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7/22/2019 A Depresso e a Mulher na sociedade Moderna
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Artigos
. Marques-Teixeira
Psiquiatra e
Psicoterapeuta.
Professor Associado
da Universidade
do Porto
A DEPRESSO E A MULHER
NA SOCIEDADE MODERNAi nci dnci a? Que car act erst i cas
especficas apresenta?
1. Incidncia dos estadosdepressivos segundo os sexos
A maior parte dos estudos
epidemiolgicos (e.g. Paykel e Cooper,
1991; Culbertson, 1997; Kornstein, 1997)
demonstram a existncia de uma maiorincidncia de depresso na mulher, sendo
a mdia da razo inter-sexos nos
diferentes estudos, de 2.1: 1 se bem que
esse valor seja diferente consoante o
tipo de depresso considerado: nos
quadros depressivos de causa
predominantemente biolgica (clssicas
depresses endgenas) aquela menor,enquanto que nos quadros depressivos
de causa predominantemente psicolgica
(clssicas depresses neurticas) ela
maior. Alm disso, na comparao destes
dados com os de outros pases, alguns
dos autores constataram que s so
Introduo
A ideia de que a mulher sofre
mais de depresso do que o homem uma ideia disseminada na classe mdica
e corresponde, de facto, aos resultados
do conjunto de estudos que tm vindo
a ser efectuados nesta rea. Em
consequncia, emergiu a ideia de que a
depresso tem no s um valor especial
para a mulher, como tambm apresenta
uma sintomatologia especfica neste sexo.
Atendendo importncia que
assume esta temtica, quer em termos
diagnsticos quer em termos
teraputicos, tentarei neste artigo analisar
esta problemtica luz dos resultados
das diferentes investigaes que se tm
ocupado em esclarecer esta questo.Para tal, tentarei responder, atravs dos
diferentes estudos cientficos, s seguintes
questes: Existe de facto uma maior
incidncia dos estados depressivos na
mulher? Se sim, quais os factores que
esto associa dos a est a mai or
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diferentes (isto , anula-se a diferena referida
da incidncia) em relao aos pases em vias de
desenvolvimento tais como a India, A Nova Guine o Iraque.
Este tipo de resultados apoiou a tendncia
para fundamentar no s a ideia de que a mulher
sofre mais de depresso do que o homem, como
tambm para se pensar que essa maior incidncia
resultar de factores predominantemente
psicolgicos.
Mas se tomarmos em linha de conta
critrios de diagnstico que envolvem, para alm
dos quadros clnicos expressamente depressivos,
tambm os quadros clnicos habitualmente tidos
como "mscaras depressivas" ou mesmo como
indicadores depressivos (tais como o alcoolismo
e as tentativas de suicdio), constatamos que a
diferena quanto incidncia de depresso nos
dois sexos tende a anular-se.
Este tipo de estudos fundamentou a
hiptese daexpresso diferencialda doena nos
dois sexos, no deixando contudo de se manter
a questo da diferente incidncia, apesar do tipo
de quadro clnico considerado.
2. Linhas explicativas da diferenteincidncia de depresses nos doissexos
Face a estes dados vrias explicaes tm
sido avanadas no sentido da compreenso e da
melhor identificao dos factores hipoteticamenteimplicados naquela incidncia diferencial dos
quadros depressivos em relao ao sexo. Assim,
a linha de explicao mais difundida a que sugere
que estes resultados no sejam mais do que um
simples artefacto: artefacto no sentido de que
os resultados no revelam diferenas reais entre
os dois sexos, mas antes revelam um maior pedido
de ajuda por parte das mulheres aquando desituaes depressivas. Uma outra linha de
explicao corrente a linha de explicao
biolgicaque tenta explicar a incidncia diferencial
da depresso atravs das diferenas quer genticas
quer hormonais entre os dois sexos. A linha de
explicao que mais popularidade tem tido a
linha de explicao social, que tenta explicar
aquelas diferenas a partir das condies especficasda mulher na sociedade moderna, quer ao nvel
do menor suporte social em relao ao homem,
quer ao nvel das condies especficas de reaco
ao stress. Finalmente, uma ltima linha de
explicaes tenta fazer apelo s anteriores e
pretende explicar aquelas diferenas atravs da
diferente forma de cada um dos sexos expressar
os desequilbr ios resultantes de factoresambientais stressantes: a mulher no sentido da
depresso e o homem em outros sentidos.
De algum modo, estas linhas acabaram
por ser mais ou menos sugeridas, no seu conjunto,
pelo trabalho desenvolvido por Kendler et al.
PSIQUIATRIA emRevista -Vol. 11, N3, 1998
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(1993) sobre a pesquisa de preditores para o
desenvolvimento da estados depressivos na mulher;
Os autores concluem que os principais preditorespara a vulnerabilidade feminina para a depresso
so, em ordem descendente, acontecimentos
vitais traumticos, factores genticos, histria
anterior de depresso major e neuroticismo.
Contudo, enquanto que 60%do efeito das factores
genticos sobre a vulnerabilidade para a depresso
major era directa, os restantes 40%eram indirectos
e mediados por uma histria de episdiodepressivo anterior, acontecimentos-vitais
traumticos e neuroticismo. Na sequncia destes
resultados, os autores sugerem que so
necessrios, pelo menos, 4 grandes factores de
risco para se compreender a vulnerabilidade
depressiva nas mulheres: as experincias
traumticas, os factores genticos, o
temperamento e as relaes interpessoais.
Analisemos, agora, cada uma das diferentes
explicaes /factores de risco
2.1. Explicaes segundo o diferente
comportamento em relao ao pedido de
ajuda
Em relao a esta questo o corpo geral
da investigao permite ser-se concludente quanto
s concluses: de facto a maior incidncia de
depresso na mulher no se deve apenasao
comportamento relativo ao pedido de ajuda.
Muitos estudos tm tentado determinar
qual a procura dos servios de sade por ambos
os sexos, quer em relao a diferentes tipos de
patologia quer em relao patologia depressiva.Contudo, importante distinguirmos os estudos
que se basearam em questionrios cujas questes
permitiam identificar sintomas depressivos mas
no de suficiente intensidade para se organizarem
num quadro clnico possvel de tratamento e os
estudos nos quais apenas se avaliavam populaes
com estados depressivos organizados em quadros
clnicos tratados. Esta metodologia permitedistinguir se a procura dos servios de sade
reflecte uma maior necessidade de apoio ou se
pelo contrrio reflecte uma maior incidncia de
doena. Por exemplo Kessler et al. (1981)
analisaram um conjunto de dados de uma grande
comunidade para sintomas psiquitricos e
concluram que as mulheres relativamente aos
homens e para o mesmo nvel de morbilidade,referiam mais perturbaes psiquitricas mas
tambm mostravam mais facilidade para pedirem
tratamento.
A anlise dos resultados referentes a este
tipo de estudos permite verificar que a incidncia
de estados depressivos aproximada em cada
um deles: 1.9 e 2.1 a favor das mulheres,respectivamente para os estudos de sintomas
depressivos que no constituam quadros clnicos
e para os estudos em que os sintomas depressivos
se organizavam em quadros clnicos (Boyd e
Weissman, 1982). Mesmo os estudos nos quais
foram utilizados os critrios psiquitricos para a
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depresso maior (DSM-III, PSE) os resultados
mostram uma preferncia da incidncia da
depresso nas mulheres num valor muito prximodos atrs referidos: 2.0 (e.g., Younget al., 1990;
Hobfollet al., 1995).
Estes dados, ao revelarem uma incidncia
muito prxima entre estudos que indicam uma
procura de servios de sade por maior
necessidade de apoio e os estudos que indicam
uma procura daqueles servios por patologia
psiquitrica expressa, levam-nos a concluir que
a predominncia feminina da depresso no
um a r t e f a c t o resul tante de um
comportamento de maior pedido de ajuda.
2.2. Explicaes segundo causas
biolgicas
Este tipo de explicaes tm-se centrado
no estudo dos factoresgenticosehormonais.
A incidncia no factor gentico explica-se pela
evidncia de um componente gentico marcado
nas depresses bipolares, menos marcado, mas
demonstrado, nas depresses unicolores psicticas
e no esclarecido para as depresses neurticas,
se bem que haja evidncia da influncia de um
factor familiar (McGuffin e Katz, 1986; Kendler
et al., 1995). de salientar, contudo, uma limitao
no que respeita ao determinismo gentico, j que
sabido actualmente que a influncia gentica
resultante de uma interaco entre mltiplos
genes e no apenas de um nico gene, mesmo
para as depresses bipolares.
Segundo o ponto de vista das causas
biolgicas, para que a maior incidncia da depresso
ocorra na mulher necessrio que haja uma
ligao gentica ao cromossoma X. Esta ligao
est apenas demonstrada para a depresso bipolar,
mas o problema reside no facto de a incidncia
desta forma de doena depressiva ser praticamente
igual nos dois sexos (facto que no tem sido muito
valorizado). Sendo assim, conclui-se, por um lado,
que a explicao de tipo gentico no suficiente
para dar conta das diferenas de incidncia dos
estados depressivos nos dois sexos e, por outro,
que adepresso bipolar constitui uma doena
parte do espectro depressivo, afirmando-se como
uma doena de maior influncia biolgica do que
os outros quadros nosogrficos daquele espectro.
Esta concluso remete-nos para a limitao
das explicaes biolgicas de tipo estritamente
gentico quanto diferente incidncia de estados
depressivos nos dois sexos.
Uma outra direco dos estudos biolgicos
tem incidido nasdiferenas hormonaisentre o
homem e a mulher (e.g. Harriset al., 1989; Harris,
1993; Aviset al., 1994; Pearlstein, 1995; Augusto
et al., 1996; Harriset al., 1996; Abou-Salehet
al., 1998; Hendricket al., 1998). Estes estudos
tm utilizado como elemento de anlise os quadros
clnicos que emergem em perodos prprios da
vida das mulheres e em relao aos quais se
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postula a existncia de uma determinao
hormonal. No Quadro I representam-se esses
perodos, em relao ao quais iremos dar algunsdados de tipo semiolgico, nosogrfico e
epidemiolgico.
Quadro I - Principais perodos de influncia hormonal
especfica na mulher
Perodo pr-menstrual
Uso de contraconceptivos orais
Parto e o puerprio
Menopausa.
2.2.1. Perodo pr-menst rual
O perodo pr-menstrual constitui, de facto, uma
fase de alta vulnerabilidade que se acompanha no
plano afectivo - em cerca de 3 a 8%das mulheres
em fase reprodutiva (Ramcharanet al., 1992;
Merikangaset al., 1993; Gehlert e Hartlage, 1997)
- de alteraes do humor com irr itabilidade e
labilidade emocional, podendo por vezes assumir
uma tonalidade depressiva e ansiosa
acompanhada de astenia. Estas alteraes sofrequentemente transitrias e caracterizam-se por
uma intensidade particular e por uma maior
facilidade de passagem ao acto suicida. Outras
vezes manifesta-se umahiperactividadeou mesmo
uma agressividadeque se dirige essencialmente
contra os elementos mais prximos afectivamente
e especialmente para as crianas. habitual a
ocorrncia de sintomas fsicos, tais como cefaleias
e reteno hdrica. Este conjunto de sintomas
apresenta uma ocorrncia rtmicae aparecemhabitualmente na mesma altura do ciclo menstrual,
para uma determinada mulher.
Esto estabelecidos, actualmente, um
conjunto de critrios que permitem diagnosticar
uma perturbao disfrica pr-menstrual (ver
Quadro 2)
Quadro 2 - Critrios para o diagnstico de
perturbao disfrica pr-menstrual
(DSM - IV)
Face s particularidades fenomenolgicas
das alteraes prprias destes perodos da vidada mulher, a sua conotao hormonal tem sido
explorada por vrios autores. No entanto, no
foi ainda possvel identificar quaisquer alteraes
hormonais especficas desta fase que condicionem
aquele acontecer vivencial. Apesar disso, Rubinow
et al.(1995) sugeriram que, nas mulheres que
apresentam uma predisposio para adoecer com
depresso, as alteraes peridicas do seu estadoafectivo, ms aps ms, aumenta a possibilidade
de desenvolvimento de um estado depressivo
crnico, dependente no s de factores neuro-
endcrinos mas tambm de factores psicossociais,
o que tem vindo a ser confirmado por outros
estudos (Grazeet al., 1990; Halbreich, 1997;
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Kendleret al., 1998).
Estes dados so particularmente
importantes pois aponta-nos uma linha de
explicao que tem vindo a ser explorada: trata-
se da importncia da predisposio depressiva
como um dos factores fundamentais na incidncia
diferencial da depresso nos dois sexos, factor
este que se afigura como um factor multi-causal.
2.2.2. Uso de cont racept ivos orai s
Os quadros depressivos que acompanham
o uso de frmacos contraceptivos orais
caracterizam-se por um conjunto de sintomas
representados no Quadro III.
Quadro III - Conjunto sindromtico associado ao
uso de anticonceptivos orais
Apatia
Intranquilidade
Elaboraes hipocondracas
Somatizaes
Diminuio da libido.
Estes estados tm sido conotados
directamente com o uso daquelas substncias, a
partir de um conjunto de trabalhos que utilizaram
questionrios passados a um determinado nmero
de mulheres que tomavam contraceptivos orais.
Se bem que os primeiros estudos mais
controlados, em ensaios duplamente cegos com
controle de placebo, revistos por Weissman e
Slaby (1973), no demonstram nenhum aumento
do humor depressivo associado ingesto decontraconceptivos orais, estudos posteriores
demonstraram exactamente o contrrio (e.g.
Shaarawyet al., 1982; Westhoffet al., 1995).
Independentemente desta controvrsia existe um
conjunto substancial de mulheres que abandonam
o uso de aquelas substncias devido aos seus
efeitos depressivogneos tendo, no entanto,
Bancroft e Sartorius (1990) verificado que nessasmulheres h uma maior incidncia de depresses
independente do uso destas substncias, sugerindo
que aquelas reaces adversas ocorrem em
mulheres com uma susceptibilidadeaumentada
para a depresso.
No se trata, pois, de um efeito directo
dos contraceptivos orais, mas antes de um efeitodiferido a partir da actuao sobre uma
vulnerabilidade especfica (predisposio
depressiva).
Em termos prticos, esta concluso implica
a necessidade de uma anamenese cuidadosa (no
sentido de despistar uma predisposio depressiva)
s mulheres s quais se pretende prescreverqualquer tipo de contraceptivo oral.
2.2.3. Gravidez, part o e puerprio
A gravidez e o puerprio correspondem
a perodos de alta vulnerabilidade para a mulher
quer por razes biolgicas (modificaes
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endcrinas e alteraes do esquema corporal)
quer por razes psicolgicas (essencialmente no
que respeita ao sentimento de maternidade bemcomo em relao a experincias anteriores mais
ou menos traumticas de gravidez). A estas
ocorrncias correspondem normalmente
alteraes do humor, de tipo depressivo, mdia
intensidade, estimando-se uma prevalncia em
Portugal de 13.1% (Augustoet al., 1996). As
alteraes depressivas do humor de pequena
intensidade so mais frequentes (50-85%) e asverdadeiras psicoses ps-parto so raras (0.1-
0.2%).
Estes estados esto associados, a maior
parte das vezes, a factores desencadeantes de
tipo psicolgico associados s vivncias de
maternidade. Estas, por sua vez, esto dependentes
de factores como a educao, as alteraes dapersonalidade (nomeadamente a imaturidade) e
a situao vivencial em que decorre a gravidez
(me solteira, conflitos conjugais, etc.). Nestes
casos o sintoma predominante o sentimento
de culpa,que praticamente domina o quadro
depressivo, sendo tambm frequentemente
acompanhado por labilidade emocional, perodos
de disforia e de exaltao, ou de apatia eirritabilidade. Este tipo de situaes ocorre
habitualmente nos primeiros 3 meses de gravidez,
em mulheres novas (mdia 20 anos), a maior parte
das vezes com problemtica conflitual e constitui
um factor de risco para o desenvolvimento de
uma depresso ps-parto (Hobfollet al., 1995).
Dada a importncia destes quadros para
o normal decurso do parto bem como para uma
futura relao me-filho adequada, impe-se umainterveno psicoteraputica ou psicopedaggica,
que pode ser efectuada aquando das consultas de
rotina obsttrica. Para tal, de extrema
importncia implicar-se outros agentes de sade
(nomeadamente enfermeiros, que devem ser
treinados para tal) e a actuao deve centrar-se
na desculpabilizao, desdramatizao e na
informao sobre aspectos do parto e gravidez.Temos a experincia de aces deste gnero
desenvolvidas em grupo, animado por um mdico
de clnica geral, cujos resultados demonstraram
a utilidade e a economia de tempo deste tipo de
intervenes. Este conjunto de aces
particularmente importante nas primaras e nas
mulheres em risco psicolgico emocional.
evidente que se as situaes assumem foros demaior gravidade torna-se necessrio uma
interveno individualizada, que o mdico pode
assumir, adoptando uma atitude de escuta emptica
e de disponibilidade para compreender as
significaes existenciais de tais situaes.
importante, tanto quanto possvel, evitar a
prescrio de psicofrmacos nos primeiros 3
meses de gravidez. No entanto, caso isso semostre necessrio, os antidepressivos que nos
parecem menos problemticos so os percursores
da serotonina, como a 5- hidroxitriptamina, mas
necessrio ter em ateno a sua fraca potncia
de aco antidepressiva.
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Os quadros depressivos graves ocorrem
aquando da interrupo natural ou voluntria da
gravidez. evidente que a gravidade depende dascaractersticas pessoais e da situao, mas
comum a emergncia de um quadro depressivo
com elaboraes culpabilizantes intensas ou ento
sentimentos de menos valia. Estes quadros,
habitualmente, so muito resistentes terapia,
sendo necessrio intervir com antidepressivos
potentes e manter uma cobertura psicoteraputica
firme.
Em relao ao puerprioconvm antes
de mais definir os seus limites psiquitricos:
perodo que se estende desde o parto at aos 6
meses seguintes. Abarca portanto o ps-parto
bem como parte do perodo de lactao.
As depresses que ocorrem neste perodo
tm, em 1 a 2%dos casos, um curso dependente
das alteraes metablicas que esto a ocorrer,
so de gravidade acentuada, constituindo
verdadeiras psicoses puerperais que necessitam
de internamento urgente. Este tipo de depresses
ocorre, na grande maioria dos casos, durante o
1 ms aps o parto. O sintoma saliente a
confuso mental, mas apresenta um conjuntode indicadores prodmicos a reter (Quadro IV):
Quadro IV - Prdomos das depresses puerperais
graves
Isnia grave
Inquietao motora marcada
Acentuada irritabilidade
Alternncias frequentes do humor
Desmotivao profunda
Uma das complicaes importantes a ter
em conta relativamente a estas situaes clnicas
, no s, o grande risco de suicdio como tambm
de infanticdio (Millis e Kornblith, 1992).
Mais frequentemente ocorrem quadros
clnicos de menor intensidade, matizados de
astenia, atribuda fadiga da nova situao. Outras
vezes apresentam-se como preocupaes ligadas
ao filho, de tipo obsessivo, que de algum modo
denotam a personalidade de base da me. Em
relao a este tipo de situaes, importanteestar atento s manifestaes da criana, j que
funciona como um "emissor sintomtico" das
alteraes psicolgicas da me traduzidas na
alterao da relao me-filho. De entre as
manifestaes sintomticas da criana, os quadros
de tipo digestivo (que constituem nesta fase o
meio preferencial de comunicao do recm-
nascido com o mundo exterior), querapresentando-se como rejeies alimentares quer
como hiperfagias, com as consequentes degluties
macias de ar, so um cdigo de sintomas
importante a descodificar, no sentido das
alteraes psicolgicas maternas. Apesar disso,
estas depresses so normalmente benignas,
PSIQUIATRIA emRevista -Vol. 11, N3, 1998
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ocorrem entre o 3 e o 6 dia do puerprio e por
isso designam-se por sndroma do 3 dia. A
sintomatologia mais evidente est resumida noQuadro V.
Quadro V - Sndroma do 3 dia
Astenia
Choro fcil
Somatizaes
Pessimismo
DisforiaDificuldade de concentrao
Insnias
Fundo Depressivo
Os quadros menos intensos apresentam
como caracterstica saliente a sua grande resistncia
aos tratamentos habituais, sendo normalmente
necessria a correco dos factores metablicos
que esto associados a estas perturbaes.
Esta fase da vida da mulher est, de facto,
associada a um grande nmero de admisses nos
hospitais psiquitricos por quadros psicticos de
ocorrncia durante o 1 ms aps o parto, como
o demonstram os trabalhos de Kendellet al.
(1987). Se bem que as depresses bipolares faam
parte deste leque de quadros psicticos no
constituem, contudo, a sua maioria. Esta,
constituda por outras situaes psicticas, a maior
parte das vezes atpicas, que eclodem geralmente
em mulheres com uma histria de patologia
psiquitrica anterior ou at familiar.
Dados recentes indicam que este estados
no so de origem psicolgica mas antes tm uma
etiologia hormonal (Abou-Salehet al., 1998;Hendricket al., 1998). Alguns autores chegam
mesmo a indicar o parto como o factor
fundamental na diferente incidncia de estados
depressivos nos dois sexos, apoiados quer no
estudo de Gater et al.(1989) que demonstraram
ser a incidncia da depresso psictica nas
mulheres nulparas semelhante sua incidncia
nos homens, quer no estudo de Weissman eOlfson (1995) que demonstraram ser o perodo
ps-natal o que revela um pico de incidncia do
primeiro episdio.
Se bem que a gravidez constitua um factor
protectorem relao a determinada patologia
psiquitrica (Romans-Clarksonet al., 1988) e
aparentemente reduza a tendncia ao suicdio(Veevers, 1973), a maior parte dos estudos
apontam claramente para um aumento da
susceptibilidade para a depresso, nas mulheres
que tenham vivenciado pelo menos uma gravidez.
A diferena entre as mulheres uni ou multparas
e as nulparas persiste at idade de 54 anos,
segundo Gater (1989), ou at idade dos 50 anos,
segundo Bebbington (1987)). Dado que este efeitopermanece at idade da menopausa e no
explicado pela ocorrncia da depresso ps-parto,
torna-se necessrio desenvolver investigaes
que clarifiquem o efeito quer dos factores
biolgicos quer dos factores no biolgicos nesta
situao.
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Pelo contrrio, os quadros depressivos
de intensidade mdia ou ligeira que ocorrem
neste perodo no apresentam uma ligaoevidente com as alteraes hormonais ocorridas
(Coxet al., 1989), tendo Cooper e Stein (1989)
sugerido que estejam mais relacionados com os
acontecimentos vitais e com o stress social.
2.2.4. M enopausa
uma outra fase crtica da vida da mulher
onde se torna evidente a interligao entre os
aspectos biolgicos e os aspectos biogrficos. A
depresso que ocorre nesta fase no apresenta
perfil especfico estando, antes, modelada pelas
caractersticas psico-sociais deste perodo da vida
da mulher. Assume, por isso, ora caractersticas
apelativas ora foros de grande impotncia face
vida e face sexualidade.
Quanto influncia determinante dos
factores hormonais na ecloso de estados
depressivos, os estudos tambm no so
conclusivos. De facto, Winokur (1973) e Avis et
al. (1994), entre outros, demonstraram a no
existncia de picos de incidncia de episdios
depressivos major neste perodo, mas salientaram
a importncia dos factores psicossociais e dos
acontecimentos vitais. Vemos, pois, atravs destes
estudos, que a grande incidncia de estados
depressivos nos perodos da vida da mulher com
uma implicao hormonal especfica postulada,
s parcialmente explicada pelas causas
hormonais. A grande proporo destes estados
no possvel ser explicada por estes factores.
Tomando em considerao os resultados,
quer dos estudos de incidncia gentica quer dos
estudos de incidncia hormonal (conjunto das
explicaes biolgicas), conclumos que
extremamente difcil apoiar exclusivamente a
incidncia diferencial da depresso nos dois sexos
a partir deste tipo de causalidade. Destacamos o
"exclusivamente" j que, luz da neurofisiologia
actual, difcil excluir a influncia dos factores
hormonais nesta questo. E tanto assim quanto
se sabe que, durante o perodo do
desenvolvimento do crebro in utero, este
sujeito a influncias hormonais diferentes,
consoante os sexos, influncias essas que
condicionam os ciclos hormonais do perodo ps-
uterino.
2.3.Explicaes segundo causas sociais
Esta linha de explicaes congrega o maior
nmero de estudos, apontando na sua maioria
para fortes ligaes entre estes factores e a maior
incidncia de depresses na mulher. O conjunto
dos estudos neste domnio pode ser agrupado
segundo 3 grandes categorias: a) as relacionadas
com osacontecimentos vitais; b) as relacionadas
com osuporte social; c) e as relacionadas com
o papel e o status social.
2.3.1. Aconteciment os vitais
Se a literatura aponta claramente para a
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precedncia dos estados depressivos por um alto
ndice de acontecimentos vitais ameaadores
(Paykel e Cooper, 1991; Warren, 1997; Bifulcoet al., 1998), esta constatao no se diferencia
(entre homens e mulheres) quanto ao nmero
daqueles acontecimentos mas antes quanto
intensidade da resposta sintomtica aos mesmos
(Uhlenhuth e Paykel, 1973; Paykel, 1991). Isto
significa que as mulheres apresentam uma maior
vulnerabilidadeaos efeitos dos acontecimentos
vitais, vulnerabilidade que parece depender nos de factores scio-ambientais, mas tambm de
factores gentico-biolgicos.
2.3.2. Suport e socia l
Quanto a esta questo foram identificados
um conjunto de factores determinantes da
vulnerabilidade social, representados no Quadro
VI.
Quadro VI - Factores implicados na vulnerabilidade
social depresso
Ausncia de um confidente
Presea, em casa de crianas pequenas
Classe social Baixa
No trabalhar
Perda precoce da me
Trabalho fora de casa
No geral, um suporte social deficiente est
identificado como sendo um factor de risco parao desenvolvimento de um estado depressivo,
especialmente para o sexo feminino (Hauenstein,
1991). De facto, os autores verificaram que os
factores ambientais que contribuem para a perda
da esperana e para um sentimento de falta de
ajuda nas responsabilidades quotidianas, bem como
a discriminao social associada aos papis que a
mulher desempenha na sociedade moderna podem
exp-la no s a um maior nmero de stressores
mas tambm a stressores de difcil abordagem.
Cad um destes factores podem tornar a mulher
mais vulnervel para o desencadeamento de um
estado depressivo.
Ao factor "trabalho fora de casa" -lhe
atribudo uma inf luncia antagnica consoante
a situao vivida: est associado a menor incidncia
de depresso caso se acompanhe de um bom
suporte social ou na presena de um nvel scio-
econmico baixo (Mostow e Newberry, 1975) e
a maior incidncia caso se acompanhe de um mau
suporte social (Braun e Hollander, 1988). Ainda
associado a este factor refere-se o facto da mulher
trabalhar por vontade prpria - associado a menor
incidncia de depresso - ou ser obrigada a
trabalhar - associado a maior incidncia de
depresso.
2.3.3. Papel e stat us socia l da mulher
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Os estudos que tratam esta questo,
basearam-se na correspondncia entre o papel
social de "dona de casa" e baixo status social quelhe est associado. Esta correspondncia
fundamenta-se num conjunto de atitudes que
esto associadas condio de "dona de casa",
nomeadamente a dependncia econmica, a baixa
de auto-estima e o baixo ndice de aspiraes. A
ponte causal entre este papel da mulher e o seu
status social foi feita, entre outros, por
Wollersheim (1993) e Bifulco (1998) quedemonstraram a relao entre a baixa de auto-
estima e os seus antecedentes e a ocorrncia de
estados depressivos nas mulheres. No entanto,
para que as concluses destes estudos tenham
validade necessrio efectuarem-se estudos
comparativos nos homens, pelo que, no momento
actual, apenas servem como indicadores de uma
tendncia.J os estudos epidemiolgicos contriburam
muito para o esclarecimento destas questes,
nomeadamente no que se refere s interaces
sexo, idade, estado civil e maternidade.
Para as relaes entre depresso e idade
(Jorm, 1987; Bleikeret al., 1993; Heidrich, 1994)
parece existir uma relao segundo uma forma
curvilnea com um pico na meia idade e pontosbaixos na infncia e na 3 idade.
Para as relaes entre a depresso e o
estado civil, os dados so mais relevantes no que
respeita s doenas mentais em geral,
apresentando as mulheres casadas uma maior
incidncia de doenas do que as solteiras,
exceptuando-se as mulheres separadas ou
divorciadas (Bruce e Kim, 1992), exactamente ao
contrrio do que acontece nos homens. Isto ,para os homens o casamento parece ser, de algum
modo, protector enquanto que para as mulheres
isso no acontece (Bruce e Kim, 1992; Earleet
al., 1998).
Um estudo importante e j antigo
relacionou as 3 variveis, idade, sexo e estado
civil (Grad de Alarconet al., 1975) tendo
evidenciado, na meia idade, um maior nmero demulheres deprimidas comparativamente com os
homens, particularmente para as mulheres casadas.
Tambm foi verificado uma maior incidncia de
depresso neurtica nas mulheres casadas de
idades variando entre 25-44 anos e um pico
tardio para a depresso psictica, nas mulheres
solteiras ou vivendo s, nas idades entre 35-65
anos.Para as relaes entre a depresso e a
maternidade os estudos apontam para uma maior
incidncia de depresses nas mulheres com filhos
(Gateret al., 1989; Augustoet al., 1996) vindo
de algum modo apontar, em conjunto com os
dados anteriores, para uma clara direco: um
pico particular de depresses nas mulheres com
idades compreendidas entre os 20-40 anos, casadase com filhos.
Estes dados so difceis de serem
associados a qualquer hiptese endcrina mas
so fceis de associar s hipteses sociais,
apontando para os problemas particulares das
jovens mes nas sociedades ocidentais em
PSIQUIATRIA emRevista -Vol. 11, N3, 1998
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desenvolvimento, nas quais as famlias so nucleares
e mveis, o suporte familiar adequado raro e
onde uma mulher com filhos est particularmentedependente da qualidade das relaes com o seu
companheiro.
Apesar desta evidncia necessrio ter-
se um olhar reservado sobre estas concluses,
atendendo ausncia de estudos relevantes e com
os mesmos objectivos, no homem.
2.4Explicaes segundo a diferente
expresso do stressEste tipo de explicaes assenta na hiptese
de uma diferente expresso do stress nos homens
e nas mulheres. Esta explicao baseia-se nos
dados da psicologia que apontam para uma maior
emotividade das mulheres que se reflecte nas suas
relaes com os outros, nomeadamente na
expresso da necessidade de apoio e ajuda. Este
factor, que vulgarmente tem sido adjudicado aaspectos sociais e culturais, tem tambm uma
causalidade biolgica (Paykel e Cooper, 1991).
certo que, no que respeita prevalncia
da patologia psiquitrica em geral, parece no
haver uma predominncia de um sexo em relao
ao outro (Bijlet al., 1998), mas no que respeita
aos estados depressivos parece que o homem
exprime menos directamente esses estadosmascarando-os de comportamentos adictivos ou
anti-sociais (Berger e Adesso, 1991; Paykel, 1991).
Por seu lado, os estudos sobre o suicdio
indicam haver mais suicdios consumados nos
homens do que nas mulheres (Buckleyet al.,
1996; Hanna e Grant, 1997), o que sugere, em
confronto com a diferente incidncia, que a
depresso se apresenta mascarada neste grupo.
Apesar disso, estes dados no nos elucidam quanto incidncia referida, se atendermos aos indicadores
que sugerem um maior nmero de tentativas de
suicdio nas mulheres, utilizando meios menos
eficazes que os homens (Wilhelm e Parker, 1989;
Spiritoet al., 1993).
Vemos, pois, que estes dados so
inconcludentes e no explicam por si a incidncia
diferencial de depresses. Alm disso, algunsestudos mais recentes apontam para um fenmeno
que de algum modo contraria os dados que tm
sido explicitados: trata-se do aumento da
depresso nas sociedades industrializadas (Joyce
et al., 1990; Pritchard, 1996) sobretudo custa
dosjovens do sexo masculino, facto que vai
atenuando as diferenas na incidncia destes
estados nos dois sexos. O mesmo tipo deresultados j vinha sendo verificado, mas apenas
em amostras especficas, como por exemplo
demonstrou Wilhelm e Parker (1989) em
estudantes universitrios.
Esta constatao reclama a necessidade
de se efectuarem mais estudos com estes
objectivos, sobretudo de tipo comparativo entre
diferentes sociedades.ConclusoFeito este percurso, retomemos as
questes iniciais que delinearam o mtodo utilizado
para abordarmos esta problemtica questo.
) Existe, de facto, uma maior incidncia
de estados depressivos na mulher?
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Pudemos constatar, atravs das
investigaes, que a mulher apresenta uma
incidncia de estados depressivos maior do queo homem, incidncia que no constituindo um
artefacto metodolgico, apenas se verifica quando
so excludos do espectro depressivo as "mscaras
depressivas" e as depresses bipolares.
Alm disso, se atendermos aos aspectos
cronolgicos, verificamos que se desenha, nos
estudos mais recentes, uma linha de atenuao
dessa maior incidncia. Isto sugere a existnciade uma mutao gradual da expresso dos estados
depressivos, no que respeita sua incidncia em
ambos os sexos e nas sociedades ocidentais.
) Quais os factores que esto associados
a esta maior incidncia?
Constatada a incidncia diferencial,
tratamos de verificar as suas relaes causais.
Desta anlise pode-se apenas concluir que umacausalidade multi-factorial que est na base deste
fenmeno. Isto , s tentaes reducionistas (quer
biolgicas, quer psicolgicas, quer sociais)
contrape-se uma evidncia complexa multi-
factorial.
) Que car act erst icas especf icas
apresenta?
Analisados os perodos da vida da mulherque apresentam uma especificidade hormonal
relativamente ao homem, constatamos a
ocorrncia de um certo nmero de estados
depressivos, cuja ecloso est dependente de
uma vulnerabilidade, assinalada como predisposio
depressiva.
Ora estas evidncias apontam para umaespecificidade, no dos quadros depressivos, mas
antes dos enquadramentos hormonais actuantes
sobre um fundo predisposto. Por outras palavras,
se alguma especificidade existe nos quadros
depressivos expressos no sexo feminino, essa
especificidade advm das caractersticas neuro-
hormonais prprias desses perodos. Estas
caractersticas adicionadas aos factoresbiopatogrficos, acabam por nos revelar uma
singularidade pessoal, que completamente distinta
da singularidade atribuda ao gnero feminino ou
masculino.
Finalmente, salienta-se como sntese
conclusiva que a questo da depresso na mulher
no s uma questo em aberto, como nos
remete para um re-pensar global dos quadrosdepressivos na actual constelao societria da
espcie humana.
RESUMO
Neste trabalho o autor questiona a
especificidade dos estados depressivos na mulher
tentando responder, atravs da anlise da
bibliografia neste domnio, s seguintes questes:Existe de facto uma maior incidncia dos estados
depressivos na mulher? Se sim, quais os factores
que esto associados a esta maior incidncia? Que
caractersticas especficas apresenta?
PSIQUIATRIA emRevista Vol 11 N3 1998
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