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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002 A cooperação intergovernamental no Estado composto brasileiro: análise jurídico-constitucional Alessandra Aparecida Souza da Silveira I. Coordenadas para a descodificação do discurso cooperativo A incompletude do projecto cooperativo brasileiro desafia a doutrina jurídico-constitucional a entender o funcionamento labiríntico das relações intergovernamentais naquele Estado composto – o que demanda uma análise criteriosa dos motivos e soluções para um tal défice. Está por formular um discurso jurídico atento não só aos elementos constitucionais do federalismo brasileiro, mas também ao concreto funcionamento das suas relações intergovernamentais: avanços, recuos e o que aconselha a sua própria experiência histórica. Há uma lacuna doutrinária a ser preenchida por um discurso atento à costituzione vivente e comprometido com a reconstrução das instituições políticas, já que o Direito Constitucional é um cadinho (melting pot) de experimentação das respostas dos homens aos problemas da cidade (Gomes Canotilho). A análise que se segue pretende resgatar o tratamento normativo-constitucional do federalismo brasileiro, sobretudo a natureza das relações intergovernamentais desenvolvidas em cada período constitucional. O conceito de Estado federal é um conceito normativo: cada Estado composto será uma individualidade concreto-histórica constitucionalmente moldada (Konrad Hesse). Não há um conceito abstracto ou modelo de Estado federal que seja útil para a análise concreta de um específico ordenamento composto. Não é a Constituição quem há-de adaptar-se a um qualquer modelo federal previamente definido; ao contrário, o modelo define-se a partir da Constituição de cada Estado composto. Qualquer teoria que não parta do estudo empírico de cada concreto ordenamento composto estará sempre mais próxima de uma metafísica que de uma autêntica ciência da realidade (González Encinar). Por isto interessa captar a dimensão normativa do Estado federal brasileiro. Só assim estaremos aptos a oferecer sugestões para um estatuto federal bem resolvido - ou cooperativamente orientado. O federalismo brasileiro ressente-se de uma análise teórica e praxeologicamente sustentada da cooperação intergovernamental, que oriente a institucionalização de um modelo substantivo de relações intergovernamentais. Ainda não há normativa infraconstitucional que estabeleça um regime jurídico global orientante da cooperação intergovernamental. Persiste um inquietante ausência de normas actualizadas que disciplinem as relações intergovernamentais e impulsionem a cooperação. Entre os responsáveis pela concretização da ordem jurídico-constitucional brasileira permanece uma perplexidade que é esta: que normas gerais devem conter os diplomas que venham regular as bases jurídicas da cooperação intergovernamental? Daí a necessidade de sugestões doutrinárias voltadas à elaboração de uma normativa que estabeleça os parâmetros jurídico-materiais estruturantes da cooperação intergovernamental – ou seja, princípios, regras e procedimentos que disciplinem as relações intergovernamentais brasileiras. Mas para atingirmos tal intento, interessa captar a dinâmica dos mecanismos cooperativos que optimizam as relações intergovernamentais verticais (cujos actores seriam Estado central e entes periféricos) e horizontais (cujos actores seriam os próprios entes federados/regionais/autonómicos). Interessa compreender as técnicas relacionais que evitam a unidimensionalidade através da participação dos entes periféricos nos processos decisórios que os condicionam ou interessam. E importa sobretudo entender que os arranjos cooperativos buscam legitimidade numa concepção profundamente democrática de Estado, segundo a qual as componentes de um sistema composto devam protagonizar a definição das políticas públicas que as afectam (Terrón Montero/Cámara Villar). A orientação cooperativa aponta para a resolução pactuada de uma problemática que respeite a dois ou mais entes num Estado composto – e neste caso atende aos imperativos de discursividade e

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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002

A cooperação intergovernamental no Estado composto brasileiro: análise jurídico-constitucional

Alessandra Aparecida Souza da Silveira I. Coordenadas para a descodificação do discurso cooperativo

A incompletude do projecto cooperativo brasileiro desafia a doutrina jurídico-constitucional a entender o funcionamento labiríntico das relações intergovernamentais naquele Estado composto – o que demanda uma análise criteriosa dos motivos e soluções para um tal défice. Está por formular um discurso jurídico atento não só aos elementos constitucionais do federalismo brasileiro, mas também ao concreto funcionamento das suas relações intergovernamentais: avanços, recuos e o que aconselha a sua própria experiência histórica. Há uma lacuna doutrinária a ser preenchida por um discurso atento à costituzione vivente e comprometido com a reconstrução das instituições políticas, já que o Direito Constitucional é um cadinho (melting pot) de experimentação das respostas dos homens aos problemas da cidade (Gomes Canotilho).

A análise que se segue pretende resgatar o tratamento normativo-constitucional do federalismo brasileiro, sobretudo a natureza das relações intergovernamentais desenvolvidas em cada período constitucional. O conceito de Estado federal é um conceito normativo: cada Estado composto será uma individualidade concreto-histórica constitucionalmente moldada (Konrad Hesse). Não há um conceito abstracto ou modelo de Estado federal que seja útil para a análise concreta de um específico ordenamento composto. Não é a Constituição quem há-de adaptar-se a um qualquer modelo federal previamente definido; ao contrário, o modelo define-se a partir da Constituição de cada Estado composto. Qualquer teoria que não parta do estudo empírico de cada concreto ordenamento composto estará sempre mais próxima de uma metafísica que de uma autêntica ciência da realidade (González Encinar). Por isto interessa captar a dimensão normativa do Estado federal brasileiro. Só assim estaremos aptos a oferecer sugestões para um estatuto federal bem resolvido - ou cooperativamente orientado. O federalismo brasileiro ressente-se de uma análise teórica e praxeologicamente sustentada da cooperação intergovernamental, que oriente a institucionalização de um modelo substantivo de relações intergovernamentais. Ainda não há normativa infraconstitucional que estabeleça um regime jurídico global orientante da cooperação intergovernamental. Persiste um inquietante ausência de normas actualizadas que disciplinem as relações intergovernamentais e impulsionem a cooperação. Entre os responsáveis pela concretização da ordem jurídico-constitucional brasileira permanece uma perplexidade que é esta: que normas gerais devem conter os diplomas que venham regular as bases jurídicas da cooperação intergovernamental? Daí a necessidade de sugestões doutrinárias voltadas à elaboração de uma normativa que estabeleça os parâmetros jurídico-materiais estruturantes da cooperação intergovernamental – ou seja, princípios, regras e procedimentos que disciplinem as relações intergovernamentais brasileiras. Mas para atingirmos tal intento, interessa captar a dinâmica dos mecanismos cooperativos que optimizam as relações intergovernamentais verticais (cujos actores seriam Estado central e entes periféricos) e horizontais (cujos actores seriam os próprios entes federados/regionais/autonómicos). Interessa compreender as técnicas relacionais que evitam a unidimensionalidade através da participação dos entes periféricos nos processos decisórios que os condicionam ou interessam. E importa sobretudo entender que os arranjos cooperativos buscam legitimidade numa concepção profundamente democrática de Estado, segundo a qual as componentes de um sistema composto devam protagonizar a definição das políticas públicas que as afectam (Terrón Montero/Cámara Villar).

A orientação cooperativa aponta para a resolução pactuada de uma problemática que respeite a dois ou mais entes num Estado composto – e neste caso atende aos imperativos de discursividade e

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participação que legitimam os projectos compostos. Mas a cooperação também atende a imperativos de eficiência em todas as situações em que os entes territoriais administram concretos interesses e competências e resolvam fazê-lo concertadamente, através da prestação conjunta de serviços. Para captar tais dimensões da problemática que nos ocupa, será útil recorrermos aos recentes contributos da teoria das relações intergovernamentais e à experiência cooperativa europeia – seja relativamente a modelos cooperativos em desenvolvimento (como o espanhol), seja relativamente a modelos cooperativos mais avançados (como o alemão). Esta análise comparativa releva para a concretização das sugestões cooperativas do constituinte brasileiro – que ainda habitam o vasto universo das omissões legislativas. É verdade que os federalismos e suas conformações cooperativas só limitadamente podem ser comparados, dadas as substanciais diferenças entre os Estados classificados como federais. Todavia, em cada singular sistema composto podem ser individualizadas particularidades interessantes ou matizes específicas do princípio federativo, que podem revelar a eficácia da conformações cooperativas (Heinz Schaffer).

Antes de avançarmos, delimitemos nosso objecto de estudo: 1) nosso entendimento de cooperação aponta para um modelo de planeamento e gestão das

políticas públicas, fundado no carácter democrático e compósito do Estado, e que incorpora esforços de concertação entre os distintos interesses das várias esferas de poder, tendo como resultado decisões discursivamente validadas;

2) ficaremos pelas relações intergovernamentais porque a esfera da gestão das políticas públicas (planeamento e implementação das mesmas) será o locus privilegiado da cooperação (Brasiliense Carneiro). Nosso estudo não se ocupa das técnicas institucionais de cooperação, voltadas sobretudo à harmonização normativa e à execução periférica da legislação central. É claro que, em sentido amplo, aqui também estaríamos no marco da cooperação entre entidades públicas. Mas vamos nos cingir às técnicas relacionais ou arranjos cooperativos que permanentemente repactuam o foedus através da partilha de responsabilidades prestacionais, cujo habitat natural seriam os Governos e suas respectivas Administrações. As disposições constitucionais que balizam as relações entre os órgãos centrais e periféricos estão particularmente vocacionadas à unidade de acção daqueles ordenamentos, cujos destinatários são idênticos (González Encinar). Ora, a unidade de acção é resultado, sobretudo, de um empenho governativo cooperativamente orientado ou voltado à composição de interesses comuns;

3) nossa análise está ainda voltada para os Estados compostos, ou seja, Estados que apresentam uma estrutura verticalizada de poder e cujos entes periféricos participam na formação da vontade central via Senado (câmara de representação dos interesses regionais) e através de mecanismos cooperativos. Estão aqui focalizados os Estados tradicionalmente tidos como federais/regionais/autonómicos, entre os quais já não haveria descontinuidades que permitissem uma distinção segura (Massimo Luciani). A doutrina tem insistido na aproximação das várias experiências constitucionais compostas e no esbatimento das fronteiras entre suas respectivas fórmulas organizativas (Raffaele Bifulco). Recorrendo a conceitos lógico-ontológicos, poderíamos afirmar que os entes periféricos de um Estado composto são séries políticas heterogéneas, diferenciadas, que integram um todo atributivo (o que se diz do todo, não há-de dizer das partes). Esta totalidade atributiva é vertebrada por um todo distributivo, que seria a Constituição (Lopez Ruiz). Isto distingue os Estados compostos daqueles homogéneos, ditos unitários (expressão equívoca porque todos os Estados pressupõem unidade), a cujas partes é constitucionalmente permitido exercer alguma autonomia distributivamente.

A complexidade acrescida dos Estados compostos denuncia a utilidade do presente estudo, que se ocupa, sobretudo, da funcionalidade daquelas composições no marco das seguintes perplexidades: como decidem e de que expedientes funcionais dispõem os espaços compostos na prossecução dos seus objectivos? A ideia de compromisso cooperativo aponta para as providências que aglutinam, conservam e protegem os Estados compostos contra as ameaças à boa governação. Assim sendo, a cooperação intergovernamental deve ser reconhecida como obrigação mutuamente vinculativa: os contornos da obrigação podem diferir, mas há-de vincular todas as instituições e unidades governativas

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porque será o fundamento, o background de qualquer Estado composto (Daniel Halberstam). O compromisso constitucional de cooperação pode incorporar uma dimensão activa (que

requer actores decididamente engajados em acções concertadas) ou somente uma dimensão passiva (que implica a moderação recíproca ou a abstenção do exercício de poderes formalmente acometidos). Em ambos os casos, o compromisso constitucional controla a condução dos interesses federados no sentido de optimizar o funcionamento da totalidade do sistema composto. Ainda que as Constituições dos Estados compostos não refiram expressamente a cooperação, tal compromisso é inferível do plano regulativo e da teleologia da regulamentação constitucional (Gomes Canotilho) num ordenamento composto. Nestes Estados, os governos constituídos partilham a governação orientados por um interesse comum: como assegurar que o conjunto do sistema político funcione adequadamente, sem que os diversos decisores frustrem reciprocamente os projectos alheios? (Daniel Halberstam).

Quem quiser entender a complexidade dos Estados compostos há-de percorrer: a) a teoria do federalismo, que explica a convivência das tendências centrífugas e centrípetas, e b) a teoria da organização jurídica do Estado composto, que aborda os problemas de Direito Público de uma comunidade assim constituída (González Encinar). Não temos qualquer pretensão exaustiva no tratamento da questão! Ficamo-nos pela enunciação das coordenadas básicas à compreensão da problemática cooperativa no ordenamento composto brasileiro, a partir dos seus elementos jurídico-constitucionais. II. O tratamento normativo-constitucional da Federação brasileira Antes de mais, espantemos as bruxas, ou os recorrentes equívocos da investigação histórica e jurídica relativas ao federalismo brasileiro. Os doutrinadores costumam referir que a Federação brasileira surgiu no vácuo de qualquer tradição autónoma (legislativa e administrativa) das Províncias transformadas em Estados federados pelo Decreto nº1 do Governo Provisório, quando da Proclamação da República em 1889. O entendimento dominante sustenta que toda a tradição sociológica, jurídica e administrativa que desaguou na Constituição de 1891 foi a do Estado unitário e da centralização portuguesa. E esta maldição da origem é resgatada para justificar toda a fatalidade do desfecho - ou as decorrentes fragilidades institucionais brasileiras.

Primeira ressalva: romper com os legados do centralismo e do autoritarismo indicia maturidade institucional. Aos cientistas cumpre oferecer elementos para os superar, ao invés de os revisitar sistematicamente para justificar insucessos e lastimar o que poderia ter sido – e não foi.

Segunda ressalva: o discurso do qual nos demarcamos privilegia demasiadamente as federações constituídas através do arquétipo norte-americano – ou resultantes de pactos entre unidades previamente soberanas - e subestima a trajectória histórica dos Estados unitários que se transformaram em federações (Eduardo Kugelmas). Juridicamente, o resultado a que se chega é o mesmo. O que efectivamente releva é a existência de uma comunidade de interesses entre os entes federados. Qualquer análise federativa que se pretenda academicamente honesta há-de considerar tanto o chamado federalismo associativo do modelo estadunidense, quanto o federalismo dissociativo dos mais recentes modelos espanhol (Constituição de 1978) e belga (Constituição de 1993). A solução dissociativa, na qual se inclui o federalismo brasileiro, é habitualmente adoptada para permitir a coexistência de colectividades orientadas por interesses nem sempre convergentes e para evitar a secessão de uma parte do território (Giorgio Malinverni). Ainda que a moderna versão do federalismo tenha surgido nos EUA em 1787, o ideário federal é greco-romano (foedus, civitates foederatae) e admite os mais variados desdobramentos. O fetichismo da academia brasileira pelo paradigma federal estadunidense obstaculiza a compreensão da distinta experiência política brasileira: aquelas federações têm origens historicamente díspares e seus desdobramentos são sequer semelhantes. A invocação federalismo não identifica um específico percurso e um idêntico destino: existem tantos federalismos quanto são os Estados federais (Alessandro Pace).

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Terceira ressalva: há-de rejeitar a metáfora do mimetismo institucional – ou a cantilena tantas vezes recitada de uma história equivocada, importada, exógena. Há-de recusar o postulado da institucionalização imitativa, abstracta, anémica, alheia aos desenvolvimentos orgânicos e históricos do desenvolvimento brasileiro – e portanto, fadada ao fracasso (Bolívar Lamounier). Não obstante algumas deficiências resgatáveis, o conjunto institucional brasileiro comporta elementos bons e originais – por vezes os originais até coincidem com os bons. Não se pretenda compreender a problemática federal brasileira ignorando os elementos autóctones da sua aventura política – que um qualquer complexo de inferioridade insiste em subestimar. Ressalvas feitas, captemos a evolução federal brasileira a partir do tratamento normativo-constitucional daquele Estado composto, tendo em atenção o relacionamento intergovernamental desenvolvido em cada período constitucional. A consideração jurídico-constitucional do federalismo brasileiro não se deve atrelar a um conceito de Estado federal pré-constitucional ou a um conteúdo apriorístico de federação (Konrad Hesse), sobretudo numa época de redefinição conceptual e esbatimento das fronteiras entre o clássico entendimento de Estado federal e Estado regional. Na sequência da Independência do Brasil, em 1822, o Imperador dissolveu a primeira Assembleia Constituinte brasileira e outorgou a Constituição de 1824. A dissolução da Constituinte e a consequente outorga da Constituição deixaram marcas indeléveis no imaginário político-jurídico brasileiro. Até onde a memória colectiva alcança, o interesse público foi cunhado para preservar e projectar o Estado – não para tê-lo sob controlo (Torquato Jardim). A Constituição outorgada de 1824 instituiu um Estado unitário para salvaguardar a unidade do Império. As Províncias tinham Presidentes nomeados pelo Imperador e as suas atribuições eram definidas em lei geral (artigos 156º e 166º). Os Conselhos Gerais das Províncias tinham atribuições restritas e seus actos eram submetidos à Assembleia Geral, com sede na capital do Império (artigos 82º a 88º). É claro que uma tal conformação organizativa não estava à altura das pretensões autonómicas das Províncias, cuja insatisfação resultou na Abdicação de D. Pedro I, em 1831. A revisão da Constituição de 1824 tardou dez longos anos. O Acto Adicional de 1834 introduziu elementos autónomos nas Províncias: instituiu as Assembleias Legislativas Provinciais e excepcionou a revisão de suas decisões. Os actos legislativos da Assembleia Provincial, devidamente promulgados pelo Presidente da Província, eram enviados à Assembleia e Governo Geral e só seriam revogados pelo último quando ofendessem a Constituição ou infringissem os direitos de outras Províncias, os tratados internacionais ou os impostos gerais (artigo 20º). O Acto Adicional consagrou ainda a inviolabilidade dos deputados provinciais pelas opiniões emitidas no exercício de suas funções, o que alimentou as pretensões de autonomia (Bonavides/Paes de Andrade). Mas não tardou o contragolpe: a Lei de Interpretação nº105 (12/5/1840), precisou o conteúdo de alguns dispositivos do Acto Adicional e restringiu o seu alcance, nomeadamente no que respeita aos poderes das Assembleias Provinciais e do Presidente da Província. A Lei de Interpretação representou o triunfo do unitarismo imperial e o perecimento as pretensões auto-organizativas das Províncias. As usurpações de 1840 promoveram reacções inflamadas entre os publicistas da época. Tavares Bastos, Assis Brasil, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa foram monocórdicos quanto ao prognóstico político-institucional brasileiro: só as virtualidades integradoras do modelo federal conteriam a secessão iminente. Mas foi o Manifesto Republicano de 1870 quem desferiu o mais certeiro dos golpes no então condenado Estado unitário: “A Independência proclamada oficialmente em 1822 achou e respeitou a forma da divisão colonial. A ideia democrática, representada pela primeira Constituinte brasileira, tentou, é certo, dar ao princípio federativo todo o desenvolvimento que ele comportava e de que carecia o país para poder marchar e progredir. Mas a dissolução da Assembleia Nacional, sufocando as aspirações democráticas, cerceou o princípio, desnaturou-o, e a Carta outorgada em 1824, mantendo o status quo da divisão territorial, ampliou a esfera da centralização pela dependência em que colocou as Províncias e seus administradores do poder intruso e absorvente, chave do sistema, que abafou todos os respiradouros da liberdade, enfeudando as Províncias à Corte,

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à sede do único poder soberano que sobreviveu à ruína da democracia (...) A centralização, tal qual existe, representa o despotismo, dá força ao poder pessoal que avassala, estraga e corrompe os caracteres, perverte e anarquiza os espíritos, comprime a liberdade, constrange o cidadão.” Portanto, o ideal político do federalismo antecedeu em muito a Federação instituída com a proclamação da República, através do Decreto nº1 do Governo Provisório, em 15/11/1889, que dispunha: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação brasileira – a República Federativa. As Províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil” (artigos 1º e 2º). Alguma doutrina sustenta que a Federação poderia ter retardado o advento da República, ou oxigenado o Império, ainda que por pouco tempo. Mais do que pela República, os brasileiros da época fremiam pela Federação (Assis Brasil).

A Constituição republicana de 1891 elaborou um sofisticado modelo de autonomia periférica inspirada no federalismo dual estadunidense: competências legislativas alargadas, liberdade para contrair empréstimos internacionais, controle integral da polícia e justiça. O formato ter-se-ia inevitavelmente avizinhado da confederação, não fosse o labor constituinte de Rui Barbosa, que habilmente conseguiu amenizar as tendências centrífugas do afã federalista: “Ontem, de federação, não tínhamos nada. Hoje, não há federação que nos baste”- teria desabafado o eminente jurista (Discurso na Assembleia Constituinte, em 16/9/1890). Os Estados federados exploraram ao máximo o filão dos poderes remanescentes constitucionalmente garantidos. Acontece que a autonomia só resulta quando instruída por procedimentos institucionalizados de participação periférica nos processos decisórios centrais. A autonomia demanda cultura democrática e disponibilidade financeira: todo o resto é retórica. Na ausência de tais elementos, os factores reais de poder solaparam o modelo autonómico constitucionalmente consagrado.

Os militares que fizeram a República atropelaram despudoradamente a Constituição por não conseguirem incorporar o princípio federativo. A partilha do poder e a fórmula federal de self-rule plus shared rule os repugnava: o Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro Presidente da República, dissolveu o Congresso e declarou o estado de sítio. E o instituto da intervenção federal nos Estados foi transformado no mais poderoso instrumento político do arbítrio – não obstante fosse excepcionalmente previsto no artigo 6º da Constituição de 1891 para corrigir disfuncionalidades que afectassem os fundamentos constitucionais: repelir a invasão estrangeira ou de um Estado federado em outro; manter a forma republicana federativa; restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados; assegurar a execução das leis e sentenças federais; reorganizar as finanças do Estado.

A Constituição de 1891 inspirou condutas reservadas no domínio das relações intergovernamentais. O governo central ignorava o que ocorria na esfera administrativa e financeira dos Estados. O artigo 5º da Constituição excepcionava a assistência financeira federal, só admitida a título de socorro em situações de calamidade pública e quando solicitada pelos Estados federados. Eis o entendimento então vigente: alguma ajuda financeira teve cabimento no período da organização político-administrativa dos Estados e superada esta fase, já não se justificava a concessão de subsídios. Prova disto é que o orçamento federal de 1893 não dispensava recursos aos Estados federados: o Congresso entendeu que os serviços estaduais deviam ser mantidos às próprias custas. O resultado desta política isolacionista do Estado central foi o endividamento periférico, que em 1922 correspondia a 50% das dívidas contraídas pelo conjunto da Federação desde 1824. Nestes primeiros tempos, o federalismo brasileiro ignorou o vital equilíbrio entre recursos e encargos (Raul Machado Horta).

Durante a presidência de Campos Sales (1898-1902), o Brasil envolveu-se numa grave crise financeira que demandava manobras e contenções desfavoráveis à maioria dos Estados. Foi então firmado o pacto oligárquico: os Estados federados não intervinham na definição das grandes políticas públicas, sob a condição de que o Estado central ignorasse as arbitrariedades promovidas nos seus feudos. Estava engendrada a fórmula da substituição dos princípios pelos interesses, do povo pelas facções, dos Estados federados pelos seus governantes, das autonomias pelas oligarquias (Bonavides/Paes de Andrade). A autonomia resultou disfuncionalizada pelo sistema democrático-

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representativo: um sistema originalmente viciado por grosseiras fraudes eleitorais e sofismado por oligarquias que sustentavam o poder central (Aspásia Camargo). O desfecho da perversão representativa foi a Revolução de 1930: uma conjunção de forças civis e militares derrubou o governo federal. A ordem jurídico-constitucional de 1891 foi suspensa em nome das promessas de republicanização da República – que nunca se cumpriram.

O Decreto nº19.398 (11/11/30) instituiu o Governo Provisório, dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas Estaduais, as Câmaras Municipais, suspendeu as garantias constitucionais e excluiu de apreciação judicial os decretos e actos do Governo Provisório então instituído e seus interventores. Já não havia dúvidas quanto a natureza do poder absoluto nascido das armas: a Revolução de 1930 definitivamente fortaleceu o poder central. E a restauração constitucional chegou atrasada: só em 5/4/33 o Decreto nº22.621 dispõe sobre a convocação da Assembleia Constituinte.

A Constituição de 1934 manteve a República federativa proclamada em 1889. As competências legislativas em matéria processual civil e processual penal foram transferidas à União, além do direito substantivo que já lhe cabia. Não foi racionalizado o sistema de distribuição de rendas, o que condicionou negativamente as relações centro/periferia. Foi mantida a partilha arbitrária dos recursos financeiros entre Estado central e Estados federados herdada do Império e constitucionalmente incorporada na Constituição de 1891. A institucionalização de mecanismos de compensação financeira foi escamoteada e a autonomia periférica falseada. Consequência: a continuidade da chamada política do pires na mão, dos sólidos laços de solidariedade pessoal, do assistencialismo político-partidário, das transferências específicas e das contrapartidas pouco lícitas.

Alguma doutrina entende que a Constituição de 1934 teria promovido a transição do federalismo dual (marcado pela não-interferência decisória entre as esferas central e periférica) para o federalismo cooperativo (marcado pela partilha decisória). Segundo tal entendimento, a Constituição de 1934 seria o marco constitucional das novas relações intergovernamentais brasileiras (Raul Machado Horta). Isto porque a União foi constitucionalmente encarregada de organizar o serviço nacional de combate às grandes endemias do país, o que incluía o custeio e a direcção técnico-administrativa nas zonas onde a execução do serviço excedesse as possibilidades dos governos periféricos (artigo 140º). A Constituição de 1934 ainda dispôs que o combate aos efeitos das secas obedeceria a um plano sistemático e permanente a cargo da União, que despenderia quantia nunca inferior a 4% da sua receita tributária com as obras e serviços assistenciais (artigo 177º).

Acolhemos só parcialmente tal entendimento doutrinário porque nos parece redutor e equívoco sobrevalorizar a dimensão financeira da cooperação intergovernamental. Ainda que as relações intergovernamentais patrocinadas pela Constituição de 1934 ultrapassem a mera concessão de subsídios na hipótese de calamidade pública (tal como era previsto no artigo 5º da Constituição de 1891), é igualmente correcto que a Constituição de 1934 não impulsiona a partnership, a gestão conjunta de interesses e serviços comuns, a consonância decisória. O puzzle constitucional de 1934 carece precisamente daquele elemento estruturante da cooperação intergovernamental: o consenso/acordo sobre a oportunidade das decisões discursivamente validadas.

Em Dezembro de 1935, a normalidade constitucional foi interrompida pelos imperativos do estado de guerra, autorizado pela Emenda Constitucional nº1 (18/12/35). A prolongada duração deste estado excepcional alimentou a perversidade: o golpe de Estado de 10/11/37 instaurou a ditadura do Estado Novo. A Constituição autoritária (e portanto apócrifa) de 1937 que sustentou o regime, foi o registo definitivo da derrota federativa. Já no preâmbulo daquela Constituição outorgada foi anunciada a extinção dos partidos para supostamente eliminar os factores de desordem. O circo de horrores e arbitrariedades ainda incluía a dissolução do Parlamento (artigo 13º) e a irrestrita expedição de decretos-lei (artigo 14º). O Estado central assumiu as funções administrativas, que passaram a ser exercidas por interventores nomeados. As bandeiras dos Estados federados foram simbolicamente queimadas em praça pública. Quando o desfecho da Segunda Guerra de avizinhava, o governo central brasileiro sugere a flexibilização do regime e a funcionalização dos órgãos representativos previstos na

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Constituição – era o aceno da insustentabilidade autocrática. Os desdobramentos inevitáveis foram as eleições do Presidente da República e da Assembleia Constituinte.

A Constituição de 1946 restaurou a democracia possível. O Estado Novo aniquilara a Federação: tanto a separação vertical de poderes quanto aquela horizontal foram despudoradamente pervertidas. O Parlamento estivera prostrado e ausente durante o período ditatorial de Getúlio Vargas (1937-1945): nunca foi convocado pelo Presidente da República, a quem competia fazê-lo nos termos do artigo 75º da Constituição de 1937. Acontece que a cura das feridas institucionais demanda tempo. Quando devolvidas à arena política, as elites políticas regionais não quiseram libertar-se de um eleitorado dependente de pequenos favores, maioritariamente pobre e analfabeto. Tal abjecta disfunção, certamente alimentada pela imaturidade cidadã, fez com que a pretensa revitalização do regionalismo brasileiro resultasse adulterada pelo clientelismo patrimonialista (Aspásia Camargo).

A ordem constitucional de 1946 não conseguiu irrigar democraticamente o tecido institucional brasileiro – e consequentemente, não logrou conter a fúria autocrática do segundo período de excepção (1964-1985). As competências legislativas do Estado central foram robustecidas – assim como o seu aparato administrativo difuso. E foi mantida a uniformidade de competências periféricas: todos os entes federados continuavam submetidos ao mesmo ritmo competencial, independentemente das suas potencialidades. Diga-se de passagem, a isonomia competencial persiste até hoje. Os entes federados brasileiros continuam sujeitos a um rígido formato de competências que contrasta com a diversidade orientante das soluções compostas (Torquato Jardim). Ora, as assimetrias económico-sociais registáveis entre os entes federados brasileiros demandam a existência de distintos ritmos competenciais: cada um dá o que tem na exacta medida de suas possibilidades. A actual padronização sujeita as disparidades periféricas à mesma quadrícula jurídico-política. Os entes federados brasileiros decididamente não dispõem dos mesmos recursos para a implementação das políticas públicas. Pululam entes periféricos que sobrevivem exclusivamente da compensação financeira – que também demanda reparos urgentes, sobretudo porque escamoteia alguma indisciplina financeira, sob os auspícios do assistencialismo.

Todavia, a Constituição de 1946 revitalizou o Senado, agora formalmente reconhecido como câmara de representação dos interesses federados. Desde suas origens imperiais, o Senado brasileiro nunca representara os entes territoriais, mas sim os interesses clientelares das elites, dos proprietários de terra, dos cafeicultores, dos senhores de engenho. A Constituição de 1946 também disciplinou a compensação financeira, mediante a participação dos Estados e Municípios no produto da arrecadação do Estado central (artigo 15º), designadamente no produto da arrecadação do imposto de renda, do imposto sobre combustíveis, do imposto sobre energia eléctrica e do imposto sobre minerais. A Constituição ainda reservou 3% da receita tributária da União para a execução do plano de defesa contra os efeitos da seca do Nordeste (artigo 198º) e do plano de valorização da Amazónia (artigo 199º). Acontece que a execução dos planos regionais foi entregue a organismos subordinados ao Estado central, segundo a lógica da descentralização administrativa. Ora, as regiões fragilizadas continuavam dependentes do poder central, algo que em nada reforça as autonomias (Bonavides/Paes de Andrade). Assim, a Constituição de 1946 foi administrando avanços e recuos, sem ultrapassar resolutamente a menoridade periférica. E o autoritarismo bem soube capitalizar as infantilidades autonómicas. Os militares de 1964 vingaram os militares de 1930: foi o colapso da ordem constitucional que se pretendia democrática.

A suposta “intervenção cirúrgica” dos militares de 1964, para alegadamente “restaurar a democracia e diversificar o sistema produtivo”, durou tenebrosos vinte e um anos de torturas e assassínios. Já conhecíamos “o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério” (Ulysses Guimarães). O regime militar manteve a Constituição de 1946, muito embora a Constituição apócrifa daqueles tempos ditatoriais fossem os Actos Institucionais. O Acto Institucional nº1 (9/4/64) suspendeu as garantias constitucionais e legais de vitaliciedade e estabilidade – vedado o controle jurisdicional do

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mérito da medida (artigo 7º). O Acto ainda autorizava os generais do regime a suspenderem direitos políticos pelo prazo de dez anos, assim como cassar mandatos legislativos – também aqui excluída a apreciação judicial da medida (artigo 10º). Tudo isto com o nobre intuito de “restaurar no Brasil a ordem económica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas” (Preâmbulo do Acto Institucional nº1).

O Acto Institucional nº2 (27/10/65) extinguiu os partidos políticos (artigo 18º) e ainda ampliou as possibilidades constitucionais de intervenção federal nos Estados (artigo 17º) para supostamente “assegurar a execução da lei federal e prevenir ou reprimir a subversão da ordem”. Daí depreende-se que o Estado central estava autorizado a intervir quando os Estados federados adoptassem medidas políticas ou executassem planos financeiros não adaptados às diretrizes do regime. Assim estava instaurado o federalismo semântico, cuja conformação é orientada não pela partilha de poder, mas sim pela perpetuação dos seus detentores fácticos (Karl Loewenstein).

Acontece que convinha legitimar a “revolução vitoriosa” - e o caminho das pedras eleito pelos militares foi o da constitucionalização do regime. O Acto Institucional nº4 (7/12/66) convocou o Congresso Nacional para reunir extraordinariamente entre 12/12/66 e 24/12/67, a fim de discutir e votar um novo texto constitucional que “assegurasse a continuidade da obra revolucionária.” Foi fixada uma calendarização impressionantemente rígida para a apresentação, discussão e promulgação do texto constitucional. As formalidades estavam concluídas no tempo previsto e em 24/1/67 foi promulgada a Constituição.

A Constituição de 1967 instituiu os chamados Fundos de Participação dos Estados e Municípios na receita federal, a fim de promover alguma compensação financeira vertical. Mas em contrapartida estabeleceu critérios rígidos para a aplicação dos recursos transferidos aos Estados federados, sempre atendendo às prioridades do regime. A Constituição do regime militar ainda introduziu o conceito de Municípios de segurança nacional, cujos prefeitos seriam nomeados pelo governador do Estado, com a prévia autorização do Presidente da República (artigo 15º). Tais Municípios de segurança nacional, assim declarados por lei de iniciativa do Presidente da República, seriam os mais desenvolvidos em termos político-económicos.

Não foram depositadas grandes expectativas no texto constitucional de 1967 – salvo a de que estancasse a pusilânime emissão dos Actos Institucionais (Bonavides/Paes de Andrade). Mas nem isto: em 13/12/68 surge a mais desprezível das normativas ditatoriais, o Acto Institucional nº5, que não só adensava todas as arbitrariedades constantes dos actos anteriores, como ainda autorizava o Presidente da República a intervir nos Estados e Municípios (sem as limitações constitucionalmente previstas) através de interventores nomeados que exerceriam as funções dos Governadores e Prefeitos (artigo 3º). O artigo 10º suspendeu a garantia de habeas corpus para os crimes políticos.

A partir de 1974 foi desencadeado o processo de transição democrática – que conseguiu durar tanto quanto a ditadura, embora tenha-se anunciado excepcional e de curta duração (ditadura: 1964-1974; transição:1974-1985). Entre 1930 e 1980, o Brasil viveu o chamado ciclo desenvolvimentista - período marcado pela urbanização e diversificação do parque produtivo, energético e telecomunicativo brasileiro, com crescimento anual à escala de 7%. Neste espaço de meio século, a modernização económica descompassou daquela política: houve dois regimes de excepção (oito anos de Estado Novo e vinte e um anos de ditadura militar) e notório desfasamento democrático. Os regimes de excepção conseguiram cooptar as elites políticas regionais, dominando a suposta autonomia periférica (Aspásia Camargo). Nos momentos de redemocratização, como aquele vivido em 1946, o aparato político-institucional não conseguiu livrar-se da fantasmagoria centrípeta. Por conta disto, as relações intergovernamentais brasileiras adoptaram a bilateralidade como mecanismo ordinário de funcionamento, em detrimento de um processo multilateral que articulasse todos os interesses em causa.. Acontece que a bilateralidade só se justifica quando os assuntos a tratar são de índole específica e não afectam os demais entes federados. Uma questão que por sua própria natureza afecta a vários

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entes periféricos não pode ser isoladamente resolvida por um deles sem interferir no interesse dos demais (García de Enterría). Mas a sistemática intergovernamental brasileira nunca esteve pautada na interdependência, e sim na dependência periférica e no assistencialismo que desde muito cedo obstruiu os circuitos da democraticidade periférica. O salto qualitativo depende das soluções engendradas para ultrapassar os legados do autoritarismo (Renato Lessa), sobretudo no que respeita à concentração do processo decisório no governo central e a consequente minimização periférica.

Em 19/11/80 a Emenda Constitucional nº15 restabeleceu as eleições directas para Governador do Estado e Senador da República. As eleições de 1982 foram consideradas o ponto de inflexão decisivo: os governadores eleitos impulsionaram a campanha pelas eleições directas para a Presidência da República (que só ocorreu em 1989) e a ditadura militar já tinha seus dias contados. À Constituição messiânica de 1988 cumpria moldar um arranjo organizatório apto a processar as diversidades e clivagens regionais. Era um desafio hercúleo, tendo em conta a totalidade político-institucional brasileira, então marcada pela falta de cultura cooperativa e acentuado centralismo decisório. Vamos lá ver se atingiu o intento. III. A conformação das relações intergovernamentais na Constituição de 1988

As Constituições têm um carácter compromissório: as várias forças constituintes procuram integrar soluções normativas relacionadas com suas mundividências ou com a luta por posições constitucionais. Com a Constituição Federal de 1988 não foi diferente, prova disto foi a inclusão da função social da propriedade e o pleno emprego (artigo 170º), assim como a proibição de taxas de juros superiores a doze por cento ao ano (artigo 192/§3º). A convulsão histórica da redemocratização brasileira resultou estampada na Constituição de 1988, que promoveu os arranjos organizatórios possíveis e lá foi fazendo sugestões no sentido da evolução político-social. Os elementos tendentes a combinar a centralização e a descentralização foram sendo incorporados consoante os interesses das forças protagonistas no processo constituinte (González Encinar) – como habitualmente acontece nestes grandes momentos fundadores.

Acontece que a Constituição só se converte em força normativa, quando na consciência geral (especialmente na consciência dos responsáveis pela ordem constitucional) se fizer presente a vontade de Constituição – ou a vontade de concretizar os elementos constitucionais (Konrad Hesse). E no ordenamento composto brasileiro, as sugestões constitucionais voltadas à cooperação intergovernamental ainda carecem da concretização do legislador ordinário. O puzzle intergovernamental foi encomendado à uma contínua tarefa de negociação entre as forças políticas – cujas soluções já tardam.

No que respeita à cooperação intergovernamental, a Constituição de 1988 andou afinada com as novas sugestões da teoria da constituição: os documentos constitucionais devem-se restringir às grandes linhas da ordenação política. A Constituição não é um depósito acabado de soluções substantivas. Os conflitos e tensões, numa sociedade dinâmica, hão-de encontrar o seu ponto de equilíbrio em cada momento (Gomes Canotilho). A Constituição não disciplina minúcias, antes oferece as coordenadas básicas - e todo o resto é vitalidade institucional.

Acontece que o federalismo brasileiro não esteve à altura das sugestões cooperativas constitucionalmente consagradas. O vício aqui é o da dependência do activismo constitucional: o sistema político-jurídico ainda não conseguiu ultrapassar a armadilha da Constituição analítica. Ora, as Constituições foram progressivamente relativizando o seu carácter dirigente ou perdendo prerrogativas de direcção activa. Devem ser entendidas como ordem fundamental e não um código exaustivamente regulador. A ordem fundamental fixada numa Constituição é necessariamente uma ordem parcial e fragmentária, carecida de uma actualização concretizante quer através do legislador (e dos responsáveis pela ordem constitucional), quer através dos esquemas de regulação informais desenvolvidos pelos subsistemas sociais, tais como o económico, o político, o educativo (Gomes

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Canotilho), sobretudo porque a Constituição é um complexo normativo aberto à interpretação pluralista dos seus distintos destinatários (Peter Haberle).

O federalismo brasileiro sofre, entretanto, de uma psicopatologia institucional que é esta: a cooperação intergovernamental não tem avançado por força do compromisso constitucional de cooperação subjacente aos Estados compostos, nem por influência das sugestões constitucionais de prestação conjunta de serviços, ainda não concretizadas pelo legislador. Mas a cooperação avança na esfera das políticas públicas da saúde e da educação, para as quais a Constituição definiu um preciso e apertado modelo de relações intergovernamentais e optou por directivas concretas de acção! A cooperação intergovernamental tem avançado nos termos da Constituição-regra, do determinismo e da tecnicidade constitucional; não avançou nos termos da Constituição-princípio e do reenvio para densificação legal. Ou seja: a cooperação progrediu naquelas esferas em que o constituinte optou por rigidificar soluções, onde recorreu a uma instrumentalidade normativa marcada pelo perfeccionismo e pelo pormenor. Ainda que o modelo tenha resultado, não deixa de ser preocupante, porque a densificação técnico-instrumental da lei básica restringe drasticamente as margens do sistema político - desloca o momento e a responsabilidade das decisões políticas infraconstitucionais para o constituinte (Gomes Canotilho).

Acompanhemos algumas sugestões da Constituição Federal de 1988 relativas à problemática das relações intergovernamentais:

1) O Município como ente federado: durante a década de 80, o Brasil foi tomado pelo frenesim

autonómico – explicável enquanto reacção à longa e tenebrosa noite da ditadura militar. O texto constitucional resultante daquela conjugação de forças políticas reconheceu o Município como ente federado, dotado de autonomia política, legislativa, administrativa e financeira. Seria um arranjo inédito na história dos ordenamentos complexos, muito embora lacunoso, porque os Municípios não participam na elaboração das normas federais e estaduais: como vontades periféricas, não integram a formação da vontade central. Além disto, os eventuais conflitos de competência que envolvam Municípios não se submetem directamente à Corte Constitucional (Supremo Tribunal Federal). Acontece que isoladamente considerados, a grande maioria dos Municípios brasileiros não têm estatura administrativa, institucional e financeira para implementar os programas constitucionalmente pretendidos – exactamente porque não foram previstos distintos ritmos competenciais adaptados às potencialidades de cada Município. A precariedade dos mecanismos de accountability e de controlo democrático/fiscalização cidadã também conspirou contra os entusiasmos mais ingénuos. Mas é inegável que a inovação constitucional aproximou o governo do cidadão, sobretudo porque o governante local é tendencialmente mais sensível às prioridades de alocação de recursos. Todavia, para que a cadeia de responsabilização político-administrativa pretendida pelo constituinte não seja desvirtuada, o gestor não deve ter os seus gastos integralmente subsidiados por recursos alheios. A compensação financeira também tem uma perigosa face desonerante que é esta: os entes beneficiados já não prosseguem a expansão das fontes locais de receita e reduzem os esforços de aperfeiçoamento administrativo-financeiro. Em doze anos (1988-2000) foram criados 1200 Municípios entre os 5507 existentes. Um expressivo número de Municípios brasileiros (84,2%) têm até 30.000 habitantes (correspondentes a 29% da população) e a maioria deles não é auto-sustentável: alguns dependem quase que exclusivamente das transferências centrais. Em consequência disto, os Municípios procuram estreitar laços com o governo federal e priorizam as relações directas/bilaterais que facultem apoio financeiro via transferências específicas. A tendência também aproveita ao Estado central, que prefere interlocutores desarticulados e financeiramente mais débeis que os Estados federados. Conclusão: sem mecanismos cooperativos e alguma interdependência decisória, o autogoverno municipal resulta falacioso. Os constituintes intuíram tais desdobramentos, mas seus apelos cooperativos ainda restam inoperantes.

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2) As competências comuns: a teoria das relações intergovernamentais tende, actualmente, a relativizar a distribuição de competências formalmente estabelecida. As Constituições inicialmente introduzem um sistema relacional entre os dois actores fundamentais (o centro e os entes periféricos), ou seja, estabelecem as competências legislativas e administrativas de cada um deles e repartem os recursos fiscais disponíveis. Acontece que esta situação inicial constitucionalmente moldada vai ser inevitavelmente alterada, sobretudo porque as políticas conduzidas pelos diversos governos vão contactar e contrastar (Giorgio Brosio). Por isto a rigidez das listas competenciais foi sendo progressivamente substituída pela flexibilidade da cooperação intergovernamental. Os mecanismos cooperativos que repartem o exercício funcional e acordam responsabilidades entre o Estado central e os entes periféricos são considerados prioritários em relação àquela distribuição formal. Isto ocorre porque os ordenamentos compostos demandam manutenção organizativa, ou seja, a repartição competencial há-de ser permanentemente revista para adequar-se às exigências fácticas que se vão manifestando. Acontece que o Brasil ainda não desenvolveu esta cultura de interactividade governamental. Ao Estado central nunca interessou prescindir da hegemonia legislativa e da conservação de um próprio aparato administrativo difuso. Aos Estados federados menos desenvolvidos não interessava a ampliação da autonomia, designadamente daquela fiscal, pois o estatuto de beneficiários da compensação financeira vertical transporta alguma comodidade - e as transferências serão mais avultadas quanto maior for a centralização dos recursos. A Constituição de 1988 bem quis romper com a tradição do isolacionismo, mas ainda não foram equacionadas soluções infraconstitucionais que funcionalizem aquelas sugestões – designadamente no que respeita às competências comuns da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. As competências comuns constitucionalmente previstas (artigo 23º) destinam-se a oferecer o instrumentário jurídico para a concretização do federalismo cooperativo entre os brasileiros (Toshio Mukai), já que objectivam a articulação das esferas governamentais, nos termos de seus recursos e funcionalidades, em torno de preocupações e interesses comuns. Entre as competências comuns constitucionalmente consagradas no artigo 23º figuram, entre outras: “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; proteger o ambiente e combater a poluição em qualquer das suas formas; promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; combater as causas da pobreza e os factores de marginalização, promovendo a integração social dos sectores desfavorecidos”, etc. Para funcionalizar a pretendida interacção governamental nas matérias então elencadas, o artigo 23º/§único dispõe que “lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” Acontece que tal disposição constitucional ainda habita o vasto universo das omissões legislativas, o que desbarata a oportunidade de institucionalizar uma espécie de política conjunta entre os brasileiros. A sugestão constitucional das competências comuns aponta para as decisões partilhadas e para o planeamento/financiamento comuns das políticas públicas, ou seja, aponta para a conjugação de esforços na prestação dos serviços públicos.

3) A integração de regiões em desenvolvimento: a Constituição Federal de 1988 também fez

sugestões no que respeita à articulação de esforços e recursos “em um mesmo complexo geo-económico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais” (artigo 43º). O parágrafo 1º do mesmo artigo 43º prevê que “lei complementar disporá sobre as condições para integração de regiões em desenvolvimento e a composição dos organismos regionais que executarão os planos regionais de desenvolvimento.” Aqui pouco se avançou. A Lei Complementar nº94/98 autorizou o governo federal a instituir a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE), “para efeitos de articulação da acção administrativa da União, dos Estados de Goiás e Minas Gerais e do Distrito Federal” (artigo 1º). A Região Integrada de que trata a referida Lei Complementar nº94/98 constitui a única experiência institucionalizada de cooperação intergovernamental entre Estados federados, inspirada na sugestão constitucional do artigo 43º, visto

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que a RIDE congrega Municípios limítrofes de vários Estados, sob o impulso da União. Os artigos 2º e 3º da Lei Complementar nº94/98 autorizam a instituição de um Conselho Administrativo que coordene as actividades da RIDE a serem desenvolvidas no âmbito dos serviços públicos comuns, designadamente aqueles relacionados com infra-estrutura (lixo, saneamento, transportes, comunicações) e com geração de empregos. A referida lei ainda institui o Programa Especial de Desenvolvimento do Entorno do Distrito Federal que “estabelecerá, mediante convénio, normas e critérios para a unificação de procedimentos relativos aos serviços públicos” (artigo 4º). O financiamento comum da RIDE provém de recursos orçamentários da União, do Distrito Federal, dos Estados de Goiás e Minas Gerais e dos Municípios abrangidos pela Região Integrada (artigo 5º). Mas a iniciativa ainda é deficitária: não existe normativa genérica relativa às regiões integradas: cada uma delas, que eventualmente venha a ser instituída, dependerá de lei complementar específica que discipline a gestão e prestação de serviços comuns num dado complexo geo-económico e social.

4) As regiões metropolitanas: a Constituição ainda faz sugestões no que respeita à gestão dos

grandes conglomerados urbanos do País, ou à gestão partilhada das políticas urbanas. O artigo 25º/§3º dispõe sobre a institucionalização de regiões metropolitanas: “os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planeamento e a execução de funções públicas de interesse comum.” Também aqui pouco se avançou: o aparato institucional metropolitano ainda está por definir. Nas onze metrópoles brasileiras residem um terço da população do País. Mas uma duvidosa lógica localista prevalecente nos últimos anos teme a criação de instâncias supramunicipais ou órgãos mistos voltados ao exercício de competências originalmente distribuídas de outra forma. Acontece que a própria Constitução incentiva tais arranjos organizatórios! As perplexidades dos Estados e seus Municípios metropolitanos são devidas ao temor da inclusão de outros protagonistas no cenário da distribuição de poderes e recursos – e não propriamente alimentadas por um apócrifo apego à original distribuição de competências constitucionalmente consagrada.

5) Os consórcios e convénios de cooperação: a Emenda Constitucional nº19/98, que promoveu

a inclusão do actual artigo 241º, forneceu o decisivo impulso constitucional para a institucionalização cooperativa. Dispõe o artigo 241º da Constituição: “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convénios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.” Ainda não há normativa que estabeleça um regime jurídico global de princípios, regras e procedimentos orientantes da cooperação intergovernamental. Não há sequer normativa que discipline as bases de tal regime jurídico. Persiste uma inquietante ausência de normas actualizadas que disciplinem as relações intergovernamentais e impulsionem os mecanismos cooperativos. Não obstante, os Estados e Municípios podem estabelecer consórcios e convénios porque gozam de autonomia constitucionalmente consagrada para tanto (artigo 25º : “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adoptarem, observados os princípios desta Constituição”; artigo 30º: “compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local, V – organizar e prestar os serviços públicos de interesse local”). Acontece que as normativas difusas (Leis Orgânicas dos Municípios) não impulsionam a necessária multilateralidade nas relações intergovernamentais brasileiras, ou a integração das várias componentes federadas e seus respectivos interesses. Na ausência de uma normativa global que discipline as relações intergovernamentais, a maioria dos consórcios intermunicipais resultam regidos pelo direito privado, como sociedades civis sem fins lucrativos – e neste caso, têm personalidade jurídica de direito privado. Mas se não optam por tal via, os Municípios firmam “acordos consorciais” e a personalidade jurídica é afastada, já não podem exercer direitos nem assumir obrigações em nome próprio. Ora, os consórcios hão-de ter personalidade jurídica própria sem

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precisar recorrer ao direito privado! É tempo de ultrapassar as perplexidades constitucionais relativas à legitimidade de órgãos mistos desta natureza, aos quais são acometidos poderes gestionários originalmente devolvidos aos próprios entes federados. Se o direito público não consegue revitalizar os seus conceitos clássicos e captar as novas realidades, já não serve para disciplinar a prossecução do interesse público! Mas não nos parece que seja esta a sua sina. Portanto: consórcios e convénios carecem da devida institucionalização. Os entes federados brasileiros têm recorrido ao consórcio nas áreas da educação e saúde sobretudo porque a Lei Orgânica da Saúde, lei nº8080/90, incentiva a instituição de consórcios intermunicipais para a gestão conjunta dos serviços de saúde. Por conta desta sugestão legislativa, já havia em 1998, 143 consórcios relativos à prestação de serviços de saúde, envolvendo 1740 Municípios de 11 Estados federados e uma população de mais de 20 milhões de habitantes (dados CEPAM/Fundação Prefeito Faria Lima/São Paulo). Acontece que se pode (e deve) ir mais além, porque o consórcio é um arranjo organizativo que inequivocamente optimiza a gestão das políticas públicas.

6) Compensação financeira: Façamos contas dos recursos de que dispõem os entes federados no Brasil: a) os entes federados

ostentam competências tributárias, isto é, instituem e arrecadam tributos nos termos constitucionalmente previstos (artigos 145º e seguintes); b) os entes periféricos ainda recebem transferências genéricas, segundo duas modalidades constitucionais de participação no produto da arrecadação alheia: *directa - as normas constitucionais instituem relações simples de rateio, por exemplo, aos Municípios será atribuído 50% do Imposto Territorial Rural arrecadado pela União nos seus respectivos territórios (artigo 158º/II) *indirecta – são criados fundos para os quais afluem 47% dos recursos da União provenientes do Imposto de Renda e 47% do Imposto sobre Produtos Industrializados, que serão rateados na seguinte proporção: 21,5% para o Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal e 22,5% para o Fundo de Participação dos Municípios (artigo159º) (Celso Bastos); c) e finalmente, os entes federados recebem transferências específicas, ou seja, do total de recursos administrados pelo Estado central, uma expressiva parcela é voluntariamente repassada aos entes federados para o financiamento de programas sociais. Dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) revelam que tais transferências específicas cresceram 138% entre Maio de 1995 e Maio de 2000 – o que não deixa de ser preocupante. Explicamos: a teoria das relações intergovernamentais habitualmente desconfia das transferências específicas porque padecem de opacidade e não são propriamente orientadas por imperativos institucionais, mas sim pelo voluntarismo e assistencialismo político-partidário. Não será outra a razão pela qual a Constituição devolve ao Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas, a fiscalização dos recursos repassados pela União a Estado, Distrito Federal ou Município, “mediante convénio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres” (artigo 71º/VI).

Feitas as contas, avancemos. Quando a Constituição de 1988 aumentou as percentagens de receita do Estado central a serem transferidas aos entes federados, dispôs que uma lei complementar deveria promover a revisão dos critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), “objectivando promover o equilíbrio sócio-económico entre Estados e entre Municípios” (artigo 161º/II). A pretendida lei complementar ainda não veio – e a revisão da fórmula de rateio dos fundos foi adiada indefinidamente. Na ausência de acordo a respeito, as cotas de participação dos Estados e Municípios nos fundos constitucionais foram congeladas nos termos vigentes quando da promulgação da Constituição de 1988, segundo uma complexa fórmula multiplicativa que combina vários factores, como população e produto interno. A consequência do

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aumento dos fundos sem a devida revisão dos critérios de rateio foi o desfasamento entre recursos disponíveis e prestações sociais a serem atendidas, o que se observa sobretudo nas áreas mais densamente urbanizadas, as quais sofreram reduções no padrão de qualidade dos serviços públicos (Fernando Rezende). E nos Estados e Municípios cujo orçamento é praticamente mantido por recursos transferidos, a falta de disciplina fiscal e a ineficiência ultrapassaram os limites do suportável. O sistema de compensação financeira há-de ser recomposto, os constituintes já o suspeitavam. Como? Nesta matéria os analistas financeiros têm sugestões muitíssimo mais autorizadas que os juristas, mas talvez seja oportuno definir critérios inequívocos de compensação financeira pautados na padronização dos gastos. A ideia é calcular os défices periféricos com base em necessidades padronizadas: o défice será o produto do respectivo número de habitantes com gastos padronizados, menos as receitas próprias para os suprir (Bernd Spahn). Os entes federados que não dispuserem de recursos próprios para suprir os gastos padronizados recebem transferências condicionadas a níveis de serviço. Assim são estabelecidos padrões nacionais mínimos de estabilidade financeira, sem que os entes beneficiados sejam patologicamente incentivados a negligenciar seu potencial de receita. E os entes compensados ainda serão impelidos ao aperfeiçoamento de técnicas cooperativas para a gestão e prestação de serviços comuns. A recomposição dos mecanismos de compensação financeira é estratégica para a redefinição federativa brasileira. O Brasil não tem tradição de compensação financeira horizontal, tal como existe na Alemanha. Naquele ordenamento, o quantum da compensação é calculado através do poder financeiro médio per capita multiplicado pelo número de habitantes do Land. Os Lander abaixo da média obtida por tal fórmula (Estados federados beneficiários da compensação) recebem alocações financeiras progressivamente fornecidas pelos Lander acima da média (Estados federados obrigados à compensação). A soma das compensações recebidas corresponde à soma das compensações pagas. Resultado: o poder financeiro de todos os Estados federados atinge o nível mínimo de 95% do poder financeiro médio – que após as alocações complementares do Estado central (compensação vertical) atinge os 99,5%. Assim funciona a equivalência das condições de vida constitucionalmente consagrada. Acontece que tal modelo compensatório pode penalizar o aperfeiçoamento administrativo-financeiro. Além disto o contribuinte não entende a complexidade da redistribuição e já não pode responsabilizar os órgãos decisórios estaduais por uma possível má administração financeira. Parece-nos que a compensação financeira deva ser orientada por indicadores de necessidade per capita (gastos padronizados) e não com base no poder financeiro médio. O programa de compensação financeiro aqui sugerido - pautado na responsabilidade, no incentivo e na cooperação - é inferível da Constituição Federal de 1988, basta olhar com olhos de ver. Duas iniciativas recentes apontam a direcção: o Fundo de Valorização do Ensino (FUNDEF) e o Piso de Assistência Básica à Saúde (PAB). Em ambos os casos, fica assegurado um volume mínimo de recursos para o financiamento de actividades de ensino e de saúde a cargo dos entes federados (Fernando Rezende). Na ausência de um novo sistema de compensação financeira que garanta a estabilidade dos fluxos financeiros, todo o projecto cooperativo brasileiro está ameaçado.

7) O Sistema Único de Saúde (SUS): o artigo 198º da Constituição dispõe que “as acções e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único.” Portanto, no que respeita à política da saúde, a actuação conjunta e coordenada das diversas esferas de poder assume contornos constitucionalmente definidos: deixa de ser meramente sugerida para ser imposta. É vedado a qualquer ente territorial constituir um plano ou programa de saúde à parte do SUS. A Constituição cria um sistema de serviço público unificado e fundado na obrigatória conjugação de esforços. A política pública da saúde passa a ser regulada pelo Estado central e executada pelos entes periféricos, numa espécie de política conjunta ou federalismo executivo que incorpora decisões participadas e actuação integrada dos serviços. A rede hierarquizada constitucionalmente moldada não implica a prevalência de um ente sobre o outro; o que a Constituição

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pretende é operacionalizar o sistema de saúde via cooperação intergovernamental. Explicamos. O sistema de saúde está “hierarquizado em níveis de complexidade crescente”, de acordo com distintas densidades tecnológicas (artigo 8º da Lei Orgânica do SUS, nº8080/90). Há uma hierarquia de complexidade sistémica voltada à optimização dos recursos disponíveis e partilha das estruturas de atendimento, sobretudo hospitais e tratamentos sofisticados (Marlon Alberto Weichert). O SUS incorpora duas modalidades de gestão municipal, consideradas as distintas possibilidades dos Municípios brasileiros: os entes federados requerem o enquadramento em uma das duas modalidades, mediante a comprovação da sua capacidade gestionária. A Constituição da saúde e as leis que a densificam acataram a lógica dos distintos ritmos competenciais, tendo em conta as virtualidades e limites das autonomias periféricas. A Constituição ousou aceitar a premissa da desigualdade dos iguais: a grande maioria dos entes federados não consegue responder isoladamente às demandas e complexidades do sistema de saúde – só 7,9% o fazem plenamente. A solução reside na conjugação esforços através dos consórcios intermunicipais. A Norma Operacional 96/01 (efectivamente implantada em 1998) introduziu o Piso Ambulatorial Básico (PAB) que assegura um volume mínimo de recursos para o funcionamento de serviços básicos e estabiliza a política de financiamento. O PAB forneceu maior autonomia aos Municípios para a alocação dos recursos da saúde: os Municípios habilitados recebem o repasse automático e regular dos recursos destinados aos procedimentos básicos como vacinação e consultas ambulatoriais, através do Fundo Nacional de Saúde. Assim é possível funcionalizar a rede de assistência básica, muito embora persistam os impasses resultantes do desequilíbrio da oferta dos serviços especializados e internações hospitalares pelo SUS. A unidade do sistema implica ainda a participação dos entes periféricos na formulação da política federal, já que a “descentralização” (aqui perspectivada a descentralização decisória) é constitucionalmente definida como directriz do sistema de saúde (artigo 198º/I). Não será outro o motivo pelo qual o artigo 36º da Lei nº8080/90 dispõe que “o processo de planeamento e orçamento do SUS será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos.” Ressalvadas as imperfeições do modelo, que por vezes reduz a participação periférica à mera homologação, há no sistema de saúde elementos vocacionados à integração dos entes periféricos nos processos decisórios centrais e à “participação da comunidade” (artigo 198º/III da Constituição) que indiciam vitalidade democrática. Nos sistemas compostos, a dinâmica integradora se realiza, fundamentalmente, através da participação dos entes periféricos nas decisões que os afectam ou interessam. E em outra medida, e com outras finalidades, através da participação do ente central na esfera de actuação periférica, atendendo sempre a funções de coordenação. A cooperação implica decisões partilhadas e está orientada à gestão conjunta de interesses e serviços. Já a coordenação implica direcção por imperativos de coerência na actuação e eficiência do conjunto institucional (Angel Rexach). O SUS corresponde a um esboço destas proposições, já que incorpora ambas as dimensões. Demanda aperfeiçoamentos, mas o sistema único de saúde atribui ao Estado central a coordenação daquela política pública, sem que esteja directamente envolvido na implementação da mesma. Há aqui sintomas de uma política conjunta à brasileira que merece atenção. É certo que as relações intergovernamentais na área da saúde vão-se desenvolvendo ao ritmo da cultura cooperativa de cada Estado federado: enquanto alguns Estados procuram integrar seus Municípios e promover negociações ou parcerias técnico-financeiras, outros Estados competem com seus Municípios na gestão directa daqueles serviços de saúde que implicam a concessão de recursos financeiros adicionais (Vânia Nascimento). Tal descompasso no ritmo cooperativo desafia a doutrina a captar a complexidade das relações intergovernamentais brasileiras.

8) O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF): o FUNDEF foi instituído pela Emenda Constitucional nº14/96 e orienta o funcionamento cooperativo do sistema de ensino fundamental, redistribuindo recursos entre as esferas competentes naquela matéria. A compensação financeira constitucionalmente moldada funciona da

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seguinte forma: os recursos são distribuídos entre cada Estado e seus Municípios de acordo com o número de alunos atendidos na rede pública de ensino – e compete ao Estado central complementar o montante aos mesmos destinados sempre que não se atinja o valor mínimo estipulado anualmente por aluno. Fica então garantido um dispêndio mínimo por estudante, ou seja, a necessidade é padronizada e no caso de défice são repassados recursos complementares. A Emenda Constitucional nº14/96 alterou basicamente o seguinte:

a) foram reformulados os parágrafos do artigo 211º “A União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios organizarão em regime de colaboração os seus sistemas de ensino. §1º: A União... exercerá função redistributiva supletiva, de forma a garantir equalização das oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. §2º: Os Municípios actuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. §3º: Os Estados e o Distrito Federal actuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. §4º: Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório” (inequívoco impulso constitucional à cooperação intergovernamental);

b) foi incluída no artigo 34º a possibilidade de intervenção federal nos Estados para assegurar a aplicação dos recursos constitucionalmente destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino. Tendo em conta que a intervenção federal só é admissível em casos especialíssimos (ou em carácter excepcional), a impetuosidade com que o legislador constituinte ocupou-se do FUNDEF resulta evidente;

c) foi ainda alterado o artigo 60º do Acto das Disposições Constitucionais Transitórias, que dispõe sobre o financiamento do ensino fundamental. O §1º cria um FUNDEF em cada Estado e Distrito Federal, com natureza contábil, para distribuir recursos entre o Estado e seus Municípios. O §2º dispõe sobre os recursos que constituirão o Fundo. O §3º dispõe que “a União complementará os recursos do FUNDEF sempre que o valor por aluno não alcance o mínimo definido nacionalmente.” O §5º dispõe que “proporção não inferior a 60% dos recursos de cada FUNDEF será destinado ao pagamento dos professores do ensino fundamental.” O §7º refere que a lei disporá sobre a “organização dos fundos, a distribuição proporcional dos recursos, a fiscalização e a forma do cálculo sobre o valor mínimo nacional de cada aluno” – afinal, algo deveria restar para o legislador ordinário! O activismo constitucional em matéria de ensino fundamental inspira preocupações, mas tem funcionado: equacionou um esquema de compensação financeira minimamente eficaz, o que indicia alguma consciência cooperativa. IV. Contributo para a concretização da Constituição cooperativa

As sugestões cooperativas do constituinte brasileiro, como se viu, não foram funcionalizadas pelo sistema político-jurídico. Tal omissão resulta lastimável porque a conformação de poderes verticais vertida na Constituição Federal de 1988 busca fundamento precisamente nos princípios da solidariedade e da cooperação, senão vejamos: 1) o artigo 3º da Constituição Federal, no qual estão elencados os objectivos fundamentais da República Federativa, refere a construção de uma sociedade solidária e a redução das desigualdades regionais; 2) no artigo 23º/§único figura a imposição legiferante relativa às competências comuns, ou à cooperação entre Estado central e entes federados tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional; 3) no artigo 43º, a Constituição exorta à articulação de esforços no sentido do desenvolvimento e redução das desigualdades regionais; 4) o artigo 161/II, relativo à compensação financeira, refere a promoção do equilíbrio sócio-económico entre Estados e Municípios; 5) no artigo 241º figura a imposição

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legiferante relativa à gestão associada de serviços públicos (consórcios e convénios de cooperação). Os princípios de solidariedade e cooperação que sustentam todo o projecto federal brasileiro

apontam para imperativos de equilíbrio financeiro e de substancial homogeneidade de todas as componentes federadas. A homogeneização implica a progressiva diminuição das antinomias regionais em favor da tendencial equiparação das situações jurídicas e das condições de vida em todo o território federal – processo distinto da centralização, o qual implica o enfraquecimento dos entes federados em benefício do poder central (Konrad Hesse). É claro que esta homogeneização não significa uniformidade, porque alguma heterogeneidade inclusivamente enriquece o processo federativo. Mas a medida da heterogeneidade é fornecida pela própria Constituição, através do princípio da solidariedade, que define os limites entre a heterogeneidade e a assimetria/desproporção.

A solidariedade não constitui, em nenhum sentido, uma versão da igualdade aplicada à esfera dos entes federados (González Encinar). O princípio da solidariedade oferece funcionalidade às estruturas compostas porque impõe aos poderes públicos um comportamento leal ou dever de colaboração no exercício das respectivas competências e a aceitação/conservação das regras do sistema (Muñoz Machado). Neste sentido, a solidariedade reforça os delicados e instáveis equilíbrios da federação porque procura mitigar as consequências adversas do isolacionismo decisório, ou seja, obriga à consideração dos interesses alheios e às soluções que acarretem menos custos/externalidades à totalidade do sistema composto.

Tal dever geral de colaboração entre as entidades públicas (expressão cunhada pelo Tribunal Constitucional espanhol – STC 12/82) sequer precisa ser justificado por preceitos concretos porque deriva da própria conformação constitucional dos Estados compostos. Trata-se de um princípio não escrito, tal como a lealdade federal dos alemães (Bundestreue), que deve presidir a actuação das entidades e constituir uma espécie de ética institucional voltada à artesania da boa governação. Incorpora os deveres jurídicos de cooperação activa (informação, consulta, assistência, decisões partilhadas, prestação concertada de serviços) e cooperação passiva (ponderação dos interesses alheios, abstenção e controlo das externalidades).

Acontece que não estão garantidas as técnicas necessárias à instrumentalização da solidariedade e da cooperação entre os brasileiros. Não há normas jurídicas minimamente actualizadas que disciplinem e impulsionem a cooperação intergovernamental. Ainda não foi concebido o instrumentário jurídico capaz de fornecer operacionalidade às opções constituintes. Permanece uma perplexidade que é esta: que normas gerais devem conter os diplomas que venham regular as bases jurídicas da cooperação intergovernamental? O discurso que se segue pretende trazer algum contributo à definição das normas e procedimentos que devam orientar as relações intergovernamentais brasileiras.

Vamos aos objectivos: qual a utilidade da cooperação? A cooperação atende basicamente às seguintes demandas: a) à resolução de controvérsias competenciais; b) à criação de fórmulas e procedimentos de participação global dos entes periféricos nos processos decisórios centrais; c) à instituição de órgãos mistos para a gestão de interesses e prestação de serviços comuns. Portanto, a cooperação responde a imperativos de democraticidade e eficiência em todas as situações em que o ente central e os entes periféricos (ou estes entre si) gestionem concretos interesses e competências.

Passemos ao instrumentário: que mecanismos viabilizam tais objectivos? Antes de todos, o convénio. Através de um convénio, o Estado central e os entes periféricos (ou estes entre si) adoptam uma série de compromissos relativos ao exercício de suas respectivas competências. Os convénios versam sobre as mais variadas temáticas e assumem diversas finalidades, a saber: a) convénios que estabelecem a obrigação de elaborar determinadas normas jurídicas; b) convénios que adoptam obrigações relativas a certas actuações administrativas; c) convénios que adoptam o compromisso de planificação conjunta de determinadas actividades administrativas; d) convénios que adoptam compromissos de actuação conjunta relativa a obras e serviços; e) convénios que pactuam delegações de funções entre as partes (Tejadura Tejada).

A intenção aqui é a resolução pactuada de uma problemática que afecte dois ou mais entes num

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Estado composto. Na Alemanha, onde exaustivamente se recorre a tal instrumento cooperativo, os convénios servem sobretudo para acordar regulações e criar equipamentos comuns, tais como instalações portuárias, instalações para eliminação de lixo, instalações para a produção de energia. Muitos destes convénios integram todos os Estados federados alemães (Lander) e os comprometem com determinada medida ou prática administrativa (relativa à protecção ambiental, por exemplo), com um determinado benefício (disponibilizar tantas vagas no ensino superior) ou com o financiamento comum de instituições (financiamento à pesquisa).

Muito embora seja o instrumento cooperativo ordinário, o convénio é um instituto de contornos jurídicos imprecisos. Para alguma doutrina, o convénio teria a natureza jurídica de um contrato, ainda que de características especialíssimas em razão do seu objecto e das partes intervenientes. Assim, quando duas instâncias político-administrativas contraem um convénio, estariam assumindo obrigações propriamente jurídicas. Nisto residiria a diferença entre os convénios e outros acordos que encerrem tão só compromissos políticos, sem vínculo jurídico (Albertí Rovira).

Acontece que muitos convénios não tratam de matérias propriamente administrativas, mas sim actuações de governo: programas de actuação política e aprovação de normas. Ora, a linha que separa o administrativo e o governamental é, no mínimo, tortuosa. Eis o busílis: abordar questões essencialmente governamentais com elementos de Direito Administrativo. Aqui a qualificação contratual do convénio revela-se pouco operativa (Jimenez-Blanco). A situação complica-se quando o legislador resolve baralhar o esforço de depuração conceitual levado a cabo pela doutrina: a lei espanhola nº30/92, que regula a matéria cooperativa, admite a figura dos peculiares “convénios institucionais”, que seriam acordos voltados ao estabelecimento das pautas de orientação política sobre a actuação de cada Administração numa questão de interesse comum (Humberto Pequeño).

Ressalvados os contornos imprecisos do convénio, ainda assim convém que a legislação regule o controlo dos compromissos assumidos. Pode-se optar por uma alternativa conciliatória, através da qual se prevê a possibilidade de que os próprios convénios criem um órgão misto de fiscalização, que também cumpra a função de resolver os problemas interpretativos – sem prejuízo de que as questões litigiosas eventualmente surgidas sejam do conhecimento da competente ordem jurisdicional (do contencioso administrativo, se for o caso) e quando couber, da Corte Constitucional. A título ilustrativo, veja-se a legislação espanhola que regula a matéria dos convénios e consórcios (lei nº30/92, de 26 de Novembro, alterada pala lei nº4/99, de 13 de Janeiro), cuja disciplina vai no sentido referido no texto.

Já os consórcios são órgãos mistos voltados à gestão e prestação de serviços comuns, dotados de personalidade jurídica própria e habitualmente criados via convénio que lhes faculta a regulação estatutária de seu próprio regime organizativo, funcional e financeiro. As faculdades executivas dos consórcios permitem distingui-los de outros órgãos meramente consultivos ou deliberantes. As actividades dos consórcios estão submetidas a controlo jurisdicional – da mesma forma que as actividades das entidades consorciadas estariam, se actuassem isoladamente (Tejadura Tejada). Interessa conferir a conformação de tais organismos mistos no ordenamento composto alemão.

A cooperação horizontal alemã comporta uma multiplicidade de organismos mistos de carácter administrativo, entre os quais os órgãos fiduciários – fórmula através da qual se permite que a actividade de um órgão de um específico ente federado possa estender sua esfera de acção a outros entes periféricos. A actividade é gerida e prestada pelo ente federado que o tiver instituído, ainda que os demais contribuam para com os gastos do organismo. Para além dos fiduciários, há os órgãos comuns – aos quais compete gerir determinada actividade originalmente atribuída a cada ente federado. Aqui o regime jurídico é distinto dos órgãos fiduciários. No caso dos órgãos comuns, os actos são directamente imputáveis ao órgão – não aos entes periféricos isoladamente, já que o órgão é comum a todos.

As iniciais perplexidades relativas à legitimidade constitucional dos órgãos mistos de carácter administrativo vão sendo progressivamente afastadas pela doutrina juspublicística alemã: a regra

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decisória da unanimidade, válida para a maioria daqueles organismos, impede as deliberações com as quais não concordem todos os entes envolvidos. E sempre há a possibilidade rescisória (contratual ou legislativamente prevista) no caso de posicionamentos contrastantes, o que assegura as conexões de responsabilidade entre o ente federado consorciado e seus eleitores. Além disto são órgãos administrativos que não dispõem de amplas margens de discricionaridade (Raffaele Bifulco).

Já no que respeita aos órgãos mistos de carácter político, interessa referir a Conferência dos Chefes do Executivo dos Lander (Ministerprasidentenkonferenz) e as reuniões de trabalho (Arbeitsbesprechungen). A primeira representa o mais significativo dos organismos horizontais de cooperação política, onde são periodicamente debatidos problemas comuns e alternativas de solução. A Conferência é integrada pelo chefe do executivo de cada Land e seu respectivo representante junto do Estado central. Reúnem pelo menos uma vez por ano e não há limites ao objecto de suas deliberações, desde que as matérias resguardem, ainda que indirectamente, a esfera de interesses dos Lander. As deliberações são regidas pela regra da unanimidade e adquirem o carácter de recomendações não juridicamente vinculantes: são directivas políticas, frequentemente endereçadas ao legislador, que por vezes interpretam leis federais cuja execução compete aos Lander. A Conferência é espaço propício para a celebração de convénios e através dela os entes federados acabam por demarcar um certo posicionamento político face ao poder central.

Quanto às reuniões de trabalho, importa referir que os representantes estaduais dos mais diversos pelouros reúnem regularmente para conjugar a execução das políticas públicas nos seus respectivos Estados federados. Aqui partilham experiências, debatem projectos de lei e directrizes de execução das leis federais e estaduais, e ainda preparam iniciativas parlamentares para o Conselho Federal (Senado). O federalismo cunhado pela costituzione vivente alemã é um federalismo de execução: as políticas públicas são moldadas pelo Estado central e executadas pelos entes periféricos. Os Estados federados participam na formação da vontade central via Conselho Federal: toda a matéria legislativa que atinja o círculo de interesses dos Lander depende da aprovação daquela efectiva câmara de representação dos interesses regionais, que actua em consonância com o os governos federados. Assim fica garantida a influência dos entes federados na definição das políticas públicas.

O robusto aparato cooperativo alemão ainda incorpora as chamadas tarefas conjuntas ou competências comuns (Gemeinschaftsaufgaben), introduzidas pela revisão constitucional de 1969. A política conjunta implica que o processo decisório, o planeamento e o financiamento de determinadas actividades ou políticas sejam previamente pactuados pelo conjunto da Federação – e seguidamente implementados pelos Lander. Esta é a via utilizada para acomodar dissensos entre os entes federados, evitar desequilíbrios regionais e racionalizar a utilização dos recursos. È certo que a política conjunta não está isenta de críticas, sobretudo porque a interdependência e a partilha decisória também promove alguma diluição das responsabilidades e projecta a barganha. Mas também é certo que a política conjunta facilita o atendimento das crescentes demandas de prestação pelos Lander. Em defesa do instituto das tarefas conjuntas, a doutrina aponta o desequilíbrio anterior à institucionalização daquela política, derivado sobretudo da multiplicidade de planos de desenvolvimento regional inexitosos (Raffaele Bifulco) – algo que os brasileiros bem conhecem.

Os sectores objecto da política conjunta resguardam, nos termos do artigo 91º da Lei Fundamental alemã: a) a ampliação e construção de institutos de ensino superior (inclusive clínicas universitárias); b) a melhoria da estrutura económica regional; c) a melhoria da estrutura agrária e da protecção costeira. Portanto, se num determinado Estado federado se pretende criar uma universidade, investir num determinado sector produtivo ou construir um dique, o Estado central e os entes federados podem conjuntamente assumir a responsabilidade do planeamento, financiamento e execução do projecto. Neste caso, instituem uma comissão de planeamento que condensa as propostas apresentadas pelo Estado central e entes periféricos. Integram a dita comissão: o ministro federal competente pela matéria em causa, o ministro federal das finanças e um ministro por cada Land – uma composição exclusivamente governativa que suscita acusações doutrinárias de défice democrático. A comissão

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delibera sobre a concreta tarefa comum e fá-lo pela regra da maioria de 2/3. O Estado central dispõe de um número de votos correspondente ao da totalidade dos Lander, uma conformação que permite deliberar contrariamente à posição da maioria dos entes federados. O Estado central e o Land onde hão-de desenvolver as actividades dividem o financiamento da tarefa. A execução fica reservada aos Lander.

Ainda interessa conferir os contornos jurídicos das chamadas Conferências Sectoriais espanholas. Tais conferências, instituídas nos termos da lei nº30/92 (alterada pela lei nº4/99), são reuniões periódicas entre o governo central e os representantes dos governos periféricos, voltadas à discussão e exame conjunto dos problemas de cada sector e as acções projectadas para os enfrentar e resolver. A normativa não institucionaliza a participação dos entes periféricos nos processos decisórios centrais e na definição das políticas gerais, nem introduz técnicas de programação conjunta. Não obstante, as conferências são um fórum privilegiado e propício à elaboração de acordos entre Estado central e entes periféricos. A existência de fóruns de comunicação e intercâmbio de impressões, por si só, vitaliza a cooperação intergovernamental e as práticas discursivas. Já em 1996, havia em Espanha dezasseis Conferências Sectoriais oficialmente constituídas, o que indicia alguma maturidade cooperativa. Dentre as conferências em funcionamento, destaca-se a Conferência para Assuntos Relacionados com as Comunidades Europeias (CARCE), que desempenha um papel reforçado frente às demais conferências e ocupa-se dos problemas jurídicos derivantes da participação dos entes periféricos espanhóis na elaboração e execução do Direito Comunitário (da União Europeia). Nos termos do artigo 2º da lei nº2/97, a CARCE é integrada pelo Ministro das Administrações Públicas e por um Conselheiro designado por cada um dos dezassete entes periféricos espanhóis, as chamadas Comunidades Autónomas.

A diferença entre a CARCE (regulada na lei nº2/97) e as demais conferências sectoriais (reguladas na lei nº30/92) reside no facto de que a CARCE adquire a natureza de um órgão colegiado (órgão de composição multilateral) que expressa uma vontade colectiva. Já não se trata de um órgão de encontro onde são fixadas as linhas comuns de actuação, posteriormente formalizadas via convénios (Tornos Más). Como órgão colegiado, as decisões são tomadas mediante a prévia votação da maioria dos seus membros. Os membros que não assistiram à sessão e os que assistiram (mesmo se votaram contra ou se abstiveram) são igualmente responsáveis pela decisão adoptada, o que reforça a natureza orgânica da CARCE (artigo 10º da sua normativa interna). A CARCE (e de resto as Conferências Sectoriais da lei nº30/92) realizam actuações de conteúdo político e actuações de conteúdo jurídico-administrativo. Não estamos ante uma Administração Pública, mas sim ante um órgão plurisubjectivo interadministrativo e intergovernamental, uma espécie de projecção dos governos, por um lado, e das administrações, por outro (Humberto Pequeño).

V. Considerações finais O pacto federal constitucionalmente moldado requer um contínuo empenho negocial, ou seja, as

componentes do sistema composto hão-de interagir e moldar arranjos organizatórios tendentes a reforçar os laços constitutivos do foedus. Será este conjunto de pequenas negociações intra-sistémicas quem há-de manter o equilíbrio instável da federação. Aqui a cooperação intergovernamental resulta porque funcionaliza o pacto fundador: flexibiliza as eventuais disfunções da distribuição competencial e optimiza a partilha de responsabilidades prestacionais. A cooperação intergovernamental é especialmente útil ao chamado shared decision making porque exclui a decisão unilateral e incorpora intervenções periféricas tributárias do aperfeiçoamento relacional (Eva Garrido). Os arranjos cooperativos estão particularmente vocacionados à prossecução dos dissensos razoáveis (Habermas) ou das soluções discursivamente validadas e à transposição das assimetrias regionais.

Acontece que a dinâmica cooperativa brasileira ainda não conseguiu gerir a participação

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periférica nos termos de uma integração adequada, isto é, que optimize a lógica das responsabilidades concertadas. Aquele federalismo incompleto ainda não conseguiu elaborar programas e acordos credíveis e factíveis para a actuação do seu próprio modelo de autonomia – um desafio habitualmente penoso (Giorgio Brosio). Por conta disto, as virtualidades de Estados e Municípios brasileiros continuam desbaratadas, o que acarreta custos sistémicos porque será a reflexividade periférica quem há-de impulsionar a diversidade de soluções e a inovação nos contextos pluralísticos.

A teoria da organização jurídica do Estado composto sustenta que a eficácia da participação periférica nos processos decisórios centrais depende fundamentalmente de dois critérios: vontade política das entidades envolvidas e adequada formulação técnico-jurídica. Transportemos tais premissas à realidade brasileira. A vontade política está longe de ser unânime: os entes federados ainda não desenvolveram uma cultura cooperativa capaz de reconhecer interesses comuns para cuja representação e defesa devam ser institucionalizados mecanismos permanentes e estáveis de relação. Regra geral, vigora entre os entes federados um isolacionismo contraproducente – e alguma concorrência desleal. Prova disto são os fenómenos de guerra fiscal (manipulação de alíquotas tributárias por supostas razões de atractividade empresarial, que num contexto assimétrico como o brasileiro acarretam externalidades perversas ao conjunto da federação) e guerra social (ilegítima transferência dos utentes dos serviços públicos para os municípios vizinhos mais bem equipados e sem a devida compensação, sobretudo na área da saúde) . E o Estado central, por sua vez, ainda não ousou instituir um padrão multilateral de relações intergovernamentais, ou um projecto global de integração periférica.

Quanto à formulação técnico-jurídica, o cenário não é mais promissor: ainda não há normas minimamente actualizadas que disciplinem as relações intergovernamentais e impulsionem a cooperação. O projecto federal brasileiro resulta deficitário porque o sistema político-jurídico ainda não soube (ou não quis) concretizar a Constituição cooperativa. Ainda não foi concebido o instrumentário jurídico capaz de funcionalizar as opções constituintes. Tal omissão inquieta-nos porque a conformação vertical de poderes vertida na Constituição de 1988 busca fundamento precisamente nos princípios da solidariedade e da cooperação. Será este compromisso cooperativo plasmado na Lei Fundamental, e até agora negligenciado, quem há-de resgatar o adequado funcionamento da totalidade daquele sistema composto.

Há actualmente uma perplexidade no discurso do Estado central brasileiro que é esta: como institucionalizar parcerias desinibidas e operativas? O governo federal reconhece as virtualidades da cooperação intergovernamental, sobretudo quando voltada à implementação de políticas sociais públicas, mas ignora os meios de a impulsionar. O federalismo brasileiro se encontra diante da Esfinge e precisa decifrar o enigma: Como funcionalizar a cooperação intergovernamental? Decifra-me ou devoro-te.

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WEICHERT, Marlon Alberto. O Sistema Único de Saúde no Federalismo Brasileiro, in Revista de Direito Constitucional e Internacional, nº32, Editora Revista dos Tribunais, 2000.

Resenha Biográfica Alessandra Aparecida Souza da Silveira Data de nascimento: 25/5/73 Nacionalidade: brasileira Licenciada em Direito - Universidade do Vale do Itajaí/SC/Brasil Classificação: 1º lugar Data da graduação: 26/7/96 Mestre em Ciências Jurídico-Políticas – Universidade de Coimbra/Portugal Tema da dissertação: Modelos Cooperativos de Relações Intergovernamentais no Âmbito do Estado Unitário Composto Orientador: José Joaquim Gomes Canotilho Data das provas de Mestrado: 12/11/99 Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas – Universidade de Coimbra/Portugal Tema da tese de Doutoramento: Cooperação Intergovernamental nos Estados Compostos Orientador: José Joaquim Gomes Canotilho Data prevista para conclusão: Dezembro/2004 Bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia/Portugal Docente da Escola de Direito da Universidade do Minho/Portugal desde Outubro/2000 Colaboradora da Revista Scientia Iuridica – Universidade do Minho/Portugal Endereço postal: Rua dos Lusíadas, nº16 – 2º direito – 4710/404 – Braga/Portugal Telefone: (00351)253677402 (fixo) (00351)917354378 (móvel) Endereço electrónico: [email protected]