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A CONVERSAÇÃO PSICANALÍTICA: um divã em latência. R. Roussillon, nov. 2004 (tradução livre: Éline Batistella) A psicanálise se desenvolve se diversificando ela mesma pensando a diversidade e sua diversidade. Na metapsicologia é o reconhecimento e a descrição de diferentes processos psíquicos que refinam a modelização do funcionamento psíquico, assim por exemplo, onde Freud escrevia “ a negação” escrevemos agora as “figuras e modalidades do negativo”, lá onde o analista dos anos cinquenta pensava no singular, o analista do início do século XXI pensa no plural e explora asformas do recalcamento, da projeção ou da clivagem. A teoria psicanalítica se desenvolve e aprofunda pensando a pluralidade dos processos psíquicos, explorando as formas diferenciais dos processos que ela, inicialmente, reconhecia como singulares. O que vale para os desenvolvimentos da teoria vale também para seus dispositivos analisantes. Na origem, a definição da psicanálise era sobreposta a seu exercício no seio de um dispositivo particular, original, fundamental e não era psicanálise” se não exercida dentro do dispositivo divã/poltrona, o resto do tempo ela era psicoterapia, forma desvalorizada da primeira, subproduto, no melhor de orientação psicanalítica, no pior de suporte. Ela implicava então uma lógica de indicação e contra-indicação, era o dispositivo que decidia o que era ou não analisável, o que era análise ou não. Os desenvolvimentos atuais que se manifestam por todo lado e em particular pela multiplicação da variedade de dispositivos concretamente utilizados pelos analistas parecem mudar as coisas, introduzindo um pensar da diversidade. A passagem à noção de “trabalho psicanalítico” abre a possibilidade de pensar qual dispositivo é requerido para acolher a análise daquele sujeito, dentro de sua singularidade, sob- medida de suas necessidades. São as necessidades da análise que condicionam então qual dispositivo deve ser construído e instaurado e não mais o dispositivo que “decide” quem pode ser analisado. Certamente isto supõe uma inflexão paradigmática e a passagem a uma definição da análise que não é mais solidária de um dispositivo particular, mas que se avalia através da prática de um certo tipo de trabalho psíquico, que supõe a passagem a uma definição “meta” da psicanálise. A idéia geral que a sustenta é a que a situação- origem da psicanálise, a situação divã- poltrona, ou seja a situação “fundamental” é um caso particular, particularmente feliz é verdade, de situação analisante, que não seria definido agora como “a” psicanálise mas um “tipo” de psicanálise como a expressão cura-tipo indica. Ao que me diz respeito, mas eu estou longe sem dúvida de ser o único a pensar assim, qual seja o dispositivo no qual trabalhe cura-tipo, divã-poltrona a ao menos três sessões por semana, face-a-face ou lado-a-lado a uma ou mais sessões, por vezes menos - tento me colocar dentro da mesma disposição interna de escuta e de trabalho.

A conversação psicanalítica: Um divã em latência, por R. Roussillon

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Pubicado em Revue Française de Psychanalyse, 2005/2 (Vol. 69), p. 365-381 Tradução de Eline Batistella

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A CONVERSAÇÃO PSICANALÍTICA: um divã em latência.

R. Roussillon, nov. 2004

(tradução livre: Éline Batistella)

A psicanálise se desenvolve se diversificando ela mesma pensando a diversidade e sua

diversidade. Na metapsicologia é o reconhecimento e a descrição de diferentes

processos psíquicos que refinam a modelização do funcionamento psíquico, assim por

exemplo, onde Freud escrevia “ a negação” escrevemos agora as “figuras e

modalidades do negativo”, lá onde o analista dos anos cinquenta pensava no singular,

o analista do início do século XXI pensa no plural e explora “as” formas do

recalcamento, da projeção ou da clivagem. A teoria psicanalítica se desenvolve e

aprofunda pensando a pluralidade dos processos psíquicos, explorando as formas

diferenciais dos processos que ela, inicialmente, reconhecia como singulares.

O que vale para os desenvolvimentos da teoria vale também para seus dispositivos

analisantes. Na origem, a definição da psicanálise era sobreposta a seu exercício no

seio de um dispositivo particular, original, fundamental e não era “psicanálise” se não

exercida dentro do dispositivo divã/poltrona, o resto do tempo ela era “psicoterapia”,

forma desvalorizada da primeira, subproduto, no melhor de orientação psicanalítica, no

pior de suporte. Ela implicava então uma lógica de indicação e contra-indicação, era o

dispositivo que decidia o que era ou não analisável, o que era análise ou não.

Os desenvolvimentos atuais que se manifestam por todo lado e em particular pela

multiplicação da variedade de dispositivos concretamente utilizados pelos analistas

parecem mudar as coisas, introduzindo um pensar da diversidade. A passagem à

noção de “trabalho psicanalítico” abre a possibilidade de pensar qual dispositivo é

requerido para acolher a análise daquele sujeito, dentro de sua singularidade, sob-

medida de suas necessidades. São as necessidades da análise que condicionam então

qual dispositivo deve ser construído e instaurado e não mais o dispositivo que “decide”

quem pode ser analisado. Certamente isto supõe uma inflexão paradigmática e a

passagem a uma definição da análise que não é mais solidária de um dispositivo

particular, mas que se avalia através da prática de um certo tipo de trabalho psíquico,

que supõe a passagem a uma definição “meta” da psicanálise.

A idéia geral que a sustenta é a que a situação- origem da psicanálise, a situação divã-

poltrona, ou seja a situação “fundamental” é um caso particular, particularmente feliz é

verdade, de situação analisante, que não seria definido agora como “a” psicanálise

mas um “tipo” de psicanálise como a expressão cura-tipo indica.

Ao que me diz respeito, mas eu estou longe sem dúvida de ser o único a pensar assim,

qual seja o dispositivo no qual trabalhe – cura-tipo, divã-poltrona a ao menos três

sessões por semana, face-a-face ou lado-a-lado a uma ou mais sessões, por vezes

menos - tento me colocar dentro da mesma disposição interna de escuta e de trabalho.

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Procuro encontrar, através do que se desenvolve dentro do tratamento, um processo

de simbolização em trabalho no seio de uma situação que tento instalar, de forma que

uma transferência possa se organizar, ser acolhida e desenvolvida. Eu intervenho da

maneira que me parece a mais eficaz para otimizar a simbolização possível a um dado

momento e favorecer a apropriação subjetiva pelo analisando de partes de sua vida

psíquica que irá aceitar de ligar dentro do encontro analítico. É essa disposição interna

que me parece caracterizar o mais seguramente o trabalho psicanalítico e não mais tal

ou qual aspecto do dispositivo, o que não significa que eu o negligencie, entretanto a

questão não é, não é mais, identitária para mim.

Essa concepção implica a idéia de que o tratamento é o lugar da vinculação, do

desdobramento e da perlaboração de um conjunto de experiência subjetivas

transferidas para dentro do encontro analítico no qual a elaboração e a metabolização

prosseguem, de sessão a sessão, por um caminho específico de cada um.

Desde esse ponto de vista centrado no processo psíquico, nenhum conteúdo é a priori

privilegiado, nem a priori excluído e, do mesmo modo, nenhum tipo de intervenção é a

priori prescrito ou interditado. É o desenvolvimento do processo associativo, seus

meandros e imprevisibilidades próprias, é o estado da transferência que regula sua

função no curso da sessão, que fornece a medida de cada coisa e não uma teoria

prévia do que “deve” ser a análise. Nisto eu me sinto profundamente fiel à tradição da

psicanálise freudiana, que não fetichiza nenhum conteúdo psíquico particular nem um

tipo de interpretação singular, mas prescreve uma adaptação “sob-medida” às

necessidades do desenrolar da análise. Esta preocupação de adaptação, à altura do

qual tento me manter, ou de me recolocar seguindo minhas variações

contratransferenciais, me conduz a trabalhar de maneira bastante diferente de um

processo a outro, sem por isso não mais me sentir psicanalista. É na pluralidade e pela

pluralidade das facetas da análise que eu ponho em prática, que minha identidade de

analista se sente melhor representada. A “livre adaptação” da análise e do analista, do

“estilo analítico” me parece ser a condição sine qua non da criatividade necessária à

prática analítica.

Tenho o sentimento de que a medida do que deve permanecer invariante na minha

prática será melhor definido por essa disposição de espírito interno, que minha

adaptação sob-medida será mais facilitada. Assim, é nesta disposição interna mais do

que em um dispositivo particular, que eu delimitarei em primeiro lugar a questão do

invariante no trabalho psicanalítico. E este invariante eu situo ao lado do trabalho de

otimização das capacidades de simbolização e de apropriação subjetiva do analisando.

Assim, a disposição interna deve poder estar apoiada por um dispositivo analisante,

pois a disposição interna deve se encarnar, se materializar, se fazer representar e o

trabalho psicanalítico requer assim um enquadre que deve simbolizar “em coisa”, em

ato, de fato o processo de simbolização, o simbolizar para o paciente e para o analista.

Esse dispositivo deve poder encarnar para o analisando o lugar no qual ele poderá vir

a colocar em trabalho a parte de sua vida psíquica que ele deseja engajar no

tratamento. Não basta que o dispositivo simbolize a simbolização para o analista, é

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preciso também que o dispositivo simbolize a elaboração psíquica para o analisando e

isso em função de suas próprias capacidades.

As reflexões as quais eu os convido neste artigo perseguem, na direção do que eu

acabo de indicar, elas que, desde uma boa quinzena de anos eu proponho sobre as

condições de extensão do trabalho psicanalítico, e particularmente sobre situações

analisantes “sob-medida” para certos tipos de funcionamento psíquico, em particular

para aqueles que engajam, qual seja seu modo de funcionamento psíquico, a questão

da análise de problemas identitários.

Desejo começar ressaltando um ponto que me parece implícito em diversos trabalhos

consagrados ao “face- a- face” ou “lado-a-lado” psicanalítico, denominação e postura

que correspondem aliás melhor a meu sentido ao trabalho então empreendido. Ele

prolonga minhas primeiras observações e diz respeito ao “por em latência” do divã e

do dispositivo fundamental da psicanálise nos tratamentos que não o utilizam.

Vários fatores contribuem a este “por em latência” do dispositivo fundamental e/ou a

importância dentro do dispositivo da presença muda do divã, que o encarna e o

simboliza.

O primeiro deles é contratransferencial. O analista fez sua própria análise dentro do

dispositivo divã-poltrona, estando este ligado por ele ao trabalho psicanalítico.Ele fez

em seguida sua formação, e em particular a que comporta os tratamentos

supervisionados a partir desse dispositivo. Dito de outra forma, o divã e o que ele

simboliza, a posição deitada e o convite a passividade e a vulnerabilidade do

afrouxamento das defesas que ela representa, o analista furtado ao olhar, ausente da

percepção visual, todos os elementos significativos do dispositivo psicanalítico estão

“presentes” e de uma certa maneira simbolicamente inseparáveis do que é a análise

para ele. E não é porque o analisando não está deitado durante a sessão, que o “divã”

não está formalmente ocupado, que estas características essenciais desaparecem de

seu funcionamento psíquico. Estão em latência, permanecendo presentes como um

pano de fundo, como objeto de segundo-plano de seu modo de escuta. O divã está

aliás na maior parte do tempo perceptivamente presente, sob os olhos do analista e

mesmo se ele está mudo, permanece organizador. Os analistas não recebem seus

pacientes atrás de uma escrivaninha, mas em presença, ao lado, de um divã.

Mas, me parece que não é somente assim que o divã é implicitamente presente.

Geralmente, a indicação de um trabalho face-a-face ou lado-a-lado se efetua em

função dos perigos onde são pressentidas dificuldades ao tentar engajar uma análise

dentro do dispositivo fundamental, em contra-referência a este, que é um modo de

evocá-lo. Esse trabalho talvez seja concebido como preliminar a uma futura análise

deitada ou, ao contrário, nós voltaremos a este ponto mais a frente, vir a cercá-lo

(n.t.: a palavra clôturer literalmente significa cercar e também parar, terminar. Pensei

no sentido de circunscrevê-lo, mas pode ser que seja de terminá-lo), a prolongá-lo ou

relançá-lo.

Para um analista, formado como tal, o dispositivo fundamental é sempre presente

mesmo quando não é utilizado e mesmo quando o tratamento proposto não é um

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tratamento: certos nossos colegas, que praticam tratamentos familiares, não chamam

sua revista “Le divan familial”!

Parece-me que o que é verdadeiro para o analista também o é para o analisando. Para

ele também o divã é perceptivamente presente, dentro de sua materialidade, ele

frequentemente pousa sobre o divã alguns de seus objetos, que ele “deixa” durante a

sessão, roupa, bolsa, etc. ou, ao contrário, ele evita cuidadosamente depositar

qualquer objeto para deixar o local “livre” e à disposição para uma futura utilização ou

depósito fantasmático. De uma forma ou outra, o divã é significativo. Todo analista

conhece seus olhares em direção ao divã, mesmo os gestos que o designam

mecanicamente e, descuidadamente, como portador de um personagem da história do

analisando, lá ainda “deixado” e ainda presente ao mesmo tempo à distância, de um

personagem ou parte inconsciente de si em espera de integração, posto de lado. A

psicanálise é socialmente simbolizada pela presença do divã no consultório do analista

e , mesmo quando ele não é formalmente utilizado, ele “simboliza” a análise, ele

simboliza a simbolização mesmo para os analisandos que nunca o utilizaram.

Dito de outra forma, mesmo quando os analizandos estão face-a-face ou lado-a-lado, o

dispositivo fundamental da análise me parece estar presente no encontro analítico, ele

é presente e posto de lado e isto me parece essencial no processo.

É particularmente verdadeiro em dois tipos de situações clínicas e de “demandas”

sobre as quais eu me proponho agora de me debruçar, e que me conduziram a propor

o termo “conversação psicanalítica” para tentar delimitar melhor o tipo de trabalho

psicanalítico que tenho conduzido dentro os quais percebi necessidades de processos

de simbolização no tratamento

O primeiro tipo de situação diz respeito a demandas de retomada de análise. A maior

parte das vezes, trata-se de sujeitos que eu não conduzi a primeira “fatia” ou uma das

fatias anteriores, se trata de casos onde várias análises já forma empreendidas, mas

pode tratar-se também, mesmo se na minha experiência é o caso mais raro, de

sujeitos para os quais fui também o primeiro analista. A particularidade dessas

demandas reside no fato de que os analisandos , e isso mesmo quando se trata de

analistas ou de “psis” engajados em uma prática do tipo psicanalítica ou similar,

demandam expressamente que o trabalho não se dê no divã, mas que possam adotar

a posição sentada na poltrona.

Na maioria das vezes, os analisandos se declaram satisfeitos com a análise anterior,

emitem poucas críticas e falam de modo parcimonioso em relação à mesma. Os

analisandos não têm nada a reprovar em particular, nem aos analistas anteriores nem

a situação psicanalítica, simplesmente têm com a impressão de que qualquer coisa de

essencial para eles ainda não pôde ser abordada e desejam continuar o processo

psicanalítico. Sua demanda é de retomar uma análise ou um trabalho psicanalítico,

mas em posição sentada. Quando se pergunta e se tenta descobrir porque eles

preferem essa posição ao divã, não se obtêm muitos dados, mesmo quando os

potenciais analisandos são analistas que, portanto, elaboraram bastante suas análises

anteriores. O fim da análise precedente se deu sob um fundo de impressão que elas

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não poderiam ir mais adiante. O que não significa que o trabalho estava terminado,

mas que ele parou na falta de poder prosseguir. Impressão de risco de se engajar, ou

de que se estava engajado, num processo sem fim e que começava a ser penoso,

como “girando em círculos”. Essa fórmula era suficientemente frequente na minha

experiência para eu achá-la bastante significativa e notá-la. Certos analisandos tinham

a impressão de que eles haviam “feito o tour” que a análise em posição deitada

poderia lhes trazer. Voltarei mais tarde sobre o lugar que pode ter entre essas

particularidades da demanda e a impressão, que eu tinha bastante rapidamente, que

os sujeitos em questão “associavam” sem me olhar, como cortados da minha

presença. Esse modo de funcionamento é até mais singular porque poder-se-ia esperar

que essa demanda de “face-a-face” se acompanha de um apoio sobre a presença

visual do analista e sobre um modo mais “interativo” ou pelo menos mais “presente”

dele. Tudo parece se passar como se, apesar da posição face-a-face ou lado-a-lado,

os analisandos permaneciam sobre o “divã” e continuavam a se “comportar” como se

eles estavam sempre sobre ele.

O segundo tipo de demanda é de natureza bem diferente. Trata-se daqueles

analisandos, principalmente mulheres na minha experiência, com êxito social

importante e uma recusa, não menos importante, menos da passividade do que da

dependência, mesmo se pensarmos que ambas são em parte ligados, mas passividade

enquanto vivida como submissão e rendição. São sujeitos inteligentes, e mesmo muito

inteligentes, dos quais podemos dizer, mesmo se o sentido dessa expressão não seja

muito simples nem muito clara, eles são “capazes” para a análise e têm uma

sensibilidade para os relacionamentos humanos. São líderes, de personalidade forte

que, frequentemente, obtiveram minha admiração durante o tratamento por suas

realizações. A paciente que eu chamei de “Ladie” e que já longamente evoquei no meu

artigo “Le besoin de folie” (“A necessidade da loucura”), do volume de monografias

Winnicott insolite” é um exemplo bastante típico. Esses pacientes não querem se

engajar numa análise, mesmo se pedem uma ajuda psicanalítica e recusam, por

episódios ansiosos ou depressivos para aqueles que consultam, toda ajuda

medicamentosa. Eles não se acomodam a uma situação na qual teriam que associar e

falar do que lhes incomodam sem que o “interlocutor” interviesse. Esperam do analista

que ele se engaje ao menos com uma palavra ou uma interpretação, mesmo se esta

não é, eles a bem compreendem e não lhe demandam aliás, conselhos ou uma

intervenção de suporte.Eles não desejam reasseguramentos, nem uma psicoterapia de

“apoio”, eles querem uma “análise, mas face-a-face e sob forma de “conversação”

sobre suas dificuldades ou coisas essenciais de suas vidas.É a partir das características

de sua demanda, e do fato que ela me parece mais dever ser aceita do que

interpretada – para interpretar como aliás? Recusa da passividade? Da dependência?

Recusa de “regredir”, de deixar sua posição “elevada”, interpretar tais recusas para

visar qual dinamismo, lhe “reprovar” sua recusa? – que eu formulei que eu me

engajava em um trabalho que nomeei, para mim mesmo primeiramente, “conversação

psicanalítica”. Não nos enganemos, se o estilo do encontro será de conversação, no

qual cada um fala a sua vez, mesmo se um, o analisando fala infinitamente mais que o

analista, permanece “psicanalítico”, na medida em que a intervenções do analista,

mesmo se elas não se apresentam formalmente sob forma de interpretação, têm

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sempre um valor interpretativo e levam sempre em conta o estado encontrado na

transferência.

Retornarei mais adiante a certas considerações referentes às particularidades da

transferência e do tipo particular de “squiggle game” que seu manejo parece impor,

mas antes, desejaria voltar sobre o que chamei de “conversação psicanalítica”, nome

utilizado para definir o trabalho empreendido com a primeira demanda que eu evoquei,

aquelas que surgem para quem eu sou o segundo, terceiro até mesmo o quarto

analista.

Comecei a ressaltar que eu tinha me impressionada com a maneira particular dos

analisandos associarem durante a sessão. Já disse que eles pareciam “associar” como

se estivessem ainda sobre o divã. Já ressaltei que eles falavam pouco das análises

anteriores. Não por que elas estivessem pouco presentes no conteúdo do que diziam

na sessão. Elas estavam “presentes” na maneira particular de me falar, sem me olhar

apesar deles terem pedido explicitamente uma posição “face-a-face”. Não pareciam

esperar algo de mim, ao menos no plano manifesto, nem me endereçavam

particularmente a palavra. A análise frequentemente começava me dando a impressão

de que a forma da associação que adotavam “girava em círculos” e mesmo, “girava em

vazio”, produzindo em mim a impressão de um turbilhão em volta de um vazio central.

Chamava também a atenção como interpretavam, eles mesmos, os próprios sonhos e

a maioria do material que traziam. As interpretações que propunham de seu próprio

funcionamento estavam, aliás, longe de serem destituídas de interesse ou de

pertinência e eu geralmente me perguntava, naqueles tempos, o que eu poderia

contribuir que eles já não teriam realizado “em profundidade, em ampliação e através”

e bem melhor do que eu saberia fazer.

Mas, acima de tudo, o que me impressionava do que podemos chamar seu

“comportamento” durante a sessão, era o modo, na maior parte do tempo, desprovido

de afeto e cindido de toda “destreza” manifesta. O objeto buscado parecia furtar-se às

suas tentativas de apreensão. Eu tinha às vezes a impressão que se eu não estivesse

lá, eles poderiam continuar a falar da mesma maneira. Porém, na maioria das vezes,

eles me tinham “escolhido” cuidadosamente. Eu estava ausente de seus discursos,

despersonalizado mesmo se pudessem evocar o impacto da uma falta de sessão ou de

qualquer particularidade da análise ou do analista. Mesmo quando faziam formalmente

referência à análise ou a qualquer coisa se reportando a mim, me sentia ausente ou

ausente de seus propósitos, eu não chagava a reconhecer qualquer coisa do processo

em curso, essa referência ficava “teórica’ e “chapada”.

Eu tinha também muitas dificuldades em sentir-se fazendo parte e empático em

relação ao conteúdo trazido. Esse sentimento de separação me evocava um modo de

funcionamento auto-erótico ou auto-sensual, mesmo se passava pela linguagem, e

finalmente, um processo de forma autista. A situação era paradoxal na medida em que

estes analisandos pareciam, por um lado, reclamar minha presença e intervenção, o

que me conduzia a recebê-los em “presença” mas, por outro, todas as suas atitudes

indicavam uma evitação disso.

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A hipótese que se formava pouco a pouco para mim era que seu modo associativo

parecia ser “complementar” de um objeto psiquicamente ausente, que estava

destinado a refrear o efeito de decepção produzido pela ausência psíquica do objeto. A

aparência paradoxal parecia, então, representar o meio encontrado para introduzir na

transferência e me comunicar assim, o impacto psíquico das particularidades desse tipo

de experiência.

A experiência da prática psicanalítica nos ensina a prudência e os benefícios da espera

em ver o que tomará forma. Mas essa espera não produzia nada que me pudesse

facilmente orientar ou que parecesse pertinente ou dinâmico. Eu poderia fazer uma

aposta interpretativa, retomando suas auto-interpretações para dar uma nota mais

pessoal a seu inventário. Quando eu ia por essa via, não demorava a me convencer

que isso não mudava mais do que poucas coisas ao seu funcionamento que

“integrava”, a mais de sua série habitual, o que eu tinha acrescentado sem outra

forma de trabalho psíquico verdadeiro.Toda nova interpretação era eventualmente

acrescentada às quais dispunha, mas sem conflitualidade, sem verdadeiro trabalho de

síntese, sem verdadeiro trabalho psíquico.

Se me apercebia, no momento do encontro analítico, de introduzir a “construção” que

tomava forma pouco a pouco em mim, da sua reação auto-sensual em presença de um

re-encontro primário com um objeto psiquicamente ausente ou inatingível, eu tinha a

impressão de substituir um curto-circuito teórico ao trabalho de análise e a resistência

que se impunha a mim.

No entanto, não demorou em eu ser persuadido da inutilidade da espera paciente e

passiva, que este tipo de interpretação que era necessário mudar de nível ou modo de

intervenção. Pareceu-me interessante começar a tentar “destruir” esse modo de

associação, rompendo com a atitude psicanalítica habitual. Primeiro formulando

questões diretas para tentar “abrir” o círculo fechado de associações, tentando atrair a

atenção sobre a presença de um outro sujeito pensante e pensante sobre o que vinha

sendo dito. Eu tinha a impressão de lhes incomodar, mas persistia nessa forma de me

mostrar presente e me interrogando. Explorava, ainda por vezes através de questões

bastante diretas, mas geralmente questões que me fazia, sobre o contexto das

situações evocadas ou as particularidades dos outros protagonistas e fui pouco a

pouco adotando o estilo “conversação psicanalítica”. Poderia não ocupar mais que o

tempo de uma sessão ou podia se estender sobre uma sequência de várias sessões,

durante um tempo de perlaboração particular, ou mesmo dar um “clima” de sessão

particular por vários meses. Inscreve, então, geralmente sua marca à continuação do

trabalho, mesmo quando o modo de intervenção ganhou um modo mais “clássico”.

É evidente que, quando se é conduzido a adotar um “estilo” interpretativo particular no

curso de uma análise, essa particularidade do modo de intervenção interroga o analista

não somente sobre os aspectos contratransferenciais que puderam ser desta

mobilizados, mas também sobre o que na clínica do encontro pôde conduzir a esse

modo de presença e intervenção. Não me parece pouco oportuno mencionar os

aspectos contratransferenciais mobilizados, pelo contrário, as reflexões apresentam

talvez um interesse suficiente para serem apresentadas.

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A primeira delas diz respeito à relação com a linguagem e, nisto, os dois grupos de

demandas, que em outras partes apresentam numerosas diferenças, não me parecem

fundamentalmente diferentes. Os analisandos com os quais adotei momentaneamente

o estilo “conversação” têm uma fala relativamente fácil, contínua, sem grandes

resistências manifestas no falar. A. Green ressaltou que uma das características do

lugar psicanalítico era o desenvolvimento de uma transferência sobre a palavra, na

medida em que ela é o lugar mesmo da troca e do encontro. Isso significa

particularmente que os modos de expressão não-verbais, em especial os que se dão

pelos canais visuais, devem achar um meio de se transferirem para dentro do aparelho

da linguagem, um meio de serem recuperados por um ou outro dos meios que se

oferecem. Assim, a pronúncia e todos os aspectos não-verbais do aparelho de

linguagem devem ser portadores de mensagens resultantes da linguagem dos afetos

ou de representação-coisa e da sua motricidade gestual. Em outras palavras, uma das

necessidades da situação psicanalítica fundamental é que o conjunto dos modos de

representação pulsional possa achar dentro do aparelho de linguagem um modo de

captura. Porém tais transferências, intra e interpsíquicas têm uma historia semeada de

armadilhas, que são as das clivagens e dos recalcamentos que ocasionam os pontos de

fixação psíquicos e chegam geralmente ao fracasso dos modos de transposição

necessários às transformações assim implicadas. Antes de seres capazes de

“transferirem” para dentro do aparelho de linguagem os diferentes tipos de

representantes da pulsão, o aparelho psíquico deve sofrer desenvolvimentos históricos

complexos, do qual comecei, em outro lugar, a descrever certos tempos estruturais à

latência e durante a adolescência. Um jogo complexo de sexualização primária da

linguagem e de dessexualização secundária desta é necessário para que a palavra

possa recolher a herança dos modos de comunicação não-verbais e pré-verbais, que

ela possa acolher seus representantes psíquicos.

Na realidade aliás, não é jamais a totalidade da “linguagem” do afeto e daquela da

“gestualidade-motriz”, do “gesto” das representações-coisa e de atos, que serão

capturadas dentro do aparelho da linguagem: a transferência intrapsíquica não é sem

resto. Mas quando essa transferência pode ter suficientemente lugar, a relação do

sujeito à linguagem durante a sessão de análise na situação fundamental, testemunha,

seja na sua pronúncia, seja no seu pragmatismo e seus efeitos de retórica, seja enfim

no seu estilo, os modos de comunicação e de mensagens não-verbais e pré-verbais do

analisando. A análise é abatida de seu peso de pulsão e de carne, ela trabalha a

matéria primeira da psique engajada na palavra.

Com os analisandos para os quais a conversação psicanalítica me parece se impor, eu

geralmente constatei que, por mais rico que seja o uso da linguagem, eles não

chegariam a “restaurar” afeto ou representação-coisa ou de ação. Geralmente uma

gestualidade acompanhava o verbo, gestualidade que parecia indispensável à

inteligibilidade do assunto, gestualidade “mensageira” de um movimento, de uma

postura psíquica, de um afeto, gestualidade frequentemente sublinhada por uma

mímica suficientemente acentuada para que tomasse, dessa forma, valor de

mensagem endereçada.

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Geralmente se insiste, quando se evoca o interesse do face-a-face, sobre o

escoramento, procurado na percepção visual do analista. Seu sou pessoalmente

sensível à introdução possível de um outro modo de expressão, no qual um conteúdo

psíquico é “mostrado” mais que dito, ou ao mesmo tempo que é formulado

verbalmente, onde um conteúdo mostrado adquire o status de uma mensagem

transferencial.

Geralmente, mesmo o “diálogo” parece se estabelecer em dois níveis simultâneos, de

um lado se estabelece em um nível verbal, que possui sua coerência própria e de um

outro lado se desenvolve um diálogo mimo-gesto-postural que tem também sua

“lógica” própria e não necessariamente em acordo com o diálogo verbal. Dentro da

linha proposta por Freud em “Construção em análise”, onde ele evoca o impacto das

experiências precedentes ao advento da linguagem, me parece que se pode avançar a

hipótese de uma comunicação eletiva de experiências subjetivas experimentadas antes

que a linguagem verbal possa assumir sua primazia sobre o conjunto dos modos de

expressão do sujeito, ou seja, de experiências arcaicas. O face-a-face, o lado-a-lado

me parecem reintroduzir na relação transferencial, os modos de comunicação

primitivos, de mensagens não-verbais, que utilizam certas formas de afetos, de

gestualidade, de mímicas e um modo de “conversação” que passa por ancoragens

corporais. Melhor, com os sujeitos que a retomada verbal dos modos de comunicação

e de expressão pré-verbal é difícil, pode ser que o face-a-face seja o único meio para

eles de introduzirem na transferência qualquer coisa de suas expressões primitivas.

Não é por acaso se a experiência de muitos analistas converge para considerar que,

quando o sofrimento narcísico-identitário está em primeiro plano no que está em jogo

no trabalho psicanalítico, é geralmente necessário propor o face-a-face ou o lado-a-

lado e eu não estou certo de que seja porque se introduz desta forma a “percepção” e

uma percepção protetora contra um excesso de desorganização ligada à ativação

fantasmática. Pode-se também sublinhar o exibicionismo do “mostrar” que a situação

parecia favorecer. Eu me pergunto, ao contrário, ou antes, complementando, se não é

mais “clinicamente” sensato pensar o interesse do face-a-face a partir de um diálogo

mimo-gesto-postural que ele torna possível e da forma que o “diálogo” ou esta

“conversação” corporais permitem de começar a dar lugar às experiências subjetivas

precedentes ao advento da linguagem verbal. Há alguns anos, já sensível a esta

questão, eu me perguntava se as coisas ditas em palavras deviam também trazer uma

forma corporal de expressão, serem também ditas “ em corpo”. A atuação é uma

forma de agir, uma forma de mensagem transferencial que contém seu lote de

representações-coisa e de afeto, tanto quanto de representações-palavra.

Na análise realizada na posição fundamental, tudo passa pelo aparelho de linguagem e

isto, seja pelo analisando ou pelo analista, cada um a sua maneira, deve encontrar o

meio de capturar as posturas, mímicas, gestos, que agem na comunicação não-verbal

e estabelecer um diálogo que trabalha também este nível sem que seja

necessariamente formalmente evocado. Quando esse trabalho fracassa, observa-se

então frequentemente um recurso ao ato ou ainda à somatização, que parecem então

encarregadas de tentar introduzir, na transferência, o que não chegou a se transferir

para o aparelho de linguagem. O face-a-face, e o diálogo corporal que ele torna

Page 10: A conversação psicanalítica: Um divã em latência, por R. Roussillon

possível, me parecem permitir moderar essas formas de expressão, geralmente

problemáticas, oferecendo um modo de expressão visual dos conteúdos psíquicos de

inscrição na linguagem precária. Para delimitar então de uma formulação a inflexão

que proponho, eu diria que, lá onde se insiste geralmente sobre a problemática da

percepção visual, prefiro pessoalmente por o acento sobre a importância das

“mensagens” que passam pelo canal visual e sobre o endereçamento transferencial

que implicam. A questão de suas interpretação e de sua tomada em consideração nas

interpretações verbais da análise é uma outra questão que mereceria um

desenvolvimento específico.

Uma segunda linha clínica sobre o qual eu desejaria me debruçar agora na

conversação psicanalítica, diz respeito ao registro do funcionamento associativo.

Frequentemente, mesmo na situação fundamental, a associação livre é de fato “focal”,

o que quer dizer que as associações dizem respeito a um fragmento particular de

sonho, ou uma parte da vida, que faz objeto da sessão ou de um momento da sessão.

Como se os analisandos reencontrassem espontaneamente o método associativo com

aquele que Freud trabalhava inicialmente, quando ele propunha a seus pacientes

associarem sobre tal ou qual ponto particular, sobre tal ou qual componente do

sintoma, como se pode ver na obra, por exemplo, na análise do sonho da injeção de

Irma. É uma forma de associação “restrita” que modera as ameaças de desorganização

do discurso, que mantém uma certa coerência e desta forma permite que se

desenvolva uma certa associatividade.Foi a partir de 1907 e a análise de “O homem

dos ratos”, que a regra da associação livre é formulada e que a partir do momento no

qual Freud pode conceber que as associações são, de fato, organizadas de maneira

latente pela existência de “complexos representativos inconscientes”, ou seja, de

organizadores fantasmáticos inconscientes, que asseguram uma certa função de

síntese do discurso. A associação livre, completamente livre, que não é geralmente

esperada senão ao fim da análise, supõe a confiança sobre esse modo de organização

das representações inconscientes. Quando ela não é suficiente, ela é frequentemente

experimentada como exposição a uma ameaça de loucura, ou produzindo um modo

associativo desorganizado.

Nos tratamentos em que fui conduzido a adotar o estilo “conversação”, de modo mais

ou menos acentuado, frequentemente observei as funções particulares da utilização do

funcionamento associativo.

Seja, sob um vértice desobjetalizante e mesmo desubjetivante, a liberdade associativa

parecia produzir uma desorganização progressiva do discurso, a impressão de

coerência dada pela intuição de um organizador inconsciente se desfazia

progressivamente, ou melhor, defensivamente, a palavra girava em círculo.

Frequentemente o analisando acabava por se calar, ou se retirar da sua fala, se

desligar da relação, o que me deixava a impressão de uma fala autistisada. Tudo

parecia se passar então, como se a fala, inicialmente endereçada ao analista, ao não

encontrar um “respondente” se replicava sobre si mesma e que o endereçamento

cessava. O que me fazia evocar mais profundamente uma conjuntura histórica na qual

não há interlocutor (respondente), ou somente um interlocutor potencial de fato

psiquicamente ausente. É inicialmente dentro desses casos que me parece importante

Page 11: A conversação psicanalítica: Um divã em latência, por R. Roussillon

testemunhar que a mensagem contida na cadeia associativa foi recebida e entendida,

acolhida, e que produz ao analista um movimento de metabolização. À aproximação

das angústias subjacentes ao analisando, esta “resposta” será então recebida como um

ponto de ancoragem que torna possível evitar escorregar na superfície lisa de um “still

face” relacional, ou como um apoio contra o qual testa seu próprio limite. As

teorizações “modernas” propõem a metáfora do “continente’ (Bion) ou do envelope

(Anzieu), para tentar representar o trabalho de agrupamento e de ligação psíquica

então solicitada. Parece-me também que se trata das primeiras formações psíquicas

encarregadas de assegurar as premissas da função de síntese, da qual Freud

ressaltava desde os anos 1920 a possível falência nos sofrimentos “narcísicos”.

Sob um vértice mais diretamente elaborativo, o analisando utiliza a associação livre com uma função de ramificação, a sessão é o momento no qual ele “coleta” diferentes momentos ou componentes do fragmento de sua vida psíquica que “traz” à análise. Ele junta, na sessão, os “dados” de uma de suas questões ou de um dos pontos enigmáticos que ele procura constituir em “sintoma” da sessão, para organizar como um conjunto significante, um conjunto que faz “signo” para o analista, que “sinaliza” um fragmento de atividade psíquica inconsciente, isto é, que procura “focar” um conjunto de dados esparsos. Esta coleta pede um “protocolo de recebimento”, ela não terá todo seu valor a não ser que o analista contribua para o trabalho de ligação libidinal em curso, que seu modo de intervenção produza um efeito de co-excitação, de co-subjetivação, necessárias para a ligação psíquica. Nós o tínhamos ressaltado, este modo de funcionamento chama a questão, geralmente o mais pobre de elaboração metapsicológica, mas essencial na atividade de simbolização, da atividade de síntese do eu. O trabalho de simbolização é de fato animado por uma espécie de “respiração” associativa. Tanto os elementos ligados entre eles no seio da representação devem ser desligados para serem introduzidos numa nova combinação, é o tempo “analítico”; não reservado ao analista, ele pertence ao funcionamento psíquico em geral. Tanto, ao contrário, os elementos esparsos devem ser agrupados para produzir um novo complexo representativo, é o tempo de “construção”, que também não é reservado à análise, mas faz parte da bagagem processual do funcionamento da psique em geral. Frequentemente observei que esta segunda operação, aquela do trabalho de coleta e de construção, de focalização associativa, tomava um lugar particularmente importante significativa na atividade associativa dos analisandos do face-a-face com quem era conduzido a realizar um modo de “conversação psicanalítica”.Os analisandos com longa experiência de análise, que já trabalharam com muitos analistas, ao menos no início do tratamento, cada problema é frequentemente acompanhado de um “resumo” dos episódios precedentes de suas análises, o que da a impressão de um conteúdo psíquico que chega “todo interpretado” e ao mesmo tempo parece perder seu objeto. Claro, a princípio, a idéia de um procedimento de “controle” do analista não deixa de vir à mente. Mas, me parece que não deveríamos reduzir este modo de funcionamento a seu componente de controle da interpretação do analista. Acho geralmente mais heurístico considerar que os analisandos vinham “esclarecer” uma questão anterior, a fim de poder a recolocar em trabalho. Este trabalho de agrupamento tanto vem operar na sessão, na transferência e pela transferência, o trabalho de ligação e de libidinização necessário à geração representativa como, sobretudo provoca sua recolocação em movimento, sua re-interpretação, sua retomada.

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O trabalho de “conversação psicanalítica” me parece então análoga a uma forma de “squiggle game” verbal na qual, depois que o analisando propôs sua “forma”, ou mencionou a forma de seu esquema interpretativo de um conteúdo psíquico ou de uma sequência da vida que ele “traz” analista, ele demandou ao analista, a sua vez, de propor uma outra forma ou de transformar aquela que o analisando produziu. Este, por sua vez, interpreta a forma proposta pelo analista e assim, pouco a pouco, se ajusta o trabalho de colocar em cena, em forma e sentido. Propus (1984) o termo de trabalho de co-construção para designar esta forma de squiggle. É essa conjuntura que dá seu aspecto conversacional à sessão, cada um na sua vez e papel, propondo sua maneira pessoal de compreender e interpretar o fragmento da vida psíquica colocada em trabalho. Lembro que o estilo “conversacional” não é de utilização permanente, e que não convém se não durante certos momentos do trabalho psicanalítico, mas que ele prolonga o ambiente particular que dá a sessão além do momento de sua utilização. O modelo do “squiggle-game” combina a forma de um processo suficientemente recíproco para representar a troca e suas diferentes facetas, que podem assim serem trabalhadas na transferência sem cair, por isso, numa relação necessariamente simétrica.Ele assinala que cada um dos parceiros da relação, mais ou menos o analista, “assume” transformar e interpretar aquilo que o outro lhe oferece ou lhe propõe e então, na mesma jogada introduz um certo jogo lá onde a ameaça de dessimbolização arrisca esmagar as potencialidades representativas. Winnicott pôde adiantar que a análise se desenvolve lá onde duas superfícies do jogo se sobrepõem, enunciado este ao mesmo tempo límpido e enigmático na medida em que, se ele delimita a criação de um espaço intermediário, ao mesmo tempo deixa abertas as maneiras concretas nas quais podem se estruturar estes espaços intermediários na prática psicanalítica.O estilo “conversação”, concebido como uma forma de squiggle game me parece representar uma das vias possíveis para pensar como a “sobreposição” das áreas do brincar podem ser concebidas.A alternância do trabalho de “transformação” do sentido de uma sequência psíquica, anunciada e assumida como tal pelo analista, assinala que a forma e o sentido não são inerentes aos conteúdos psíquicos em si mesmos, mas resultam de um certo tipo de trabalho de dar sentido e de interpretação tanto pelo analisando quanto pelo analista e que, a partir do momento que isso é reconhecido, a questão se abre para quem determina a escolha de tal ou qual interpretação. É aí que o espaço do jogo ganha todo o seu sentido numa sessão psicanalítica, tornando-se espaço potencial pela abertura do sentido e do que determina a forma. Haveria ainda muito a dizer sobre a clínica da conversação psicanalítica, mas os limites da presente reflexão não permitem desenvolver a integralidade do que seria desejável na medida em que estas reflexões se apresentam mais como um programa de trabalho do que como uma reflexão já completamente acabada. Particularmente, não abordei a questão, bastante essencial no entanto, dos aspectos “reflexivos” da conversação psicanalítica, que pude sentir como subjacente a todos os trabalhos. Deve-se poder também descrever no mesmo sentido a maneira particular na qual o rosto, o corpo e o funcionamento psíquico do analista funcionam, aqui mais ainda que na situação fundamental, como um “espelho” para os estados afetivos e a atividade psíquica do analisando. Mas, apresenta-se que a metapsicologia de uma sessão de “conversação” ainda não está completamente “madura” e trata-se antes de começar a formular as questões que esse tipo de “estilo” de trabalho coloca. Me parece que comecei a abrir três direções de pesquisa que apelam para desenvolvimentos complementares indispensáveis.

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A primeira refere-se ao estatuto do divã no face-a-face ou lado-a-lado.

A segunda interroga a relação diferencial da ligação à linguagem na situação

fundamental e na posição sentada. Particularmente a abertura da questão da maneira

como as experiências pré-verbais podem ser transformadas em “mensagens” utilizáveis

pela análise. Essa questão me parece crucial para o aprofundamento da análise da

construção das bases narcísicas do sujeito.

Enfim, a terceira abre para a questão da análise da “função de síntese do Eu” e de sua pré-história. Em 1938 Freud enfatizou que o analista é levado a alternar a análise de “fragmentos do Id” e de “fragmentos do Eu”, ele também ressaltou desde 1923 que uma das dificuldades às quais a reação terapêutica negativa confronta o analista vem precisamente do fato que a função de síntese do Eu não é exercida ou o é muito mal nestes casos. Pode-se facilmente pensar que o fracasso mais ou menos parcial das capacidades de síntese do Eu está ligada ao baixo nível de libidinização da atividade psíquica. Se “Eros gosta de realizar conjuntos sempre mais amplos” (S Freud 1920), pode-se pensar que sua função é essencial para a emergência da atividade de agrupamento necessária a que Freud chama de “síntese”. Mas que lugar ocupa o objeto nesta atividade de agrupamento? A experiência da análise da função das associações nas situações que me conduziram a adotar o estilo “conversação” parece indicar que o agrupamento se efetua no encontro com o objeto, na presença do objeto e também em função da maneira na qual o objeto contribui a acolher e recolher a atividade de agrupamento. Os clínicos do autismo enfatizaram que o “agrupamento” corporal do bebê, pré-condição de seu agrupamento psíquico dependia fortemente do tipo de “sustentação” do objeto. O apoio central das costas e a sustentação da cabeça torna possível que a hiper-extensão primitiva dos braços se reduza e que assim mão e olho sejam percebidos ao mesmo tempo e ao mesmo tempo que o rosto materno (Bollinger). Eu faria a hipótese complementar que este agrupamento corporal só pode integrar-se se for acompanhado por uma experiência de co-excitação libidinal sustentada pelo objeto e refletida em particular pelo seio e o rosto do objeto. A análise e o desligamento analítico necessário às transformações psíquicas só podem dar sua plena contribuição se uma atividade de religação vier contrabalançar o trabalho de desligamento. O estilo “conversação” psicanalítica aparece neste contexto como uma forma de se manter psicanalista, respeitando os delineamentos da atividade de religação necessária à continuação do trabalho de simbolização e de subjetivação.

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