29
Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 163 Introdução – delimitação do tema, importância, divisões e metodologia Interessante notar, prefacialmente, exis- tirem discussões dentro do direito que, até a presente data, ainda não obtiveram uma pacificação e harmonização por parte do entendimento doutrinário e jusfilosófico. Essas questões dizem respeito ao próprio fundamento do direito e sua relação com o homem em todos os seus níveis. Podem-se relatar aqui as fundamentais indagações na forma de perguntas: 1) O direito é ciência? 2) O direito somente é norma? 3) As fontes do direito são apenas as decorrentes do Es- tado? 4) Direito e poder se confundem? 5) O que é a justiça? 6) O que é dar efetividade às normas jurídicas? 7) O direito é conserva- dor ou transformador da realidade social? A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de uma renovada teoria geral com base na proteção da dignidade da pessoa humana Marcos André Couto Santos Marcos André Couto Santos é Procurador Federal. Professor Auxiliar de Direito do Tra- balho da FAFIRE/PE. Mestrando em Direito Público pela UFPE. Sumário Introdução – delimitação do tema, impor- tância, divisões e metodologia. 1. O ser huma- no, a sua complexidade, a regulamentação de suas relações pelo direito e as crises. 2. As pers- pectivas de análise do direito: necessidade de reconstrução. 3. A busca de um conteúdo para o direito: tentativa de delimitação. 4. Por uma nova perspectiva de análise para o direito e sua teoria geral: a preservação da dignidade da pessoa humana. 5. A aplicação da perspectiva de uma Teoria Geral do Direito para preserva- ção da dignidade da pessoa humana: uma vi- são concreta. 6. Conclusão.

A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

  • Upload
    dodang

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 163

Introdução – delimitação do tema,importância, divisões e metodologia

Interessante notar, prefacialmente, exis-tirem discussões dentro do direito que, até apresente data, ainda não obtiveram umapacificação e harmonização por parte doentendimento doutrinário e jusfilosófico.

Essas questões dizem respeito ao própriofundamento do direito e sua relação com ohomem em todos os seus níveis. Podem-serelatar aqui as fundamentais indagações naforma de perguntas: 1) O direito é ciência?2) O direito somente é norma? 3) As fontesdo direito são apenas as decorrentes do Es-tado? 4) Direito e poder se confundem? 5) Oque é a justiça? 6) O que é dar efetividade àsnormas jurídicas? 7) O direito é conserva-dor ou transformador da realidade social?

A delimitação de um conteúdo para odireito: em busca de uma renovada teoriageral com base na proteção da dignidade dapessoa humana

Marcos André Couto Santos

Marcos André Couto Santos é ProcuradorFederal. Professor Auxiliar de Direito do Tra-balho da FAFIRE/PE. Mestrando em DireitoPúblico pela UFPE.

SumárioIntrodução – delimitação do tema, impor-

tância, divisões e metodologia. 1. O ser huma-no, a sua complexidade, a regulamentação desuas relações pelo direito e as crises. 2. As pers-pectivas de análise do direito: necessidade dereconstrução. 3. A busca de um conteúdo parao direito: tentativa de delimitação. 4. Por umanova perspectiva de análise para o direito esua teoria geral: a preservação da dignidade dapessoa humana. 5. A aplicação da perspectivade uma Teoria Geral do Direito para preserva-ção da dignidade da pessoa humana: uma vi-são concreta. 6. Conclusão.

Page 2: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa164

8) No direito, deve prevalecer a forma ou oconteúdo?

Como se atesta, as questões levantadassão extremamente relevantes e denotam anecessidade da construção de uma TeoriaGeral do Direito que realmente delineie ofenômeno jurídico em toda a sua pujança,delimitando-o em seus caracteres funda-mentais de forma a que se tenha uma pers-pectiva formal e um conteúdo seguros aodireito para que este possa atender às suasfinalidades precípuas.

Nesse ponto, a Teoria Geral do Direitoainda é incipiente, caso comparada comoutras searas do conhecimento humanocomo a física, a matemática, a biologia, en-tre outros, restando, por incrível que pare-ça, ainda a discussão se o direito é ou nãouma ciência, como ressaltado acima!

Ora, se ainda não se tem nem plena se-gurança do caráter científico do direito, res-ta complexa a tarefa de delimitar uma Teo-ria Geral do Direito que pressupõe método,conceitos, institutos, harmonização e siste-matização para organizar o conhecimentoexistente sobre o fenômeno jurídico.

Realmente, a importância da Filosofianeste ponto é fulcral. É a filosofia que vaitentar demonstrar as alternativas e detalharo conteúdo da “Ciência do Direito” e da suaTeoria Geral. A filosofia vai auxiliar na bus-ca dos caminhos que responderão a ques-tões essenciais para o direito que podem serresumidas em cinco grandes indagações: 1)O que é o direito? 2) O que deve ser o direito?3) O que pode vir a ser o direito? 4) O quevirá a ser o direito? 5) Para que serviu, servee servirá o direito?

Essas indagações dizem respeito à ten-tativa de dar um conteúdo material para ofenômeno jurídico, com a determinação desua finalidade, da sua ontologia e dos ru-mos que o direito deve seguir para realizar-se em toda a sua plenitude.

O presente trabalho está inserido nessecontexto, buscando fazer uma crítica da for-ma como se pensou e vem-se pensando odireito enquanto produto cultural humano,

tentando delinear uma Teoria Geral do Di-reito renovada que atenda às finalidades eanseios específicos do ser humano.

Perceber-se-á nos capítulos seguintes anecessidade de determinar o papel do direi-to perante a humanidade, e principalmenteos questionamentos acerca do conteúdo des-se direito. Ressaltar-se-á a necessidade deum comprometimento de todos, para que odireito possa adquirir uma aplicação efeti-va rumo à proteção da dignidade da pessoahumana em todos os seus âmbitos.

Este ensaio científico encontra-se divi-dido em cinco capítulos, objetivando-se; aofinal, delinear novos rumos para o entendi-mento, o estudo e o desenvolvimento de umaTeoria Geral do Direito renovada que tenhacomo base real a proteção da chamada dig-nidade do ser humano.

No primeiro capítulo, analisa-se o serhumano em toda a sua força e complexida-de, asseverando a necessidade de formas decontrole social, como o direito, para manu-tenção da harmonia social, atestando-se aexistência de crises de valor e da crise nodireito que se vive na atualidade. Nesse ca-pítulo, busca-se atestar que o homem real-mente precisa do direito para manter a paz,harmonia social, possibilitando o progres-so da humanidade, e que as crises existempara o próprio desenvolvimento e contínuoaperfeiçoamento humano.

Depois, no segundo capítulo, destacam-se, de forma breve, as principais perspecti-vas de análise do fenômeno jurídico desen-volvidas pelo homem e que ainda têm refle-xos na atualidade, destacando as conheci-das posições formalistas, sociologistas, em-piristas, normativas, entre outras, que pro-curam determinar a forma como o direitodeve ser produzido, analisado, aplicado,entendido, pensado e estudado. Nesse pon-to, vai ficar demonstrada a necessidade deuma reconstrução da perspectiva de análi-se do fenômeno jurídico, asseverando asnovas teorias que tentam superar as visõesreducionistas e parciais que tentam delimitaro direito como fenômeno cultural humano.

Page 3: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 165

Na seqüência, no terceiro capítulo, ten-ta-se demonstrar a necessidade de se bus-car um conteúdo para o direito, delimitan-do sua finalidade, a fim de se poder cons-truir uma Teoria Geral do Direito dotada decientificidade. Nessa parte do trabalho, res-tará atestado que, atualmente, o conteúdodo direito, em todas as formas de sua ma-nifestação, deve estar comprometido coma preservação da dignidade da pessoahumana (direitos humanos, fundamen-tais, garantia plena da pessoa em toda suaintegralidade).

Depois, no quarto capítulo, procura-sedestacar a forma como a Teoria Geral doDireito deve delimitar e destacar o conteú-do do fenômeno jurídico, atestando semprea necessidade de que todos os conceitos,institutos e teorias desenvolvidas devem terbase e fundamento na proteção plena dadignidade da pessoa humana. Aqui, ver-se-á, de forma breve, a participação da socie-dade, a forma como se deve destacar a pro-teção do ser humano pelo direito e a manei-ra como o direito deve ser acessível a todos.

Por fim, no quinto capítulo, destaca-se anecessidade de um comprometimento detoda a sociedade com esse novo tipo de di-reito dentro da remodelação de sua TeoriaGeral, demonstrando-se que a efetividade/concretização/aplicabilidade do conteúdonormativo do direito não depende só doEstado, mas de toda a comunidade que tema responsabilidade de aceitar o encargo decriar um ambiente social inclusivo para to-dos os seres humanos, em respeito pleno àsua dignidade.

A importância do estudo, que ora se apre-senta, consiste em tentar estabelecer umareflexão multidisciplinar, mudando umpouco a forma de pensar o direito que, tra-dicionalmente, é tão formal e distante, de-monstrando poder o direito servir comouma ciência baseada em uma Teoria Ge-ral que venha a dar ao homem mais “hu-manização” em suas relações sociais, cri-ando laços de solidaridade e de proteçãoreal aos semelhantes.

Ressalte-se, por fim, que se o trabalho oraapresentado for considerado uma críticautópica em sentido pejorativo ou um sonho,prefiro ser um sonhador do que passar avida sem tentar contribuir para melhoria doque está posto, principalmente porque tris-te é aquele que não sonha por um mundomelhor e mais humano. Prefiro, enfim, de-monstrar que o suposto sonho pode vir atornar-se realidade com base em dados con-cretos de ciência, do que me omitir e escre-ver linhas de defesa de algo arcaico e primi-tivo como o direito infelizmente ainda semostra na atualidade.

1. O ser humano, a sua complexidade, aregulamentação de suas relações pelo

direito e as crises

O ser humano, dentro de sua racionali-dade, criou um mundo só seu, chamado demundo cultural na expressão de Carlos Cós-sio. Esse mundo cultural é formado por in-teresses, objetivos, sentimentos e vontadesque só um ser que tem consciência de suaexistência, como o homem, possui.

Na vida em coletividade, o homem cons-truiu esse mundo diferenciado da nature-za, vivenciando uma multiplicidade de sen-timentos dentro de sua evidente complexi-dade de “animal superior”.

Percebeu o ser humano que “a união faza força”, surgindo nesse ponto o sentimen-to de solidariedade. Mas também se consci-entizou, desde as épocas remotas, do fatode que, explorando outro ser humano, iráter mais vantagens, viver melhor, ser maisrico, poderoso e vigoroso, conquistandoposições e firmando-se até como “líder”, sejaeconômico, político, religioso, etc; diante edentro da coletividade.

O ser humano, nesses termos, é esse mis-to de sentimentos, de dubiedades, em sínte-se: um intrincado ser espiritual dotado deamor e de ódio! Tal fato é percebido, de for-ma clara, analisando a história da humani-dade, na qual se relatam momentos de purareflexão espiritual com a tentativa de disse-

Page 4: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa166

minação de ideais de solidariedade, mastambém momentos de competição que con-duziram a guerras, mortes e seqüelas queficaram registrados e foram causados peloser humano ao longo dos tempos.

De forma simplória, traça-se o esboçoacima para demonstrar que os homens (se-res humanos) precisam desenvolver formasde controle social sobre os demais homens(seres humanos), a fim de que se viabilizemo convívio social e a produção de riquezaspara atingir o bem comum.

Prefacialmente, e de uma forma rudimen-tar nas sociedades “primitivas”, estabeleci-am-se as “verdades” religiosas, o respeito à“moral eterna” advinda de crenças dos gru-pos humanos que davam apoio e base a cer-ta segurança no convívio social existente,possibilitando a manutenção do grupo enão a sua destruição por brigas e supostasdisputas. Havia, assim, o respeito às divin-dades (religião), aos usos, aos costumes, àmoral, tudo no início misturado, formandopadrões de normas éticas não-diferenciadas.Nessa esteia, surge posteriormente o direito,mas ainda mesclado à religião, aos costumes,à moral, sendo algo assim não-diferenciado.

A diferenciação do direito das demaisnormas éticas é um fenômeno moderno queestabelece padrões de conduta coercitíveis,impostas pelo ente estatal em benefício, su-postamente, de toda a coletividade1.

Claro que todas as normas éticas, comomoral, religião, direito, principalmente emépocas primitivas, eram impostas por umaminoria que dominava e controlava essasfontes normativas, seja por serem “envia-dos dos deuses”, “profetas”, “pajés”, sejapor serem os “próprios deuses” (faraós,monarcas absolutos), ou seja por serem “re-presentantes da vontade do povo” (parla-mentares, governantes).

O direito moderno passou a se basearem critérios próprios, elencados na chama-da dogmática jurídica, auto-reproduzindo-se nas sociedades mais desenvolvidas combase em valores estabelecidos ao longo dahistória, visando precipuamente à manuten-

ção da paz, segurança, ordem e harmoniasocial – tudo isso consubstanciado na vagapalavra: Justiça.

Aparece o direito, para a maioria dos ju-ristas, como um fenômeno de poder, umaforma de controle social, um modo de esta-belecer regras que devem ser seguidas obri-gatoriamente por todos da sociedade semanálise do seu conteúdo moral, por exem-plo, destacando a nota prefacial de confe-rência de estabilidade às relações sociaisdiante da previsibilidade de aplicação desanções pelo descumprimento das regras/normas.

O direito passou, assim, dentro das soci-edades modernas, a ter um papel fundamen-tal na garantia da estabilidade social, tor-nando viável o convívio humano em socie-dades altamente complexas, nas quais exis-tem milhões de seres humanos desejosos debens, valores e pretensões cada dia mais di-ferenciados.

Entretanto, as crenças humanas, as ide-ologias, os valores humanos, ao longo dahistória, sofreram imensas mutações e ques-tionamentos. Quantas civilizações, filosofi-as, teorias perderam sua validade ou foramdesconsideradas em face do suposto pro-gresso da humanidade. Nesse ponto, inse-re-se uma característica natural, que é a ten-dência do homem a vivenciar crises, no maisdas vezes, provocadas por ele mesmo den-tro de sua perspectiva e forma de ser insaci-ável, de querer continuamente mudar.

Ressalte-se que as crises não são negati-vas, ao contrário, denotam o suposto desen-volvimento de novas idéias e de novos fun-damentos de justificação do poder.

A história, nesse ponto, é riquíssima emexemplos, já que delineia a própria análisedas crises, a superação das mesmas e a for-mação de novas sociedades/doutrinas/fi-losofias. Observem-se as quedas dos Impé-rios do Oriente (Egito, Mesopotâmia) na épo-ca das civilizações antigas; a criação doImpério Romano e sua derrocada frente aocristianismo; as Idades Média e Modernacom o poderio da Igreja Católica e as críti-

Page 5: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 167

cas formuladas pelos luteranos calvinistas,que conduziram ao fim dos Estados Monár-quicos e à efetivação do Estado Contempo-râneo, baseado em Cartas Fundamentais ena proteção dos direitos humanos.

Tais crises e quedas de regime, com a for-mulação de novas doutrinas/filosofias, for-mas de controle estatal, são próprias da evo-lução e busca de maior realização dos pró-prios seres humanos.

Hoje, existem fatores variados que ques-tionam, todavia, a legitimidade desse direi-to e das normas jurídicas como um todo, pro-curando demonstrar a inoperância do sis-tema jurídico para atender aos reclamos so-ciais e manter a estabilidade jurídico-soci-al. Bem ressalta David Wilson de AbreuPardo a complexificação adquirida pelas so-ciedades atuais em desconexão com as nor-mas do ordenamento jurídico. Veja-se a aná-lise na órbita da crise constitucional:

“Neste sentido, devemos levar emconsideração vários fatores: a questãodo pluralismo social, que perturbadecisivamente a função de unidade eintegração da lei constitucional; o pro-blema da criação de ordens jurídicassupranacionais, tornando a constitui-ção um anacronismo; ainda o fenôme-no da personalização do poder (legi-timidade pessoal – e não constitucio-nal); o mito da revolução através dalei, que aponta para a diminuição daforça ordenadora da constituição pe-rante a meta da revolução e, finalmen-te, a progressiva ideologização dasconstituições, ameaçando convertê-lasem ‘programas partidários’. Tería-mos, como resultados desses sinto-mas, a perda do sentimento constitu-cional e da cedência da força norma-tiva da constituição ante a normali-dade social“ (1999, p. 116).

Outro exemplo de crise é a conhecidadecepção provocada pela inefetividade dodireito diante da suposta decadência doconstitucionalismo social. A figura da Cons-tituição Dirigente, que conduziria suposta-

mente à efetivação/concretização dos direi-tos sociais, econômicos e culturais, não vemapresentando o resultado esperado por fal-ta de atuação efetiva do grupo social, geran-do uma crise evidente de perda de legitimi-dade dos sistemas jurídicos atuais. Essa crí-tica é feita de forma surpreendente pelo pró-prio fundador da tese da Constituição Diri-gente, J.J. Gomes Canotilho:

“As constituições dirigentes, en-tendidas como constituições progra-mático-estatais, não padecem apenasde um pecado original – o da má uto-pia do sujeito projectante, como dis-semos; elas ergueram o Estado a ‘ho-mem de direcção’ exclusiva ou quaseexclusiva da sociedade e converteramo direito em instrumento funcionaldessa direcção. Deste modo, o Estadoe o direito são ambos arrastados paraa crise da política regulativa. Por ou-tro lado, erguer o Estado a ‘homem dedirecção’ implica o desconhecimentodo alto grau de diferenciação da esta-talidade pluralistamente organizada.Por outro lado, confiar ao direito oencargo de regular – e de regular au-toritária e intervencionisticamente –equivale a desconhecer outras formasde direcção política que vão desdemodelos regulativos típicos da subsi-diariedade (....)“ (1996, p. 9).

Assevera o autor referido que a crise daConstituição Dirigente (constitucionalismosocial) ocorre porque o ente estatal não podeser responsável pela concretização de todosos direitos sociais, econômicos e culturais,etc..., deve-se fundar o pacto constitucionalna cooperação efetiva de todos na busca dadensificação das normas e valores constitu-cionais essenciais. Bem fala o autor sobreessa teoria da constituição moralmente re-flexiva com a necessidade de participaçãoativa de toda a sociedade:

“Nesta perspectiva, certas formasjá apontadas de ‘eficácia reflexiva’ oude ‘direcção indireta’ – subsidiarieda-de, neocorporativismo, delegação –

Page 6: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa168

podem apontar para o desenvolvi-mento de instrumentos cooperativosque, reforçando a eficácia, recuperemas dimensões justas do princípio daresponsabilidade apoiando e encora-jando a dinâmica da sociedade civil.Além disso, devem considerar-se su-peradas as formas totalizantes e pla-nificadoras globais abrindo o cami-nho para acções e experiências locais(princípio da relevância) e dando gua-rida à diversidade cultural (princípioda tolerância) “(1996, p. 16-17).

Passa, dentro dessa crise no direito, aocorrer, então, a busca incessante por umnovo paradigma que informe as normas ju-rídicas e o fenômeno jurídico como um todo,viabilizando a realização das expectativaspopulares, concretizando os enunciadosnormativos postos nas Cartas Fundamen-tais e no ordenamento jurídico como umtodo, garantindo a preservação da ordem esegurança com a paz social, buscando criaruma Teoria Geral do Direito renovada. Deforma até certo ponto dramática, conclui Da-vid Wilson de Abreu Pardo:

“De fato, não se desconhece a pro-funda fragmentação da realidade so-cial. Esse é um ponto a ser considera-do na crítica pós-moderna: a hiper-complexificação do mundo em quevivemos (...) Dessa forma, um novoconceito jurídico de Constituição queapreenda aquela tensão referida se faznecessário. Ao mesmo tempo em quese faz presente a força normativa dalegalidade dos poderes públicos, o es-tatuto daí resultante deve se abrir aum diálogo com as regras extra-legaisdo meio societário. Como diz Canoti-lho, não se trata da dissolução da cons-tituição formal na velha ‘constituiçãoreal’, nos ‘fatos políticos’”(1999, p. 121).

Como se atestou, o ser humano ao longoda história viveu e continua vivendo crisese tenta superá-las, a fim de estabelecer me-lhores condições de vida com maior har-monia social.

Nesse momento, conforme deveras sali-entado, vive-se no direito uma dessas enor-mes crises, fruto principalmente de umainaptidão efetiva de concretização de direi-tos fundamentais, sociais, econômicos. Essacrise urge por uma superação que, salvomelhor juízo, só será obtida pelo estabeleci-mento de um novo pacto social e pela imple-mentação de uma Teoria Geral do Direito ba-seada em dados de ciência (cf. LAFER, 1998).

Dentro desse contexto, perceber-se-áquão difícil é dar garantia e proteção a valo-res, direitos e preservar o próprio ser huma-no. O próprio conteúdo do direito e sua es-trutura dogmático-positivista vêm sendoquestionados, criticados e postos em xeque.O direito oficial, salvo melhor juízo, parecenão conseguir dar respostas sociais efetivasaos problemas postos, acabando por surgirmovimentos alternativos que questionam aprópria legitimidade do sistema jurídico-po-lítico vigente, tentando estabelecer novosparadigmas de atuação, de conteúdo e devalor para o direito.

Essa crise jurídica está envolvida com acriação de um ambiente supostamente deglobalização econômica, de pluralismo so-cial e de avanço das idéias filosóficas, mastambém de exclusão social, pobreza, margi-nalização, ignorância e tirania. Tal embatede valores positivos e negativos acaba porfragilizar a democracia, devendo o ser hu-mano aprender a necessidade da solidarie-dade social com atuação conjunta do enteestatal e da sociedade organizada para daroportunidade aos menos assistidos, fazen-do prevalecerem e se realizarem os direitosfundamentais para garantia da dignidadeda pessoa humana. Habermans mostra queé melhor cultivar a solidariedade humana:

“Para quebrar as correntes de umauniversalidade falsa, meramente pre-sumida, de princípios universalistascriados seletivamente e aplicados demaneira sensível ao contexto, semprese precisou, e se precisa até hoje, demovimentos sociais e de lutas políticasno sentido de aprender das experiên-

Page 7: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 169

cias dolorosas e dos sofrimentos irre-paráveis dos humilhados e ultrajadose dos mortos, que ninguém pode serexcluído em nome do universalismomoral nem as classes subprivilegiadasnem as nações exploradas nem as mu-lheres tornadas domésticas nem as mi-norias marginalizadas. Quem exclui ooutro, que lhe permanece um estranho,em nome do universalismo, trai suaprópria idéia. O universalismo do res-peito igual em relação a todos e da soli-dariedade com tudo o que tenha sem-blante humano se comprova apenas nalibertação radical de histórias indivi-duais e de formas particulares de vida”(JÜRGEN HABERMANS apud POR-FÍRIO; FERNANDES, 1998, p. 65-84).

Enfim, o ser humano em sua complexi-dade é formado por sentimentos cambian-tes que se externam no plano do amor e doódio, que podem conduzi-lo a belas atitu-des de solidariedade, mas também podemgerar guerras e destruições massiças. Nessecontexto, para frear os ímpetos dos seres hu-manos, tornando possível o convívio soci-al, surgem as formas de controle, como é odireito. Esse direito, baseado em normas eregras coercíveis na modernidade, encon-tra-se em crise, por já não atender aos ansei-os do homem, necessitando de urgente re-formulação em toda sua contextura e na suaTeoria Geral, principalmente na busca deum conteúdo específico, para manter a or-dem, a estabilidade, protegendo o ser hu-mano em toda a sua magnitude.

2. As perspectivas de análise do direito:necessidade de reconstrução

Na análise acima destacada, percebe-seque o modelo do direito atualmente vigentena sociedade contemporânea está em crise.A seguir, procura-se demonstrar de formasintética como o fenômeno jurídico foi pen-sado ao longo da história da humanidade,com base em alguns expoentes do pensa-mento jurídico.

As doutrinas que vão merecer breve aná-lise para os fins deste trabalho são: as teori-as formalistas; as teorias decisionistas; asteorias sociológicas; as teorias alternativis-tas; as teorias interpretativas. A seguir dis-correr-se-á brevemente sobre cada uma.

Inicialmente, quando se está criticandoo direito moderno, deve-se levar em contaque a análise a ser empreendida começa apartir da Revolução Francesa, quando ocor-reu a laicização do Estado, separando-se demodo cabal – pelo menos formalmente – odireito da religião e das demais ordens éticas.

Nesse contexto, destacam-se primeiro asteorias formalistas do direito. Essas teoriasformalistas têm em Hans Kelsen seu maiorexpoente. Esse autor defende que o importan-te para o direito é ter uma teoria geral quepermita saber como as normas jurídicas sãoproduzidas, criadas e aplicadas, não impor-tando, pelo menos para a Teoria Pura do Di-reito, a questão do conteúdo da norma posta.

Como se vê, a Teoria Pura consiste numatentativa de dar cientificidade ao direito,delimitando de forma sistematizada e commetodologia própria o modo como a nor-mas e os ordenamentos jurídicos são cons-tituídos e se desenvolvem. É uma teoria quefoge ao aspecto do valor, tendo um conteú-do eminentemente formalista, apegado àtentativa de dotar o direito de uma claraautonomia enquanto Ciência Pura. Bem cla-ro é Kelsen ao asseverar a pureza de suateoria normativo-formalista:

“A ‘pureza’ de uma teoria do Di-reito em que se propõe uma análiseestrutural de ordens jurídicas positivasconsiste em nada mais que eliminar desua esfera problemas que exijam ummétodo diferente do que é adequado aoseu problema específico. O postuladoda pureza é a exigência indispensávelde evitar o sincretismo de métodos, umpostulado que a jurisprudência tradi-cional não respeita ou não respeita su-ficientemente” (1998, p. 291).

Assevere-se que Kelsen não defendia aausência de conteúdo para as normas jurí-

Page 8: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa170

dicas, mas dizia que o problema do conteúdorefoge à Teoria Pura do Direito, sendo a Justi-ça e os valores imanentes às normas proble-ma afeito a outras áreas do conhecimento2.

A crítica é que a Teoria Pura do Direitoapresenta-se formalista e não delimita umconteúdo específico para o direito, apenasse preocupando com a norma enquantoenunciado que precisa ser informada paraser produzida, criada, ter vigência, valida-de e eficácia.

De forma ainda mais radical, tem-se aschamadas teorias decisionistas, nas quaiso expoente sem dúvida foi Carl Schmitt naanálise que fez na órbita do direito constitu-cional.

Defende Carl Schmitt que o direito e opoder estão umbilicalmente ligados, sendoo conteúdo da Constituição uma decisãopolítica que prevalece, fazendo-se norma.

Para o autor, não existem valores a seprotegerem de forma utópica, mas sim a ne-cessidade de asseverar que as normas jurí-dicas são decisões políticas e assim devemser tratadas. Comentando o teor da Consti-tuição, destaca Schmitt:

“La Constitución no es, pues, cosaabsoluta, por cuanto que no surge de símisma. Tampoco vale por virtud de sujusticia normativa o por virtud de sucerrada sistemática. No se da a sí mis-ma, sino que es dada por una unidadpolítica concreta. Al hablar, es tal vezposible decir que una Constitución seestablece por si misma sin que la rarezade esta expresión choque en seguida.Pero que una Constitución se dé a símisma es un absurdo manifesto. LaConstitución vale por virtud de la vo-luntad política existencial de aquel quela da. Toda especie de normación jurí-dica, y también la normación constitu-cional, presupone una tal voluntad comoexistente” (1982, p. 46).

Leva, nesses termos, ao extremo Schmitta idéia de direito vinculado ao poder, tor-nando o próprio direito apenas uma formade manifestação das forças dominantes sem

maiores condicionamentos, nem tampoucoautonomia própria.

A crítica é que essa teoria também é for-malista, afetando a própria autonomia quese almeja emprestar ao direito, que é reduzi-do ao fenômeno político como uma das for-mas de sua expressão; não tendo, assim,princípios próprios mais elevados, nem tam-pouco autonomia para realizar um plexo devalores diferenciado.

Também, tem-se a visão das teorias soci-ológicas do direito, que têm como um im-portante representante no Brasil o Prof. Cláu-dio Souto, desenvolvendo uma teoria socialdo direito que almeja determinar um con-teúdo científico-social ao fenômeno jurídi-co (direito).

As teorias sociológicas procuram mos-trar o direito como uma forma de controle so-cial que visa a proteger os valores sociais fun-damentais humanos, destacando que o direi-to não é só a lei/norma, mas também é o con-teúdo social subjacente que será regulado.

Cláudio Souto destaca que a análise jus-positivista do direito com base em teoriasnormativas é reducionista, não dotando decientificidade o direito. Segundo defende, ocerto seria perceber o contexto social dasrelações humanas e delas inferir-se, com baseem dados empíricos de ciência, o conteúdodo direito e das normas jurídicas que mere-cem proteção por terem sustentáculo social.

Estabelece o autor que o direito deverápreservar e plasmar um sentimento de agra-dabilidade entre os seres humanos, efetivan-do uma esfera de segurança e paz social, naqual os conflitos serão resolvidos de formacabal pela análise do contexto social subja-cente em toda sua plenitude fática com au-xílio de dados concretos de ciência. Veja-sea lição do autor:

“Como o direito é forma e conteú-do ao mesmo tempo, e inseparavel-mente, se se lhe quer atribuir o máxi-mo possível de segurança cognitiva, épreciso informá-lo de lógica em suaforma, e de ciência substantiva em seuconteúdo. E quanto mais rigorosa seja

Page 9: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 171

a ciência substantiva que informe ojurídico, maior, evidentemente, a se-gurança cognitiva deste”3.

A crítica é que essas teorias procuramver o fato social como o fundamento do di-reito, procurando reduzi-lo à interpretaçãodos fatos sociais concretos, incorrendo nomesmo erro acima delineado de serem re-ducionistas e parciais. Isso porque essas te-orias sociológicas não asseveram o conteú-do do direito que não seja a interpretaçãodos fatos sociais para a resolução de confli-tos subjacentes, tornando o direito muitomais um capítulo da sociologia do que pro-priamente a ciência autônoma com seusmétodos e realidades próprias.

Ainda, tem-se as teorias alternativas dodireito ou, como mais popularmente são co-nhecidas, as teorias do direito alternativo.

As teorias do direito alternativo buscammostrar que o direito não se restringe ao di-reito oficial, ou seja, ao direito estatal, quehá o direito das favelas, das minorias, que háum direito diferente do meramente estatal.

Tentam demonstrar que esse direito debase mais empírica, e ligado supostamentea uma realidade social de periferia, é maisefetivo e realizável do que o direito oficial,tendo mais legitimidade para proteção dacoletividade, devendo ser reconhecido eamparado pelo direito oficial.

Além dessa visão do direito alternativo,há outros pensadores que tencionam de-monstrar que o direito alternativo é aqueledireito atual, estando mais ligado aos pro-blemas humanos recentes, seria ainda o di-reito das lutas sociais, devendo prevaleceressa realidade contra as normas estatais cris-talizadas em Códigos de dezenas ou até cen-tenas de anos atrás que não tem mais sus-tentáculo axiológico, nem fático nas relaçõeshumanas subjacentes.

A lição de Roberto Lyra Filho nesse sen-tido é pujante ao analisar a perspectiva deuma Justiça Social:

“Justiça é Justiça Social, antes detudo: é atualização dos princípioscondutores, emergindo nas lutas so-

ciais, para levar à criação duma soci-edade, em que cessem a exploração eopressão do homem pelo homem; e oDireito não é mais, nem menos, do quea expressão daqueles princípios su-premos, enquanto modelo avançadode legítima organização social da li-berdade. Direito é processo, dentro doprocesso histórico: não é uma coisafeita, perfeita e acabada; é aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimen-tos de libertação das classes e gruposascendentes e que definha nas explo-rações e opressões que o contradizem,mas de cujas próprias contradiçõesbrotarão as novas conquistas. À in-justiça, que um sistema institua e pro-cure garantir, opõe-se o desmentidoda Justiça Social conscientizada; àsnormas, em que aquele sistema vertaos interesses de classes e grupos do-minadores, opõem-se outras normase instituições jurídicas, oriundas declasses e grupos dominados, e tam-bém vigem, e se propagam, e tentamsubstituir os padrões dominantes deconvivência, impostos pelo controlesocial ilegítimo; isto é, tentam genera-lizar-se, rompendo os diques daopressão estrutural. As duas elabora-ções entrecruzam-se, atritam-se, aco-modam-se momentaneamente e afinalchegam a novos momentos de ruptu-ra, integrando e movimentando a dia-lética do Direito. Uma ordenação senega para que outra a substitua no iti-nerário libertador. O Direito, em resu-mo, se apresenta como positivação daliberdade conscientizada e conquis-tada nas lutas sociais e formula osprincípios supremos da Justiça Soci-al que nelas se desvenda” (1992).

A base do pensamento dos alternativis-tas, enfim, reside exatamente no fato de odireito oficial não conseguir se realizar, nãoresolvendo problemas humanos fundamen-tais, restando patente o seu caráter conser-vador de direito posto por uma minoria do-

Page 10: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa172

minante em contraste com a realidade sub-jacente.

Essas críticas realmente têm procedên-cia em sua generalidade. Só que se deve per-guntar o que os alternativistas pretendem: ofim do direito estatal? O fim da interpreta-ção atrelada a normas aprovadas pelos par-lamentares dentro de um regime democráti-co? Qual o conteúdo do novo direito a sercriado? Quais os limites a esse novo direitoalternativo?

Realmente, não define o movimento dodireito alternativo o conteúdo do novo di-reito que querem construir e efetivar, não de-limitam um metódo para criação, modifica-ção e até modernização do direito a ser im-plantado em lugar do direito oficial. A teoriado direito alternativo perde assim substân-cia, sendo passível de causar maiores danoscom a insegurança jurídica e a quebra do equí-librio das relações humano-sociais.

A crítica ao direito oficial e à dogmáticajurídica deve ser feita, mas de forma tempe-rada, até porque é nesse modelo de direitoque restam ao menos formalmente garanti-dos os princípios éticos e valores fundamen-tais do ser humano na atualidade. Bem res-salta João Maurício Adeodato:

“(...) Aí a contribuição ética do po-sitivismo, tal como definido aqui:como não há uma justiça evidente emsi mesma, nós próprios é que temosde tomar em nossas costas o fardo dedizer, de pôr (daí positivismo) o direi-to. Foi o que mudou: o direito conti-nua axiológico como inevitavelmenteo é, mas seu valor não está pré-fixadopor qualquer instância a ele anteriorou superior. Ele não é imposto pelainfalibilidade do Papa ou da SantaMadre Igreja, nem é fixado a partirdesta ou daquela concepção que al-guém tenha de ‘justiça’ ou de ‘razão’.(...) A ética inerente a um positivismomoderno, parece-nos, não é aquelaque, por admitir qualquer conteúdo,presta-se, por exemplo, a justificar aimposição compulsória de padrões

homogêneos de comportamento atoda a comunidade. Por recusar parâ-metros de conduta legítimos ‘em simesmos’, o positivismo coaduna-semais facilmente com uma ética gene-ricamente cética, compreensiva, dis-posta a tolerar posturas diversas, des-de que não se pretendam estender atodos a todo custo” (1997, p. 272).

Por fim, tem-se o que chamamos de teori-as interpretativas. Essas teorias têm a base dediscussão na linguagem, no valor da retóri-ca, no direito enquanto palco de debates e dis-cussões para resolução dos conflitos postos.

A visão dessas teorias é que a norma/leiseria apenas um dos referenciais para aferiro conteúdo do fenômeno jurídico, e tambémpara resolução dos conflitos sociais subja-centes. Esses conflitos só seriam resolvidospor meio da interpretação, com base na apli-cação da norma jurídica em integração aofato social conflituoso a ser sanado.

Essas teorias interpretativas da lingua-gem procuram destacar que não existe a tra-dicional subsunção na qual se analisa o fato,aplica-se a norma, atingindo-se uma con-clusão (fato – norma – conclusão). Isso é algoque não ocorre - defendem - na esfera com-plexificada das relações humanas.

Tal fato deve-se à enorme gama de variá-veis existentes na solução de um conflito queconduz à necessidade de adotar métodosde interpretação e de visualização do direitodiversos dos tradicionalmente conhecidos.

Aí, passa-se a defender a chamada tópi-ca, que tem representante maior em Theo-dor Viehweg, na qual a análise do direitonão reside no estudo da norma ou dos valo-res sociais que merecem proteção. Mas, sim,o direito vai-se concretizar e realizar, adqui-rindo conteúdo, quando se está diante deum problema sócio-econômico-político-jurí-dico concreto que merece solução a fim deevitar conflito maior dentro do seio da soci-edade. Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1994,p. 523) ressalta:

“Na mesma linha de pensamen-to, o jusfilósofo Theodor Viehweg

Page 11: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 173

(1974), ao versar o tema, entende a ar-gumentação jurídica como uma formatípica de raciocínio. O raciocínio jurí-dico, para ele, tem um sentido argu-mentativo: raciocinar, juridicamente,é uma forma de argumentar. Argu-mentar significa, num sentido lato,fornecer motivos e razões dentro deuma forma específica. Captando opensamento jurídico na sua operaci-onalidade, Viehweg (1974) assinala,pois, que a decisão jurídica aparece,neste sentido, como uma discussãoracional, isto é, como um operar raci-onal do discurso, cujo terreno imedia-to é um problema ou um conjunto de-les. O pensamento jurídico de ondeemerge a decisão deve ser, assim, en-tendido basicamente como ‘discussãode problemas’”4.

Como se vê, essas renovadas teorias dainterpretação do direito vêem que a concre-tização do direito ocorrerá com a análise doproblema posto, aplicando-se topois (luga-res comuns): valores condensados e pers-pectivas previamente adotadas do que é le-gal e justo, para resolução de forma integra-da do conflito existente (problema).

Não interessa tanto a norma que se vaiaplicar, o que importa para essa linha depensamento tão em voga atualmente é con-seguir manejar os topois sobre o problemaposto, visando a encontrar a solução jurídi-ca mais razoável para pacificação do con-flito social.

Nesses termos, não haveria padrões desolução uniformes e generalizados dos con-flitos, como gostariam os formalistas, nemtampouco valores sociais plenos e univer-sais que merecessem guarida, como já des-tacaram os sociologistas, não sendo tambémo direito uma mera decisão de cunho políti-co, nem tampouco necessário adotar direi-tos alternativos para atingir a solução justapara o caso concreto. Ao contrário, defen-dem que as soluções dos conflitos são dife-renciadas para cada situação concreta a seranalisada, dentro das peculiaridades e den-

tro das características que merecem prote-ção. A solução a ser atingida para o conflitoserá fruto de uma reflexão acerca do proble-ma por meio da aplicação de técnicas argu-mentativas, que tenderão a atingir a solu-ção mais eqüânime, ponderável, proporcio-nal e razoável diante do problema posto.

A crítica feita a essas teorias interpreta-tivas, baseadas na tópica/retórica e na con-cretização, é que essas apenas renovaram oentendimento do fenômeno jurídico, masnão delimitaram o conteúdo do direito, nãodefinindo uma Teoria Geral de cunho mate-rial para o mesmo. Apenas, aceitam essasteorias interpretativas a complexidade so-cial e não reduzem o direito a meras regrassubsuntivas na solução dos problemas con-cretos, mas mesmo assim mostram-se insu-ficientes para atender à necessidade da de-limitação de um conteúdo e de uma TeoriaGeral plausível para o fenômeno jurídico.

Enfim, dentro da breve visão acima deli-neada, pode-se perceber que não devemosadotar uma visão de reduzir o direito à nor-ma jurídica, ou ao fato social, ou a uma meradecisão de cunho político, ou então excluira aplicação do direito oficial em benefíciode um suposto direito alternativo, nem tam-pouco pode-se aferir o direito apenas pelaanálise dos problemas concretos em face dastécnicas da tópica/retórica utilizadas.

As visões do direito com base somenteem norma, fato social, problema, poder, es-tatalidade, são todas formais, sem se conse-guir aferir um conteúdo para o direito. Esseconteúdo é algo necessário de ser determi-nado, aferindo-se a finalidade do direito narealidade humana atual, a fim de se tornarpossível a construção de uma Teoria Geraldo Direito com cunho efetivamente científi-co e embasado.

3. A busca de um conteúdo para odireito: tentativa de delimitação

A busca de um conteúdo para o direito éalgo assente na história da humanidade.Para os fins deste trabalho, não cabe uma

Page 12: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa174

análise filosófica do tema, até porque se pre-fere dar ao direito um conteúdo de cunhoprático que venha a fazer com que ele cum-pra a sua finalidade precípua.

Nesse sentido, a primeira questão que secoloca é estabelecer qual a finalidade do di-reito para tentar localizar um conteúdo es-pecífico para o fenômeno jurídico. Essa ques-tão já foi deveras analisada no capítulo 1 des-te trabalho, quando se destacou que a finali-dade do direito é servir como uma forma decontrole social que estabeleça segurança àsrelações sociais subjacentes, garantindo asexpectativas e protegendo os valores funda-mentais plasmados em uma sociedade.

Então, em síntese, a finalidade do direi-to, dentro da primeira análise feita, é umavisão conservadora do direito ligado ao con-trole social, preservador das relações jurídi-cas subjacentes, garantidor do status quo vi-gente. Ou seja, a finalidade basilar, comoacima delineado, seria a de preservação dovalor: segurança. A segurança no direitopode ser entendida, na lição clássica de Dal-mo de Abreu Dallari, como: “ entre as prin-cipais necessidades e aspirações humanasencontra-se a segurança jurídica. Não hápessoa, grupo social, entidade pública ouprivada, que não tenha necessidade de se-gurança jurídica, para atingir seus objetivose até mesmo para sobreviver” (1980, p. 26).

Essa idéia de segurança existe tanto naesfera pública quanto privada. Na esferapública, serve a segurança jurídica a gover-nantes e governados na preservação dasexpectativas, evitando opressão e tirania. Já,na esfera privada, a regulamentação dosnegócios é apoiada no valor segurança, ser-vindo este para manter a estabilidade, dis-ciplinando as relações jurídicas humanasem sua contextura usual (cf. FANTONI JÚ-NIOR, 1997, p. 14).

Nelson Saldanha, dentro dessa linha, vêo direito em sua teoria como um mantene-dor da ordem, sendo os valores jurídicosatrelados à idéia de segurança, inserido numcontexto histórico determinado de cadapovo. Veja-se a lição do autor:

“O direito, tanto quanto a política,concerne a comportamentos, a valo-res e a moldes institucionais. Em am-bos há ‘princípios’ (posto que há va-lores) e ocorrem relações entre um pla-no geral e casos particulares. Ocorre anecessidade de compreender, aplican-do noções específicas, e portanto anecessidade de uma hermenêutica,que só pode ser suficiente – tantono caso do direito como no da polí-tica – se tem em mira o todo, isto é, aordem vigente“ (1992, p. 148. Vertambém 1998).

Entretanto, essa finalidade do direito, en-quanto ordem mantenedora da segurança,é parcial e incompleta, integrando princi-palmente os interesses dominantes de umasociedade ao refletir muito mais uma visãopolitico-econômico-jurídica da elite domi-nante.

Para fazer o contra-ponto, outra finali-dade do direito pode ser vista dentro de umcontexto revolucionário, de ruptura de es-truturas, de estabelecimento de um novopatamar de valores dentro de um grupo so-cial. O direito aqui seria uma via para alte-ração da situação de dominação, servindode meio integrador dentro do contexto só-cio-político-jurídico subjacente.

A finalidade do direito no plano revolu-cionário apoiar-se-á mais no valor: justiçasocial, baseado em princípios como a igual-dade material e a idéia de proteção e garan-tia aos hipossuficientes. Aqui, ter-se-á o di-reito como alterador do status quo vigente,estabelecendo oportunidades e criando me-canismos de modificação da realidade soci-al subjacente.

Miguel Reale defende ser a Justiça iden-tificada como o bem comum de todos os se-res humanos dentro de uma perspectiva éti-co-jurídico-espiritual. Vejam-se as conclu-sões do jusfilósofo:

“ A Justiça que, como se vê, não ésenão a expressão unitária e integran-te dos valores todos da convivência,pressupõe o valor transcendental da

Page 13: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 175

pessoa humana, e representa, por suavez, o pressuposto de toda a ordemjurídica. Essa compreensão histórico-social da Justiça leva-nos a identificá-la como o bem comum, dando, porém,a este termo sentido diverso do quelhe conferem os que atentam maispara os elementos da ‘estrutura’, deforma abstrata e estática, sem reconhe-cerem que o bem comum só pode serconcebido, concretamente, como umprocesso incessante de composição devalorações e de interesses, tendo comobase ou fulcro o valor condicionanteda liberdade espiritual, a pessoa comofonte constitutiva da experiência éti-co-jurídica” (1994, p. 272).

A realização da Justiça seria, nesse pon-to, a finalidade basilar do direito. Entretan-to, faltaria a essa perspectiva a delimitaçãodo que seria justo ou injusto com base emcritérios reais para evitar um vazio ontoló-gico para o direito, conduzindo a posiçõesradicais e fluidas de imposição de normas evalores muitas vezes antidemocráticos e to-talitários.

Deve-se asseverar que questionar qual afinalidade do direito de forma excludente éalgo precipitado e demagógico. O direito nãopode ser visto só como estratificador de umasituação político-social consolidada (segu-rança), nem tampouco é capaz de alterar atotal contextura social existente com baseem seu suposto pendor revolucionário pararealização de uma idéia de justiça sem con-teúdo material evidente (justiça social).

O direito tem de buscar a sua finalidadena realização da proteção e segurança dosanseios, bens, valores humanos existentes,garantindo a segurança tão apregoada pe-los conservadores, mas também permitindoa abertura normativa para influir e influen-ciar sobre os fatos, criando a possibilidadede inclusão e melhoria da qualidade de vidados seres humanos em geral.

Enfim, a finalidade do direito é dar se-gurança, proteção, paz social ao homem noconvívio com os seus semelhantes (aspecto

formal), mas também possibilitar a atuaçãorevolucionária das normas jurídicas paraalterar a contextura social, preservando egarantindo a dignidade da pessoa huma-na, como restará evidenciado nos itens pos-teriores.

Atestada a finalidade de conservação/revolução do direito para garantia do serhumano e de sua interação social mais com-pleta, parte-se ao questionamento do conteú-do que deve possuir o direito plasmado emsuas normas, princípios, regras, preceitos.

Realmente, poder-se-ia questionar que odireito tem um conteúdo dependente decada sociedade em que é realizado, sendoesse conteúdo baseado em valores sociaisque merecem proteção diante de cada mo-mento histórico e dentro de cada grupo hu-mano especificamente (cf. SALDANHA,1988, p. 71–82).

Essa visão histórica de cunho empirista,se prevalecesse, tiraria todo o fundamentoda discussão ora delineada, já que serviriapara defender o caráter relativo do direitodiante do fato de não se estabelecer um con-teúdo fixo e determinável ao direito de for-ma universal.

Não se quer ingressar, no presente tra-balho, na polêmica da existência ou não devalores no plano ideal (Nicolai Hartmann)ou apenas no plano concreto-histórico (Ni-etzsche), mas deve-se ressaltar que o relati-vismo de valores do fenômeno jurídico é algoperigoso, podendo servir para deixar umimenso vazio onto-axiológico para o direi-to, inviabilizando a construção de uma Te-oria Geral com base científica delimitáveldentro de uma esfera necessária de análisedo seu conteúdo.

Por isso, inobstante não rejeitar as dis-cussões acima referidas, entendo que se devebuscar um conteúdo para o direito que váalém do aspecto histórico-valorativo de cadapovo/civilização, adquirindo na atualida-de o foro de universalidade.

O conteúdo a ser dado ao direito serádefinido com base na análise da experiên-cia subjacente5 dentro do contexto humano

Page 14: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa176

atual, ressaltando também dever a TeoriaGeral do Direito e o fenômeno jurídico apli-cados à realidade ter um embasamentonuma ética do bem em benefício de todos,dando-se dessa forma um conteúdo especí-fico ao direito. Eros Roberto Grau é claronesse sentido:

“ Não pretendo, no apelo à éticaque do meu texto se depreende, subs-tituir esses valores formais por umaética que projete, e represente, as par-ticularidades de determinados agru-pamentos de indivíduos. E, como ine-xiste uma ética universal, estou con-vencido de que a universalidade dalei e os procedimentos legais – embo-ra sempre relativizados em sua apli-cação, como eu mesmo anteriormenteobservei – são conquistas da humani-dade das quais não se pode impune-mente abrir mão (...) Por isso mesmo, aeticização do direito pela qual se cla-ma apenas poderá ser realizada, nopresente, mediante a adição de con-teúdos às formas jurídicas, o que im-porta desenvolvam os juristas nãouma atividade exclusivamente técni-ca e significa atuem segundo uma éticana lei (não acima da lei)” (1988, p. 78).

Defendo que o conteúdo a ser dado aodireito está presente na proteção integral doser humano, que é vista atualmente como agarantia dos direitos fundamentais/huma-nos, e num segundo momento de forma maisampla dentro da garantia da própria digni-dade do ser humano.

Assim sendo, o direito deve ter o seu con-teúdo voltado à proteção do ser humano,sendo elaborada uma teoria substancial dosdireitos humanos/fundamentais. Os direi-tos humanos/fundamentais merecem umaproteção em toda sua contextura, em espe-cial garantindo, em último plano, a plenadignidade do ser humano, que será objetode análise no capítulo seguinte.

Deve-se, pois, delinear uma Teoria Ge-ral do Direito com base nos direitos huma-nos/fundamentais de forma substancial,

pois esse deve ser o conteúdo precípuo dodireito e de toda a sua dogmática, filosofia esociologia.

Atualmente, uma das teorias mais com-pletas sobre os direitos fundamentais foiconstruída por Robert Alexy, referência obri-gatória nessa temática6.

O objetivo de Alexy, em sua teoria, é es-clarecer o conteúdo jurídico-positivo dosdireitos fundamentais, estabelecendo os seuscaracteres de forma integrativa dentro de umavisão substancial, baseado em três perspecti-vas: analítica, empírica e normativa.

Ressalta, nesses termos, Willis SantiagoGuerra Filho a intenção de Alexy em elabo-rar uma teoria jurídica que leve em conside-ração as múltiplas perspectivas do direito:

“ A concepção epistemológica dadogmática jurídica que se defendepode ser denominada de ‘inclusiva’(Guerra Filho, ARSP, 1989), por pro-pugnar que se leve em conta uma mul-tiplicidade de perspectivas de estudodo direito, quando da elaboração derespostas aos problemas colocados,às quais se possa associar o atributo dacientificidade compatível com o cará-ter prático desses problemas e, por viade conseqüência, também da ciênciaque deles se ocupe” (1995, p. 46- 47).

De forma sistemática, Alexy, dentro desua teoria, tem a dimensão analítica servin-do para criar um sistema conceitual quepermita, com clareza, o estudo do objeto en-focado. Também, tem a sua teoria uma di-mensão empírica em que se analisa primei-ro o direito positivo e depois se busca cons-truir a aplicação da argumentação jurídicano plano da ordem normativa real. E, porfim, tem-se a dimensão normativa, fazendoalusão, nessa ordem, a uma crítica do mate-rial de direito positivo em que se incluem osdiscursos do legislador, operadores jurídi-cos e aplicadores da norma.

Alexy afirma que o estudo das 3 dimen-sões é essencial para a ciência do direito, afim de se dar uma feição de cientificidade àteoria dos direitos fundamentais dentro de

Page 15: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 177

um âmbito pluridimensional. Veja-se a sín-tese do autor:

“ Frente a las três dimensiones, el carác-ter de la ciencia del derecho como disciplinapráctica resulta ser un principio unificantesi la ciencia del derecho há de cumplir raci-onalmente su tarea práctica, tiene entoncesque vincular recíprocamente las tres dimen-siones. Tiene que ser una disciplina inte-grativa pluridimensional: la vinculación delas tres dimensiones es condición necesariade la racionalidad de la ciencia del derechocomo disciplina práctica” (1997, p. 33).

Na teoria de Alexy, ele procura pontua-lizar de forma crítica a essência desses direi-tos fundamentais, tentando delimitá-los e res-pondendo a importantes questões, tais como:

“ (...) Em toda a parte onde direi-tos fundamentais existirem colocam-se os mesmos ou semelhantes proble-mas. Apenas para mencionar alguns:que diferenças estruturais existementre direitos de defesa liberais, direi-tos à proteção, direitos fundamentaissociais e direitos de cooperação polí-tica? Quem é o destinatário, quem é otitular de direitos fundamentais? Sobquais pressupostos formais e materi-ais direitos fundamentais podem serlimitados ? Com que intensidade podeum Tribunal Constitucional controlaro legislador sem que sejam violados oprincípio democrático e o princípio daseparação de poderes?” (1999, p. 67).

O esforço de Alexy, que no âmbito destetrabalho não cabe analisar por refugir aonosso objeto central do estudo, é formar umateoria de cunho material, multifacetada eobjetiva que destaque a correta dimensão dosdireitos fundamentais, conduzindo à sua ple-na proteção e evitando também o engessa-mento de certos direitos ditos nominalmentefundamentais mas que nada têm de realmen-te fundamentais para o homem (1998).

A teorização de Alexy serve claramentepara delimitar o conteúdo do direito comosendo a proteção integral da pessoa huma-na dentro da perspectiva por ele criada, de-

lineando-se claramente as dimensões ana-lítica, empírica e normativa na explicaçãodo conteúdo do direito por meio da análisedos direitos fundamentais. Tem-se, assim,na Teoria dos Direitos Fundamentais de Ale-xy a tentativa de aferir com mais precisão,dentro do arcabouço dos direitos fundamen-tais e conseqüentemente, o conteúdo do direi-to enquanto fenômeno social positivado.

Além dessa teoria de Alexy, que buscaexplicar o teor dos direitos fundamentais, étambém interessante notar a Teoria do Ga-rantismo Jurídico de Luigi Ferrajoli. Esseautor defende que o direito tem de ser infor-mado por conteúdos substanciais, quaissejam: os direitos fundamentais, merecedo-res de serem garantidos e realizados de umaforma efetiva pelo direito e pelo Estado.

O direito, assim, só seria realmente vi-gente e efetivo quando conseguisse realizare implementar os direitos fundamentais, ga-rantindo-os de forma plena. Veja-se a tesedo autor:

“ El garantismo, en sentido filosófico-político, consiste esencialmente en estafundamentación hétero-poyética del dere-cho, separado de la moral en los diversossignificados de esta tesis que se han de-sarrolado en el apartado 15. Precisamente,consiste, por una parte, en la negación deun valor intrínseco del derecho sólo por es-tar vigente y del poder sólo por ser efectivoy en la prioridad axiológica respecto a am-bos del punto de visto ético-político o exter-no, virtualmente orientado a sua crítica ytransformación; por outra, en la concepciónutilitarista e instrumentalista del estado, di-rigido unicamente al fin de la satisfacciónde expectativas o derechos fundamentales”(cf. FERRAJOLI, 1998, p. 884).

Para Luigi Ferrajoli, a validade intrínse-ca do direito, indo além de uma postura for-mal, estaria vinculada à realização e garan-tia dos direitos fundamentais num plano deconteúdo material essencial ao direito den-tro de uma perspectiva ética. Observe-se:

“ A tal procedimento de validade,eminentemente formalista, acrescen-

Page 16: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa178

ta um dado que constitui exatamenteo elemento substancial do universopolítico. Neste sentido, a validade trazem si também elementos de conteúdo,materiais, como fundamento da norma.Esses elementos seriam os direitos fun-damentais. Essa idéia resgata uma pers-pectiva de inserir valores materialmenteestabelecidos no seio do ordenamentojurídico, fazendo um resgate da ‘éticamaterial dos valores’ de Max Scheler.Ferrajoli afirma que o conceito de vali-dade em Kelsen, por conseguinte, é equi-vocado, pois uma norma seria válidese não estivesse de acordo com os direi-tos fundamentais elencados na Cons-tituição” (cf. MAIA, 2000, p. 96-97).

Assim, percebe-se que o garantismo deFerrajoli busca acoplar ao direito vínculossubstanciais representados pelos direitosfundamentais que devem ser realizados eefetivos para e por todos, ressaltando a ne-cessidade de implementação desses direi-tos fundamentais, amparando os mais frá-geis e excluídos, construindo uma democra-cia substancial e não meramente formal.

Assevera e estabelece ainda Ferrajoli queformas, institutos, normas, conceitos e valo-res jurídicos claros podem servir para efeti-var certos direitos fundamentais de imedia-to, devendo o Poder Público fazer atuar asregras jurídicas nesse sentido:

“Pero esto sólo quiere decir que existeuna divergencia abismal entre norma yrealidad, que debe ser colmada o cuandomenos reducida en cuando fuente de legi-timación no sólo política sino también ju-rídica de nuestros ordenamientos. (...) Ensegundo lugar, la tesis de la no suscepti-bilidad de tutela judicial de estos dere-chos resulta desmentida por la experien-cia jurídica más reciente, que por distin-tas vías (medidas urgentes, acciones repa-ratorias y similares) há visto ampliarsesus formas de protección jurisdiccional,en particular en lo que se refiere al dere-cho a la salud, a la seguridad social y auna retribución justa. En tercer lugar, más

allá de su jusiciabilidad, estos derechostienen el valor de principios informado-res del sistema jurídico ampliamente uti-lizados en la solución de las controversiaspor la jurisprudencia de los Tribunalesconstitcuionales. Sobre todo, en fin, no hayduda de que muy bien podrían elaborarsenuevas técnicas de garantía. Nada impe-diría, por ejemplo, que constitucionalmen-te se establecieran cuotas mínimas de pre-supuesto asignadas a los diversos capítu-los de gastos sociales, haciendose así posi-ble el control de consticuionalidad de lasleyes de financiación estatal. Como nadaimpediría, al menos en una perspectivatécnico-jurídica, la introducción de garan-tías de derecho internacional, como la pu-blicación de un código penal interacionaly la creación de la correspondiente juris-dicción sobre crimenes contra la humani-dad(...)” ([s.d.], p. 64).

Mesmo destacando tais teses, Ferrajolinão estabelece um conteúdo para os direi-tos fundamentais, ainda que dentro de suateoria supostamente democrática tencioneproteção e efetividade dos mesmos por meiodo seu garantismo7.

Deve-se ressaltar, entretanto, que a teo-ria do garantismo é importante, podendoservir como base de proteção aos direitosfundamentais, dando efetividade ao conteú-do do direito, mesmo sem determinar o teordas normas consideradas de direitos fun-damentais de forma objetiva e substancial.

Nesses termos, o garantismo de Ferrajo-li, por possuir um teor formalista, não des-taca o conteúdo dos direitos fundamentais;não contribuindo assim, data venia, para de-limitação do conteúdo do direito nos termosem que nos propomos.

Resta evidente, pelas análises acima em-preendidas, por meio das teorias de Alexy dosdireitos fundamentais e de Ferrajoli do ga-rantismo, que se tencionou sistematizar, pelaprimeira, com critérios de cientificidade, os ca-racteres de uma Teoria Geral dos DireitosFundamentais e, pela segunda, demonstrar anecessidade da garantia latente desses direi-

Page 17: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 179

tos por meio do Estado e da sociedade paraefetivação de uma democracia substancial.

Entretanto, essas teorias sistematizado-ras e garantistas ainda não atingiram o ide-al de delimitar o conteúdo, a essência dosdireitos fundamentais que merecem prote-ção, acabando, data venia, por se tornaremapenas alternativas formais para o entendi-mento dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, para alcançar um conteú-do do direito no plano dos direitos funda-mentais, entendemos que se deve analisar aidéia da plenitude da garantia da dignida-de da pessoa humana, o que se tenta deline-ar no item seguinte deste trabalho.

4. Por uma nova perspectiva deanálise para o direito e sua TeoriaGeral: a preservação da dignidade

da pessoa humana8

O conteúdo e a delimitação de uma Teo-ria Geral do Direito dotada de cientificida-de tem de se apoiar, como acima referido, nagarantia e realização dos direitos humanos/fundamentais em toda a sua contextura, a fimde atingir as finalidades de segurança (con-servação) e justiça (evolução) no seio social.

Entretanto, restou evidenciada a dificul-dade de saber o teor do conteúdo dos direi-tos fundamentais, estando claro que aindanão se conseguiu realmente delimitar o âm-bito material desses preceitos, não se poden-do aferir com precisão, conseqüentemente,o conteúdo do direito enquanto fenômenosocial subjacente.

Tal dificuldade se deve à enorme crisede valores por que o homem vem passando,perdendo sua perspectiva de ser ético paradar força a uma postura humana automati-zada e ausente de um mais elevado conteú-do “moral-ético-espiritual-humano” nassuas relações sociais. Tal fato é bem ressal-tado por Tércio Sampaio Ferraz ao analisara obra de Hannah Arendt:

“ O último estágio de uma socie-dade de operários, que é uma socie-dade de detentores de empregos, re-

quer de seus membros um funciona-mento puramente automático, como sea vida individual realmente houves-se sido afogada no processo vital daespécie e a única decisão ativa exigi-da do indivíduo fosse, por assim di-zer, se deixar levar, abandonar a suaindividualidade, e aquiescer num tipofuncional de conduta entorpecida etranqüilizante. Para o mundo jurídi-co, o advento da sociedade do animallaborans significa, assim, a contingên-cia de todo e qualquer direito, que nãoapenas é posto por decisão, mas valeem virtude de decisões, não importaquais, isto é, na concepção do animallaborans, criou-se a possibilidade demanipulação das estruturas contradi-tórias, sem que a contradição afetassea função normativa (...) A filosofia doanimal laborans deste modo asseguraao direito, enquanto objeto de consu-mo, uma enorme disponibilidade deconteúdos. Tudo é possível de ser nor-mado e para uma enorme disponibili-dade de endereçados, pois o direitonão depende mais do status, do saber,do sentir de cada um, das diferençasde cada um, da personalidade de cadaum” (apud FIORATI, 1999, p. 57).

O homem, na atualidade, tem sua “con-dição humana” ética pouco desenvolvidadentro de um mundo comum engessado edesvalorizado. Para evitar a tirania e umnovo holocausto nessa crise ética, devem-sedelinear direitos humanos a merecer prote-ção como patrimônio simbólico do ser hu-mano na sua busca de superação do seumodo individualista e egoísta de ser. Essaperspectiva é vista por Jete Fiorati na análi-se da obra de Hannah Arendt:

“Apesar do esgarçamento domundo comum, é necessário que setenha algum padrão mínimo a orien-tar a conduta individual, mesmo queseja na sociedade dos ‘homens quelaboram’, uma vez que, se assim nãofor, partiremos para o isolamento.

Page 18: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa180

Modernamente, com a perda dessemundo comum, somente as leis termi-nam por descrever uma conduta mí-nima, conduta essa que muitas vezesse antepõe aos desejos mais íntimosde cada um de nós. Ocorre que, comoas leis não representam mais os des-valorizados valores da comunidade,mas sim prescrições derivadas do po-der que podem mudar a qualquerhora, podemos opinar sobre sua vali-dade a qualquer momento. Portanto,ainda temos que procurar algum cri-tério para fundar as condutas em so-ciedade para evitar que elas se trans-formem em condutas próprias da vidana selva. Entre eles, critérios de res-peito ao homem, mesmo sendo ele oanimal laborans que deve ter seu diretoà vida, à liberdade, à saúde, ao labordo qual provê a sua subsistência e ali-mento expressos em regras escritas oucostumeiras, regras essas que se inse-rem na categoria dos Direitos do Ho-mem, que podem preencher a funçãode definir uma condição humana mí-nima ao homem como forma de umpatrimônio simbólico fundante de ummundo esgarçado” (1999, p. 60).

Mesmo atestando-se essas dificuldadese crises de valor com lastro no pensamentode Hannah Arendt, defendo que os direitosfundamentais devem ter como conteúdobásico a preservação da dignidade da pes-soa humana em sua integralidade e em to-dos os seus níveis, construindo-se uma Te-oria Geral do Direito de base protecionista àdignidade do ser humano, como sua finali-dade onto-axiológica específica.

Necessário se faz realmente a criação,interpretação, aplicação, elaboração dosconceitos e desenvolvimento dos institutosjurídicos, tudo isso formando uma TeoriaGeral do Direito de cunho substancial real efinalidade específica delineada na referidaproteção integral da pessoa humana.

Essa renovada Teoria Geral do Direitodaria uma perspectiva não apenas repro-

dutiva de valores já postos, mas tambémconstrutiva, produtora, ampliadora dasconquistas sociais e normativas para pre-servação da dignidade da pessoa humana.

Nesse ponto, o comprometido com a ple-na realização fático-empírica e também nor-mativo-legal do direito seria realizado tan-to pelo Estado, quanto pela sociedade, res-tabelecendo-se um pacto renovado de com-promissos de preservação da dignidade dapessoa humana, diminuindo as desigual-dades, reduzindo conflitos, superando a mi-séria em todos os seus níveis e conduzindoa uma pacificação, harmonia e também re-volução social sem igual, com base em nor-mas de conteúdo material evidente de pro-teção e desenvolvimento humano integral.Nesse sentido, concordamos com a lição deJosé Afonso da Silva, que assevera a neces-sidade premente da garantia da dignidadeda pessoa humana:

“Não basta, porém, a liberdadeformalmente reconhecida, pois a dig-nidade da pessoa humana, como fun-damento do Estado Democrático deDireito, reclama condições mínimasde existência, existência digna confor-me os ditames da justiça social comofim da ordem econômica. É de lembrarque constitui um desrespeito à digni-dade da pessoa humana um sistemade profundas desigualdades, uma or-dem econômica em que inumeráveishomens e mulheres são torturados pelafome, inúmeras crianças vivem na ina-nição, a ponto de milhares delas mor-rerem em tenra idade” (1998, p. 93).

A preservação da dignidade da pessoahumana refoge ao tipo de sociedade, de ide-ologia, de organização político-social em quevive. É um valor humano dotado de univer-salidade que deve ser desenvolvido, prote-gido e aplicado por uma Teoria Geral doDireito comprometida com a proteção inte-gral do ser humano. A lição de Paulo Bonavi-des conclui acertadamente nesse sentido que:

“ (...) Dotados de altíssimo teor dehumanismo e universalidade, os di-

Page 19: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 181

reitos da terceira geração tendem acristalizar-se neste fim de século en-quanto direitos que não se destinamespecificamente à proteção dos inte-resses de um indivíduo, de um grupoou de determinado Estado. Têm pri-meiro por destinatário o gênero hu-mano mesmo, num momento expres-sivo de sua firmação como valor su-premo em termos de existencialidadeconcreta. (...) A nova universalidade(dos direitos humanos) procura, en-fim, subjetivar de forma concreta epositiva os direitos da tríplice gera-ção na titularidade de um indivíduoque antes de ser o homem deste oudaquele País, de uma sociedade de-senvolvida ou subdesenvolvida, é pelasua condição de pessoa um ente qua-lificado por sua pertinência ao gêne-ro humano, objeto daquela universa-lidade” (1990/1991, p. 10 - 12).

Deve-se asseverar, assim, que a preser-vação da dignidade humana, como conteú-do do direito delineado em todos os seustermos por uma Teoria Geral renovada, de-nota a necessidade de participação de to-dos, demonstrando que, além dos direitos,há, evidentemente, deveres de todos paracom todos que merecem ser respeitados, ga-rantidos, cobrados e preservados9.

A sociedade, o Estado, todos vão deter-minar o conteúdo do direito que visará pre-servar a dignidade da pessoa humana emtoda a sua complexidade, tornando essaproteção real, harmônica e pacífica, perme-ando toda a convivência social com base emideários de inclusão social e não de exclu-são, permitindo a realização normativa dasleis e normas em toda sua pujança em bene-fício de toda a humanidade.

Deve-se observar, entretanto, que a pro-teção da dignidade da pessoa humana nãopode atingir um conteúdo e sofrer uma in-terpretação que venha a restringir o próprioprogresso humano e a sua evolução neces-sária. A proteção da dignidade da pessoahumana deve ser feita sempre em contato

com a realidade, visualizando os anseiosdo grupo e os interesses a serem protegidos,permitindo o delineamento científico do seuconteúdo. Esse papel de vital importânciadeve ser desempenhado pela Teoria Geraldo Direito de forma substancial, sofrendo ainfluência da contextura social e humanaem que o fenômeno jurídico está inserido10.

Bem destaca João Maurício Adeodatoque no direito há sempre conflitos que de-vem ser resolvidos e a forma de resoluçãopode variar, tornando insubsistente argu-mentos que procurem delimitar verdades decunho imodificável:

“ É certo que o direito se vai consti-tuindo à medida que as opções con-flitivas vão sendo decididas. Por issomesmo, não é possível fixar critériosgerais que tornem determinadas alter-nativas preferíveis a outras porque odireito é assim ou assado. Daí não sepoder afirmar que o direito legítimopressupõe esta ou aquela forma degoverno, este ou aquele regime econô-mico, embora se possam descrever osefeitos de determinada estratégia po-lítica ou econômica para obtenção delegitimação. Isso porque os argumen-tos jurídicos não se apresentam uni-camente como silogismos mas inclu-em argumentos estratégicos, erísticos”(1996, p. 215).

Mesmo assim não se pode negar a buscade um conteúdo axiológico para o direitoque sirva para manter, dar substantividadeao fenômeno jurídico, garantindo e prote-gendo o ser humano em sua integralidadena manutenção da harmonia social. JoãoMaurício Adeodato também não dispensatal entendimento:

“ (...) A importância existencial doconteúdo axiológico do direito, fun-damental para o jurista e para o cida-dão, não encontra, contudo, guaridana descrição ontológica. As duas di-mensões não devem ser confundidas:de um lado a descritiva – cujo vetoraponta para o passado, para o efetivo

Page 20: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa182

a posteriori -, de outro, a dimensão cons-trutiva (prescritiva) do direito, realida-de in fieri sobre a qual posições aprio-rísticas e ideológicas irão influenciar,na medida em que o conteúdo do di-reito, também inevitável, é feito pelohomem e pela comunidade a partirdele constituída” (1996, p. 210).

Destacando que o conteúdo do direito ea base da sua Teoria Geral devem ser a pro-teção e garantia da dignidade da pessoahumana, vem o questionamento central: oque se deve entender por dignidade da pes-soa humana?

Esse é que vai ser, como acima referido, opapel da Teoria Geral do Direito, delinean-do e estabelecendo os contornos da digni-dade da pessoa humana. Entendo como fun-damental, na preservação da dignidade dapessoa humana, a realização plena daigualdade em sentido material, ou seja, aigualdade de oportunidades para que todosos seres humanos possam desenvolver suaspotencialidades de forma harmônica e co-erente, a partir das aptidões pessoais eafinidades.

A importância de preservação da digni-dade da pessoa humana, com a garantia,conseqüentemente, dos valores associati-vos, conduzirá a uma grande estabilidade eharmonia social, acabando por realizar, deforma efetiva, as finalidades precípuas dodireito, garantindo a felicidade humana emsua integralidade. Bem assevera José Afon-so da Silva:

“Em conclusão, a dignidade dapessoa humana constitui um valorque atrai a realização dos direitos fun-damentais do homem, em todas assuas dimensões, e, como a democra-cia é o único regime político capaz depropiciar a efetividade desses direi-tos, o que significa dignificar o homem,é ela que se revela como o seu valorsupremo, o valor que a dimensiona ehumaniza” (1998, p. 46).

Ressalte-se, todavia, que o ser humano,em sua complexidade, em seus desejos sem-

pre renovados e cada vez mais variados/multifacetados, vai adquirindo ao longo dotempo novas necessidades, novos desejos,procurando, como sói acontecer com um serracional, aumentar seu nível de satisfação,ampliando a exigência de mais bens, servi-ços e outras exigências. Bem destaca WalterClaudius Rothenburg:

“Do caráter inexaurível dos direi-tos fundamentais, cujo número podesempre crescer, surge a preocupaçãocom uma ‘inflação’ de direitos funda-mentais. A rotulagem das mais diver-sas situações como direitos funda-mentais e o fato de que a enunciaçãonormativa de direitos fundamentaisdificilmente consegue fazer-se acom-panhar de garantias eficientes, acar-retam um ineficácia e, por conseguin-te, um desprestígio desses direitos,tendente à sua banalização. É precisoter sempre em conta a ‘reserva do pos-sível’, vale dizer, a capacidade real deimplementação de condições de su-cesso dos direitos fundamentais, sobpena de se beirar a utopia (...) Contu-do, a realização efetiva dos direitosfundamentais será um inesgotável ta-refa a cumprir, um constante proces-so da democracia, um estímulo ao en-vide de esforços; por mais que se avan-ce no asseguramento dos direitos fun-damentais, haverá um novo estágio agalgar, rumo à excelência. Por isso, aparcimônia e o realismo com que sedevem traduzir normativamente osdireitos fundamentais não deve elidiruma dimensão prospectiva nem es-morecer a contínua luta de reconhe-cimento de novos direitos“ (2000, p.151. Ver também FERREIRA FILHO,1998, p. 1-10).

Nesses casos, cabe também à Teoria Ge-ral do Direito e à ética construir um pensa-mento coletivo mais humanista, de basesespirituais (não moralistas) que permitamver a humanidade como um conjunto quedeve viver em paz e coerência, trabalhando

Page 21: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 183

todos juntos para o progresso constante,dentro de uma visão ética elevada, afastan-do o consumismo e arrogância tão presen-tes no ser humano.

Como se atesta, pela análise acima de-senvolvida, o conteúdo do direito estaria napreservação dos direitos fundamentais/hu-manos na perspectiva da garantia plena dadignidade da pessoa humana. A TeoriaGeral do Direito, nesses termos, teria umcaráter de cientificidade ao procurar, emassociação com outras ciências, como a so-ciologia, economia, botânica, entre outras,desenvolver normas jurídicas e um ordena-mento jurídico baseados em políticas públi-cas que visassem sem dúvida a garantir aplena realização do ser humano.

Tal perspectiva de uma Teoria Geral doDireito integral e material, para proteção dosdireitos humanos/fundamentais por meioda garantia da dignidade da pessoa huma-na, não é uma utopia no sentido pejorativo.Mas, sim uma utopia enquanto formanova e futura de pensar e realizar o direi-to numa órbita de maior humanidade (hu-manismo); sendo, pois, uma utopia con-creta que se implantará na realidade. Aobservação de Daniela Samaniego é clarae correta neste sentido:

“O pensamento utópico funcionacomo uma espécie de libertação dasamarras que prendem o Direito aosaspectos legais. Através da utopia,busca-se não o que diz a letra da lei,mas, sobretudo, o que é justo. E lei ejustiça não são palavras sinônimas,muito menos Direito e Lei. Essa dis-tinção é proveniente, justamente, dopensamento utópico, que desvinculouo Direito da lei, proclamando que an-tes de tudo o Direito é justiça! Atravésdo Direito, conforme o pensamentoutópico, busca-se uma sociedade maisjusta, fraterna, igualitária, onde os di-reitos das chamadas minorias (comoas mulheres, os negros e os homosse-xuais, por exemplo) serão respeitados,um direito escrito pelo povo e em res-

peito, essencialmente, à dignidade dapessoa humana! (...) Podemos dizer,dessa forma, que a função da utopia éa de provocar um movimento social,em busca de um novo Direito, um ‘Di-reito Justo’, livre de amarras pré esta-belecidas; um direito que busca aigualdade entre os povos, a fraterni-dade e, acima de tudo, a paz social;um direito que renasce a cada dia, deacordo com as novas aspirações hu-manas, porque o homem é um ser di-nâmico, de forma que, se o direito écriado exclusivamente em prol do serhumano, não poder ser estático, poisisso acarretaria uma contradição”(2001, on-line).

Aqui, a Teoria Geral do Direito ganhariaem substantitividade, e o direito se construi-ria não com base em teses formais ou mate-riais de cunho parcial, mas sim com o obje-tivo e finalidade precípua de proteção dohomem em sua contextura global, que deveser seu objetivo essencial.

Missão complexa de uma Teoria Geraldo Direito renovada, sendo uma utopia con-creta e realizável, que exige o comprometi-mento de toda a contextura social, mas quepode conduzir à elaboração de um conteú-do do direito a ser implantado em benefíciode todos os seres humanos e não de apenasuma minoria.

Parte-se, agora, para a tentativa da apli-cação dessa renovada Teoria Geral do Di-reito proposta, fazendo certas digressões so-bre sua aplicação prática e chegando ao fi-nal às conclusões do presente trabalho.

5. A aplicação da perspectiva de umaTeoria Geral do Direito para

preservação da dignidade da pessoahumana: uma visão concreta

Note-se que o ser humano desenvolveu,ao longo de sua história, um alto grau dedomínio no campo das ciências ditas natu-rais. Ou seja, enorme foi o desenvolvimentoda física, química, matemática, construíram-

Page 22: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa184

se submarinos, aviões, foguetes, tornou-sepossível clonar seres vivos, foram descober-tos remédios poderosos para combater do-enças antes ditas incuráveis.

Inobstante todo esse progresso técnico-científico, o homem não evoluiu tanto noaspecto humanístico, em especial na esferada ética e no plano espiritual. Mesmo que seconsidere que não tem fundamento tal opi-nião, deve-se asseverar que o homem aindatem em seu ser muito do egoísmo primiti-vo, não sendo, muitas vezes, guiado porum padrão mental de harmonia socialmais elevado11.

Nesse ponto é que reside a dificuldadede aplicação de uma Teoria Geral do Direi-to renovada com base em conteúdos de va-lor que buscam preservar a dignidade dapessoa humana. Isso porque essa preserva-ção da dignidade humana exige sacrifíciosde todos, participação do grupo que tem depossuir um espírito de solidariedade e estarimbuído de um interesse comum de implan-tação da igualdade material entre todos.

Tal perspectiva vai contra toda uma pos-tura humana retratada ao longo da histó-ria, que é marcada muito mais por valoresdesassociativos do que de associação numaperspectiva sociológica.

O desafio acaba por residir em realizaressa exata superação, conseguindo tornar ohomem tão evoluído espiritual e eticamen-te, quanto conseguiu progredir no plano téc-nico-científico em sentido estrito.

É necessária a formalização de um “novopacto social” continuamente renovado, queaceite as diferenças dentro de uma socieda-de pluralista e proteja com efetividade a dig-nidade da pessoa humana. Esta é a lição deCelso Lafer:

“Um Estado que se sobrepõe auma sociedade pluralista pode sobre-viver somente sob a condição de que opacto social seja continuamente reno-vado e legitimado. É por isto que, porexemplo, a renovação dos contratoscoletivos de trabalho é um momentodramático na vida de um Estado in-

dustrial moderno. É também por essarazão que o acordo dos partidos, emregimes pluripartidários, tanto noparlamentarismo quanto no presiden-cialismo, é igualmente algo decisivopara a sobrevivência do Estado e paraa sua governabilidade” (LAFER, 1998,p. 72-73).

O direito e sua Teoria Geral têm, então,esse papel de auxiliar na transformação eno estabelecimento desse “novo pacto soci-al”, ao incluir nas leis, normas, regras, pre-ceitos e princípios normativos a idéia deimplantação e garantia permanente dos di-reitos fundamentais e da dignidade da pes-soa humana.

Ressalte-se que o comprometimento paracom a proteção da dignidade da pessoahumana tem de partir de toda a coletivida-de, não se aguardando a mera iniciativa es-tatal. A criação e o desenvolvimento de umaTeoria Geral do Direito substancial é algoque deve engrandecer a própria essênciahumana, em especial no seu plano espiritu-al. A efetivação dessa garantia da própriarealização humana é feita com base na atu-ação comum de todo o grupo.

Nesse aspecto, o legislador deve estarcomprometido com a elaboração de leis queprotejam e garantam, em máximo grau, aefetividade da dignidade da pessoa huma-na com base nos anseios coletivos e nas pos-sibilidades concretas de cada grupo, difun-dindo, por meio das normas jurídicas, o va-lor e a necessidade da preservação dessadignidade humana.

Já os governantes devem guiar suas po-líticas públicas para o campo social, preser-vando os direitos fundamentais em seu graumáximo e delineando a proteção aos maisdébeis como o projeto político fundamentala ser realizado. Esse tipo de política públicade cunho social é emancipadora, diminuin-do problemas ligados à saúde pública, à faltade emprego, à violência (segurança públi-ca), porque conduz à redução da miséria,imprimindo uma visão nova da atuaçãogovernamental.

Page 23: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 185

Os juízes, por seu turno, no seu labordiário de solução dos conflitos concretos quese lhes apresentam para solução, devemconsiderar aspectos de hermenêutica jurí-dica que garantam plenamente a dignidadeda pessoa humana, superando interpreta-ções reducionistas e acomodadas de um di-reito oficial muitas vezes desatualizado notempo e protetor, na realidade, somente deminorias privilegiadas.

Luigi Ferrajoli bem ressalta que o Estadoe os juízes têm responsabilidade com a ga-rantia dos direitos fundamentais. Asseveranesse sentido o autor:

“En esta sujeción del juez a la Consti-tución, y, en consecuencia, en su papel degarante de los derechos fundamentalesconstitucionalmente establecidos, está elprincipal fundamento actual de la legiti-mación de la jurisdicción y de la indepen-dencia del poder judicial de los demáspoderes, legislativo y ejecutivo, aunquesean – o pricisamente porque son – pode-res de mayória. Precisamente porque losderechos fundamentales sobre los que seasienta la democracia sustancial estángarantizados a todos y a cada uno de ma-nera incondicionada, incluso contra lamayoría (...)” ([s.d.], p. 26).

Já os juristas, em sentido amplo: gran-des jurisconsultos, operadores do direito dediversos níveis, estudiosos e estudantes dodireito, têm o compromisso de desenvolveruma teoria jurídica (Teoria Geral do Direi-to) subsistente que construa institutos, con-ceitos, definições, sistemas que preservem egarantam, com base em uma efetividade real,os direitos fundamentais, protegendo ple-namente a dignidade da pessoa humana.

A criação de uma Teoria Geral do Direi-to comprometida com a preservação da dig-nidade da pessoa humana de forma efetivademanda, também, a formação de um novotipo de jurista e operador do direito, muitomais voltado para o delineamento de umdireito comprometido com o homem, basea-do em valores éticos, espirituais e humanís-ticos (humanitários) elevados, que se preo-

cupe com a solução das crises postas, obje-tivando a criação de contexto humano de es-tabilidade e justiça social. Claras as palavrasde Fábio Konder Comparato nesse sentido:

“Na direta linha dessa revoluçãoprospectiva, o papel que incumbe aosjuristas não é, apenas, a melhor com-preensão do direito vigente, no preci-so sentido etimológico do adjetivo, istoé, do direito que existe como compo-nente vivo da realidade social, mastambém a produção das instituiçõesjurídicas do futuro, aptas a harmoni-zar o comportamento humano emmeio à radical mudança de valores, aque acima me referi. A maior parte dosinstitutos jurídicos que herdamos,desde o patrimônio original romano,foram, com efeito, criados no âmbitode uma civilização agrária e não-democrática, anteriores portanto àsrevoluções industrial e política do sé-culo XVIII. (...) Ora, essa suprema ra-zão justificativa do comportamentohumano é e continua sendo a digni-dade transcendental do homem, aci-ma das variações históricas de valo-res. Os avanços técnico-científicos notratamento da vida e na manipulaçãoda genética humana, a que fiz referên-cia no início, não nos devem fazer ol-vidar que a definição da pessoa hu-mana não é meramente biológica, massim cultural. Como bem assinalouKant, nos Fundamentos de uma Me-tafísica dos Costumes, o homem é oúnico ser que vive como um fim em simesmo e não como meio para uso deuma outra vontade. Aí está o primeiroprincípio de toda ética e de todo direi-to” (1995, p. 282-283).

Conclui o autor referido falando sobre aética e a necessidade de valorização do serhumano como compromissos dos juristas,operadores do direito e governantes. Veja-se:

“Na verdade, a grande crise devalores deste final de século só encon-trará solução quando os governantes

Page 24: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa186

passarem a guiar a sua competênciatécnica pelo valor da justiça social, querepresenta a objetivação do amor co-munitário. Não é ocioso, de resto, lem-brar que a solidariedade – o valor queinspirou a última geração dos direi-tos humanos, no decorrer deste sécu-lo – foi corretamente denominada fra-ternidade pelos revolucionários de1789. (...) Mas, obviamente, essa sin-tonia com os grandes valores sociaissupõe, de parte dos que nos gover-nam, uma dupla sensibilidade ética.De um lado, a compreensão dos limi-tes essenciais da condição humana,na firme rejeição daquela hubris, ouausência de medida, que a sabedoriagrega sempre considerou como a ma-triz da tragédia. De outro lado, um sen-timento de compaixão universal, asimpatia na exata acepção etimológi-ca da palavra, ou seja, a capacidadede sofrer com os fracos, os pobres e oshumilhados do mundo inteiro. (...) Ésomente assim que os juristas contem-porâneos, resgatando afinal todas asfraquezas e prevaricações passadas,poderão ser tidos e louvados como ser-vidores da humanidade” (1995, p. 283).

Além desse comprometimento dos juris-tas com uma nova Teoria Geral do Direito, opovo em geral deve ser educado para desem-penhar efetivamente sua cidadania, cobran-do do Estado, mas também realizando e cola-borando de forma cabal para que os direitosfundamentais sejam respeitados e realizadosem toda a sua contextura para a garantia dadignidade de todos os seres humanos.

Essa tese de participação popular no di-reito deve ir além do mero direito de votar eser votado. A cidadania tem de ser constru-ída para preservação da dignidade da pes-soa humana, participando o povo da inter-pretação das normas jurídicas e de sua apli-cação/proteção dentro de uma sociedadeaberta e democrática.

Peter Häberle, constitucionalista alemão,é defensor dessa participação da comuni-

dade na interpretação da Constituição, já queo povo, segundo o autor, é o verdadeiro intér-prete da vontade da nação, sendo tal amplia-ção dos intérpretes da Constituição a base dademocracia. Veja-se a lição de Häberle:

“A estrita correspondência entrevinculação (à Constituição) e legitima-ção para a interpretação perde, toda-via, o seu poder de expressão quandose consideram os novos conhecimen-tos da teoria da interpretação: inter-pretação é um processo aberto. Não é,pois, um processo de passiva submis-são, nem se confunde com a recepçãode uma ordem. A interpretação conhe-ce possibilidades e alternativas diver-sas. A vinculação se converte em li-berdade na medida que se reconheceque a nova orientação hermenêuticaconsegue contrariar a ideologia dasubsunção. A ampliação do círculodos intérpretes aqui sustentada é ape-nas a conseqüência da necessidade,por todos defendida, de integração darealidade no processo de interpreta-ção. É que os intérpretes no sentidoamplo compõem essa realidade plu-ralista. Se se reconhece que a normanão é uma decisão prévia, simples eacabada, há de se indagar sobre osparticipantes do seu desenvolvimen-to funcional, sobre as forças ativas dalaw in public action (personalização,pluralização da interpretação consti-tucional!)” (1997, p. 30).

Note-se que o comprometimento do povopara preservação do direito, e o seu respeitoàs normas postas, deve ser imbuído nessanovel perspectiva como um valor próprioda coletividade, utilizando-se, muito alémda aplicação de supostas sanções formaispor descumprimento de normas, a tese dapersuasão para que toda coletividade acre-dite na necessidade evidente e substancialda proteção da pessoa humana em sua inte-gralidade. Celso Lafer bem destaca:

“ (...) A sanção, no entanto, não é oúnico argumento para a observância

Page 25: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 187

da norma, pois o destinatário a cum-prirá com mais efetividade se acredi-tar que ela é boa, justa e oportuna. Éisto que explica, em matéria de Direi-to, a relevância de não limitar a análi-se da linguagem à semântica de vali-dade ou invalidade das prescrições emfunção das normas formais de reco-nhecimento do quid sit juris, mas nelaincluir, através da pragmática, a di-mensão da persuasão, que abrange ajustificação da observância da norma”(1998, p. 60).

Realmente, a efetividade do direito sóexistirá quando os seus valores estiveremincrustados na base ético-axiológica do serhumano e na consciência cabal da impor-tância e necessidade de sua proteção.

Destaca-se ainda que, além da interpre-tação e vivência do direito, o povo tem o com-promisso de defender o direito e a dignida-de humana, seja por meio de movimentospopulares, da atuação da sociedade civil or-ganizada, fazendo pressão e desenvolven-do materialmente a cidadania, podendo atémesmo – dentro de um contexto renovado –insurgir-se contra a ordem vigente por meiodo uso do direito à resistência e à revoluçãocontra opressões12.

O direito e sua Teoria Geral devem, as-sim, aproximar-se do povo, sendo conheci-do do povo e servindo para proteção efetivadesse povo. O povo deve ser o intérpretemaior das normas, devendo os juízes e go-vernantes externarem os anseios popularescom base numa filtragem ética do conteúdodos anseios externados com base nessa Te-oria Geral do Direito renovada e delineadaem um novo compromisso estabelecido en-tre todos os atores sociais (pacto social),rumo a uma plena proteção da dignidadeda pessoa humana.

6. Conclusão

A construção dessa Teoria Geral do Di-reito mais humana e menos formal, mais li-gada à realidade de um conteúdo pragmáti-

co/concreto que é a proteção e realizaçãointegral da dignidade humana, é o futurodo direito, devendo ser criada com base emlaços fortes de ética social, com a redefini-ção do pacto social almejado dentro de cadaEstado Democrático de Direito e tambémdentro da nova órbita internacional que orase vislumbra com muita força, tornando osproblemas dos seres humanos problemasuniversais, que merecem solução.

Reprise-se que efetivar um conteúdo parao direito baseado na preservação da digni-dade da pessoa humana, fugindo às tesesformalistas e materialistas de cunho redu-cionista, não é algo utópico no sentido pejo-rativo, precisando apenas os doutrinadoresdo direito recriarem seus pensamentos/te-orias, refletindo sobre o direito, sua finali-dade, seus objetivos e sua razão de ser, des-tacando o que é, o que deve ser e para queserve o direito.

Os problemas ontológicos, axiológicos eepistemológicos, em especial na esfera her-menêutica e de aplicação do direito, devempermitir o resgate de uma perspectiva desolução ética, dando conteúdo ao direito.Isso porque é reconhecido, principalmenteem relação à hermenêutica, em função deque hoje, mais do que nunca, compreenderdeixa de aparecer como um simples modode conhecer para tornar-se uma maneira deser e de relacionar-se com os seres e com oser e, ainda, em decorrência da categoriacrítica da dialética da participação. As ques-tões éticas são demandadas por parte do in-térprete e aplicador do direito, que deve as-sumir uma postura axiológica determinadapara a construção, proteção e preservaçãoda dignidade da pessoa humana, como con-teúdo precípuo (cf. SCHIER, 1997, p. 38 – 59).

A formação do profissional do direitopara atender e compreender essa TeoriaGeral do Direito renovada deve ser multi-disciplinar, buscando observar o ser huma-no em toda sua complexidade e crises den-tro de uma perspectiva integral de proteçãoà dignidade humana nos âmbitos psicoló-gicos, sociológicos, afetivos, etc. Bem clara é

Page 26: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa188

a visão de Manoel Gonçalves Ferreira Filhonesse sentido:

“Este (a interpretação e aplicaçãodos direitos fundamentais), com efei-to, se estende desde as consideraçõessobre a natureza humana até as mi-nudências da técnica jurídica. Envol-ve, por isso, a necessidade de um tra-tamento interdisciplinar. Justifica atéque o tema seja objeto nos cursos jurí-dicos de uma disciplina à parte. E nes-se sentido até um argumento ‘políti-co’ se pode invocar: trata-se do valorcívico-educativo da matéria que estáno cerne da tradição da democraciade derivação liberal” (1996, p. 9-10).

A luta por esse direito renovado, que seapóie na dignidade da pessoa humana, éuma luta do homem, da sociedade, do Esta-do, de todos os seres humanos. E só com aluta no plano das idéias e fático – sem alme-jar violência – mas com o objetivo de que-brar preconceitos e arcaísmos é que se con-seguirá criar uma sociedade mais fraterna eum direito “justo” para a plena proteção dadignidade da pessoa humana. A perspecti-va de Rudolf Von Ihering é esta:

“Sem luta não há direito, como semtrabalho não há propriedade.(...) Àmáxima: ganharás o pão com o suordo teu rosto, corresponde com tantamais verdade estoutra: só na luta en-contrarás o teu direito. (...) Desde omomento em que o direito renuncie aapoiar-se na luta, abandona-se a sipróprio, porque bem se lhe podemaplicar estas palavras do poeta:

‘Tal é a conclusão aceite atualmen-te: Só deve merecer a liberdade e a vida... Quem para as conservar luta cons-tantemente’” (1995, p. 87- 88).

Nessa esteia, espera-se ao final deste tra-balho ter externado a necessidade de umareflexão crítica quanto ao direito, rumo àpreservação da dignidade da pessoa huma-na, extraindo-se que a preservação dessadignidade do ser humano é o valor maiorque merece garantia, sendo o próprio con-

teúdo, a própria razão de ser e de existir dodireito nesse novo milênio, enquanto ordemética de cunho conservativo e transforma-dor no sentido de diminuição contínua dasdesigualdades materiais e formais existentes.

Que venham então os novos doutrina-dores para construir uma Teoria Geral doDireito substancial, utilizando-se de critéri-os científicos multidisciplinares, entenden-do e respeitando o homem em toda a suacomplexidade, sem reducionismos, asse-verando a necessidade concreta de preserva-ção e realização da finalidade última do di-reito que é preservar a dignidade de todos deuma forma integral e materialmente plena.

Que os conceitos jurídicos tradicionaissejam remodelados; que se estabeleça umnovo pacto social; que o direito seja garantee motivador de mais inclusões sociais, rumoao fim da miséria; que a Teoria Geral do Di-reito torne as normas jurídicas populares ede conhecimento de todos que devem lutarpela sua garantia e preservação; que o Esta-do, a comunidade e todos os homens, mu-lheres e crianças (seres humanos) consigamver no direito uma fonte de proteção, garan-tia e paz para suas expectativas e de reali-zação de suas necessidades e da sua pró-pria felicidade de uma forma efetiva e realcom sustentáculo numa ética social da tole-rância, da aceitação, da harmonia e da soli-dariedade. Oxalá o espírito e a vontade hu-mana permitam a criação desse direito re-novado e dessa Teoria Geral do Direito decunho substancial tão almejada...

Notas1 Sobre o direito moderno em uma perspectiva

crítica da dogmática jurídica, ver João MaurícioAdeodato (1997, p. 255-274).

2 Kelsen não exclui a possibilidade do estudoda justiça e dos valores no direito, asseverando ape-nas que tal análise é feita por outras ciências queexistem para tanto. Veja-se: “O Direito pode serobjetivo de diversas ciências; a Teoria Pura do Di-reito nunca pretendeu ser a única ciência do Direitopossível ou legítima. A sociologia do Direito e ahistória do Direito são outras. Elas, juntamente com

Page 27: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 189

va. Nesse sentido, a crítica de Alexandre da Maia:“Em virtude de tal vazio ontológico, cremos queuma teoria comprometida com os ideais democrá-ticos, como a do Prof. Ferrajoli, sem uma fixaçãode conteúdo, como bem os colocam Cláudio Soutoe João Maurício Adeodato, pode ser manipuladapor ideologias totalmente distintas do ideal do au-tor, haja vista que regimes autoritários podem tra-çar uma idéia do que, para os seus interesses, seriafundamental; logo, quais seriam os direitos funda-mentais para a manutenção do status quo contrárioa ideais democráticos? Logo, cada um, a seu bel-prazer, poderia fixar o conteúdo dos direitos fun-damentais a partir de vários pontos de partida dis-tintos, e, na maioria das vezes, opostos, muitoembora todas as formas – democráticas ou não –de compreender a essência dos direitos fundamen-tais estariam legitimadas pela teoria de Ferrajoli.(...) Seria muito desagradável ver uma teoria gera-da a partir de ideais não-democráticos ser manipu-lada por ideologias distintas, que se utilizam deuma forma peculiar de inserção do seu discurso nomeio social” (2000, p. 99).

8 Sobre uma análise histórica do conteúdo dovalor dignidade da pessoa humana, ver João Bap-tista Herkenhoff (1994, p. 137-141).

9 Nesse sentido, a lição de Eduardo Silva Costa:“Deveres, a Constituição os explicita e impõe nadireção regular certa, para tornar o destinatáriodeles o seu sujeito passivo. Esse destinatário dedeveres é o Poder Político individualizado no Esta-do, a expressão principal da potestade política. Apar dele, ou, se se preferir, no próximo dele, postoque com carga bem menor de deveres, o Poder eco-nômico. Poder–se-ia mencionar ainda o Poder dasociedade, mas esse, de certo modo, é intangível,não se corporifica tão forte como as espécies anteri-ormente referidas” (1999, p. 52).

10 Interessante ver, por exemplo, a lição de Ro-bert Alexy, que afirma poderem os direitos funda-mentais adquirir um caráter antidemocrático, já que,de certa forma, restringem a liberdade de atuaçãodo homem: “Direitos fundamentais são democrá-ticos, por isso, porque eles, com a garantia dos di-reitos de liberdade e igualdade, asseguram o de-senvolvimento e existência de pessoas que, em ge-ral, são capazes de manter o processo democráticona vida e porque eles, com a garantia da liberdadede opinião, imprensa, radiodifusão, reunião e as-sociação, assim como com o direito eleitoral e comoutras liberdades políticas, asseguram as condi-ções funcionais do processo democrático. Ademo-cráticos são os direitos fundamentais, pelo contrá-rio, porque eles desconfiam do processo democrá-tico. Com a vinculação do legislador, eles subtraemda maioria parlamentarmente legitimada poderesde decisão. Em muitos Estados este jogo deve serboservado: a oposição perde primeiro no processo

a análise estrutural do Direito, são necessárias parauma compreensão completa do fenômeno comple-xo do Direito. Dizer que não pode existir uma teo-ria pura do Direito, porque uma análise estruturaldo Direito restrita ao problema específico não ésuficiente para uma compreensão completa do Di-reito, eqüivale a dizer que uma ciência da lógicanão pode existir porque uma compreensão com-pleta do fenômeno psíquico do pensamento não épossível sem a psicologia, 1998, p. 291-292).

3 (cf. SOUTO, 1992, p. 90). Ainda, Cláudio eSolange Souto asseveram que só uma interaçãosocial positiva entre os seres humanos é que viabi-lizaria um direito real: “Assim, o tipo ideal de ummacrossistema social de maior abrangência, no sen-tido da favorabilidade ao direito, seria aquele emque houvesse um máximo de semelhança objetva esubjetiva entre todos os seus interagentes e em quefossem todos esses interagentes socializados na idéiada semelhança essencial entre todos os homens.Desse modo, o sistema macrogrupal apresentariao máximo de estabilidade e de abertura à mudançaem seu equilíbrio” (SOUTO; 1981, p. 133).

4 Também, sobre a importância do pensamentotópico para o direito, veja-se a lição de Paulo Bona-vides: “A tópica é o tronco de uma grande árvoreque se esgalha em distintas direções e que já pro-duziu admiráveis frutos, sobretudo quando recon-ciliou, mediante fundamentação dialética mais per-suasiva, o direito legislado com a realidade positi-va e circundante, criando pelas vias retóricas, argu-mentativas e consensuais, atadas a essa realidade,uma concepção muito mais rica e fecunda, muitomais aderente `a práxis e às subjacências sociais doque as próprias direções antecedentes do sociolo-gismo jurídico tradicional. Nesse ponto, já se podedizer que a tópica ultrapassa, a um tempo, o socio-logismo no Direito, o formalismo normativista e ojusnaturalismo, bem como a concepção sistêmica ededutivista, de cunho meramente formal, com an-tecedências clássicas no pantectismo e na jurispru-dência dos conceitos” (1993, p. 454-456).

5 Sobre a renovação da análise da experiênciajurídico-social como fenômeno do direito, ver Mi-guel Reale (1992).

6 Entre as obras de Alexy, pode-se destacar:Derecho y razón práctica, Teoria de los derechos funda-mentales. Entre os artigos/palestras proferidos noBrasil, veja-se: Colisão de direitos fundamentais erealização de direitos fundamentais no estado dedireito democrático e Direitos fundamentais no Es-tado constitucional democrático: para relação entredireitos do homem, direitos fundamentais, demo-cracia e jurisdição constitucional na Revista de Di-reito Administrativo.

7 Inobstante falar tanto em democracia subs-tancial, não discrimina os valores fundamentais aserem resguardados e garantidos de forma positi-

Page 28: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Revista de Informação Legislativa190

democrático e ganha, então, diante do tribunal cons-titucional”.

11 Tal fato pode ser atestado nas obras de Han-nah Arendt, quando teoriza sobre o ser humano emsua complexidade e diversidade, para tanto ver:Hannah Arendt (1987). Ver também João MaurícioLeitão Adeodato (1989) e Celso Lafer (1998).

12 Sobre a questão desobediência civil, o direitoà resistência e à revolução, ver Maria Garcia (1994).

Bibliografia

ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito :uma crítica à verdade na ética e na ciência: atravésde um exame da ontologia de Nicolai Hartmann.São Paulo: Saraiva, 1996.

______. Modernidade e direito. Revista da EscolaSuperior da Magistratura do Estado de Pernambuco,Recife, v.2, n. 6, p. 255-274, out. dez. 1997.

______. O problema da legitimidade: no rastro dopensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Fo-rense Universitária, 1989.

ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais erealização de direitos fundamentais no estado dedireito democrático. Revista de Direito Administrati-vo, v. 217, p. 67-77, jul./set. 1999.

______. Direitos fundamentais no Estado consti-tucional democrático: para relação entre direitosdo homem, direitos fundamentais, democracia ejurisdição constitucional. Revista de Direito Admi-nistrativo, v. 217, p. 55-66, jul./set. 1999.

______. Derecho y razón práctica. México: Fonta-mar, 2. ed. 1998.

______. Teoria de los derechos fundamentales. Ma-drid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.

ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo:Universitária, 1987

BONAVIDES, Paulo. A nova universalidade dosdireitos fundamentais. Nomos, Fortaleza, v. 9-10,n. 1-2, p. 1-13, jan./dez. 1990-1991.

______. Curso de direito constitucional. 4. ed. SãoPaulo: Malheiros, 1993.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou rom-per com a constituição dirigente? Defesa de umconstitucionalismo moralmente reflexivo. Revista dosTribunais, Cadernos de Direito Constitucional e CiênciaPolítica, ano 4, n. 15, p. 7-17, abr./jun. 1996.

COMPARATO, Fábio Konder. Papel do jurista nummundo em crise de valores. Revista dos Tribunais,ano 84, v. 713, p. 277-283, mar. 1995.

COSTA, Eduardo Silva. Os deveres e a constitui-ção. Revista dos Tribunais, Cadernos de Direito Cons-titucional e Ciência Política, ano 7, n. 29, p. 48-65,out. dez. 1999.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O renascer do direito.2. ed. São Paulo: Saraiva, 1980.

FANTONI JÚNIOR, Neyton. Segurança jurídica einterpretação constitucional. Revista Jurídica, ano 45,n. 238, p. 13-22, ago. 1997.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del ga-rantismo penal. Madrid: Trotta, 1998.

______. Derechos y garantías: la ley del más débil.Madrid: Trotta, [s.d].

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução aoestudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed.São Paulo: Atlas, 1994.

FILHO, Manoel Gonçalves. Os direito fundamen-tais: problemas jurídicos, particularmente em faceda constituição brasileira de 1988. Revista de Direi-to Administrativo, v. 202, p. 1-10, jan./mar. 1996.

FIORATI, Jete Jane. Os direitos do homem e a con-dição humana no pensamento de Hannah Arendt.Revista de Informação Legislativa, ano 36, n. 142, p.53-64, abr./jun. 1999.

GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito funda-mental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pres-suposto. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos funda-mentais: teoria e realidade normativa. Revista dosTribunais, ano 84, v. 713, p. 45-52, mar. 1995.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a so-ciedade aberta dos intérpretes da constituição: con-tribuição para a interpretação pluralista e procedi-mental da constituição. Tradução de Gilmar Ferrei-ra Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,1997.

IHHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Tradu-ção de João de Vasconcelos. 15. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1995.

HERKENHOFF, João Baptista. Curso de direitoshumanos: gênese dos direitos humanos. São Paulo:Acadêmica, 1994, v.1.

KELSEN, Hans. O que é Justiça?: a justiça, o direito ea política no espelho da ciência. Tradução de LuísCarlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Page 29: A delimitação de um conteúdo para o direito: em busca de ... · outras searas do conhecimento humano ... regulamentação de suas relações pelo direito e as crises O ser humano,

Brasília a. 38 n. 153 jan./mar. 2002 191

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos:um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt.São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo:Brasiliense, 1992. (Primeiros Passos).

MAIA, Alexandre da. Ontologia jurídica: o problemade sua fixação teórica com relação ao garantismojurídico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

PARDO. David Wilson de Abreu. Caminhos doconstitucionalismo no ocidente: moderninade, pós-modernidade e atualidade do direito constitucio-nal. Revista dos Tribunais, Cadernos de Direito Consti-tucional e Ciência Política, ano, 7, n. 28, p. 107-127,jul./set., 1999.

PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas; FER-NANDES, Paulo Sérgio Leite. Valores em conflitona constituição. Revista do Advogado, Associação dosadvogados de São Paulo, n. 53, p. 65-84, out. 1998.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 16. ed. São Pau-lo: Saraiva, 1994.

______. O direito como experiência: introdução àepistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1992.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos funda-mentais e suas características. Revista de DireitoConstitucional e Internacional, ano 8, n. 30, p. 146-158, jan./mar. 2000.

SALDANHA, Nelson. As constantes axiológicasda cultura e da experiência jurídica brasileiras.

Anuário do Mestrado em Direito, Recife, n. 4, p. 71-82, jan./dez. 1988.

______. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Renovar,1998.

______. Ordem e hermenêutica: sobre as relações en-tre as formas de organização e o pensamento inter-pretativa, principalmente no direito. Rio de Janeiro:Renovar, 1992.

SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Direitos hu-manos como utopia. Disponível em: http://www.jus.com.br/doutrina/dhutopi.html. Acessoem: 10 fev. 2001.

SCHIER, Paulo Ricardo. A hermenêutica constitu-cional: instrumento para implementação de umanova dogmática jurídica. Revista dos Tribunais, ano86, v. 741, p. 38-59, jul. 1997.

SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madrid:Alianza, 1982.

SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoahumana como valor supremo da democracia. Re-vista de Direito Administrativo, v. 212, p. 89-94, abr./jun. 1998.

SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma al-ternativa de modernidade. Porto Alegre: Sergio An-tonio Fabris, 1992.

SOUTO, Cláudio; SOUTO, Solange. Sociologia dodireito. Rio de Janeiro: livros Técnicos e Científicos,1981.