A Dama dos Evangelhos / La Dama de los Evangelios - Por Elisa Lucas

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Texto Dramatúrgico em versao bilingueTexto Dramatúrgico en versión bilíngue

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  • Elisa Lucas

    A Dama dos Evangelhos

    La Dama de losEvangelios

    wwlivros, 2014

  • A SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA APRESENTA

    LA SECRETARIA DE ESTADO DE LA CULTURA PRESENTA

    A Dama dos Evangelhos / La Dama de los EvangeliosElisa Lucas

    Financiamento/ Financiacin:

    Este projeto est sendo realizado com recursos do Fundo de Apoio Cultura (Pr-cultura RS FAC), Lei n 13.490/10, atravs do Edital

    SEDAC n 41/2012 Pr-cultura RS FAC das Artes.

    Este proyecto se realiza con recursos del Fundo de Apoio Cultura (Pro-cultura RS FAC), Ley n 13.490/10 a travs del Edital

    SEDAC n 41/2012 Pr-cultura RS FAC das Artes.

    Este texto recebeu a Ajuda a Processos de Criao Dramatrgica e

    Coreogrfica em Residncia 2010/2011 de Iberescena.

    Este texto recibi la Ayuda a Procesos de Creacin Dramatrgica y Coreogrfica en Residencia 2010/2011 de Iberescena.

    Confecco/Confeccin:wwlivros - www.wwlivros.com.br

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    Sinopse

    A trajetria de Maria Madalena contada de forma potica. A sagra-da e profana. Uma mulher incompreendida que experi-mentou o invisvel, o saber, o proibido e desejava compar-tilhar sua iluminao... Mas era mulher.

    Calejada e endemoniada, encontrou no Salvador seu reflexo. Madalena estava en-tre as primeiras a reconhecer um dom deslocado em tem-po e espao: O amor. Era preciso doar-se. Dar-se.

    Iluminados e Condena-dos: Madalena e Nazareno. Ele, morte. Ela, a ser mu-lher. Junto dele, ela percorreu o caminho da cruz, permane-

    La trayectoria de Mara Magdalena contada de forma potica. Trayectoria sagrada y profana. Una mujer incomprendida que se aden-tr en lo invisible, lo prohibi-do, y que deseaba compartir su revelacinpero era mu-jer.

    Escarmentada y endemo-niada, encontr su propio reflejo en el Salvador. Mag-dalena fue una de las prime-ras personas en reconocer un don que era de otro tiempo y de otro espacio: el amor. Era preciso entregarse.

    Iluminados y Condena-dos: Magdalena y el Naza-reno. l, a la muerte. Ella, a ser mujer. Junto a l, ella re-

    Sinopsis

  • 5cendo at o fim. Uma pros-tituta tornada santa. Uma das maiores representaes femininas, com caractersti-cas ambguas que ainda per-meiam a compreenso da mulher: servil, pecadora, ca-lada, obediente, quando ela era humana e justa.

    Elisa Lucas estudou as re-presentaes de Maria Mada-lena para criar A Dama dos Evangelhos, no Centro de Documentacin de las Artes Escnicas de Andaluca (Se-vilha-Espanha), a partir da investigao de processos de criao dramatrgica e perso-nagens femininos.

    Um olhar quase antropo-lgico do que tenha sido essa mulher: A primeira testemu-nha da ressurreio de Jesus Cristo. O espetculo estreou em Porto Alegre, Brasil em 02 de maio de 2014.

    corri el camino de la cruz, permaneciendo fiel hasta el final...

    Una prostituta que se con-vierte en santa. Una de las ms grandes representacio-nes femeninas. Sus rasgos caractersticos son ambiguos y se entremezclan: es servil, pecadora, callada, obediente, humana y, sobre, todo justa.

    Para conseguir La Dama de los Evangelios, Elisa Lu-cas estudi las representacio-nes populares y tradicionales de Mara Magdalena, y en el Centro de Documentacin de las Artes Escnicas de Andaluca (Sevilla-Espaa) parti de la investigacin en procesos de creacin drama-trgica para crear a su perso-naje femenino. Este trabajo es una mirada casi antropo-lgica de lo que fue en reali-dad aquella mujer: el primer testigo de la resurreccin de Jesucristo. La obra se estren en Porto Alegre, Brasil, el 2 de mayo de 2014.

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    Processode criao

  • 7Em 2006 cheguei a Sevilha com um esboo de projeto: La Pasin de Magdalena. Era a continuao da pes-quisa sobre personagens femininas iniciada em Confesso que Capitu. A cidade, com suas igrejas e virgens de gesso, era inspiradora.

    Em 2011 recebi a Ajuda de Iberescena, que me permi-tiu voltar a Sevilha para realizar uma residncia no Centro

    de Documentacin de las Artes Escnicas de Andaluca e estudar as diversas representaes de Maria Madalena. O resultado foi A Dama dos Evangelhos, texto selecionado para integrar a Antologa de Dramaturgia Iberoamericana de Iberescena (2012). Como atriz/dramaturga, me instiga-va trabalhar uma personagem que em momentos era pro-fana, e em outros, sagrada.

    Com o texto pronto, o Paulo me lanou um desafio:

    Contar a histria usando a tcnica do Teatro de Objetos. Aceitei. Ele tinha a concepo. A Deborah se encarregaria da atuao, pontuando, cortando os excessos, trabalhando a fluncia... O Plnio e a Vivi assumiriam a bronca da

    produo da montagem. Reunimos uma equipe talentosa e competente (Leandro, Jorge, Priscilla, Kronnus, Fabr-zio, Vicente, Simone, Raphaela), e, graas aos Deuses do

    Teatro, aprovamos um projeto de financiamento que per-mitiu a criao do espetculo e a produo desse e-book com o texto em verso bilnge, atravs do apoio da ww Livros. Durante esse processo, o texto original sofreu mu-danas e cortes.

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    Querendo contar a histria dessa mulher controversa, me lancei em um abismo: trabalhar com uma linguagem que eu no dominava. Um desafio. Uma oportunidade de

    aprender com criadores excepcionais como Paulo e De-borah e de me aprimorar como ser humano. Percorri mer-cadillos, feirinhas, antiqurios. Fiz algumas aulas de dana do ventre e at me apaixonei por mgica. Atravs dessa personagem encontrei um caminho para contestar muitas coisas: minha fome de conhecimento, minha ansiedade, a solido, as crenas, os medos, os sonhos...

    Por que ainda insistir em fazer teatro? Por que ainda investir tempo, dinheiro, vida, juventude, nesse empreen-dimento artesanal? Por que ainda querer pesquisar teatro?

    - Porque no consigo no fazer. H quem diga que o teatro nosso vcio, nossa doena,

    e tambm nossa cura.A Dama dos Evangelhos me obriga a respirar, a apren-

    der, a me impor, a aceitar e a me aceitar. A Dama dos Evangelhos traz tona meus demnios e a necessidade de anjos, a minha dualidade.

  • 9Cuando llegu a Sevilla en 2006 llevaba conmigo un borrador del proyecto La Pasin de Magdalena, con el que continuaba una investigacin sobre personajes femeninos iniciada a raz de la obra Confieso que Capi-tu. La ciudad, con sus iglesias y mltiples imgenes de vrgenes, me cautiv.

    En el 2011 recib la Ayuda de Iberescena, que me permi-ti volver a Sevilla para realizar una estancia en el Centro de Documentacin de las Artes Escnicas de Andaluca y estudiar las diversas representaciones de Mara Magdale-na. El resultado fue La Dama de los Evangelios, texto seleccionado para integrar la Antologa de Dramaturgia Iberoamericana de Iberescena (2012). Como actriz y dra-maturga a un tiempo, me interesaba mucho trabajar con un personaje que era unas veces profano y otras, sagrado.

    Una vez estuvo terminado el texto, me lanz Paulo el reto de contar la historia utilizando la tcnica del Teatro de Objetos, y yo acept. l tena ya su propio concepto escnico, Deborah se encargara de la interpretacin, mati-zando, depurando excesos, mejorando la fluidez. Plinio

    y Vivi asumiran el embolado del montaje. Reunimos un

    equipo inteligente y eficaz (Leandro, Jorge, Priscilla, Kron-nus, Fabrizio, Vicente, Simone, Raphaela) y, gracias a los

    dioses del teatro conseguimos que nos subvencionaran un proyecto, lo que nos permiti crear el espectculo y pro-ducir este e-book con el texto, en versin bilinge, con el apoyo de la empresa WW Livros. Durante ese proceso, el texto original sufri cambios y cortes.

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    Con el deseo de contar la historia de esta mujer tan con-trovertida, me lanc al abismo de trabajar con un lenguaje que yo no dominaba, lo que constitua sin duda un desafo, pero representaba a la vez una oportunidad de aprender de creadores excepcionales como Paulo y Deborah, y de perfeccionarme a m misma como ser humano. Recorr mercadillos, ferias y anticuarios, tom clases de danza del vientre, e incluso aprend y me enamor de la magia. Ese personaje ha sido la puerta para que yo pueda satisfacer, por ejemplo, mi hambre de conocimiento, mi propia an-siedad, mi actitud ante creencias, miedos y sueos.

    Pero. por qu seguir haciendo teatro? Por qu malgastar tiempo, dinero, vida y juventud en tal empeo artesanal? Por qu insistir en investigar cuestiones tea-trales?...... Pues porque no consigo dejar de hacerlo. Tal vez sea el teatro un vicio, o una enfermedad, aunque es tambin la propia cura y el remedio.

    La Dama de los Evangelios es lo que me permite res-pirar, aprender, imponer, aceptar y aceptarme. Es preci-samente La Dama de los Evangelios la que despliega mis demonios y mi necesidad de ngeles, mi propia dualidad.

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    A Dama dosEvangelhosElisa Lucas - Verso em Lngua Portuguesa

    Em verdade vos digo que, em todas as partes do mundo onde este evan-gelho for pregado, tambm o que ela fez ser contado para sua memria (Marcos 14,9).

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    Nota da autora: Esta obra trata-se de uma criao dra-matrgica de fico puramente artstica e criativa sem nenhum carter religioso. A proposta que o texto seja interpretado por uma atriz que se reveza entre todos os personagens citados, modulando aes, entonaes vo-cais, focos corporais e buscando diferenciar principalmen-te as figuras de Madalena e Narradora.

    NARRADORA: Em cada objeto construdo, alm da sua funo, existe uma histria a ser desvendada. Confor-me o tempo de cada um. Nessa histria, fatalmente, nos encontraremos com a dualidade das coisas. Assim nossa personagem. Vista sob vrios olhares.

    Demonaca e Santificada em um nico corpo.

    MADALENA: No comeo eu tive fome. Dizem que primeiro o senhor fez o cu e a terra. Eu no acredito, nunca acreditei. Pensava que se o senhor tivesse criado realmente a vida, teria comeado pela fome. Porque quan-do algum tem fome de alguma coisa que se sente vivo de verdade. Eu tinha fome de tudo. Nada me satisfazia. Usufrua do meu corpo at a exausto: o sexo do homem, o seio de uma mulher, a madeira de um mvel, o pelo de um animal...

    NARRADORA: Na Torre de Magdala, quando a pos-suda se transforma em meretriz e troca prazeres por co-nhecimento, todas as almas se encontram e os corpos

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    cintilam. A Lei Suprema o xtase que derrete corpos em

    suor, perfume e cheiro de esperma. Arcanjos se debruam com o sorriso dos olhares maliciosos. E as virgens se en-tregam em sacrifcio do prprio prazer.

    MADALENA: Mas, de repente, todos os corpos foram embora?

    * * * PAUSA* * *

    NARRADORA: que Maria tinha um problema de vi-so, via sempre alm da conta. Enxergava coisas que nin-gum mais via. A primeira coisa estranha que ela viu foi o demnio, quando tinha sete anos. E a segunda foi um anjo. O demnio expulsou o anjo que se desmaterializou na poeira do quarto e invadiu o corpo da menina, se re-torcendo dentro dela, ferindo suas vsceras e fazendo com que de seus dentes rangidos, soassem lindas canes. Isso era o que Maria via, mas seus pais viam a pequena Madalena sozinha, fervendo e convulsionando sem parar. Assustados, esconderam a menina na torre. Chamaram sa-cerdotes, curandeiros, feiticeiros, mas ningum sabia o que era aquilo. A nica soluo foi mant-la isolada. Assim,

    Maria cresceu sozinha naquela torre, no centro de Magda-la, em frente ao lago. O pai...

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    PAI: Todo o dia, subia Torre de Magdala e lia trechos do livro sagrado para a menina, a Torah, na esperana de que o tal anjo de suas histrias voltasse e a salvasse daquelas possesses.

    NARRADORA: Mas o anjo no vinha. Maria j sabia toda a Torah de cor e nada de o anjo aparecer.

    * * * PAUSA* * *

    MADALENA (Est possuda): Abro meu corpo, Para morder; Ingerir; Digerir; Impregnar-me de tudo quanto possa.

    Esfriar meu sangue para que minhas veias no me quei-mem mais. Quisera conter meus gestos, as palavras da mi-nha boca para no mais dar; e sim, reter aquilo que sempre me escapa e me abandona.

    FARISEU: As pecadoras devem ser mortas a pedradas porque com seus perfumes e vestidos leves arrancam os bons homens dos seus deveres.

    MADALENA: o que dizem os Fariseus. Eles sabem que no prazer que os homens se perdem.

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    O prazer ter Deus na pele. Cada corpo tem sua misso a cumprir. Acho que a minha foi sentir fome. E eu a sinto desde que vi a dana de Salom...

    * * * PAUSA* * *

    NARRADORA: A nica a quem Madalena confiava

    suas vises e que entrava na Torre alm dos seus pais era a amiga Salom. Mas Salom no entendia a amiga. S queria brincar de ser mulher, com encantos, jias e beleza. Madalena queria brincar de ser normal, de ser livre daquilo tudo que sentia por dentro. Madalena perguntava a Salom como era o mundo alm daquelas paredes. Salom no sabia muito, ento inventava. Falava da cidade de Magdala com seu porto, dos mercadores de tapete, do caminho da seda... E dos pescadores, com suas redes, que pareciam longos vestidos danando sob as ondas. Foi assim que Sa-lom aprendeu a danar.

    MADALENA: Quando eu vi o corpo de Salom cin-gindo pelo espao, compreendi que na dana anjos e de-mnios se tornam amantes. A sensao que eu tinha que quando ela danava, toda a liberdade do mundo estava em seus ps.

    NARRADORA: Maria se acostumou com aquelas vi-ses da infncia. Tudo o que via era como se fosse uma moeda: tinha sempre dois lados.

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    Cedo aprendeu que deveria simplesmente se calar. Assim, poderia sair de seu crcere quando no estivesse possuda.

    NARRADORA: Foi com o pai que Madalena aprendeu a preparar leos e perfumes. Mas foi da me que herdou as tradies mirrforas. Ofcio reservado s mulheres que consistia em ungir os corpos com especiarias... fu-ne-rais para prepar-los para a mora-da dos mortos. Aqueles perfumes eram sagrados. E se cui-dava mais o corpo de um morto que o corpo de um vivo. O corpo do defunto precisava ser preparado para passar para o outro lado, pleno, livre. Aos 14 anos, Madalena usou esse conhecimento para ungir o corpo da prpria me.

    NARRADORA: No dia do sepultamento da me, Ma-dalena viu a cidade de Magdala pela primeira vez. Na volta pra casa, Madalena se perdeu e caminhou pelas ruas se-guindo o cheiro de um perfume desconhecido at atraves-sar uma porta de bronze. Caminhou por um corredor es-curo, chegando a uma alcova, onde corpos danavam em frenesi banhados em suor, perfume e cheiro de esperma.A volpia de anjos e demnios possuindo corpos a fez sentir-se dentro dos templos contados por Salom. Mada-lena se sentiu inebriada e com uma louca vontade de dan-ar. Deixou-se levar por aquele sopro. Em giros infinitos

    suas vestes comearam a cair. E como se voasse naquele espao sagrado, seu corpo explodiu num orgasmo.

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    (Atriz dana, enlouquece, caem pedaos de suas vestes ou suas vestes inteiras).

    MADALENA: No vi mais nada. Quando acordei, sen-ti meu corpo nu arrastado pelo corredor. Meu pai puxava meus cabelos, enquanto eu via o mundo da perspectiva de um verme. Mas no foi aquela a imagem que guardei na memria. A imagem que me ficou na alma

    foi a daquele templo, onde senti a dana e o gozo pela primeira vez. O que eu no sabia que aquele templo no era sagrado, e sim, consagrado pelas prostitutas da cidade de Magdala.

    NARRADORA: Ao voltar para a casa, o pai trancou novamente a filha na torre. E prometeu que enquanto ele

    vivesse, ela no sairia mais de l. Madalena urrava de dor. Uma noite, o pai subiu torre disposto a vencer o dem-nio que a possua. Leu antigas escrituras. Ela sentiu o cor-po se retorcer e nascer dentro de si a volpia que a fazia girar. Viu suas vestes caindo. S lembrava-se de danar.

    MADALENA: Quando acordei, a janela da torre estava quebrada e l embaixo estava meu pai. (Tem uma viso) Ele lanou-se pela janela da torre depois que me deflorou.

    NARRADORA: A morte do pai no dissipou sua nsia. Buscando a paz, Madalena mutilava o prprio corpo, mas estranhamente encontrava o prazer.

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    Outras vezes, o prazer se escondia nos papiros.

    MADALENA: As letras sopram uma informao cria-dora capaz de dar mais prazer que o beijo de um homem. Um prazer durvel. Eu sonho com um livro de carne e sangue que fecunde meu esprito.

    * * * PAUSA* * *

    NARRADORA: Ela foi buscar esses prazeres. Mas como s mulheres no era permitido o conhecimento da leitura, Madalena passou a seduzir os homens sbios em troca de conhecimento. A Possuda era agora uma mere-triz. E entregava seu corpo a qualquer homem que sou-besse ler. Sbios, falastres, poetas, anes, homens bem trajados. Muitos quiseram casar com ela. E ela, rechaava os pretendentes com certo gosto. Sentia-se uma espcie de dominadora naquele mundo de passos masculinos.

    MADALENA: Certa vez, eu estava em um casamento quando fiquei sabendo que o vinho tinha acabado. Me deu

    uma pena... Fui at a cozinha e deixei seis adagas que at ento continham gua, repletas de vinho e as entreguei a um convidado de cabelos compridos. Achei melhor ir em-bora, no era conveniente, alm da fama de possuda, ser vista como uma feiticeira.

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    NARRADORA: Todos da festa disseram ser aquele o primeiro milagre do homem!

    MADALENA: Do homem? (Mudana de luz.) Acredito nas histrias dos mitos, que contam que no co-meo de tudo, Deus era uma linda mulher, a grande me de onde nasciam mil e uma vidas.

    NARRADORA: Joo Batista, dizia que batizava com gua, porque o que viria depois dele batizaria com fogo. Madalena perguntou Salom se aquele homem estaria anunciando um bruxo ou um curandeiro. A amiga, entre palavras danadas, contou-lhe quem era o anunciado.

    SALOM: Talvez seja um mgico. Faz truques, trans-forma gua em vinho.

    MADALENA: Isso, eu tambm fao!

    SALOM: Hum... Quero v! Ainda por cima bebe!

    Questiona e desafia a todos. Dizem que um impostor!

    Joo Batista garante que ele o Messias que essa gente tanto espera. Quanto ao Batista, um animal selvagem! No canta, grita. No sabe danar, que horror! Deve chei-rar a carnia. A sua fora animal me intriga e me atrai.

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    ARAUTO: Senhores, anuncio-lhes a chegada do profe-ta do deserto!

    NARRADORA: Naquela tarde, Joo Batista saciava a sede espiritual do povo. Foi quando Salom ps o p no Jordo.

    SALOM: Ah...

    NARRADORA: E hipnotizada pelas suas palavras, ca-minhou rio adentro. O selvagem homem olhou profunda-mente nos seus olhos e lhe disse...

    JOO BATISTA: Mulher, voc jamais poder ser bati-zada com gua, somente pelo fogo!

    NARRADORA: Por um momento, Salom amou a de-voo daquele homem e teve medo daquele amor. Viu que

    nada existia para ele alm do seu Deus. Saiu correndo, vo-ciferando contra o profeta.

    SALOM: Profeta dos animais!

    NARRADORA: Madalena consolava sua amiga. De-pois se perguntava...

    MADALENA: O que aconteceria Salom se ela se deixasse batizar pelo fogo?

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    NARRADORA: Salom agora queria vingana. No aniversrio de Herodes, danou, danou... E como recom-pensa, pediu...

    SALOM: A cabea do Profeta Joo Batista! (Tempo) Nooooo!

    NARRADORA: Madalena nunca mais viu sua amiga. Um dia, o tal Nazareno estava pregando junto ao lago. Ela foi atrs dele. Havia uma multido a sua volta. De repente, ele subiu em um barco e l de cima, ensinou a todos.

    * * * PAUSA* * *

    MADALENA: No conseguia ver seu rosto. Suas pa-lavras se espalhavam pelo ambiente, entravam por nos-sos poros, tocando nossa essncia e perfumando nosso

    corao. Aquele homem era um oceano de liberdade. Ele pediu aos pescadores que acabavam de chegar do mar que retornassem e lanassem novamente suas redes. Eu co-nhecia aquele mar. Aquele era um mau dia. Lembrei quan-do minha me contava o significado do meu nome.

    ME: Maria, Miriam, Mar Salgado, a Dama do Mar em Hebreu. As ondas significam a dissoluo completa das

    formas. O oceano um deserto cheio de gua que tem sede.

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    MADALENA: Me... Naquele dia, fui embora pen-sando que o oceano deixaria a multido com fome. (Mu-dana de Luz.) Mas na manh seguinte, toda a cidade falava da Pesca Abundante, quando peixes em redes encheram dois bar-cos. Mas eu no vi nada disso. (Mudana de Luz.) Tempos depois descobri que os sbios nem sempre eram aqueles que sabiam ler. Existiam tambm os recitadores e conhe-cedores de lendas, cujas histrias viajavam pelo deserto. Querendo o saber passei a entregar meu corpo em troca de histrias.

    Tem alguma lenda beduna pra me contar?Consegue decifrar o enigma que se esconde atrs de

    uma borra de caf?Conhece a arte de ler as mos? E as cincias ocultas?

    Ouvistes falar das cincias Hermticas?

    NARRADORA: A volpia daquela mulher se espalhou pela cidade e os guardas romanos comearam a procur--la. Ela aceitou a todos. Cada guarda que experimentava seus encantos retornava ao leito de Madalena, com mais dois amigos, que levavam outros mais.

    MADALENA: Quando, em minha cama, tinha recita-dores, eu via o anjo e quando me encontrava com todos aqueles guardas, o que via era o demnio.

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    O nmero de guardas aumentou e eles passaram a forar--me a dar-lhes prazer. De repente, vi o prprio inferno em minha cama. (Mudana de Luz.) No quero mais fazer isso! Quero um noivo que tenha serenidade no olhar, paz no corao e uma bondade violenta nos atos.

    NARRADORA: Um dia ela estava pelas ruas de Mag-dala quando chegou um centurio querendo que ela satis-fizesse a toda uma tropa. Madalena disse que ele procu-rasse os prostbulos da cidade. O centurio a pegou pelos cabelos e arrastou-a pelas ruas, o que fez com que ela re-cordasse o pai e novamente se sentisse um verme. Ele ati-rou-a no cho e a multido se aglomerou com pedras nas mos. A primeira pedra espancou-lhe o ventre, a segunda feriu-lhe a boca e a terceira acertou seu peito.

    MADALENA: Apedrejem-me! Sufoquem meu grito. Suprimam meus passos. Escondam suas mulheres e me espanquem. A impura. Mas no se esqueam de que para os senhores todas ns somos impuras. Pelo sangue que escorre entre nossas pernas. Pelos vestidos que des-pertam o desejo adormecido. Por nosso ventre que lhes d os filhos.

    No foi o vosso Deus quem disse: Frutificai e mul-tiplicai-vos e enchei a terra...? Como esse mesmo Deus chama de imunda aquela que gera a vida e lhes d os fi-lhos?

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    Os senhores inventam um Deus que nos renega. Os senhores inventam um Deus que nos renega. Os senhores inventam um Deus que nos renega.Os senhores inventam um Deus...Por que a mulher e a serpente so malditas se elas mos-

    traram o conhecimento ao homem? Apedrejem a que no usa vu! Que no tem filhos!

    Que expressa sua vontade. Amanh os senhores apedrejaro vossas filhas e as filhas

    de vossas filhas. (Atriz se recompe e fala com o pbli-co ainda como Madalena). Eu gritava por todas aquelas mulheres que passavam por mim e mudavam de direo, como se eu no existisse. Ele vinha andando e escutou minhas ltimas palavras: Se existe um pai, perdoa-lhes porque no sabem o que fazem. Apanhou uma pedra do cho e se colocou na minha frente. Olhou o povo, deixou a pedra cair, e disse a todos que aquele que no tivesse pe-cado, apedrejasse a ele, pois nem ele poderia me condenar. Depois desenhou na areia. Reconheci no desenho a torre onde cresci. Os homens, calados, saram um a um. Fica-mos apenas eu e o Nazareno.

    NARRADORA (Para e pergunta a um nico especta-dor.): Sabe aquela a impresso de ver, pela primeira vez, algum que j conhecemos h muito tempo? Ali sua fome foi saciada. Madalena sentia o corao dilatar-se. O encon-tro de dois seres livres. Naquela noite nenhuma criana adoeceu.

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    E os olhos do mundo se fecharam com tanta luz. Depois daquele encontro, ela nunca mais viu o demnio. Madale-na desfrutou por participar daquele bando que dividia Po e Vinho. Muitas vezes, instrua o Profeta da Galileia.

    MADALENA: Se eles precisam de um rei, mostre a eles que teu reino no deste mundo! Vai! Segue as profecias. Mostra que tua casa casa de ora-o, no covil de ladres. Os que tiverem ouvidos iro te escutar.

    NARRADORA: Uma das pregaes daquele homem ensinava o perdo. Eles tinham muitos planos. Mas uma traio no bando mudou o rumo da histria.

    MADALENA: Um beijo e 30 moedas? Foi Judas. No sei dizer se ele foi culpado ou inocente. Fui atrs de Pncio Pilatos. (Madalena conversa com Pilatos.) Senhor Pncio Pilatos: Qual o crime desse homem? Ele mostra o conhe-cimento. Diz que todos somos irmos. Ele ensina o amor. Fui at o mestre. (Corre e vai at onde est o Cristo imagi-nrio, ferido.) O que fizeram contigo? Vim te buscar. Via-jaremos em asno at Ascalom. Seguiremos em navio para Alexandria, e partiremos para longe da Judia. Se cada trs

    do bando fugir para uma direo, despistaremos os roma-nos. (Cristo imaginrio se nega a aceitar a proposta.)Por que rejeitas a fuga se nossa nica sada? No mereces todo esse sofrimento!

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    (Entra msica de marcha de Semana Santa de Sevilha) Um vu negro cobriu Jerusalm. Seu sangue brilhava como rubi. Um deus aberto, esvaziado. Um animal em sacrifcio. Naquela noite, cada um sofreu com sua dor.

    NARRADORA: Na manh seguinte, ainda na escuri-do, Madalena voltou sepultura levando uma cesta de flores. Um anjo a esperava no tmulo... Vazio? Algum se

    aproximou. As flores de sua cesta se esparramaram pelo

    cho fnebre.

    MADALENA: Mestre!

    NARRADORA: Ali ela compreendeu o porqu de suas

    vises. Compreendeu o mistrio profundo. O deus imor-tal que habita em cada um. Madalena recebeu aquela ver-dade pela alma.

    MADALENA: Eu sou a que acolhe a morte e dana com ela, contemplando sua outra face. Criticam-me e lou-vam-me com a mesma convico. Minhas vestes so pgi-nas acetinadas de textos proibidos. Abrao a morte. Estou nas ruas.

    Sou incompreendida; Bilnge; Fugitiva.

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    Rasgo minhas vestes de papel e em minha nudez se v

    a alma do mundo. Em anos de histria, a mensagem desse povo marginal se espalhar como ecos, que saem de cata-cumbas, e se expandir pelas vrias fronteiras do mundo. E os homens seguiro buscando a verdade. O que os pro-fetas falaram, um dia ser livro e chamaro de verdade. Essa verdade ocupar as paredes das bibliotecas em um trabalho braal que durar sculos de luta e perseguio. Pai perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem.

    NARRADORA: Naquele barco estava Madalena, que agora levava dentro de si o perfume daquele homem. Mas ainda no era o momento de partir. Ao longe, se ouviam passos apressados na areia. Era ele, o ressuscitado, que ir-radiava beleza e bondade. Ele subiu na barca, abraado em sua companheira. Partiram em direo ao desconhecido. Na busca da continuidade de suas obras.

    * * * FIM * * *

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  • 30

    La Dama de losEvangeliosElisa Lucas - Versin en Lengua Espaola

    Os aseguro que en cualquier lugar del mundo donde se anuncie el Evangelio, se hablar tam-bin de lo que ha hecho esta mujer, y as ser recordada. (Marcos 14,9).

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    Nota: Esta obra no es ms que una creacin drama-trgica y artstica de ficcin, sin ningn propsito religioso. Se propone que sea interpretada por una sola actriz que pueda presentar a todos los personajes que se nombran, y para ello deber modular acciones y voces, as como enfoques corporales, de modo que sea capaz de interpretar de forma diferenciada a las figuras de la Mag-dalena y de la Narradora.

    NARRADORA: Tras cada objeto que se construye, y con independencia de la funcin a que se destina, hay toda una historia que precisa ser desvelada en el tiempo. En esa historia se revela ya la dualidad de las cosas. Y as es nuestro personaje. Se puede enfocar desde varias mira-das. Como cuerpo demonaco y como espritu santo en un nico tiempo.

    MAGDALENA (Habla con Dios.): En el principio tuve

    hambre. Dicen que el seor hizo primero el cielo y la tier-ra. Yo no lo creo, nunca lo he credo. Siempre he pensado que si vos cre realmente la vida, tendra que empezar por el hambre. Porque cuando uno tiene hambre de alguna cosa es cuando se siente vivo de verdad. Yo tena hambre de todo. Nada me satisfaca. Disfrutaba de mi cuerpo has-ta desfallecer: el sexo del hombre, el seno de la mujer, la madera del mueble, el pelo del animal

  • 32

    NARRADORA: En la Torre de Magdala, cuando la poseda se convierte en meretriz y cambia placeres por conocimiento, todas las almas se encuentran y los cuer-pos resplandecen. La ley suprema es el xtasis que derrite cuerpos en sudor, perfume y olor de esperma. Arcngeles se inclinan, sonren y miran con malicia. Y las vrgenes se entregan al sacrificio del propio placer.

    MAGDALENA: Pero todos los invitados se marchan?

    * * * PAUSA* * *

    NARRADORA: Es que Mara tena un problema de vi-sin: iba siempre ms lejos que nadie. Vea cosas que nadie

    era capaz de ver. La primera cosa extraa que vio fue el demonio, cuando tena siete aos. Y la segunda, un ngel. El demonio expul-s al ngel, que se desintegr en el polvo de la habitacin, mientras el demonio invadi el cuerpo de la nia, retor-cindose desde dentro, hirindole las vsceras y haciendo que los dientes le rechinasen y que ella pudiera entonar bellas canciones. Mara vea todo eso, pero sus padres ve-an a la pequea Magdalena sola, atormentada por calentu-ras y convulsiones sin trmino. Asustados, escondieron a la nia en la torre. Convocaron a sacerdotes, curanderos y brujos, pero nadie acertaba a comprender lo que le pasaba. Al final, decidieron mantenerla alejada.

  • 33

    Fue as como Mara creci sola en aquella torre, en el cen-tro de Magdala, frente al lago. El Padre

    PADRE: Cada da suba a la Torre de Magdala y lea la hija fragmentos de la Tora, libro sagrado, por ver si el su-puesto ngel del que hablaba la nia volva para librarla de su infernal posesin.

    NARRADORA: Pero el ngel no vena. Mara conoca ya de memoria toda la Tora, pero el ngel no apareca.

    * * * PAUSA* * *

    MAGDALENA (Est poseda.):

    Abro mi cuerpo, Para morder; Ingerir; Digerir; Impregnarme de todo cuanto pueda.Enfriar mi sangre para que las venas dejen de quemar-

    me. Quisiera contener los gestos, la mirada, las palabras que salen de mi boca. Para dejar de dar, y poder retener todo aquello que siempre se me escapa y me abandona.

    FARISEO: Las pecadoras deber ser lapidadas, porque con sus perfumes y ligera ropa apartan a los hombres ho-nestos del camino de la virtud!

  • 34

    MAGDALENA: Eso dicen los fariseos! Ellos saben

    que donde los hombres se pierden es en el placer. El pla-cer es tener a Dios en la piel. Cada cuerpo desempea una misin. Y creo que la ma fue siempre sentir hambre. Y la siento desde que vi el baile de Salom.

    * * * PAUSA* * *

    NARRADORA: La nica persona a quien Magdalena confiaba sus visiones, porque era tambin la nica que

    suba a la torre, aparte de sus padres, era la amiga Salom. Pero Salom no la comprenda. Ella slo quera jugar a ser mujer, a lucir sus encantos y belleza entre joyas Magda-lena quera jugar a ser normal, a liberarse de todo lo que la atormentaba por dentro. Preguntaba a Salom cmo era el mundo exterior, fuera de aquellas paredes. Y como Salom saba poco, fabulaba. Hablaba de la ciudad de Magdala con su puerto, de los mercaderes de alfombras, de la ruta de la seda, de los pes-cadores, con esas redes que se asemejan a largos vestidos que bailan entre las olas Y fue as como Salom apren-di a bailar.

    MAGDALENA: Cuando vi el cuerpo de Salom abar-cando el espacio, comprend que en la danza, ngeles y demonios se vuelven amantes. Tuve la sensacin de que cuando ella bailaba, el mundo se volva libre y se renda a sus pies.

  • 35

    NARRADORA: Mara se haba acostumbrado a las vi-siones de infancia. Todo lo que vea se asemejaba a los dos lados de una misma moneda. Pronto aprendi que deba simplemente estar callada. De ese modo podra salir de su prisin cuando no estuviera poseda. (Tiempo.) Con el padre haba aprendido a preparar aceites y perfumes. Pero fue la madre quien la inici en las tradiciones mirforas, oficio reservado a las mujeres, que consista en ungir los

    cuerpos con aceites funerarios, para prepararlos para las moradas de los muertos. Aquellos perfumes eran sagra-dos. Y se cuidaba ms el cuerpo de los muertos que el de los vivos. Y es que a los difuntos haba que prepararlos para el otro lado, el ms all. Cuando tena catorce aos, Magdalena tuvo que poner en prctica todos sus conoci-mientos para ungir el cuerpo de la propia madre.

    NARRADORA: Fue precisamente en el entierro de la madre cuando vio ella por vez primera la ciudad de Mag-dala. Al volver a casa, Magdalena se perdi y deambul por las calles, siguiendo el rastro de un perfume descono-cido. Lleg hasta una puerta de bronce y luego se adentr por un pasillo oscuro, hasta alcanzar una alcoba donde los cuerpos se entrelazaban, danzando entre sudor, perfume y olor a esperma. La voluptuosidad de ngeles y demonios poseyendo cuer-pos le trajo a la mente los templos descritos por Salom. Magdalena se sinti de pronto ebria y con un deseo incon-tenible de bailar.

  • 36

    Se dej llevar por el impulso y, a la vez que giraba sobre s misma, sus vestidos empezaron a caer. Y como suspen-dida en un espacio sagrado, su ardiente cuerpo estall en un orgasmo. (La Actriz baila, enloquece, se le desprenden distintas piezas de la ropa, o incluso se queda sin ropa al-guna.)

    MAGDALENA: No vi nada ms. Cuando me despert

    sent cmo mi cuerpo desnudo era arrastrado por el pa-sillo. Mi padre me estaba agarrando por el pelo, mientras yo contemplaba el mundo desde la perspectiva de un gusa-no. Pero no fue esa la imagen que se me grab en la mente. La imagen que se qued grabada en el alma fue la de aquel templo donde por primera vez sent la danza y el gozo. Lo que yo no saba era que aquel templo no era un lugar sagrado, sino un espacio consagrado por las prostitutas de la ciudad de Magdala.

    NARRADORA: Al volver a casa, el padre la volvi a encerrar en la torre. Le prometi que jams volvera a salir de all mientras viviera. Magdalena gritaba de dolor. (Tiempo) Una noche, el padre de Magdalena, subi a la torre dispuesto a vencer al demonio que la posea. Ley antiguas escrituras. Magdalena sinti su cuerpo se retor-ciendo, mientras surga aquel deleite que la invitaba a bai-lar. Vio sus ropas cayendo. Slo recordaba la danza.

  • 37

    MAGDALENA: Cuando me despert me di cuenta de

    que la ventana de la torre estaba rota, y que mi padre yaca en el suelo, muerto. (Tiene una visin) l se lanz por la ventana de la torre, despus de haberme desflorado.

    NARRADORA: La muerte del padre no sirvi para di-sipar sus ansias. Para mitigar su dolor, Magdalena se mu-tilaba el cuerpo. Y, cosa rara, encontraba placer. En otras ocasiones el placer se esconda en los papiros.

    MAGDALENA: Las letras exhalan una informacin

    creativa que puede producir ms placer que el beso de un hombre. Un placer duradero. Yo sueo con un libro de carne y sangre que fecunde mi espritu.

    * * * PAUSA* * *

    NARRADORA: Ella fue en busca de esos placeres. Pero a las mujeres no les estaba permitido aprender a leer. Por eso Magdalena se dedic a seducir hombres sabios a cambio de conocimiento. La poseda era ahora una meretriz que entregaba su cuer-po a cualquier hombre que supiera leer: sabios, oradores, poetas, enanos, hombres bien vestidos Muchos se qui-sieron casar con ella, pero ella rechazaba a los pretendien-tes con cierto regusto. Se senta una dominadora en aquel mundo de pasos masculinos.

  • 38

    MAGDALENA: Estaba yo una vez en una boda cuan-do supe que se haba acabado el vino. Me dio una penaMe fui a la cocina y consegu que seis vasijas que hasta en-tonces haba contenido agua, estuvieran repletas de vino, y se las entregu a un invitado de largos cabellos. Cre opor-tuno marcharme inmediatamente de all, pues no quera unir a mi fama de posesa la de bruja.

    NARRADORA: Todos los invitados diran luego que haba sido el primer milagro del hombre.

    MAGDALENA: Del hombre? (Cambio de luz.) Acre-dito en los mitos que cuentan que en el principio de todo era Dios una hermosa mujer, la gran madre de donde na-can mil y una vidas.

    NARRADORA: Juan Bautista deca bautizar con agua, porque quien vendra despus bautizara con fue-go. Magdalena pregunt a Salom si aquel hombre estara anunciando a un brujo o a un curandero. La amiga, entre palabras bailadas le cont quin era aquel que anunciaba el Bautista.

    SALOM: Quiz sea un mago. Hace trucos, transfor-ma agua en vino.

    MAGDALENA: Eso tambin lo hago yo!

  • 39

    SALOM: Pues quiero verlo! Adems bebe! Cuestiona y desafa a todos. Dicen que es un impostor. Juan el Bautista asegura que es el Mesas, el que toda esa gente aguarda impaciente. En cuanto al Bautista, es un animal salvaje! No canta, grita. No sabe bailar, qu horror! Debe oler a animal podrido. Su fuerza animal me intriga y me atrae.

    MENSAJERO: Seores, anuncio les la llegada del Pro-feta del Deserto!

    NARRADORA: En aquella tarde, Juan el Bautista sa-ciaba la sed espiritual del pueblo. Y fue entonces cuando Salom se adentr en el ro Jordn.

    SALOM: Ah

    NARRADORA: E hipnotizada por sus palabras, se me-ti dentro el ro. El hombre salvaje le dijo

    JUAN BAUTISTA: Mujer! No sers jams bautizada con agua, sino solamente con fuego!

    NARRADORA: Por un momento, Salom se enamor de la devocin de aquel hombre y tuvo miedo de su amor. Se dio cuenta de que para aquel hombre no exista nada, aparte de su Dios. Ella sali corriendo, vociferando contra el profeta.

  • 40

    SALOM: Profeta de los animales!

    NARRADORA: Magdalena la consolaba, al tiempo que se preguntaba

    MAGDALENA: Qu la pasara a Salom si se dejara

    bautizar con fuego?

    NARRADORA: Salom quera ahora venganza. En el cumpleaos de Herodes danz, danz... y cmo recom-pensa pidi...

    SALOM: La cabeza del profeta Juan el Bautista! (Tiempo) Nooooo!

    NARRADORA: Magdalena nunca volvi a ver a su amiga. Un da predicaba el Nazareno junto al lago.Ella fue detrs de l. Vio que lo acompaaba una muche-dumbre, y que haba all muchas mujeres, lo que no dejaba de ser extrao. De repente, subi l a una barca y desde all se puso a ensear.

    * * * PAUSA* * *

    MAGDALENA: No consegua ver su cara. Sus pala-bras se esparcan por el ambiente, entraban por nuestros poros, tocando nuestra esencia y perfumando nuestro co-razn. Aquel hombre era un ocano de libertad.

  • 41

    (Tiempo) A los pescadores que acababan de regresar del mar les pidi que volvieran a echar las redes. Yo conoca aquel mar. Aquel era un mal da. Me acord tambin de mi madre, cuando me explicaba el significado de mi nombre.

    MADRE: Mara, Miriam, Mar Salado, la Dama del Mar, en hebreo. Las olas significan la disolucin completa de las

    formas. El ocano no es ms que un desierto de agua que tiene sed.

    MAGDALENA: Madre Aquella vez desist de acer-carme al Nazareno. Volv a casa pensando que el ocano

    dejara a la multitud con hambre. (Cambio de luz). A la maana siguiente, en toda la ciudad de Magdalena y alre-dedores no se hablaba de otra cosa que de la abundante pesca del Nazareno, aquella en la que las redes repletas de peces estuvieron a punto de hundir la barca. Pero yo no vi nada de eso. (Cambio de luz.) Poco despus des-cubr que los sabios no son siempre quienes saben leer y escribir. Tambin estn los maestros de la tradicin oral, los recitadores y conocedores de leyendas, que viajan con ellos a travs del desierto. Ansiando la sabidura, llegu a entregar mi cuerpo a cambio de historias. (Magdalena ofrece su cuerpo a los espectadores.)

    Tienes alguna leyenda beduina que contarme?Te imaginas qu enigma se esconde en una borra de

    caf?

  • 42

    Conoces el arte de leer las manos? Ests al tanto de las ciencias ocultas?

    Has odo hablar de las ciencias hermticas?

    NARRADORA: La fama de voluptuosidad de aquella mujer se propag por la ciudad, de modo que los soldados romanos empezaron a procurarla. Cada soldado, despus de haber conocido los encantos de Magdalena, volva de nuevo a su lecho, aunque trayendo a dos amigos con l, que llevaban otros ms.

    MAGDALENA: Cuando me acostaba con los recita-dores, se me apareca el ngel, y cuando tena en la cama a soldados, a quien vea era al demonio. El nmero de solda-dos fue en aumento, y me vi obligada a darles placer. De repente, el lecho se transform en infierno. (Cambio de

    luz). No lo quiero hacer ms! Quiero un novio de mirada serena, corazn pacfico y bondad violenta en sus accio-nes.

    NARRADORA: Iba ella un da por las calles de Mag-dala cuando se le acerc un centurin que le peda diera satisfaccin a toda una tropa. Magdalena lo mand a los prostbulos de la ciudad. El centurin la agarr por el pelo y la arrastr por las calles, lo que le record una vez ms a su padre, al tiempo que ella se sinti de nuevo como un gusano. El centurin la arroj al suelo, y la multitud la ro-de, para lapidarla.

  • 43

    La primera piedra le dio en el vientre, la segunda le hiri la boca, y la tercera le golpe el pecho.

    MAGDALENA: Apedreadme! Sofocad mis gritos, su-primid mis pasos. Esconded a vuestras mujeres y golpead-me. La Impura. Pero para vosotros, los hombres, somos impuras todas las mujeres. Por la sangre que nos mana de entre las piernas. Por nuestra ropa que aviva el deseo dormido. Por nuestro vientre que les da los hijos! No fue vuestro Dios el que dijo creced y multiplicaos poblad toda la tierra? Cmo puede ese mismo Dios declarar inmunda a quien puebla la tierra con sus hijos?

    Los hombres han inventado un dios que reniega de no-sotras.

    Los hombres han inventado un dios que reniega de no-sotras.

    Los hombres han inventado un dios que reniega de no-sotras.

    Los hombres han inventado un dios...Por qu serpiente y mujer han sido maldecidas, si por

    ellas entr el conocimiento en el hombre? Apedreadme. Lapidad a quien no lleva velo, a la que no

    tiene hijos, a la que hace su propia voluntad. Apedread a la pecadora! Maana lapidaris a vuestras hijas y a las hi-jas de vuestras hijas. (La actriz cambia un poco de actitud y sigue hablando al pblico, en su papel de Magdalena). Yo gritaba y protestaba por todas las mujeres que pasaban junto a m, pero se desentendan, como si yo no existiera.

  • 44

    l vena andando y escuch mis ltimas palabras: Se exis-te un Padre, perdnalos, porque no saben lo que hacen. Tomando una piedra del suelo, se puso frente a m. Mi-rando a los presentes, dej caer la piedra y dijo que quien estuviera libre de pecado le tirase a l la primera piedra, porque l no me condenaba. Se puso luego a dibujar en la arena. Reconoc en el dibujo la torre donde me cri. Todos los hombres se fueron marchando, uno tras otro. Me que-d a solas con el Nazareno.

    NARRADORA: (Se detiene y pregunta a un especta-dor.): Sabes qu impresin se tiene cuando se ve por pri-mera vez a alguien a quien ya se conoce de odas, y desde hace mucho tiempo? All se saci su hambre. Magdalena senta cmo se le dilataba el corazn. El encuentro de dos seres libres. Aquella noche no enferm ningn nio, y los ojos del mundo se cegaron de tanta luz. Despus de aquel encuentro ella nunca ms vio al demonio. Y disfrut for-mando parte de aquel grupo que comparta pan y vino. Muchas veces se pona a ensear aquel Profeta de Galilea.

    MAGDALENA: Si ellos quieren un rey, ensales que

    tu reino no es de este mundo! La profeca ha de continuar. Va al templo y all ensea que la casa de su Padre es casa de

    oracin, no cueva de ladrones. Los que tengan odos para or, le irn a escuchar.

  • 45

    NARRADORA: Una de las predicaciones de aquel hombre tena que ver con el perdn. Ellos tenan muchos planes. Pero la traicin de una persona del grupo cambi el rumbo de la historia.

    MAGDALENA: Un beso y treinta monedas? Fue Ju-das! Hasta el da de hoy no acierto a saber si l era culpable o inocente. Fui a ver al gobernador romano. (Habla con Pilato.) Seor Poncio Pilato, qu delito ha cometido este hombre? l nos muestra el conocimiento. Dice que todos somos hermanos. l ensea el amor. Corr hasta el ma-estro. (Corre y va hasta donde est un imaginario Cristo herido) Qu es lo que te han hecho? Vine a buscarte.

    Viajaremos en asno hasta Ascaln. Seguiremos en barca,

    para Alejandra, y de all partiremos para lejos de Judea. Si cada tres discpulos parte en una direccin distinta, des-pistaremos a los romanos. (Cristo imaginario se niega a aceptar la propuesta.) Por qu te niegas a huir? No te mereces todo este sufrimiento! (Suena msica de marcha de la Semana santa de Sevilla.) Un negro velo cubra a Je-rusaln. Su sangre brillaba como rubes. Un dios abierto, vaco. Un animal en el sacrificio. Aquella noche, todos su-frimos, cada uno con su propio dolor.

    NARRADORA: A la maana siguiente, todava en la oscuridad, Magdalena volvi al sepulcro, llevando un cesto de flores. Un ngel la esperaba, en el tmulo Vaco? Se

    le acerc alguien, y ella reconoci la voz.

  • 46

    Las flores se le derramaron de la cesta, y quedaron es-parcidas en el fnebre suelo.

    MAGDALENA: Maestro!

    NARRADORA: En aquel momento comprendi ella la razn de sus visiones. Comprendi el misterio profundo. El dios inmortal que habita en cada persona. Ella percibi aquella visin en lo ms profundo de su alma.

    MAGDALENA: Yo soy la que acoge a la muerte y baila

    con ella, la que contempla su otro rostro. Me critican y me alaban a partes iguales y del mismo modo. Mis vestidos no son sino pginas satinadas de textos prohibidos. Abrazo a la muerte. Estoy en la calle.

    Soy incomprendida Bilinge Fugitiva

    Me rasgo las vestiduras de papel, y en mi desnudez se percibe el alma del mundo. En los siglos venideros se es-cribir la historia, el mensaje de este pueblo marginal, que se expandir por catacumbas y despus por el mundo en-tero. Pero los hombres seguirn buscando la verdad!

  • 47

    Todo aquello de lo que hablaron los profetas se convertir en libro y la gente lo considerar la verdad. La verdad de las calles ocupar las paredes de las bibliotecas en un tra-bajo que implicar siglos de lucha y persecucin. Padre, perdnalos, porque no saben lo que hacen!

    NARRADORA: En aquel barco estaba Magdalena, que ahora llevaba dentro de s el perfume de aquel hombre. No haba llegado todava el momento de zarpar. Desde lejos llegaba el sonido de pies que se abran paso entre la arena. Era l, el resucitado, que irradiaba belleza y bondad. Su-bi a bordo, y abraz a su compaera. Zarparon por fin

    los dos con rumbo desconocido, buscando continuar sus obras.

    * * * FIN * * *

  • 48

    CRIAO DRAMATRGICA /

    CREACIN DRAMATRGICA (2011)

    PESQUISA REALIZADA COM A COLABORAO DE:INVESTIGACIN REALIZADA CON LA

    COLABORACIN DE:

    Universidad de SevillaDoctora Doa Mara Concepcin Prez PrezRamn BocanegraLuiz Valcazaras

    Mara Jess Bajo MartnezFlorentino Yamuza AndrsPaulo RamalhoCentro de Documentacin de las Artes Es cnicas deAndalucaAgencia Andaluza de Instituciones Culturales.Centro de Estudios Escnicos de Andaluca.Programa de Estudios Tcnicos, Escnica Tcnica Sevilla.Compaa la TarascaCentro Andaluz de Arte Contemporneo

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    MONTAGEM DO ESPETCULO / MONTAJE DE LA OBRA (2013/2014)

    FICHA TCNICA /FICHA TECNICA

    Dramaturgia e Atuao / Dramaturgia y Actuacin: Elisa Lucas

    Direo de Teatro de Objetos, Concepo e Cenografia/ Direc-cin de Teatro de Objetos, Concepcin Escnica y Escenografa: Paulo Martins Fontes

    Direo Cnica/ Direccin Escnica: Deborah Finocchiaro

    Iluminao/ Iluminacin: Leandro Gass

    Trilha Sonora/ Banda Sonora: Jorge Foques

    Figurino/ Figurn: Fabrizio Rodrigues

    Direo de Produo/ Direccin de Produccin: Viviane Falkembach

    Produo Executiva/ Produccin Ejecutiva: Plnio Marcos Ro-drigues

    Assessoria de Imprensa/ Asesoramiento de Prensa: Dona Flor Comunicao

    Fotografia/Fotgrafo: Vilmar Carvalho

    Design Grfico/ Diseador: Rafael Franskowiak

    Interpretao em LIBRAS/ Interpretacin en LIBRAS: Angela Russo

    Consultoria de Ilusionismo/ Consultora de Ilusionismo: M-gico Kronnus

    Orientao Coreogrfica/ Orientacin Coreogrfica: Priscilla Silvestri

    CONTATOS / CONTACTOS:

    [email protected]. 51. 3237-6880, 55.51.9306 6880 Home Page: www.elisalucas.com.br

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    AGRADECIMENTOS / AGRADECIMIENTOS

    Este trabalho no seria possvel sem a ajuda de: /Este trabajo no habra sido posible sin la ayuda de:

    Adriane Azevedo - Agencia Andaluza de Instituciones Culturales - Alexandre Spinelli - Andressa Bitencourt - Arancha Garca - Ca-mila Bauer - Carmen Romero - Centro Andaluz de Arte Contem-porneo - Centro de Documentacin de las Artes Escnicas de Andaluca - Centro de Estudios Escnicos de Andaluca - Clarice Niskier - Cludio Reies Lucas - Compaa la Tarasca - Dani Barros - Diones Camargo - DL POA - Doctor Don Rafael Portillo Gar-ca - Doctora Doa Mara Concepcin Prez Prez - Don lvaro

    Pereira - Eduardo Custdio - Enrique Diaz - Enrique Jimenez de Casas - Equipe do Teatro de Cmara Tlio Piva - Ernesto Jorge Costa Martins - Fbio Cunha - Fabrine Paolin - FAC: Fundo de Apoio a Cultura - Florentino Yamuza Andrs - Fondo Iberoame-ricano de Ayuda Iberescena - Glenda Dimuro - Grupo Cuidado

    que Mancha - Grupo Hospitalar Conceio - Gustavo Zaro - Hiro

    Mattos - Ines Hubner - Israel Augusto Moraes de Castro - Jerri Dias - Jerson Fontana - Jurema Martins Lucas - Luiz Gonzaga Lo-pes - Luiz Valcazaras - Marcella Farina - Marcelo Bones - Marcelo

    Restori - Marcelo Spalding - Mrcio Silveira - Marco Aquino - Mara Jess Bajo Martnez - Nilton Filho - Paulo Ramalho - Programa de Estudios Tcnicos, Escnica Tcnica Sevilla - Rafael Balle - Ramn Bocanegra - Rodrigo Souto Lopes - Silvana vila - Tnia Farias -

    Universidad de Sevilla - Vera Pinto - Vicente Goulart.

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    CARTAZ DE ESTREIA DO ESPETCULO/

    CARTEL DE ESTRENO DE LA OBRA

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    FOTOS DO ESPETCULO /

    FOTOS DEL ESPETCULO

    Fotos de VILMAR CARVALHO

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    EQUIPE/EQUIPO:

    Da esquerda para a direita / De la izquierda a la derecha: Simone Pinheiro, Deborah Finocchiaro, Elisa Lucas, Paulo Martins Fontes, Leandro Gass.

    Da esquerda para a direita / De la izquierda a la derecha: Jorge Foques, Viviane Falkem-bach, Plnio Marcos Rodrigues, Elisa Lucas, Paulo Martins Fontes, Vicente Goulart,

    Cristiano Seifert, Leandro Gass.

  • Porto Alegre,inverno de 2014

    Todos os direitos reservados autora

    Porto Alegre,invierno de 2014

    Reservados todos los derechos a la autora.