, os cristãos manter-se sob o domínio árabe e praticar o culto. São os moçárabes, cristãos necessariamente arabizados em virtude dos constantes contatos com a gente vencedora, mas que sempre conservaram os caracteres fundamentais da cultura latino-cristã.4

3 ELIA, Sílvio. Língua e Literatura. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971, p. 19 e20.4 Idem, p. 20.

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Assim, a população cristã da Espanha árabe, conhecida como população moçárabe, acabou constituindo também uma língua medieval de origem latina, o moçárabe, conhecida pelos seus arcaísmos fonológicos, o seu considerável léxico de raiz semítica e os seus vestígios que foram deixados tanto na toponímia, quanto nos regionalismos do centro e do sul da Península Ibérica, além dos textos líricos medievais, as hardjas.

O Domínio Árabe

Quando da invasão moura na Península Ibérica, a cultura árabe já era possuidora de uma grande e riquíssima tradição. Como já foi dito, foi devido mais propriamente a essa grandeza da irradiação da sua cultura que os vocábulos árabes puderam influenciar e enriquecer decisivamente as línguas portuguesa e espanhola, pois com os costumes dos mouros introduziram-se também a sua cultura e a sua língua. No entanto, a diferença substancial entre as línguas concorrentes uma do grupo itálico do indo-europeu e a outra semítica aliada à política de tolerância que o invasor teve para com os vencidos, não impondo sua crença nem sua língua, foi um fator suficiente para que a influência árabe, como uma civilização superior, permanecesse apenas no léxico, não penetrando na sintaxe, o cerne da língua. É bem verdade, porém, que essa tolerância era apenas uma faceta da verdadeira história; enquanto a população vencida se mantivesse infiel ao Islam, poderia ser cobrada dela o imposto do infiel, previsto no Alcorão para o caso de povos conquistados que não fossem muçulmanos.

Segundo Menéndez Pidal, citado por Fernando V. P. da Fonseca, o domínio árabe sobre a Península Ibérica estabeleceu-se em três fases históricas de contato entre árabes e hispanos, sendo que a primeira vai de 711 até 932, com a submissão de Toledo aos califas. Nesse contato entre os povos e entre as línguas foi que se deu o desenvolvimento do intercâmbio e dos empréstimos entre elas. É Fernando V. P. da Fonseca que afirma:

O bispo Álvaro de Córdova afirma que os cristãos conheciam melhor a métrica árabe que os próprios árabes e verbera tal entusiasmo. Mocadem inventa uma cantiga de refrão, a qual para alguns (Ribera) é a origem das cantigas dos nossos cancioneiros, e insere nos seus poemas trechos de aljamia (romanço transliterado em caracteres árabes). Durante o segundo período [da dominação, nota do autor deste trabalho] (932-1099, morte do Cid) a romanidade parece apagar-se. A língua árabe predomina e é falada pela classe superior, que era bilíngüe, mas era excepcionalíssimo falarem os moçárabes o árabe como língua própria, pois no fundo o povo continuava falando romanço, devido à influência romano-visigótica. Abderramão III e os cortesãos divertem-se compondo poesias com vocábulos do romanço intercalados. Um botânico célebre apresenta ao lado dos termos árabes os do romanço. Até os colonos oriundos de diversas regiões do Islão eram assimilados pelos romanços empregados em território muçulmano. Em 1095 o rei de Sevilha encontra próximo de Viseu uma família cristã que fala o árabe, pretendendo descender dum árabe convertido ao cristianismo. As classes cultas são em geral bilíngües, porque a cultura cristã foi incorporada na árabe. Há árabes que não falam senão romanço e moçárabes que só se exprimem em árabe. Existe um testemunho de Almocadasi, viajante oriental, na segunda metade do séc. X, de que na Península se falava uma língua românica (parecida com romi, isto é, latim) e árabe muito complicado. Era mais vulgar haver muçulmano sem

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saber árabe que moçárabes com ignorância do romanço. Um conselheiro espiritual árabe dizia que para alcançar o Céu tanto fazia falar uma língua como a outra.5

Assim, houve de fato uma influência mútua entre os linguajares de vencedores e vencidos, conquistadores e conquistados, que a história registra e cujos resquícios podem ser percebidos nos diversos vocábulos arabizados ou de origem puramente árabe que nos foram legados, e que se espalham pelos diversos campos de significação (chafariz, muxarabi, na arquitetura; algarismo, álgebra, cifra, nas ciências; alfaiate, almoxarife, nas profissões; arroz, algodão, açúcar, na agricultura; alcaide, alferes, alvará, atalaia, na administração e na guerra; alfafa, alface, alecrim, açucena, alcachofra, atum, na fauna e na flora; alqueire, arroba, quintal, nos pesos e nas medidas; almôndega, xarope, aletria, álcool, nos alimentos e nas bebidas, etc).

O terceiro período (que vai até o fim do domínio árabe, em 1250 quanto a Portugal, e 1492, quanto a Castela) também nos deixou muitos documentos que mostram que o romanço galego-português não tinha desaparecido, apesar da emigração e do reduzido número de moçárabes, por causa da invasão dos almorávidas e dos almôadas. Fernando V. P. da Fonseca conclui:

O poeta Ibn Gusmão (c. 1080-1160) salpica as suas composições de palavras e frases em aljamia. Diz um autor árabe que na Península o árabe se mistura com “os Galegos(Portugueses e Castelhanos) e os Francos(Aragoneses)”. Assim se mantém o romanço, e a nossa poesia trovadoresca é a prova de que a romanidade não morrera.6

O Moçárabe

Quando os árabes muçulmanos se estabeleceram na Península Ibérica, encontraram lá uma língua latina já muito diferente daquele latim que fora trazido para lá. E embora os mouros permitissem o seu uso no império islâmico-hispânico, oficialmente a língua instituída para as relações pessoais e comerciais era o árabe. Esse latim, já sob a concorrência e sob a influência da língua do conquistador, continuou na sua evolução, sendo agora falado pela população moçárabe. Alguns lingüistas e historiadores denominavam esse dialeto português de romanço moçarábico. No Norte, porém, os árabes tiveram a resistência das populações locais. A Galécia foi a única parte da Hispânia que conseguiu viver mais livre da força do Islam, sendo o local onde os fugitivos do sul procuravam refúgio. Esta é a razão do nome Galiza significar, para os árabes, ‘todo andaluz livre do seu domínio’. E é por esta mesma razão que o número de arabismos no noroeste da Península é bem pequeno.

Sobre este romanço moçarábico, é Fernando V. P. da Fonseca quem afirma:

5 FONSECA, Fernando Venâncio Peixoto da. O português entre as línguas do mundo. Coimbra: Livraria Almedina, 1985. p. 68 e 69.

6 FONSECA, Fernando V. P. da, op. cit., p. 69.

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Há rasgos característicos do português na fala dos Moçárabes ... Assim, nohte, em moçárabe, era mais próximo da nossa noite que o castelhano noche (de nocte-); conservaram-se o g e o j iniciais, como em português: jenáir e não enero (cast.). Mais importante é o que se diz respeito aos ditongos ai, ei, eu, que o castelhano monotongou (zapatero, hoce), e que se mantinham na língua dos Moçárabes (çapatair, fauchil), como em português (sapateiro, foice) e leonês, sem sofrerem crase. No grupo mb o b caiu em espanhol (ex.: Colomera), mas os Moçárabes mantiveram-no (ex.: Colombaira) como em português (ex.: pomba). O grupo pl-, que em castelhano dava ll-, era transformado em bl- pelos Moçárabes. Em moçárabe havia ll (=lh) em vez do j castelhano proveniente de –cl- intervocálico postônico: uello, velyo (moç.), ojo, viejo (esp.), olho, velho (port.). Em Toledo, Córdova e Valência também aparece conelyo, que coincide com o português coelho e não com o espanhol conejo. O dialeto de Lisboa fazia parte do romanço moçarábico, e nela nunca deixou de falar-se língua romance.7

Assim, é justo afirmar com J. P. Machado que “a influência arábica no português se condiciona ao vocabulário arábico recebido pelos Moçárabes e ao que destes receberam os Portugueses”8.

A Toponímia

No aspecto toponímico, José Pedro Machado, grande filólogo português, em Aspectos do Português Primitivo e sua Adaptação em Formas Toponímicas colhidas de Textos Arábicos, citando Menéndez Pidal, destaca que, apesar de suas origens pré-arábicas, um elevado número de nomes de localidades portuguesas e espanholas têm forte influência moura, por terem sofrido alterações durante esse período. Ele cita, por exemplo, ‘Almoster’ (Al-Munastir), ‘Badajoz’ (BaTalius), ‘Beja’ (Baja), ‘Braga’ (Braqara), ‘Cacela’ (QasTalla), ‘Cintra’ (‘Sintra’, Xintra), ‘Coimbra’ (Qulumriia), ‘Elvas’ (Ilbaxe), ‘Évora’ (Iabora), ‘Guadiana’ (Odiana), ‘Lisboa’ (Lixbona, Luxbuna, de Olisipone), ‘Lago’ (Lukkuh), ‘Mértola’ (Martula), ‘Mondego’ (Mundiqu), ‘Ossonoba’ (Okxonuba), ‘Palmela’ (Balmalla), ‘Sagres’ (Xagrix), ‘Santiago’, ‘Saragoça’, ‘Setúbal’ (Xetubr), ‘Silves’ (Xilb), ‘Tavira’ (Tabira, Talabira, de Talavera).

Em Toponymia Árabe de Portugal, David Lopes faz quase o mesmo percurso de Machado, afirmando que alguns dos nomes geográficos da península sofreram alterações terminais importantes que só podem ser explicadas pela intermediação árabe (Ele cita: Sevilha, de Ixbilia; Mertola, de Myrtili; Játiva, de Saetabi; Tejo, de Tagu; Tanger, de Tanja, entre outras).

Em outras palavras, as alterações foram mais profundas e de diversas ordens. Exemplo disso está em Cacela; a primeira vista, ninguém reconhecerá nela a palavra latina castellum. Outros nomes próprios peninsulares perderam a primeira sílaba, se esta era antes formada por uma vogal, como, por exemplo: Talica, de Italica; Mérida, de Emérita; Lisboa, de Olisipona. Muitos outros exemplos mais complexos foram verificados, mas os aqui apresentados já são suficientes para mostrar os resultados que o dia a dia da convivência entre árabes e hispânicos produziu. Todos estes vestígios de alterações fonéticas são explicados pela interação e pelo intercâmbio entre as diferentes populações da área.

7 Idem, p. 71 e 72.8 Ibidem, p. 72. Citação de MACHADO, J. P., Breve História da Língua Portuguesa, p. 9.

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A Contribuição Árabe no Léxico Português

A lista a seguir traz um número expressivo de vocábulos de origem árabe que entraram, entre muitos outros, em uso na língua portuguesa, seja diretamente, pela influência do contato entre as populações árabe e hispânica na Península Ibérica (a grande maioria), seja indiretamente, através do persa, do turco, do francês, do espanhol, etc. Alguns já não são mais correntemente utilizados. Constituem, na verdade, vocábulos de etapas diferentes dos quase oito séculos de ocupação muçulmana.

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AçacalAçacalar (v.)AçafateAçafeaAcafelarAçafrãoAcepipeAcéquia (acéqua)AchaqueAçacalar (v.)Açaimar (v.)AcataraAçoitar (açoutar) (v.)Açoite (açoute)AçotéiaAçougueAçúcar (assucar, açucre)AçucenaAçudeAdafinaAdail (adalide)AdarçoAdarga (darga, adaraga)Adarme (adarame, arame)AdarveAdobe (adobo, adoba)AduanaAdube (adufo,adufe)AlabãoAlacrauAlambiqueAlardeAlaridoAlarifeAlaroçaAlaúde (laúde)Albacora (albacor, albecora, alvacora)AlbafarAlbardaAlbardar (v.)AlbarquelAlbarradaAlbendeAlbequorqueAlbetoçaAlbufeiraAlcácemaAlcácer (alcacel, alcaçar)AlcachofraAlcáçovaAlcaçuzAlcadefe (alcadafe)Alcaguete (alcaiote, alcagote)Alcaide (alcalde)AlcalaÁlcali

AlcamaAlcamonia (alcomonia)AlcandoraAlcaniçaAlcântaraAlcaravia (alcarovia)AlcatéiaAlcatifaAlcatifar (v.)Alcatira (Alquitira)AlcatrãoAlcatruzAlcazarraAlcavalaAlcoceifaAlcofaÁlcoolAlcorão (Corão)Alcorça (alcorce)AlcovaAlcovitar (v.)AlcreviteAlcunhaAldabraAldebaranAldeia (aldea)Aldravar (v.)Alecrim (Alquimeleque)Aletria (letria)AlfaceAlfacoAlfadiaAlfafaAlfagemeAlfaiaAlfaiateAlfalenaAlfândegaAlfange (alfanje)AlfaqueAlfaquequeAlfaquiAlfarema (alfareme)Alfarge (alfarja)Alfarroba (farroba, ferroba)Alfarva (alforba, alforva)AlfazemaAlfavaca (alfabega, alfadega)Alfeire (alfeiro, alfeirio)AlfenaAlferceAlferesAlfétena (fetena)AlfitraAlforge (alfarge)Alforreca

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AlforriaAlfozAlganameAlgarAlgaraAlgarabeAlgaraviaAlgarismoAlgarveAlgazarraAlgazu (alcazu)ÁlgebraAlgemaAlgerozAlgibeAlgibebeAlgibeiraAlgodãoAlgozAlhacamaAlicateAlicerceAlifafeAlim (alime)AlizarAljamia (algemis, aljama, jamia)Aljarás (aljorce)AljaraviaAljavaAljazarAljofainaAljofar (aljofre)Aljuba (aljubeta, algibeta, jubão, gibão)AljubeAlmácegaAlmadena (minarete)AlmadiaAlmafalaAlmagestoAlmagre (almagra, almagro)AlmandraAlmanjarraAlmanxarAlmarge (almarje, almarjem)AlmarraxaAlmécegaAlmedinaAlméiaAlmeitigaAlmenaAlmiranteAlmíscar (almiscre, almisquere)Almôades (almôhades, almoahedes)AlmocademAlmocávar (almocave, almocóvar,

almacave, almocabar)Almocreve (almoqueire)Almofaça (almoface, almaface)

AlmofadaAlmofarizAlmofateAlmogavarAlmojavenaAlmôndegaAlmoqueriAlmotacélAlmotoliaAlmoxarifeAlmuademAlmucelaAlmudeAlmuniaAlmuzalaAlperceAlqueireAlquicer (alquice, alquicel)Alquimia (alquímia, alchímia)AlquitãoAlquitarraAlvaiadeAlvanelAlvaráAlveiceAlveitarAlvenariaAlvercaAlvergeAlvíçaras (alvíxaras, alvíssaras)AlvitreAlvoroçoÂmbar (ambre, alambre, alambra)AmimAmoníaco (almoxatre, anaxatre)AnáfegaAnatilAnilÁrabeÁrgelArgolaArmazém (almazém)Arrabalde (rabalde, rebalde, arrabal)ArrabilArraiaArraisArratelArrebem (arrevem)ArredelArrobaArrozArrudaAtabaleAtabaqueAtafona (tafona)AtalaiaAtarracarAtaúde

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AtumAugeAzáfamaAzambuja (azambujo)AzaquiAzarAzeiteAzeitonaAzêmola (azêmela, azêmula, azimela,

enzemula)Azenegue (azanegue)Azenha (acenha)AzevemAzevicheAziarAzimuteAzougueAzurracaBácoroBadanaBaldioBaraçoBazarBenjoimBeringelaCaabaCabidelaCabilaCadimoCadixeCáfilaCafiz (cacifo, cacifro)Caftan (cafetan, cafetá)CalibreCalifaÇanefaCânfora (cafur, alcânfora, alcanfor)CaravanaCarmesimCeifaCelga (salga)ChácaraChafarizChale (chaile, xale, xairel)CharqueChatifaCifraCirandaCoraixitaDarônico (dorônico)DinarDjin (dijin)ElcheElixirEmir (amyr, amir, mir)Enxalavar (v.)Enxaqueca (xaqueca)Enxoval

EspinafreFaluaFaquir (fakir, faquino)FardoFateixaFatiaFôrroFriso (frisa)Fulano (fulão, fuão, foão)FustamGarrafaGarridoGazelaGelba (gelfa, gelva)Gergelim (gerzelim, gingelim)GibãoGirafa (jirafa)HajibHakim (haquim)Harém (arame, harão)HaxixeHégiraImam (imame)Islam (Islão)JaezJavaliJarroLacraia (alacraia, alacrã)LaranjaLezíriaLima (limão)Madraçal (madrassal)Mafoma (Mafamede, Mohamed,

Mahomed, Maomé)MagrebMaldarMalik (malique)MamelucoMandilMarcassita (marquezita, marquesita)MarlotaMaromaMáscaraMasmorraMassulMesquinhoMesquitaMinarete (almadena)MocadãoMoçárabe (mixtiárabe, mostárabe,

mosárabe, mozárabe)MonçãoMorabito (morabitino, marabitino)Muezim (mezin)MuftiMúmiaMuxara (moxara, maxara)Muxarabi

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NadirNakibNarguiléNassib (nassivo, nacivo, nacibo)NatrumNazirNenufar (nufar)PapagaioOxalá (in-xa-‘llah, in shah Allah)OxamaláQuairaQuilate (quirate)QuintalQuizaRabeca (rebeca)RafidiRamadan (ramadão, ramedão, ramezan)Recife (arrecife)RécuaRefém (revens, revenas, arrefem)RegueifaRéguloRife (Riff)Sabão (assabão)SaláSalama (salema)SalamalequeSândaloSanefaSodaSolimãoSorveteSufi

Sultão (soltão, soldão, soltam)Sura (surata)Tabefe (atabefe)TabmulTaforeiaTalacaTaleigoTâmaraTamarindoTambor (atambor)TaracemaTarrafaTavanesTerradaTufãoTurgimãoUlemáVizirXáXaputaXadrezXarope (enxarope)XarrocoXávegaXeque (xaque)Xerife (xarife)XiitaZambucoZacumZázioZêniteZinabre (zeniar)Zorame

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