A conversação em rede

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Livro de Raquel Recuero

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  • 3A CONVERSAO

    EM REDE comunicao mediada pelo computador e redes sociais na Internet

    Raquel Recuero

  • 4R311c Recuero, Raquel. A conversao em rede: comunicao mediada pelo computador e redes sociais na Internet / Raquel Recuero Porto Alegre: Sulina, 2012. 238 p. (Coleo Cibercultura) ISBN: 978-85-205-0650-9 1. Comunicao Digital. 2. Internet. 3. Cibercultura. 4. Redes Sociais. 5. Conversao. I. Ttulo CDD: 302.2 303.483 CDU: 316.77

    Raquel Recuero, 2012.Capa: Eduardo MiottoEditorao: Vnia MllerReviso:Gabriela KozaReviso grfica:Miriam GressEditor: Luis Gomes

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao CIPBibliotecria Responsvel: Denise Mari de Andrade Souza CRB 10/960

    Todos os direitos desta edio reservados Editora Meridional Ltda. Av. Osvaldo Aranha, 440 cj. 101 Bom FimCep: 90035-190 Porto Alegre-RSTel: (0xx51) 3311-4082Fax:(0xx51) 3264-4194www.editorasulina.com.bre-mail: [email protected]{Maio/2012}IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL

  • 7sumrio

    APRESENTAO .......................................................................................INTRODUO .............................................................................................1 ComuniCao mediada pelo ComputadoR e Con-VERSAO ...............................................................................................1.1 A conversao como apropriao no ciberespao .......1.2 Caractersticas da conversao mediada pelo com-putador .....................................................................................................1.2.1 O ambiente da conversao ..........................................1.2.2 Escrita oralizada ..............................................................1.2.3 Unidade temporal elstica: os tipos de conversa-o mediada .....................................................................................1.2.4 Pblicas e privadas: os tipos de conversao mediada .............................................................................................1.2.5 A representao da presena .......................................1.2.6 Migrao e multimodalidade ........................................2 A ORGANIZAO DA CONVERSAO MEDIADA PELO COMPUTADOR ......................................................................................2.1 Turnos e pares ...............................................................................2.2 Rituais da conversao mediada pelo computador ......2.3 A noo de polidez .......................................................................3 O CONTExTO NA CONVERSAO MEDIADA PELO COM-PUTADOR ................................................................................................3.1 Microcontexto e macrocontexto .............................................3.2 A construo dos contextos .......................................................3.3 A recuperao do contexto .........................................................3.4 A negociao do contexto ............................................................

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  • 84 A CONVERSAO EM REDE ...............................................................4.1 Problematizando a conversao em rede ..........................4.1.1 Redes sociais na Internet e sites de rede social ...4.1.2 O capital social e as redes sociais na Internet .......4.2 Os processos da conversao em rede ................................4.2.1 perfis como conversaes ..............................................4.2.2 as conexes e a conversao ........................................4.3 O problema do contexto ............................................................4.3.1 o pblico e o privado nas conversaes online ...4.3.2 A visibilidade na conversao .......................................4.3.3 Multimodalidade, migrao e multiconversao4.3.4 Capital social e a polidez nas redes sociais .............5 ESTUDANDO A CONVERSAO EM REDE .................................5.1 Mapas de conversao em rede .............................................5.1.1 A anlise de redes sociais e a conversao ...........5.1.2 Caso 1: #GTCiber .................................................................5.1.3 Caso 2: #BeloMonte ..........................................................5.1.4 Conversaes em torno de acontecimentos: casos Amy Winehouse e Oslo ...............................................................5.2 Efeitos e impactos da conversao em rede ......................CONSIDERAES FINAIS: O FENMENO DA CONVERSA-O EM REDE ............................................................................................NDICE DE FIGURAS E TABELAS ......................................................REFERNCIAS ............................................................................................

    121123127134138139143146146152155160171173174177187195201215221223

  • 9ApresentAo

    A conversa uma prtica de linguagem genui-namente cotidiana, pois, todos os dias, conversamos uns com os outros, respondendo, contestando, concordando, opinando. A conversao, portanto, realiza-se de muitas formas e maneiras, graas a sua relao com o contexto imediato. Nesse sentido, como j assinalaram Sacks, Schegloff e Jefferson (1974), a conversao o gnero mais bsico da interao humana e, por isso, foi considerado por esses autores como a pedra sociolgica fundamental da interao entre os homens. Nessa mesma direo, nos anos 20 do sculo passado, Bakhtin ([1953] 2000) j analisava a conversa como sendo um dos gneros primrios mais ligados s esferas do discurso cotidiano. A conversa, segundo este pensador russo, no apenas est associada s necessidades cotidianas das pessoas como tambm um gnero fundamental para a constituio de outros que Bakhtin denominava de secundrios, como o romance, por exemplo. Se a conversao o gnero mais bsico e mais primrio da interao humana, importante olharmos

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    para ela como um gnero basilar o qual afetado por seu contexto imediato e pelas tecnologias que sustentam, registram e atualizam as reelaboraes pelas quais passam esse gnero. afinal, uma tecnologia projeta estratgias de textualizao, gera um novo gnero e subverte, at certo ponto, cnones bem estabelecidos no processo de construo social (Marcuschi, 2000, p. 10). exatamente nessa direo que Raquel Recuero traz lume o seu novo livro: A conversao em rede: comunicao mediada pelo computador e redes sociais na Internet. Neste trabalho, Recuero mostra com acuidade acadmica que as ferramentas computacionais h muito deixaram de ser apenas isso: ferramentas. Elas evoluram para serem espaos conversacionais importantes, j que os usos que fazemos delas reelaboram a conversa e esta passa a ter outras feies. em funo disso, partindo de uma problematizao do conceito de Comunicao Mediada pelo Computador (CMC), Recuero oferece um exerccio de sistematizao dos usos sociais do computador e de outros artefatos digitais que permitem a prtica do gnero mais antigo da humanidade: a conversao. Nessa empreitada, teorias da Pragmtica Lin-gustica, como a Sociolingustica Interacional e a Anlise da Conversa, so convocadas pela autora para explicar o conceito de conversao, o qual delineado como um processo organizado, negociado pelos atores, que segue determinados rituais culturais e que faz parte dos processos de interao social. Nesse sentido, por ter base epistemolgica no interacionismo simblico, Recuero prope que a conversao virtual seja entendida como um caso de apropriao, isto , as ferramentas da

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    CMC so apropriadas com carter conversacional pelos usurios. Logo, o conceito de apropriao muito bem construdo no primeiro captulo do livro. Por meio dessa discusso, o leitor compreende-r, por exemplo, que algumas idiossincrasias da conver-sao na web resultam muito menos da determinao das ferramentas computacionais e muito mais dos usos que as pessoas fazem delas. E quais seriam as caractersticas dessa apropriao? Qual o papel do ambiente no proces-so de apropriao? Como explicar o fenmeno da orali-zao da escrita que emerge das conversaes digitais? Quais os tipos de conversa que emergem da apropriao? Como as presenas dos interagentes so representadas pelos que praticam a conversao na web? E como a mul-timodalidade e a migrao afetam as conversas digitais? essas questes so bem discutidas no primeiro captulo, o qual oferece slidas reflexes acerca das caractersticas da Comunicao Mediada pelo Computador.Aps essa caracterizao, somos conduzidos pela autora, no segundo captulo, por meio da seguinte proposio: se a conversao um evento organizado com uma sintaxe que lhe prpria, ento podemos nos perguntar se essa organizao se manifesta de outro modo quando lidamos com a conversa em rede. Nesse sentido, Recuero discute ainda sobre a organizao da conversa em ambientes digitais e, para isso, retoma as noes de turno e de pares, flagra rituais da conversao em rede e conclui o captulo do livro discutindo a noo de polidez lingustica, pois, segundo Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 77), a polidez evidencia os aspectos do discurso que so regidos por regras cuja funo preservar o carter harmonioso da relao interpessoal.

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    Dando prosseguimento e contorno discusso sobre a organizao da conversa nos ambientes digitais, a autora nos fala acerca da relevncia do contexto para a conversao mediada pelo computador. A noo de contexto, entretanto, no simples e, por isso, Recuero a problematiza no terceiro captulo, oferecendo ao leitor um leque de discusses que tratam do microcontexto e Macrocontexto. A discusso sobre o contexto relevante porque, conforme salienta Recuero, ele no algo dado e/ou estanque. Pelo contrrio, por ser essencial organizao da conversao, os contextos no apenas definem os rumos da interao como tambm convocam e provocam os interagentes a se engajarem em um exerccio mtuo e constante de (re)construo, recuperao e ne-gociao dos contextos de suas conversas.No quarto captulo, A conversao em rede, encontramos uma importante contribuio para quem se interessa pelo estudo das redes sociais, j que Recuero ajusta sua lupa para examinar as caractersticas espe-cficas das conversaes nas redes sociais na Internet. Cuidadosamente, a metfora da rede apresentada e discutida neste captulo para, na sequncia, dar realce importante noo de capital social para a conversao em rede. toda essa reflexo feita luz de dados empricos, que sustentam a discusso terica proposta pela autora, o que a torna mais vigorosa do ponto de vista acadmico.Prximo concluso do livro, Recuero apresenta o captulo Estudando a Conversao em Rede o qual mostra a Anlise de Redes Sociais como sendo uma relevante alternativa terico-metodolgica para o estudo da conversa em rede sociais. Com base nessa perspectiva, as anlises feitas por Recuero pem em cena diversos

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    mapas de conversao em rede, os quais evidenciam alguns efeitos e impactos da conversao, salientando seus aspectos estruturais e semnticos. Nesse sentido, a alternativa terico-metodolgica se mostra produtiva devido ao fato de que o objeto de estudo conversa em rede complexo, portanto estud-lo sob apenas um vis seria depauperar a anlise. Com base nessa sumria apresentao, pos-svel afirmar que este livro tem mrito acadmico no apenas por ser muito bem escrito, mas tambm por reunir elementos que certamente despertaro o interesse amplo de pesquisadores da rea de Lingustica Aplicada, da Comunicao Social e de outras rea afins. isso se justifica na medida em que oferece contribuies tericas, metodolgicas e empricas para que se entenda melhor a conversa em rede luz da Pragmtica Lingustica e da anlise de Redes Sociais. Graas aos distintos fios tericos que o tecem, o livro mostra com lucidez que a conversao em rede no somente aquela conversa to antiga quanto a linguagem, mas, no contexto das ferramentas digitais, ela uma conversao emergente que, em funo dos usos das ferramentas computacionais, passa por vrios processos de reelaboraes. Como bem conclui Recuero, o ponto fundamental aquele onde essa conversao reconstri prticas do dia a dia, mas que, no impacto da mediao, amplifica-se e traz novos desafios para a compreenso de seus impactos nos atores sociais.Prof. Dr. Jlio ArajoDocente do Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Cear.Fortaleza CE, janeiro de 2012.

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    REFERNCIASBAKHTIN, M. Esttica da criao verbal. So Paulo: Martins Fontes, 2000.KERBRAT-ORECCHIONI, C. Anlise da conversao: prin-cpios e mtodos. So Paulo: Parbola Editorial, 2006.MARCUSCHI, L. A. Gneros Textuais Emergentes no Contexto da Tecnologia Digital. In: MARCUSCHI, L. A.; xAVIER, A. C. S. Hipertexto e gneros digitais: novas formas de construo do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.SACKS, H.; SCHEGLOFF, E.; JEFFERSON, G. A Simplest Systematics for the Organization of Turn Taking for Conversation. Language, 50 (4), p. 696-735, 1974.

  • INTRODUO

    Recentemente, o Facebook' atingiu a marca de 800 milhes de usurios em todo o mundo, tornando-se uma das maiores ferramentas de comunicao na Internet em nmero de usurios.2 O Orkut3, no final de 2009 tinha mais de 30 milhes de usurios apenas no Brasil, de acordo com dados do Ibope/Nielsen.4 O Twitter5, ainda outra ferramenta bastante popular, tem cerca de 200 milhes de usurios estimados em maro de 2011.6 Essas ferramentas pertencem categoria cada vez mais popular dos "sites de rede social", ou

    1 http:/ jwww.facebook.com 2 Dados de http:/ jwww.facebook.com/press/info.php?statistics. Acesso em dezembro de 2011. 3 http:/ j www.orkut.com 4 Dados de novembro de 2009. 5 http:/ jwww.twitter.com 6 http:/ jwww.bbc.co.ukjnews/business-12889048. Acesso em de-zembro de 2011.

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  • seja, ferramentas que proporcionam a publicao e a construo de redes sociais. As redes sociais so as estruturas dos agrupamentos humanos, constitudas pelas interaes, que constroem os grupos sociais. Nessas -ferramentas, essas redes so modificadas, transformadas pela mediao das tecnologias e, principalmente, pela apropriao delas para a comunicao.

    Com a popularizao dessas ferramentas, as prticas de uso de computadores, notebooks, celulares etc. para trocar ideias e conectar-se a outras pessoas passaram a fazer parte do dia a dia de milhares de pessoas em todo o mundo, incorporadas no cotidiano de suas prticas de comunicao. Com isso, essas tecnologias passam a proporcionar espaos conversacionais, ou seja, espaos onde a interao7 com outros indivduos adquire contornos semelhantes queles da conversao, buscando estabelecer ejou manter laos sociais8. Passam a representar um espao de lazer9, lugares virtuais onde as

    7 Os termos interao e conversao nem sempre so sinnimos. Neste livro, interessa-nos as chamadas interaes sociais, ou seja, construdas entre atoles sociais, com o propsito de negociai~ construir e dividir sentidos. A partir deste ponto de vista, interao entre atores sociais acontece atravs da conversao (Marcuschi, 2006). Assim, a linguagem um ato social que compreende, em s i, interao (Koch, 2007). Portanto, como focamos a interao social, esta ser tomada aqui como sinnimo das prticas conversacionais que acontecem entre atores no ciberespao. 8 Laos sociais, conforme explicaremos nos captulos seguintes, so as crlXOes entre os indivduos, criadas e mantidas atravs da interao e da conversao, que vo os grupos conectados a cada um. 9 Vide Rheingold (1995) sobre a obra de Oldenburgh (1989) e os chamados "terceiros lugares".

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  • prticas sociais comeam a acontecer, seja por limitaes do espao fsico, seja por limitaes da vida moderna, seja apenas pela comodidade da interao sem face. Tratam-se de novas formas de "ser" socia l que possuem impactos variados na sociedade contempornea a partir das prticas estabelecidas no ciberespao. Essas prticas so tambm dependentes das limitaes tcnicas dos espaos construdos para a interao que vo reconstruir, atravs da apropriao, sentidos e convenes para a conversao online. Ao mesmo tempo, essas conversaes tm novos formatos e so constantemente adaptadas e negociadas para acontecer dentro das limitaes, possibilidades e caractersticas das ferramentas.

    Este livro focado nas conversaes que emergem e estabelecem os rastros dos usurios nes-ses espaos. Mais do que meras interaes, essas milhares de trocas entre pessoas que se conhecem, que no se conhecem ou que se conhecero representam conversaes que permeiam, estabelecem e constroem as redes sociais na Internet. As caractersticas dos sites de rede social, nesse contexto, acabam gerando uma nova "forma" conversacional, mais pblica, mais coletiva, que chamaremos de conversao em rede. As conversaes que acontecem no Twitter, no Orkut, no Facebook e em outras ferramentas com caractersticas semelhantes so muito mais pblicas, mais permanentes e rastreveis do que outras. Essas caractersticas e sua apropriao so capazes de delinear redes, trazer informaes sobre sentimentos coletivos, tendncias, interesses e intenes de grandes grupos de pessoas. _?o essas conversas pblicas e coletivas que hoje influenciam a cultura, constroem fenmenos e espalham informaes e memes,

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  • debatem e organizam protestos, criticam e acompanham aes polticas e pblicas. nessa conversao em rede que nossa cultura est sendo interpretada e reconstruda.

    Compreender essas prticas, assim, chave para que possamos tambm compreender de modo mais aprofundado essas redes e seu impacto no mundo contemporneo. Essas conversaes no so, desse mo-

    - .. -do, determinadas pela existncia desses novos meios, mas elementos de apropriao dos grupos sociais de . ferramentas com potencial comunicativo. 10 Nesse sentido, importante salientar a percepo da conversao me-

    ) diada pelo computador-co~o- uma apropriao de um sistema tcnico para uma prtica social. Ela , portanto, criativa, dinmica e difcil de ser capturada e enquadrada em um nico foco e em uma nica perspectiva. este o risco de elencar suas "caractersticas". Por serem dinmicas, elas mudam com o tempo e com as prprias ferramentas que surgem e so reapropriadas pelos atores.

    Este livro, assim, busca ser um incio de discusso. Queremos, atravs dessa sistematizao e do debate das apropriaes correntes, oferecer subsdios para a discusso de prticas que ainda no aconteceram e formas de estudo que ainda no foram pensadas. Dentro dessa perspectiva, este trabalho busca discutir como compreender essa conversao em rede a partir dos conceitos de Comunicao Mediada por Computador, procurando v-la atravs de um prisma social e cultural.

    10 Primo (2006), por exemplo, j atenta para o perigo de se poder perceber a interao como apenas dependente do meio, explicando que preciso compreend-la como um processo criativo.

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  • Assim, o livro organizado em cinco captulos. No primeiro, procuramos discutir o conceito de conversao no espao da mediao digital do computador como uma apropriao. Discutimos ali algumas perspectivas tericas a respeito do conceito e suas caractersticas. A seguir, no segundo captulo, pensamos nessa conver-sao a partir de suas caractersticas organizacionais, ou seja, de um modo especfico, a estrutura de pares, os rituais da conversao e o conceito de polidez, focando como a mediao altera esses elementos. No terceiro captulo, focamos o debate do elemento que consideramos o mais crtico: o contexto. Esta , para ns, a questo crucial da conversao mediada, tanto pelas caractersticas e limitaes do meio, quanto pelas apropriaes possveis que so criadas pelos atores. No quarto captulo, trazemos a ide ia de conversao em rede, explicitando suas caractersticas a partir dos sites de rede social e da apropriao das redes sociais no ciberespao. No quinto e ltimo captulo, apresentamos algumas propostas de estudo das prticas da conversao em rede e suas possveis contribuies.

    Com esta estrutura, buscamos, assim, construir um conjunto de observaes, debates e ideias a respeito da conversao no espao da mediao, focando de modo mais especfico no que chamamos de conversao em rede: aquela que surge dos milhares de atores interconectados que dividem, negociam e constroem contextos coletivos de interao, trocam e difundem informaes, criam laos e estabelecem redes sociais.

    importante salientar ainda que, neste livro, vemos a rede social como o grupo de atores que utiliza determinadas ferramentas para publicar suas conexes e

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  • interagir. Assim, o ~t QUo Facebook no so rede socia!, mas, sim, o espao tcnico que proporciona a emergncia dessas redes. As redes sociais, desse modo, no so pr-

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    construdas pelas ferramentas, e, sim, apropriadas pelos atores sociais que lhes conferem sentido e que as adaptam para suas prticas sociais.

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    COMUNICAO MEDIADA PELO COMPUTADOR E CONVERSAO

    Ana chega da escola, corre para o computador. Ali, por meio de diversas ferramentas, conversa com as amigas e comenta os at:ontecimentos do dia. Joo faz um pequeno intervalo para o caf no seu trabalho. Enquanto toma caf, checa seus e-mails e conversa com os amigos via Internet no celular, combinando um happy hour. Ester prepara-se para conversar com os netos, que esto visitando outro pas, usando seu novo laptop. As cenas, embora fi ctcias, descrevem prticas cotidianas cada vez mais comuns em todas as partes do mundo.~ computador, mais do que uma ferramenta de pesquisa, de processamento de dados e de trabalho, hoje uma \ferramenta socif) caracterizada, principalmente pelos usos conversacionais. Isso quer dizer que os computa-dores foram apropriados como ferramentas sociais e que esse sentido, em muitos aspectos, fundamental para a compreenso da sociabilidade na contemporaneidade.

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  • Assim, neste captulo, discutiremos como a Comunicao Mediada pelo Computador d espao para as prticas conversacionais e como esses dois conceitos podem ser vistos diante das apropriaes sociais que lhes do forma e contedo. Para iniciar a apresentao desse tema, preciso, antes, d iscutir o que so e como se apresentam essas prticas conversacionais.

    As prticas de conversao na mediao do computador so comumente referidas na literatura dentro do estudo da chamada Comunicao Mediada por Computador (CMCll). Essa perspectiva de estudos abarca todo um conjunto de prticas sociais decorrente das apropriaes comunicativas das ferramentas digitais e discutida por diversos autores desde o princpio dos estudos a respeito do impacto do ciberespao como ambiente comunicacional na vida social. Isso porque _i! I?rpria histri~ da Internet confunde-se com a histria da apropriao conversacional da tcnica que lhe deu . origem. O projeto da Web, por exemplo, foi comentado e apresentado por Tim Berners-Lee em um frum de discusso12, enquanto o mesmo era construdo em 1991. O prprio surgimento das primeiras redes se faz enquanto milhares desses programadores esto, justamente, tro-

    11 no sentido de "Comunicao Mediada pelo Computador" que a s igla ser usada neste trabalho. 12 http://groups.google.comjgroupjalt.hypertextjtreef browse_frm/ thread/7824e490ea 164c06/f61 cl ef93d2a8398?rnum=l &hl=en& q =group:al t.hyper text+author:Tim+author: Berners-Lee&_done= f groupjal t.hypertext/browse_frm/thread/7824e490ea164c06/f61c lef93d2a8398?tvc%3Dl%26q%3Dgroup:alt.hypertext+author:Tim +author:Berners-Lee%26hl%3Den%26&pli=l. Acesso em dezembro de 2011.

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  • cando mensagens a respeito de como implement-las. Assim, a Comunicao Mediada pelo Computador foi consolidada como a rea de estudo dos processos de comunicao humanos realizados atravs da mediao das tecnologias digitais.

    Para Baron (2002, p. 10), ~_MC " defin ida de modo amplo como quaisquer mensagens de linguagem natural que sejam transmitidas e jou recebidas atravs de um computador. Falando de modo geral, o termo CMC se refere linguagem natural escrita enviada via Internet"P O conceito de Baron d uma percepo bastante in-teressante do que o foco da Comunicao Mediada pelo Computador, mas datado, pois falha ao considerar outros aspectos no escritos, como a linguagem oral e visual. December (1996) d uma definio semelhante, focando tambm os aspectos tcnicos da mediao, ampliando-a para a troca de informaes usando servios de te-lecomunicaes em rede, outro elemento fundamental. Entretanto, o conceito de CMC no diz respeito apenas aos elementos tcnicos das fe rramentas e nem apenas linguagem escrita. H uma pluralidade de aspectos sociais e culturais que tambm precisam ser observados. Herring (1996) d um conceito mais completo. Para a autora, a Comunicao Mediada pelo Computador "a comullrCao que acontece entre seres humanos atravs da instrumentalidade dos computadores"14 (p. 1).

    13 Traduo da autora para: "ls loosely defined as any natural language messaging that is transmitted andjor received via a computer connection. Generally speaking, the term CMC refers to a written natural language message sent via the Internet". 14 Traduo da autora para: "ls communication that takes place between human beings v ia the instrumentali ty o f computers".

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  • Herring tambm salienta a importncia do estudo dos aspectos sociais e culturais da CMC, bem como a necessidade do estudo da linguagem que emerge nessa ferramenta. Consideramos essa perspectiva como mais adequada, pois vai alm do foco na CMC como uma ferramenta, ou como restrita s ferramentas, mas observando tambm as relaes que ali emergem e as prticas sociais e lingusticas que ali tomam forma. De fato, h inmeras ferramentas que proporcionam esse ambiente, algumas facadas apenas em texto, outras em imagem, outras em som e outras, ainda, que compreendem todos esses elementos.

    Mas a CMC no influenciada somente pelas suas ferramentas. Ela , tambm, um produto da apropriao social, gerada pelas ressignificaes que so construdas pelos atores sociais quando do sentido a essas ferra-mentas em seu cotidiano. Jones (1995) constri, alm disso, uma definio que foca esse elemento. Para ele, a CMC no apenas constituda de um conjunto de ferramentas, mas um motor de relaes sociat?, que no apenas estrutura essas relaes, mas tambm pro-porciona um ambiente para que elas ocorram. na CMC que as relaes sociais so forjadas pelas trocas de infor-mao entre os indivduos e principalmente atravs das conversaes que essas prticas so estruturadas. A Comunicao Mediada pelo Computador , assim, um conceito amplo, aplicado capacidade de proporcionar trocas entre dois interagentes via computadores.

    A pesquisa em Comunicao Mediada pelo Computador tem sido desenvolvida de forma ampla, principalmente por linguistas e socilogos, em vrias partes do mundo. De um modo geral, podemos apontar

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  • algumas vertentes importantes. H aqueles que estudam o discurso produzido na CMC (tambm apontado por alguns como "discurso mediado por computador"). Herring (2001) explica que a diferena desta perspectiva seu foco "na linguagem e no uso da linguagem nos ambientes em rede dos computadores". Por outro lado, tambm h uma perspectiva interacional, focada nas trocas sociais que emergem dessas trocas lingusticas e, de modo mais pontual, nos efeitos dessas trocas (vide, por exemplo, o trabalho de Wellman, 2001), desenvolvidos principalmente por pesquisadores das cincias sociais. difcil, no entanto, separar as duas perspectivas. Por exemplo, o livro Computer-Mediated Communication: Linguistic, Social and Cross-Cultural Perspectives, orga-nizado por Herring (1996), traz uma abordagem mais abrangente do conceito, apresentando no apenas pers-pectivas lingusticas e discursivas, mas perspectivas tambm sociais e culturais. Essa perspectiva trplice que faz to rica a pesquisa na rea de CMC.

    Neste livro, optamos por focar a conversao como a principal forma de CMC, tomando esta viso trplice como ponto de partida. De um lado, uma perspectiva lingustica de estrutura e organizao; de outro, os aspectos culturais das apropriaes; e, final-mente, os efeitos dessas trocas a partir desses dois elementos. a partir da que vemos a conversao em rede: trata-se de um fenmeno novo, que exige dos estudiosos e pesquisadores novas formas e perspec-tivas de estudo. Essa conversao em rede uma das formas de CMC. Entretanto, antes de irmos adiante, preciso discutir como esses conceitos permeiam-se e confundem-se em nossa perspectiva.

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  • A Comunicao Mediada pelo Computador, de um modo geral, intrinsecamente relacionada com a fala e com a oralidade e com a dinmica dialgica que caracteriza a conversao. Herring (2010) explica que essa comparao extremamente comum e remonta j a alguns dos primeiros trabalhos que focaram a CMC. Por exemplo, o trabalho de Scoble e Israel (2006) des-creve como "conversaes nuas" (naked conversations) o contedo dos weblogs15 que estabelecem uma con-versao com toda a blogosfera. Do mesmo modo, outros trabalhos, como o de Baron (1998), tambm citam ferramentas como o e-mail como conversacionais, ou mesmo, mais recentemente, trabalhos como o de De Moor e Efimova (2004), sobre os blogs. Riva e Galimberti (1998) tambm se referem "conversao virtual" como uma das principais formas de CMC. Para os autores, a existncia da conversao no ambiente virtual depende de um contexto comum que precisa ser negociado pelos participantes na ferramenta. De um modo geral, as trocas no mbito da CMC parecem ser construdas em um nvel mais prximo da informalidade e da oralidade (Herring, 2001) do que, propriamente, da linguagem escrita. Alm disso, essa caracterstica parece perpassar todas as ferramentas de CMC e s uas apropriaes. V-se, portanto, que embora seja claro para muitos o referencial

    15 Weblogs ou blogs so ferramentas de publicao que facil itaram o processo de colocar informaes na web. So utilizados com os mais diversos fins, como dirios, revistas e mesmo jornais. O que os caracteriza sua estrutura de postagens (pequenos textos} focada no tempo (organizada sempre com o mais recente no incio} com a possibilidade de comentrios (vide Amaral, Montardo e Recuero, 2009}.

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  • da conversao mediada pelo computador como anlogo conversao oral, ele no simples de ser observado e pode compreender uma grande quantidade de fen-menos diferentes.

    Como Baron (2002), observamos que a CMC confunde-se com a conversao na maior parte dos as-pectos, onde emergem prticas dialgicas e sociais. Den-tro desta perspectiva, a comunicao mediada pelo com-putador compreende prticas conversacionais demar-cadas pelas trocas entre os atores sociais. Suas caracte-rsticas advm, deste modo, tambm da apropriao das ferramentas digitais como ambientes conversacionais. Examinar essas conversaes, portanto, essencial para que se compreenda tambm as mudanas na linguagem e nos grupos sociais que emergem nesses espaos. Assim, iniciaremos a discusso apontando o que e como pode ser percebida a conversao no ciberespao.

    1.1 A conversao como apropriao no ciberespao

    A conversao uma das prticas mais recor-rentes na CMC e uma das apropriaes mais evidentes em seu universo. Entretanto, para que possamos discutir como ela aparece no ciberespao16, preciso compreender

    16 Utilizamos o conceito de ciberespao porque as tecnologias digitais, em nosso ponto de vista, criam um ambiente que apropriado pelos grupos sociais, uma forma de espao simblico. Esta ideia ser discutida adiante neste livro a partir da perspectiva de Fragoso (2000).

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  • o que constitui o fenmeno no espao offline17. Assim, iniciaremos debatendo o que e como compreendida a conversao.

    Quando pensamos em "conversar", rapidamente imaginamos uma srie de fenmenos caractersticos da linguagem oral e da interao humanas. Por exemplo, a imagem de um dilogo evoca uma srie de elementos, pertencentes tanto ao P.lano daquilo que dito, quanto tambm ao do modo como dito e s circunstncias que so relevantes. Enquanto interagentes, estamos constantemente conectados a todas as informaes que nos auxiliam a perceber e a interpretar aquilo que dito pelos outros e a negociar aquilo que dizemos de forma a apontar algum sentido que desejamos transmitir. Qualquer um de ns que j tenha, em algum momento, observado a ocorrncia de uma conversao percebe, em certa medida, que elementos so esses. Num dilogo, tudo informao: el.:_mentos prosdicos (como o tom da voz, a entonao e as pausas da fala), elementos gestuais e, evidentemente, as palavras. A ocorrncia de uma conversao necessita, deste modo, de que os participantes compreendam e legitimem os enunciados um do outro, alternando-se na fala e negociando o contexto no processo.

    A conversao comumente referenciada pela literatura como uma parte importante do processo de comunicao entre dois ou mais indivduos. Marcuschi (2006), por exemplo, define a conversao como "uma

    17 Empregamos o termo "offline" como referncia ao espao que no mediado pelas tecnologias digitais.

    28

  • interao verbal centrada, que se desenvolve durante o tmpo em que dois ou mais interlocutores voltam sua ateno visual e cognitiva para uma tarefa comum" (p. 15). A conversao , assim, como dissemos, a por ta atravs da qual as interaes sociais acontecem e as relaes sociais se estabelecem. por meio dela que estabelecemos tambm nossas primeiras experincias sociais. Pridham (2001, p. 30) explica que a conversao , basicamente, "qualquer troca interativa falada entre duas ou mais pessoas".18 Como Marcuschi, o conceito de Pridham foca, principalmente, a conversao como prtica falada. O dilogo, enquanto prtica falada, implica, necessariamente, uma alocuo, interlocuo e um processo de interao (Kerbrat-Orecchioni, 2006). Essa interao consiste na situao comunicativa, construda e dividida pelos participantes, erguida pela negociao entre eles. A alocuo refere-se existncia de outro participante, e a interlocuo, troca de palavras. Assim, o exerccio da fa la e a conversao, portanto, no so apenas constitudas de linguagem oral, mas, igualmente, de uma srie de elementos como tom de voz, entonao, sil ncios e elementos, no verbais que vo delimitar o sentido daquilo que dito, cons truindo a situao comunicativa. Esses elementos so facilmente percebidos quando imaginamos uma situao conver-sacional. Ora, para que exista o dilogo, preciso que algum esteja falando com um outro (alocuo) , que essas falas aconteam em turnos (ou ainda, que estejam organizadas

    18 Traduo da autora para : "( ... ) any interactive spoken exchange between two or more people".

    29

  • e sejam interlocutrias) e que a situao contextual onde acontece o processo seja demarcada pelos participantes. A conversao, portanto, um processo complexo, que envolve elementos diferenciados e possui caractersticas especficas, tanto em seus aspectos organizacionais quanto sociais e culturais. Mas quais seriam os elementos da conversao?

    Marcuschi (2006) cita cinco caractersticas prticas, constitutivas da organizao de uma conver-sao, a partir daquela definio, como sendo:

    1. "interao entre pelo menos dois falantes; 2. ocorrncia de pelo menos uma troca de

    falantes; 3. presena de uma sequncia de aes

    coordenadas; 4. execuo em uma identidade temporal; S. envolvimento numa interao 'centrada"'

    (Marcuschi, 2006, p. 15).

    Os elementos de Marcuschi so bastante perceptveis nos processos conversacionais cotidianos. A interao entre os falantes e a ocorrncia da troca de posio entre os dois focam a caracterstica dialgica da fala. Ao mesmo tempo, os outros trs elementos apontam a construo de um contexto conversacional, ou seja, dos elementos externos, negociados pelos interagentes durante o processo.

    A conversao tambm ritualstica. Ou seja, seu ) processo constitudo de diversos rituais construdos culturalmente, que delimitam suas fronteiras e fornecem contextos de interpretao, conforme nos explica

    30

  • Goffman (1974, 1981). Assim, h rituais de abertura da conversao (por exemplo, "Oi, tudo bem?", cujo sentido delimitar uma abertura para a conversao) e rituais de fechamento (por exemplo, "Ento t, tchau"). H ri tuais para a troca de falantes, para a linguagem e o formato da fala, e todos dependem do contexto onde a conversao est inserida. Assim, uma conversao que ocorra entre dois debatores em um congresso no tem os mesmos rituais daquele dilogo que ocorre entre amigos, em um encontro informal. Do mesmo modo, no so os mesmos rituais da conversa entre pessoas de idades e classes sociais diferentes.

    A conversao , portanto, um processo orga-nizado, negociado pelos atores, que segue determinados rituais c~lturais e que faz parte dos processos de interao social. No se trata apenas daqueles dilogos orais diretos, mas de inmeros fenmenos que compreendem os elementos propostos e constituem as trocas sociais e que so construdos pela negociao, atravs da linguagem, de contextos comuns de interpretao pelos atores sociais.19

    Essas caractersticas e elementos, no entanto, no so imediatamente evidentes no ambiente do ciberespao. A Comunicao Mediada pelo Computador opera sobre vrias ferramentas, com caractersticas e limitaes prprias, que vo tambm influenciar as prticas conversacionais que emergem no ciberespao. Ora, se h comunicao mediada pelo computador construda no ciberespao, h tambm conversaes

    19 De forma anloga aos state oftalk de Goffman.

    31

  • que tm lugar neste ambiente. Mas como podemos observ-las?

    A primeira concepo de conversao no ciberespao deu-se atravs da percepo da interao e do dilogo como construdos atravs da linguagem escrita possibilitada por essas tecnologias. Herring (2010) argumenta que, no incio, essa concepo era polmica, e a percepo das trocas textuais no ambiente da comunicao mediada por computador era vista simplesmente como uma metfora para a conversao, mas no como uma conversao em si mesma, que s acontecia atravs da fala. Entretanto, com o desenvolvimento da pesquisa na rea, a autora expli ca que h evidncias cada vez maiores de que a conversao no ciberespao possui elementos

    ,_

    tpicos da conversao oral e que, portanto, e deve ser compreendida como conversao e no como simulao ou metforas.

    Na conversao casual, os us urios da Internet frequentemente referem-se s trocas textuais como conversaes, usando verbos como "falei", "disse" e "ouvi" ao invs de "digitei", "csetevi" ou "li" para descrever suas atividades na CMC. Mesmo autores publicados, a lgu mas vezes, referem-se, de forma inconsciente, parece-me, aos "falantes" mais do que aos "escreventes", "conversa" mais do que "trocas digitadas", "turnos" mais do que "mensagens" e da por diante quando reportam-se CMC. O uso lingustico atesta ao fato que a experincia dos usurios na CMC fundalmentalmente s im ilar quela da conversao falada, apesar da CMC ser produzida e recebida por meios escritos20 (Herring, 2010, online).

    32

  • Observamos, deste modo, que essa similaridade vem, em parte, da incorporao dessas ferramentas ao cotidiano das pessoas, construda pela ressignificao de suas potencialidades d iante dos interesses e motivaes dos grupos sociais. por isso que defendemos que essa conversao uma apropriao. Ou seja, as ferramentas da CMC so apropriadas com carter conversacional pelos usurios.

    Diversos autores tm consistentemente com-parado as interaes online com conversaes como Primo e Smaniotto (2006), Arajo (2004), Scoble e !sraeF' (2006), dentre outros. Isso porque as trocas interativas entre os atores nesses ambientes possuem muitas similaridades com a conversao oral. Herring (1996, p. 3), por exemplo, argumenta que a linguagem da CMC apresenta uma linguagem "digitada, escrita, mas rpida e informal como a linguagem falada", que constitui a criao de elementos nicos, como o uso dos emoticons, elementos grficos, lxicos especiais e

    ~u Trad uo da autora para: "In casual parlance, Internet use rs o ften refer to textual exchanges as conversations, using verbs such as 'talked,' 'said,' and 'hcard' rather than 'typed,' 'wrote,' or 'read' to describe their CMC activities. Even published authors sometimes

    refet~ unconsciously, it seems, to 'speakers' rathcr than online 'writers', 'ta lk' rather than 'typcd cxchanges','turns' rather than 'messages,' and so forth, when reporting on CMC. This li nguistic usagc a ttests to th e fact that users experience CMC in fundamcntally similar ways to spoken conversation, despite CMC being producecl anel received by written means." 21 Os autores usam o termo "naked conversations" (conversaes nuas).

    33

  • acrnimos. Mas, a autora ressalta que a linguagem da CMC no homognea e se manifesta atravs de diferentes estilos e gneros, alguns, inclusive, determinados pela ferramenta tecnolgica. Baron (2002) tambm associa as ferramentas de CMC a dilogos, dizendo que algumas dessas ferramentas geram conversao entre dois ou mais participantes. Essa conversao fruto do uso das ferramentas, que no so necessariamente voltadas para a conversao oral. Na verdade, a percepo de conversaes que no se desenham apenas no espao da oral idade uma das primeiras observaes a respeito da conversao no espao da mediao do computador. Nesse sentido, December (1996) aponta ainda que essas caractersticas "orais" da CMC implicam o fato de que o discurso no precisa ser baseado em som para ter caractersticas orais. Boyd, Golder e Lotan (2010), outro exemplo, analisam as conversaes no Twitter demonstrando a negociao de contexto e de prticas de direcionamento dos participantes, de uma forma similar a Honeycutt e 1-Ierring (2009). Ora, o Twitter outro meio onde as interaes so predominantemente textuais. Primo e Smaniotto (2006), seguindo essa perspectiva, tambm analisam as interaes que acontecem nos blogs como conversaes, discutindo que essas trocas so sim parte de um dilogo. Do mesmo modo, Arajo (2004) defende os chats como transmutaes das conversaes orais, onde outros elementos so incorporados, como imagem e som.

    O que se observa na literatura, portanto, que, embora as tecnologias no tenham sido, em sua maioria, construdas para simular conversaes, so

    34

  • utilizada~ _9este modo, construindo, portanto, ambientes conversaci onais.

    Essas prticas de conversao, deste modo, vo aparecer, conforme dissemos, como apropriaes, como formas de uso das ferramentas de CMC para construir contexto e proporcionar um ambiente de trocas interacionais. Lemos (2002) define a apropriao como a essncia da cibercultura. Para o autor, a apropriao o produto do uso da tecnologia pelo homem, tendo duas dimenses, uma simblic~ uma tcnica. nesse sentido que tambm utilizamos o conceito aqui. A apropriao tcnica compreende o aprendizado do uso da ferramenta. A simblica compreende a construo de sentido do uso dessa ferramenta, quase sempre de forma desviante, ou seja, com prticas que vo sair do escopo do design de uso desta. Se observarmos, por exemplo, os recados do Orkut, imediatamente perceptvel que se trata de uma forma assncrona de interaon, e que as conversaes que ali so desenvolvidas espalham-se pelos perfis dos envolvidos, que respondem cada qual no perfil do outro interagente. No entanto, j foram observadas prticas sncronas23, como aquela de "marcar um encontro" em um perfil aleatrio e fazer dele um chat. Trata-se de uma apropriao ao mesmo tempo tcnica - o aprendizado do uso - e simblica - o uso para a conversao. A

    22 Assncrona no sentido de que no se constitui em uma troca onde os dois atores dividem o mesmo espao ao mesmo tempo, mas uma troca onde um deles no est presente. Esta ideia ser discutida adiante neste captulo. 23 Os conceitos de conversao sncrona e assncrona na mediao do computador sero retomados adiante neste captulo.

    35

  • apropriao, em sua dimenso simblica , portanto, criativa, inovadora e capaz de suplantar os limites tcnicos da CMC.

    A conversao, no ciberespao, tambm capaz de simular, sob muitos aspectos, elementos da conversao oral. Convenes so criadas para suplementar, textualmente, os elementos da linguagem oral e da interao, gerando uma nova "escrita oralizada". Contextos so convencionados pelos interagentes atravs da negociao. uma conversao em rede, mltipla, espalhada, com a participao de muitos, e que permanece gerando novas apropriaes e migrando entre as diversas ferramentas. Essas prticas provm caractersticas que permitem examinar a conversao online como anloga conversao oral, com elementos semelhantes, mas ainda, como apropriao simblica e tcnica. Essas prticas so constantemente alteradas e renegociadas pelos atores que passam a usar essas ferramentas, criando novas convenes e novas formas de expresso.

    So tambm prticas oriundas de uma nova estrutura, proveniente do advento da interconexo entre os atores no espao online, possibilitadas pelas redes sociais. Essa estrutura de rede, caracterstica tambm que influencia essas apropriaes, gera um contexto novo de negociao dessas prticas. Interconectados, os atores precisam, tambm, aprender a conversar em rede. E a rede no oferece um contexto simples, pois a conversao capaz de migrar, estrutura-se de forma multimodal e coletiva. Essas caractersticas, entretanto, sero aprofundadas no captulo 4. Antes delas, preciso discutir elementos mais gerais da conversao em rede, decorrentes dessas prticas de apropriao.

    36

  • O estudo dessas prticas, ainda incipiente em suas variadas formas, foi aqui brevemente explicado atravs de uma tentativa de sistematizao de suas caractersticas, que sero aprofundadas a seguir. No entanto, por ser fruto da apropriao, a conversao mediada pelo computador mutante, transformadora e produtora de novas redes sociais. Esses elementos auxiliam a compreenso dela, mas no do conta de sua integralidade. Prticas conversacionais caractersticas de um determinado grupo podem ser diferentes em outro grupo dentro de uma mesma ferramenta, por caractersticas especficas da rede social que a apropriou. Justamente por isso, preciso estudar essas significaes e sistematiz-las, buscando compreender aquilo que se chama de conversao mediada pelo computador e seus efeitos.

    1.2 Caractersticas da conversao mediada pelo computador

    A mediao digital, ou seja, a intermediao da conversao por suportes de informao digitais transforma essa conversao24 O suporte, que no caracterstico da prtica, subvertido pela apropriao, que lhe~~ sentido e lhe confere formas de organizao e

    24 McLuhan (1964, p. 21) em seu t rabalho aponta para os impactos da mediao no espao da comunicao, explicando que o meio interfere profundamente tambm no sentido da mensagem. "O meio a mensagem."

    37

  • estruturao coletivamente estabelecidas, transformando a prtica e, subsequentemente, as prprias apropriaes.

    Quando focamos o espao da mediao digital como um espao conversacional, h, como dissemos, pontos diferentes daqueles da conversao oral. Um primeiro ponto o fato de que a larga maioria das ferramentas de CMC (ainda) opera sobre bases de linguagem predominantemente textual. o caso dos chats, e-mails, micromensageiros25 e fruns. Ainda que ferramentas predominantemente orais tenham surgido nos ltimos tempos26 - como o Skype27, por exemplo, que proporciona interaes com vdeo e voz, seguro dizer que a maior parte da CMC ainda ocorre de forma textual. Do mesmo modo, a copresena dos interagentes envolve uma complexa representao de identidades e indivduos, que no evidente em todas as ferramentas. O prprio conceito de unidade temporal torna-se elstico, alterando tambm a percepo de contexto, pois as aes acontecem, muitas vezes, durante espaos de horas e at dias.

    ~~ Ferramentas como o Twitter (http://www.twitter.com) ou o Plurk (http://www.plurk.com). So definidas como semelhantes aos weblogs, mas permitindo apenas que se publique mensagens com um pequeno nmero de caracteres, que so visveis para uma rede de seguidores. 26 E mesmo essas ferramentas, por envolver mediao, no do a mesma dimenso de um dilogo oral, pois no conseguem transmitir todos os elementos no verbais que normalmente acompanham esses eventos. Assim, por exemplo, muito mais difcil negociar os turnos de fala (quem fala quando) em uma ferramenta mediada como um Hangout do Google+ (plus.google.com). 27 http://www.skype.com.

    38

  • A conversao, no ambiente mediado pelo computador, assim, assume idiossincrasias prprias que so decorrentes da apropriao dos meios para o uso conversacional. Ela , portanto, menos urna determinao da ferramenta e-mais urna prtica de uso e construo de significado dos inte ragentes, sejam essas ferramentas construdas para isso ou no. Falamos em apropriao porque essas ferramentas so construdas pelos agentes corno ambientes conversacionais, e a conversao tem como suporte um conjunto de convenes simblicas que so por eles construdas. Portanto, preciso criar novos rituais e novas formas de negociar um contexto na interao. o caso, por exemplo, dos chamados rnicroblogs ou micromensageiros, que tambm possuem apropriaes conversacionais. Estudos como os de boyd,Z8 Golder e Lotan (2010), Honeycutt e Herring (2009) e Mischaud (2007), por exemplo, tm demonstrado a apropriao do uso da "@" corno ferramenta de direcionamento do dilogo ou das hashtags (#jan25)2930 como ferramentas contextuais no Twitter. Essas apropriaes no so usos originais da ferramenta, mas usos constru dos coletivamente como formas de driblar limitaes para a conversao.

    20 O nome da autora intencionalmente grafado com minsculas, pois seu registro realizado assim pela prpria.

    z~ Hashtag utilizada para a organizao dos protestos que terminaram com a revoluo no Egito, em janeiro de 2011. 30 Hashtag uma informao de contexto, normalmente composta do sinal # (hash) e uma "tag" (etiqueta - uma ou vrias palavras). Exemplo: #desabamentosRio (hashtag uti lizada no Twitter para contextualizar falas referentes aos desabamentos de um prdio na regio central do Rio de Janeiro, no incio de 2012.

    39

  • Deste modo, um dos e lementos mais difceis de sistematizar so as caractersticas da conversao mediada pelo computador. Isso porque de um lado, essas caractersticas so tambm decorrentes das apropriaes dessas ferramentas e, portanto, so mutantes. Alm disso, h elementos que so diferenciais por conta da prpria tecnologia que apoia essas trocas. A seguir, faremos uma discusso das caractersticas mais importantes observadas pela li teratura e pelos estudos empricos dessas prticas conversacionais.

    1.2.1 O ambiente da conversao

    A primeira mudana no processo de conversao mediada pelo computador a utilizao e a criao de um novo ambiente de conversao. Trata-se de um ambiente mediado, que, portanto, possui caractersticas e limitaes especficas, que sero apropriadas, subvertidadas e amplificadas pela conversao. O ambiente da conversao, assim, o ciberespao.31 E, por isso, muitos rituais construdos no espao digital perpassam vrias ferramentas utilizadas para a conversao.

    Embora o ciberespao, em princpio, seja um espao virtual, constitudo pelos fluxos de informao e comunicao que circulam pela infraestrutura da comunicao digital (Lvy, 1999), ele um espao tambm construdo e negociado pela participao dos atores atravs da conversao.

    Jl A "alucinao consensual" proposta por William Gibson em seu livro Neuromancer, de 1984.

    40

  • Apesar de a noo de ciberespao parecer in-teiramente desconectada daquela que temos do espao fsico, esse no o caso. A noo de espao constru-da pela nossa percepo e por ela delimitada (Fragoso, 2000). Portanto, o espao sempre um constructo e ja-mais algo universal. Fragoso (2000) questiona a aparente falta de conexo entre o ciberespao e o espao fsico, de-monstrando que as metforas utilizadas pelos interagen-tes para referir-se a seus contextos os reconstroem como espao e, inclusive, como territrio (vide Fragoso, Rebs e Barth, 2010). Fragoso argumenta ainda em seu trabalho que o ciberespao um espao relaciona!, ou seja, que emerge das inter-relaes entre os dados, suas represen-taes grficas, os fluxos de informao e as interaes dos indivduos. Dentro desta perspectiva, o ciberespao constitu do tambm das nossas percepes de espao, trazidas pelos conceitos de espao geogrfico, informa-cional e social (Fragoso, Rebs e Barth, 2010).

    Com isso, podemos perceber que o ciberespao, como ambiente da conversao, construdo enquanto ambiente social e apropriado enquanto ambiente tcnico. H, portanto, duas dimenses que nos so relevantes: como esse espao fornece elementos para a construo da conversao atravs das ferramentas utilizadas pelos grupos sociais e como esses grupos constroem e se apropriam do contexto gerado por elas e por sua experincia no ciberespao como elemento da conversao. Enquanto os aspectos tcnicos, de certa forma, podem direcionar a interao, os aspectos sociais e culturais podem perpassar diversas ferramentas. Assim, por exemplo, embora a hashtag seja uma apropriao

    41

  • caracterstica do Twitter, ela tambm usada em outras ferramentas com o mesmo sentido.

    Outra ideia interessante para analisar o ambiente ffa conversao a partir de sua apropriao usada por j)byd (2007) na noo de "pblicos em rede" (networked publics). Para a autora, esses "pblicos" compreendem espaos e audincias que so mediados atravs da tecnologia digital (e cuja noo tambm reconstruda por essa tecnologia). E essa mediao gera elementos fundamentais para seus variados pblicos, que so instrinsecamente diferentes dos pblicos no mediados.

    Quando digo que passei vergonha ao tropear no meio fi o da calada, o pblico a que estou me referindo inclui todos os estranhos que testemunharam, visualmente, o meu tropeo. A audincia est restrita queles presentes em um raio geogrfico limitado em um determinado momento. ( ... ) Enquanto eu posso imaginar que o mundo inteiro deve saber, no provvel que isso seja verdade. Mais importante, em um mundo no mediado, no possvel que o mundo inteiro realmente testemunhe um acidente; no pior caso, as pessoas podem ouvir sobre o acontecido atravs do boca a boca.32

    32 Traduo da autora para: "Thus when I saythat I embarrassed myself in public by tripping on the curb, the public that I am referencing includes a li ofthe strangers who visually witnessed my stumbie. The audience is restricted to those present in a Iimited geographical radius at a given moment in time. ( ... ) While I might th ink that the whole world must know, this is not likely to be true. More importantly, in an unmediated world, it is not possible for the whoie world actually to witness this incident; in the worst-case scenario, they might a li hear o f my mishap through word o f mouth".

    42

  • Entretanto, a mediao muda isso tudo. Atravs dela, possvel gravar, transformare replicar a informao. Por isso, J>oyd explica que esses pblicos mediados possuem caractersticas diferenciadas: persistncia, re-plicabilidade, audincias invisveis e, no caso dos pblicos em rede, a "buscabilidade". Essas caractersticas so extremamente teis para que possamos compreender o ambiente das conversaes online. Mais do que dos pblicos, essas so caractersticas da interseo entre o espao e a mediao. nessa interseo que est gerado o ambiente no qual a conversao poder tomar espao. Assim, relevante compreender como so constitudas essas caractersticas da mediao no espao digital.

    A persistncia o oposto da efemeridade (atri-buto to comum da conversao oral, por exemplo). Essa caracterstica proporcionada pela mediao dos suportes tecnolgicos. graas a esses meios que possvel gravar uma fala e distribu-la, ampliando o alcance da voz. Por isso, diz-se que a mediao acrescenta, assim, a persistncia ao espao pblico, j que as capacidades fsicas de comunicao dos indivduos so ampliadas por esses elementos (como j havia discutido McLuhan em "Os meios de comunicao como extenses do homem").33 A replicabilidade a caracerstica que proporciona a replicao (cpia) das informaes constitudas nesses espaos pblicos mediados. Alm disso, esses pblicos tambm constroem as chamadas "audincias invisveis".

    :n Entretanto, no h aqui uma determinao. A mediao digita l quase sempre implica algum tipo de arquivamento e algum tipo de persistncia. Mas essa persistncia pode no ocorrer, uma vez que os envolvidos podem apagar os arquivos ou mesmo perd-los.

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  • Boyd explica que, enquanto nos pblicos no mediados possvel perceber a audincia pela sua copresena fsica, no espao da mediao essas audincias so invisveis. possvel perceber a existncia desses grupos, mas no sua presena diretamente. Finalmente, como caracterstica especfica da rede est a buscabilidade, que permite que as informaes e expresses sejam buscadas e recuperadas atravs de ferramentas de busca.

    Como esses "pblicos em rede" constituem-se no ambiente da conversao, possvel depreender que essas caractersticas influenciam, tambm, a conversao que emerge nesses espaos. Entretanto, h outros ele-mentos que tambm podem ser apresentados e que so decorrentes da mediao do computador.

    O espao digital um espao fundamentalmente annimo, graas mediao. Como o corpo fsico, elemento fundamental da construo da situao de interao, no um partcipe do processo no espao mediado, h uma presuno de anonimato gerada pela prpria percepo deste. por isso que as audincias so invisveis por princpio. H um distanciamento fsico causado pela mediao entre os interagentes, e essa no proximidade est relacionada ao descolamento do processo conversacional da copresena. Assim, comum que a linguagem e os contextos utilizados para a comunicao neste ambiente sejam apropriados pelos atores como elementos de construo de identidade (Donath, 1999; Herring, 1999; j oyd, 2007). Essa construo, necessria para a visi bilidade daquele com quem se fala, fundamental interlocuo. A partir dessa construo, tem-se a presena, ainda que "virtual", que permite a situao da conversao.

    44

  • J dissemos, tambm, que a conversao uma apropriao, no apenas um fato. Ela construda, significada e moldada de acordo com as limitaes e possibilidades da mediao, mas tambm a subverte e reconstri.

    1.2.2 Escrita "oralizada"

    As tecnologias de informao e comunicao e seu desenvolvimento sempre tiveram efeitos variados sobre a linguagem das populaes e sobre as relaes estabelecidas atravs dessa linguagem entre os interlocutores. Baron (2001) explica que parte dessas mudanas quanto mediao do digital est facada no apagamento ou hibridizao das linguagens escrita e oral,_ tradicionalmente diferentes, ainda que intrinsecamente relacionadas.

    Embora a separao entre fala e escrita seja secular em termos lingusticos, caracterstica dessa apropriao do ciberespao o estabelecimento de uma "escrita fa lada" ou "oralizada".34 O que isso quer dizer? As ferramentas de comunicao mediada pelo computador, inicialmente, suportavam apenas a linguagem escrita. Com isso, a conversao no ciberespao acontece, em grande parte, atravs da linguagem escrita.35

    1 31 Enquanto alguns autores consideram que h uma hibridizao dessas linguagens (vide Herring, 2008), outros ainda consideram que uma nova linguagem (ou "netspeak", como afirma Crystal, 2006). 3

    " Herring (2010) explica que, embora hoje em dia outras formas de conversao q ue focam a linguagem oral (como o VolP, por exemplo) estejam acontecendo, a_ omunicao textt!l t~m precedncia. histrica e cont inua a mais tpica da nter1et e a mais interessante do ponto de vista terico.

    45

  • Com a apropriao para a conversao, essa linguagem precisou ser adaptada. Em outras palavras, ela precisou incorporar formas de indicar elementos que so essenciais para a "traduo" da lngua escrita em lngua falada, como elementos que do di menso prosdica da fala e elementos no verbais, como gestos e expresses. Sem esses elementos, a "fala" seria extremamente ruidosa no espao online. Por exemplo, como indicar a um interlocutor que se est sendo sarcstico? No dilogo oral, o sarcasmo pode ser construdo pela entonao vocal, pela expresso facial ou mesmo, pelos gestos que acompanham o enunciado. Entretanto, como dissemos, esses elementos no acompanham a linguagem escrita. Assim, como transmitir essa informao na conversao mediada, cujo universo possvel de transmisso com-preendia apenas a linguagem escrita?

    Ora, foi preciso uma apropriao. E uma das primeiras apropriaes dos interagentes foi o uso dos caracteres simblicos de que dispunham para, justamen-te, criar formas de simular esses elementos no verbais. Uma dessas primeiras convenes foi o uso de emoticons. Emoticons so conjuntos de caracteres do teclado que simbolizam expresses faciais como, por exemplo:

    :-) - sorriso :-(-tristeza :-P- lngua de fora

    Embora no tenham sido, exatamente, uma criao exclusiva da Internet (o uso de emoticons j acontecia, por exemplo, nas cartas), foi a mediao do computador que os popularizou. Mesmo que inicialmente

    46

  • fossem limitados a caracteres do teclado, hoje quase toda a ferramenta inclui emoticons (inclusive animados!) de todos os tipos.36 Alm disso, outras estratgias ca-ractersticas da comunicao oral foram incorporadas, como o uso de onomatopeias e a repetio de letras para caracterizar a prosdia. Afinal, sem o contato direto com os interagentes, a falta de contexto um problema srio da conversao online.

    Com o tempo, essas apropriaes tornaram-se mais complexas e mais detalhadas, sendo, inclusive, util izadas com caractersticas de dialetos especficos de determinados grupos de usurios37 (como Baron, 2001, demonstra). Hoje, h diferentes tipos de convenes para a conversao online, que se diferem (embora no totalmente) tambm entre as vrias lnguas (vide Crystal, 2006 e 1-Ierring, 1999) .

    sempre liiiiiiiiiiiiiiiiiiinda mar i *-* bom final de semana :*'u

    (comentrio observado em um fotolog)39

    36 Essa pluralidade pode ser vista em ferramentas como o Microsoft Live Messenger e o Plurk, por exemplo, que permitem, inclusive, uma personalizao dos emoticons de acordo com a vontade do usurio. 37 H vrios trabalhos que relatam, no Bras il, o surgimento de formas' diferentes de "falar" na Internet, associadas, em geral, a grupos etrios, como o de Pimentel (2006), que foca os adolescentes e os blogs. 38 Todos os exemplos ut ilizados neste livro foram anonimizados, com raras excees, e so todos frutos de pesquisas de campo an teriores da autora. 39 Fotologs so ferramentas de publicao de fotografias e imagens, acompanhadas de pequenos textos e comentrios p rovidas pelo Fotolog (http:/ jwww.fotolog.com).

    47

  • No exemplo acima, vemos uma mensagem que parte de uma conversao entre dois usurios do Fotolog, uma ferramente mais recente. Observa-se o uso da repe-tio da letra "i" como forma de simula r uma entonao oral e o uso dos emoticons no to convencionais ("*-*"e ":*") representando, respectivamente, olhos arregalados e um beijo. No caso, so signos criados a partir de con-venes de uso da linguagem no ciberespao e fornecem o contexto para o dilogo, bem como transformam a li n-guagem em ao. O usurio no apenas "manda" um bei-jo, ele literalmente coloca uma conveno de algum (ele mesmo?) que "d" um beijo.

    A informalidade da linguagem tambm uma ca racterstica dessa oralizao. A "fala" na Inte rnet tambm associada a um uso informal da lngua, que tambm mais caracterstico da linguagem oral.

    @usuarioA: T chovendo nas Pelotas? @usurioS: Hihihi Nao sei, mas ta sempre umido nas Pelotas RT

    No exemplo acima, temos uma resposta dada por um usurio (usurioS) a outro (usurioA) no Twitter. Observa-se o uso coloquia l da lngua j adaptado para a Internet, o "t", por exemplo, e a expresso "nas Pelotas", que se refere a uma cidade - Pelotas/RS. Mesmo o no uso de acentos pode ser atribudo a uma forma mais coloquial e prtica de "falar".

    Crystal (2006) discute que a conversao na Internet obedece a restries que so caractersticas do meio ou das ferramentas utilizadas. Essas restries aca-bam por influenciar a capacidade lingustica produtiva e

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  • receptiva dos interagentes, mas no necessariamente do-min-la. Afinal, como espao simblico, essas ferramen-tas vo oferecer espaos de construo de prticas que vo ampliar a negociao de sentido de seus usurios, criar convenes (como os emoticons) e ajustar contex-tos que vo permitir a conversao. Assim, ferramentas diferentes vo oferecer contextos de apropriao dife-rentes da linguagem. E grupos diversos podem, tambm, ressignificar esses elementos de acordo com sua prpria percepo da ferramenta e seu universo contextual.

    Essa simulao do oral d s trocas interacionais realizadas no ciberespao contornos semelhantes aos da conversao oral. A estrutura aparente dessas trocas, relativamente organizada e onde h turnos e convenes de contexto (como demonstra o trabalho de Herring, 1999), similar de uma conversao. A linguagem adaptada, convencionada e alterada para dar conversao dimenses da oralidade.

    Talvez por conta dessas caractersticas, a conversao no ciberespao seja to relacionada construo de relaes sociais e agrupamentos (vide Rheingold, 1995; Recuero, 2009). Assim, podemos dizer que, embora no seja constituda de "fala" na maioria das vezes, a conversao no ambiente virtual constituda de interaes prximas desta, que simulam a organizao conversacional oral e que tm efeitos semelhantes nas interaes sociais e na constituio dos grupos.

    1.2.3 Unidade temporal elstica: os tipos de conversao mediada

    Outro elemento apresentado na conversao online a sua caracterstica de acontecimento, pois

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  • compreende trocas em uma unidade temporal na qual os participantes constroem e dividem um contexto em uma copresena. No ambiente do ciberespao, no entanto, essa "unidade temporal" torna-se mais elstica, e a presena compartilhada apenas pela persistncia das trocas e dos contextos. A conversao mediada pelo computador, deste modo, no necessariamente ocorre em um mesmo momento temporal onde os interlocutores esto presentes, com um contexto negociado e construdo naquele momento. Ao contrrio, so unidades temporais elsticas, que podem ser estentidas pelo tempo desejado pelos interlocutores, cujo contexto precisa ser adaptado para essas trocas no tempo. Essa "elasticidade" carac-terstica tambm do ambiente dessas conversaes.

    A conversao, no caso da mediao do computador constituda de prticas que vo organizar as trocas informativas entre os agentes para a construo de contextos sociais. Para compreend-la, preciso verificar a interao e os elementos apontados entre as representaes de interlocutores no ambiente vir-tual, dentro de um mesmo contexto interacional que negociado pelos interagentes. Assim, os contextos so geralmente construdos sobre duas apropriaes: a conversao sncrona e a assncrona. O conceito de formas de CMC sncronas e assncronas trabalhado por muitos autores e fornece alguns elementos para compreender essa caractersti ca. Baron (2002), por exemplo, explica que formas sncronas so aquelas que possuem o potencial para a interao "em tempo real" dos participantes, enquanto as assncronas so aquelas ferramentas que no possuem esse potencial. Herring (1999) refere-se aos "ambientes" da CMC como sncronos

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  • ou assncronos, dentro da mesma perspectiva de Baron, demonstrando que ambientes com potencial de tempo real ainda so capazes de simular mais a conversao. O que temos aqui, portanto, a noo de que os ambientes da comunicao mediada pelo computador so capazes de proporcionar contextos "ampliados", que podem ser recuperados, buscados e atualizados por novas inte-raes, gerando conversaes que podem estender-se por largos perodos de tempo.

    A conversao sncrona aquela que carac-terizada pelo compartilhamento do contexto temporal e miditico. Ou seja, so conversaes que acontecem entre dois ou mais atores atravs de uma ferramenta de CMC, e cuja expectativa de resposta dos interagentes imediata.

    A conversao assncrona uma conversao que se estende no tempo, muitas vezes atravs de vrios softwares (migrando, por exemplo, entre vrios deles, conforme veremos adiante). Com isso, o sequenciamento da conversao diferente, pois est espalhado no tempo. Essas conversaes j foram observadas por outros pesquisadores (vide Herring et a/., 2005; Primo & Smaniotto, 2006; Efimova & De Moor, 2005). Elas so, geralmente, perpetradas atravs de sistemas como os weblogs, fotologs,40 listas de discusso por e-mails, micromensageiros ou, mesmo, nos sites de redes sociais. Na conversao assncrona, a reconstruo dos pares conversacionais dificultada, pois a ordenao diferente no tempo (Herring, 1999). Ou seja, os

    40 De estrutura semelhante aos weblogs, mas tocados em publicaes de fotos acompanhadas ou no de comentrios.

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  • atores envolvidos precisam de mais envolvimento para relacionar as mensagens com seus pares e compreender o sequenciamento das mesmas. A conversao assncrona, embora igualmente comum na CMC, tem s ido menos adotada como objeto de estudo do que a sncrona.

    A conversao mediada por computador em sua forma sncrona , geralmente, mais associada com a conversao oral (vide, por exemplo, o trabalho de Ko, 2006), enquanto a modalidade assncrona normalmente relacionada pelos estudiosos forma escrita (por exemplo, Herring, 2001). Herring (2010), entretanto, expl ica que isso parece acontecer porque enquanto a conversao sncrona exige uma ao mais dinmica na elaborao e envio das mensagens, na assncrona h um tempo maior para revisat~ editar e, at mesmo, apagar aquilo que foi dito. A autora salienta, entretanto, que as formas assncronas de conversao so, por isso, ainda mais interessantes c desafiadoras em seu estudo, pois so conversaes onde a hibridizao entre a linguagem oral e escrita parece ser mais complexa e mais diferenciada.

    Rcid (1991), em seu trabalho sobre o TRC41 , apontou que a comunicao mediada pelo computador pode ser compreendida como sncrona ou assncrona a partir de s uas ferramentas. As ferramentas sncronas seriam aque las que permitem uma expectativa de res-posta imediata ou, em uma mesma identidade temporal, como as sa las de chat. Seriam ferramentas que simu-lariam uma troca de informaes de forma semelhante

    11 Internet Rclay Chat: Protocolo de chat muito popular no nicio da dcada de 90.

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  • a uma interao face a face. J nas ferramentas assn-cronas, a expectativa de resposta no imediata, mas alargada no tempo. Essas seriam ferramentas como o e-mail e os fruns da Web.

    No entanto, o conceito de sincronia e assincronia um tanto quanto limitado. Por exemplo, quando pensamos na conversao como prtica, v-se claramente que, embora o e-mail seja tradicionalmente apontado pelos autores como um meio assncrono, ele pode adquirir caractersticas sncronas em seu uso dirio. Imaginemos, por exemplo, que um indivduo A envia um e-mail a um indivduo 8, que imediatamente responde. Percebendo que 8 est online, A passa a responder imediatamente, dando prosseguimento ao dilogo. Neste caso, o e-mail passa a ser uma ferramenta sncrona. Murphy & Collins (1999) e Ko (1996) tambm fazem considerao seme-lhante, mas ressaltam que tais caractersticas podert:~ decorrer do uso e no da ferramenta em si. Diramos, portanto, que a sincronicidade mais uma caracterstica da apropriao aomeio e menos uma caracterstica da tecnologia.

    Essa diferenciao, na realidade, importante para que se compreenda que a conversao no ambiente do ciberespao nem sempre ocorre em uma unidade temporal onde h a copresena dos participantes. Como h a predominncia da escrita "oralizada", as interaes possuem memria ou permanncia, nos termos de~byd (2007), ou seja, so capazes de persistir no tempo como registros das trocas. Com isso, um conjunto de trocas conversacionais pode acontecer em um perodo de tempo alargado e sem a copresena fsica dos envolvidos. Essa "presena" pode ser compreendida como virtual, uma

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  • vez que, como discutiremos a seguir, os interagentes so representados, e essas representaes tambm tendem a permanecer no espao virtual mesmo quando estes no esto online.

    A conversao assncrona, assim, acontece porque o ambiente registra as mensagens e as repre-sentaes, permitindo que indivduos que visitem o ambiente em momentos diferentes possam dar con-tinuidade conversao. A copresena, assim, no acon-tece apenas quando os indivduos esto sincronizados na mesma ferramenta ao mesmo tempo mas, igualmente, quando estes esto acessando a conversao em tempos diferentes. Ou seja, o que permanece o ambiente da conversao, e no os interagentes.

    Usurio A: Tenho trufas de chocolate na geladeira. :-0 (3h ago) Usurio B: um convite? :-P RT @usuarioA: Tenho trufas de chocolate na geladeira. :-0 (3h ago) Usurio A: @usuarioB Se tu conseguir chegar aqui antes do @usuarioC terminar com elas, pode ser. :0 (2h ago) Usurio C: @usuarioA @usuarioB Too late! (38min ago) Usurio B: @usuarioA @usuarioC Oamned! (4min ago)

    A conversao acima, observada no Twitter, tambm uma ferramenta assncrona, demonstra bem a elasticidade da unidade temporal. Vemos que uma conversao desenvolvida entre trs participantes

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  • durante um perodo de trs horas. O "RT" (abreviao de retweet- reenvio de uma mensagem publicada por outra pessoa) repete a mensagem como forma de contextualizar aquilo que est sendo dito em meio a outras mensagens publicadas pelos interagentes. As mensagens so dire-cionadas entre os participantes atravs do uso da "@", de forma que permaneam visveis aos demais que, ao Jogar no sistema, respondem. Apesar de assncrona, a conversao acontece.

    Outros trabalhos, como o de Primo e Smaniotto (2006) e o De Moor e Efimova (2004), tambm observaram conversaes em ferramentas assncronas, que aconteciam entre weblogs. Nos casos, a informao de contexto era assegurada por links e por um espao tpico para a conversao, originalmente destinado aos comentrios dos leitores em relao s postagens do weblog. Nestes casos, a unidade temporal construda atravs do contexto, que dado pelo processo de linkagem. Os autores conectam textos e comentrios de modo a referenciar os elementos contextuais que so relevantes para a interao. So, tambm, prticas conversacionais, intertextuais e coletivas de criao de contextos que favorecem a emergncia da conversao em si.

    importante notar que essa diviso entre "tipos" estanques de conversao apenas didtica . No ciberespao raramente as conversaes so puramente sncronas ou puramente assncronas, por conta de seu carter mutante. Essas conversaes, assim, estabelecem-se atravs de vrias ferramentas, migram entre tipos sncronos e assncronos. Uma mesma conversa que se inicia de forma assncrona no Twitter pode rapidamente tornar-se sncrona (por exemplo, com a conexo dos

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  • demais atores) e, posteriormente, assncrona novamente (suponhamos que algum saia e depois recupere as falas e o contexto, e continue a conversao). A conversao no ciberespao, assim, um evento complexo, mltiplo e multimodal.

    1.2.4 Pblicas e privadas: os tipos de conversao mediada As conversaes mediadas pelo computador

    podem acontecer de forma pblica ou privada. Embora essas fronte iras no sejam absolutamente claras, uma vez que as conversaes podem migrar entre d iversas ferramentas, importante que se perceba que h espaos const rudos de fo rma diferente nas ferramentas, que permitem determinados limites a quem v uma conversao. As conversaes privadas so aquelas que acontecem em espaos delimitados, fechados, que e nvolvem apenas os alures participantes da conversao e deixam-na visvel apenas pa ra estes. o caso, por exemplo, de uma conversao entre dois atores no Live

    Messenge 1~12 Em princpio, trata-se de uma conversao privada porque apenas os participantes tm acesso a ela. J as conversaes pblicas so aquelas que podem ser vistas, em princpio, por qua lquer ator que esteja vinculado mesma ferramenta. Assim, por exemplo, ao pos tar um comentrio pblico em uma conversao que acontece em um frum da Internet, um determinado ator

    12 O Live Messcnger um mensageiro da Microsoft que per mite que sejam enviadas mensagens a outros atores que estejam conectados e que abre janelas especficas para a conversao com cada ator ou atores selecionados.

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  • toma parte em uma conversao pblica, pois qualquer outro participante pode tomar o p~jximo turno e ter acesso ao que foi publicado. Assim,\}byd e Heer (2006) argumentam que em uma conversao pblica mediada por computador, o falante no tem a noo exata de quem constitui sua audincia. No sabe quem so os demais por uma das duas razes: ou porque no controla quem acessa sua mensagem ou porque esses esto utilizando uma mscara (como, por exemplo, um nickname ). Em conversaes pblicas, assim, os falantes necessitam imaginar sua audincia e a percepo que esses tero de sua mensagem, negociando essa percepo.

    Entretanto, essas fronteiras nem sempre so to claras. Boyd e Heer (2006) argumentam que a mediao do computador gera elementos que caracterizam, de for-ma simultnea, as conversaes em pblicas e privadas. Uma conversao privada, assim, por conta da mediao, tem o potencial de ser tornada pblica, uma vez que seu registro caracterstico do ciberespao. O que se tem, em conversaes privadas, portanto, uma limitao da visualizao4 l da conversao realizada pela ferramenta. Isso significa, entretanto, que essas conversaes podem ser capturadas por outros indivduos e publicadas. o que muitas celebridades que expem sua intimidade nas webcams muitas vezes sofrem. Tm suas interaes gravadas e posteriormente publicadas, embora estas, originalmente, fossem privadas. Do mesmo modo, uma conversao pblica pode ser passada para o espao

    4:1 Essa questo da visualizao ser trabalhada com maior

    profundidade nos prximos captulos.

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  • privado, na medida em que alguns dos atores envolvidos desejam limitar a visibilidade de suas interaes.

    Em vrias ferramentas, h uma configurao pblica preestabelecida para as interaes. Stefanoni e Yeng (2008), por exemplo, discutiram em seu trabalho as conversaes na blogosfera, explicando que, em princpio, so conversaes pblicas. Para torn-las privadas, os atores precisam alterar as configuraes bsicas da ferramenta. Isso significa que nem todo aquele que passa a utilizar a ferramenta tem esse conhecimento e, com isso, passam a experimentar as conversaes pblicas. H ferramentas tambm, como o Facebook, onde possvel gerir as fronteiras das conversaes, classificando as conexes e publicando determinadas informaes apenas a determinados grupos.

    So essas fronteiras permeveis que tendem a tornar essas conversaes mais pblicas e que, assim, influenciam o advento das conversaes em rede enquanto conversaes pblicas. Esses tipos de conversao sero mais trabalhados nos prximos captulos, pois esto intrinsecamente conectados com outros elementos.

    1.2.5 A representao da presena Outro elemento caracterstico da mediao

    do computador a construo de representaes dos interagentes. No ciberespao, os indivduos no se do a conhecer de forma imediata. preciso que essa "presena" seja construda atravs de atos performticos e identitrios, tais como a construo de representaes do eu. Estas se do atravs de elementos que representam os indivduos no ciberespao, mesmo quando no esto conectados naquele momento. Essa representao pode

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  • ser constituda de um perfil em um si te de rede social, um weblog pessoalizado, um nickname em uma sala de chat, uma foto etc. Ela delimita o indivduo naquela ferramenta.

    Essas "representaes do sei f" tm caractersticas semelhantes quelas explicitadas por Goffman (1967) em sua construo: elas referendam indivduos que in-teragem atravs da CMC e so cuidadosamente montadas como espaos pessoalizados, que trazem impresses construdas para dar uma ou outra impresso para a possvel audincia atravs de pequenas pistas, atravs de performances de identidade. Trata-se de uma reinscrio de elementos que so caractersticos dos indivduos no ciberespao, o que j foi estudado por alguns autores. Turkle (1996) discute essa representao em MUDs44, assim como Donath (1999) as discute na Usenet45, e Dring (2002), em pginas pessoais. Boyd e Heer (2006), por sua vez, discutem os perfis do Friendster16 (um dos primeiros sites de redes sociais a despontar nos Estados Unidos) como formas de conversao facada, justamente, na pe~ormance identitria. Assim, as conversaes estudadas pelos atores seriam, tambm, formas de construir performances que constroem para a audincia impresses a respeito de quem so os interagentes.

    14 Multi-User Dungeon: Uma espcie de jogo de role playing (RPG) textua l popular no incio da popularizao da Internet. ls Rede de discusso dentro da Internet que suporta grupos de discusso. 16 O Friendster foi um dos primeiros sites de rede social com a forma que popularizou o sistema (perfis, grupos ou comunidades e espaos de in terao). Para mais informaes sobre sites de rede social, consulte a referncia a boyd & Ellison, 2007. http:/ jwww.friendster.com.

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  • Embora existam muitas formas de construir essas representaes, at mesmo apelidos (nicknames) utilizados em salas de chat, bem como "modos de dizer" que so percebidos como caractersticos de determina-dos indivduos (Recuero, 2001), auxiliam na individua-lizao dos interagentes. Algumas ferramentas de CMC, notadamente aquelas com caractersticas mais sncronas, apresentam representaes de presena numa mesma unidade temporal. o caso dos chats ou dos mensagei-ros instantneos. Quando algum indivduo est presente em um determinado momento, sua presena apontada pelo seu apelido como online. Em outras ferramentas, com caractersticas menos s ncronas, a presena d-se atravs da apropriao do espao- como em um weblog, por exemplo (vide Primo e Smaniotto, 2006). Nesse caso, os vrios espaos de comentrios e os links pessoaliza-dos para cada blog podem representar seus respectivos blogueiros e interagentes. Essa personalizao e indivi-dualizao, ainda que representada no espao virtual, essencial para a conversao, pois fornece informaes crucia is a respeito dos interagentes envolvidos e dos contextos criados.

    1.2.6 Migrao e multimodalidade

    Tradicionalmente, a multimodalidade da comu-nicao refere-se ao fato da conversao fazer uso de vrias interfaces (por exemplo, a audibilidade, a visualidade etc). A multimodalidade, assim, compreenderia os vrios modos sobre os quais uma conversao se estrutura. Mas como acontece essa multimodalidade na mediao digital? Se a comunicao basicamente escrita, como pode ser pensada de maneira multi moda}?

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  • A comunicao mediada por computador, como j dissemos, possui uma srie de caractersticas que so diferenciadas. H vrios modos de conversao que po-dem coexistir num mesmo evento. Comumentemente, graas interface grfica que permeia a maior parte da conversao digital, a multimodalidade refere-se s for-mas de linguagem que podem coexistir (por exemplo: imagem e texto). Assim, comum para muitos usurios, enquanto conversam no Skype47 (visual), tambm digitar links para seus interlocutores, que aparecem em outra janela. Essa uma conversao mantida em vrios mo-dos. A prpria linguagem da conversao mediada por computador , muitas vezes, ao mesmo tempo, escrita e visual, o que j caracteriza a multimodalidade. Por exem-plo, mesmo em chats puramente textuais, o uso de dese-nhos em ASCII 4n e de elementos grficos como os emoti-cons tambm caracteriza o uso de vrios m odos na con-versao. Entretanto, esta no a nica forma de mul-timodalidade. A comunicao pode acontecer de vrios modos tambm quanto sua organizao e estrutura.

    Nesse sentido, Herring (2002) aponta como modos principais da comunicao mediada pelo com-putador (e, portanto, da conversao) as formas sncrona e assncrona. A sncrona aquela conversao onde ambos atores esto presentes na ferramenta de modo simultneo, enquanto a assncro na foca a conversao

    17 Sistema de chamadas semelhantes ao telefone com a opo do uso de vdeo e das teleconferncias, mas focado na Internet. http:j jwww. skype.com 4n Sigla para American Standard Code for lnformation ln tercha nge: sistema de codificao de caracteres baseado no al fabeto ingls utilizado para o texto nos computadores.

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  • que ocorre sem a copresena online, mas espalhada no tempo (conforme discutimos no item 1.2.3). Assim, a ocorrncia dos dois modos, de forma simultnea, caracteriza a conversao multimodal e bastante comum. A multimodalidade, portanto, refere-se aqui ao uso corrente (e, por vezes, concorrente) de vrios modos de conversar pelos atores envolvidos na interao.

    Fotolog 1 said on 12/12/07 7:02PM ... pode leva pra mim? vamu sai??? ahuiahaiuhiuaH

    Fotolog 16 said on 12/12/07 9:14PM ... posso posso, t no MSN? a gente marca direito por l vamo que vamo gatinha que eu to encapetada (666) sakjslajkslaa

    Como se v no exemplo, a conversao assncrona entre os dois atores no Fotolog migra para o Microsoft Live Messenger (MSN)e torna-se sncrona. A conversa-o, assim, acontece em vrias plataformas. Da mesma forma, tambm comum uma determinada conversa iniciar-se de forma pblica, com vrios interagentes, e depois estabelecer-se em um espao privado, onde menos usurios participam da mesma conversao paralela. Neste caso, tambm h uma multimodalidade relacionada com os modos atravs dos quais a conversao acontece, tanto pblico quanto privado, utilizando-se de espaos diferentes e, por vezes, tambm simultneos.

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  • A multimodalidade aponta para o fato de que a conversao no possui uma estrutura fixa, esttica, mas sim dinmica. Tem uma estrutura flu ida, sistmica, capaz de se adaptar e se readaptar. Depende, como dissemos, das prticas sociais que vo valorizar e construir o espao da interao e que podem ser negociadas diante dos mais variados contextos.

    No incomum, tambm, que a conversao em um mesmo evento migre entre vrias plataformas. Deste modo, multimodal tambm porque se utiliza, ao mesmo tempo, de tipos diferentes de linguagem e de organizaes diferenciadas da conversao em um mesmo evento (De Moor & Efimova, 2004) .

    Por conta disso, dizemos que a conversao na Internettambm tende a migrar. O que isso quer dizer? As conversaes tendem a migrar entre vrias plataformas e ferramentas, ocorrendo, por vezes, de forma simultnea entre mais de uma e, por vezes, de forma subsequente. A multimodalidade, portanto, acarreta a migrao da conversao entre vrias ferramentas, o que indica que difcil seguir essa conversao. A caracterstica da migrao, assim, refere-se capacidade das conversaes de se espalharem entre as vrias ferramentas, sofrendo alteraes na sua estrutura e organizao, mas perma-necendo como um nico evento de fala. Ela tambm est relacionada com as caractersticas das ferramen tas, suas apropriaes e limitaes.

    ***

    Neste primeiro captulo dedicamo-nos a estudar algumas das caractersticas da conversao mediada pelo computador em seus mltiplos aspectos. A partir

    63

  • da percepo da conversao como uma apropriao, resultante das prticas sociais construdas pelos atores em rede, elencamos algumas caractersticas, como a linguagem oralizada, a migrao, o ambiente e o modo como a presena apontada.

    No se pode, claro, esquecer que essas prticas so emergentes da rede, ou seja, das interconexes entre os atores, que delimitam, constroem e negociam sua emergncia. Ningum fala sozinho. Assim, todos somos subjugados pela rede, pelas suas convenes e pelas suas prticas coletivas, que do s caractersticas estudadas importncia fundamental neste livro.

    Esses elementos so chave e guia para que compreendamos como essa conversao em rede estruturada. Ela consequncia das caractersticas das conversaes expostas neste captulo e do advento dos sites de rede social e dessas redes sociais online. menos uma apropriao e mais uma consequncia ou efeito das diversas apropriaes conversacionais que surgem na rede. influenciada por elas e estabelecida nos mesmos padres, diferenciando-se, todavia, em alguns aspectos, conforme veremos no captulo 4. Antes disso, entretanto, precisamos focar e discutir os aspectos conversacionais das conversaes mediadas pelo computador. Assim, sabemos que a conversao uma apropriao com caractersticas prprias no ciberespao. Mas como ela se estrutura? Como podemos perceber sua organizao?

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    a_conversacao_em_redea_conversacao_em_rede1516171819202122232425262728293031323334353637383940414243444546474849505152535455565758596061626364