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Massaud Moisés - prosa

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  • MASSAUD MOISS

    PROSA 1

    21 Edio

  • MASSAUD MOISS

    A Criao Literria PROSA-1

    FRMAS EM PROSA O CONTO A NOVELA 1 O ROMANi, CE i

    i f i

  • Copyright 1967 Massaud Moisds.

    Dados Internacionais de Catalcgao na ?ublicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Moiss, Massaud, 1928-A criao literfia : prosa 1 / Massaud

    Moiss. -- 20. ed. -- So Paulo : Cultrix, 2006.

    . , 1

    ' '"Fl>rmas em ~- - O eonto - A ntlvela -O romance"

    Bibliografia. ISBN 978-85-\16-0436-2

    1. Cont0 2. C)l:ao (Liter.ria, arri~tia etc) 3. Fico - Histr.f e crtica, 4. ~iteratura em Prosa 5. Romance - Histria critica 1. Ttulo.

    05-8415 CDD-808.888

    Edio

    ndices para catlogo sistemico: l. Prosa literria : Literatura 808.888

    O pri.neiro nmero esquerda indica a edio, ou reedio, desta obra. A primeira dezena direita indica o ano em que esta edio, ou reedio foi publicada.

    Ano

    22-23-24-25-26-27-28 11-12-13-14-15-16-17

    Direitos reservados EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA.

    Rua Dr. Mrio Vicente, 368 - 04270-000 - So Paulo,.SP Fone: 2066-9000 - Fax: 2066-9008 E-mail: [email protected]. br

    http://www.pensamento-cultrix.com.br Foi feito o depsito legal.

  • (

    Para meus filhos, Ana Cndida Beatriz Cludia Maurcio Rodrigo

  • ,'

  • Sumrio

    PREFCIO DA 1 EDIO ................................................................. 9 PREFCIO DA 9 EDIO ..................... ; ................................. :......... 13 NOTA PRVIA ..................................................................................... 17

    1. FRMAS EM PROSA ........................................................................... 19 ll. O CONTO .............................................................................................. 29

    1. A Palavra "Conto", 29 / 2. Histri~ do Conto, 32 / 3. Conceito e Estrutura, 37 / As Unidades do Conto, 4t> / Peisonagens, 50 / Estrutura, 52 / Linguagem, 53 / Trama, 65 / Ponto de Vista, 66 / Tipos de Conto, 73 / Comeo e Epilogo no Conto, 81 / Conto, Poesia e Teatro, 85 / 4. Conto e Cosmoviso, 88 / 5. "A Cartcmante", 90 / 6. "Questo de Familia", 95 / 7. "No Judim", 99 / 8. 1Grfico do Conto, 101

    m. A NOVELA ........................................................................................... 103 1. A Palavra "Novela", 103 / 2. Hist~ da Novela, 104 / 3. Conceito e Estrutura, 112 /Ao, 113 /Tempo, 115 /Espao, 117 /Estrutura, 118 / Linguagem, 120 / Pemonagens, 125 / trama, 126 / Comeo e Epilogo na Novela, 128 / Ponto de Vista, 133 / ~ipos de Novela, 134 / Novela, Epopia e Histria, 142 / 4. Novela e cbmioviso, 146 / 5. O Tempo e o Vento, 150 / 6. Grfico da Novela, 1'4

    IV. O ROMANc:E ........................................................................................ 157 1. A Palavra "Romance'', 157 / 2. lfistrico do Romance, 158 / 3. Conceito e Estrutura, 165 / Ao, 1721 / Espao, 176 / Tempo, 180 / Tempo-Espao, 185 / O Romance de T po Histrico, 187 / O Roman-ce de Tempb Psicolgico, 202 / P gens, 226 / Linguagem, 239 / Trama, 264 J Com.posio, 272 / Planos arrativ' 279 / Ponto de Vista, 282 / Comeo e Epilogo no Romance, 293 / Tipos de Romance, 297 / 4. O Romance e as Demais Fonnas de imento, 304 / Romance e

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  • ~~.T-:1'~~~~342 NDICE DE NOMES ............... ~............................................................. 346 NDICE DE ASSUNfOS ..... ........ .......................................................... 353

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  • PREFCIO DA lfl EDIO 1

    TODO UVRO tem sua histri4 A dste, comea praticamente quan-do, em maro de 1952, iniciei minha atfvidode docente nas Faculdades de Filosofia, Cibtcias e tras da U1*iversidade de So Paulo e da Universidade Mackenzie. Ao longo dos ~nos que medeiam entre aquela data e hoje, as questes mais candentes{da problemtica literria foram objeto de exame no dilogo metdico d;:Jm os alunos, alguTJS dos quais

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    atualmente empenhados na docncia unifersittia. A eles foram expostas, dentro-e fora dtis aulas, as idias que eii ia sedimentando. Naturalmente, alguTJS deles transpiraram minhas refldpes, antes que eu as reduzisse a termo... Mas em 1958, redigi um bre"fie estudo, espcie de balo de ensaio, acerca das. distinies qual'itatiwi/f entre Conto, Novela e Romn-,. e publqueil-0 no Andrio da' F~e de Filosofia, Cincias e

    1.etras, "Sedes Sapientiae~ da Ptmtiftctp Universidade Catlica de So Paulo, correspondente a 1958/1959. Da /mesma forma procedi no tocante a um estudo relbtivo d po4Sia lrica e *a, sob o titulo de Variaes em torno do pico e do LlriCOI estampado revista ''Anhembi'' de jidho de 1961. Mais odiante, rejutfdi-o e rep uei-o, j agora com o titulo mudado para Qo pico e Uo Lrico, na evista "Alfa", da Facatdade de Filosofia, Cintias e tfas de Marli n.!! l, 1962. Nesse nterim, j planejara e escrevera grMrde parte do, cap(nos co11Stantes neste livro. Um deles, amplamente retocado e o, apareceu na "Revista de tras" da Faculdade d FiloStljia, ncias e tras de Assis, n11 5, 1964, sob o titulo de Condeito- e EStru do Conto, o qual, para integrar a presente obra, sofreu ali1uJa oJttrns r(lfes. Depois de complet-la

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  • com os captulos relativos notla, ao romanpe e crtica, reescrevi ou retoquei todos os captulos ante ri rmente redigidos. E dei ~or finda a tarefa.

    Que dizer do que ai fica? e entre as ~rias observaes que me acodem lembrana, relaciono las mais objetivas e dir~tamente ligadas com o livro em si. Primeiro: n~ sei ao certo como classific-lo. Somente reconheo que no se trata dumt, teoria literria, pois meu propsito era outro, e mais modesto. Qual? SVriplesmente isto: um reexame das ques-tes sempre abertas para quantqs j se abeiraram da crtica e da histo-riografia literria. Ou por outr~ repensar algl!UTlllS das bases conceituais e terminolgicas em que se fu11lf4mentiim os estudos litertrios. Da nasce o segundo ponto: que ttulo a~buir a semelhante obra? De principio, chamei-a despretensiosamente l:Qiciao Literatura, e com essa denomi-nao cheguei a anunci-la. Entiretanto, um amigo alertou-me para o fato de esse ttulo dar margem a eqUtvocos, pois na verdade meu intuito no era iniciar o leitor na Literatura, isto , na leitura das obras, mas, sim, nos estudos acerca da Litera~a, ou seja, nos problemas de crtica literria. Diante disso, acabei offando pelo nome de Introduo Proble-mtica da Literatura, o qua4 "'1 que pese ao carter! pedan.tesco do vocbulo "problemtica", pare meridianammte claro. Inclusive, o r-tulo presta-se ainda para esclarfif:er a inteno principal que me orientou o esprito: oferecer ao leitor nii(-espia/iza{), portanta aos estudantes e ao pblico em gera4 uma inic~o, lilmQ intrQduio ao exanie de alguns problemas fundamentais de teorlp e filosofia da Literatura. Esclarecer e orientar, eis o escopo duplo de$ livro.

    Em matria de estll.dos literd,;.os, o progrefSO do sa~r se realiza por acmulo e justaposio de inforipaes: sob pena de incprrer em falhas interpretativas, ou repisar idiaa,j jinnadas, o estudi.osa deve conhecer o saldo positivo da pesquisa reui,:ionatla com fS Q3SUntos do seu interes-se. E a esse quantum acrescentaif, semeJhan.a dos q~ o precederam, os resultados da SJUJ prpria invtstig1llfo. Foi, exatamente o que almejei neste livro: sem fazer tbua rasa~ conhecimento litertirip alcanado at os nossos dias, pretendi ofereceflt. a minha proposta pasaa4 que enfeixa reflexes no geral vinculadas ~xperiincia dqcente. De onde esta obra constituir-se num ensaio, ou se,fiuiserem,-nUllJ ensaio didtico, voltado especialmente para a atividade IJiterria em vernculo.

    Escusava lembrar que o livrt, no trata de.todos os assuntos, mas de alguns apenas, os considerados fundamentais e prem~s. Outros, cujo exame se torna necessrio, delfuam por ora de ser discutidos visto escaparem dos limites em qe

  • certos tpicos, c,ertamente merecedores de tratamento autnomo, foram estudados dentrq de captulos mais vastos, o que, de algum modo, lhes supre a ausncia, como, por exemplo, as questes relativas ao tempo na Literatura, os vnculos entre o romance e a poesia, o romance e o teatro, etc. Bem por isso, o captulo referente ao romance se estendeu talvez um tanto demasitu:lamente. Para facilitar a consulta desses tpicos internos, ser til recorrr ao ndice de assuntos ao final do volume.

    E, agora, c'/lmpro o dever do agradecimento. Esta obra no teria chegado ao fim caso me faltasse o vrio Quxlio de determinadas pessoas. A Jos Paulo Faes, que leu grande purte dos originais em primeira redao, pelas jl'fliciosas e oportunas observaes, e ainda pelo emprs-timo de livros. A Segismundo Spina, Altxandrino Eusbio Severino, Ul-piano Bezerra d,e Meneses, Ursula Rapp e Maria de Lourdes Rodrigues, Cadeira de Francs da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade d~ So Paulo, Biblioteca da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letrc1 de Marz'lia, pelo emprstimo de livros. A Elenir Casaca Aguilera, Evelirie Ghingold, Spencer C11Stdio Filho, Rodolfo Ilari, Wil-son Antnio Vieira, Carlos Felipe Moiss, meus alunos, a Mercedes de Oliveira e Jorge Fidelino Galvo de Figueiredo, que escrupulosamente datilografaram ps originais. A todos, minha mais viva gratido.

    Universidade de So Paulo 26 de agosto de 1965

    MASSAUD MOISS

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  • , PREFCIO DA 91BDIO

    Decorridos dez anos tU seu trmino dde sua entrega ao Editor, torna este livro circlao pela nova vez. Pdi ocasio de seu aparecimento, a critica miatantf se manifestou de vriq modo, consoante a orientao ideolgica e as ifXpectativas de cada um,; desde o aplauso incondicional at as divergncias de toda natureuz. Drtt a critica assinalava que algu-mas de minhas 1 generalizaes no potfiam ser aceitas porque ''sem referncias'', como se eu tivesse escamotfado os autores estrangeiros em que me houvess~ abeberado, - nuu ela llo declarava quais generaliza-es nem quais ~utores. Na verdade, potventura aderindo pertinncia de algumas de m~nhas postulaes, a critlta Tllio escondia que lhe custava admiti-las como !sendo de 1tm brasileiro; 'e de um brasileiro que a partir da prpria expe1hlcia e das prprias reflexes pudesse chegar a infern-cias plausveis, efensvei.S e, qui, oriliinais. Ora a.firmava tratar-se de um manual par~ estudantd, ora que a of a uma compilao do que se tem escrito na m,atria, - o que denunci uma leitura Tllio s epidrmi-ca e fragment? como pressada:, po tomava ao p da letra certas expresses do prlogo que: apenas deno m intuitos de objetividade. Ora advertia que me.I situo numh perspectiva ~pistemol6gica ou gnoseolgica, o que, prettmdendo ser uma restrio, ttlt>...romente apontava uma evidn-cia. Alm disso, o reparo da. va e dthnargem a uma interrogao: perante o progresso da biincia litet-ria dotr l~s anos, continuaria em vigor a discordrn:m? 1 !

    Como tantcJ.s outros e#n tfll6lquer ttf"po, o presente livro nasceu da atividade docen,te. Natura~ pois, que ri.flita seduo por certo enfoque

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  • didtico: ao declar-lo no prefcio da primeira edio,' eu no escondia que tinha plena conscincia do fato. Sucede, no enta~o. que uma obra no desmerece por ter sido elaborada nos quadrantes 1 universitrios: o que conta, so as idias, a novidade da espetulao, o arranjo novo do saber antigo, a reviso das idias-feitas, etc. Negar valfriade a uma obra apenas porque decorrente da atividade universitria recusar no pou-cos ttulos hoje definitivamente incorporados bibliografia dos estudos literrios. Como, alis, esto de acordo todos quantos 'lidam, honesta e lucidamente, com tais assuntos., , '

    Escrito a partir das reflex~s expostas a ~stullantes ,e colegas, dentro e fora das aulas, o presente livro se foi montando precipuamente sobre os textos analisados e interpretados. A teoria da poesia pica, depreen-di-a do exame de poemas antigos e modernos centrqdos numa viso herica e cosmognica do ser humano. '

    A teoria da novela, ergui-a com base nas novelas d! cavalaria fran-cesas, espanholas e vernculas, e nas novelas sentimen~ais e picarescas, em cotejo com similares romnticos e modernos. A teoria do conto veio da reflexo em torno de autores que cultivaram a frma, sobretudo a partir do sculo XIX. A teor'9 do romance, aprendik na leitura de ficcionistas que a essa modalida(le narrativa se dedicaram desde a segun-da metade do sculo XVIII.

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    As prprias distines entrt: poesia e prosa tiveramlanloga origem, assim como a idia das ''for~trl:i.es '. A prova que rram teorizaes pessoais reside no fato de alglllflQS (como, por exempld1 a do conto e a da novela) ainda suscitarem retif;es polmicas ou a discrepncia opini-tica: proviessem de autores al"ngenas, estariam aceitps e denunciada sua origem estrangeira. Nem "'11fll coisa nem outra: a jleitura de obras tericas to-somente alargou e ratificou concepes que se iam definindo desde os fins da dcada de 40. Basta lembraF que os t!SfJUemas grficos do conto, novela e romance, qrite se incluram no ensa'io pwblicado em 1958 e se reproduzem neste liwp desde a prilfU!ira edi40, apenas estili-zam um grfico de forma anu;/H}ide (semelhante ao ri.fe representa a clula humana) empregado porf11imj em 1951.

    No fique sem registro q~ muitas das ]H,stulaq aparentemente ''heterodoxas'', camu.jladas sob,_ a ro1qJQgem didtica para poderem sin-grar, vm sendo corroboradas ~la critica ~ recente, ainda que situa-da em ptica diversa da minha e objetivando, no exame qa obra literria, outros horl:i.ontes e valores. A~ longo do livro se mencionam algumas dessas confirmaes, com o exclusivo propsito de prevenir o leitor con-tra a idia de que em nosso t!SJfilO c,ultural i imposs~l erigir teoriza-es vlidas para alm de seus limita naturais.

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  • A presente e,dio sofreu nova reviso e atualizao. Refundido e acrescido em vrios pontos, o texto igualmente se dilatou com um cap{-tulo a respeito do'fenmeno potico (publicado autonomamente, em 1977, sob o tftulo de A 'Criao Potica, e que agora integra o conjunto da obr no lugar devido), e outros acerca das expresses hfbridas da criao literria, desti1Ullf.os a preencher uma laCMna. Outros assuntos, j referi-dos no prefcio da primeira edio, ainda permanecem margem ou porque transbordem das fronteiras desta obra ou porque demandem tra-tamento extensiv'1, digno de um livro. A despeito das modificaes intro-duzidas nesta e ~ anteriores tiragens, esta obra se conserva, nos seus fundamentos e. nk sua linha metodolgica, a mesma da edio original: as mudanas e acrscimos visam a tom-la cada vez mais definida em suas propostas, r no a modific-la para que se adapte, afoita e distor-cidamente, s te~rias do momento.

    Por motivo~ tcnicos, a matria dispe-se agora em dois volumes que, embora aut15nomos, guardam o mesmo v{nculo de mtua dependn-cia que os seus rap{tulos estabeleciam eRtre si at a edio precedente.

    Universidade dei So Paulo julho de 1975/jaheiro de 1978

    M.M.

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    NOTA PRWIA

    Para a nova edio deste volwne, que engloba a parte referente Prosa dA Criap literria, o texto foi i.DJegralmente revisto e atualizado. Em decorrncia,lvrios acrscimos foram introduzidos, sem alterar-lhe, no entanto, a fisionpmia original.

    E por motivos tcnicos, a matria se distribui agora em dois tomos, a saber: A Criao literria. Prosa - 1, que enfeixa os seguintes captulos: 1. Frmas em Prosa, II. O Conto, m. A Novela, IV. O Romance; e A Criao Literrk. Prosa - II, que encerra os seguintes captulos: 1. A

    1 !

    Prosa Potica, II. O Ensaio, ill. A Crnica, IV. O Teatro, V. Outras Expresses HibJJidas, VI. A Critica uterina. Embora autnomos, os dois tomos guardam o mesmo vnculo de mtua dependncia que os captulos estabeleciam entre si at a edio precedente.

    E com vist~ melhor informao ~ leitor, reproduzem-se os pref-cios 1" e 9" di. desta obra.

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    M.M.

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    1 - Frmas em Prosa 1

    Muito mais complexo que o problema das fnnas poticas o das frmas aifl prosa. Primeiro, porque no se trata apenas de descrev-las, como fizemos com as primeiras, mas de diferen-las. Segundo, porqne constitui problema ainda aberto e de notria atua-lidade. A caraterizao e o histrico das frmas poticas perten-cem retrica tradicional, enquanto a distino e a anlise das frmas em p~a constituem questes da moderna teoria literria. Antes do sculo XVIII, quase to-somente a poesia que interes-sava aos teric:ps da Literatura, que entendiam por poesia a lrica, a pica e o

  • glet-Dufresnoy, De l'Usage des Romans (1734).2 Por outro lado, tais doutrinadores se referiam ~ nov;Ia que ad romance.

    Com o Romantismo e a conseqentej criao t. romance no sentido moderno do termo, as te9rias a jseu respeito entraram a destronar a velha preocupao peli poesi~ pica e ~elo teatro.3 De tal modo o romance ganhou prestgio en~ os estudiosos de teoria literria que um erudito de nome A.-J. Delcro no teve dvidas em compilar um Dictionwzjre U~versel /j.IJ'itaire et CHtique des Ro-mans ... (1826).+ No entanto, 'omo aiiida 'fosse muito arraigado o conceito que distinguia a poesia pica e a dramtic com foros de nobreza artstica, os comentaristas do romance ora tendiam a con-sider-lo uma "enciclopdia potica", ora uma ":pSeudo-pica" .5 Seja como for, graas ao xito alcanado pelo romance, simulta-neamente com ''o ensaio jamalstico, a pea dra.itica de tom srio e final feliz, etc.'', as doutrinas clssicas entraram em crise. 6

    Menos bafejados foram ~,conto e a novela, o ~ porque tratado como romance curto -f sob o desi~tivo de nove li.a, termo emprestado do Italiano), nun(embaralhamento que ,_mda hoje pro-voca confuses, e o. segund~ porque co~do cqm o romance. A Friedrich Schlegel se dev~ as primeiras teoriz~ acerca do conto ou novella, tendo por pase II Decamerone, ide Boccaccio, reunidas em trabalho publicado em 1801.7 At fins do sculo XIX, os estudos acerca da prosa da ,fico eram parciais, breves ou ainda filiados a antigos e superadqt> conceitos, ,Todavia, as preceptivas literrias ento aparecidas, ~-carter a-nonnativo, a:o contrrio do que postulava a tradio, j 0pmeavam a abrigar doutrinas a res-peito do conto e do romance ;~ mesmo da ,novela, g~ente com o equvoco apontado. No sel9J: do conto, destacam-se as idias de Poe, pioneiras e ainda atuais. Em fi.ns do &Pculo XIX que entram a surgir os primeiros grandes leorW,ldores, _ contempobneamente ao desenvolvimento atingido p~ conto nas lltera~ ocidentais. E ao longo deste sculo, o nnlfro de estudiosos do a;l;sunto cresceu

    i 2 Klaus Friedrich. "Einc Thoorie diiB '"RommNou~u, in Roma*'istischesJahrbuch,

    Romanischt!s Seminar, Hamburg, XIV B.nd, 1963, p. 105. 3 Reu Wellek, Historia de la Critica Moderna (1750-1950), tr.: ~la, 4 vols.

    Madrid, Gredos, 1959, vol. II, p. 28. 4 Klaus Friedrich. ibidem. 5 Reu Wdll.ek, op. cit., vol. 1, p. DO; vol II, p. 123. 6 Idem, tbidem, vol. 1, p. 32. 7 ldt!m, ibidem, vol. n, p. 35.

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  • a olhos vistos: Brander Mathews, Carl H. Grabo, G. R. Chester, Elisabeth Boweh, Sean O'Faolain, V. Propp, e tantos outros, espe-cialmente de l:qgoa inglesa.

    Em vemcullo, a mais remota tentativa de estabelecer os limites do conto se ~ontra em Corte na Aldeia (1619), de Francisco Rodrigues Lob. Em dois dilogos, os de n2 X e XI, procurou marcar as diferenas entre os ''contos', identificados com as nar-rativas folclri~, e as "histrias", com as novelle boccaccianas. Chegou, inclusive, a frisar que os cdltos ''no querem tanto de retrica'', ou seja, pedem a brevidade. A relevncia das distines feitas pelo escritor portugus do Barroco no escapou a um estu-dioso do porte ~ Menndez Pelayo, para quem ele ''tentou antes de qualquer outro reduzir a regras e ;preceitos a arte infantil dos contadores, dando-nos de passagem ~ teoria do gnero e uma indicao de sJus principais temas".1 Somente em nossos dias a teoria do conto voltou ' mereeer ateno em Portugal, desta vez com um trabalhb exaustivo e sistemtico, Biologia do Conto (1987), de Armando Moreno.

    Entre ns, fuante observaies esfmsas de Machado de Assis, a primeira teoria do conto que se conlrece, da autoria de Araripe Jr., no "Retrosipecto do Ano de 1893", publicado nA Semana de 1894 e mais tarde enfeixa.do em Litemtra Brasileira. Movimento de 1893. O Cr~psculo dos PoWJS (1896). Um vasto hiato se fez da por diante ait que o iSSUtlto voltalse a ocupar a crtica, inicial-mente graas a 1Hennan Lima e as VaJ!taes sobre o Conto (1952).

    Quanto teoria do romance, Ulil dos primeiros estudos de conjunto data c;le 1883: Beitrage zur fl'heorie und Technik des Ro-mans, de F. spielhagen. Depois dele,,4 quantidade de teorizadores vem aumentancJo.progressivame:nte at os nossos dias, numa verda-deira pletora de doutrins e interpretaes: Henry James, Albert Thibaudet, Percy Lub~k, E. W1:w1ldt, E. Muir, E. M. Forster, R. Koskimies, Rdger Caillis, Rohat liddel, G. Lukcs, Wayne C. Booth, Luien IGoldman~ F. K. ~ e tantos outros.9

    i e 8 MCllndc2 Pflayo, Qrlge.lfes de. la liCjo Superior de

    Investigacioncs Ci~, 1943; vol. ID, p. lSo, A esse respeito, ver Walter Pabst, La Novela Corra en la Teoria y en la Creacin Literaria, tr. espanhola, Madrid, Grodos, 1972, pp. 187 e s.s., - para quem IIlllls do que evidcnto a influncia de R Libro de.l Cortegiano (1528), de Castiglinc, e de I Diporti (lSSO), dc Giro1amo Parabosco, sobre Francisco Rodrigues Lobo. 1 ;

    9 Ver o capitulo dcdicdo ao estudo do rowalle, maia adiante, e a bibliografia infine.

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  • Nem por causa da avai.cha: de es os trefetnte$ prosa de fico se pode dizer que o I{robl~ est resolvido~ Os, fatores que determinam o carter aberto e complexo dessa qu~to podem ser arrolados do seguinte modo:i~em se tra o de no~la ' de roman-ce, alto o dbito para co~ a pdesia tiva (clf~ de gesta, epopias). Historicamente, Un.~ se dem poes pica, ao menos na generalidade dos q&sos::por c o que sena Ucito objetar com narrativas clssicas (c. vafliia,bdri.. da crtiqa literria, ape-sar do esforo de alguns e 1O desejo d\mia maicra consciente, ainda est longe de alcanar preciso e univoci~.

    Outras causas podem ~ ~n~s p.-a exp~ a dificuldade emse chegar a uma fonna Wfconscnso ~ matda. Em primeiro lugar, as relaes entre ativi

  • certo que deve haver um resduo, um lugar-comum do ponto de vista da estrutura bsica, para que as obras desses prosadores continuem a merecer a designao de "romance". Mas tambm est fora de dvida que exibem mudanas de toda ordem, numa espcie de corrida de saltl!>S para atingir o melhor resultado na viso da realidade. Um critico que adotasse .a concepo setecentista de romance para julgar a obra, por examplo, de um James Joyce, provocaria equvocos e perplexidades li.O leitor, entre os quais even-tualmente o de recusar-se a classificar Ulysses de romance. Idntico raciocnio aplica-se ao conto: entre ~ Mil e Uma Noites e suas configuraes modernas notam-se diferenas que vo desde a tc-nica at o significado, oq desde o estik> at o contedo.

    Um terceiro fator interfere no bom entendimento nesse particu-lar: alguns crticos tm encarado apressadamente o problema das frmas em prosa. Orientados wr conceitos duvidosos, ou polmi-cos, por vezes adotando esquemas tn:eQnicos, pseudocientficos, ou guiados por m conscincia, apressam-:se em subestimar a comple-xidade do problema. E ~bam por aderir a conceitos fundados na "forma externa" das obras, poudo EWR segundo plano a "forma interna'' e ignorando que existe, P8l8 alm desta, uma camada semntica que no pode ser descartada sem comprometer a funo analtica e interpretativa e judicativa que desempenham.

    Em decorrncia, o critrio que adotam para discernir as dife-renas entre o conto, a novela e o ro~ce quantitativo: a seu ver, a distino residiria no volume de pginas. Preconizam que conto sinnimo de narrativa QUrta, e vice-versa, toda narrativa curta se classifica no setor do conto. ChegalJl ao requinte de firmar uma distino numrica entre o que chamam de ''conto curto'' (' 'short-short story") e "conto longo" ("long-short story"): aquele teria cerca de 500 palavras, o segundo, entre 500 e 15.000 a 20.000 palavras.

    ,,

    11 W. F. Thrall, A. Hibbmd,e C. H. Holman,;.4 Handboolc to Literature, 5 ed., New York, Odyssey, 1962,. p. 458. Outips aa~.~ que o conto ('"short story") "oscila entre o 'conto curto' ('short-short ,story') de menos de 2.000 palaVDS e a 'novelette', com mais de 15.000" (Northrop Frye, Sbcridan Balre!:, George Perkins, The Harper Handbook to Literature, New Y orle, Huper & Row, 1985, p. 410). E h quem considere outro nmero: tendo mmos de 10.000 vocbullllj, trata-se de ~ (Hany Shaw, Dictionsry of Literory Terms, New York, McGra.w-Hill JJook Co., 1972, p. 343). E wn outro estudioso, decerto alertado pam o gratuito de Ws njmwros, ddim-&ClCcm "lmnws atlticos: se taowmos a novella como wn livro de 'llistn4ia m,cidi&' ('~tal:='), o conto se cmquadnria na classe dos 100/200 metros" (J. A. wldon, A Dic~ of Literary Tums, revised ed., New

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  • Quanto ~eJa, que os~~ no~lstr~ e os franceses, nouvelle, nws longa que o tnto'e ~que o !f>mance, de 100 a 200 pginas, aproximacldiente; E roniance ~ toda narrativa

    . de 20 o . . ,;' ' i 1 com Dla1S pagmas. " . . , . Na _verdade, o. critrio quantitati=o -o de jtoclo f~~ nem

    desprezivel. Contudo, deve sb".. .. empre . . apenas como auxiliar do critrio qualitativo, e a ptM'llJriorl, porq a sftln,pleis contagem das pginas impossibilita afhnar.com ~iso o tipo de narrativa em causa. O aspecto num.dco pbde coDfundir o ]obst'Vador que relegar a segundo plano o 4>ntedo e a festr.tura das obras. Se verdade que o conto encetTt breve dime4So, tambm certo que isso decorre de fatores intrniliecos: os con~ TJo so contos porque tm poucas pginas, mas, ad~conttrio, tem pou.caslpginas porque so contos.

    1

    Tomemos, guisa de illilf;traio, o cldlO dO Alienista: uma das obras-primas do conto macltlsdiano, tem erca de 100 pginas nas edies vulgares, qgase o tdto d Iracem.a, o romkce de Jos de Alencar. A ser usack> o esqt:bna twmtitaJivo, di*1ecliato se con-cluiria que as duas narrativa ~ l categoria db conto, ou do romance. Nada mais ~so. Por certo que se trata dum caso sui-generis, j que nem todlh os.. contos possuem

    1 a extenso dO

    Alienista, e no cotmnn '9m :rdnatiee de propato igual de Iracema. 12 Na maioria .008 aasos, o critrio qu_an'3tivo ~de ser empregado, tnas deve ser .C01lfinnado pele qualitati\ro, que rmpede chamannos de conto a embrides da eaptu1os de rcmtance, a poemas em prosa, a aplogos, a fbldas, a cfnieas, etc., todos marcados pelo signo da brevidade. I6ttica confiso existente entre O

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    York, Doubleday & Co., 1976, p. 623). A C11SC respeito, ver Ian ROid, Tlie Shon Story, Lorulon, Methucn and Co., Ltd., 1977, p. 10.

    Outros autores h que propem uma distino baseada na quali'*1e, no na extenso, como Bnmder Mattbcws ("The Philosofb.y of tbe Short-stozy'', in Pen andlnk, New York, CbarWs Scrilmar's Sons, 1'2 pp. 75-lt6) 11 Jr. Bag F.setwem (lf+iriJig tlte Shon-Story: a Practical Hrmdboolc on tll Ri6e, ~ \!Hffling, and 8al of tll 'Modon Shon-Story, New YOl"k, IDruls, Noble Ulll Blmdgl!, *'9, pp. 17 e ss.j. ,

    12 ------~,...l.iN---- (1941), de Jos llogio: a dospdlio de~ bilicos; nas Suas 115 pginas, a clasBificamJ:l tle IllM'lla, a obra ~ estmtin d . Decerto +.re+ooO-se disso, o antor inch:ira-a na trJroein edio de Istm-m r1e . "a (1968), volume de contos cuja primcim edio apll!l'COOU em 1946. E silt!;llmlflldc . -flB de '' oaoto e novela'', mas o recm&o antes mostm que escomlc a ~ db . . llOIDClbtma Ide estrutura entre as naJD.tivas, mal cw:obmta pela YAga ~ posta em *'1bttulo.

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  • Alienista e Iracema haveria entre certas obras de mais de 200 pginas. D. Quixote e Madame Bovary servem de exemplo. Quem, refletidamente, poderia enfaix-los sob um mesmo rtulo, novela ou romance? A rigor, aquele novela, e esse, romance. E, como sabemos, o primeiro mais volumoso :que o segundo. Assim, se o critrio fosse o nmero de palavras, antbos teriam de ser romances. Estaria correta a classificao? A resposta s pode ser dada pelo critrio intrnseco, e esse responderia que o D. Quixote novela, e Madame Bovary, romance.

    Infere-se, assim, que o critrio mais conveniente para se erguer uma distino rigorosa entre o conto, a novela e o romance, o qualitativo, que consiste em procurar ver a obra de dentro para fora, analisar-lhe e julgar-lhe os componentes, de forma, e de contedo. Somente depois de bem sopes-los que estaremos aptos a uma classificao vlida e precisa. Nesse ponto, convoca-se o critrio quantitativo a fim de corrobomr ou negar o resultado da anlise. No raro, confirma. Mas, que ingredientes so esses? En-fileirados como se segue, serviro de base para os captulos dedi-cados a cada uma das fnnas em prosa: a ao, as personagens, o tempo, o espao, a , trama, a estrutura, o drama, a linguagem, o leitor, a sociedade, os planos narrativOll, etc.

    Porque comuns ao romance, novela e ao conto, podem levar ao equvoco de supor improcedentes todas as tentativas de estabe-lecer fronteiras entre as trs fnnas. O fato de o conto abranger ingredientes do romance no invalida a distino entre as duas fnnas, uma vez que se movem no mesmo territrio - a prosa de fico. O que resta firmar a sua difecena, calcada na densidade, intensidade e arranjo dos componentes: a ttulo de exemplo, as personagens do conto diserepam das

  • E se por funo entenddlflnos troos oaracteruticos, haveremos de convir que determinados"traos impli4am determinada fnna, e esta, reciprocamente, press#p... e aqueles.! Por outrPs termos, cada fnna tem certas implicaes, ~ modo bue onde 1 es_sas ~ e~contrem, estaremos e.m presenp daquela: J~e caso, tnitplicaoes e ftmas se equivalem. Vinolllad por Jos de nJ;esSlidade, onde houvel' mn.as haver outrastJ a pdnto de todas as ~vergncias em tomo de qualquer texto litedrio ptomanatem de cob.trovrsias acer-ca dos traos que identificam as fnnas (as espcies e os gneros, visto que o raciocnio pode mr es11endido aos outros graus da escala genolgica). 13

    Assim a tarefa classificalria dos textos dentro do universo dos gneros no , como ainda podem pensar estudiosos menos infor-mados ou menos atentos, o .objetivo final da critic~. , com efeito, o ponto de partida, no o de chegada. E se insistimps nesse porme-nor para evitar que se distoram os fatos. Se n~ soubermos em que categoria ordenar a narrativa que acatamos de ler, seja ela qual for, principiamos por no s:aber como julg-la, visto que, bom repeti-lo mais uma vez, norse pode submeter "A Cartomante" e D. Casmurro aos mesmos padres analtics e interpretativos. Se ningum duvida que ostentlln caracters11icas peculiares s respec-tivas frm.as, nem por isso' se d.iria qll no procede levantar o problema da classificao oa reconhecer~e a presena atuante no prprio ato de ler. Essa qustio extrapola, na veiade, os limites dos gneros, sem peroa de ~rtinncia. Onde situar! Os Sertes? Na Sociologia? Na fico? Na Histria? No ensaio? Ser indiferente localizar a obra num ou nolll:ro desses nichos, oo tjimultaneamente em mais de um?

    Para finalizar estas prelifninares ao ett.ame das' frmas em pro-sa, assinalemos que a disfut9iio entre o conto, a novela e o romance e sua caracterizao, que ocuparo os captulos subseqentes, de-vem ser entendidas e avaliadas em selll propsito esclarecedor. Trata-se de uma proposta disistematiuo de conceitos numa rea ainda sujeita a controvrsias. Por outro lado, voltaremos nossa ateno para as caracteristklias persistentes no dec'urso da histria das fnnas em prosa: o que faz qllle tantoias obras de Margarida de

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    13 E. D. Hirsch, Validity in hiurpretation, NeJ. Ha~ Yale Univenilty Press, 1967, pp. 89 e ss.

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    Navarra quanto as de Tchecov ou Ma\lpassant ou Dalton Trevisan ou Julio Cortzar sejam 1i0tuladas de ''contos" decorre de empre-garem a mesma estrutura narrativa, apesar de todas as mudanas temticas, estilsticas ou cultor$. Iditntico raciocnio se aplica a Madame Bovary, Ulysses, Contrapont._ Apario, Avalovana; ou a Amadis de Gaula, D. Quixote, O Tempo e o Vento, A Barca dos Sete Lemes, Grande Serto: Veredas.

    que, ao longo das variaes temporais, observa-se a perma-nncia de um ncleo formal, posto que igualmente sensvel ao do tempo, e tal ncleo que interessa acompanhar e descrever. Em suma, uma perspectiva centrada no substantivo - a estrutura das fnnas em prosa -, no no adjetivo - suas modulaes ex-trnsecas.

    Tal estrutura bsica no decorre de um modelo ideal, que se armasse em abstrato e se pusesse em confronto com os textos, a ver se eram congruentes entre si. A lgica interna das narrativas que determina a idia de que, por sobre as diferenas particulares, obedecem a um arcabouo primordial, comum a todas. essa estrutura irredutvel, ou a que se reduzem as narrativas, que se representa no esquema grfico que fecha o estudo das trs princi-pais modalidades em prosa.

    Desse modo, as excees ou as experincias de vanguarda (no raro de incerta classificao, ou determinantes de um remaneja-mento na rvore dos gneros) somente sero consideradas quando teis compreenso da unidade intrnseca do conto, da novela e do romance. Destaca-se, nesse quadro, o chamado "conto moderno", etiqueta duvidosa por induzir a pensar numa estrutura prpria, diversa da que se encontra no "conto tradicional". Na verdade, essas denominaes revestem categorias histricas, e a primeira assinala apenas o emprego de tcnicas novas para engendrar a velha estrutura. 14

    Tratando-se de conto, no importa se escrito em nossos dias, ou nos sculos anteriores, sempre exibir as mesmas caractersti-cas fundamentais. Ainda que o conflito no seja aparente, ou que o mtodo utilizado pelo, contis~ seja o indireto, por meio de

    14 A propsito do "conto mojiemo, var A. L.'i3ader, "The St:ructure of the Modem Short Story", College En.gsh, 7

  • implicaes, a narrativa oo1ltinua sendo k:onto. Quando no se es-trutura ao redor de uma traina, visvel oi implicita, e1l razo de o autor visar a wn texto sem ltcleb dram4tico, ''eni que nada acon-tece", o resultado o poetna em pros, capitulo ou embrio de novela ou romance, ou crdica.15

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    15 A esse respeito, valia a pena~ o t.eslcrnJ:!llho de um critico insuspeito: ''Pelo menos, isso que o pblico ou a imoDsa maioria do pblico espera de um romancista. Mas sabido que no pensa assim certa vanguarda literria. A P!tstrofe comeou sem necessidade alguma, no tmeno do conto: baseados numa interpretao totahrumte errada da arte de Tcbecov, invcntaJ:am o 'ccmto sem cnudo', o 'conto atmosfrico', que na verdade no passa de uma 'aliica' em ll!ltilo artstico'' (ti>tto M:ria ~'"rico Verssno e o Pblico'' in Flvio Loumiro Chava; (org.), o Uontalhir de ui.m/,u;s: 40 Anos de Y.u1a Literria tk rico Verssimo, Porto Alegre, Globd; 1972, p. 37). :

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  • II - () Cpnto

    1. A PALAVRA "CONTO"

    A palavra "conto" possui, em 'femUlo, as seguintes acep-es: 1) nmero, cn.puto, quanti.da~: "Um conto de ris"; "Um sem conto de soldados'; 2) hiltria:j narrativa, historieta, fbula, "caso"; embuste, engoda, mentira ('eonttJ..do-vigrio"); 3) extre-midade inferiot da lana, ou do ba&tlo: "E, dando uma pancada penetrante, / Co conto do basto, no.lllio puro" (Os Lusadas, 1, 37). Em Portugal, alm de vrio emt*ego no sentido de medida, o vocbulo ainda designa a ''rede de {Sesca em fonna de saco, cuja boca cosida a um ciNulo de' ferro', que se illaml segundo um dimetro a uma vara"} Na terceira ~po, o vocbulo "conto" deriva do gr. kntos, pe1k> lat. contu, com anlogo sentido. Para as duas primeiras ac~, tem--se COin6 forma orlghiria o lat. com-putu ("clculo'', "conta").

    Para a acepo lite:ritia, a de nmero 2, aventa-se ainda outra hiptese, lllenOB provvel: a origem i:emontaria ao lat. commentu ("invene", "ftob"). Admi~ flmbm que o vocbulo "eon-

    1 Antnio de M.arais Silva, GraritU Dic~ da lingua Porruguua, 10" ed, rev., cor., muito aumentada e atualizada, 12 VQJs., Lifloa, Cailuncia, 1951, s.v. Ver ainda Caldas Aulete, Dicionrio ContcmporMo i;iQ llgfll PorrugueM, 2 vols., 38 ed., atualizada, Llsboa, Parceria Antnio Maria ~. 1948; ~ Nll.SCODell, Dicionrio Eiimol6gico da Lngua Porruguua, Rio de J~ ~ >tives, 1932; Aurlio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionrio da Lfntlua Portug~ua, l~ed., 2 impmll8io, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s.d.

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  • to" seria deverbal de contar, derivado do lat. computare. Na Idade Mdia, significou inicialmentp ''enumerao de objetos'', passando com o tempo a "resenha ou 'descrio de :acontecimentos", "rela-to'', ''relato de coisas verdadeiras'', '' enmnerao de acontecimen-tos", "narrativa' '.2 Em A Demanda do St'lnto Graal, corriqueiro o uso da expresso ''ora diz o conto que .. ,'', para estabelecer nexo , entre episdios ou "aventur$" da noveh\.. Por outro lado, as bis- r'-trias e lendas conservadas n1> terpeiro e ncb quarto Livros de Linha-gens so contos, embora de dstrutmra tose~ e de o vocbulo '' con-to'' ainda no se empregar para nome-las.

    No sculo XVI, a palavra assumiu sentido prprio, contempo-raneamente ao surgimento do primeiro contista do Idioma na acep-o moderna: Gonalo Fernandes Trancoso, autor dos Contos e Histrias de Proveito e xemrplo (1575), ande sensvel a influn-cia de D. Juan Manuel, Boceaccio, Bandello e outros. Pouco de-pois, delineia-se a mais antiga teoria do po11tn em ver:oculo, em Corte na Aldeia (1619), de Francisco Rodrigues Lobo. Da por diante~ ap;i!at da incmoda .. ipsena do tenn.Q ''novela.'', o voc-blllo "oonto": no ~ perdf:ia ~,den~p li~&i

    ~,,n.q.~o.XVUI, aJP. ~ ~;!ii"om,'~Jl()Vela'' e "iwnance", ".em decorrncil das ~~ devida4 polisse-ll,'li,a, .p sentidp do .~ema 'i.i. . . ', a.inda q~ ~~~e de conto

    li~o.. ~ cQ].oxao .. tiy:a' '. 3 . A!lgo. dessa colo.rao .. . .. tam,bm Sfll" dtitecta no emprego,

    at ~,do sculo XIX, . ~ "conto" ~ ~p? medieval ou ~ cQtllo, por ~lo, na Qell3 de Camijo Castelo Branco: "De propsito as f3t0 pua te da.t azo .a iuwin-e& flego novo, visto que j te $diga o co:t;tto. ( ... )J - Novidade terceira! -ac:udi e~ q11.Se sspeitps ~lograyo do1conto".

    "E vamos ao conto" .4 i . E ~ Ilf!S.1e sculo pQf1e sm- e:riooqtrado o v.ocbulo '' con-

    to" no sentido genrico de nlmativa: "Cqmtemos oontqs umas s outras ... Eu no sei contos llilflhuns, mais '8so no faz 11!181 ... " 5

    2 Mariano Baquero GoyancB, El Cuenlo Espanol e el Sigla XIX, Mdrid, Coosejo SupcDor d InW&ttpciones Qmlificu,'41949, pP. 31 e js.; Midill: Simaoscn, O Conto PopBJar, tr. bras., S. Pnlo, Martins F 1987, p. 1. l

    3 Nicole Oucnier, "Poor une dfi$tion du conte"', rn Roman et LMmiires au XVIII' Sikk, P.mis, Ee&wa, "OMarinhciro", inPoemas Dralllticos,Lisboa, tica, 1952, p. 41.

  • Ao longo do movimento romnti:>, empregava-se o vocbulo "conto" no sentido de narrativa popular, fantstica, inverossmil. Os autores preferiam classificar de ''novela'' ou ''romance'' suas narrativas, ou recorrer a outros termos, como ''lendas'', ''hist-rias", "baladas", "tradies", "episdios", etc.6 Alexandre Her-culano enfeixou sob o f!tulo de Lendas e Narrativas (1851) os contos inspirados na Idade Mdia portbguesa, Joaquim Norberto de Sousa e Silva, um dos pioneiros do conto brasileiro, preferiu o rtulo de Romances e Novelas (1852) para suas histrias, duas das quais apresentam estrutura de conto. Fbe, um dos mestres do conto moderno, publicou Tales of the Grote$que and Arabesque (2 vols., 1840). Por outro lado, A1fred de Musset intitulou Contes d'Espag-ne et d'Italie (1830) sua estria potica. A palavra ainda no se havia firmado como designativo de um tipo definido de prosa de fico. Nas ltimas dcadas do scuio XIX, com o advento do Realismo, o conto literrio entrou a ser cultivado amplamente, iniciando um processo de~ requintam.ente formal que no cessou at os nossos dias. E o vocbulo "conto" passou a ser genericamente utilizado. No obstante, Machado de Assis procurou evit-lo na maioria de suas coletneas no gnero: Histrias da Meia-Noite (1873), Papis Avulsos (1882), Vrim Histrias (1896), Pginas Recolhidas (1899).

    A palavra ''conto'' corresponde ao francs conte e ao espanhol cuento. Em ingls, conoorrem S'hort Btory, para as narrativas de carter literrio, e tale, para os contos populares ou folclricos. Em alemo, tem..;se Novelle e Erzhlung, :no sentido de short story, e Mrchen, de tale. Em italiano: ruwell e racconto. 7

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    6 Mariano Baquero Goyanes, op. cit., pp. 48 e is. 'ler ainda Ian Reid, The ShDrt Story, London, Metlmcb and Co., l.M., 1917, pp. 1().14.

    7 o m== a.tudioso, procurando sistematizar as vlll:ill:llll:m das voclmlo& "caDto", "novela" e "romance" nas lnguas europias mais conhecidas, prope o seguinte quadro sintico ( op. cit., p. 59):

    Romance 1 Novela ourta ou Canto, conto liltcrrio Conto popular

    Ingls Romance ou Novel Short story Tale FilUIC.s Rmrum. Nouvellc Conte Italiano Ramanzo Novelle Racconto Alemo lil.oman Novelle oulFnhlimg Miirchm Espanhol Novela Novela Cada Cucnto

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  • 2. llISTRIC9 DO CO!f.fO 8 : 1

    A l.~ .... ~~ do ~ .. 1 ~~ conto ~ num ~nolto prec~sar, ~~por iss~ ~ ~ gae Sl;la prtica que nos ~a una origem, conte.m~. ou~ vrecrt:sor festaes literrias, ao tnenLf as qe .cat

    Algumas teorias tm si

  • Nesse longo lapso de tempo, que durou, segundo uns, at o advento da imprensa, ou segundo outros, at o sculo XVII, o conto se enquadraria no mbito do que Andr Jolles chamou de "formas simples", em cqmtraposio a "formas artsticas". En-quanto essas se caracte~ ''como linguagem prpria de um indivduo bafejado pelo
  • e Pedro. Do Oriente vm e~plares dotdos de caractersticas que o tempo s acentuar ou disenvolver: il e Uma Noites; Aladim e a Lmpada Maravilhosa;lSimbad, o ~rujo; Alt-Bal? e os Qua-renta Ladres; Mercador de Bagd, e Da ndi antiga restaram as seguintes obras, de autor .. desconheci : Panchqtan~ra (ou '' cin-co livros'') e Jataka, duas tolees de 'bulas e hisrotias, Hitopa-dexa, um manual de f:bulld e histrias . eadas nas d Panchr;,:fl,n-tra. Dos fabulistas e oontisl!as hindus, fitou a notcia de um deks, Somadeva, do sculo X a.O., aullor de Oceano de Histrias.

    Durante a Idade Mdia,' conto conhece uma poca urea, com o aparecimento de Boccaccio, com Decsmeron, Margarida de Na-varra, com Heptmeron, e Chaucer, COIIl Canterbury Tales. Nos sculos XVI e XVII, gra~ ao influxo de Boccaccio, o conto largamente cultivado, sobretudo na Itlia Matteo Bandello (Le No-velle), Celio Malespini (DUllcento Novelle), Francesco Doni (/Mar-mi), entre outros, testificamum perodo de florescimento do conto. Na Espanha, a moda ganha adeptos, como Cervantes (Novelas Ejem-plares), Quevedo (La Hora.de Todos) e outros. A Frana no fica margem do movimento: d'Ouville (Contes), Perrault (Contes), Mme. d'Aulnoy (Contes defes), La Fontaine (Contes). Apesar de tudo, essas duas centrias tm menos importncia, qualitativamente falando, que a Idade Mdi~ em razo da artificiosidade reinante.

    Tal estado de coisas persiste no sculo XVill, refletindo um ambiente em que s a poes.ila e a prosa doutrinria puderam desen-volver-se. A fico em pI'Ola manteve-se arredia. Apesar de tudo, na Frana surgem Piron, l\fannontel e Hamilton, liderados por um dos mestres do conto: Voltaire. Algumas de suas histrias de cunho filosfico e satrico, como tZadig; Cndido, o Ingnuo; Micrme-gas, A Princesa da Babillfia, conferiram narrativa breve a vita-lidade antes somente conseguida pelos e.scritores medievais.

    Entrado o sculo XIX, o conto vive uma poca de esplendor. Alm de se tomar ''forma artstica'', ao lado das demais at ento consideradas, sobretudo as poticas, passa a ser vastamente cultiva-do: abandona o estgio de ''forma simples", paredes-meias com o folclore e o mito, para ingrdSSar numa fase em que se toma produto estritamente literrio. Maia ainda: ganha estrutura e andamento caractersticos, compatveis com sua essncia e seu desenvolvimen-to histrico, e transforma-se em pedra de toque para no poucos ficcionistas. A publicao de obras no gnero cresce consideravel-mente na segunda metade do sculo XIX: instala-se o reinado do conto, a dividir a praa COln o romance. E se at o sculo XVIII

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  • tnhamos de procurar autores que merecessem referncia, o pano-rama muda agora: impe-se escolher com rigor aqueles que possam figurar na galeria de conti$s que contiiburam para evoluo e o amadurecimento dessa fnna narrativa.

    Na Frana, onde o cori.to se aclimata como em parte alguma, grandes contistas avultam nessa quadra: Balzac, que o cultivou excepcionalmente (Contes Drlatiques), abre a lista, seguido de Flaubert (Trois Contes) e Maupassant. Este emprestou-lhe uma fisionomia que passou a ser aceita por geraes de imitadores. Mestre, iniciador de uma linhagem e de um tipo de conto (" Maupassant"), deixou obra8-primas, mqdelares, reunidas em Boule de Suif, La Maison, Tellier, Contes du Jf?ur et de la Nuit, etc. Alm de Maupassant, outros se dedicaram ao conto, embora sem o mes-mo brilho: Alphonse Daudet, Charles Nodier, Thophile Gautier, Stendhal, Prosper Mrime e tantos outros. Fora da Literatura Fran-cesa, ainda se destacaram no sculo XIX os seguintes contistas: Edgard Allan Poe (Tales of the Grotesque and Arabesque, The Murders in the Rue Morgue, etc.), criador das histrias de crimes e de detetives; Nicolai Gogol, considerado, juntamente com Poe, o introdutor do conto modemo; Anton Tchecov, tido como o paradig-ma dos contistas russos, conferiu notas de mistrio e misticismo, prprios da alma eslava; escreveu duzentas e quarenta e duas his-trias; Hoffmann, que se notabilizou com seus Contos Fantsticos, muito lidos durante aquele sculo11

    No espao do vernculo, nessa mesma poca surgem contistas de superior gabarito: em primeiro lugat;, Machado de Assis, autor duma grande quantidade de contos, al~ dos quais de fina estru-tura e densidade psicolgic1t, como ~sa do Gallo'', ''O Alienis-ta'', "Uns Braos", "A Cartomante''. etc. Alm dele, merecem especial relevo Fialho de Almeida e Ea de Queirs, seguidos de Alexandre Herculano, Trln.9ade Coelhos Coelho Neto, Afonso Ari-nos, Simes Lopes Neto e outros.

    No sculo XX, a voga do conto no esmoreceu; ao contrrio, mais do que em fins do ~culo XIX~ atinge em nossos dias o apogeu como fnna '' eru4ita' ~ ou literyia. Entretanto, apresentar as vrias tenQ.ncias e fa~ atravessa~ pelo conto modemo, in-cluindo as veleidades ex~entalis~ que o tm impelido na

    11 Para o histrico do conto iJa parte relativa jes sculos XIX e XX, ver: Herman Lima, Variaes sobre o Conto, Rio~ Janeiro, MES, 1$52, pp. 38 e ss., e H. E. Bates, op. cil.

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  • direo da crnica ou do 'poema em ptosa, - escapa dos limites deste livro. Uns poucos nonies sero s~ientes para dar uma idia da problemtica. diversidade: Anatole rance, O. Henry, Virgnia Woolf, Katherine Mansfield, Kafka, J es Joyce, E. Hemingway, Mximo Grki, e tantos o-b.tros. Em P gal e no Brasil, o pano-rama apresenta-se rico e vBriado, em Parte como reflexo da voga alcanada pela narrativa curta nos Estados Unidos e na Europa: Monteiro Lobato, Anbal Machado, Alcntara Machado, Mrio de Andrade, Guimares Rosa, Dalton Trevisan, Osman Lins, Joo Alphonsus, Moacir Scliar, Jos Rodrigues Miguis, Maria Judite de Carvalho, Irene Lisboa, Btanquinho da Fonseca, Jos Rgio, Mi-guel Torga, Manuel da Fonseca e tantos outros.

    Entrevisto em sua lonaa histria, o conto , provavelmente, a mais flexvel das fnnas literrias. Entretanto, em que pese s con-tnuas metamorfoses, no Qll'O espelhando mudanas de ordem cul-tural, ele se manteve estruturalmente uno, essencialmente idntico, seja como "forma simples", seja como "forma artstica". Doutro modo, nem se poderia falar em conto, se estamos dispostos a atribuir ao vocbulo um sentido prprio e, tanto quanto possvel, consistente.

    Eis porque no causa espcie a ningum que se mencione o conto na Antiguidade, na Idade Mdia e nos tempos modernos e contemporneos: a matriz do conto permaneceu constante, para alm das transformaes operadas, uma vez que se processaram nas suas camadas epidrmicas. Por mais diferenas que possam ser apontadas entre as histria& de Boccaccio e as de Jorge Luis Bor-ges, tratar-se- sempre de ii.arrativas com caractersticas estruturais comuns, que permitem rotul-las de contos. Se no, parece bvio que a prpria comparao no teria ~o de ser.

    Assim, podemos concmitrar-nos nessa estrutura que, se no imutvel, nem por isso po9e ser considbrada sem fronteiras, ainda que instveis. evidente que a determinao desses limites flutuan-tes pressupe a abstrao das mudanas perifricas, visto no com-prometer o ncleo da estrutura do conto. Localiz-los no significa, pois, restrio da faculdade criadora nem da liberdade critica: nem os autores nem os crticos devero sentir-se coagidos diante da teoria do conto que se pode extrair do oonfronto entre as narrativa de vrias pocas, tendncias, etc. No estamos ante um cdigo estrito, implacvel, a partir do qual se julgassem todas as narrativas do gnero, mas da verificao de um estado de coisas que vem durando o suficiente para ~torizar um pouco mais do que simples dvidas, ou afirmaes graltuita.s, a seu respeito.

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    ,'

  • 3. CONCEITO E ESTRUTURA

    O conto , do prisma de sua hlsttia e de sua essncia, a matriz da novela e do roman~ mais isso dio significa que deva poder, necessariamente, transfotmar-se nelei Como a novela e o romance, irreversvel: jamais deixa de ser cdbto a narrativa que como tal se engendra, e a ele no pode ser 111duzido nenhum romance ou novela. O conto ''Boule de Suif' ', de Maupassant, de modo algum se deixaria converter num romance ou novela: a hlstria que a se conta completa, fechadb como um t!mnios, h'um.as poucas peas que fun-cionam a rigor como elxerccio de ~nas que o escritor acabou transferindo para seus t!OmBn~: astim, "Pelo Caminho", onde focaliza uma jovem noiva tuberculosa que encontra seu noivo em plena manh, vindo de grossa pndega, vai constituir o captulo XXXIII, intituJiado .. Pel Estrada da 'fijuca", dA Condessa Vsper. Por outro lado, "Inveja'i' a sntese tiA Mortalha de Alzira: basta o ter podido transmutar~ no romante para nos dizer de sua con-dio de mero exerccio} O caso inv:erso representado pelo conto "Civilizao", que Ea converteu rvteidade e as Serras. Como se tratasse dum conto - e portanto~vel - ao pretender desdo-

    )_

    12 Nestri pamp, cabt; reg~ a coincidnqll mtre a idia bsica que fndammta mmha proposlm. de wn COIK;Oito le estrutun. do cp e as observaes de V. Propp, que apenas me chegaram ao conbec~ atravs da 1J& edio da traduo norte-americana de Morphology ofthe Folktak (Aus Univeillity of't. exas, 1970). Segundo aquele formalista russo, "a seqncia de acantec' tos tflm "1)aS ~leis. O conto (short mory) tambm apresenta leis anlogas, . das fomiafrs orgnicas. O Ja

  • br-lo num romance, Ea escreveu uma 'Pbra que continua a ser essen~ialmen~ um conto,, ~m. hora os v~ s enxertos e . lentido narrativa sug:rram o contrari~ Um confro . to entre os cf01s textos, que desse conta de seu c~r especfi , reclamaria um longo estudo. No sendo possvel f~... A -lo no esI. o deste livro, contente-mo-nos com algumas indica"es.. , .

    "Civilizao" gravita ~redor de idia oentl1tl: Jacinto, supercivilizado e rico, precoqemen.te env~do, bocejava de t-dio infinito em seu pa1cio f>e~ta, 1Rt que um dia resolve passar algum tempo em suac quinta de lforges, e l, em meio natureza, recupera seu gosto :le viver. ~do a tese de Rousseau e os romances campesinos d~Jlio Dinis, p conto se distende entre as pginas 79 e 118 da ediio compulsa4a (Contos, Porto, Lello, 1946). Escassas 40 pginas, que poderiam reduzir-se, com provei-to, metade, seno menos, ~ o narra.d~ se ativesse ao cerne da situao e no se desviasse 1por atalhos ~ mincias redundantes. Aceitemos, porm, o texto ctmo se apresienta e vejamos como se comporta em face dA Citlad, e as Serraa,, que tem, Ili\ edio de 1944, da mesma casa editomt 369 p~.

    Para desdobrar quatro cJ.e,;enas de pgltias, j de si abundantes, ein quase quatro centenas, S:QIPente fazend.4> interpolaes, agregan-do observaes, dando asas ~ia, demorando-se nas passagens doutrinais, enfim, encompridtndo o texto artificial e desnecessaria-mente. Alguns exemplos ba$ro para ~ uma id4ia do descom-passo aritmtico, que no aliji:ra, na sua estrutura, o conto original: eliminem-se os excertos e lo,p se perceb~ que o ncleo dramti-co de "Civilizao" o mesno dA Cidatj,e e as Serras.

    Dois momentos ntidos 114 distinguem nwna e noutra narrativa, demarcados pela ida do fidalgo Jacinto Torges, em "Civiliza-o'', e a Tormes, nA Cidade e as Serras. Enquanto naquele a viagem ocorre pgina 93, nA Cidade e as Serras d-se pgina 164. Como Ea multiplicou 14 pginas em 164? Simplesmente inflando o texto: em "Civiliao' ', o natndor surpreende Jacinto aos 30 anos, portanto beira:le viver Seu momento de transforma-o ou momento de crise, ccino de -hbitq no universo do conto13; nA Cidade e as Serras, no ll o imagina rnascido em Paris (o que evidencia a artificiosidade ~ tanto hiperb,lica que preside o novo

    ' 13 A esse propsito, ver Mary l..QJl!iile Pratt, ''Tho Shm:t ,itocy: llro Long arul lhe Short of it", Poetics, Amsterdam, vol. 10, n 2/3, junho 1981, IP lli2-184.

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  • traado narrativo, como se detm no av, no pai e na infncia de Jacinto. que, nas palavras de um romancista atento especifici-dade do seu ofcio, ''uma personagem de romance jamais pode ser confinada nos limites estieitos do como, assim como a personagem do conto jamais pode ser alargada at as dimenses do romance sem qualquer alterao em sua natureza''. 14

    E da para a frente, toca de esnuar tudo, a comear pela Idia que esse "Princpe da Or-Ventu:ra"\concebera, seguida de estira-dos dilogos em torno de questes intelectuais e mundanas, neutras do ponto de vista dramtico; enfim. arexaustiva pormenorizao do dia-a-dia de Jacinto e Z Fernandes: (agora sabemos o nome do narrador e amigo do heri) se espicha at um pouco menos da metade do volume.

    Se tais ingredientes, certo que adicionados com brilho e o inimitvel estilo queiroskno, ~ carga dramtica, consti-tuindo episdios ou captulos de um 100mplexo processo de intera-o social, estariam.os ahte algo difesente do conto. Mas no o que sucede: as intetpolaes e e.x:cUDOs no constituem plos dra-mticos, mas enchimento verbal que apenas adia o instante drama-ticamente significativo, quarub o hflli abandona o pa1cio, - si-tuado na provncia portuguesa, no conto; e, no 202 de Champs Elyses, em Paris, nA

  • to do protagonista. Atingira a individuap, diria Jung, aps a qual no resta seno alargar os dqmnios do ~u'' e da existncia. E tal mudana que constitui o al1cerce=fdas d narratiivas: .ambas so, do ngulo da estrutura mniia e tal, contbs, no importa que A Cidade e as Serras saa~e por ntenas ele pginas.15

    ~ : ~ ' 1

    As UniJli.tJes, do Cohto16 4 1

    O conto , do ngolo dratnt.im, un., mrivailente. Abramos parnteses para esclarecer o eitido dos vc)cbmos '' drai:na' ', '' dra-mtico'' e cognatos. Etimol~camente pteso linguagem teatral, "drama" significava "ao". E com o tempo passou a designar toda pea destinada representao. Na ~poca rontntica, dado o princpio da fuso de gne:re, entendia-Se por drama o misto de tragdia e comdia. Transfecido para a grosa de fico, o termo "drama" entrou a signific "conflito"1~ "atrito". Nesse caso, "ao" e "cortflito" se tonaram equiv8'entes, uma vez que toda ao pressupe cortflito, e eslie, promove a ao, ou por meio dela se manifesta; em suma, amh.s se impli~ mutuamente.

    O conto , pois, uma rsnttiv:a unvQca, univalente: constitui uma unidade dramtica, urra clula dralntica, visto gravitar ao redor de um s conflito, umi!I d:mma, U$Ul s a:o. Caracteriza-se, assim, por conter unidadnde ao, tomada esta como a seqn-cia de atos praticados pelos protagonistas, bu de aoontecimentos de que participam. A ao pode Iler externa, 4wmdo as personagens se deslocam no espao e no te1npo, e inte:nia, quando o conflito se localiza em sua mente.

    15 Companmdo o canto popular 'b Pescador e sua Mulher" e o romamce O Arenque (1977), de G1ntcr Oras&, Alain Montamllln chegou a w.ntito l'tlllllltado (cf. Franois Marotin (org.), Frontiirea du Conte, Paris, Ed. ~de la Reol$erche Scieatifique, 19S2, p. 147). V. ~ na mesma obra, pp. 69 e Blf't o cstl!ldo de Roga Ginks, "Le Conte des Yeux Rouges et Gaspard des Montagnes d'Hdtrl Poouat~. Aceka da impossabilidade de o canto tnmsfonnar-se emIOIIWlCG, wr ainda Bz1liilm Mitlicws, ~ Philesopliy of thtJ Short-Slmy' ', in Pen and ink, New York, Charles sqjlma:'a S

  • Para bem compreender a unidadt dramtica que identifica o conto, preciso levar emconta que o!keus ingredientes convergem para o mesmo ponto. A existncia de::uma nica ao, ou conflito, ou ainda de wna nica ~histria" ou .. enredo", est intimamente relacionada com a condentrao de refeitos e de pormenores: o oonto aborrece as digres&es, as divaJaes, os excessos. Ao con-trrio: cada palavra ou fr8se h de terirua razo de ser na economia global da narrativa, a pQn.to de, em tese, no se poder substitu-la ou alter-la sem afetar o conjunto. Pat tanto, os ingredientes nar-rativos galvanizam-se numa nica direo, ou seja, em tomo de um nico drama, ou ao.

    Evidentemente, a observao fie incontveis narrativas no gnero que induz a pensar que a univalncia dramtica do conto significa haver um nico objeto comalldando a escrita e os compo-nentes narrativos. Tomemos um exelllplo: .. Missa do Galo'', de Pginas Recolhidas (1899), de Maclado de Assis, composto por um nico episdio; o dillogo repassldo de sensualidade, entre o narrador, Nogueira, ento com dezessete anos, e sua hospedeira, D. Conceio, uma balzaquiana, casada, com 30 anos. Enquanto dor-miam a sogra e as duas escravas, e como o marido, o escrivo Meneses, sasse de mansinho para UIDa de suas noites de teatro, eufemismo que lhe encobria os "ameires com mna senhora, sepa-rada do marido, e donnia fura de can uma vez por semana", -Conceio esgueira-se cb leito conjllgal e vai para a sala, onde Nogueira lia Os Trs Mosqueteiros, fazendo hora para ir ver .. a missa do Galo na Corte'' '

    Sozinhos naquele Srio natalino; que ficaria indelevelmente gravado na lembrana do narrador, arlba-se uma situao dramtica nica, e pr certo a mais importantt't, na trajetria existencial do perplexo adolescente. A narrativa desBe encontro memorvel um conto por encetrar Wlidade dmnlJtiaf, com princpio, meio e fim. Corresponde ao pice na vida provinciana do Nogueira. Como o sabemos? Pela simples verificao c1' que o jovem, alm de no protagonizltt outra histqa qualquer, :f11Bsaria seus dias na rememo-rao obsessiva daquele episdio :nwttante.

    Record-lo para sempre, como Sfsifo, eis o seu suplcio e sua delcia. Mas naquela noite ele vivera seu momento privilegiado, nico instante em que~vida eBCaJ>$U da cinzentice do cotidiano para a luz efmera da ri alta. E~tara os quinze momentos de glria a que tpdo teni direito- Pouco importa, a ele e a ns, leitores, tudo quantol precedeu a 00ra de subentendidos e meias

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  • palavras escaldantes de promtss&s,; ,e tudo1 quanto se lhe seguiu: o

    passado e o futuro carecem ~significao dramtica, np possuem conflito, ao, digna de um opnto. muito; o cm,.tista apre-sentaria um sumrio de pas*'1o, ou do toro, que pQSSa lanar alguma luz sobre a situao em foco; a c snuse dramtica. 11 A esse expediente recorre o DfU3.dor. no e , ogo da narratdva: ''Pelo Ano-Bom fui para ~- Quando i ao llio de Janeiro, em maro, o escrivo tinha orrido de &llplexia. Conceio mo-rava no Engenho Novo, massnem a visitei nem a tmcomtrei. Ouvi mais tarde que casara com -,escrevente j~ do marido''. Do ponto de vista dramtico, porm, tw.io se eooerrara naquela noite de frustre seduo 8llQl'OSa. in'elevante o que possa acon-tecer depois ao nosso heri, stja porque aqunciado nos pomienores do conto, seja porque ele es81Ptara no conflito central todas as suas potencialidades e reservas eQtOCiooais. Rctgra geral. assim se pas-sam as coisas no universo df conto. Se JJo, podemos desconfiar que se trata, mais propriats.nte, de 1llQ trecho ou embrio de romance ou novela. ,,

    O conto constitui o recorte da frao decisiva e a mais impor-tante, do prisma dramtico, *uma continuidade vital em que o passado e o futuro guardam 4gni&ado inferior ou nulo. Os prota-gonistas abandonam o anonillato no motrntnto privilegiado, de mo-do que o tempo anterior :fungiona, q~ muito, como germe ou preparativo daquele instane;Jem que o destino joga uma grande cartada. O tempo subseqente se tinge de iequivalente colorao: o futuro previsvel ou fcil de vaticinar, seja porliue definido pela morte ou soluo correspon4fnte, seja porque os atos a praticar e os gestos a descrever foram ~terminados 1 por aquele }ililto dram-tico, seja porque os figurantE:t, depois clisso, ~ primiti-va obscuridade, no apresenaru:IQ suas vidas nada :digno de regis-tro. Elimina-se, assim, a hiftes4, de continuarem no palco dos acontecimentos. 1

    De onde o conto ser, a ettsa l~, obra fechada, dramaticamente circunscrita. Quando o ficci~sta l'.CSlveiultrapassar essa barreira "natural'', prolongando o c~vvio com os seres que criou, duas

    .l

    17 Nonmm. Friedmlll'l, um dos Dlllls abalir.ados tc4cos do "pol!llo de vista", pmfcre chamar de "narrativa sumria" ("~of Vicw in Ficfufn: 'l1lc Developmrmt of a Criticai Conccpt'', in Philip Stevick (ed.), The. The.ory of the NJvel, Ncw York, Thc Frec Prnss, 1967, pp. 119-120). Waym C. Booth (lhe Rhsoric of Pbion, Chicago, Thc University of Chicago Presa, 1963, p. 154) sugue o 10C&'bul!i> "sumri".

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  • sadas se Jhe oferecem: primeira pode ser ilustrada pelo caso de Dalton Trevisan e Giterra ConfMgal ~915), volume de contos que giram ao redor de duas personagens,~ Joo e Maria. Que que se observa nessa obra, engenhosamente iarquitetada para vencer a re-ferida limitao? Se a primeira narrativa vivida por Joo e Maria, a segunda -o por Joo1 e Maria 1, a terceira por Joo2 e Maria2, e assim consecutivamente: Joo e Maria do segundo conto em diante no so os mesmos do primeiro~ :maS outras personagens batizadas com idntico ant:ropnimo, envolvids em situaes especficas, precisameme como na Vida, em que'ios Joes e Marias de todo o mundo, apesar da identldade do aplllativo, protagonizam sempre histrias particulares. N segunda variao tcnica se exemplifica em Bandeira Preta (1956), de Bran
  • Em "Missa do Galo'', ,pido ,se pa a na "sala da frente" daquela "casa assobradada c!p.'. 1 R114. do Se ". Ali o .. drama co-mea e tennina. Seus antece+n~ alm secun~os, em pou-cas palavras se narram: "vim de Mangara 'ba para o Rio de Janei-ro, meses antes, a estudar PJ*paratrios" Mesmo -que o narrador se detivesse a relatar-nos sua1vida pre , teria de faz-lo como sntese dramtica. Com isso, t unidade de iespao continuaria a ser observada. Da o dinamismo 4o lugar fsiot> em que a aio decorre: o contista, como se manejasettuma.cnuu;a:i c~ca, apenas se demora no cenrio diretamente relacio$tdo com o dmma. Ver-se-, mais adiante, quando *.tratar da .4,escrio, de que modo funciona esse mecanismo de fllfoque geogrfico.

    A unidade de ao co~, assm.. a unidade de espao, e esta decorre da circunstnciaade apenas d4terminack> ambiente en-cerrar hnpottncia dramti~ Da ~ forma que uma nica ao, por veicular conflito, ~ a narpttiva, wu nico espao serve-lhe de teatro. Pode-se dlur, co~te, que no conto se processa a determinao "1 espao (e tambm do tempo como se ver), na medida em.que~ demais lijg~ (~ '2omentos) so vazios de dramaticidade. Do tont:rfi.o, pe4 criao de vrios plos dramticos, haveria desequih'brio interno, t? o conto perderia o seu carter prprio para tomar~ esbQo da novela ou rQmance. Por outras palavras, da mesma fQ'llpla que h espa90-'sem-c4'ama e espa-o-com-drama, no conto dis!llguem-se acf,)nteci~ntos-sem-drama e acontecimentos-com-drama:. estes que,constituem a ao cen-tral da narrativa, enquanto ostoulros funci~ como satlites.

    A noo de espao se~ imediaw.ente a de tempo. E aqui tambm se observa unidade. Com .efeito, 'PS aeOJJ,tecimentos narra-dos no conto podem dar-se eJ11 curto lapito de ta.npo: j que no interessam o passado e o futmro, o conflitp se passa em horas, ou dias. Se levam anos, de dua&!:uBJa: 1) ou trata-se dm embrio de romance ou novela, 2) ou o lqo tempo ~erido -.parece na forma de sntese dramtica, que envolv~ habi~Imente, o passado da personagem. Em "Missa do Galo'', os antecedentes t:emporais es-to postos de parte: apenas sabemos a iJlade dos protagonistas; sabemos que tudo ocorre mais ou :menos $lfm vinte e tws horas e meia-noite: "ouvi bater 01l74t horas, mas quase sem dar por elas, um acaso''. Tampouco interet;am os acon~imentios posteriores ao episdio: umas poucas referocias, que vo suhlimhadas, no alte-rama unidade de tempo do CJPlllO, :rpemiq porque vagas, secund-rias e destitudas de fora llkamtica: "Pelo Ano-Bom fui para

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  • Mangaratiba. Quando tomei ao Rio de Janeiro, em maro, o escri-vo tinha morrido de apoplexia. ConQeio morava no Engenho Novo, mas nem a visitei , nem a encorptrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido''.

    O conto, voltado que ~t para o centro nevrlgico da situao dramtica, abstrai tudo quanto, na esfeia do tempo, encerra impor-tncia menor. Assim se explica que .O. seja estranha, ou escassa-mente compatvel, a ''durao'' bergsQfana, ou a complexa inter-seco de planos temporais, engendrada pela memria associativa, ou por outro expediente anlogo. De onde a "objetividade" do conto: desprezando os desvios e atalh0$inarrativos, concentra-se no mago da questo em fo~.

    Tal "objetividade", presente ainda em outros aspectos, mais adiante examinados, salta aos olhos com as trs unidades, de ao, tempo e lugar. Assinale-se que fazem lembrar o teatro, notadamen-te o clssico, numa relao que ser eircunstanciada num tpico especfico.

    s unidades referidas acrescente-se a de tom: os componentes da narrativa obedecem a uma estruturai;o harmoniosa, com o mes-mo e nico escopo, o de provocar no lfitor uma s impresso, seja de pavor, piedade, dio, simpatia, termiu"a, indiferena, etc., seja o seu contrrio. Corresponde "unidade de efeito ou de impresso", proposta por Poe na famosa resenha a Twice-Told Tales, de Natha-niel Hawthome, publicada em 1842, na Graham's Magazine. No obstante posta em dvida 'por vrios cmicos, empenhados em res-saltar-lhe a limitao, um.a vez que ne recobre todos os contos, 18 (a unidade de tom) continua indispensvel para a melhor com-preenso da estrutura do QOnto. que,_ como apontamos nas preli-minares ao estudo das fnnas em prosa, no se pode esperar que a teoria do conto englobe tQdos os espQimes no gnero. Raciocinar com as excees no inVJl]ida a teoria, salvo se o nmero delas prevalecer sobre o das Illl1J'3tivas que serviram para que a teoria se erguesse. Mas, nesse caso~ deixariam de ser excees ... Ainda que se trate de uma ohviedade lpgica, orticoah qoo Do atentam para ela.

    Compreendt:;-se com mais segura.1a e nitidez que no conto tudo h de eon~ ~ a impressca nica, quando nos L:!mbra-mos de. que ele . pera, a ao e Dit>.. com os caracteres .. Estes, entendidos QOlllo persona . redon.d4 no gnu mimo de com-

    18 V., por exemplo, Im Rcid, op. cit., p. 55. :

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  • plexidade (ver o tpico referente s p~~ens, no captulo desti-nado ao romance), situam-se fora da tiva curta, mbora seus protagonistas usuais no sljl confundam com meros bonecos de mola nas mos do ficcionistt. Terldo em a ~dade de impres-so, ou respeitando-a espol!l. taneamente,I medida q11e urde sua trama, o narrador dispe de tm eapao e k um tempo circunscritos para movimentar-se. Sua mitta no consiSte em criar seres vivos nossa imagem e semelhanl, complexoSI e qui mltiplos, como pretende o romance, mas atuaes de tonflito em que todos os leitores se espelhem. Somos todos eventwris personagens de conto, poucos de ns protagonizariam romances. O esforo inventivo do contista se dirige para a formulao de um drama em tomo de um sentimento, nico e forte, a ;ponto de gerar uma impresso equiva-lente no leitor.

    A unidade de tom se efideneia pela' 'tenso interna da trama narrativa'', 19 ou seja, pela funcionalidade de cada palavra no arran-jo textual, de modo que nenhuma se possa retirar sem comprometer a obra em sua totalidade, c"'1 acrescentar sem trazer-lhe desequil-brio estrutura. Toda excrec::ncia ou amplificao toma-se, assim, indesejvel. Entretanto, in:Jt>e-se distinguir: 1) a digresso que provm dum alargamento illamltivo ou do intuito de, fixando os olhos em ingredientes acessrios, distrair o leitor e adiar o clmax dramtico; e 2) a digressl resultante do empenho estilstico do narrador, ao dilatar o texto ,pelo acrscimo de not&es plsticas, descritivas, a fim de propiciar ao leitor a contemplao de um momento de beleza verbal, no raro vibrante de estesia potica. Por paradoxal que se afigure, e> primeiro tipo no se justifica, pois escancara uma porta dramtica que o narrador no pode invadir, sob pena de principiar uma :WStria paralEila e, com isso, dar origem a uma estrutura imprpria oo conto, ou nllesmo anmala, posto que obediente a algumas de suall matrizes bsicas. Somente o segundo tipo, por no derivar para situaes tangenciais, tem razo de ser no universo do conto.

    Um exemplo da primeim alternativa pode ser colhido no conto ''O Filho'', de Fialho de A11neida, histria duma pobre camponesa que vai estao de trem eiperar o filho que regressaria do Brasil. Logo aps introduzir-nos a ;rotagonista, o narrador se entretm por um instante na descrio deoutras pessOflS que tambm aguardam:

    19 Jlio Cortzar, ltimo Round, 2 ed., Mxico,. Siglo XXI Ed, 1970, p. 38.

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  • Na sala de spera da ~ classe, e.Dite bagagens e cobertores de l, dormem aDS montes, ra~ que vo tabalhar para o Alentejo, os vara-paus de castanho atravessarJos, os tamanc., ao lado, os ps descal~s. e mn cheiro a lobo que se evola ~ suas ~ montanhesas. Nostalgicamente, alguns tasquinham lllil po de milho horrwl, com sardinhas assadas entre as pedras.20

    E a descrio segue nesse diapaso por mais wn longo pargra-fo: a nica justificativa para a digresso reside no fato de aqueles figurantes servirem de pano de fundo, paisagem social, no qual se estabelece o drama da campnia. Mas trata-se dwn pano de fundo inoperante do ngulo dramtico, uma vez que no colabora para adensar o clima de tragrua que se avizinha. Ao contrrio, faz supor outros conflitos, que o narrador, obviamente, no pode revolver sem ameaar o equilbrio do conto. Na verdade, pennite admitir que, por momentos, o narrador se alheia do caso da velha, delinea-do com realismo, como pedia o declogo em moda no tempo, para se entregar, subjetivamente, pintura ilum quadro melanclico:

    E os mais novos, quinze atJOS, dezesseis, clezoito anos, todos alegres daquela primeira migrao s sementeiras de l ~o, esses no param examinando tudo pelos cantos, espantados, desl.llllllbmla:>s, fulvos e bonitos como bez.erri-nhos de mama; e ei-los estacam diante dlJs relgios, dos aparelhos do tel-grafo, a sala do restaurante cheia de flo:!JS, os chals de hospedagem, e os pequenos jardins dos empregados da esljao... Dois ou trs arranham nas bandurras fados chorosos,imeJ.odias locaia;dmna tristeza penetrante, em cujos balanos, gemidos, estriblflios, se aco~o murmrio dolente das azenhas, vozes da serra, risob!s da romagem, balip do pulvilhal que entra no ovil, todas as indefinidas virg~ dessa saspcla terra da Beira, ncleo de fora, e ainda agora a mais impeluta ara da famlia portuguesa. 21

    O excurso provoca quebra da te:qso narrativa, determinando um recomeo que pode aer prejudicial conforme seja a freqncia e volume das inseres: Q conto exterwo corre sempre o risco, mais do que o brev~ de alongar desnec~amente o mbito da ao. P~r outro la~o, q,ualquer'.conto malo~. q quando d~titudo ~ ~nsao: formu\a-la e sustentk-la, n1.1p1 at:f!W11ento seno1de, constitm o desafio enffentarl9 por tqdo contista. ~

    Ora, o narrador no esconde que conhece a situao aflitiva daqueles migrantes em ~usca de trabalho, suscetvel, por isso, de

    1 IC 1 ' 1 ' ,,

    20 e 21 Fialho de Almeida, O Pas das Uvas, Lisboa, Clssica, 1946, p.70.

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  • gerar outras narrativas, d.i:W'entcs da que nos .apresenta em ''O F~o' '. A digre6so ~ pll>de fimcioruJ ~mo autntica paisagem social quando dramaticamellte neutra o~ macessivel 1lo olhar do narrador, como no seguinte t>asso, do cottto "Jos Matias", de Ea de Queirs:

    O sujeito de culos de o~,,, . ~ cou . ? ... No ~meu amigo. Talvez um parente rico, que ll nos elitemirs, com o parentesco corretamente coberto de . , qJmdo o j o itnportuna, nem compromete. O homem obeslit de caro '~o, dentro da vitfuia, o Alves "Capo", que tem um jomli onde desgraMlamente a ftl.osofia no abunda, e que se chama a "Piada". Que relao o-rprendia ao Matias? ... No sei. Talvez se embebedassem llldl mesmas tuca4; talvez o Jos Matias ultima-mente colaborasse na "Piada"; talvez debaixo daquela gon:lura e daquela literatura, ambas to srdidal( se abrigue ~ alma compassiva. 22

    em que o desconhecimen~ do narrador:, ou o seu conhecimento relativo mas fechado, sela 1$1 definitivo o caso daqueles figurantes ocasionais, convocados, como ''extras'' cinematogrficos, para uma ''tomada'' em que a sua ~a se confun4isse com o prprio cenrio.

    A segunda alternativa pG>de ser ilusb!ada com o seguinte par-grafo, do conto "Os Olhos ckbeada Um", lile Branquinho da Fonseca:

    Ao sair desembrulhou a iarta e comeod a ler enquanto caminhava pelo corredor abaixo. E parou. E 'iroltou para tr Foi para o quarto de dormir, fechou a porta chave, e cori:leou, serenamente, a ler tudb desde o princpio. Pela janela entrava uma noite muito calma, tom estrelas e luar. Ouviam-se as rs a coaxar e a gua a cafr no tanque do jardim. Pedro, imvel, sentado diante daqueles papis amarelbs, com o olhat parado, lia:23

    l

    onde o trecho desde "Pelaf.anela" at "jardim" constitui pausa para contemplar paisagem, dispensvel :Como sugesto de atmos-fera, adiamento do desenlac , e admissv~l porque neutro do ponto de vista dramtico (mera deicrio potica de ambiente).

    O conto monta-se, portaito, volta ~ uma s idia ou imagem da vida, desprezando os ac~rios e, via ,de regra, considerando as personagens apenas como hstrutnentos , da ao. Uma narrativa bem resolvida obedece est>

  • mental: quando no, resulta em maJc>gro enquanto conto, embora contenha imanente um romance. Serve de modelo, mais uma vez, Machado de Assis corn o seu "Missa do Galo": terminada a narrativa, fica-nos a impresso (que varia em grau conforme o leitor) de que a todos n.Ss acontece, ~lo menos uma vez na vida, um dilogo de subentendidos, onde ~ jogou uma partida decisiva em nossos destinos, e de que s to~os conscincia anos depois. Todas as demais impre$Ses pQSsvc;is ausentam-se em favor da-quela que o contista esc~lheu para trlt1lsmitir: e sabemos, depois de lido o conto, que a escolha foi a me]lt.or, graas impresso expe-rimentada.

    Em sa.tese: o ncleo do conto representado por uma situa-o dramaticamente CaJJega~; tudq o mais volta funciona co-mo satlite, elemento de contraste, ~m fora dramtica. Por ou-tras pala~, conto se organiza precisamente como uma clula, com o ncleo e o tecido ao redor; o ncleo possui densidade dramtica, enquanto a massa circundante existe em funo dele, para que sua energia se,expan.da e Slila tarefa se cumpra. O xito ou o insucesso do conto se evidenciai. na articulao ou desarticu-lao entre o ncleo draJiltico e o s,u envoltrio no-dramtico. Um e outro podem fon:nar-se dos viesmos materiais narrativos (personagens, ajo, esp:t.o, tempo, Qtc.), mas os componentes do ncleo ostentam sentido dramtico, :,ou seja, . empenham-se num conflito, ao passo que os ingredieJP:es perifricos no exibem conotaes dramticas.

    Assim sendo, o que importa nU1'\ conto aquela(s) persona-gem(ns) em conflito, nio a(s) dependente(s); o espao onde o drama se desenrola, no os lugares por; onde transita a personagem, e assim por diante. Emqora os exemplos analisados mais adiante procurem dar conta desS4 faceta da teoria do conto, vejamos desde j um caso ilustrativo. Em "O Bitlo", de Laos de Famz1ia (1960), Clarice Lispector imagina a _rrotagonista em visita ao zoo-lgico. Durante o irajeto1 a sucesso lie bichos interrompida por lampejos de monlogo ititerior, que tinge o pice no "momento privilegiado", ou "acon~imento sigpificativo"24, diante do bfa-lo: o eixo central do conto se situa no "dilogo" silencioso entre a personagem e o animal. As observaes anteriores e posteriores estruturam-se como ~o vazio de mtenor, en o olhar hfmano em desespero e o da fera em su bruta imobi dade. .

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  • Pe14,ronagens .

    Em decorrncia das carafterst!i.cas a tadas, poucas so as ' ' $ 1 personagens que intervm no1'!conttb: as dades de ao, tempo, lugar e tom implicam a exisltncia de umaj reduzida populao no palco ~s a~ontecimentos. U ... ~ do= ~to 1?odemo, preocu~ pado nao so com em>ptesW tovidades cas a velha estrutura narrativa, mas tambm com~ fundam tos tericos, j o dizia com estas palavras categricils: ''Do ~o retratar vrias personagens. O centro de gdividade deve repousar em duas pes-soas: ele e ela ... " 25 Em "Missa do Galo'', contracenam duas per-sonagens, e as restantes (D. ~Incia e Mdneses, o marido de D. Conceio), alm de referid*i de passap., no participam do dilogo que nucleia o contli: :funcionam~ como pano 'de fundo, paisagem humana ou social. 't'Extts" qu6 so, podem somar-se vontade, visto sua condio pibletarminar o mbito estreito em que se movimentam. ,,

    De onde no ser possvel o COHto em tomo de mna nica personagem; ainda que um.ai>s vulte oomo protagonista, outra participar, direta ou indiretallente, na forinulao do conflito que sustenta a histria. Nesse aspeto, ''Um Ladro'', de Insnia (1947), de Graciliano Ramos, constitli namrt:iva ~plar. um gatuno pe-netra numa casa em plena calada da noite~ para c111I1prir seu mal-volo desgnio. Inexperiente, alterroriza-se e tarda a chegar ao quarto de dormir, onde se encontram as jias que pretende surrupiar. Aps longa indeciso, acompanhada duin dilogo mental com a moa dos olhos verdes, atinge o p6nto desejad. Mas estaca, perplexo, ante a bela jovem que ressona placidamente. Que fazer? Tomar as jias'? Ceder ao impulso 3*roso? Afinl, disp0&-se a beij-la. "Uma loucura, a maior das~loucuras: baixou-ee e espremeu um beijo na boca da moa.'' Da4'> o alanne, preso.

    Excetuando a namorada tue ficou na lembrana, e com quem fala mentalmente, o protagon&ta age sozinho at o desenlace. Aqui, emprega-se um expediente 11.arrativo tpico do conto, ao menos numa de suas vertentes - o ~logo enigmtico -, que ser objeto

    24 Sean O"Faolain, The Short StorJn ed., ()ldGrec:mVich. Caonecticut, lbe Devin-Adalr Co., 1970, p. 186.

    25 Anton TciK:cov, carta a A1exandJIJr P. Tdlecov, de abcil de 1883, tamsctita pen:ialmcnte por Eugene Cwrent-Garca e Walton t. Patrick, em ~ is me !Jhort story?, Glenview, illinois, Scott, Foresman and Co., s.d., p. 21.

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  • \

    de anlise em tpico prprio. Note-se que Graciliano Ramos con-centra nele o auge do enredo, e nel6Se momento que intervm a herona: a equao dramtica se monit e se completa no minuto em que, irrefletidameme, o larpio rouba o beijo. Dois protagonistas, em suma. ,

    Mesmo nos casos em que o auter utiliza o foco narrativo de primeira pessoa, ou de terceira pessoa aparente (ver, mais adiante, o comentrio referente ao "ponto le vista"), est presente um interlocutor, quando pouco oculto ou subjacente. Do contrrio, no haveria conflito, que pressupe uma tenso dialtica entre opostos. Alguns dos cantos de Clarice Lispector ilustram perfeio essa contingncia, ao surpreender a persc9lagem nos instantes em que, mergulliando na introspeco, trava 1lliIIl dilogo com um "outro'', seu oponente ou interlocutor.

    Ainda em conseqacia das unidades que governam a estrutu-ra do conto, as personagens so esbticas ou planas, segundo a conhecida classificao proposta poniE. M. Forster (Aspects of the Novel, 1927), disc:riminada mais adiante, no captulo do romance. O autor, focalizando-as no lance maia dramtico de sua existncia, imobiliza-as ~ tempo, :no espao e !li.os traos de personalidade. Em vez de crescerem IlP decurso da narrativa, como as persona-gens de romance, oferecem uma factta de seu carter, no geral a mais relevante, como que luz do :microscpio: o conto lembra uma tela em que se representasse co apogeu de uma situao dramtica.26 O convvio com ais petsonagens dum conto dura o tempo da narrativa: ternrinada esta, e contato se desfaz, visto que a "vida" dos protagonistas est encsrrada no episdio que cons-titua a matriz do conto .. O intercmbjo rompe-se no desfecho pelo fato de a existncia das personagens io apresentar mais espao imaginao do autor e .do leitor: e~ o eplogo, suspende-se o trnsito da fantasia, ou da contemplSfo do instante dramtico que o conto focaliza.

    De onde o leitor, ahbn de ~ na memria uma impresso que pouco a po11CO se dilui, esquecer'8 mais das vezes o nome dos heris. "Uns Jilm9os" pode ser ohrt-prima em matria de conto, mas quem se recarda dt:>s protagonijitas e respectivos apelativos? Ao contrrio da autor ide romance: o autor de contos, decerto

    ~ it!

    26 H. E. Bates, op. cit., J de 1945,' p. 19. 'tv., no captulo dedicado ao romance, o tpico relativo s personagens. rt

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  • cnscio da relativa im:portnalla dos-'no das personagens, chega mesmo a silenci-los. o ctfo, por ex lo, de "Um Ladro", cujo protagonista annimo,~ como figuras: que lljte povoam a memria, salvo "o amigo q~ o iniciara' , nms re~rid por meio de um cognome, Gacho, eqUJivaletite a ter nome.

    ~. ~

    lli;trut1tra 1. 1

    A estrutura do conto ~em linjhas . 'elas oom as unidades e o nmel:\. o de pei:sona. gens. f!sserlc .. te "objetivo?, "plsti-co'', ''horizont:al' ', o canto ~ ser do na terceira pessoa. Constituindo-lhe a realidade loncreta e . a o terreno de eleio, no se afina com a introspec. o ou o '~uxo da COD1Scincia' ', apangio do romance intimiset. E cliva~ e digresses so dis-pensveis; seria compram.e~ a es~ ..= bmweAristlf>.ria que , no conto todas as palavras~ deiser cientes e necessrias, e convergir para o mesmo alvo.~sim se . lit:e: tambm que o dado imaginativo se subponha, geiierica:mente, l ao 'dado observado. A imaginao evita perder..,se nol.vcoo, ~ plasticamente realidade histrica. De ondes o realismo,i a verossimilliana em relao vida: o conto no acnite malabatlsmos que coloquem em risco sua fisionomia peculiar:

    A tcnica de estmtmaotdo conto asitemelha-se tcnica fo-togrfica: o fotgrafo con~ sua a~ mun ponto e no na totalidade dos pontos que prdende abt-anp no villar; focaliza um detalhe, o principal, no seu ClllLtende:r, e .captae;Jhe os arredores, de modo no s a fixar o que vttnas tambm.o que no v. No raro, um flagrante surpreende pelai pom:ienores revelados, e que esca-pam aos propsitos do fcrt~o; q:umtas vezes, mincias indiscre-tas ou indesejadas se imisclUJll na fotografia, prejudicando-a em definitivo, ou, ao revs, dando-lhe um sabor especial'! Quem j no experimentou tal surpresa anta veJhias fotografias?

    Uma imagem bem consettrida ,seria arfuela em que os porme-nores involuntrios se harmonizam com o imago da cena, dando a impresso de uma paisagemique a olho wu 'no perceberamos, dispersos pelas mincias que~nos atraem ou desatentos s vrias que a retentiva do fotgrafo detecta. Da a similitude com o conto: este, organiza-se em tomo de um ncleo rodeado de satlites. O xito esttico , residir na ~ncia inteqia desse microssistema solar; e o malogro, na sua inadequao.

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  • Quem no se lembrar, ao deparar. a analogia entre o contista e o fotgrafo, de "Las Babas del D~blo", de Julio Cortzar, transposto para o cinema com o ttulo de Blow-up? Uma fotografia o ncleo do conto: ao ser ampliadat revela um cadver semi-oculto por trs de uma sebe. Mistrict. Assassnio? A narrativa constitui a metfora do conto como estrutura e como flagrante da realidade.

    Nesse quadrante se move inclusive q conto moderno situado na categoria do ''realismo mgico''. A pr,,sena do fantstico ou do maravilhoso ingrediente de contedo que respeita as normas do conto. A observncia das normas no significa diminuio da liber-dade criadora, mas a conscincia de que as possveis alteraes tcnicas de carter experimental no perdem de vista o espao em que se processam. Do contrjrio, o result.io seria tudo menos conto.

    Assim , por exemplo, "Sonho", 4e Histrias da Terra Tr-mula (1977), de Moacir Scliar. O protagonista, Martim, "tem o seguinte sonho:

    V-se entrando num quarto de doQDir. Inclina-se sobre a pe-quena cama e olha, na semi-obscuridadf. a criana que l est.

    A criana o prprio Martim, ao~ dez anos''. A criana ri, ''uma risada galhofeira. Um riso de deJ>oche''. Martim pensa em esbofete-la. Mas "fica a olhar o rosto 'fl8.lmo da criana. ( ... )

    Acorda. A ~r o sacode, 91handp-o com suspeita. - Estava donniru:lo; Mtufun? - Claro! - Ele, aborrecido, sonol~. - Mas estavas rindo! - diz a mulhc!r. - Quem? Eu? - Martim no acredi$a. - Tu, Martim. Tu mesmo. - De que seria? - interroga-se Mru\tim. o triste Martim.'' Duas fotos superpostas.- "Num t:nai-o-dia de fim de primavera

    /Tive um sonho com nmajfotografia'', Piria Albetto Caeiro -, ou uma foto em.dois planos: a da "realidacie" presente e o do sonho, remetido inf'ancia. Tudo ~vessado ptr wna brisa de magia, que no modifica. porm, a esttutura do ~

    1 e. 1 - i Linguagem

    A linguagem em que 1 o conto vazado deve ser objetiva, plstica e utilizai metfo~ de curto EtPectro, de imediata com-preenso para o leitor; deSpe-se de ab~es e da preocupao

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  • pelo rendilhado ou pelos ~oteriSmos. ~ada deve. escapar ao leitor desse gnero de fico, sdhpre desejos de apreender prontamen-te os fatos, e passar para ~utra narrati a no gnero .. O conto no oferece espao para alapes subterrn~os, ou pssagens hermti-cas. Salvo a stira e o huntor, ao conto! desagrada tudo que possa parecer solene ou abstrus
  • mente dividida em sujeito e objeto. COD1preende-se, assim, por que a arte literria se organiza em tomo do dilogo, mesmo nos casos em que, como no conto, o ingrediente nerrativo marca distintiva.

    O dilogo constitui, portanto, a baseexpressiva do conto. Quan-do no, a narrativa malogra ou to~se exceo. Os contistas estreantes fogem de construir dilogos, precisamente porque lhes sentem a dificuldade. Por outro lado, certos contistas, como Ma-chado de Assis em "A Teoria do Medalho" e "A Desejada das Gentes", chegam ao requiilte de escreVel" contos inteiramente dia-logados, como se compus~ peas de teatro em wn ato.

    Quatro tipos de dilogo podem ser considerados:

    l. dilogo direto (ou discurso direto), quando o contista pe as personagens a falar ~tamente, e ~presenta a fala com wn travesso ou aspas (no coqto moderno,, em geral dispensam-se os sinais grficos):

    - D. Conceio, creio que vo sendo horas. e eu. .. - No, no, ainda Cfdo. Vi agora o relgio: so onze e meia. Tem tempo. Voc, perdendo a noite capaz de no dormir de dia? - J tenho feito isso. - Eu, no; peidendo uma noite, no outro dia estou que no posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo SOllCI). Mas tambm estou ficando velha. - Que velha o qu, D. Cone.i~o?29

    2. dilogo indireto (ou discurso inldireto), quando o contista resume a fala das perso~gens em fo~ narrativa, isto , sem destac-la de modo algwn:

    ' . No entendi a negativa: ela pode ser que tambm no a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre as joelhos, isto , o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma histria de .sonhos, e afirmou-me que .s tivera :um pesadelo, am criana. Quis .saber .se eu os tinha. A conversa reatou-se assim, lentamente, longamente sem que eu desse pela hora ~ pela missa. ~ eu acab~va mna narrao ou mna expli-~o, ela inventava outra petgunta ou outrapiatria, e eu pegava novamente na palavra. De qMando em qjuzndo reprim.ia'-lne. 30

    29 Machado 1 de Assis, "~ do Galo", in :i:onto.s, So Paulo, Cultrix, 1961, pp. 233-234. i i ,,

    30 Idem, ibidem, p. 235.

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  • 3. dilogo indireto livR (ou discu.'fo indireto liwe), consiste na fuso entre a terceira e ll primeira pcrssoa narrativ, entre autor e. personagem, ''numa espc. .. . ie de~ ln1>ri. d0' ', de modo que "a fala de determinada personag ou fragihenros dela inse-rem-se discretamente no ~curso atrav~ do 1 qual o autor relata os fatos" 31 : : ' :

    . ! :

    Novamente se enterneceu ct1m o desejo ~rei~ lp1J]her a alegria de que ela falava, tomando~ feliz, Se ele ela logo ~ria! No seria s um filho; seria tudo. qutffto ela quisessij. _Uma gra