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Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 Crato Ceará Brasil - 2015 107 A DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL: UMA ANÁLISE TEÓRICO-ESTATÍSTICA SOBRE A POBREZA E A POBREZA RURAL Prof. Pós-Dr. André Cutrim Carvalho 1 Prof. Esp. Auristela Correa Castro 2 Resumo O objetivo deste trabalho é discutir e analisar a evolução estrutural da pobreza e, também, da pobreza rural no Brasil no período de 2005 e 2011. Nos últimos anos, as políticas governamentais visando o combate ao desemprego e a erradicação da pobreza extrema, têm contribuído para impedir o aumento da pobreza no país. A década de 2000 em contraste com as décadas anteriores, apresentou uma redução sistemática da pobreza no Brasil a partir de uma série de iniciativas governamentais em um ambiente de crescimento econômico. A conclusão deste trabalho é de que a desigualdade de renda e a proporção da pobreza no Brasil caíram entre 2005 e 2011. O índice (coeficiente) de Gini, um indicador da área da economia social, diminuiu de 0,532 em 2005 para 0,501 no ano de 2011, portanto, a queda da desigualdade da renda regional é importante porque demonstra que a redução da desigualdade não foi parcial, nem localizada em algumas regiões do Brasil, contudo, apesar da acelerada redução da desigualdade de renda, o Brasil ainda não ocupa uma posição de destaque entre os países com melhor redistribuição de renda, o que significa que é preciso persistir com políticas sociais de redução da desigualdade de renda. Palavras-chave: pobreza e pobreza rural; desigualdade de renda; índice (coeficiente) de Gini. INCOME INEQUALITY IN BRAZIL: A THEORETICAL AND STATISTICAL ANALYSIS OF POVERTY AND RURAL POVERTY Abstract The primary goal of this paper is to discuss the problem of poverty from a theoretical perspective and empirically analyze the structural evolution of poverty and also of rural poverty in Brazil between 2005 and 2011. In recent years, Brazilian government policies aimed at fighting unemployment and eradicating extreme poverty, have contributed to preventing the spread of poverty in the country. The 2000s, in contrast to previous decades, showed a systematic reduction of poverty in Brazil from a number of government initiatives in an environment of economic growth. The main conclusion of this study is that inequality of income and poverty rate in Brazil fell between 2005 and 2011. Moreover, the index (coefficient) Gini, one of the indicators most widely used by researchers in the social economy, decreased 0.532 in 2005 to 0.501 in 2011, so the decline in regional income inequality is important because it shows that the reduction of 1 Professor Pós-Doutor, Faculdade de Economia do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Pará (FACECON/ICSA/UFPA), Belém/Brasil, e-mail: [email protected] 2 Professora Especialista, Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), Santarém/Brasil, e-mail: [email protected]

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Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 107

A DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL: UMA ANÁLISE

TEÓRICO-ESTATÍSTICA SOBRE A POBREZA E A POBREZA RURAL

Prof. Pós-Dr. André Cutrim Carvalho 1

Prof. Esp. Auristela Correa Castro 2

Resumo

O objetivo deste trabalho é discutir e analisar a evolução estrutural da pobreza e,

também, da pobreza rural no Brasil no período de 2005 e 2011. Nos últimos anos, as

políticas governamentais visando o combate ao desemprego e a erradicação da pobreza

extrema, têm contribuído para impedir o aumento da pobreza no país. A década de 2000

em contraste com as décadas anteriores, apresentou uma redução sistemática da pobreza

no Brasil a partir de uma série de iniciativas governamentais em um ambiente de

crescimento econômico. A conclusão deste trabalho é de que a desigualdade de renda e

a proporção da pobreza no Brasil caíram entre 2005 e 2011. O índice (coeficiente) de

Gini, um indicador da área da economia social, diminuiu de 0,532 em 2005 para 0,501

no ano de 2011, portanto, a queda da desigualdade da renda regional é importante

porque demonstra que a redução da desigualdade não foi parcial, nem localizada em

algumas regiões do Brasil, contudo, apesar da acelerada redução da desigualdade de

renda, o Brasil ainda não ocupa uma posição de destaque entre os países com melhor

redistribuição de renda, o que significa que é preciso persistir com políticas sociais de

redução da desigualdade de renda.

Palavras-chave: pobreza e pobreza rural; desigualdade de renda; índice (coeficiente) de

Gini.

INCOME INEQUALITY IN BRAZIL: A THEORETICAL AND STATISTICAL

ANALYSIS OF POVERTY AND RURAL POVERTY

Abstract

The primary goal of this paper is to discuss the problem of poverty from a theoretical

perspective and empirically analyze the structural evolution of poverty and also of rural

poverty in Brazil between 2005 and 2011. In recent years, Brazilian government

policies aimed at fighting unemployment and eradicating extreme poverty, have

contributed to preventing the spread of poverty in the country. The 2000s, in contrast to

previous decades, showed a systematic reduction of poverty in Brazil from a number of

government initiatives in an environment of economic growth. The main conclusion of

this study is that inequality of income and poverty rate in Brazil fell between 2005 and

2011. Moreover, the index (coefficient) Gini, one of the indicators most widely used by

researchers in the social economy, decreased 0.532 in 2005 to 0.501 in 2011, so the

decline in regional income inequality is important because it shows that the reduction of

1 Professor Pós-Doutor, Faculdade de Economia do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da

Universidade Federal do Pará (FACECON/ICSA/UFPA), Belém/Brasil, e-mail: [email protected] 2 Professora Especialista, Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), Santarém/Brasil, e-mail:

[email protected]

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inequality was not partial and not localized in some regions of Brazil, however, despite

the accelerated reduction of inequality income, Brazil still does not occupy a prominent

position among the countries with better distribution of income, which means you have

to persist with social policies to reduce income inequality.

Keywords: poverty and rural poverty; income inequality; index (coefficient) of Gini.

Área Temática 02: Dinâmicas rurais contemporâneas.

1. Introdução

O problema da desigualdade de renda e da pobreza no Brasil remonta a história

do período colonial. Ressalte-se que a abolição da escravatura no Brasil, em 13 de maio

de 1888, não foi acompanhada de uma reforma agrária capaz de distribuir terras para

todos aqueles ex-escravos ou não, sem terras, com potencial para serem pequenos

agricultores. Foi à tomada de consciência social da desigualdade de renda nos anos de

1970, período de boom econômico com altas taxas de crescimento do PIB, que levou a

realização de vários estudos sobre a desigualdade de renda e pobreza no Brasil.

Maleta (1988) escreveu um diagnóstico sobre a pobreza rural do Brasil que

apontava para a necessidade de políticas públicas de combate a pobreza rural. De Janvry

e Sadoulet (2000, p. 389-409) também escreveram um diagnóstico em que destacam

que a migração do campo para as cidades brasileiras foi o fator mais importante para

explicar a redução da pobreza rural entre 1970-1997. Helfand e Levine (2005)

estimaram que quase a metade da pobreza rural no Brasil, entre 1991-2000, caiu com o

êxodo rural. Por certo, a migração rural é um fator importante na explicação da queda

do número de pobres que migram dá área rural para a urbana no Brasil, mas não explica

a pobreza social que se mantém na área rural.

Apesar do êxodo rural, existe um número significativo de famílias pobres

vivendo no meio rural do Brasil e a maioria daquelas pessoas que migraram para os

grandes centros urbanos permanece pobre. O combate à pobreza rural requer uma

política governamental capaz de transformar a migração numa estratégia bem sucedida

de saída da pobreza, e não uma simples realocação dos pobres da zona rural para

urbana. Em 2010, o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA

lançou o projeto “A Nova Cara da Pobreza Rural no Brasil: transformações, perfil e

desafios para as políticas públicas”, tendo como principal objetivo diagnosticar e definir

as políticas públicas para combater a pobreza rural no Brasil. Portanto, é preciso

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conhecer melhor o rural brasileiro para a proposição de outras políticas de apoio ao

crescimento da renda nas zonas rurais do Brasil.

As políticas governamentais adotadas no Brasil de combate ao desemprego e a

erradicação da pobreza extrema têm contribuído para impedir o aumento da pobreza no

país. Houve, por certo, crescimento econômico e redução das desigualdades de renda no

Brasil que contou com a ajuda das políticas sociais de transferências de renda e de

valorização real do salário mínimo, principalmente a partir dos 2000.

O índice de Gini, que serve para medir a concentração de renda no Brasil, caiu

de 0,572 (2001) para 0,508 (2011). Os trabalhos de pesquisa de Henriques (2000),

Barros et al (2000), Ferreira e Litchfield (2000), Hoffmann (2000); Hoffmann (2007);

Barros et al (2007); Soares et al (2007); Neri e Son (2007) são reveladores da redução

da desigualdade de renda no Brasil na década de 2000 do século XXI. Contudo, apesar

da redução da desigualdade de renda no Brasil, até recentemente a pobreza rural não

fazia parte da agenda governamental.

O quadro social rural brasileiro está mudando em função das transformações

econômicas e sociais dos últimos anos tanto na economia rural, composta de atividades

agrícolas e não-agrícolas, quanto na própria economia urbana que aumentou seu grau de

interação e sua proximidade com o agro brasileiro tanto pelo lado da demanda quanto da

oferta de bens e serviços. É fato que a pobreza rural tem diminuído nas últimas duas

décadas. Parte desse declínio é atribuída ás políticas sociais de seguridade social rural e

de transferências condicionais de renda. Neri (2000, p. 505-526) pondera, contudo, que

apesar das políticas sociais, a desigualdade de renda e a pobreza não foram eliminadas.

O presente trabalho tem como objetivo discutir o problema da pobreza numa

perspectiva teórica e analisar empiricamente a evolução estrutural da pobreza e da

pobreza rural no Brasil no período entre 2005-2011. Para isso, este ensaio foi

organizado em cinco seções básicas, além deste introdutório. Na segunda, busca-se

discutir o significado de desenvolvimento econômico associado com crescimento e

distribuição de renda, bem como os indicadores sociais que medem a desigualdade de

renda; na terceira, procura-se quantificar e analisar, com base nos microdados do

PNAD, a desigualdade de renda no Brasil; e, por fim, na quarta seção, discutem-se o

significado teórico da pobreza e de pobreza rural à luz da literatura econômica, as

medidas de pobrezas e analisa-se o estado de pobreza e de pobreza rural no Brasil entre

2005-2011 e, por fim, tecem-se as conclusões finais.

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2. Desenvolvimento Econômico, Liberdade e Desigualdade de Renda

O crescimento econômico representado pelo aumento do produto interno bruto

é importante para a geração da riqueza e o aumento de novas oportunidades de emprego

e de aumento da renda das pessoas. Mas só o crescimento do produto não é suficiente

para mudar a concentração da renda na direção da redução da desigualdade da renda e

da pobreza. Para Neri (2005, p. 319-333), o desenvolvimento econômico deve estar

associado não somente com a geração de empregos e a redistribuição da renda, mas

também com a melhoria da qualidade de vida dos membros da sociedade e de liberdades

substantivas dos seus cidadãos. O desenvolvimento econômico deve ir além do simples

crescimento da renda e da acumulação de riqueza. O desenvolvimento econômico com

bem-estar-social deve estar associado não só a melhoria das condições de vida das

pessoas, mas também as liberdades individuais. Neste sentido, há um significativo

número de pessoas que ainda são vítimas de várias formas de privação de liberdade.

Dentre as diversas formas de privação de liberdade – econômicas, políticas, sociais,

civis, religiosas e culturais – é a privação das necessidades sociais básicas que merece

tratamento especial: o direito à alimentação para evitar a morte ou a subnutrição; o

direito aos serviços básicos de água tratada, saneamento básico, saúde e educação.

As desigualdades de renda e outras formas de desigualdades acentuam a perda

de liberdades e de direitos humanos. Há também a privação de liberdade política e de

direitos civis básicos, às vezes, mesmo em países considerados democráticos. A

privação de liberdade individual pode surgir pelo impedimento de participação política

(violação do direito de voto e outros direitos políticos e cívicos) ou pela ausência de

oportunidades na educação e no mercado de trabalho. De acordo com Sen (2000, p. 27-

33) esse conjunto de direitos das pessoas quando conquistadas dotam as mesmas de uma

liberdade substantiva que, por sua vez, contribuiu para ampliar as capacidades

potenciais e efetivas das pessoas de levar um tipo de vida que elas valorizam.

A capacidade pessoal consiste da realização de combinações alternativas de

ações capazes de serem realizadas num certo contexto social. Além do critério de renda

adotado para caracterizar a pobreza, há que se considerar nos estudos sobre pobreza a

privação de liberdades, de oportunidades e de qualidade de vida. A liberdade

substantiva e a justiça social são dois atributos relevantes para que o desenvolvimento

social contribua à erradicação da pobreza. A pobreza não estar associada

exclusivamente a privação de um bem pela ausência de oportunidade de emprego para

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obtenção de renda, mas também à incapacidade da obtenção das necessidades básicas

por direito de cidadania numa democracia.

2.1. Medidas de desigualdade da renda

Os índices de Gini e de Theil são duas medidas frequentemente usadas

para medir o grau de concentração da renda ou distribuição de renda de uma unidade

territorial. Mas esses indicadores são também usados para mensurar o grau de

concentração da população urbana de um país ou de uma região metropolitana. O índice

de Gini pode ser usado para mensurar o grau de concentração (ou desigualdade) da

renda por estrato da população correspondente por meio da equação de Brow, tal que:

(1)

Onde: k (1, 2, 3.......n) = número dos elementos das variáveis;

proporção acumulada da variável população das regiões metropolitanas por estrato de

renda; Y = proporção acumulada da variável rendimento familiar per capita. De acordo

com Ferreira & Litchfield (2000, p. 50-51), o Índice de Gini (G) para uma distribuição

discreta, quando se deseja fazer comparações com outros estudos, pode ser calculado

pela seguinte fórmula:

(2)

O coeficiente de entropia de uma distribuição é dado pela seguinte

equação:

(3)

Onde: n é o número de indivíduos da amostra; é a renda familiar per capita

para a pessoa i = (i = 1,2,3,....n); e é a média simples da renda. O

parâmetro da entropia (EG) representa o peso dado à distância entre rendas em partes

diferentes da distribuição. Um valor de dá mais peso a distância entre rendas da

cauda inferior (Índice Mehram) e dá mais peso a cauda superior da distribuição

(Índice Piesch). Hofmann (1980, p. 271-292) lembra que o índice de Theil (T) é

derivado da medida de entropia (EG) de uma distribuição, com parâmetros e

, de forma que, aplicando a regra de L’Hopital, obtém-se as seguintes equações

dos índices de Theil T e L.

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Onde: N = número de pessoas;

é a renda da i-ésima pessoa;

= é a renda média das pessoas.

2.2. Outras medidas de desigualdade de renda

A maioria da renda das famílias provém do trabalho e de outras fontes que tem

na transferência de renda outra fonte importante para as famílias. Seja o rendimento

domiciliar per capita da i-ésima pessoa, sendo i = 1,2,-------n. A variável n indica o

tamanho da população. Admite-se que os rendimentos das famílias estejam ordenados

decrescentemente, tal que:

. (1)

Fazendo a média dos valores de então as coordenadas da curva de Lorenz

podem ser assim expressas:

..................... (2)

... (3)

A decomposição das três medidas de desigualdade – índice de Gini (G), índice

de Mehran (M) e o índice de Piesch(P) – estão associadas com a área entre à curva de

Lorenz e a linha de perfeita igualdade, tal que . Essas medidas podem variar

entre zero a menos da unidade, e elas são definidas pelas seguintes expressões

matemáticas:

.. (4)

.(5)

. (6)

Note-se que a diferença entre as ordenadas da linha de perfeita igualdade e da

curva de Lorenz do índice de Mehran é ponderada por , o que torna esse índice

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mais sensível à mudança na cauda inferior da distribuição, se comparado com o índice

de Gini. Segundo Hoffmann (2007, v. 2, p. 22-26), o índice de Piesch é também

ponderado por , o que torna esse índice de desigualdade mais sensível, quando

comparado com o índice de Gini, à mudança na cauda superior da distribuição.

3. Distribuição da Renda no Brasil

A Pesquisa Nacional Por Amostra a Domicílios (PNAD) é uma ampla pesquisa

socioeconômica de âmbito nacional realizada no Brasil por meio de uma amostra

probabilística de domicílios obtida em três estágios de seleção: unidades primárias –

municípios; unidades secundárias (setores censitários); e unidades terciárias (unidades

domiciliares particulares destinadas à habitação de uma pessoa ou de um grupo de

pessoas que mantém laços de parentesco ou mesmo de dependência doméstica ou

normas de convivência). A partir de 2004, os resultados obtidos da PNAD passaram

agregar todas as informações das áreas urbanas e rurais das Unidades da Federação,

inclusive a área rural dos estados da Região Norte. Deve ser adiantado que os salários

mínimos nominais de R$ 300,00 (2005) e de R$ 545,00(2011) foram deflacionados a

preços de setembro de 2011 resultando os equivalentes salários mínimos reais de R$

407,00 (2005) e R$ 545, 00 (2011).

A Tabela 1 revela a População em Idade Ativa (PIA), em 2005 e 2011,

segundo as classes de rendimento mensal por Regiões do Brasil. Analisando-se os dados

dessa tabela verifica-se que a população total do Brasil, com 10 anos ou mais de idade,

aumentou de 162, 8 milhões de pessoas (2005) para 166,9 milhões de pessoas (2011). A

população em idade ativa, com rendimento mensal até um salário mínimo, em termos

reais, caiu de 41,0 milhões de pessoas (2005) para 39,4 milhões (2011).

Isto significa que a população de pobres no Brasil, com rendimento mensal de

até 1 salário mínimo real, foi reduzida em 1,6 milhões de pessoas. Enquanto isso, a

população em idade ativa, com rendimento mensal de mais de 1 até 2 salários mínimos

reais, aumentou de 35,6 milhões de pessoas (2005) para 37,5 milhões de pessoas (2011),

o que significa que 1,9 milhões de pessoas em idade ativa passaram a ter alguma

inclusão social. A população das pessoas em idade ativa, com rendimento mensal de

mais de 2 a 3 salários mínimos reais, também aumentou de 12,5 milhões de pessoas

(2005) para 15,1 milhões de pessoas (2011), o que significa que 2,6 milhões de pessoas

em idade ativa, nessa faixa de renda, tiveram o seu poder de compra aumentado.

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Tabela 1: Pessoas com 10 anos ou mais de idade (PIA) por Regiões, segundo as

classes de rendimento mensal, do Brasil: 2005-2011

Classes de rendimento

mensal em salários

mínimos

2005 (Em mil pessoas)

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-este

Até 1 sm 41.011 3.611 17.791 12.641 4.335 2.633

Mais de 1 a 2 sm 35.655 2.404 7.096 17.203 6.177 2.774

Mais de 2 a 3 sm 12.525 713 1.721 6.626 2.527 937

Mais de 3 a 5 sm 10.908 581 1.421 5.913 2.208 784

Mais de 5 a 10 sm 6.396 323 859 3.383 1.293 538

Mais de 10 a 20 sm 2.484 103 3.691 1.299 451 262

Mais de 20 sm 839 34 122 412 144 118

Sem rendimento (1) 52.989 4.653 12.126 22.304 6.891 3.705

Total 162.807 12.422 44.827 69.781 24.026 11.751

Classes de rendimento

mensal em salários

mínimos

2011(Em mil pessoas)

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul

Centro-

Oeste

Até 1 sm 39.448 3.756 17.791 12.641 4.335 2.633

Mais de 1 a 2 sm 37.471 2.585 7.671 17.674 6.468 2.492

Mais de 2 a 3 sm 15.111 799 1.894 8.254 2.922 1.243

Mais de 3 a 5 sm 9.921 534 1.277 5.282 2.017 810

Mais de 5 a 10 sm 6.810 366 873 3.601 1.307 663

Mais de 10 a 20 sm 2.301 98 314 1.224 395 270

Mais de 20 sm 818 38 103 437 121 118

Sem rendimento (1) 55.107 5.168 15.552 22.383 6.690 3.591

Total 166.987 13.344 45.475 71.496 24.255 12.417

Fonte: PNADs/IBGE. (1) Estão incluídas todas as pessoas sem declaração de rendimento e que receberam somente benefícios

sociais.

A Tabela 2 mostra que o total do rendimento médio mensal real das pessoas

com 10 anos ou mais de idade no Brasil, com rendimento declarado, aumentou de R$

1.080, 00, em 2005, para R$ 1.279,00 em 2011. Nota-se na Tabela 1 que o rendimento

médio mensal real das pessoas de 10 anos ou mais de idade aumenta das classes

inferiores às superiores tanto em 2005 quanto em 2011. Mas a taxa de variação do

rendimento médio mensal, entre 2005 e 2011, é declinante.

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Tabela 2: Distribuição do rendimento médio mensal das pessoas com 10 anos ou mais de idade,

com rendimento, segundo as classes de percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade, em

ordem crescente de rendimento: Brasil, 2005/2011

Classes de Percentual das

Pessoas de 10 anos ou mais de

idade

Rendimento mensal médio das

pessoas (Em R$ 1,00)

Taxa de variação do

rendimento médio mensal

(Em %)

2005 2011 2005-2011

Até 10 83 140 9,10

Mais de 10 a 20 252 423 9,02

Mais de 20 a 30 370 545 6,67

Mais de 30 a 40 386 563 6,49

Mais de 40 a 50 478 674 5,89

Mais de 50 a 60 612 827 5,15

Mais de 60 a 70 768 1027 4,96

Mais de 70 a 80 1039 1309 3,93

Mais de 80 a 90 1618 1927 2,96

Mais de 90 a 100 4674 5356 2,30

Mais de 95 a 100 6689 7645 2,25

Mais de 99 a 100 13451 15527 2,42

Média 2535 2997 5,09

Fonte: PNAD\IBGE. Valores inflacionados pelo INPC com base em setembro de 2011. Nota: Exclusive as

informações das pessoas sem declaração de rendimento.

O rendimento médio mensal real entre as pessoas de 10 anos ou mais de idade

cresceu entre 2005 e 2011. Realmente, o rendimento médio mensal real das pessoas de

10 anos ou mais de idade subiu de R$ 83,00 (2005) para R$ 140,00 (2011) na classe de

percentual de até 10 anos de idade. O rendimento médio mensal real das pessoas de 10

anos ou mais de idade da classe percentual entre 99 a 100 cresceu de R$ 13.451,00

(2005) para R$ 15.527,00 (2011), isto é, o correspondente a 2,4% entre 2005-2011.

A Tabela 3 revela a distribuição do rendimento médio por classes de

rendimento mensal em salários mínimos (sm) reais em temos total, urbano e rural, por

pessoas de 10 anos ou mais de idade no Brasil em 2005 e 2011. Nota-se que o

percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade, da classe rendimento mensal de até

½ salário mínimo real, caiu de 7,88% (2005) para 6,94% (2011). O percentual das

pessoas de 10 anos ou mais de idade, da classe de rendimento mensal entre mais ½ a 1

salário mínimo, também declinou de 17,24% (2005) para 16,68%(2011). Continuando

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analisar os resultados da Tabela 3 nota-se que o percentual das pessoas de 10 anos ou

mais de idade da área urbana no Brasil, pertencente à classe de rendimento médio

mensal entre até ½ e 1 salário mínimo real, caiu de 13,56% (2005) para 13,29% (2011).

O percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade ativa da área rural,

pertencente à classe de rendimento médio mensal entre ½ a 1 salário mínimo real, caiu

de 3,67% (2005) para 3,39% (2011). Mas, o percentual das pessoas de 10 anos ou mais

de idade da área urbana, com rendimento médio mensal entre mais de 1 a 3 salários

mínimos reais, cresceu de 26,68% (2005) para 31,49% (2011). O percentual das pessoas

de 10 anos ou mais de idade da área rural, pertencente à classe de rendimento médio

mensal entre 1 a 3 salários mínimos reais, diminuiu de 3,27% (2005) para 3,05%(2011).

A partir da classe de rendimento médio mensal de mais de 3 a 5 salários mínimos reais,

os percentuais das pessoas de 10 anos ou mais de idade, das áreas urbanas e rurais,

diminuíram em todas as classes de rendimento mensal, o que significa que a

redistribuição do rendimento médio mensal no Brasil foi favorável às pessoas de 10

anos ou mais de idade, situadas entre as classes de até 3 salários mínimos reais.

Tabela 3: Distribuição do rendimento médio por classes de rendimento mensal em termos total,

urbano e rural por pessoas de 10 anos ou mais de idade no Brasil: 2005-2011

Classes de rendimento

médio mensal

Percentual das Pessoas de 10 anos ou mais de idade

2005 2011

Total Urbana Rural Total Urbana Rural

Até 1/2 sm 7,88 5,38 2,5 6,94 4,67 2,27

Mais de 1/2 a 1 sm 17,23 13,56 3,67 16,68 13,29 3,39

Mais de 1 a 2 sm 19,39 16,78 2,61 22,44 20,00 2,44

Mais de 2 a 3 sm 7,28 6,62 0,66 9,05 8,44 0,61

Mais de 3 a 5 sm 6,81 6,42 0,39 5,94 5,63 0,31

Mais de 5 a 10 sm 4,45 4,26 0,19 4,08 3,93 0,15

Mais de 10 a 20 sm 1,68 1,64 0,04 1,38 1,34 0,04

Mais de 20 sm 0,67 0,64 0,03 0,49 0,48 0,01

Sem rendimento 33,83 27,16 6,67 30,45 25,25 5,2

Sem declaração 0,78 0,69 0,09 2,55 2,38 0,17

Total (%) 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Microdados\PNAD\IBGE. (*) salário mínimo = sm.

A Tabela 4 mostra a distribuição percentual das pessoas de 10 anos ou mais de

idade, para homens e mulheres, por classes de rendimento mensal no Brasil em 2005 e

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2011. Nota-se que, em 2005, o percentual da população de homens com idade de 10

anos ou mais, com rendimento médio mensal da classe até ½ salário mínimo real, era

superior ao percentual da população das mulheres em todas as classes de rendimento

médio mensal em termos de salários mínimos reais. Entretanto, essa situação muda, em

2011, com o percentual da população de homens em idade ativa de 10 anos ou mais,

com rendimento médio mensal de mais ½ a 1 salário mínimo real, ficando em 1,79% e o

de mulheres em 5,15%. Isto sugere que a população de mulheres das classes de até 1

salário mínimo real passou a assumir um papel importante na família, talvez, por causa

do bolsa família. Contudo, esse fenômeno não ocorre com a população de mulheres das

classes com rendimento médio mensal acima de 1 salário mínimo real. De fato, a Tabela

4 mostra que todos percentuais da população de mulheres de 10 anos ou mais de idade,

em todas as classes de rendimento médio mensal acima de 1 salário mínimo real, são

inferiores aos percentuais da população em idade ativa dos homens. Isto pode indicar

que a população de homens em idade ativa, com rendimento médio mensal acima de 1

salário mínimo, ainda é importante economicamente para a família.

Tabela 4: Distribuição percentual por gênero das pessoas de 10 ou mais anos de idade,

por classes de rendimento médio mensal em salários mínimos reais, no Brasil: 2005 e 2011

Classes de rendimento

médio mensal

Percentual de Pessoas de 10 anos ou mais de idade

(%)

2005 2011

Total Homem Mulher Total Homem Mulher

Até 1/2 sm 7,88 2,29 5,59 6,94 1,79 5,15

Mais de 1/2 a 1 sm 17,23 8,41 8,82 16,68 7,50 9,18

Mais de 1 a 2 sm 19,39 12,93 6,46 22,44 11,91 10,53

Mais de 2 a 3 sm 7,28 5,45 1,83 9,05 5,87 3,18

Mais de 3 a 5 sm 6,81 3,55 1,52 5,95 3,85 2,10

Mais de 5 a 10 sm 4,45 1,44 0,91 4,08 2,58 1,50

Mais de 10 a 20 sm 1,68 0,60 0,24 1,38 0,93 0,45

Mais de 20 sm 0,67 0,23 0,07 0,49 0,37 0,12

Sem rendimento 33,83 8,92 24,91 30,45 11,83 18,62

Sem declaração 0,78 0,69 0,09 2,55 1,48 1,07

Total (Em %) 100,00 49,57 50,43 100,00 48,11 51,89

Fonte: PNAD\IBGE. (*) salário mínimo = sm. Os valores dos salários mínimos nominais foram

inflacionados pelo INPC de setembro/2011.

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3.1. Distribuição da renda familiar per capita

O rendimento familiar per capita é obtido pela divisão do rendimento de cada

família pelo respectivo número de pessoas, incluindo a pessoa de referência da família,

o cônjuge, os filhos (as), os outros parentes e agregados, mas excluindo os pensionistas,

os empregados domésticos e os parentes de empregados domésticos. A Tabela 5 mostra

as principais características da distribuição do rendimento familiar per capita no Brasil,

considerando as pessoas das famílias, com declaração de rendimento familiar, residentes

em domicílios particulares.

A Tabela 5 indica que o rendimento médio per capita no Brasil subiu de R$

433,00 (2005) para R$ 631,00(2011). Em 2005, as pessoas com o rendimento per capita

acima de R$ 907,00 estavam entre os 10% mais ricos que se apropriavam de 45,5% do

rendimento total no Brasil. Nota-se na mesma tabela que, em 2011, as pessoas com

rendimento médio per capita acima de R$ 1.300,00, estavam entre aquelas 10% mais

ricos que se apropriavam de 41,6% da renda total no Brasil. Isto significa que, entre

2005-2011, os 10% mais ricos do País perderam posição relativa de 3,9%.

Em 2005, a participação dos 5% mais ricos (17,4%) na renda total era superior

a dos 50% mais pobres (13,6%). Em 2011, a participação dos 5% mais ricos (de 16,0%

do rendimento total do Brasil) continuou sendo superior à participação dos 50% mais

pobres (de 15,9% do rendimento total do Brasil). Além disso, o rendimento médio per

capita das famílias que moram na área rural, segundo a situação censitária, aumentou de

R$ 197,00 para R$ 314,00 entre 2005-2011. O rendimento médio per capita da área

urbana, segundo a situação censitária, subiu de R$ 484,00 para R$ 693,00 entre 2005-

2011. O rendimento médio urbano era 145,68% superior ao rendimento rural em 2005.

Entretanto, esse rendimento médio urbano em relação ao rendimento médio rural

declina para 120,70% em 2011.

A parte de baixo da Tabela 5 mostra a evolução, entre 2005-2011, dos

principais índices de medida de desigualdade de renda. O índice de Gini diminuiu de

0,598 (2005) para 0,539 (2011). Os índices de Theil_T e Theil_L caíram, entre 2005 e

2011, como podem ser observados na parte inferior da referida tabela.

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Tabela 5: Principais características da distribuição do rendimento familiar per capita

no Brasil, conforme situação do domicílio: 2005 e 2011

Estatísticas 2005 2011

Total Urbana Rural Total Urbana Rural

População total (mil pessoas) 83.383 150.059 33.324 195.243 162.549 29.827

Rendimento médio per capita 433 484 197 631 693 314

Mediana 118 140 65 194 226 107

Percentil 2005 2011

Total Urbana Rural Total Urbana Rural

5% 35 42 20 53 71 28

10% 60 75 33 100 117 50

25% 118 140 65 194 226 107

50% 235 270 125 375 417 210

75% 460 512 233 687 750 400

90% 907 1000 390 1300 1425 637

95% 1455 1600 567 2000 2185 900

99% 3500 3750 1250 4650 5000 1875

Renda recebida por classes 2005 2011

Total Urbana Rural Total Urbana Rural

40% mais pobres 8,8 9,4 12,1 10,6 11,1 10,9

50% mais pobres 13,6 14,3 16,7 15,9 16,7 11,2

20% mais ricos 61,3 60,7 55,1 57,5 15,2 50,3

10% mais ricos 45,5 44,4 38,9 41,6 41,1 37,4

5% mais ricos 17,4 15,9 16,2 16,9 15,8 15,5

Relação médias 10+/40- 20,7 18,9 12,9 15,7 14,8 13,7

Índice de Gini 0,598 0,564 0,517 0,539 0,524 0,508

Índice de Theil-T 0,671 0,642 0,537 0,574 0,551 0,504

Índice de Theil-L 0,561 0,531 0,438 0,487 0,457 0,445

Fonte: Microdados\PNAD\IBGE.

3.2. Medidas de Desigualdades de Renda

Os índices de Theil_L e de Theil_T medem as distintas razões entre segmentos

extremos da distribuição de renda e expressa, em termos econômicos, uma noção de

(in)justiça social. A Tabela 6 mostra a evolução temporal do índice de Gini e de outras

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medidas de desigualdade de renda no Brasil. Nota-se que, entre 2005-2011, houve uma

redução do índice de Gini de 0,598 (2005) para 0,539 (2011), o que sugere uma queda

da desigualdade da renda familiar per capita no Brasil. O índice de Theil_L declinou de

0,759, em 2005, para 0,585 em 2011. O mesmo ocorreu com o índice de Theil_T que

diminuiu de 0,653, em 2005, para 0,478 em 2011. As outras medidas de desigualdade

de renda – os demais índices de Mehan, Piesch e Karkwani – também revelam uma

redução das desigualdades de renda no Brasil entre 2005-2011.

Tabela 6: Medidas de desigualdades de renda no Brasil: 2005-2011

Medidas 2005 2007 2009 2011

Coeficiente de variação 2,144 2,206 1,729 1,612

Índice de Gini 0,598 0.632 0,546 0,539

Índice de Mehran 0,727 0,765 0,680 0,668

Índice de Piesch 0,534 0,566 0,479 0,476

Índice Karkwani 0,293 0,323 0,247 0,243

Índice de Theil_T 0,759 0,847 0,603 0,585

Índice de Theil_L 0,653 0,926 0,508 0,478

Fonte: Microdados\PNAD\IBGE.

A Tabela 7 apresenta o índice de Gini e outros índices de medição de

desigualdade da renda no Brasil das áreas urbanas e rurais entre 2005-2011. O

coeficiente de variação da área urbana declinou de 1,719 (2005) para 1,618 (2011). O

mesmo ocorreu com o coeficiente de variação da área rural de caiu de 1,568 (2005) para

1,364 (2011). O índice de Gini, que mede o grau de desconcentração de renda, diminuiu

nas áreas rurais de 0,517 (2005) para 0,499 (2011). O mesmo ocorreu com índice de

Gini das áreas urbanas do Brasil que caiu de 0,564 (2005) para 0,537 (2011), conforme

mostra a mesma tabela. Os índices de Theil_T e de Theil_L, que são medidas de

desconcentração de renda, caíram nas áreas urbanas e áreas rurais, como indica a Tabela

7. Além dessas medidas, três outras medidas completam a família de indicadores de

desigualdade de renda: Mehran, Piesch e Kakwani.

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Tabela 7: Índices de Medidas de desigualdades de renda das áreas urbanas e

rurais no Brasil: 2005-2011

Medidas de desigualdade de renda 2005 2011

Urbano Rural Urbano Rural

Coeficiente de variação 1,719 1,568 1,685 1,364

Índice de Gini 0,564 0,517 0,537 0,499

Índice de Mehran 0,697 0,655 0,669 0,65

Índice de Piesch 0,498 0,448 0,471 0,427

Índice de Kakwani 0,263 0,223 0,239 0,210

Índice de Theil_T 0,642 0,537 0,582 0,476

Índice de Theil_L 0,531 0,438 0,484 0,417

Fonte: Microdados\PNAD\IBG

Cowell (1995) lembra que esses índices são medidas de entropia generalizada

(EG) que satisfazem determinados axiomas desejáveis: anonimato, princípio da

transferência, invariância de escala, invariância da população e da decomponibilidade.

A EG (α = 0) do índice de Mehran quer dizer que o parâmetro α = 0 dá mais peso à

distância entre rendas na cauda inferior da distribuição de probabilidade. A EG (α = 1)

do índice de Piesch quer dizer que o parâmetro α = 1 dá mais peso a distância entre

rendas na cauda superior da distribuição de probabilidade. A EG (α = 2) do índice de

Kakwani dá mais peso a distância entre rendas na cauda superior da distribuição de

probabilidade.

A Tabela 8 mostra a evolução do índice de Gini por macrorregiões do Brasil.

Nota-se que todas as macrorregiões do Brasil tiveram uma redução do índice de Gini, o

que significa que, entre 2005 a 2011, houve, realmente, uma desconcentração da renda

regional para todas as regiões do Brasil. O índice de Gini da Região Norte caiu de 0,507

(2005) para 0,499 (2011). O índice de Gini da Região Nordeste também declinou 0,534

(2005) para 0,511 (2011). Os índices de Gini de todas as demais regiões do Brasil

caiaram entre 2005-2011.

Tabela 8: Evolução do índice de Gini por regiões do Brasil: 2005-2011

Anos Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

2005 0,598 0,507 0,534 0,514 0,491 0,552

2006 0,983 0,490 0,539 0,510 0,486 0,543

2007 0,623 0,498 0,527 0,498 0,484 0,552

2008 0,987 0,477 0,524 0,490 0,476 0,548

2009 0,567 0,489 0,522 0,485 0,470 0,537

2011 0,534 0,499 0,511 0,478 0,454 0,521 Fonte: PNAD\IBGE.

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4. Pobreza e Medidas de Pobreza

O problema da pobreza é um problema social, embora esteja associada à

desigualdade de renda e de capacidades humanas, não pode ser resolvido só por

políticas fiscais de redução das desigualdades. Políticas fiscais de redução de

desigualdade de renda, por meio do imposto de renda progressivo, podem, às vezes, até

acirrar mais os conflitos e levar a perdas e descontentamentos da maioria. Tendo isto em

conta é preciso definir os construtos medidores de pobreza.

A pobreza e a desigualdade, de apesar de serem confundidas em alguns

momentos do debate social, são dimensões que merecem tratamento e soluções

radicalmente diferentes. O problema da pobreza no Brasil não é só de carência de

recursos públicos para os pobres, mas de gestão e controle para que realmente os

recursos públicos dos programas de combate à pobreza cheguem às camadas mais

pobres. Portanto, a questão dos gastos sociais para a população brasileira que vive em

estado de extrema pobreza deve assumir um papel central nos programas sociais do

governo federal.

4.1. Pobreza

A pobreza tem três fontes: o desemprego, a desigualdade de renda e abandono

social. A desigualdade social no Brasil é um problema estrutural que remonta a abolição

da escravidão não acompanhada de uma reforma agrária e de investimentos em

educação. Há duas formas de pobreza: a pobreza que aflige apenas alguns indivíduos ou

mesmo um número significativo dos membros de algumas sociedades rurais; e há

também a pobreza que aflige a maioria dos membros da sociedade, poupando só uma

pequena minoria de privilegiados.

A pobreza que também interessa neste estudo é a pobreza rural. Uma das

teorias usadas no passado não muito distante consistia em dizer que um país era

naturalmente pobre pela ausência de recursos naturais. Galbraith (1979, p. 16-17)

percebeu que esta teoria não tinha respaldo quando era confrontada com a realidade,

como o caso do Japão que não dispõe de grandes recursos naturais e ainda assim é

considerado um país rico.

Uma segunda explicação, por ordem de vulgaridade, é a que atribui à pobreza e

o bem estar social à natureza do governo e do sistema econômico. Segundo Galbraith

(1979, p. 18-25), existem vários exemplos que demonstram que a pobreza não estar

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diretamente associada a governos democráticos ou autoritários e muito menos a

sistemas econômicos capitalistas ou modelos comunistas. Galbraith (1979, p. 65-70)

admite que os hábitos e costumes de anos de um estado de pobreza rural criam um

estado de acomodação social que ele denominou de habituação da pobreza rural, isto é,

a possibilidade que não deveria surpreender, mas surpreende, de que os pobres também

se habituem ao estado de pobreza e, por isso, não desenvolvam forças sociais

motivadoras para romper com o status quo.

De modo geral, a habituação da pobreza rural serve aos interesses ideológicos

da burguesia com suas ações de caridade por força da religião, filantrópicas e

assistencialistas. Nesse contexto, a pobreza rural é um estado de exclusão social das

pessoas pobres que vivem no ambiente rural quer tenham se habituado ou não ao estado

de pobreza e miséria. A rejeição da habituação é uma questão política que nem sempre é

voluntária, mas pode ser criada por meio do processo de conscientização dos direitos à

cidadania das pessoas que vivem na cidade e no campo. Os movimentos sociais rurais

são muitos importantes à medida que eles revelam e exigem os seus direitos de cidadãos

junto aos governos. As comunidades rurais organizadas podem levar suas

reivindicações aos governos centrais e locais. Quando essa estratégia de ação não conta

com o apoio do governo e da sociedade só resta à fuga, isto é, o êxodo rural para os

grandes centros urbanos onde às comunidades rurais reproduzem seus hábitos de vida

na periferia suburbana e nas favelas.

Mas, o êxodo rural não é a melhor solução. A solução da pobreza rural não é

simples, porém é possível desde que um conjunto de ações orgânicas se faça presentes

envolvendo não somente a comunidade rural, mas também a sociedade civil e os

governos. Combater a desigualdade social e a pobreza rural deve fazer parte da agenda

de qualquer governo preocupado com a dignidade humana e o bem estar social dos

cidadãos que habitam no meio rural. A industrialização urbana e a modernização da

agricultura foram importantes para o Brasil. Contudo, a modernização da agricultura

levada adiante pela industrialização urbana não foi suficiente para acabar com o

problema da pobreza rural no Brasil. O desenvolvimento econômico requer, além do

crescimento do produto da economia, mudanças estruturais que promovam a geração de

emprego, a distribuição de renda e a erradicação da pobreza urbana e rural.

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4.2. Medidas de pobreza

As medidas de pobreza podem ser agrupadas em duas modalidades: medidas

monetárias e não monetárias. A abordagem monetária distingue a linha de indigência da

linha de pobreza. A linha de indigência é definida pelo valor monetário necessário para

a aquisição de uma cesta básica que tenha a quantidade calórica mínima à sobrevivência

do indivíduo; e a linha de pobreza é o valor monetário da linha de indigência acrescido

do valor monetário capaz de cobrir as despesas básicas em termos de vestuário,

transporte e moradia. Estas duas linhas de referências servem para indicar o limite da

pobreza absoluta uma vez que elas permitem a identificação do contingente de pobres

num dado país.

Uma vantagem dos indicadores de pobreza absoluta é que eles permitem fazer

comparações com outros países, em nível internacional, de forma a determinar a posição

relativa (ranking) dos países na questão social da pobreza. Os indicadores da pobreza

absoluta são importantes porque permitem a identificação do grau de pobreza social e a

consequente falta de recursos necessários à reprodução da vida humana. Mas, a

principal crítica feita aos indicadores da pobreza absoluta é que eles não são capazes de

retratarem todas as dimensões da pobreza social, já que o estado de bem estar das

pessoas é determinado por um conjunto complexo de outras variáveis sociais,

psicológicas, sociais e culturais e não somente pela variável econômica renda. Segundo

Rocha (2001, p. 101-127; p. 51-78), apesar dessa limitação, há quem defenda os

indicadores de pobreza absoluta porque as pesquisas nacionais de domicílios no Brasil

cada vez mais investigam um amplo número de variáveis socioeconômicas que podem

revelar outras dimensões das condições de vida de uma população.

A técnica de abordagem considera relativamente pobre aquele indivíduo ou

família cujas rendas são menores que 40%, 50% ou 60% da renda mediana ou mesmo

da renda média. Hoffmann (2000), por exemplo, ressalta que se o pobre tiver uma

posição relativa no contexto da sociedade, então a pobreza relativa revela uma forma de

desigualdade de renda. Uma medida de pobreza relativa que leve em conta apenas a

moeda corrente acaba valorizando mais o valor monetário dos bens e serviços do

mercado do que os valores dos bens e serviços não monetários, particularmente quando

se trata de mensurar a pobreza rural. Mas isso não quer dizer que a medição da pobreza

em termos de renda monetária não tenha importância, sobretudo numa sociedade

capitalista na qual a renda corrente e a riqueza são medidas em termos monetários.

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Sen (2000) afirma que a pobreza deve ser vista como uma privação das

capacidades básicas em vez de apenas como baixo nível de renda, que é o critério

tradicional de identificação da pobreza. A pobreza como privação de liberdades

substantivas não envolve a negação da sensata ideia de que a renda baixa é claramente

uma das causas principais da pobreza, pois a privação de renda pode ser uma razão

primordial da privação das capacidades de uma pessoa. A perda de renda individual

pode também ser causada pelo desemprego, embora essa perda possa ser compensada

pela política de auxílio desemprego. Contudo, essa política social de compensação tem

sofrido críticas em face do ônus fiscal e do efeito relaxamento por parte de alguns

beneficiários demorarem a procurar novo emprego. Costa (2002) desenvolveu um novo

indicador, já aplicado em 12 países da OCDE, de natureza multidimensional que utiliza

oito atributos: 1) renda domiciliar; 2) tamanho da família; 3) dimensões da residência;

4) acesso à água potável e banheiro; 5) principal atividade do chefe de família; 6) acesso

à energia elétrica; 7) violência social (homicídios); e 8) nível educacional.

Para medir a pobreza em geral ou a pobreza rural com base nos dados dos

PNAD’s é preciso fixar uma dada linha de pobreza (z). A população de pobres,

portanto, é determinada pelas pessoas cujo rendimento não ultrapassar essa linha. Seja h

o número de pobres de uma dada população com n pessoas. A proporção de pobres

desta população (H) pode ser dada pela equação H = h/n. Esta é uma medida de pobreza

simples e é bastante usada. Medidas mais sofisticadas procuram incorporar a

intensidade da pobreza, tendo em vista a insuficiência de renda (ou hiato de renda) de

cada pobre (situação de extrema pobreza) que é a diferença entre a linha de pobreza e o

rendimento do pobre. [Rocha (2000, p. 109-130); Hoffmann (2000, p. 94-96)]

Seja S a insuficiência de renda da população de pobres. Fixado o número de

pobres, então o valor máximo da insuficiência da renda total é hz. Este valor máximo

ocorre quando a população de pobres alcança renda igual à zero. A razão da

insuficiência de renda pode ser assim expressa:

(1)

Admitindo-se que o número de pobres pode aumentar até a inclusão de toda a

população, então o valor máximo da insuficiência de renda é nz. Define-se o índice de

insuficiência de renda da seguinte maneira:

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(2)

Como a proporção de pobres é dada pela seguinte equação:

(3)

Extraindo S a partir da equação (1), tem-se:

S = I. hz (4)

Substituindo a equação (4) na equação (2), obtém-se:

(5)

Substituindo a equação (3) na equação (5) e eliminando z, tem-se:

(6)

É preciso esclarecer que a razão da insuficiência de renda não é uma medida

de pobreza, pois serve para avaliar a intensidade da pobreza daqueles que são pobres. O

índice de insuficiência de renda ( ) é uma medida apropriada de pobreza. Foster,

Greer e Thorbecke (1984) também sugeriram uma família de medidas de pobreza

definida pela seguinte equação:

, com (7)

Onde é a renda do i-ésimo pobre. A expressão = é igual a

insuficiência de renda do pobre, quando . Essa medida é igual à proporção de

pobres (H) quando . Denomina-se Índice de Foster, Greer e Thorbeck de

severidade da pobreza o valor obtido quando , tal que:

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(8)

Pode-se também utilizar a seguinte equação em função de H, I e , onde é

o coeficiente de variação da renda dos pobres:

O índice de Sen (1976) para medir a pobreza pode ser obtido pela seguinte

equação:

Onde é o índice de Gini da distribuição de renda entre os pobres. Note-se

que tanto o índice de Sen quanto o índice de Foster, Greer e Thorbeck são funções da

proporção de pobres (H), da razão de insuficiência da renda (I) e do índice de Gini ( )

ou do coeficiente de variação ( ) da distribuição de renda entre os pobres. que pode

ser ou. É claro que, antes de se calcular qualquer das medidas de pobreza, é preciso

fixar a linha de pobreza (z). Salama & Destremau (2001) lembram que a linha de

pobreza medida em termos de renda monetária, por certo, é limitada porque deixa de

levar em conta os valores não monetários dos bens e serviços, sobretudo quando se

estuda a pobreza rural. Contudo, isso não significa que a medição da pobreza rural, em

termos de rendimento monetário, não seja importante numa economia capitalista

empreendedora e monetária na qual a renda e a riqueza são medidas em termos da

moeda corrente.

4.3. Pobreza e pobreza rural no Brasil

A pobreza e a pobreza rural estão ainda presentes em todas as regiões

brasileiras. As regiões Nordeste e Norte ainda concentram muita pobreza rural, mas

também nas Regiões Sudeste e o Sul a proporção de pobres no meio rural não é baixa.

O fato da pobreza rural ainda ser proporcionalmente alta no Nordeste, sugere que o

êxodo rural em direção às cidades não resolveu a questão da pobreza rural nessa região.

Segundo Silva (1997, p.78), o meio rural abriga atividades agrícolas e não agrícolas,

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mas a pobreza rural está associada muito mais as atividades agrícolas. Para calcular as

medidas de pobreza é preciso antes fixar o valor da linha de pobreza.

A Tabela 9 revela a população total do Brasil e das macrorregiões brasileiras,

bem como a correspondente população de pobres e população dos extremamente

pobres. O indicador básico da pobreza é a proporção de pobres representada pelo

número de pessoas cujo rendimento declarado está abaixo da linha de pobreza. A linha

de pobreza básica é de R$ 70,00, valor este inflacionado pelo INPC tendo como

referência o mês de setembro de 2011. A extrema pobreza é representada pelo número

de pessoas com rendimento declarado igual ou menor a ½ do salário mínimo real no

Brasil. A Tabela 9 revela, ainda, que a população de pobres caiu de 55.477 mil pessoas

(2005) para 45.230 mil pessoas (2011). A população de indigentes (extrema pobreza)

declinou de 14.450 mil pessoas (2005) para 13.549 mil pessoas (2011). A distribuição

das pessoas pobres e extremamente pobres por regiões caiu, em termos absolutos, entre

2005-2011.

Tabela 9: Distribuição da pobreza e da indigência por Região no Brasil: 2005-2011

Região

2005 (Em mil pessoas) 2011 (Em mil pessoas)

População Pobres População Pobres

Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %

Norte 14.486 7,9 6.094 10,98 16.557 8,5 5.082 11,23

Nordeste 51.531 28,1 30.157 54,36 54.607 28,0 25.282 55,90

Sudeste 77.388 42,2 12.525 22,58 80.598 41,3 9.067 20,05

Sul 26.774 14,6 3.933 7,10 28.489 14,6 2.849 6,30

Centro-

Oeste 13.203 7,2 2.768 4,98 14.991 7,7

2.950 6,52

Brasil 183.383 100,0 55.477 100,0 195.243 100,0 45.230 100,00

Região

2005 (Em mil pessoas) 2011 (Em mil pessoas)

População Indigente População Indigente

Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %

Norte 14.486 7,9 1.474 10,2 16.557 8,5 1.314 9,7

Nordeste 51.531 28,1 8.641 59,8 54.608 28,0 8.116 59,9

Sudeste 77.388 42,2 2.789 19,3 80.598 41,3 2.656 19,6

Sul 26.774 14,6 1.026 7,1 28.490 14,6 975 7,2

Centro-

Oeste 13.203 7,2 520 3,6 14.990 7,7 488 3,6

Brasil 183.383 100,0 14.450 100,0 195.243 100,0 13.549 100,0 Fonte: Microdados\PNAD\IBGE.

A Tabela 10 mostra que a proporção de pobres (H) no Brasil, com declaração

de rendimento familiar per capita mensal, declinou de 24,70%(2005) para

12,26%(2011). Isto significa que, entre 2005-2011, a redução líquida da pobreza no

Brasil foi 12,44% em termos de renda familiar per capita mensal A proporção de pobres

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na área rural do Brasil caiu de 27,12% (2005), em termos de renda familiar per capita

mensal, para 6, 22% (2011). A proporção de extrema pobreza no País, com rendimento

declarado abaixo da linha de pobreza estabelecida, caiu de 9,62% (2005) para 9,31%

(2011). Ela indica que no Brasil, entre o período de 2005-2011, a proporção de extrema

pobreza rural declinou de 10,41% (2005) para 2,19%(2011). Esses indicadores sociais,

portanto, registram a tendência de redução da pobreza no Brasil entre 2005-2011. A

mesma tabela mostra que a razão da insuficiência de renda no Brasil que era de 48,88%,

em 2005, – que significa que a renda média dos pobres estava 48,88% abaixo da linha

de pobreza – saltou para 64,13% (2011) sugerindo que a renda média dos pobres no

Brasil estava em 64,13% abaixo da linha de pobreza nesse ano.

Tabela 10: Medidas de pobreza geral, urbana e rural em renda familiar per capita

mensal no Brasil: 2005-2011.

Medidas de pobreza em

renda familiar per capita

mensal

2005 2011

Pobreza

Geral

Pobreza

Urbana

Pobreza

Rural

Pobreza

Geral

Pobreza

Urbana

Pobreza

Rural

Proporção de pobres (%) 24,700 9,140 27,125 24,100 2,759 6,217

Proporção de extrema

pobreza (%) 9,619 4,26 10,406 9,308 1,876 2,194

Hiato da pobreza agregada

(R$ milhão) 753,8 494,9 258,9 371,7 113,3 29,2

Hiato da pobreza per capita

(R$ 1000,00) 4,194 3,331 8,308 2,033 0,725 1,026

Razão do hiato da pobreza

(%) 5,992 4,759 11,868 4,161 1,985 2,807

Razão do hiato da renda (%) 48,879 52,069 43,754 64,127 71,934 45,147

Índice de Sen (%) 8,265 6,555 16,231 5,596 2,511 4,082

Fonte: Microdados\PNAD\IBGE.

A razão do hiato (ou insuficiência) da pobreza mede a intensidade da pobreza

entre o grupo dos pobres. Em 2005, a insuficiência da pobreza era de 5,9%, Isto

significa que as pessoas pobres, em média, possuíam uma renda familiar per capita

mensal inferior de 5,9% da equivalente renda da linha de pobreza. Em 2011, a razão da

insuficiência da pobreza declinou para 2,1%, o que significa que as pessoas pobres

nesse ano, em média, possuíam uma renda familiar per capita inferior em 2,1% da

correspondente renda da linha de pobreza.

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A Tabela 10 revela que a proporção de pobres da área rural do Brasil, em

termos de rendimento familiar mensal per capita, diminuiu de 27,12% (2005) para

6,22% (2011). Em 2005, a insuficiência da pobreza agregada no Brasil era de R$ 753, 8

milhões mensais. Isto significa que, em média, o montante anual necessário de

transferência de renda para eliminar a pobreza no Brasil seria de R$ 9.045 milhões

nesse ano. O hiato de pobreza agregada, em 2011, diminuiu para R$ 142,5 milhões

mensais, o que significa um montante anual de transferência de renda necessário para

eliminar a pobreza no Brasil seria necessário nesse ano de R$ 1.710 milhões. Supõe-se

que as pessoas pobres receberiam o montante exatamente igual ao gap da pobreza por

família, isto é, ao valor monetário por família dado pela diferença entre a renda familiar

per capita mensal das pessoas pobres e a renda da linha de pobreza.

A Tabela 10, ainda, indica que a insuficiência da pobreza agregada rural no

Brasil era, em 2005, de R$ 262,3 milhões mensais (ou R$ 3,1 milhões anuais). Isto

significa que, em média, o montante anual necessário de transferência de renda para

eliminar a pobreza rural no Brasil, em 2005, deveria ser de R$ 3,1 milhões. Em 2011, a

insuficiência da pobreza agregada rural no Brasil declinou para R$ 29,2 milhões

mensais, o que significa que montante anual de transferência de renda necessário para

eliminar a pobreza no Brasil deveria ser de pelo menos R$ 3,1 milhões nesse ano. A

média da renda familiar per capita no Brasil, em 2005, era de R$ 466,00; e a média da

renda familiar per capita rural era de R$ 366,00. Em 2011, a média da renda familiar per

capita no Brasil saltou para R$ 745,00; e a média da renda familiar per capita rural

passou para R$ 376,00.

A razão da insuficiência de renda da pobreza rural no Brasil, em 2005, era de

43,83%, o que sugere que a renda média da pobreza rural no Brasil era de 48,83%

abaixo da linha de pobreza. Em 2011, a razão da insuficiência de renda da pobreza rural

no Brasil caiu para 45,15%, o que significa que a renda média da pobreza rural no Brasil

ficou 45,15% abaixo da linha de pobreza nesse ano. A insuficiência da pobreza per

capita no Brasil, em 2005, era de menos R$ 4,20 da média da renda familiar per capita

mensal de R$ 466,00 nesse ano. Em 2011, a insuficiência da pobreza per capita caiu

para menos R$ 0,772 da média da renda familiar per capita de R$ 745,00. A

insuficiência da pobreza per capita rural, em 2005, era de menos R$ 8, 30 da média da

renda familiar per capita rural mensal de R$ 366,00. Em 2011, a insuficiência da

pobreza per capita rural caiu para menos R$ 1,06 da média da renda familiar per capita

rural mensal de R$ 376,00.

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4.4. Medidas de pobreza por região do Brasil

A análise dos valores dos índices de pobreza para o conjunto da população tem

validade, mas é limitada quando se deseja aprofundar o comportamento dos indicadores

sociais para grupos sociais mais detalhados. Um modo de superar essa limitação

consiste em estimar estes indicadores por cortes da amostra e controlar a precisão das

estimativas. Segundo Atkinson (1987, p. 749-763), três medidas da classe paramétrica

dos indicadores FGT foram escolhidas para resumir as mudanças da pobreza em 2005 e

2011. O valor estabelecido da linha de pobreza (R$ 70,00) foi inflacionado pelo INPC

com referência setembro de 2011. Os resultados obtidos contaram com a ajuda do

Stata11.

5. Conclusão

A principal conclusão deste artigo é de que a desigualdade de renda e a

proporção da pobreza no Brasil caíram entre 2005-2011. De fato, o coeficiente de Gini,

um dos indicadores mais utilizados pelos pesquisadores da área da economia social,

diminuiu de 0,532 (2005) para 0,501 (2011). O índice de Gini declinou, também, em

todas as macrorregiões do Brasil no mesmo período. Os outros índices mais complexos

confirmam essa tendência. A queda da desigualdade da renda regional é importante

porque mostra que a redução da desigualdade não foi parcial e nem localizada em

algumas regiões do Brasil. Contudo, apesar da acelerada redução da desigualdade de

renda, o Brasil ainda não ocupa uma posição de destaque entre os países com melhor

redistribuição de renda, o que significa que é preciso persistir com políticas sociais de

redução da desigualdade de renda. Há uma correlação entre desigualdade de renda e

pobreza no Brasil.

Em termos específicos, nota-se que a proporção de pobres no Brasil, entre

2005-2011, caiu de 55.477 mil pessoas (2005) para 45.230 mil pessoas (2011). A

proporção das pessoas extremamente pobres no Brasil caiu de 14.450 mil pessoas

(2005) para 13.549 mil pessoas (2011), o equivalente a 6.65% no período entre 2005-

2011. A proporção de pobres da área rural no Brasil declinou de 26,64%, em 2005, para

6,22% em 2011. A proporção de extrema pobreza da área rural declinou de 10,40% para

2,19% entre 2005-2011. A proporção de extrema pobreza da área urbana declinou

também de 4,26%, em 2005, para 1,87% em 2011.

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Além disso, o desemprego e a desigualdade de renda são os principais fatores

responsáveis pelas mazelas sociais no Brasil. A pobreza está associada à falta de

oportunidades de emprego e de maciços investimentos em educação. O Programa Bolsa

Família, por exemplo, vem contribuindo para a redução da pobreza no Brasil. A pobreza

rural está associada ao atraso da reforma agrária por falta de financiamento do programa

de reforma agrária. A falta de investimentos em educação rural também contribui para a

manutenção da pobreza no campo. Ademais, o êxodo rural não resolve a questão da

pobreza rural no Brasil. Por isso, só uma política do governo dirigida aos pobres da área

rural pode eliminar a extrema pobreza rural.

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A QUESTÃO AGRÁRIA E O ÍNDICE DE CAPITAL SOCIAL COMO

FATOR DESENVOLVIMENTO LOCAL NO ASSENTAMENTO FAZENDA

OITIS NO MUNICÍPIO DE MAURITI-CE.

Maria Rosa Dionísio Almeida1

Otácio Pereira Gomes2

Isac Alves Correia3

Resumo

A questão agrária continua sendo um tema polêmico principalmente em relação à

concentração fundiária, na qual tem suas origens desde a época da divisão das terras na

colonização do país, sendo que até hoje não houve uma reforma política capaz

promover transformação eficaz nessa estrutura. Assim, partindo da discussão sobre os

fundamentos da questão agrária, e da criação dos assentamentos rurais o presente artigo

objetiva analisar o índice capital social como fator de desenvolvimento comunitário do

assentamento fazenda Oitis, localizado no distrito de Umburanas, município de Mauriti,

no estado do Ceará. A metodologia empregada fundamentou-se em dados provenientes

de fontes de natureza primária e secundárias. Dado que as comunidades com maiores

ICS são mais propensas ao desenvolvimento e sendo este um fator importante na

modernização e organização da comunidade, conclui-se que o assentamento fazenda

Oitis, possui um valor de ICS = 0,9692 o que corresponde a um alto nível de capital

social. Dentre as variáveis que mais contribuíram na formação do índice destacaram-se;

a cooperação para o atendimento das reivindicações da comunidade com 17, 46%, as

sugestões apreciadas e aprovadas nas reuniões, assim como o trabalho em regime de

cooperação com 9,52%.

Palavras-chave: Questão Agrária. Capital Social. Assentamento Fazenda Oitis.

1. INTRODUÇÃO

O problema fundiário do país remonta a criação das capitanias hereditárias em

1530 e ao sistema de sesmarias, grandes glebas distribuídas pela coroa portuguesa a

quem se dispusesse a cultivá-las dando em troca um sexto da produção, surgindo assim

o latifúndio. Em 1822, com a Independência do país, agravou-se o quadro a troca de

donos das terras se deu sob a lei do mais forte, em meio à grande violência. (INCRA,

2015).

1 Economista pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Fiscal de Tributos da Secretaria Municipal da Fazenda

de Mauriti-Ce. E-mail: [email protected] Cel. (88) 9605-7733.

2 Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Mestre em Economia

Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC-MAER) e atualmente é professor temporário da URCA-UDI,

campus Iguatu – Ce. Email: [email protected]; Cel. (88) 99601-1930.

3 Assistente Fiscal, Tecnus Contabilidade Ltda, Juazeiro do Norte – CE/Brasil. Graduando em Ciências Econômicas

pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Email: [email protected]; Cel. (88) 9963-2855.

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No final do século XIX e início do século XX o Brasil começou apresentar

uma modesta industrialização, entretanto, necessitava expandir o mercado de consumo

interno para vender seus produtos, nessa época a população se constituíam de

trabalhadores das grandes fazendas de café que trabalhavam no regime de colonato que

não eram consumidores de produtos oriundos da indústria.

Na década de 1930 predominou na economia brasileira um modelo agro

exportador que se baseava no cultivo de único produto destinado ao mercado externo, o

período foi marcado pela subordinação econômica e o dinamismo da agricultura à

indústria. A burguesia industrial nascente fazem uma revolução e conquistam o poder

da oligarquia exportadora impondo um novo modelo econômico ao país (STEDILE,

2005).

Todavia, o modelo possibilitou um vínculo da indústria para a agricultura, o

setor industrial passou a produzir insumos para agricultura, os grandes proprietários

procuraram modernizar a exploração agrícola e não mais destiná-la somente ao mercado

externo, a propriedade capitalista avançava e concentrava ainda mais as terras.

A concentração de terra produz uma forma de organização na qual a

sobrevivência e marcada pela imposição das desigualdades e a pobreza ao crescimento

do setor familiar, que poderiam dificultar a produção em larga escala.

Esta temática envolve muita polêmica segundo Ferreira (2001); Stedile (2001)

e Laureano (2007) há três posições ideológicos dominantes a respeito do tema em

questão. A reforma agrária do tipo clássico capitalista; cujo o objetivo era democratizar

a propriedade da terra a fim de criar a oportunidade para os camponeses se tornarem

produtores autônomos e com capacidade para geração de renda; A reforma agrária por

meio de massiva desapropriação; essa corrente sobrepõe que diversos problemas

resultam da concentração de renda no Brasil. Outro conceito refere-se a reforma agrária

como política de assentamento; a qual prioriza a repartição de terras nas áreas de

conflitos, contudo, essa política para ser tida como parte da reforma agrária deverá

mexer na estrutura fundiária de forma ampla, promovendo impacto social.

Ao longo das últimas décadas a agricultura brasileira foi se diversificando,

incluindo meios tecnológicos e a formação de complexos agroindústrias. As causas

resultantes de tais transformações foi a concentração de renda e o aumento das

desigualdades do campo e da cidade. As lutas sócias para promover mudanças nesta

estrutura, promovida pelos movimentos sócias e trabalhadores rurais fizeram surgir os

assentamentos, como parte da tão desejada reforma agrária.

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O assentamento rural é um conjunto de unidades agrícolas independentes entre

si, instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imóvel rural que pertencendo a

um único proprietário, eles também dão condições de moradia e de produção familiar e

garante a segurança alimentar de brasileiros das zonas rurais que até então se

encontravam sob risco alimentar e social. (INCRA, 2015).

Figura 1: Fases de implantação dos assentamentos rurais

Fonte: INCRA (2015)

O tamanho e a localização de cada lote são determinados pela geografia do

terreno e pelas condições produtivas que o local oferece, vale ressaltar que os

assentados pagam pela terra que receberam do INCRA e pelos créditos contratados.

Os assentamentos desempenham no espaço brasileiro por conta da contribuição

socioeconômica um grande papel, sendo geradores de emprego no meio rural e

impulsionador da oferta de alimentos, também promovem a melhoria da renda, e da

qualidade de vida das famílias assentadas, conseqüentemente contribuindo para redução

do êxodo rural (MENDONÇA; PINHEIRO, 2008).

A questão agrária, enquanto expressão da questão social traz as disparidades

e impactos do sistema capitalista no meio rural, as relações de produção no

campo são bastante complexas, pois abarca a intensificação da concentração

fundiária e, concomitantemente, a resistência dos trabalhadores na luta pela

terra e a implantação dos assentamentos rurais. A questão agrária

compreende ainda as relações de poder no bojo da correlação de forças entre

sujeitos antagônicos com interesses e perspectivas diferenciadas em torno da

propriedade da terra, inclusive na realidade brasileira. (RODRIGUES et

al.2013.p.46).

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O acesso inadequado a terra é dos fatores que contribuem para o aumento da

pobreza no meio rural, pela concentração do capital e o bloqueio do desenvolvimento

socioeconômico das famílias. Os assentamentos rurais representam então, uma forma de

organização baseado no cooperativismo e associativismo, uma conquista coletiva que

gera condições propicias ao desenvolvimento local.

O capital social como fator intangível é constituído como acúmulo de

compromissos sociais construídos pela interação sociais em determinadas localidades.

Este esteve por trás de desenvolvimento de muitas regiões, assim como sua ausência se

traduz em certos fracassos. O Planejamento e organização da sociedade através da

cooperação, confiança, associativismo, facilita ações coordenadas gerando condições

adequadas para o desenvolvimento local, promovendo o crescimento sustentável.

Construir capital social e formar uma visão de território com base na integração

mutua, na qual as comunidades poderão desenvolve-se economicamente sendo capazes

de inovar e produzir riquezas.

Conforme Woolcock (2000) o termo capital social surgiu com Hanifan em

1916 significando os aspectos tangíveis que existam na maioria das vidas cotidianas das

pessoas, como a boa vontade, companheirismo, simpatia e relações sociais entre os

indivíduos num grupo e nas famílias. O capital social é um fenômeno coletivo, que se

baseia no relacionamento dos indivíduos.

A relevância do estudo deve-se ao fato de que o mesmo propõe analisar o

Capital Social como fatores construídos através da interação e das ações coordenadas

dos agentes, possibilitando a criação de estratégias e empreendimentos que os permita

prosperem economicamente de maneira sustentável.

Este trabalho pretende mensurar o grau de acumulação social como fator de

desenvolvimento local no assentamento fazenda Oitis, localizado no município de

Mauriti. Foi calculado o Índice de Capital Social (ICS) para que destes seja possível

compreender e analisar o desenvolvimento local, assim como avaliar a realidade social

do assentamento.

Estando estruturado em cinco seções, dentre elas estas a introdução. A segunda

seção está destinada a revisão de literatura que trata inicialmente do processo da

reforma agrária no país desde período de colonização aos dias atuais. Esta seção conta

também com uma explicação sobre os movimentos sociais, programas de regularização

fundiária e a contribuição destes para as famílias assentadas, como uma pequena

definição sobre a construção do capital social como instrumento percursor do

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desenvolvimento das comunidades. Na seção 3, expõe-se a metodologia que será

utilizada, a qual é composta pela determinação da base de dados. Os resultados serão

discutidos na quarta seção. A seção 5 será destinada a conclusão deste estudo.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 A questão agrária no Brasil

A evolução da questão agrária no Brasil tem seus primórdios destes dos tempos

das grandes navegações em que nosso território foi ocupado pelos europeus que se

efetivaram por todo o continente americano. A forma adotada pelos europeus com

relação à propriedade da terra foi a do monopólio da propriedade. Contudo, para

implantar o modelo agroexportador e estimular os capitalistas a investirem seu capital

na produção das mercadorias a Coroa optou pela concessão de uso com direito a

herança.

Para entender o contexto histórico dos movimentos de resistência pela posse

da terra, no apagar das luzes da monarquia no Brasil, é significativo lembrar

que, para a manutenção do modo capitalista de produção associado á

resistência de trabalho livre, após o fim do regime escravocrata no Brasil, a

saída foi a criação da propriedade privada da terra. (LAUREANO, 2007.p46).

Em 1850 Coroa foi pressionada pela corte inglesa para substituir a mão de obra

escrava pelo trabalho assalariado, pois necessitava de mercado consumidor para os seus

produtos. Como não havia meios de evitar a possível abolição e para impedir que

futuramente os ex-escravos se apossassem das terras promulgou-se nesse mesmo ano a

primeira lei da Terra.

Conforme Stedile (2005) entre as características desta lei estava a de que seria

a primeira implantação da propriedade privada das terras no país, a segunda consistia

que qualquer cidadão poderia se tornar proprietário privado, com direito á venda e

compra. mas, deveria pagar determinado valor à Coroa.

Por trás de tais benefícios encontrava-se o fato de impedir que os ex-cativos ao

se tornarem libertos pudessem se transformar em proprietários de terras, por não

possuírem nenhum bens, logo, não tinham como comprar as terras à Coroa,

permanecendo a mercê de fazendeiros como trabalhadores assalariados. Portanto, a lei

da propriedade da terra consolidou o modelo da grande propriedade rural vigente nos

dias atuais.

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Em 1888 pela promulgação da lei áurea tornam-se libertos milhões de escravos

sem nenhuma perspectiva de melhorias condições as condições socieconômicas em se

encontravam, abandonaram os campos rumo a cidade em busca de novas oportunidades

e de terras para cultivar, mas impedidos pela Lei das Terras de 1850 essa população

passou a migrar para o interior do país, pelo fato das melhores terras estarem ocupadas

pelas fazendas dedicadas as exportações.

O ano de 1930 marca uma nova fase predominou na economia brasileira um

modelo agro exportador que se baseava no cultivo de único produto destinado ao

mercado externo, o período foi marcado pela subordinação econômica e o dinamismo

da agricultura à indústria. ( STEDILE, 2005).

Todavia, a libertação dos escravos contribuíram agravar a crise do modelo

agroexportador , a saída encontrada pela elite agrária foi substituir a mão-de-obra

escrava pela imigrante através da propaganda de benefícios a quem deixassem seu

país de origem, o novo regime de produção desta vez sob a forma de colonato,

estabelece as relações sociais da produção do café, que embora não tinham a

propriedade privada da terra mais a ocupavam de forma individual ou coletiva.

No final da década de 1950 e início da década de 1960, começam a aparecer no

campo, militâncias políticas de diferentes setores de trabalhadores rurais e movimentos

sociais, como as Ligas Camponesas no Nordeste, que começam a contestar a grande

desigualdade social e concentração fundiária que existe no Brasil, pressionando o

governo para a realização de uma ampla reforma agrária no país.

Os anos 60 marcam um cenário que apresenta uma agricultura modernizada,

capitalista e um setor camponês dependente dos interesses do capital industrial.

Dado o regime militar este envolveu o desenvolvimento rural baseado na

pecuária extensiva, cotonicultura e a agricultura de subsistência. O golpe militar de 64

silenciaram as organizações dos trabalhadores e partidos políticas principalmente em

torno dos programas de reforma agrária que retornaria quando o país retomasse a ideia

de redemocratização, a ditadura sufocou a pressão política da organização sindical que

se articulava sob o Estatuto do Trabalhador.

Durante os anos 60 surgem às primeiras organizações camponesas, com caráter

de classes e organizadas em nível nacional. Assim temos as Ligas Camponesas, o

Movimento dos Agricultores sem terra – Máster, no sul, as Ultabs, além de outros

organizados pela igreja católica, seja de caráter conservador ou progressista, entre eles

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os movimentos das Frentes Agrárias, o Movimento de Educação de Base- MEB

organizado pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Com o fim do regime militar durante a final da década de 80 e a industrialização e

modernização da agricultura brasileira, o debate da reforma agrária é retomado,

principalmente a partir do Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, de Tancredo

Neves. A reforma agrária retorna à pauta na sociedade brasileira, nesse contexto, mediante

uma proposta governamental (GIL; ENGELMAN, 2012). Contudo esse plano não saiu do

papel dado que existiam forças contrárias a reforma agraria no Brasil.

A volta do Estado democrático possibilitou a oportunidade da retomada da luta

pela terra pelos movimentos sociais nos mais variados setores da sociedade, igreja,

sindicatos e partidos políticos e entidades populares, desta vez sem a opressão do

regime militar.

2.2 Os movimentos sociais, programas de regularização fundiária e a construção

do capital social

A identidade do trabalhador rural sem terra teve seu pico a partir de

experiências de várias lutas nas regiões Sul e no estado de São Paulo no início dos anos

80, a reforma é reafirmada como um caminho para que os trabalhadores rurais atinjam a

cidadania, inserindo-se no conjunto das lutas pela democratização do país.

Um dos movimentos sociais na luta pela democratização da terra que surgiram

posteriormente e que depois se tornaria o mais expressivo seria o Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra-(MST) criado em 1984, sendo um movimento aberto,

corporativo em busca da reforma agraria.

O MST que é um movimento que representa a luta de agricultores

acostumados com o trabalho familiar e que resolveram lutar pela terra.

Pessoas que descobriram na luta e aprenderam a acreditar, e assim passaram

a defender, que a terra é de quem nela trabalha. Lutam contra o monopólio da

terra em mãos de poucos os latifundiários. Para o MST, o latifúndio

representa toda forma de exclusão: política, social e econômica da maioria da

população (LAUREANO 2007, p.83).

A reforma agrária é uma necessidade urgente e tem um potencial

transformador da sociedade brasileira gera emprego e renda, possibilitando o

desenvolvimento com equidade. Em 2003 durante o início do governo Lula foi

implantado o II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), fruto do esforço coletivo

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de servidores e técnicos, com a participação dos movimentos sociais e da reflexão

acadêmica. Combina qualidade a ação integrada do governo com a participação social.

Suas metas eram a realização do maior plano de reforma agrária da história do

Brasil. Pretendia chegar ao final de 2006 com 400 mil novas famílias assentadas; 130

mil famílias teriam acesso à terra por meio do crédito fundiário e outras 500 mil

adquiriam estabilidade na terra com a regularização fundiária.

Esse novo modelo de reforma exige necessariamente a democratização do

acesso à terra, desconcentrando a estrutura fundiária, impulsionando uma nova estrutura

produtiva, fortalecendo os assentados da Reforma Agrária, a agricultura familiar, as

comunidades rurais tradicionais.

Mesmo diante de todos os movimentos em prol da reforma agraria no Brasil, o

fortalecimento dos grandes proprietários resultante do processo de modernização da

agricultura durante a ditadura se tornou um obstáculo a resolução da questão agraria,

mesmo nos dias atuais a propriedade privada é de interesse dos grandes setores da

economia e propor uma solução a este problema e desafiar os interesse destes.

Outro fator que apresenta um desafio para aqueles que lutam pelos movimentos

sociais em benefícios daqueles que necessitam da terra para atendimento de suas

necessidades básicas, é falta de recursos financeiros para poderem custear a

implementação de políticas públicas, a violência contra os trabalhadores e contra as

lideranças dos movimentos camponeses é também um tema bastante polêmico.

Os Censos Agropecuários 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1975, 1980, 1985,

1995- 1996 e 2006 são as principais fontes de dados para a análise da evolução da

estrutura agrária no Brasil a partir do Século XX. Permitem calcular várias

características básicas da distribuição da terra entre os estabelecimentos agropecuários,

como as principais medidas de tendência central (área média e área mediana) e medidas

de desigualdade da distribuição. O índice de Gini (G) é a medida de desigualdade mais

comum. Dados sobre a estrutura agrária brasileira também podem ser obtidos do

Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA. A unidade de pesquisa é sempre o

estabelecimento agropecuário, mas é importante notar que a definição dessa unidade

sofrem alterações ao longo do tempo. (SENRA, 2014).

Entre os anos de 1970 a 1995-1996 o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) classificou os estabelecimentos em quatro categorias de condição do

produtor: proprietário; arrendatário; parceiro; e ocupante. O produtor (pessoa física ou

jurídica responsável pela exploração do estabelecimento) é classificado como

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proprietário se as terras do estabelecimento forem, no todo ou em parte, de sua

propriedade. No Censo 2006, foram criadas duas novas categorias: assentado sem

titulação definitiva e produtor sem área.

Tabela 1- Censo agropecuário 2006 área dos estabelecimentos em (hectares).

Condição

legal Proprietário

Assentado

sem

titulação

definitiva

Arrendatá

rio Parceiro Ocupante

Produtor

sem área

Próprias 302.138.391 - - - - 0

Terras

concedidas

por órgão

fundiário

ainda sem

titulação

definitiva

207.724 5.743.218 3.415 664 2.103 -

Arrendadas 6.062.048 6.768 9.009.074 36.109 13.498 -

Em parceria 1.265.089 1.898 21.940 1.938.920 12.994 -

Ocupadas 842.060 6.456 20.620 10.142 6.336.958 -

Total 310.515.259 5.758.341 9.055.047 1.985.839 6.365.552 -

Fonte: IBGE, Censo agropecuário 2006. Consultado em: 24.07.2015.

A distribuição da terra entre estabelecimentos agropecuários no Brasil em

2006 é muito desigual, pois os assentados sem titulação definitiva e os parceiros

correspondem apenas a 5.758.341 e 1.985.839 de hectares de terra ocupada.Muitas

vezes o termo concentração é usado como sinônimo de desigualdade. Assim, é usual

dizer que há grande concentração de posse da terra no Brasil

Dados da segunda apuração do Censo Agropecuário 2006, divulgados em

2012, mostram que a desigualdade entre os estabelecimentos é maior quando se

considera o valor da produção do que quando se considera a sua área total. Para a

distribuição da área, o índice de Gini é igual a 0,858 conforme o valor da produção, o

índice de Gení é 0,904 (SENRA, 2014).

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De acordo com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)

em 2012 o número de imóveis rurais cadastrados eram 5.498.505 e a área total em

hectares correspondia 605.387.746,06. Há atualmente no Brasil 968.887 famílias

assentadas, 9.256 assentamentos formalizados e 88.314.875 hectares de área reformada.

Ainda, Segundo o instituto citado a cima sobre uma pesquisa da qualidade de

vida, produção e renda dos assentamentos da Reforma Agrária realizada em 2010, em

relação ao perfil dos assentados e o que pensam as famílias assentadas da reforma

agrária de todo o país, foram diagnosticados os seguintes resultados: 53% dos

assentados são homens e 47% mulheres, o tamanho médio das famílias gira em torno

de 4 pessoas, onde se estima que a população total de beneficiários da reforma

ultrapasse 3,6 milhões de pessoas. 79% das famílias informam acesso suficiente à água.

Como prioridade a pesquisa indica a região nordeste, onde ainda existem 35% de

famílias com acesso insuficiente. 76% das famílias possuem energia elétrica em seus

lotes e 52% das declararam acesso ao Pronaf e 64% estão adimplentes. 62% delas

também já receberam Créditos de Apoio, Fomento ou para Aquisição de Material de

Construção. Entre 2003 e 2010 o INCRA financiou com créditos a construção ou a

reforma de mais de 394.000 moradias.

A produção agropecuária nos assentamentos representa a maior fatia na

composição da renda (Santa Catarina 76% e Ceará 48%). As diferenças regionais

ficaram bem caracterizadas na pesquisa. A distribuição das famílias por faixas de renda

invertem-se: 27% das famílias em Santa Catariana auferem mais de cinco salários

mínimos e 29% delas, no Ceará, menos de 0,5 SM.

A percepção das melhorias nas condições de vida dentre as famílias assentadas,

após o acesso à terra, é satisfatória. A evolução patrimonial das famílias corrobora a

percepção generalizada de melhoria na qualidade de vida e o principal meio de

produção no caso a terra é tido como suficiente. (INCRA, 2010).

Há também o Programa de Cadastro de Terras e Regularização Fundiária no

Brasil que atende as áreas rurais devolutas de domínio Estadual e consiste numa ação

social de regularização fundiária garantindo segurança jurídica aos agricultores

familiares e o acesso às demais políticas públicas do governo, entre elas o crédito rural e

a assistência técnica. Para ser beneficiado pela regularização fundiária, o limite das

terras devolutas federais não deverá ultrapassar 100 hectares e as terras do Estado,

devem ter de 100 a 250 hectares. (MDA, 2015).

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O público alvo são Trabalhadores (as) rurais sem terra, Pequenos Produtores

Rurais com acesso precário à terra, proprietários de minifúndios, ou seja, proprietários

de imóveis cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar.

Um exemplo deste programa é a Fazenda Cajueiro localizada na zona rural do

Limoeiro do Norte, município da região da Vale Jaguaribe cearense, adquirida em

novembro de 2009, através da Associação dos Pequenos Produtores Rurais (AAPPR),

possuindo uma área de 132,189 hectares, faz parte do financiamento no amparo do

Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF). A área é mantida com a produção de

frutas e côco, sendo a produção de banana a principal atividade (SDA, 2015).

Contudo, os gastos do governo federal com aquisição de terras para a reforma

agraria deverão ser bem planejados, pois a desapropriação por interesse social e

resgatável até o prazo de 20 anos. Sendo que os beneficiários começam a ressarcir o

valor da terra a partir do terceiro ano. Daí a necessidade de estabelecer metas para

execução da reforma que vise à fixação de estratégias de recuperação dos atuais

assentamentos, e realmente contribua para geração de renda dos trabalhadores rurais.

No estado do Ceará a terra é a principal fonte de renda para muitos

agricultores, há diversas políticas públicas que objetivam melhorar a vida do homem do

campo e que tem contribuído para regularização fundiária, possibilitando que as

famílias através da posse da terra possam desenvolver-se maneira sustentável. Em todo

o Ceara a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) juntamente ao Instituto de

Desenvolvimento Agrário do Ceará (IDACE), realizam mecanismo de licitação de

empresas para efetuarem o mapeamento das propriedades a serem regularizadas. Desde

2007 já entregaram 86.637 títulos de propriedade rural e 61 municípios. (NOSSA

TERRA CEARÁ, 2014).

Ação Fundiária é o rebatimento espacial no campo, da estratégia de

desenvolvimento sustentável do Estado através do desenvolvimento de ações que visam

a inclusão econômica e social das populações rurais. Está embasada na implementação

dos programas de Cadastro Georeferenciado de imóveis rurais; Regularização

Fundiária; Assentamento e Reassentamento de Trabalhadores Rurais e Crédito

Fundiário. A regularização da posse da terra a pequenos posseiros representa um passo

decisivo na construção da cidadania, concretizando um direito garantido pela legislação

(IDACE, 2015).

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Tabela 2- Dada sobre os assentamentos e assentados no Ceará em 2015

Nº de assentamentos 454

Nº de famílias assentadas 21.997

Área de nº de assentamentos 914.371,23

CADÚNICO- nº de famílias assentadas

cadastradas 19.343

Bolsa família- nº de famílias beneficiadas 13.678

Renda CAD menor que 70-nº de famílias

assentadas cadastradas 12.032

Fonte: INCRA-CE (2015). Consultado em: 17.07.2015.

O estado Ceará conta 454 assentamentos, cada um com 914.371, 23hectares, o

número de famílias assentadas perfazem 21.997, estas famílias também são beneficiadas

pelos programas sócias de transferências de renda como a bolsa família e o

CADÚNICO.

A concentração de terra produz uma forma de organização na qual a

sobrevivência e marcada pela imposição das desigualdades e a pobreza ao crescimento

do setor familiar, que poderiam dificultar a produção em larga escala.

A reforma agraria surge como alternativa de trabalho, morada e reprodução

social para um número crescente de trabalhadores pobres que, dada a sua

baixa qualificação em relação ás atuais exigências do mercado, dificilmente

encontrariam melhor forma de inserção produtiva (TOMIASI; FABRINI,

2008, p.63).

Um dos pontos da reforma agraria foi a isenção dos projetos de assentamento

espaços produtivos de acesso a direitos e de qualidade de vida mais adequada aos

trabalhadores rurais.

Conforme Araújo (2007 apud Mendonça e Pinheiro, 2008) o assentamento é

uma conquista coletiva, um pequeno patrimônio produtivo diferenciado, uma

organização tutelada e burocratizada que resiste à emancipação.

O capital social é um fenômeno coletivo, que se baseia no relacionamento dos

indivíduos. É resultado das relações de reciprocidade, confiança, solidariedade e

colaboração que pode ser usado para favorecer o crescimento tanto dos indivíduos

envolvidos, como da sociedade em geral, pois ela faz existir as trocas, levando assim a

um relacionamento mais forte que possibilita o desenvolvimento. (MORAIS e

MULLER, 2012).

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O capital social pode ser considerado como um fator essencial para o

crescimento econômico das associações cooperativas, principalmente na

região nordeste, onde o capital físico é muito concentrado socialmente, e o

capital humano está num processo de democratização, isto é, as pessoas de

classes sociais desfavorecidas estão tendo maior oportunidade de estudo, e o

capital natural necessita de outras formas de capital para poder ter uma

exploração produtiva mais eficiente e ecologicamente sustentável

(MOREIRA et al 2008, p.4).

Na medida em que o capital social for elevado ele permitirá cada vez mais o

aumento do círculo de relações sócias em que vivem aqueles que participam de sua

construção. O desenvolvimento supõe o aumento das oportunidades de escolha dos

indivíduos, ampliando as possibilidades de geração de renda (MENDONÇA;

PINHEIRO, 2008).

Capital Social é algo que deve ser bem gerido para usufruir de seus benefícios,

pois ele envolve confiança, cooperação e inovação são algo que deve ser bem gerido

para usufruir de seus benefícios, pois ele envolve confiança, cooperação e inovação,

sendo assim os assentamentos rurais para que possam cumprir com seu papel

transformador necessita que os agentes que fazem parte dele desenvolvam relações de

cooperação, de confiança mutua, associativismo, para que possam lutar por causas que

beneficiem a todos.

3.METODOLOGIA

3.1. Caracterização do Município

O município de Mauriti está localizado ao Sul do Estado do Ceará, distante 406

km da capital cearense em linha reta. Possui os seguintes tipos de solos: Areias

Quartzosas Distróficas, Solos Litólicos, Podzólico Vermelho-Amarelo e Vertissolo. O

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)- 2010 é 0,605 e no ranking estadual ocupa a

posição 119 (IPECE, 2014).

De acordo com Instituto de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), sua

população é de 44. 240 habitantes. Detêm uma área territorial de 1111,86 km², limita-se

ao norte com estado da Paraíba e o município do Barro; ao sul faz limite com o

município de Brejo Santo, e os estados da Paraíba e Pernambuco; ao leste com Estado

da Paraíba, já a oeste com os municípios de Brejo Santo e Milagres. Possui um clima

tropical quente semiárido, a pluviosidade é de 872,3 mm, os meses mais chuvosos são

fevereiro á abril. A temperatura média é de 24C° a 26C° (IPCE, 2014).

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3.1.2 Assentamento fazenda sítio Oitis

O assentamento da fazenda Sítio Oitis foi implementado em 26 de maio de

2006, está localizado no Distrito de Umburanas em Mauriti, compreendendo uma área

de 293.7 hectares e possuí 25 famílias. Conta com uma pequena rede hidrográfica

formada por poço tubular de uso comunitário, de pequena vazão 500m3/ h, e possuía 25

famílias.

A caatinga caracteriza a cobertura vegetal, com predominância das espécies

conhecidas como: jurema, catingueira, umburana, aroeira, entre outras. O assentamento

é formado por intermédio de uma associação comunitária, a infraestrutura é deficiente o

que dificulta o acesso até a localidade como contribui como uma das variáveis

inibidoras ao desenvolvimento possui ainda energia elétrica e encanamento.

3.2 Fonte dos dados

O trabalho de pesquisa foi executado com base em dados primários

provenientes da aplicação de questionários, estes com base no número de assentados

que ainda permanecem no assentamento, ou seja, 10 entrevistados, para o levantamento

das informações quantitativas e entrevistas semiestruturadas junto aos assentados das

comunidades selecionadas no município de Mauriti no Estado do Ceará. O período de

coleta dos dados foi realizado no mês de Janeiro de 2015.

Os dados secundários, foram oriundos de natureza bibliográfica a respeito do

tema proposto, foram utilizados os seguintes instrumentos: sites relacionados à

pesquisa, livros, artigos e periódicos que informarão os aspectos do tema na atualidade

além da pesquisa documental.

3.3 Índice de capital social – ICS

O capital social neste estudo foi elaborado a partir dos indicadores que

expressam as relações interpessoais entre os membros do assentamento fazenda sítio

Oitis e sua participação em associações de caráter participativo, cooperativo e

consequentemente canalizador de recursos destinados à promoção do desenvolvimento

dos assentados e de suas famílias. A acumulação do capital social intangível dos

assentados selecionados será avaliada através do Índice de Capital Social – ICS.

Na composição deste índice considerou-se o indicador relativo à participação

social utilizado por Barreto e Khan (2006), atribuindo valores de zero e um (0 e 1), com

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o objetivo de avaliar o engajamento do assentado e de suas famílias com a associação.

Assim matematicamente, pode-se definir o ICS como:

A contribuição de cada variável no ICS da comunidade foi obtida da seguinte

maneira:

Em que:

ICS = Índice de capital social;

Eij = escore da i-ésima variável obtida pela j-ésimo associado;

Emax, i = escore máximo da i-ésima variável;

Ci = contribuição da variável “i” no índice de Capital Social;

i = 1, ....................., n, número de variáveis;

j = 1, ....................., m, número de assentados;

n = número de assentados;

m = número de variáveis.

O valor do Índice de Capital Social (ICS), quanto mais próximo de 1,

significa maior o nível de acumulação de capital social nas comunidades. Conforme

Khan e Silva (2002); Barreto e Khan (2006), para verificar o nível de acumulação do

capital social optou-se por estabelecer o seguinte critério:

a) Baixo nível de acumulação de capital social 0 < ICS ≤ 0,5

b) Médio nível de acumulação de capital social 0,5 < ICS ≤ 0,8

c) Alto nível de acumulação de capital social 0,8 < ICS ≤ 1

4. Resultados/ discussões

A união da comunidade que formam os assentamentos rurais é importante para

que as mesmas prosperem economicamente e para que seja alcançado o

desenvolvimento sustentável. Para que isso seja possível se torna necessário avançar na

capacidade de inovar proporcionando a ampliação da competitividade territorial e

desenvolvendo, portanto sua capacidade de produzir e de distribuir riquezas.

O índice de capital social mensurado para o assentamento fazenda sítio Oitis

foi de 0,9692 o que corresponde a um alto nível de capital social conforme a escala

utilizada para classificar o nível de acumulação.

As variáveis mais significativas na formação do índice de capital social foram

as seguintes; participação ativa nas reuniões; sugestões apreciadas e aprovadas. A

execução das decisões tomadas nas reuniões como as postas em pratica pela diretoria

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tiveram uma considerável participação relativa na composição no índice de 9,52%.

Contudo, a variável mais relevante foi a cooperação para o atendimento das

reivindicações constituindo um percentual de 17, 46%, na composição do capital social.

As variáveis utilizações de produtos químicos e melhoria na renda após a integração no

assentamento apresentaram respectivamente 3,17% e 4,76% constituindo-se valores

muito baixos na composição do ICS.

No caso assentamento fazenda sítio Oitis verificou-se que tanto o grau de

interação entre os membros da comunidade e confiança nos mesmo corresponderam a

um percentual relativo de 6, 34%. O resultado mostra que a confiança dos assentados no

governo municipal e no governo estadual apresentou uma contribuição para com a

formação do ICS de 7,93%.

Tabela 3: Participação absoluta e relativa dos indicadores de capital social do ICS no

assentamento fazenda sítio Oitis, Mauriti-CE.

INDICADOR V.A V.R (%)

Participa ativamente das reuniões da associação 0,092 9,52

Apresenta sugestões das reuniões 0,076 7,93

As sugestões são apreciadas e aprovadas 0,092 9,52

As decisões tomadas nas reuniões são executadas pela diretoria 0,092 9,52

Como classifica o grau de interação entre os membros da

comunidade 0,061 6,34

Grau de confiança nos membros da comunidade 0,061 6,34

Confiança no governo municipal 0,076 7,93

Confiança no governo estadual 0,076 7,93

Sua renda melhorou após sua integração no assentamento 0,046 4,76

O trabalho em regime de cooperação é bom para comunidade 0,092 9,52

Acredita se relevante a cooperação para atendimento das

reivindicações 0,169 17,46

Utiliza produtos químicos 0,030 3,174

Índice de Capital Social (ICS) 0,969 100

Fonte: dados da pesquisa. Nota: V.A- valores absolutos; V.R-valores relativos

A acumulação de capital social aplica-se à criação de processos capazes de

revelar os potenciais que os assentados da Fazenda Oitis podem descobrir em seus

locais de vida e de trabalho, a partir de suas características, da projeção de sua

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identidade nos elementos mais importantes para alcançar o desenvolvimento

socioeconômico. Para que com isso seja possível avançar na capacidade de inovar e

distribuir riquezas.

5.CONCLUSÃO

A Reforma Agrária é mais do que regularização fundiária mas a oportunidade

histórica de transformar o meio rural brasileiro em um lugar de vida economicamente

sustentável e pela sua contribuição à superação da desigualdade e a exclusão social de

parte significativa da população rural.

Desconcentrar a propriedade da terra é uma condição necessária, porém não

suficiente para a correção das mazelas decorrentes da atual estrutura agrária é preciso

combinar ações dirigidas a assegurar a qualidade dos assentamentos, por meio de

investimento em infraestrutura social e produtiva.

O meio rural que apresenta os piores indicadores sociais, contudo oferecer

condições propicias ao desenvolvimento, como é possível criar possibilidades para que

os indivíduos possam fazer suas próprias escolhas.

Uma das maiores dificuldades inerentes a acumulação de capital social no meio

rural é a ausência de um ambiente educacional favorável e adaptado as condições

locais.O baixo desempenho escolar aliado ao baixo custo de oportunidade da agricultura

de sequeiro faz com que haja o abandono em direção aos grandes centros urbanos.

O poder público deve buscar soluções que não visem apenas aspectos

econômicos, mas estimular iniciativas coletivas que motivem as comunidades rurais a

organizarem suas vidas em suas próprias regiões, por meio da formação de capital social

e recursos locais.

É importante concluir que o índice de capital social no assentamento fazenda

Oitis é elevado, entretanto ele não repercute na melhoria da qualidade de vida dos

assentados, pois necessita superar outros inibidores que não foram computados para

formação deste índice como: falta de assistência técnica, credito rural, melhoria da

infraestrutura, entre outras.

Logo, estudos desta natureza possibilitam o planejamento e direcionamento de

políticas públicas compatíveis com as necessidades locais. Basta identificar ou incluir

indicadores e seu relativo peso na composição do índice de capital social e tentar

melhorar os de menor participação relativa.

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ÁGUAS NO SEMIÁRIDO NORDESTINO: CONTEXTO, CONTORNOS

E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA COMUNIDADES RURAIS

José Ferreira Lima Júnior1

Maria Rosilene Cândido Moreira2

Diego Coelho do Nascimento 3

Suely Salgueiro Chacon4

Resumo

O Polígono das Secas do nordeste brasileiro apresenta um regime pluviométrico

marcado por extrema irregularidade de chuvas, no tempo e no espaço. Nesse cenário, a

escassez de água constitui considerável entrave ao desenvolvimento socioeconômico e à

subsistência da população. Objetivou-se neste artigo promover uma reflexão acerca do

contexto e das políticas públicas predominantes no território do semiárido brasileiro,

sobretudo àquelas relativas à água para comunidades rurais. Como resultados, em

relação às políticas públicas, percebeu-se que os atos políticos pouco beneficiaram a

população do Sertão, porém os sertanejos tiveram suas relações sociais definidas por

essa abordagem política histórica assistencialista, clientelista e paternalista, que toma a

seca ora como problema, ora como solução, mas sempre como razão seja para a falta de

condições dignas, seja para supostamente obter recursos para implementar mudanças.

Na perspectiva da transição do combate à seca para o paradigma da Convivência com o

Semiárido estão em execução diversos programas e alternativas, a exemplo do

Programa Água Doce, Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) e sistemas de

desfluoretação de águas. A intenção é mobilizar a sociedade em torno de políticas,

propostas e ações para a convivência mais integrada das comunidades rurais junto ao

território do semiárido.

Palavras-chave: políticas públicas, recursos hídricos, comunidades rurais no semiárido.

1 O contexto do semiárido nordestino.

Conhecer mais adequadamente o complexo geográfico e social dos sertões

secos e fixar os atributos, as limitações e as capacidades dos seus espaços ecológicos

nos parece uma espécie de exercício de brasilidade, o germe mesmo de uma

desesperada busca de soluções para uma das regiões socialmente mais dramáticas das

Américas. O Nordeste seco possui uma área total da ordem de 700 mil km², onde vivem

23 milhões de brasileiros – entre os quais, quatro milhões de camponeses sem terra –

marcados por uma relação telúrica com a rusticidade física e ecológica dos sertões, sob

1 Professor, Universidade Federal de Campina Grande, Cajazeiras/Paraíba, [email protected]

2 Professora Adjunta, Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte/Ceará, [email protected]

3 Doutorando, Universidade Federal do Pernambuco, Recife/Pernambuco, [email protected]

4 Professora, Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte/Ceará, [email protected]

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uma estrutura agrária particularmente perversa. É uma das regiões semiáridas mais

povoadas entre todas as terras secas existentes nos trópicos ou entre os trópicos,

segundo uma apreciação de Jean Dresch. (AB’SÁBER, 1999).

As características edafoclimáticas da região são semelhantes às de outras

regiões semiáridas quentes do mundo: secas periódicas e cheias frequentes dos rios

intermitentes, solos de origem cristalina, arenosos, rasos, salinos e pobres em elementos

naturais e matéria orgânica, além de solos pouco permeáveis, sujeitos à erosão e,

portanto, de mediana fertilidade natural (BEZERRA, 2002).

A região semiárida brasileira passou por nova delimitação em 2007. O Grupo

de Trabalho Interministerial (GTI) responsável pelos estudos adotou três critérios

técnicos, quais sejam: a) precipitação pluviométrica média anual inferior a 800

milímetros, b) índice de aridez de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico que relaciona

as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período de 1961 a 1990; e c) risco

de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990. Tais critérios

foram aplicados consistentemente a todos os municípios que pertencem à área da antiga

SUDENE, inclusive os municípios do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo.

(BRASIL, 2007).

Nessa perspectiva, o sítio eletrônico do Ministério do Desenvolvimento Social

e Combate à fome (MDS) define o Semiárido brasileiro, também conhecido como

Sertão, como uma área geográfica onde as chuvas são bastante irregulares e o solo é

raso. Características estas que acarretam longos períodos de seca, o que deixa a

população sem água até para beber. A estiagem faz parte da história da região, e há

registros de secas desde a época do Império. Cobrindo quase 8% do território brasileiro

e com área de quase 900 mil km², o Polígono da Seca no semiárido brasileiro abrange os

estados do Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte,

Sergipe e norte de Minas Gerais. Apesar da região ser considerada a mais úmida do

mundo as chuvas são bastante irregulares. Há curtos períodos de muita chuva, enquanto

há longos períodos de muita seca.

Nesse contexto, o Polígono das Secas do nordeste brasileiro apresenta um

regime pluviométrico marcado por extrema irregularidade de chuvas, no tempo e no

espaço. Nesse cenário, a escassez de água constitui em um considerável entrave ao

desenvolvimento socioeconômico e, até mesmo, à subsistência da população. A

ocorrência periódica das secas e seus efeitos são amplamente conhecidos e remontam

aos primórdios da história do Brasil (BRASIL, 2005).

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A água é um dos recursos naturais essenciais à vida humana e ao equilíbrio dos

ecossistemas. Por isso é fundamental preservar muito bem de suas reservas e fontes,

garantindo sua existência para toda a sociedade e para as gerações futuras, na

perspectiva da sustentabilidade. Quando se fala em água, é muito comum pensar

somente nos reservatórios aquáticos que se pode ver, como os rios, os lagos, as lagoas,

dentre outros. Entretanto é imprescindível lembrar que, sob os nossos pés, existe

também uma rica fonte de recursos hídricos, a que se chama de águas subterrâneas.

Essas são encontradas nos aquíferos, importantes reservatórios de água no subsolo, e

que são responsáveis pelo armazenamento da maior parte da água doce disponível para

o consumo humano (IRITANI; EZAKI, 2012), estando localizadas tanto nos subsolos

urbanos como rurais.

Sob este aspecto, averiguar como ocorre o manejo das águas subterrâneas nos

ambientes populacionais, envolvendo a dimensão do território rural, torna-se premente,

uma vez que o fenômeno da seca apresenta-se com mais evidência no meio rural.

Com tais considerações, o objetivo desse escrito foi promover uma reflexão

acerca do contexto e das políticas públicas predominantes no território do semiárido

brasileiro, sobretudo àquelas relativas à água para comunidades rurais.

O percurso metodológico desenvolvido para construir este artigo consistiu em

pesquisas bibliográficas à literatura científica com foco principal nos seguintes temas:

políticas públicas, sertão, água, semiárido, comunidades rurais e secas, presentes em

livros e literatura científica (artigos, monografias, dissertações e teses), além de

documentos oficiais do governo brasileiro que abordam o assunto em tela.

2 Água: a ‘pedra preciosa’ do sertão.

Para responder ao objetivo proposto, inicia-se esta análise observando que o

subtítulo traz uma analogia antagônica, que compara a água com pedra. Contudo, é

partindo desse antagonismo que se estabelece o debate acerca da preciosidade da água

no semiárido, uma vez que ela é indispensável e, por isso, considerada um recurso-

chave para a convivência com essa região.

Sua preciosidade reside no fato de que ela está inextricavelmente associada

com diversas áreas, quais sejam agricultura, pecuária, indústria, desenvolvimento

urbano, dentre outras. Discorrendo a esse respeito, Bezerra (2002) expõe que as

características climáticas do Sertão impactam negativamente a produção agrícola

(produção instável, com apenas dois a três anos de boas safras em cada dez anos de

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cultivo, inclusive no que se refere aos produtos essenciais à subsistência do homem;

produtividade baixa e decrescente para a maioria dos produtos); a produção pecuária

(igualmente instável, com perda de peso dos animais durante o período seco do ano e

dizimação do rebanho nas estiagens prolongadas; baixa produtividade, com ganhos de 5

a 10 kg de peso por hectare/ano; uso crescente de concentrados – ração - na alimentação

de ruminantes, o que onera a atividade), bem como a desorganização social é acentuada,

refletindo na vulnerabilidade da economia local e a exacerbação do quadro de miséria e

fome na região.

Ademais, a água também atuou como protagonista no próprio desenvolvimento

das cidades. Para Tucci (2008), o desenvolvimento urbano se acelerou na segunda

metade do século XX com a concentração da população em espaço reduzido,

produzindo grande competição por recursos naturais (água e solo), destruindo parte da

biodiversidade natural. O meio formado pelo ambiente natural e pela população

(socioeconômico urbano) é um ser vivo e dinâmico que gera um conjunto de efeitos

interligados, cujo descontrole pode levar a cidade ao caos.

Os principais problemas com a infraestrutura de água no ambiente urbano são

falta a de tratamento de esgoto (grande parte das cidades da região não possui

tratamento de esgoto e lança os efluentes na rede de esgotamento pluvial, que escoa

pelos rios urbanos - maioria das cidades brasileiras); outras cidades optaram por

implantar as redes de esgotamento sanitário (muitas vezes sem tratamento), mas não

implementam a rede de drenagem urbana, sofrendo frequentes inundações com o

aumento da impermeabilização; ocupação do leito de inundação ribeirinha, sofrendo

frequentes inundações; impermeabilização e canalização dos rios urbanos com aumento

da vazão de cheia (sete vezes) e sua frequência; aumento da carga de resíduos sólidos e

da qualidade da água pluvial sobre os rios próximos das áreas urbanas; deterioração da

qualidade da água por falta de tratamento dos efluentes tem criado potenciais riscos ao

abastecimento da população em vários cenários, e o mais crítico tem sido a ocupação

das áreas de contribuição de reservatórios de abastecimento urbano que, eutrofizados,

podem produzir riscos à saúde da população. (TUCCI, 2008).

Muitos desses problemas podem ser facilmente identificados em diversas das

cidades dos mais variados estados que compõem o semiárido. Necessário se faz destacar

que no ambiente urbano os equipamentos públicos são mais acessíveis à população.

Assim, por exemplo, mesmo que determinado grupo de pessoas de uma cidade viva sob

risco sanitário em função de reservatório hídrico eutrofizado, na cidade esses indivíduos

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dispõem de unidades de saúde pública (postos e hospitais) que podem minimizar os

eventos adversos na saúde individual e coletiva (doenças de veiculação hídrica); é mais

provável a existência de tratamento de água para fins de consumo humano, por

exemplo. No entanto, populações rurais no semiárido nordestino estão mais expostas

seja pela dramática situação da escassez, seja pela qualidade da água, quando presente.

Nessa direção, o enfoque das discussões e reflexões deste artigo está

direcionado principalmente para a relação das comunidades rurais com a água no

território do Sertão.

3 Políticas públicas de combate à seca no semiárido

Inicialmente, cabe conceituar o termo ‘Políticas públicas’, cuja definição é

complexa e multifacetada, haja vista a diversidade de autores renomados que trabalham

com o tema. Independentemente do tipo de abordagem (estadocêntrica ou

multicêntrica/policêntrica) adotada, a complexidade da definição do termo se faz

presente. Para Secchi (2014), qualquer definição de política pública é arbitrária. O autor

prossegue afirmando que o mais importante é observar os contornos da definição de um

problema público, os quais dão à política o adjetivo “pública”.

As Políticas Públicas são conceituadas como ações, práticas, diretrizes

fundadas em leis e empreendidas como funções de Estado por um governo, para

resolver questões gerais e específicas da sociedade (HEIDMANN, 2006). Partindo desse

conceito, as políticas públicas de combate às secas somente iniciaram após o governo

reconhecê-las como problema nacional e agir no sentido de solucioná-las. Isso só

aconteceu com a tragédia e repercussão mundial da Grande Seca de 1877 a 1879,

quando morreram centenas de milhares de pessoas. (CAMPOS, 2014).

A seca na região semiárida só passou a ser considerada como problema

relevante no século XVIII, depois que se efetivou a penetração da população branca nos

sertões, com o aumento da densidade demográfica e com a expansão da pecuária

bovina. As secas passaram a entrar de forma permanente nos relatos históricos

enfatizando a calamidade da fome e acusando os prejuízos dos colonizadores e das

fazendas de gado. Julgamentos superficiais sobre o fenômeno e interesses políticos

locais conduziram à construção de explicações reducionistas dos problemas regionais

como produtos de condições naturais adversas, do clima, da terra e de sua gente. A seca

tornou-se vilã do drama nordestino, a principal imagem de “uma terra estorricada,

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amaldiçoada, esquecida de Deus” (CASTRO, 1967 apud SILVA, 2007). (GRIFO DO

AUTOR).

Ao longo da história das secas que assolaram o Nordeste brasileiro, durante

várias décadas, as principais ações públicas que tomam o sertão como objeto tem como

principal motivação ou linha de estruturação a seca, ou seja, a escassez de água. Em

função disso, uma intrincada malha de relações entre as instâncias política, econômica e

social é formada, influenciando as relações sociais no Sertão ao longo da história. Em

diferentes épocas, com abordagens distintas, o poder público usou a seca como base e

fundamento de seu discurso, sempre identificando aí a justificativa para diversas

atitudes políticas. Os atos políticos pouco beneficiaram a população do Sertão, porém os

sertanejos tiveram suas relações sociais definidas por essa abordagem política histórica,

que toma a seca ora como problema, ora como solução, mas sempre como razão seja

para a falta de condições dignas, seja para supostamente obter recursos para

implementar mudanças.

Corroborando com esses constructos, SILVA (2007) explica que a intervenção

governamental no semiárido brasileiro, em grande parte, tem sido orientada por três

dimensões que se combinam no combate à seca e aos seus efeitos: a finalidade da

exploração econômica; a visão fragmentada e tecnicista da realidade local; e o proveito

político dos dois elementos anteriores em benefício das elites políticas e econômicas

regionais. Em relação ao primeiro elemento, do interesse econômico no combate à seca,

é possível identificar que as ações emergenciais (de socorro às vítimas com alimentos e

nas frentes de trabalho) e de infraestrutura (hídrica e de transporte) foram e são

realizadas em benefício das atividades econômicas implantadas no semiárido desde o

período colonial até os dias atuais.

Ainda nessa discussão, Bursztyn e Chacon (2011) compreendem que o

paternalismo e o assistencialismo dão substância e forma ao legado das políticas sociais

na região, onde a marca do patriarcalismo é o fio condutor entre dois mundos que se

confundem promiscuamente e se retroalimentam: a política/politics e a política/policy.

O patrão – político e padrinho – marcou a história como provedor de acesso do

afilhado-cliente ao pouco que o Estado oferece: o acesso ao açude construído pelo

Estado em terras privadas; uma vaga em hospital para um familiar doente; o carro-pipa,

para enfrentar a estiagem; ou o alistamento na frente de emergência da seca.

Inseridas neste contexto clientelista arcaico, as ações governamentais

historicamente construídas tiveram como escopo maior combater a seca. Para tanto, um

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sem número de estratégias, programas, ações e recursos foram empreendidos e, de

forma sempre previsivelmente infrutífera, nunca lograram êxito.

Nesse contexto estavam dadas as condições para a institucionalização das

propostas de combate aos efeitos da seca, com a instalação da “Comissão de Estudos e

Obras Contra os Efeitos das Secas”, em 1904, e depois com a criação da

“Superintendência de Estudos e Obras Contra os Efeitos das Secas”. Alguns anos

depois, com a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), órgão governamental criado

em 1909; que em 1919 foi transformado em Inspetoria Federal de Obras contra as Secas

(IFOCS) e, por fim, em 1945 foi transformado no atual Departamento Nacional de

Obras contra as Secas (DNOCS) (SILVA, 2007).

Assim, com mudanças de nomenclatura e troca constante de siglas através das

décadas, consolidou-se a política hidráulica para o combate à seca. Villa (2000)

descreveu as principais ações de combate às secas, que se encontram resumidamente

aqui descritas: a década de 1920 assistiu a criação das Caixas de Socorro às Secas; a

década de 1930 teve oficializada a delimitação do Polígono das Secas e a criação dos

campos de concentração e frentes de trabalho; a década seguinte teve a criação do

Banco do Nordeste do Brasil (BNB); os anos 1950 viram nascer a Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a década de 1960 assitiu a criação de mais

de 8.000 poços.

Apesar de todas essas iniciativas, já faz algum tempo, constata-se a frustração

das políticas de combate à seca que são orientadas pelos modelos que conformam o

paradigma da modernidade. Em 1959, o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do

Nordeste (GTDN), alertava sobre a ineficiência do combate aos efeitos da seca: "Por

motivos diferentes, nem as medidas de curto prazo nem as de longo prazo contribuíram,

até o presente, para modificar fundamentalmente, os dados do problema". Essa mesma

constatação pode ser aplicada à situação do semiárido no início do Século XXI, quando

as situações de emergência e calamidade continuam a se repetir na região que ainda

concentra percentuais de pobreza e miséria. Diante das crises e frustrações, o semiárido

brasileiro requer um novo paradigma que oriente o desenvolvimento sustentável da

região, desmistificando as problemáticas e as tentativas frustradas de combate à seca e

seus efeitos (SILVA, 2003).

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4 Água para consumo humano e comunidades rurais do semiárido: a necessária

convivência

Para além desse enfoque pontual, fragmentado e reducionista de que a seca,

como falta de água, é o principal problema a ser combatido, propõe-se hoje uma

transição paradigmática para um modelo que intitulado de Convivência com o

Semiárido, esteja alicerçado na busca de alternativas que permitam satisfazer, de modo

adequado, as necessidades das comunidades populacionais presentes, sem inviabilizar

nem comprometer o bem-estar das gerações vindouras.

Compreende-se, então, que a percepção do desenvolvimento sustentável se

refere à promoção e melhoria da qualidade de vida da população de um determinado

território como um todo, incluindo a preocupação com o bem-estar das gerações futuras.

Nessa perspectiva, o crescimento econômico deverá se traduzir, também, por uma

acumulação de recursos humanos com alta qualificação, desenvolvimento tecnológico

maior eficiência na alocação de recursos naturais e do uso do meio ambiente e,

principalmente, com ações efetivas ao invés da “retórica bem-intencionada”.

(CARDOSO, 2010).

Em suma, o paradigma da convivência com o Semiárido requer uma

abordagem interinstitucional (por meio de instituições do Estado e também de

organismos não governamentais) e interdisciplinar (que agregue diversas áreas, quais

sejam educação, saúde, economia, política, infraestrutura, agricultura, desenvolvimento

sustentável, meio ambiente, planejamento urbano, ciência e tecnologia, dentre outras)

para juntos interpretar/compreender as problemáticas da região em comento e propor

soluções para uma convivência mais digna, com valorização local, respeito à

diversidade cultural, respeito às identidades/territórios, estímulo à fixação do homem ao

campo, integração ao meio ambiente, acesso do sertanejo à educação formal, melhoria

das condições de vida e promoção da cidadania.

Articuladas à emergência de um novo paradigma de sustentabilidade, ocorrem

mudanças nas concepções e perspectivas de intervenção no Semiárido brasileiro, como

um espaço onde é possível construir ou resgatar relações de convivência com base na

sustentabilidade ambiental, na qualidade de vida das famílias sertanejas e no incentivo

às atividades econômicas apropriadas. O protagonismo na afirmação desse novo

paradigma não pertence aos governos e nem aos grupos dominantes regionais. Os novos

formuladores da proposta da convivência são organizações da sociedade civil e alguns

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órgãos públicos de pesquisa e extensão que atuam no Semiárido. Esses atores vêm se

colocando o desafio de influenciar e disputar os processos de formulação de políticas

públicas na região. (SILVA, 2007).

Nessa perspectiva de mudança paradigmática, sem desconsiderar a importância

da água para inúmeras outras atividades e setores (agricultura, pecuária, indústria,

agroecologia, etc), a partir de agora as reflexões serão direcionadas para o acesso à água

para consumo humano pelas comunidades rurais do semiárido. Para tanto, analise-se o

fato de que no sertão a evaporação das águas superficiais é muito intensa e, não raro, os

açudes e barragens acabam por secar, dependendo do tempo e da intensidade da

estiagem. Em função disso, as águas subterrâneas constituem, por vezes, a alternativa

disponível para mitigar os efeitos da seca.

A esse respeito, Lima Júnior (2012) expõe que a problemática de falta de água

na região Nordeste sempre foi uma constante, o que faz com que muitas comunidades

que vivem nessa região recorram a outras fontes, além das águas superficiais, quase

sempre escassas, para seu abastecimento. Nesta perspectiva, as águas subterrâneas são

frequentemente uma solução recorrente e de fácil acesso para muitas populações.

Porém, essa utilização sem nenhum tratamento prévio é preocupante, devido as

possíveis contaminações químicas e biológicas que estas águas possam sofrer devido à

ação humana ou natural.

Iritani e Ezaki (2012) explicam que as águas subterrâneas encontram-se

armazenadas em aquíferos, os quais constituem reservatórios subterrâneos de água,

caracterizados por camadas ou formações geológicas suficientemente permeáveis,

capazes de armazenar e transmitir água em quantidades que possam ser aproveitadas

como fonte de abastecimento para diferentes usos. Os aquíferos podem ser classificados

quanto ao tipo de porosidade da rocha armazenadora em granular, fissural e cárstico.

No semiárido, via de regra, o solo não consegue armazenar água por ser muito

raso. Ao se perfurar um poço, encontra-se rocha a poucos metros. Este espessamento

rochoso é o cristalino. A água da chuva se infiltra no solo, encontra o cristalino, escoa e

é drenada rapidamente para os córregos e rios que se enchem e secam em pouco tempo.

A despeito dessas características, e talvez até por desconhecê-las, a quantidade

de poços artesianos, cacimbas e cacimbões construídos pelas comunidades rurais, por

órgãos governamentais e não governamentais é imensa. O sertanejo realmente busca na

terra a água de que tanto necessita. Culturalmente, existem até ‘pessoas experientes’

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que, sem nenhuma formação geológica e no mais completo empirismo, identificam

áreas mais propícias para se cavar os poços.

Nesse contexto, para ir ao encontro dos anseios das comunidades, algumas

alternativas estratégicas tem sido gestadas na perspectiva da Convivência com o

Semiárido. Assim, em 1999, durante a Terceira Sessão da Conferência das Partes das

Nações Unidas da Convenção de Combate à Desertificação (COP 3), ocorrida em

Recife – PE, setenta e uma organizações não-governamentais constituíram a Articulação

do Semi-Árido (ASA) e divulgaram a Declaração do Semi-Árido, afirmando que a

convivência com as condições com o semiárido brasileiro é possível. Fruto dessa

articulação foi formulado e está sendo implementado o Programa de Formação e

Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido – Um Milhão de Cisternas

Rurais (P1MC). Trata-se de uma iniciativa que pretende garantir o acesso de um milhão

de famílias a equipamentos de captação e armazenamento de água de chuva para o

consumo humano. Além das cisternas, o Programa pretende estabelecer um processo de

capacitação, abordando a questão da convivência com o semiárido, os aspectos de

gerenciamento de recursos hídricos, construção de cisternas, cidadania e relações de

gênero (SILVA, 2007).

Mais recentemente, o governo federal acenou com outra iniciativa para mitigar

a problemática do acesso do sertanejo à água para consumo humano. Assim, foi lançada

em 2003 uma linha de crédito especial do Programa Nacional de Agricultura Familiar

(Pronaf) para o Semiárido tem por finalidade apoiar as atividades dos agricultores da

região, por meio do financiamento de tecnologias de convivência, como a construção de

obras hídricas (cisternas, barragens) para consumo humano e produção.

Seguindo esse raciocínio, outra ação governamental e interinstitucional

(instituições federais, estaduais, municipais e sociedade civil) que está em curso na

atualidade é o Programa Água Doce – PAD. A escassez de água, a ocorrência de águas

salinas e salobras na maioria dos poços no Semiárido brasileiro, a existência de

tecnologias para dessalinização da água, que promove a sua potabilização, fizeram com

que o Governo Federal, com a coordenação do Ministério do Meio Ambiente - MMA,

em conjunto com instituições federais, estaduais e organizações da sociedade civil,

formulassem o Programa Água Doce, visando aumentar a oferta de água de boa

qualidade para dessedentação humana.

Em resumo, o Programa Água Doce objetiva estabelecer uma política pública

permanente de acesso à água de qualidade para o consumo humano por meio do

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aproveitamento sustentável de águas subterrâneas, incorporando cuidados ambientais e

sociais na gestão de sistemas de dessalinização. Busca atender, prioritariamente,

localidades rurais difusas do Semiárido Brasileiro. O Água Doce conta com uma rede de

cerca de 200 instituições envolvidas no processo, envolvendo os 10 estados do

Semiárido e parceiros federais. A partir de 2010, suas ações serão orientadas pelos

Planos Estaduais de Implementação e Gestão do Programa Água Doce que têm como

meta atender um quarto da população rural do Semiárido até 2019, ou seja,

aproximadamente 2 milhões de pessoas em 10 anos. Suas ações serão iniciadas a partir

dos municípios mais críticos em cada estado e naquelas áreas mais suscetíveis ao

processo de desertificação. (IGAM, 2015).

Em relação à potabilidade da água para fins de consumo humano no Brasil,

existe uma normativa do Ministério da Saúde - Portaria 2914/2011 – que dispõe sobre

os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo

humano e seu padrão de potabilidade. Conceitualmente, este pode ser compreendido

como o conjunto de valores permitidos como parâmetro da qualidade da água para

consumo humano, conforme definido no instrumento legal supramencionado. Portanto,

água potável é toda água que atenda ao padrão de potabilidade estabelecido pela

portaria 2914/2011e que não ofereça riscos à saúde. (BRASIL, 2011).

Os anexos do documento referido anteriormente apresentam uma série de

tabelas mostrado o padrão de potabilidade de substâncias químicas que podem trazer

riscos à saúde. Dentes estas podem ser citadas as substâncias químicas inorgânicas

(antimônio, arsênio, bário, cádmio, chumbo, cianeto, cobre, cromo, fluoreto, mercúrio,

níquel, nitrato, nitrito, selênio e urânio), além das substâncias químicas orgânicas

(acrilamida, benzeno, cloreto de vinila, diclorometano, tetracloroeteno); dentre outros.

Ademais, há também o risco de contaminações microbiológicas na água, nas quais o

foco do estudo centra-se nas análises microbiológicas de coliformes totais e Escherichia

coli.

Para além das questões relativas às altas taxas de salinização das águas

captadas no semiárido brasileiro, cuja fonte principal reside no tipo de solo

predominante cristalino; pode haver nessas mesmas águas captadas outros

contaminantes. Iritani e Ezaki (2012) entendem que haja vista que muitas dessas águas

subterrâneas, também chamadas águas invisíveis, podem conter contaminantes

químicos ou biológicos que, se usada para fins de consumo humano, essas águas

poderão acarretar o adoecimento coletivo de determinadas populações, sobretudo

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daquelas que tem nos lençóis freáticos sua única fonte disponível em períodos de longas

estiagens, como é o caso dos sertanejos.

5 Águas subterrâneas com excesso de fluoretos: o exemplo da convivência no

semiárido paraibano

O flúor é o décimo terceiro elemento mais abundante na natureza e está

presente no ar, nos solos e nas águas (BURT, 1992). Segundo a Organização Mundial

de Saúde (2006) este elemento é encontrado em concentrações variáveis no solo e na

água. É considerado um nutriente importante para tecidos mineralizados do corpo

humano e seu uso apropriado acarreta benefícios para a integridade óssea e dentária. Em

contrapartida, o consumo de águas com alto teor de flúor pode resultar em fluorose

dentária ou esquelética, além de outros malefícios para a saúde pública.

A Organização Mundial de Saúde (2006) e a Portaria 2.914 do Ministério da

Saúde (2011) preconizam que a concentração máxima permitida de íons fluoreto

presentes na água de consumo deve ser de 1,5 mg/L. Isso porque um excesso no

consumo do íon fluoreto pode levar à fluorose dentária (no caso de exposição aguda) ou

ainda fluorose esquelética (em caso de exposição crônica). O primeiro caso se refere à

formação de manchas nos dentes (opacidades do esmalte), que podem ocorrer quando as

concentrações de fluoreto na água forem acima de 1,0 mg/L, trazendo repercussões

estéticas, morfológicas, funcionais e psicológicas, dependendo do grau de intoxicação

(NARVAI et al., 2013).

Segundo Jagtap et al. (2012), a fluorose esquelética tem sido observada em

locais com concentrações de fluoreto na água acima de 5,6 mg/L. A doença afeta

crianças e adultos, sendo de difícil diagnóstico no estágio inicial, pois os primeiros

sintomas se assemelham aos da artrite. O fluoreto reage com o cálcio e fica depositado

nas articulações dos ombros, pescoço, pélvis e joelhos, dificultando os movimentos,

principalmente, dos joelhos. Quando a fluorose esquelética se encontra em estágio

avançado ocorre restrição de movimentos da coluna, sendo assim facilmente

diagnosticada. Casos desse tipo de fluorose têm sido relatados por todo o mundo,

inclusive no semiárido paraibano, na zona rural de São João do Rio do Peixe.

Pesquisas recentes que tomaram por objeto de estudo comunidades rurais

daquele município verificaram a existência de elevadas concentrações de flúor em suas

águas subterrâneas, e devido à escassez deste recurso e o elevadíssimo número de

poços, a comunidade ainda consome desta água contaminada pelo excesso de íons flúor,

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caracterizando a área como endêmica para fluorose dentária e óssea. O excesso de

fluoretos nas águas subterrâneas ocorre devido ao tipo de composição da estrutura

geológica, rica em fluorita (LIMA JÚNIOR, 2012).

Tal município está localizado no alto sertão da Paraíba e apresenta 400 poços

de água subterrânea, do quais 272 estão em operação, 14 fecharam porque secaram ou

foram obstruídos e 114 estavam paralisados por diversas razões. O estudo intitulado

‘Avaliação de sistemas de desfluoretação de águas para comunidades rurais do

semiárido’ objetivou implantar, avaliar e comparar a eficácia de dois sistemas de

desfluoretação de águas em localidades com problema de fluorose endêmica no estado

da Paraíba. Após concluírem a pesquisa, os autores patentearam um filtro domiciliar

desfluoretador regenerável de baixo custo, fácil acesso e de operação simples.

Entretanto, a maior vantagem é a possibilidade de ser usado em comunidades rurais

dispersas, que vivem em áreas de fluorose endêmica. A escassez de água é uma

realidade ainda presente na vida das populações da maior parte do semiárido nordestino.

A possibilidade de utilização de águas subterrâneas constitui uma alternativa viável para

minorar esta problemática. Entretanto, as elevadas concentrações de fluoretos

encontradas em algumas localidades representam uma preocupação face ao risco de

fluorose dentária e óssea. Dessa forma, desenvolver sistemas de desfluoretação viáveis

para utilização por parte dessa população constitui imperativo ético, que agregará

qualidade de vida às comunidades rurais do semiárido brasileiro (LIMA JÚNIOR,

2012).

6 À guisa de conclusão

Ante ao exposto, em relação aos recursos hídricos, Chacon (2007) afirma que

pensar em água é falar sobre desenvolvimento. A partir do momento que se defende o

gerenciamento da água por ser um recurso natural escasso, garante-se a defesa da

dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável. Quando o acesso à água permite

que as pessoas criem atividades econômicas que gerem renda para as famílias,

promove-se, então, a sustentabilidade econômica. Por fim, quando as políticas de águas

passam a trabalhar modelos de gestão que enfatizam a participação da sociedade em

soluções para o acesso aos recursos hídricos, engloba-se a dimensão social e político-

institucional do desenvolvimento sustentável.

Na perspectiva de atingir essas dimensões da sustentabilidade e promover a

transição do combate à seca para o paradigma da Convivência com o Semiárido, estão

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em execução diversos programas e alternativas a exemplo do Programa Água Doce,

Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), sistemas de desfluoretação e de

dessalinização de águas. A intenção é mobilizar a sociedade em torno de políticas,

propostas e ações para a convivência mais integrada das comunidades rurais junto ao

território do semiárido.

Tais considerações possibilitaram essa reflexão, que buscou problematizar e

discutir a questão das políticas, contextos e contornos dos recursos hídricos no

semiárido, focalizando o acesso das comunidades rurais à água para consumo humano.

Considerando o novo paradigma da Convivência, a intenção é que cada sertanejo

pertencente às comunidades rurais dos 1.133 municípios integrantes do Semiárido possa

ter uma verdadeira promoção de cidadania, melhor qualidade de vida e saúde.

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ANÁLISE DA ESPECIALIZAÇÃO DO SETOR AGROPECUÁRIO DA

REGIÃO CENTRO-SUL NO ESTADO DO CEARÁ NOS ANOS DE 2002 E 2012.

Maria Daniele Cruz dos Santos1

Otácio Pereira Gomes2

Francisco do O’ de Lima Junior3

Camila Pereira Brígido Rodrigues4

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar o setor agropecuário através do nível de

especialização do mesmo na região Centro-Sul Cearense nos anos de 2002 e 2012,

visando verificar sua situação de especialização num período entre 10 anos, com base na

estrutura produtiva desse setor. Verifica-se através de análise do Índice de Concentração

Normalizado (ICN) que dentre as catorze cidades que compõem a região, Iguatu se

destaca não só como especializada no setor no ano de 2002, como manteve tal posição

no ano de 2012, podendo ser peça-chave para o incremento de políticas voltadas ao

atendimento das necessidades locais de crescimento e desenvolvimento, baseadas na

manutenção do homem no campo.

Palavras-chave: Economia Regional, Desenvolvimento local, Especialização agrícola

1 1 INTRODUÇÃO

A atividade agropecuária como economia imprescindível na reprodução social

tem suas origens desde que o homem transita da atividade nômade para a sedentária,

passando pela aprendizagem do manejo do cultivo de plantas necessárias à sua

sobrevivência. Esse desenvolvimento se desdobra por séculos e vai cada vez mais se

aprimorando, de forma a gerar excedente e ser levado ao mercado para daí serem

realizadas as trocas.

A agricultura foi durante séculos, considerada a atividade que dá

sustentabilidade ao sistema econômico. O pensamento econômico fisiocrata defendia

que a natureza era a única fonte capaz de gerar excedente.

1 Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri - URCA, Pós-Graduanda em Gestão Financeira e

Consultoria Empresarial pela URCA e Professora do departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri.

Juazeiro do Norte/Brasil Email: [email protected]

2 Graduado em Economia pela Universidade Regional do Cariri - URCA, Mestre em Economia Rural pela

Universidade Federal do Ceará – UFC e Professor do departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri.

Iguatu/Brasil. Email: [email protected]

3 Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas –

UNICAMP. Possui mestrado em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia/MG

(2008) e graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri - URCA (2001). Atualmente é

Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri - DE/URCA. Crato/Brasil.

Email: [email protected]

4 Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri - URCA, Mestranda em Economia Rural pela

Universidade Federal do Ceará - UFC e bolsista Capes. Fortaleza/Brasil. Email: [email protected]

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Após o desenvolvimento das cidades industriais, a agricultura foi tomando um

papel secundário, desaparecendo lentamente e gradualmente, dando espaço a nova

configuração econômica que surgia: As economias baseadas na comercialização da

manufatura.

Enquanto a agricultura ia aos poucos saindo de cena, os outros setores que

compõem a demanda agregada como Serviços e Indústria foram se tornando

hegemônicos na reprodução econômica social, atraindo investimentos, reduzindo cada

vez mais a participação daquele setor que outrora fora considerado a mola-motor da

economia.

Com a colonização do Brasil, vieram a instalação da atividade agrícola em

regiões litorâneas, a plantação do café e a pecuária mais ao centro-oeste do país,

caracterizando por longos anos o Brasil como país agroexportador.

Com o aumento desenfreado da urbanização mundial, a civilização do século

XXI passa por privações cada vez mais atenuadas pelo descaso total na reprodução dos

meios saudáveis de consumo de alimentos, perdendo o enfoque de uma produção para

sobrevivência humana para uma produção mercantilizada e capitalizada, tão bem

representada pelo agronegócio.

No Ceará não foi diferente e as secas frequentes desestimularam o

investimento no setor agropecuário, ficando para as atividades industriais e os agropolos

a missão de manter a atividade em execução no estado e representar boa parte do PIB no

setor. Lima Junior (2014) destaca também que os reduzidos investimentos na

agricultura cearense são frutos do processo de formação econômico-espacial o qual

induziu a baixa capitalização e as poucas transformações rurais.

Bomfim (2001) apud Lima Junior (2014) destaca tais características da

conjuntura cearense:i) baixa capitalização para inversões em atividades

promissoras, devido ao pouco dinamismo da agricultura ainda pautada em

produtos de exportação de preços declinantes, limitado mercado interno com

boa parte da demanda sendo atendida por importações; ii) a ordem política,

aferrada ao pressuposto do coronelismo arraigado e resistente às possíveis

mudanças na estrutura de poder que viria com a industrialização, adicionada

à desorganização econômica interiorana implicada pela violência de lutas

entre coronéis e seus aliados e o banditismo do cangaço comprometia o

desempenho das atividades comerciais e; iii) de caráter totalmente

contestável, o autor aponta uma possível escassez de mão de obra associada à

imigração para a Amazônia durante o surto da borracha, bem como a

instabilidade da população que chegava do interior vitimada pela seca

(BONFIM 2001, P.107-108 apud LIMA JUNIOR 2014, p. 49-50)

Apesar disso, pequenas propriedades ainda resistem às dificuldades

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apresentadas pelo clima, fazendo com que haja sustentabilidade da pequena família

agricultora no campo.

Políticas públicas para aumento da produção têm mantido algumas dessas

famílias, mas o impacto em relação ao número de beneficiários dos mesmos é

insignificante, aumentando as políticas assistencialistas que as mantém refém sem

perspectivas de melhoria.

As pequenas regiões como a do Centro-Sul Cearense sofrem com esse impacto,

sobretudo pelo fato de que antigamente viam na atividade o maior meio econômico

gerador de emprego e renda (ou se não o único).

2 ANÁLISE DA DINÂMICA SETORIAL DA MESORREGIÃO CENTRO-SUL

DO ESTADO DO CEARÁ

O protecionismo institucionalizado com apoio montado nos sistemas vigentes

antes da abertura comercial no Brasil fez com que a competitividade fosse

comprometida. Investimentos privados se restringem devido as altas taxas de juros, o

que torna inviável novos aportes de capital aos negócios vigentes, bem como a

instalação de novos.

Com características de dependência do assistencialismo do Governo Federal, a

região Nordeste se configurou por muitos anos como uma região abastada, a qual sofria

restrições tanto pelo desenvolvimento tardio, efeito das políticas que favoreciam a

região sudeste do país em detrimento das demais regiões, tanto pela estrutura econômica

local, baseada numa agricultura obsoleta e uma pecuária de subsistência, além da falta

de um clima chuvoso favorável ao manejo e cultivo das lavouras agrícolas.

Sem um planejamento adequado, o crescimento desordenado e desigual das

regiões do Brasil só agravou o problema das disparidades, feito também ratificado na

década de 1950 com o Plano Econômico para Desenvolvimento do Nordeste,

encabeçado pelo GTDN sob a instrução do nordestino Celso Furtado que identificou

essas observações e propôs alguns itens de mudança, e uma delas fora o processo de

industrialização da região.

No Ceará, o pontapé inicial para descontinuação desse cenário veio com o

governo de mudanças, do então governador Tasso Jereissati. Entre suas principais

propostas, a de tornar o Ceará o terceiro polo industrial nordestino vem-se consolidando

e atualmente, vem mantendo o Estado ranking no até o ano de 2013.

No último trimestre de 2014, o Ceará apresentou um crescimento de 2,7% no

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PIB em relação ao mesmo período do ano passado (IPECE, 2015)

Os diferentes níveis de desenvolvimento das regiões brasileiras são frutos das

diferenças históricas e econômicas peculiares à cada uma delas. Essa configuração se

estende ao Estados, macro, meso e microrregiões que os compõe, apresentando polos de

crescimentos com diferentes níveis de desenvolvimento e de renda per capita.

Perroux (1960) apud Andrade (1987) explica como o crescimento econômico é

feito através de vários polos dispersos que se expandem através de canais “com efeitos

terminais variáveis sobre o conjunto da economia”. (PERROUX, 1960 apud

ANDRADE, 1987, p. 58). A exemplo podemos destacar a cidade de São Paulo/SP, que

se desenvolveu conforme o pensamento defendido por Perroux5. Essa descrição

apresenta o retrato das diversas fases de desenvolvimento das regiões brasileiras, a

níveis macro e microrregionais.

O desenvolvimento do Ceará acompanha a tendência nacional, com regiões

mais desenvolvidas as quais possuem distritos industriais e infraestrutura, enquanto que

outras possuem o mínimo necessário para manutenção dos níveis de sobrevivência da

população, quando não estão sendo assistidas por programas de transferência de renda.

Porém essas disparidades entre regiões são características do sistema capitalista

e da formação história das regiões. A formação dos polos nem sempre é igualitária para

todas as regiões próximas. Características como inovação, conhecimento, fluxo de

capitais e disponibilidade de mão de obra podem tanto prejudicar esse crescimento

como favorecê-lo. A relação criada entre essas regiões é o que pode consagrar o

desenvolvimento de um polo em detrimento de outro. Essas afirmações são confirmadas

à luz da teoria de Perroux quando, nas palavras de Andrade

[...] o pólo é o centro econômico dinâmico de uma região, de um país ou de

um continente, e que o seu crescimento se faz sentir sobre a região que o

cerca, de vez que ele cria fluxos da região para o centro e refluxos do centro

para a região. O desenvolvimento regional estará, assim, sempre ligado ao

seu pólo (ANDRADE, 1987, p. 59).

A Divisão Político-Administrativa do Estado do Ceará é composta atualmente

por 184 municípios. A regionalização atual dos municípios adotada pela Secretaria do

Planejamento e Gestão (SEPLAG) é composta por 8 macrorregiões de planejamento, 02

Regiões Metropolitanas e 18 microrregiões administrativas.

A distribuição escolhida para fins do estudo deste trabalho será a de

5 Andrade (1987) detalha bem o pensamento de Perroux desde a instalação da indústria motriz até o ponto de

crescimento através da vinda de novas indústrias para continuidade do crescimento.

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regionalização adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cuja

compreende 7 mesorregiões e 33 microrregiões geográficas, regiões estas formadas de

acordo com os aspectos físicos, geográficos e de estrutura produtiva. A partir dessa

distribuição escolhemos a região centro-sul cearense, a qual será mais detalhada nos

aspectos metodológicos.

Os dados da região selecionada mostram que, com os altos e baixos ocorridos

no setor agropecuário, o Ceará foi o Estado com resultado pluviométrico em 2014 mais

próximo do levantamento em 2013, sendo que neste ano, as chuvas foram mais

concentradas e desfavoreceram as outras regiões. Outro fato peculiar é que em 2014

essas mesmas chuvas foram mais dispersas, favorecendo o plantio de culturas temporais

(IPECE, 2015)

As bacias que atendem a região centro-sul (médio Jaguaribe) tiveram forte

queda do nível de capacidade de armazenamento, reduzindo em dois anos (2012-2014)

de 68% para 37% (IPECE, 2015)

A região Centro-Sul Cearense, em destaque pela cidade de Iguatu, exerce

polarização sobre as cidades circunvizinhas, fazendo com que sua economia seja

diferenciada, porém é mister apontar que junto com a região dos sertões cearenses ela é

consagrada como a mais pobre mesorregião do Ceará, corroborando de frutos de

insucesso nas políticas desassistidas e compelidas à população.

3 CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO CENTRO-SUL DO ESTADO DO CEARÁ

A Mesorregião Centro-Sul cearense é composta por 14 municípios os quais

serão listados a seguir: Antonina do Norte, Baixio, Cariús, Cedro, Icó, Iguatu,

Ipaumirim, Jucás, Lavras da Mangabeira, Orós, Quixelô, Tarrafas, Umari e Várzea

Alegre. O PIB total da região no ano de 2012 alcançou 2,16 bilhões de reais, o que

representa em termos percentuais 2,4% do Valor Adicionado (VA) Estadual que estava

pouco mais de 90 bilhões no mesmo ano e 0,05% do VA brasileiro também no mesmo

ano.

As famílias residentes em domicílios particulares possuíam um rendimento

nominal médio mensal no ano de 2000 de R$ 411,37 (quatrocentos e onze reais e trinta

e sete centavos).

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A principal atividade econômica no ano de 2012 em termos de PIB fora o setor

de serviços6, que tem uma representatividade de 81,21% do VA. Em segundo lugar

concorre a Indústria, representando cerca de 12,82% e em terceiro e último lugar

apresenta-se o setor agropecuário que se estabelece com algo em torno de 5,97% do VA

como mostra os dados da Tabela 1.

Tabela 1 – PIB da Região Centro-sul cearense no ano de 2012 e representação

percentual do valor total – em mil reais

Setor Valor Adicionado Percentual

Serviço R$ 1.604.472,00 81,21%

Indústria R$ 253.188,00 12,82%

Agropecuária R$ 118.025,00 5,97%

Total R$ 1.975.685,00 100,00% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE (2012).

A relevância do papel do setor de serviços se dá pela expressiva

representatividade que o comércio possui na atividade econômica na região. Pode ser

considerado o setor de maior dinamismo e significância para a mesorregião centro-sul

cearense como um todo.

Tabela 2 – Mesorregião Centro Sul Cearense: Evolução do número de empregos 2012-

2013. IBGE Subsetor 2012 2013 Variação

01-Extrativa Mineral 79 73 -7,59%

02-Prod. Mineral Não Metálico 537 516 -3,91%

03-Indústria Metalúrgica 287 350 21,95%

04-Indústria Mecânica 50 54 8,00%

05-Elétrico e Comunic 1 2 100,00%

06-Material de Transporte 39 25 -35,90%

07-Madeira e Mobiliário 978 1119 14,42%

08-Papel e Gráf 95 102 7,37%

09-Borracha, Fumo, Couros 112 119 6,25%

10-Indústria Química 93 154 65,59%

11-Indústria Têxtil 344 341 -0,87%

12-Indústria Calçados 1649 1523 -7,64%

13-Alimentos e Bebidas 289 311 7,61%

14-Serviço Utilidade Pública 157 191 21,66%

15-Construção Civil 557 422 -24,24%

16-Comércio Varejista 6051 6386 5,54%

17-Comércio Atacadista 532 590 10,90%

18-Instituição Financeira 282 281 -0,35%

19-Adm Técnica Profissional 542 548 1,11%

20-Transporte e Comunicações 305 384 25,90%

21-Aloj Comunic 978 1083 10,74%

22-Médicos Odontológicos Vet 409 654 59,90%

23-Ensino 758 946 24,80%

24-Administração Pública 12366 15899 28,57%

25-Agricultura 221 224 1,36%

Total 27711 32297 16,55% Fonte: Tabela de elaboração dos autores a partir de dados extraídos da RAIS/MTE

6 O PIB de Serviços aqui apresentado é o Valor Adicionado Bruto a preços correntes dos serviços, inclusive

administração, saúde e educação públicas e seguridade social (em Mil Reais).

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A Região também apresenta um índice de empregabilidade formal ínfimo na

agricultura e pecuária. Isso pode ser ocasionado principalmente pela falta de registros

oficiais de carteira assinada nas lavouras, e também pelo número de agricultores

familiares, cujos não são contabilizados pelo índice da RAIS. A Tabela 2 demonstra

como estava o emprego na Mesorregião Centro-Sul Cearense no ano de 2012 e a

variação ocorrida no ano de 2013 de acordo com o MTE.

O emprego total no Centro Sul Cearense do ano de 2013 representava para o

Estado cerca de 2,16%. A Agricultura, ainda com pequena representatividade, manteve-

se tecnicamente estável de 2012 para 2013. Alguns subsetores, apesar de crescerem bem

em termos percentuais, não tiveram um impacto significativo para a região, haja vista o

valor do ano anterior ter sido extremamente baixo, como é o caso do subsetor Elétrico e

de Comunicação, que aumentou apenas um registro, mas representou 100% de

crescimento7.

3 METODOLOGIA

Foram selecionados os Valores Adicionados (VA) agropecuários dos quatorze

municípios que compõem a Mesorregião Centro Sul Cearense, em comparação ao VA

mesorregional nos anos de 2002 e em seguida, no ano de 2012. Esses dados foram

extraídos do IBGE – SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática, o qual foram

selecionados o PIB total de cada um dos municípios a preços correntes e do setor

estudado para os respectivos anos de observação.

Nesse estudo, o cálculo do Índice de Concentração Normalizado (ICn) foi

aplicado, visando à identificação da participação da atividade agropecuária e identificar

o(s) município(s) com maior representatividade na economia no setor da referida

mesorregião. Para tanto, foi utilizado uma planilha do Excel para processar os cálculos:

na primeira coluna da planilha foram colocadas as cidades que compõem a

Mesorregião, e o somatório do Centro Sul. As colunas foram preenchidas com os dados

do PIB Valor Adicionado a preços correntes no ano de 2002 e 2012 por setor e o total.

Ao final de cada coluna tem-se o somatório, pois serão utilizados para os cálculos dos

índices Q.L. (Quociente Locacional), IHH (Índices de Hirschman-Herfindhal) e PR

(Índice de Participação Relativa). Nas colunas seguintes foram calculados os

indicadores QL, IHH e o PR, respectivamente e para cada setor, de acordo com as

7 É importante nesse tipo de investigação verificar também os valores absolutos para não incorrer em

falhas na avaliação de crescimento regional, não só contabilizando erros percentuais.

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Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 178

fórmulas definidas a seguir.

O cálculo do QL é dado da seguinte forma na equação (1):

Q

L =

VA iCC

/ VACC (1)

VAi CE /

VACE

Onde:

VA iCC – Valor Adicionado no setor “i” na cidade “CC” (centro-sul cearense);

VACC – Valor Adicionado total na cidade “CC”;

VAi CE – Valor Adicionado do setor “i” na região Centro-sul Cearense;

VACE – Valor Adicionado total no Centro-sul Cearense.

Na parte do numerador tem-se por dedução, a participação do setor

agropecuário na cidade em relação ao PIB total da mesma, enquanto que no

denominador verifica-se a representatividade percentual do setor agropecuário total da

mesorregião na composição do PIB. Monastério (2011) afirma que os valores de ICn

maiores do que 1, significam que mais especializada é essa região em relação ao setor.

Em contrário, os valores menores que um indicam que a região é importadora do bem

produzido naquele setor, pois o mesmo tem uma menor representação na região do que

no Estado.

Ele também sugere alguns cuidados na interpretação desse índice:

Se uma região possui uma tecnologia mais intensiva em trabalho do que

outras regiões, seu QL pode ser enganoso, sugerindo exportações que não

existem. Da mesma forma, caso exista uma diferença sensível no padrão de

demanda local, o QL também poderá ser maior do que 1, e a região ser uma

importadora do bem. Além disso, o QL é bastante sensível ao nível de análise

e ao grau de detalhamento setorial. Em níveis de agregação maiores, o

indicador tende a convergir para a unidade (MONASTÉRIO, 2011, p.318).

Neste trabalho optou-se por trabalhar com o Valor Adicionado, o reduz o risco

da análise distorcida acima apresentada.

O Quociente de Localização (QL) visa identificar neste estudo, quais os

subsetores econômicos que apresentam uma participação relativa superior à verificada

na média do Estado. Utilizando da metodologia de análise proposta por Crocco et. al.

(2003) e Monastério (2011), se o valor do QL for superior a 1, a Mesorregião Centro

Sul Cearense é, em termos relativos, significativamente especializada naquela atividade.

O QL foi calculado tendo-se como economia de referência o Estado do Ceará e a

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mesorregião em destaque, mais especificadamente. Mas a análise dos critérios do QL

deve ser utilizada, pois segundo Crocco et. al. (2003), um Quociente Locacional maior

que um (QL>1) indicaria apenas certa diferenciação produtiva da atividade; este

conceito se aplica possivelmente por conta da dissimetria existente entre as atividades

da região e ainda da alta representatividade que uma firma pode representar em um

município. É bastante importante não realizar afirmações concretas acerca do resultado

do QL, sem antes mensurá-lo a outros índices que podem desvirtuar o resultado e

incorrer em uma análise parcial.

Já para calcular o IHH, foi utilizada a seguinte fórmula da equação (2):

Para McCann (2001) apud Monastério (2011)

O IHH indica o quanto um setor está concentrado espacialmente. Ele se

assemelha ao coeficiente de localização8, mas os afastamentos das regiões em

relação à estrutura produtiva do país são elevados ao quadrado. Dessa forma,

o IHH, que varia entre 0 e 2, é mais sensível a tais afastamentos do que o CL.

O resultado positivo deste índice indica que o município estará concentrando a

produção do setor em análise e por isso ele terá maior poder de atração econômica

devido ao seu nível de especialização. No trabalho de Crocco et. al. (2003) este índice é

utilizado sem elevação ao quadrado, mas no presente trabalho acredita-se que a

elevação ao quadrado capta a maior sensibilidade ao afastamento entre as regiões como

explica McCann (2001) apud Monasterio (2011) e por isso este fora preterido àquele.

Outro motivo à predileção é que a matriz determinante quando o IHH não é elevado ao

quadrado apresenta um valor nulo (zero).

O PR destaca o quão o setor da cidade estudada tem em relação a região

centro-sul. Este índice tem variação entre zero e um, onde quanto mais próximo de um,

maior a representatividade da atividade na mesorregião. É adquirido através da equação

(3).

PR = (

8 O CL (coeficiente de localização) é um índice que mensura o quanto um setor está concentrado

espacialmente (quanto mais próximo de 1). Para monastério (2011) o IHH tem uma maior precisão em

relação ao CL. Grifo nosso.

(2)

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VA iCC / VACE 3)

Os indicadores acima relacionados são capazes de apresentar os dados

necessários para a elaboração de um único indicador de concentração do subsetor de

atividade econômica, o Índice de Concentração normalizado (ICn).

Crocco et. al. (2003) destaca que

Haja vista que cada um dos três índices utilizados como insumos do ICn

podem ter distinta capacidade de representar as forças aglomerativas,

principalmente quando se leva em conta os diversos setores industriais da

economia, faz-se necessário calcular pesos específicos de cada um dos

insumos em cada um dos setores produtivos. (CROCCO et. al. 2004, p.6).

A metodologia utilizada por Crocco et. al. (2003) propõe uma combinação

linear dos três índices, separada para cada subsetor da região estudada, que segue na

equação (4):

ICnij = θ1 QLni

j + θ2 PRnij + θ3 HHni

j (

4)

Os θ são os pesos de cada um dos indicadores para cada índice correspondente.

Este índice visa corrigir algumas falhas de análise que por ventura os demais índices em

separado possam demonstrar (CROCCO et. al., 2003, p. 7). Eles serão extraídos a partir

de análise multivariada de ACP.

Onde θ1 representa o peso de QL, θ2 representa o peso de IHH e θ3 representa o

peso de PR. Os valores encontrados são substituídos no cálculo do ICn para cada um

dos setores, identificando assim, qual deles possui uma maior especialização entre os

demais na região estudada.

A análise multivariada é uma análise estatística que trabalha com medidas -

atributos - múltiplas de uma ou mais amostras de indivíduos, tomados

genericamente como um sistema único de medidas, i.e., consideram a

interligação geral de variáveis aleatórias simultaneamente (SIMÕES, 2005, p.

16).

A utilização desse método (ACP) visa “reduzir o número de variáveis

(atributos) explicativas de um conjunto de indivíduos a um pequeno número de índices,

chamado componentes principais (pois por construção k < p), com a característica de

serem não correlacionados” (SIMÕES, 2005).

Outra técnica que foi utilizada na sistematização e análise dos dados deste

trabalho foi a análise fatorial.

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A chamada Análise Fatorial é outro método multivariado clássico, análogo à

de componentes principais, mas um instrumento mais genérico que permite

“(...) a rotação dos eixos (fatores) que sintetizam as informações contidas na

matriz de dados, cuja finalidade é a de facilitar a interpretação analítica dos

mesmos, como também o estabelecimento de eixos não-ortogonais que

representam o mútuo relacionamento entre fatores que são interdependentes”

(HADDAD et. al.., 1989:482). A análise fatorial é utilizada para descobrir

padrões relativos a um conjunto de dados, sendo a rotação de cada vetor

(variável) sobre os fatores, as cargas fatoriais (SIMÕES, 2005, p. 17).

Se tomarmos como base o QL isolado, numa cidade cuja sua PR não seja

significante em relação ao país, tende-se a acreditar numa especialização inexistente,

cujo aumento do índice se deu em detrimento de uma única fábrica numa cidade de

pequeno porte, por exemplo.

Assim, o uso do ICn da forma como está sendo proposta pode ponderar tais

distorções (CROCCO et. al., 2003, p. 7).

A proposta de Crocco et. al (2003) é que seja realizado o cálculo dos pesos

através da análise de componentes principais ACP. Utilizando-se os resultados da

representatividade de cada indicador no índice, toma-se como base a matriz de

Variância Total Explicada (gerada através do SPSS versão 2.0), e a Matriz de

Correlação, (que se usa os módulos da mesma), criando uma nova matriz com os auto-

vetores recalculados de acordo com o proposto por Crocco et. al. (2003).

Sendo a soma dos pesos = 1, substitui-se o valor de cada um dos pesos na

equação 4 multiplicando pelos indicadores já normalizados obtém-se o resultado final

do índice.

Antes porém da efetiva substituição dos respectivos pesos encontrados, foi

realizada a normalização dos indicadores, para que não haja interferência da

significância de um ou outro dado da amostra, relativando-os e deixando-os com a

mesma carga de importância na construção e análise do índice. Essa normalização se

deu através do cálculo do desvio padrão e da média de cada indicador em cada setor.

Ela é feita subtraindo-se do valor do indicador a média e o resultado é dividido pelo

desvio padrão. Os valores em negativo representam os setores que ficaram abaixo da

média estadual.

O cálculo da normalização é dado pela formula:

In = (Ii – IMédia) / IDesvio_padrão (5)

Onde

In = Indicador normalizado

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Ii = Valor do Indicador no setor correspondente

IMédia = Média do Indicador

IDesvio_padrão = Desvio Padrão do Indicador

4 RESULTADOS

Depois de encontrados os índices normalizados de QLn, IHHn, e PRn, pode-se

substituir os valores encontrados juntamente com os valores atribuídos dos pesos, na

fórmula do ICn (Equação 4) para cada um dos municípios estudados. De acordo com os

resultados obitdos pode-se observar com clareza a estrutura de

Tabela 3 – Evolução dos Índices agropecuários no Centro Sul cearense nos anos

de 2002 e 2012

Cidades 2002 2012

QL HH PR CN L HH R CN

Antonina

do Norte 0,58955 -0,00600 0,00129 -0,84931 0,76201 0,00001 0,00063 -0,83452

Baixio 1,84255 0,01141 0,00373 -0,00274 2,56643 0,00040 0,00178 0,25395

Cariús 1,16845 0,00583 0,00605 -0,33461 1,30771 0,00010 0,00235 -0,35008

Cedro 0,97352 -0,00140 0,00794 -0,38811 1,33912 0,00034 0,00396 -0,14285

Icó 0,94593 -0,00740 0,01930 -0,00312 1,14437 0,00045 0,00918 0,35346

Iguatu 0,66889 -0,12750 0,03852 1,73285 0,48010 0,04493 0,01069 1,46072

Ipaumirim 1,06655 0,00185 0,00444 -0,45438 1,39670 0,00011 0,00198 -0,34506

Jucás 0,90451 -0,00470 0,00671 -0,47099 1,09592 0,00002 0,00299 -0,39040

Lavras da

Mangabeira 1,59841 0,04208 0,01681 0,43232 1,65824 0,00166 0,00561 0,25012

Orós 1,00162 0,00010 0,00912 -0,32993 1,58728 0,00101 0,00468 0,08876

Quixelô 2,57011 0,07129 0,01745 1,29076 2,53123 0,00167 0,00369 0,49043

Tarrafas 1,64215 0,01060 0,00405 -0,11336 1,23444 0,00001 0,00110 -0,53304

Umari 1,54529 0,00858 0,00364 -0,18925 2,11806 0,00025 0,00163 -0,00305

Várzea

Alegre 0,93759 -0,00470 0,01046 -0,32015 0,97530 0,00000 0,00435 -0,29842

Fonte: Elaboração própria com base nos dados extraídos do SPSS Versão 20.

No ano de 2002, as cidades de Antonina, Cedro, Icó, Iguatu, Jucás e Várzea

Alegre não podem ser consideradas especializadas no setor agrícola de acordo com seus

índices de QL serem inferiores a 1. Baixio, Cariús, Ipaumirim, Lavras da Mangabeira,

Orós, Quixelô, Tarrafas e Umari de acordo com Crocco et. al. (.2003) seriam

classificadas como especializadas, destacando-se dentre elas, Quixelô com um índice de

2,57.

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Já quando partimos para a análise de concentração da atividade no mesmo ano,

seriam Baixio, Cariús, Ipaumirim, Lavras da Mangabeira, Orós, Quixelô, Tarrafas e

Umari consideradas com maior poder de atração econômica devido exatamente sua

especialização. Ou seja, o IHH confirma a concentração devido o nível de

especialização dessas cidades.

A cidade de maior participação relativa na região centro-sul cearense é a cidade

de Iguatu com PR de 0,03872. Em último lugar se situa a cidade de Antonina do Norte

com PR de 0,00129.

Quando partimos para análise do ano de 2012, vemos que as cidades de

Antonina do Norte, Iguatu e Várzea Alegre continuam sem especialização, inclusive

com queda no índice para a cidade de Iguatu, enquanto que Cedro, Icó e Jucás passaram

para um novo patamar, o de especialização na atividade agrícola. As demais cidades

consideradas especializadas em 2002 mantiveram-se no mesmo status, com algumas

diferenças a saber: a) As cidades de Baixio, Cariús, Ipaumirim, Lavras, Orós, e Umari

tiveram seus índices de QL aumentados, demonstrando uma melhora na especialização

da atividade agrícola; b) As cidades de Quixelô e Tarrafas apesar de ainda serem

consideradas especializadas, tiveram decrescimento de seus índices, reduzidos

respectivamente de 2,57 para 2,53 e 1,64 para 1,23, o que demonstra queda na

especialização da atividade agrícola.

O IHH apresenta no ano de 2012 a concentração da produção do setor agrícola

das cidades consideradas especializadas pelo índice de QL: Baixio, Cariús, Cedro, Icó,

Ipaumirim, Jucás, Lavras, Orós, Quixelô, Tarrafas e Umari.

A cidade de maior participação relativa no ano de 2012 continuou sendo Iguatu

apesar da redução do índice para 0,01069. Assim como também a cidade com menor PR

continuou sendo a cidade de Antonina do Norte com índice também inferior ao de 2002

de 0,00063.

Quando se faz a análise do ICn, percebe-se que, apesar das informações

colhidas a partir dos índices de QL, IHH e PR, no ano de 2002, as cidades que

representam aglomerações produtivas agropecuárias são Iguatu e Quixelô, com

respectivamente, 1,79 e 1,33, podendo ser cenários para políticas de melhorias do

quadro de desenvolvimento agrário da região. Isso demonstra que a proximidade entre

as duas cidades pode proporcionar um desenvolvimento mútuo, alicerçado nas

contribuições de tecnologia e conhecimento. Em 2012 esse quadro se altera,

apresentando as cidades de Baixio, Icó, Lavras da Mangabeira e Orós com tendência a

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concentração da atividade, servindo de base para melhorias no setor agropecuário.

Apenas Iguatu se manteve com ICn acima de 1, (1,46). Quixelô teve queda no índice

para 0,49.

Para Rodrigues et. al (2009) isso é explicado em parte porque

Esta interação derivada da proximidade geográfica permite o surgimento de

atividades subsidiárias e formação de redes fornecedoras de bens e serviços,

possibilitando, assim, geração de conhecimento por meio das relações entre

fornecedores e agentes (CAMPOS e PAULA, 2008). Contudo, é possível

verificar que a proximidade geográfica proporciona o aparecimento de

externalidades, pecuniárias e tecnológicas, destacando-se em mercados

especializados; a existência de linkages, entre produtos, fornecedores e

usuários; e a existência de spillovers tecnológicos (CROCCO et. al., 2003)

apud (RODRIGUES, 2009, Grifo do autor).

Crocco et. al. (2003) explica a importância de se analisar os resultados a partir

do ICN em comparativo às outras metodologias já existentes. Em um quadro exemplo,

eles mostram as diferenças de dados de localidades hipotéticas no quesito QL e IC. De

acordo com a apreciação, analisar a partir e somente do QL, pode levar a sérias

distorções de política e o uso do ICn como proposto em seu trabalho, pode corrigir tais

distorções, como fora o caso deste estudo, pois mesmo que haja pouca especialização, a

Cidade de Iguatu possui no ano de 2012 a maior participação relativa na região, o que

confirma a teoria de Crocco et. al. (2003).

Em se tratado de concentração, as cidades que apresentaram em 2012 ICn

positivo foram, em ordem decrescente: Iguatu (1,46), Quixelô (0,49), Icó, 0,35), Baixio

e Lavras da Mangabeira (0,25 cada) e Orós (0,08). Esses resultados são pouco

representativos, o que sinaliza que os setores públicos e privados precisam vislumbrar

políticas de planejamento que auxiliem no desenvolvimento dessa atividade na região,

para que assim, se tornem mais híbridas as opções de captação de recursos e formação

do PIB, sem que haja dependência exclusiva de outros setores. Isso pode garantir

sustentabilidade no desenvolvimento regional, a diversificação das atividades

econômicas, para amortecer os impactos que um ou outro setor chefe pode vir a sofrer

emanado de crises estruturais.

Essa queda na produção é sentida também no PIB agropecuário de algumas das

cidades que compõem ao centro-sul cearense como mostra a tabela 4.

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Tabela 4 - Variação do PIB agropecuário do Centro Sul Cearense no decênio

2002-2012

Cidades 2002 2012 Variação

Antonina do Norte 912 1356 48,68%

Baixio 2644 3847 45,50%

Cariús 4285 5069 18,30%

Cedro 5626 8559 52,13%

Icó 13679 19849 45,11%

Iguatu 27297 23102 -15,37%

Ipaumirim 3148 4277 35,86%

Jucás 4757 6454 35,67%

Lavras da Mangabeira 11909 12115 1,73%

Orós 6465 10118 56,50%

Quixelô 12364 7983 -35,43%

Tarrafas 2873 2375 -17,33%

Umari 2576 3513 36,37%

Várzea Alegre 7410 9409 26,98%

TOTAL 105945 118026 11,40% Fonte: Elaboração dos autores com dados extraídos do SIDRA/IBGE

A especialização no setor Agropecuário na cidade de Iguatu é explicada pela

produção agrícola de algodão herbáceo, e arbóreo, banana, feijão, milho e arroz e

pecuária de na criação de bovinos, suínos e aves. Só no ano de 2012, gerou um PIB

Agropecuário de R$ 23.102,00

Iguatu caracteriza-se por um PIB per capita de R$ 8978,46 em 2012, uma

população residente de 71,36% alfabetizados, estimativa de população em 100.733 para

2014 e no último censo de 2010 foram registrados 96.495 habitantes. A cidade ocupa

também a 12ª. colocação no Estado de produção de VA.

Houve um crescimento significativo no IDHM de Iguatu nos últimos vinte

anos, como mostra o gráfico 1.

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Gráfico 1 - Evolução do IDMH do Município de Iguatu no período 1991-2010

Gráfico de elaboração dos autores.

Fonte: IBGE cidades (2015)

Observa-se a partir dos dados apresentados que a cidade de Iguatu tem papel

significativo na atividade agropecuária na região centro-sul do Estado do Ceará.

“Exerce papel de centro regional de comércio e serviços, oferecendo apoio para mais de

10 municípios da região onde se localiza” (PREFEITURA, [201-?]). Seria possível

deduzir que Iguatu funciona para a região centro-sul como um polo de crescimento

segundo a definição de Perroux. É possível ainda sugerir que a iniciativa privada

juntamente aos planejadores regionais e o Estado, desenvolvam projetos onde se

priorizem políticas desenvolvimentistas, criando possibilidades regionais que

transformem a realidade local, principalmente no setor agropecuário, pois de acordo

com o apresentado, vem mostrando decréscimo no decênio 2002-2012.

Porém ainda resta muito a ser feito. A cidade não tem se quer sistema de

transporte público, sendo dependente dos serviços de transporte autônomos “moto-

taxis” ou taxis para locomoção de curta e média distância dentro da própria cidade. Há

um alicerce que ainda nem foi construído para dar sustentabilidade aos futuros projetos

da cidade, porém já se identifica através dos dados apresentados de especialização, que

ela se destaca das demais cidades e pode ter um papel fundamental no planejamento

regional, auxiliando o crescimento da região voltado para o desenvolvimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O quadro apresentado acerca da região centro sul cearense nos anos de 2002 e

2012 demonstra vaga especialização no setor agrícola. Pode esse fato estar relacionado

a transferência de especialização para outros setores, principalmente o de serviços que

nos últimos anos vem apresentando um desempenho significativo na região. É mister

apresentar também, o papel da cidade de Iguatu como fomentadora de desenvolvimento

regional, por ser o pilar para construção de novas zonas de desenvolvimento a partir dos

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suprimentos advindos dela.

Não podemos esquecer também, que a aproximação entre as cidades tornou

possível o desenvolvimento de estradas para escoamento da produção, a troca de

informações e conhecimentos, gerando assim inovação tecnológica para os municípios

dependentes. Desta forma, atrelar a produção a um setor pouco rentável como o agrícola

pode não ser uma alternativa elegível por empresários aguçados pelo lucro.

É fato que a atividade poderia ter uma representatividade bem superior devido

as grandes áreas desocupadas e algum grau de especialização demonstrado pelas

cidades. O poder de atração da atividade agrícola pode contribuir para a miscigenação

das atividades econômicas, retirando o peso de um único setor em manter produtivo o

negócio local. A atividade agrícola na região é realizada em grande parte por pequenos

agricultores e agricultores familiares o que pode contribuir com a redução da

especialização a partir da migração do homem do campo para a cidade.

Em parte, a desconcentração e a redução da especialização agrícola pode estar

atrelada ao melhoramento das condições de acesso ao ensino superior, com os

programas nacionais de estudos como PROUNI, FIES, que forneceram o aparato para

os filhos do homem do campo pudessem cursar universidades nas mais distintas áreas

como Direito e Medicina, afastando-o da produção local e dando descontinuidade ao

processo produtivo campestre.

As políticas de atendimento e manutenção do homem no campo precisam ter

caráter muito mais abrangente que o simples assistencialismo. Precisam além do

suporte, fornecer ferramentas que possam auxiliar no crescimento próprio, no

desenvolvimento a partir do aumento e da disseminação do conhecimento e da inovação

dentro da região atendida, a partir da troca de experiências físicas, empíricas, culturais e

sociais. Os investimentos financeiros precisam estar pautados em retornos de longo

prazo, para não emperrar o processo evolutivo do setor agrícola, além de serem

estudados como quaisquer outros projetos envolvendo outras áreas de atividade

econômica como indústria e serviço.

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aplicado ao planejamento. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2005. 31p. (Texto para

discussão ; 259)

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ASSENTAMENTOS RURAIS: MÃOS QUE ALIMENTAM1

Iolanda Pereira da Silva2

Resumo

Este estudo propõe analisar a organização social e produtiva do assentamento Umari

Casa Forte, no município de Beberibe – CE, na perspectiva da Questão Agrária. Segue

como objetivos: identificar os fatores determinantes no processo de organização social

dos projetos de assentamentos rurais na perspectiva da política de reforma agrária;

conhecer as ações estatais propostas e efetivadas que visem seu desenvolvimento

sustentável, voltados à organização produtiva; e interpretar os significados atribuídos

pelos agricultores acerca da condição de trabalhador assentado. O estudo qualitativo de

abordagem etnográfica privilegia as narrativas dos trabalhadores assentados, cujo

percurso metodológico foi percorrido em três principais momentos: pesquisa

bibliográfica, documental e trabalho de campo, que se efetivou entre os anos de 2013 a

2014, com contatos informais e entrevistas, além da observação que percorreu todo o

caminho da pesquisa. As narrativas reconstruíram o processo da organização social dos

trabalhadores na trajetória de luta pelo acesso a terra, apontando os principais desafios

enfrentados no decorrer dessas duas décadas do processo de consolidação do

assentamento, dentre os quais, enfatizam as fragilidades da organização social e a

individualização no processo de organização produtiva.

Palavras-chave: Assentamentos rurais, Organização social e produtiva,

Individualização.

1 Introdução

Mãos que produzem seu próprio alimento, o que lhes permite se reconhecer no

produto de seu trabalho, algo impensável na sociedade do capital. Entretanto

comumente realizado por milhares de trabalhadores assentados que nas últimas três

décadas conquistaram, ao custo de muitas vidas e da luta intransigente contra o poder do

latifúndio, o bem que lhe é mais importante: a terra. Que muitos chamam de “Mãe

Terra”, compreensível interpretação, dado o significado do amor materno em nossas

vidas.

Trabalhadores que por suas mãos brocaram a mata fechada que dera lugar à

estrada, ainda de chão batido, onde hoje passa o lento cavalgar da carroça aos primeiros

raios de sol. Uma história de luta e resistência que por suas mãos, fizeram cedo o 1 Este artigo é parte de minha monografia apresentada para obtenção do grau de bacharel em Serviço Social, na

Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza, no ano de 2014, sob orientação da Professora Dra. Evânia Maria

Oliveira Severiano.

2 Assistente Social graduada em Serviço Social pela Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – FAMETRO

(20014), discente do curso de especialização em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais da Universidade

Estadual do Ceará – UECE.

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primeiro roçado de onde extraíram os primeiros frutos da “terra de leite e mel”3, antes

pequena nas mãos de um, hoje imensa nas mãos de muitos.

Apresentamos nesse estudo, a trajetória de luta dos trabalhadores do

Assentamento Umari Casa Forte pelo direito a terra e as analises de sua organização

social e produtiva, enfatizando os principais desafios e possibilidades identificados

pelos trabalhadores no decorrer de sua consolidação.

O assentamento Umari Casa Forte, que é alvo de nossa investigação está

localizado no município de Beberibe-CE. Segundo informações do Instituto de

Colonização e Reforma Agrária – INCRA4, o assentamento possui área territorial de

1.602 hectares, onde estão assentadas 70 famílias tendo capacidade para receber 75

famílias. A conquista da terra no território investigado percorre um decurso temporal de

pouco mais que duas décadas.

A abordagem etnográfica nos permitiu interagir com os sujeitos, a partir de

uma observação densa, focada na fala e na interpretação dos sujeitos participantes da

pesquisa, nos revelando significativas descobertas a partir da exploração e observação

do cotidiano dos trabalhadores (LAPLANTINE, 2003).

As narrativas foram registradas com nomes fictícios e revelam a trajetória de

significados dessa conquista que não se encerram com a posse da terra, considerando os

desafios que os trabalhadores ainda encontram para se manterem no território

conquistado. A tessitura entre as narrativas e as análises aponta para os possíveis

caminhos de superação desses desafios, os quais representam atualmente para os

trabalhadores, o caminho de volta aos tempos de acampamento, onde havia um interesse

comum: a conquista da terra.

2 De acampados a assentados: a trajetória da luta pela terra no Assentamento

Umari Casa Forte.

A fazenda “Umari Casa Forte” era conhecida dos muitos trabalhadores que

moravam em suas adjacências, na comunidade de Surubim. Ali, alguns agricultores

sem-terra viviam a prestar serviços ao administrador da fazenda, caçavam na mata

fechada e pescavam na lagoa construída pela mão engenhosa da natureza. Também

3 Expressão usada pelos trabalhadores em referência à passagem bíblica (Num 14:8) sobre a Terra Prometida.

4 Disponível em: www.incra.gov.br, acesso em 15/11/2014.

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prestavam serviços aos proprietários de terra da região e alguns plantavam nas terras de

familiares.

O despertar para a luta por uma terra onde pudessem trabalhar e viver, foi

revelado nos encontros missionários da Igreja, por meio das Comunidades Eclesiais de

Base – CEBs, que aquela época, atuava na comunidade de Surubim, berço da

organização social dos trabalhadores e onde moravam os que posteriormente vieram a

formar o Assentamento Umari Casa Forte. As missões religiosas, encapadas pela

Comissão Pastoral da Terra – CPT foram fundamentais para o processo de

conscientização e organização da luta dos trabalhadores, despertando para o direito do

acesso a terra e relevante participação nas vivencias do acampamento.

O processo de redemocratização do país e o fortalecimento dos movimentos

sociais que atuam em defesa da reforma agrária, também foram significativos nesse

processo que culminou com a notícia de ser possível conquistar a “Fazenda Umari Casa

forte”, considerada improdutiva, portanto passível de desapropriação para fins sociais.

Uma novidade para aqueles que pouco ouvira falar de reforma agrária, tampouco de

desapropriação e ocupação.

Segundo o INCRA, o fator determinante na implementação de um projeto de

assentamento é a demanda social, apresentada a partir da organização dos trabalhadores.

Porém, a viabilidade do projeto é determinada pela realização de um estudo técnico que

ao constatar ser a área improdutiva5, determina a desapropriação. Atendendo a esses

dois determinantes, coube aos trabalhadores organizar a ocupação.

2.1 A história, o tempo é quem conta...

Em caminhada pelas veredas da mata fechada, caminharam os trabalhadores

em busca da terra sonhada. Uma jornada de resistência, insistência e sonhos que

transformou para sempre a vida daquelas famílias. Apoiadas em narrativas que nos

abriram as portas para compreender a realidade dos sujeitos personagens dessa história,

construída sob o signo da resistência, enveredamos por caminhos que nos falam da

construção sócio-histórica do Assentamento Umari Casa Forte.

Nossa caminhada começa numa tarde tranquila que faz lembrar o cotidiano da

vida no campo, onde por vezes, o tempo passa arrastado, sem pressa, animado pelas

5 O termo “improdutivo” é utilizado nos estudos técnicos como indicativo de improdutividade por parte do

proprietário, não se confunde com a inviabilidade econômica da área a ser desapropriada. (grifos nossos)

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conversas na calçada ao pôr do sol e o silêncio de noites claras, sob a serenidade de um

olhar enluarado.

Nessa etapa da pesquisa de campo que compreende o segundo semestre do ano

de 2014, visitamos o assentamento de forma alternada, em viagens de fins de semana

para minha casa na zona rural de Beberibe, localizada muito próxima do assentamento.

Realizamos as visitas sempre no período da tarde em virtude da disponibilidade dos

trabalhadores.

A primeira visita era com o coordenador do assentamento, enquanto

esperávamos fomos visitar a casa de farinha, onde alguns trabalhadores e trabalhadoras

se dividiam na tarefa de preparar a mandioca para o processo de produção da farinha.

As mulheres conversavam animadas em volta do pequeno monte de mandioca que era

raspada com precisão e rapidez. Os homens trabalhavam no processo de serragem e no

cozimento da massa. Não conseguíamos escutar o que falavam, havia um aparelho de

som em volume elevado que tocava uma música animada, assim como os trabalhadores.

Não nos fugiu observar as condições precárias daquele equipamento,

importante mecanismo de produção, que não acompanhou as necessárias

transformações com vistas à melhoria nos processos produtivos e qualidade do produto.

Conversamos sem propósito com uma ou duas pessoas e fomos embora, ao tempo que

observamos a chegada de uma nova carroçada de mandioca.

Nossa primeira entrevista foi com uma trabalhadora que narrou o começo

daquela jornada das famílias em busca da terra, onde pudessem viver do plantio e do

criar, sem as amarras e a exploração do seu trabalho. Ali, onde décadas passadas, fora

construído o acampamento, encontramos uma senhora simpática, de voz mansa e olhar

tranquilo que nos recebeu na alegria de uma velha amiga.

Do alpendre da casa, localizada longe da vila em um ponto alto do

assentamento, podíamos observar ao longe o leito seco da imensa lagoa, que já não

escondia o solo esvaziado pelo longo período de estiagem que castiga a região. Segundo

a narradora, ali antes abrigava a casa sede da Fazenda. A casa grande, que por sua

majestosa imponência deu nome a Fazenda mantido após a desapropriação, foi utilizada

como escola por um determinado período, sendo depois demolida e seu material

utilizado na construção de um estábulo e um galpão.

Nossa conversa se desenvolveu naturalmente e eu, encantada com seu relato,

esqueci por alguns instantes minha condição de pesquisadora. Suas falas tomavam

formas no meu pensamento que vagava distante, a construir cenas que se encaixavam

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naquele falar simples, mas, envolto numa riqueza de detalhes de quem viveu

intensamente aqueles momentos que lhe marcaram a vida.

Chamados a se reuniram na sede da mini-indústria na comunidade de Surubim,

um grupo de trabalhadores sem-terra ficaram animados com a ideia de possuírem terras

para plantar e dela prover seu sustento. Os trabalhadores perceberam que a ocupação era

necessária para pressionar o processo de desapropriação. Em meio à resistência do

administrador, depois de alguns encontros de mobilização, seguiram em marcha para

ocupar a fazenda, naquele fim de tarde em meados de 1991. Diolinda recorre as suas

lembranças para nos contar como foi esse momento.

Diolinda: [...] ai perguntaram se nós queria vim pra cá [...] nós fomos lá pra

mini-indústria. Na mini-indústria perguntaram quem era que estava disposto

a vim pra cá né. [...] Aqui era tudo mato. [...] eu queria vim, meu sonho era

pra mim vim pra cá sabe. Quando foi no outro dia vieram, 23 de junho de 91.

[...] Ai quando chegaram aqui era uma animação ai nesses cajueiro, que

chama até os cajueiro da barraca.

As visitas se seguiram e as narrativas aos poucos revelavam mais detalhes

daqueles dias que anteciparam a chegada ao acampamento. Encontramos-nos com um

senhor grisalho, de sorriso tímido, que cumprimentei com um afetuoso aperto de mão e

um sorriso saudoso. Próprio daqueles que vivenciaram as experiências do

acampamento, ele narra fatos que mais uma vez se movem na minha imaginação.

Antônio Conselheiro: Foi assim: antes nós fizemos umas duas ou três

reunião, ai procuramos gente de coragem pra enfrentar. Nós fizemos uma

reunião dois dias antes e quando foi tal hora, nós fomos se juntar no Surubim,

se juntemos lá e saímos. Saímos com as panela, saco nas costas, o pote... ai

fizemos uma caminhada. Era bonito nas varedas... um atrás do outro. Quando

chegou lá nós encontremos uma área que tinha uns cajueiro grande, fizemos

um limpo logo, chegamos lá encostemos as coisas, instalemos as coisa assim

no chão. Nós saímos aqui do Surubim umas três e meia da tarde pra quatro e

cheguemos lá quase de noite. De noite logo nós num dormimos não, nenhum

tico, ficamos numa reunião até tarde da noite. Ai de manhazinha já foi uma

equipe pro INCRA e ficou os outros fazendo as barracas, nós ficamos

fazendo as nossa e dos que foram.

Aquela “gente de coragem” passou meses acampada. Um período de muitas

privações. A luta pela terra era também uma luta pela sobrevivência no meio daquela

imensidão da mata que os abrigava silenciosa. Os primeiros meses de acampamento

foram desafiadores, pondo à prova a resistência dos trabalhadores que não desanimaram

e encontraram nas dificuldades a força para seguir lutando. Tinham água do cacimbão,

mais a comida era escassa. Alguns trabalhadores saiam pelas comunidades vizinhas em

busca de doações, contavam com a solidariedade muito peculiar aos camponeses.

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Entretanto, como expressa a narrativa abaixo, os trabalhadores não esperaram somente

pelas doações, sem cruzar os braços logo encontraram um caminho que lhes mostrou o

horizonte de possibilidades nas veredas daquela mata fechada, que agora se abria para

abrigá-los.

Antônio Conselheiro: Enquanto tinha uma equipe que estava trabalhando

junto aos órgãos, os acampados que ficavam tava trabalhando pra tirar o

sustento, até também pra colaborar com os que tava na luta nos órgãos,

porque tem que ter esse elo né. [...] Tinha as dificuldades do acesso, tinha

dificuldade porque aqui era uma área que num existia nada de produção, num

tinha cercado, num tinha nada só mata. Ai o pessoal que tava lá escapava do

peixe e da caça igual a índio. [...] A nossa felicidade que resistiu o pessoal

aqui sabe o que foi? Foi descoberto uma água doce.

Os dias de acampamentos marcaram um período de desafios para os

trabalhadores, assim como de aprendizado e fortalecimento da luta. Segundo narram os

trabalhadores, as vivências do acampamento fortaleceram os vínculos de união e

amizade entre eles.

Antonio Conselheiro: No começo dessa luta havia união, que eu estranho

muito até hoje a gente não conseguiu a união que tinha quando tava tudo

junto nas barracas. O que acontecia que se no final da tarde a gente fazia uma

reunião e perguntava se tinha alguém que tivesse alguma coisa pra jantar,

aquele que tinha um pouquinho dividia com outro, isso era muito bonito. Ai

eles falavam que era uma terra abençoada que tinha leite e mel né. E ai a

gente nesse tempo era tão feliz... á noite a gente se reunia, cantava, brincava

parecia criança. A gente tinha uma coisa assim... sem nenhuma maldade só

com aquela vontade de vencer né, de ganhar a terra e com isso as coisa foram

acontecendo e até que chegou o dia de chegar a desapropriação.

Entretanto, os desafios fora vencido pela união dos trabalhadores que não se

intimidaram e seguiram firmes no propósito de sua luta pela conquista daquele

território, que alguns chamavam de “terra de leite e mel”. Antônio relembra da agonia e

a alegria daquele MOMENTO marcante em sua vida.

Antônio Conselheiro: Foi um momento muito feliz que a gente passou.

Nesse dia por pouco a gente num perdeu a posse da terra, porque o homem

chegou atrasado e ela só pode ser até seis hora. O homem chegou cinco

horas, chegou apressado porque depois de seis hora num podia dar a posse

não. Ai a gente tudo ansioso esperando - nós vamos perder, vamos perder - ai

quando o homem chegou foi uma alegria.

Os trabalhadores não estavam sozinhos, encontraram forte aliado no

movimento sindical dos trabalhadores rurais e da CPT. A parceria desses organismos foi

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fundamental na organização e mobilização dos trabalhadores, especificamente nas

articulações com o INCRA. A constante presença dos representes do sindicato e da CPT

no acampamento, que por vezes passavam dias acampados junto com os trabalhadores,

representava a confiança necessária para o fortalecimento da luta pelo acesso aquele

pedaço de chão. Constatamos a participação desses agentes nas narrativas que se

seguem, marcadas pela expressão dos significados que a luta dos trabalhadores lhes

proporcionou.

Chico Mendes: Naquele período a fome era um problema muito gritante,

você fazia tudo à base do que você tinha. Mais foi um aprendizado muito

bom para que se concretize hoje o número de famílias assentadas em

Beberibe. Então foi um aprendizado muito forte que me fez conhecer os

sentidos das lutas dos trabalhadores e o sentido da participação da gestão

sindical na luta dos trabalhadores, que era de adquirir terra pra poder produzir

e tirar pelo menos seu sustento. [...] Quando eu me lembro daquela luta ali...

eu choro... porque ali era uma pobreza muito grande, num tinha água lá, a

gente ficava debaixo das cabanas feita de cipó que a gente fazia. Os colegas

saiam de noite caçando a gente comia, pegava o peixe lá num buraco do

açude já secando. Era um sacrifício, mais sabe uma união tão grande que

ainda hoje quando a gente fala numa reunião a gente chora... a gente se

emociona porque não é questão de você pegar o bocado feito, é questão de

você lutar pra conquistar aquele objetivo.

Dorothy: Quando chegamos ao acampamento, comemos peixe torrado com

farinha, uns “carazinhos” que ainda nem tinham crescido. Chovia muito

naquela noite, tinha uma goteira bem no meio da minha rede. Levantei,

desarmei a rede e fiquei num cantinho esperando a chuva passar. Aquela luta,

foi uma luta linda, me emociono ainda hoje quando lembro.

Cabe ressaltar a importante participação da CPT, posteriormente no processo

de organização social do assentamento, principalmente no que tange as questões

jurídicas referentes à Associação. Essa participação foi fundamental na reorganização

da Associação, com a reformulação do Estatuto Social da entidade.

A trajetória de luta pela terra dos trabalhadores do Assentamento Umari Casa

Forte, percorre um decurso temporal de pouco mais de duas décadas e hoje impõe aos

trabalhadores entender os significados dessa luta. Quando perguntados acerca desses

significados, encontramos a forte expressão do que representa para os trabalhadores a

conquista da terra. Os dias que se seguiram a pesquisa, avançamos em busca de

compreender os significados dessa conquista na vida dos trabalhadores. As narrativas

expressam as significativas mudanças decorrentes dessa conquista.

Margarida Alves: Eu para mim me sinto muito bem. Porque a reforma

agrária onde tem união à coisa anda viu. Até hoje graças a Deus pra mim ta

sendo ótimo. Eu num reclamo não, que eu não tinha terra pra trabalhar e

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através da reforma agrária que hoje tenho meu canto do meu terreno pra eu

plantar e morar e tudo né, criar meus bichos.

Percebemos que para os trabalhadores o acesso a terra possibilitou melhores

condições de vida. Melhorou significativamente suas condições de moradia,

alimentação e renda, algo antes limitador de suas condições básicas de sobrevivência. O

que nos impõe refletir as barreiras históricas construídas pela exploração dos

camponeses em detrimento aos interesses do latifúndio.

Prado Junior (2000:25) lembra “o papel que historicamente sempre coube à

massa trabalhadora do campo brasileiro, [...] é tão somente no essencial, o de fornecer

mão de obra à minoria privilegiada”. Uma realidade que no decorrer das últimas três

décadas, têm sofrido significativas transformações com o processo de consolidação dos

Projetos de Assentamentos, o que constatamos ao dialogar com os trabalhadores sobre

como avaliam suas condições de vida e trabalho antes e depois do assentamento.

Zé Gomes: Eu graças a Deus eu tenho sido muito abençoado. Quando eu

num era assentado a minha condições era também mais pouca. A partir que

passei ser assentado, ai as coisa melhorou. As minhas condições após a vinda

aqui pro assentamento, graças a Deus é muito mais melhor do que quando eu

estava lá. Primeiro que quando eu tava lá, eu não tinha aonde exercer a minha

função como agricultor. Porque eu tinha que produzir na terra dos outro para

os outro. Hoje não, hoje eu produzo na minha terra e produzo pra mim.

A narrativa de Zé Gomes expressa que para os trabalhadores, a relação com a

terra não é uma relação material, nos moldes capitalistas de exploração. E uma relação

de vida, de pertencimento, a compreensão de que não é a terra que pertence ao homem é

o homem que pertence a terra, pois ela é sua fonte de vida, de onde brotam os frutos e a

água, indispensáveis para a sobrevivência humana. É este significado de pertencimento

que faz do camponês, um sujeito histórico como histórica é sua luta pelo direito a terra.

Guimarães (1977:110) anota que “jamais a história da sociedade brasileira,

esteve ausente, por um instante sequer, o inconciliável antagonismo entre classe

latifundiária e a classe camponesa”. Um antagonismo que atravessa séculos de história e

confere aos camponeses o caráter de sujeito histórico dessa luta pelo acesso a terra. As

primeiras lutas foram travadas pelos então chamados de “intrusos e posseiros”,

pioneiros na conquista da pequena propriedade.

A principio, as invasões6 limitavam-se ás terras de ninguém nos intervalos

entre as sesmarias, depois orientaram-se para as sesmarias abandonadas ou

6 O termo “invasões”, utilizado por Guimarães, foi no decorrer das lutas sociais em defesa da reforma

agrária substituída pelo termo “ocupações”. (grifos nossos)

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não cultivadas; por fim, dirigiram-se para as terras devolutas e, não

raramente, para as áreas internas dos latifúndios semi-explorados. A força da

repetição desses atos de atrevimento e bravura, pelos quais muitos pagaram

com a vida, foi que o sagrado e até então inatingível monopólio colonial e

feudal da terra começou a romper-se. (GUIMARÃES, 1977:113)

Zé Gomes nos fala de como foi fundamental a união dos trabalhadores, naquele

período da organização para ocupação da então Fazenda Umari Casa Forte. Apresenta o

processo de transição de acampamento para assentamento, o que representa um

momento importante da luta dos trabalhadores pelo direito a terra.

Zé Gomes: Um inicio de um assentamento é uma coisa tão importante mais

que com o passar do tempo, você percebe que aquilo que aconteceu no

acampamento quando passa a ser exatamente assentamento, você vê que

muita coisa boa que aconteceu no acampamento, quando você chega no

assentamento mesmo, vai morar cada qual nas suas casas, cada qual trabalhar

nas suas terra, a gente nota que tem assim um pouco de diferença. Porque

quando é no acampamento, a gente vê assim uma união tão grande. Todo

mundo ali com todo entusiasmo, vontade de conquistar ai quando conquista,

acha que agora porque conquistou num tem que dar continuidade, se unir

mais, se organizar mais, lutar mais.

Iniciada no final da década de 1980, a luta dos trabalhadores ganha sua

primeira trincheira com a posse no final do ano de 1991, entretanto, a transição de

acampados para assentados não encerra a luta dos trabalhadores, que agora é de se

manterem no território conquistado. A necessidade de fortalecer as relações sociais e a

união que existia no acampamento, mostra-se como uma necessidade fundamental para

a construção da organização social e produtiva do assentamento, o que analisaremos a

seguir.

3 A organização social e produtiva do Assentamento: desafios e possibilidades.

O processo sócio-histórico do Assentamento Umari Casa Forte, nos chama

atenção para importantes elementos na luta desses trabalhadores pelo direito a terra. A

sobrevivência no território conquistado se apresenta como um desafio limitado não

somente pela timidez das políticas públicas implementadas no decorrer do processo de

consolidação do assentamento, más, sobretudo, pela organização social e produtiva dos

trabalhadores.

As narrativas apontam a descontinuidade no processo de organização do

assentamento, seja no âmbito social ou da produção, processo que poderá fragilizar ou

até mesmo inviabilizar o desenvolvimento de instrumentos capazes de promover

melhorias na organização produtiva, a despeito da produtividade e comercialização.

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Outrossim, os atores da pesquisa expressam a importância da organização social, como

principal mecanismo de reivindicação das demandas coletivas/individuais dos

trabalhadores e de fortalecimento na luta para se manterem no território conquistado.

Apresentamos a seguir narrativas que expressam o difícil cotidiano de luta

permanente por melhores condições de vida, e denunciam a negligência de quem por

dever, cabe assegurar o direito a promoção da dignidade dos que vivem no campo e

transformam a terra em fonte de vida.

3.1 A organização social

O Assentamento Umari Casa Forte se organiza por meio de uma Associação

denominada Associação dos Trabalhadores do Assentamento Umari Casa Forte. A

instituição foi fundada por iniciativa dos trabalhadores. É uma entidade de direito

privado, sem fins lucrativos e personalidade jurídica, que representa importante

instrumento de organização, articulação e mobilização dos trabalhadores no apoio as

suas pautas de reivindicação. A entidade é administrada por uma diretoria executiva,

conselho fiscal e a assembleia geral dos associados que a cada três anos elegem seus

representantes por meio de eleições diretas. Zé Gomes destaca a importância que a

associação tem para o assentamento como entidade representativa.

Zé Gomes: Ela tem uma participação de duas formas: então ela exerce a

função coletiva e como também exerce a função individual. É muito difícil,

mais que é uma coisa importante que o coletivo, a coletividade é onde tá o

grande sucesso de uma entidade como uma associação e principalmente uma

área de assentamento.

Percebemos a preocupação de Zé Gomes com a organização social do

assentamento ao narrar às fragilidades de uma comunidade, órfão do processo contínuo

de formação sociopolítica, essencial aos projetos que visam modificar as relações

sociais e de produção no campo, capazes de possibilitar a transformação social.

Seguindo as reflexões de Stedile (2012:76) “a frente da batalha da educação é tão

importante quanto à da ocupação de um latifúndio ou de massas. A nossa luta é para

derrubar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e do capital”. A narrativa do ator

de nossa pesquisa e a observação de Stedile acentua a importância da educação como

um mecanismo possível para democratizar o conhecimento, e disso depende o

desenvolvimento do assentamento. É, portanto, um elemento indispensável no processo

de formação sociopolítico, que permitirá ocupar os espaços e construir uma realidade

onde possam perceber e desnaturalizar os processos nos quais estão inseridos. Sobre

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essa questão salientamos a importante narrativa da representação do movimento sindical

camponês.

Zé Lourenço: A formação é um passo fundamental para a transformação

social. Sem dar as pessoas uma formação para que elas compreendam, para

que elas se enxerguem como sujeitos de um processo ao qual eles foram

submetidos, eles dificilmente terão como se compreender num processo de

um espaço geográfico coletivo prá buscar os meios econômicos e fazerem a

transformação de suas vidas. Então o sem terra, porque ele é sem terra?

Porque tem pouca gente com tanta terra e tanta gente sem terra. Se você não

der essa formação pra essas pessoas terem essa compreensão é possível que

quando elas chegarem aos assentamentos, elas passam a reproduzir o modelo

ao qual elas foram historicamente submetidas.

As narrativas revelam que dentre suas principais funções, a entidade é

responsável pela organização social dos trabalhadores, entretanto, nem todos os

assentados são associados à entidade. Os narradores afirmam que há pouca participação

dos associados nas reuniões, o que em sua opinião, de certa forma, fragiliza o alcance de

seus objetivos quanto à organização social do Assentamento.

Dom Tomás: O assentamento tá mais ou menos, está dentro dos controle. Tá

mais ou menos, num tá ruim não. [...] nessa parte de frequência, de presença

é pouco, toda vida é pouco. Aqui o povo só é a frequência total quando é pra

fazer projeto e como num tá tendo ai é só aqueles mais pontual.

Para os trabalhadores o sentimento de coletividade que os acompanhou durante

o processo inicial da construção do Assentamento, desde os primeiros encontros na

mini-indústria ao cotidiano do acampamento, foi aos pouco se perdendo no desarmar

das barracas que ao serem substituídas pelas casas de alvenaria, levaram consigo parte

daquele pensar coletivo que os unia por um interesse comum.

Antônio Conselheiro: Eu na minha experiência aqui, eu acho que inda falta

muita coisa na parte da organização. Porque inda num chegamos a um

consenso que pelo menos na parte produtiva, a associação não teve êxito na

parte comunitária ta entendendo? Ficou muito a desejar o trabalho

comunitário, ela foi mais o trabalho individual que cresceu. A nossa

organização na parte coletiva não foi muito boa não. [...] Eu culpo a gente

mesmo, a gente num teve uma capacidade de organização pra fazer com que

isso funcionasse. [...] Porque a sociedade pra trabalhar junto tem que ser uma

parceria boa de igualdade, tem umas pessoas que são mais interessadas e têm

umas que não são interessadas, ai faz com que os que são interessados

também desistam.

As primeiras experiências de trabalho coletivo no assentamento foram exitosas,

entre as quais os trabalhadores destacam o processo de produção de grãos (feijão e

milho) e da farinha de mandioca. Os trabalhadores realizavam mutirões para “brocar o

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roçado” 7, a atividade era individualizada nas etapas seguintes, o plantio e a colheita. Os

mutirões no processo de produção da farinha, também muito utilizados naquele período

representavam um momento de colaboração mútua entre os trabalhadores. Nesse

sentido a “farinhada”8 era mais que um processo produtivo, era um encontro dos

trabalhadores que duravam dias, animados pela graça dos que se aventuravam a contar

histórias duvidosas e piadas extrovertidas. Diolinda nos apresenta os primeiros sinais de

individualização na organização produtiva do assentamento.

Diolinda: Logo quando nós chegamos aqui fizeram a casa de farinha e nós

fizemos um coletivo de mandioca... os dez moradores se reuniu aqui, até

terminar as dez. [...] Não pagava ninguém, só as comida. Ai do meio por fim

desmantelou ninguém queria mais, porque um diz que um botava mais, outro

botava menos, ai num quiseram mais... era bom demais.

Percebemos que os sinais apontados por Diolinda se fortaleceram e que, como

nos apresenta a narrativa a seguinte. O decorrer dos anos, não favoreceu o

fortalecimento da organização social dos trabalhadores, que teria resultado do processo

de amadurecimento e afirmação na conquista do território. Aos poucos os interesses

individuais foram substituindo a pauta coletiva e o cotidiano do Assentamento toma

rumos solitários, perdendo a magia da mística da terra. A mística é um momento de

celebração, uma forma de manifestação dos sentimentos. Stedile (2012:132) lembra que

“a mística só tem sentido se faz parte da tua vida”. Para os camponeses a mística

representa o “alimento ideológico”, a unidade e vivencia das ideias, que somente é

possível na prática coletiva.

Margarida Alves: O coletivo aqui hoje tem só o nome. O coletivo aqui ta

parado, trabalhando mais no individual. Aqui mesmo no meu terreno aqui

teve dois coletivo. Fizemos a plantação prá mandioca... mais é porque o

pessoal não entendi o que é o coletivo. O coletivo é a pessoa trabalhar todo

mundo junto.

As narrativas revelam uma nova concepção de vida dos trabalhadores, a vida

organizada na unidade familiar. Poderíamos nos arriscar a afirmar que esta concepção

de vida, sofre forte influência ideológica do processo de alienação capitalista que invade

7“Brocar o roçado” é um termo utilizado pelos trabalhadores que significa preparar o terreno para o plantio de grãos.

Em outros termos, é o processo de desmatamento da área a ser cultivada. (grifos nossos) Cabe lembrar que os

Assentamentos preservam uma área de reserva florestal, onde não é permitido o desmatamento.

8O termo “Farinhada” é também uma expressão peculiar da linguagem camponesa que significa o encontro dos

trabalhadores na unidade de produção (a casa de farinha), onde é realizado o processo de produção da farinha, tendo

como matéria-prima a mandioca, de onde também é produzida a goma, embora considerada um produto secundário,

seu valor de mercado supera a farinha. Sua casca da mandioca também é utilizada para alimentação animal. (grifos

nossos)

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todos os espaços sob o falso discurso da autonomia dos sujeitos. Para Baumam

(2008:141) “Não existem indivíduos autônomos sem uma sociedade autônoma, e a

autonomia da sociedade requer uma autoconstituição deliberada e decidida, que só pode

ser uma realização compartilhada de seus membros”. Ou seja, a autonomia do individuo

depende de sua condição de cidadania.

Compreendemos a individualização como a fragmentação “do que costumava

ser visto como uma tarefa da razão humana, como dote e propriedade coletiva da

espécie humana” (BAUMAM, 2008:136). A individualização tem custado caro aos

trabalhadores por não buscarem se organizar para o enfrentamento da questão da

organização social, onde lhes possibilitem tecer os fios de cooperação, necessários para

transformar as relações sociais e os processos de produção onde não se limitem a

reproduzir os processos produtivos do capitalismo.

3.2 A organização produtiva

A organização produtiva dos trabalhadores expressa o que ocorre na

organização social destes. Compreendemos que os processos organizativos são

intrínsecos e de modo geral apresentam as mesmas fragilidades. A produção familiar

caracteriza a forma de produção, por vezes assemelhada aos moldes latifundiários com a

contratação temporária de mão de obra alheia. As narrativas, entretanto lembram a

importância de reconhecer a produção individual como essencial para o sustento das

famílias, as quais, não se dobraram aos difíceis tempos de escassez das chuvas nos

últimos anos.

Margarida Alves: Todos os anos eu planto meu feijão, meu milho e a minha

mandioca, o jerimum, o gergelim tudo eu planto no meu roçado. [...] A

farinha sobra que eu vendo, mais como a farinha num tá tendo valor, eu tinha

roça pra botar uns cinco arranca, eu não botei, deixei pro gado porque achei

que tinha mais futuro eu tratar do meu gado que botar a grande despesa que a

gente tem em farinhada. A gente gasta muito e vende bem baratinha, é tudo

muito caro. [...] Esse ano teve a planta, teve a roça também, o legume foi

pouco e o milho perdemos, colhemos pela metade, o feijão também deu

pouco, mais tudo deu.

As narrativas nos impõe interpretar que as dificuldades da organização

produtiva dos trabalhadores, expressam a descontinuidade do programa de assistência

técnica no processo de elaboração dos projetos produtivos. Os projetos de custeio e

investimento incentivam a produção no âmbito individual, representando atualmente

uma das poucas ações efetivas de políticas públicas no Assentamento. Para alguns

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trabalhadores, os projetos tendem a não alcançar seus objetivos se não forem elaborados

em tempo hábil. Outrossim, para outros trabalhadores a questão da organização social

tem determinado a eficácia dos projetos.

Dom Tomás: Precisa ser melhorado pra a gente tirar esse dinheiro. A gente

faz um empréstimo desse passa quase um ano pra gente receber, demora. Era

pra receber no começo do inverno, recebeu quase no fim do inverno. Melhor

que viesse antes que a gente já tinha as coisa feita, quando o inverno

chegasse a gente já tava com as terra toda ajeitada.

Dom Tomás suscita um debate a cerca da questão na organização social,

apontando para os desafios e as possibilidades que os trabalhadores enfrentam na

dinâmica contraditória no alcance dos projetos de incentivo a produção. Dinâmico no

alcance dos objetivos propostos de fomento a produção, e contraditório pelas limitações

da elaboração técnica, que por sua descontinuidade se apresenta como um desafio

constante no Assentamento.

Martins (2000:46) analisa o aspecto qualitativo da assistência técnica e ressalta

o desencontro na difícil relação entre técnicos e trabalhadores observando que “os

nossos extensionistas rurais sempre foram formados na concepção americana de que o

extensionismo tem como finalidade promover a difusão de inovações”. Em muitos

casos inovações tecnológicas que conflitam com as concepções dos trabalhadores. O

autor chama atenção para a “guerra cultural contra a mentalidade, os costumes as

tradições dos pequenos agricultores pobres, de modo a convertê-los em apêndice da

indústria de insumos e equipamentos agrícolas” (2000:46). Ou seja, a pretensa

integração ao mercado, ainda que não signifique melhores condições na qualidade de

vida dos trabalhadores.

Martins considera ainda a carência e necessidade de uma formação,

antropológica e sociológica para os técnicos governamentais que atuam na execução da

reforma agrária. Formação que visem lhes proporcionar o conhecimento necessário para

lidar com a realidade especifica do meio rural, sobretudo, um saber crítico para superar

a formação convencional das escolas de agronomia.

Essa constatação nos impõe refletir sobre a importância da formação de atores

locais para o desenvolvimento das atividades relacionadas aos processos organizativos e

produtivos, seja na elaboração ou no acompanhamento dos projetos nos territórios

rurais. São aspectos que passam a compor as percepções sobre os desafios e as

possibilidades, identificadas no processo de investigação do nosso estudo.

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3.3 Desafios e possibilidades

Para os trabalhadores a organização social, assistência técnica e as questões

referentes à produção, comercialização e a escassez de água representam os maiores

desafios que o Assentamento tem enfrentado no decorrer dos anos. A limitada

participação dos trabalhadores nas reuniões da Associação, não tem favorecido o debate

sobre os problemas do cotidiano do Assentamento. Ao narrarem que a participação

efetiva ocorre somente quando os encontros da entidade são para tratarem da liberação

de projetos, os trabalhadores chamam atenção para a necessidade do debate nos

interesses coletivos do Assentamento.

As narrativas dos atores do nosso estudo alertam que um dos principais fatores

determinantes no processo de organização social no Assentamento é a perda do sentido

de coletividade entre os trabalhadores, para eles a “falta de união”. Entendemos que

essa “falta de união” significa a perda do poder de mobilização e articulação.

Zé Gomes: Eu estou vendo que precisava se organizar mais. Tem muita

coisa ai que a gente percebe que precisa a comunidade e direção sentar e

conversar. [...] precisa ser mais participativa, precisa ser mais influente,

precisa ser uma comunidade que requeira informação e o seu direito dentro

da Associação. Esclarecimento de alguma coisa que você ache que num

esteja correto. Eu acredito que está faltado exatamente aquela parte da união.

[...] Essa parte social eu num vou dizer muita coisa porque sempre ta

faltando, sempre faltou organização na parte administrativa. É aquela

questão: um pouco de esclarecimento no povo que quando uma pessoa

administra ela quer ser o dono, ai no lugar de a gente se juntar a gente se

separa, porque vê que a organização esta mais individual do que coletiva. [...]

aquela união que tinha no inicio da criação desse assentamento ele não veio

junto, porque se ela tivesse junto e se ela tivesse continuado junto ainda tava

mais melhor. Quando se conquistou, ai eu vou ter a minha casa você vai ter a

sua, ai já vem um pouco do individualismo [...] Um grande equívoco, se a

gente era forte antes de ser assentado, agora a partir que você passou agora

com todos os direito, agora você é uma pessoa assentada você conquistou a

terra, agora que você tem que mostrar união.

Percebemos que há uma ausência da permanente articulação com os

movimentos sociais e sindicais no processo de formação sociopolítica, assim como com

outras esferas governamentais que venham contribuir no processo de organização social

do Assentamento.

Antônio Conselheiro: Eu num conto mais o trabalho do sindicato aqui

dentro, porque eles prometeram de nos ajudar nessa parte. Ai nem o

sindicato, nem EMATERCE se manifestou com relação à organização do

assentamento. Porque a EMATERCE na parte agrícola, o sindicato na parte

de organização e foi só umas duas visita só no começo. [...] hoje nos estamos

assim sem nenhuma assessoria assim dos órgãos de organização. [...] é

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porque dizem eles que o nosso assentamento é um assentamento muito antigo

e já passou a fase dessas orientação. Já ultrapassou o tempo deles organizar,

eles trabalham mais nesses assentamento novo.

Entendemos a necessidade da autonomia do assentamento, outrossim, a perda

da permanente articulação dos assentamentos com os movimentos sociais, o movimento

sindical ou ao Estado, poderá levar ao aprofundamento do individualismo. Entretanto, o

compromisso dos movimentos sociais com os trabalhadores não se encerra com a

conquista da terra. Acreditamos que a permanência no território conquistado envolve

uma série de outras necessidades e, por isso, a imprescindível luta permanente dos

movimentos que atuam em defesa da reforma agrária.

No que tange ao papel do Estado convém lembrar, que a este cabe à

obrigatoriedade de oferecer aos Projetos de Assentamentos a estrutura necessária para

seu desenvolvimento socioeconômico, o que nos impõe questionar, a condução dos

processos de implementação e consolidação dos projetos de assentamentos. Visto que a

reforma agrária, nas palavras de Martins, “não é principalmente nem simplesmente

distribuição de títulos de propriedade a agricultores pobres, nem tão somente crédito

agrícola e apoio técnico” (Martins, 2000: 65), cabe ao Estado estabelecer os meios

institucionais que complementam a política de reforma agrária. Consideramos a

superação da imobilidade estatal no implemento das políticas de reforma agrária,

entretanto, essa imobilidade foi substituída pela morosidade das ações.

Outro desafio identificado no processo investigativo, e confirmado nas

narrativas dos trabalhadores é a descontinuidade do programa de assistência técnica,

considerado por muitos trabalhadores como o grande “gargalho” no processo produtivo

do Assentamento. Os relatos denunciam a fragilidade da Política de Assistência

Técnica, por vezes interrompida em meio à elaboração ou execução dos projetos. Cabe

lembrar que a assistência técnica não deveria limitar-se a elaboração de projetos e

relatórios de prestação de contas, o que nos pareceu ocorrer no Assentamento Umari

Casa Forte, percepções que obtivemos dos relatos e observações no campo.

A assistência técnica prestada ao Assentamento ocorre por meio de chamada

pública e livre concorrência de cooperativas afins, sob jurisdição do Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Os trabalhadores denunciam a lentidão do

processo de liberação da assistência técnica que influencia na prestação sistemática do

serviço.

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Zé Gomes: é uma falta muito grande um assentamento não ter uma

assistência técnica. E você sabe que uma assistência técnica ela é criada pra

assessorar e acompanhar o assentamento. Não que eles vão chegar aqui

também e vai fazer tudo, eles vão vim pra ajudar, ajudar a melhorar o que

num está bom. Busca a informação onde a gente não é capaz, num sabe às

vezes até ir e eles são as pessoas que são disponibilizada exatamente pra

fazer essa função e isso tem prejudicado muito os assentamento. Porque no

momento que o assentamento tá evoluindo um pouco ai corta, se tiver um

projeto em andamento para.

A organização produtiva do Assentamento também representa um desafio na

vida dos trabalhadores. Aqui percebemos que a questão da assistência técnica, tratada

anteriormente influencia diretamente, entretanto, os longos anos de estiagem, também

tem afetado a produtividade.

Dom Tomás: No momento nós estamos na crise muito difícil, por causa das

dificuldades da chuva, o inverno fraco, isso ai tá afetando muito nós

agricultor. Nós agricultor, vive da agricultura, e hoje nós estamos sofrendo

com a perda. Uma perda quase total do que nós planta, agente num tá

colhendo talvez nem 20%, muito pouco, só mesmo a prova como diz o dizer.

Não fica nada só enquanto tá verde ali, a chuva foram pouca, a gente perde.

Ao analisarmos esses dois primeiros desafios narrados pelos atores, assistência

técnica e organização produtiva, percebemos a relação intrínseca que os reveste, a

despeito, das limitadas condições em que os trabalhadores receberam a terra e a

efetivação da política de reforma agrária no decorrer do processo de consolidação do

assentamento. O que nos remete as considerações de Martins (2000) e Stedile (2012) a

respeito da execução da política de reforma agrária, que não pode se limitar a mera

distribuição de títulos de propriedade e liberação de crédito agrícola, tampouco como

uma política assistencial.

Percebemos essa preocupação constante dos trabalhadores quando narram os

desafios que enfrentam pela descontinuidade do programa de assistência técnica, e o

quanto afeta o processo produtivo, visto que os trabalhadores não possuem o

conhecimento necessário para desenvolver determinadas técnicas de manejo do solo e

outros mecanismos de organização produtivo, como o incentivo a criação de

cooperativas ou feiras solidárias. Consideramos que essas ações também poderiam ser

incentivadas pelos movimentos sociais.

De um modo geral os trabalhadores afirmam que produzem somente para o

próprio consumo. A desvalorização dos produtos e a baixa produtividade não atraem o

interesse na comercialização, com exceção da castanha e o caju, que são vendidos

separadamente.

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Zé Soldado: Não sobra, é tanto que se a gente entende de fazer e pagar a

despesa com o dinheiro que vender a safra num dá. Aqui nesse período a

safra que a gente tem da mandioca, nesse período a farinha é barata. [...]

Quando vai conseguir vender num tira o prejuízo, se a gente puder guardar

pra depois vender vale a pena. [...] Porque a única safra que tem no

assentamento que a gente vende pra sobreviver é a castanha e caiu muito. A

mandioca, feijão e milho é só naquele período do inverno e nunca mais

houve.

Percebemos ainda, nas narrativas que se seguem, outro desafio que os

trabalhadores enfrentam com a comercialização da produção. Consideramos que a

comercialização resultaria do processo de organização produtiva, entretanto, a ausência

dessa organização tornou a comercialização, um determinante, o qual tem transformado

o assentamento em reprodutor de um sistema “caduco” das relações de mercado e,

sobretudo, as relações capitalistas mercadológicas. Algo muito caro aos trabalhadores

que buscam na democratização da terra e dos meios de produção, relações

fundamentadas na igualdade e justiça social.

Zé Gomes: A dificuldade nessa parte na comercialização, uma das coisa que

a gente vem a muitos anos discutindo e batendo nessa tecla, é exatamente que

aquilo que a gente produz, a gente não dá valor. Quem dá valor é quem vem

lá de fora e diz por quanto é que compra, quanto é que paga. Num é eu que

sou o dono e digo: é tanto. É o atravessador que chega e diz: eu compro por

esse tanto aqui e ai como a gente num tem outra saída, num tem pra onde

levar se obriga a aceitar o que ele quer. O preço que ele quer o preço que ele

diz. E também outra coisa também nessa parte, o Assentamento ele precisa de

uma estrutura na parte do seu deslocamento. Você ver que o acesso aqui

dentro ele é muito complicado e isso faz parte é uma promessa que desde

quando o INCRA assumiu isso aqui, ele disse que não pode sair daqui antes

que o Assentamento ele seja todo estruturado. Na parte seja na energia, seja

na escola, seja no posto de saúde, seja na estrada empiçarrada ou de

calçamento. Isso é uma das propostas do INCRA, infelizmente não se

concretizou.

Os desafios aqui narrados pelos trabalhadores suscitam um debate que nos

remete a organização social do assentamento. Percebemos que o longo processo de

consolidação do Assentamento não acompanhou a dinâmica das relações sociais no seio

da comunidade, e se perdeu no individualismo da unidade familiar. Entretanto, ao serem

provocados a identificar esses desafios, os trabalhadores despertam para as

possibilidades de superação e a retomada do processo de organização social.

Apresentam possíveis estratégias de retomada desse processo que foi determinante na

luta pela conquista da terra.

Zé Gomes: Não supera dificuldade sem união e sem ação. O Assentamento

ele é localizado no município de Beberibe, isso significa dizer que o

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Assentamento ele não é dependente só do INCRA, o Assentamento ele

depende da gestão, até porque o Assentamento ele tá dentro do município

onde a gestão tá exercendo seu mandato. Então tudo tem que ter parceria e

uma dessas parcerias era exatamente o assunto da estrada que poderia ter uma

parceria entre prefeitura e INCRA. Mas pra isso acontecer à comunidade tem

que se movimentar. [...] O que nós precisa é de oportunidade, nós precisa é

que os nossos gestores, os nossos governantes que ele possa olhar pra nós

desse assentamento com um olhar bom e que possa nos ajudar naquilo que

nós somos carentes de ser ajudado. Nós num queremos não só ser ajudado,

nós queremos ser reconhecido como cidadãos de bem, trabalhador que luta

todo dia pra tirar o sustento da nossa família.

Na simplicidade de suas falas, os trabalhadores nos lembram da sua capacidade

de superação. Sua luta permanente por melhores condições de vida, não lhes permite

desistir do cultivo da terra. Ainda que de forma tímida, como nos pareceu nos diálogos,

os trabalhadores se percebem como sujeitos transformadores de sua história, porém o

reconhecimento dessa capacidade de transformação adormece no processo da vida

individualizada. Um processo, como lembra Baumam (2008:137) onde “muitos de nós

fomos individualizados sem que antes nos tornássemos indivíduos, e muitos são

assombrados pela suspeita de que não são indivíduos o bastante para enfrentar as

consequências da individualização”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Convém não esquecer de que perguntar

ainda é o primeiro passo da crítica e da

luta social – é o passo teórico da prática.

José de Souza Martins

Como já dissera Sócrates, “eu só sei que nada sei” seguindo assim a perguntar

incansavelmente em busca de respostas as suas inquietações. É provável que tenha

afugentado o sossego de muitos que não entendiam suas inquietações, sobretudo,

daqueles os quais, preferiam que determinadas inquietações não fossem questionadas.

Essa certeza era necessária, ao adentrar o campo de pesquisa que não me era

estranho, a fim de permitir o estranhamento ao que me era familiar. Um estranhamento

que me permiti-se inquietar-se e seguir perguntando...

Quando se fala em reforma agrária, é muito recorrente pensar somente em

projetos de assentamentos. Como se reforma agrária se limitasse a política de

assentamentos, que compreende uma das ações de um programa de reforma agrária.

Entretanto quando eu penso, falo – e agora escrevendo – sobre reforma agrária, me

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pergunto se esse termo “reforma” é capaz de abarcar a amplitude do que considero ser o

cerne da questão social campesina, a questão agrária.

Feito essa consideração me pergunto o que é reformar? Naturalmente me

respondo: reformar é consertar algo que está danificado, velho, em desuso. Pensando

assim, considero que o termo em questão poderia estar adequado ao que hoje se propaga

como reforma agrária. Porém, visto que não poderia naturalizar minha resposta eu me

diria: “reformar” é reconstruir, transformar. A ambiguidade do termo passa assim a me

causar inquietações, assim como me inquieta saber, qual interpretação se apoderam os

que formulam a política de implementação dos projetos de assentamentos rurais,

executado por meio do Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA. Nesse sentido, me

atrevo a questionar o alcance desse termo, considerando a lacuna existente, entre o que

se propõe a ser o PNRA e sua efetivação. Aos que me perguntarem: será que um termo

em si, imputa no alcance de um objetivo, eu respondo: Depende. O que você entende

por reformar? E seguirei perguntando...

A reconstrução do processo sócio-histórico na trajetória de luta pelo acesso a

terra dos trabalhadores do Assentamento Umari Casa Forte, foi o ponto de partida dessa

caminhada reveladora de questões inquietantes, nos processos de construção e

consolidação do assentamento. A reconstrução desse processo se fez necessária para o

alcance dos objetivos da pesquisa.

Como forma de atenuar parte dos problemas dos camponeses, os governos de

diferentes épocas e ideologias, ou a falta desta última, se propuseram a resolver a

questão agrária distribuindo terras para trabalhadores sem-terra ou os que possuem

terras insuficientes para produzir, deram o nome de “Reforma Agrária”, incluíram na

Constituição. Uma de suas principais ações que apresento nesse estudo, é a distribuição

de terras para fins sociais que resulta na criação dos projetos de assentamentos rurais.

Nesse aspecto, o estudo se propôs identificar os fatores determinantes no processo de

organização social dos projetos assentamentos rurais na perspectiva da política de

reforma agrária. Ouvindo os agentes públicos, executores da política de reforma

agrária, os movimentos sociais e os trabalhadores assentados, constatei que os

determinantes desse processo precedem da demanda e organização social dos

trabalhadores, ou seja, a existência de um grupo de trabalhadores sem acesso a terra, e a

organização social desses trabalhadores para reivindicarem o direito a terra. Contudo,

esses determinantes não são suficientes para a implementação de um projeto de

assentamento, que somente se concretizará após avaliação técnica do órgão responsável

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pela desapropriação, Estado ou União com base no estudo socioeconômico e ambiental,

revelando se a área é produtiva ou improdutiva9. No caso do Assentamento Umari Casa

Forte, o órgão executor é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –

INCRA.

No Assentamento Umari Casa forte, meu campo de investigação, constato

esses determinantes nas narrativas dos trabalhadores, no que tange a organização social

e demanda. Sendo considerada a área improdutiva, os trabalhadores tomaram posse da

terra e seguiram para o segundo desafio: manter-se no território conquistado, sem

semente para plantar, sem estrada, escola, posto de saúde, sem comida. Essa realidade

reflete as condições em que os trabalhadores recebem a terra. Penso que a política de

assentamento deveria seguir o caminho inverso: a construção de infraestrutura na área,

oferecendo condições necessárias para os trabalhadores desenvolverem o processo de

produção, do cultivo a colheita. Revivo aqui a inquietação de compreender, qual a

concepção e significado do termo “reformar”.

Essas constatações do campo de pesquisa foram aos poucos reafirmadas nas

narrativas dos trabalhadores, quando das investigações sobre as ações estatais

propostas e efetivadas que visam o desenvolvimento sustentável do assentamento,

no que tange sua organização produtiva. As narrativas revelam que tais ações

reduzem-se ao programa de acesso ao crédito e a deficiente prestação do programa de

assistência técnica, limitada à elaboração de projetos na concessão de credito agrícola.

Os trabalhadores vivem o dilema de produzirem essencialmente para o autoconsumo,

sem alternativas de mecanismos que estimulem o aumento da produtividade, melhorias

na qualidade da produção e tampouco, a diversificação dos produtos, visto que a

monocultura é predominante no assentamento.

A produção de castanha e caju, únicos produtos comercializados no

assentamento, seguem padrões de comercialização, essencialmente capitalistas,

baseadas na desvalorização da produção, tendo como principal receptor uma figura

arcaica da agricultura: o atravessador. Impõe questionar o engessamento das ações

estatais adormecidas na “letra morta” de planos e programas que se limitam a propor, e

não se efetivam como ações capazes de fomentar o desenvolvimento sustentável do

assentamento acerca de sua organização produtiva.

9 Nesse caso a terra é considerada “produtiva” quando seu proprietário desenvolve atividades produtivas, e

“improdutiva” quando este não a utiliza para fins de produção. Portanto, o termo “improdutivo” é utilizado aqui, para

indicar que a terra não esta sendo explorada por seu proprietário, o que a torna passível aos fins de reforma agrária.

(grifos nossos)

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Percebo que os trabalhadores vivem silenciosamente um novo processo de

exploração, do qual eram vítimas antes de conquistarem a terra, entretanto, se antes

eram explorados pela desvalorização de sua mão de obra, hoje, acrescenta-se a

expropriação de sua produção, caracterizando um processo de reprodução das relações

capitalistas de produção.

As análises das narrativas revelaram os desafios e possibilidades enfrentadas

pelos trabalhadores no processo de consolidação do assentamento, resultantes das

fragilidades identificadas na organização social e na ineficiência das políticas públicas

executadas, em especial a prestação dos serviços de assistência técnica. As fragilidades

da organização social pós-acampamento, se refletem na forma como foram conduzidos

os trabalhos coletivos nos primeiros anos de consolidação do assentamento, resultando

na dispersão e na individualização do processo produtivo.

Ao final desse estudo caminho para compreensão do que foi interpretar os

significados atribuídos pelos agricultores acerca da condição de trabalhador

assentado. A riqueza do estudo apoiado em narrativas foi fundamental para essa

compreensão. A revelação desses significados propiciou interpretar o sentimento que os

trabalhadores atribuem a conquista da terra e a valorização desta como meio de

sobrevivência.

Esse momento foi essencialmente importante, não somente para efeito de

conclusão da pesquisa de campo, mas, sobretudo pelo despertar que esta indagação

proporcionou aos trabalhadores, que ao narrarem esses significados, retomaram

emocionados as lembranças de vida antes do assentamento, os momentos da luta, os

dias de acampamento e a alegria da realização de um sonho persistente: a conquista da

terra.

Os narradores atribuem a sua condição de trabalhador assentado, a melhoria

nas condições de vida e trabalho. “Depois que a gente passou a ser assentado foi uma

vida nova, porque a gente se dedicou muito ao trabalho e nós melhoremos de vida”. A

conquista da terra lhes dera a segurança de poder realizar o sonho de cultivar, e colher

do fruto de seu trabalho livre, a provisão de seu sustento. “Eu não tinha terra pra

trabalhar e através da reforma agrária é que hoje tenho meu canto, meu terreno pra eu

plantar, morar e criar meus bichos”. Os trabalhadores enfatizam as mudanças de vida

que lhes oportunizaram produzir longe da exploração patronal. “Porque eu tinha que

produzir na terra do outro para os outro. Hoje não, hoje eu produzo na minha terra e

produzo pra mim”.

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Retomo aqui a interpretação sobre o termo “reformar” para interpretar os

significados narrados pelos trabalhadores. A transformação do modo de vida, daqueles

que antes não tinham acesso a terra e longe estavam de conhecer o cotidiano da vida em

um projeto de assentamento, reconhecem que a conquista da terra não é somente o

acesso ao meio de produção. Significou transformação de vida, imbuídos do sentido de

pertencimento da terra, não somente como meio de produção, mas, sobretudo, como

fonte de vida.

É importante acrescentar, que o resgate do processo sócio-histórico da

trajetória de luta dos trabalhadores do Assentamento Umari Casa Forte, revelou um

importante elemento de reconstrução na vida dos assentados. A necessidade do resgate

das relações sociais pautadas nos sentimentos de união, solidariedade e compromisso

em valorizar a conquista da qual foram sujeitos e permanecem sujeitos, a protagonizar

uma história de luta permanente daqueles que percebem o campo como seu espaço de

vida.

Uma história, que ao reconstruir ouvindo as narrativas dos trabalhadores,

percebo que muitas perguntas ainda estão por vir. Narrativas que me fizeram viajar no

tempo a elaborar cenas reais daquela caminhada no final da tarde, sob o olhar verde da

mata fechada, abrindo veredas para a passagem daqueles que com bravura lhe

conquistou e hoje se abriga em seus braços e no colo de seu solo. Uma história, que

como lá estivesse a caminhar, me aventurei a contar em verso e prosa...

A caminhada...

Em meio à mata fechada seguimos a caminhar

parecia gado em fileira, iríamos nós acampar

o fim de tarde escondia um pôr do sol singular

aos poucos escurecia, logo iremos chegar.

A vereda estreita espremia nossos corpos em lentidão

e sempre em frente seguia pra conquistar nosso chão,

começo da noite chegamos, no meu do cajueiral

os corpos cansados sentamos, nos acampamos afinal.

O anoitecer logo chega, à lamparina alumia

fizemos um limpo bem grande pra esperar luz do dia

ninguém conseguia dormir e alegres a noite passamos

a conversar e a sorrir e o claro do dia chegando.

Dos ramos as barracas fizemos o acampamento se

uns ficaram trabalhando, outros pro INCRA partia

aqueles que tinham o de comer, com os outros repartia

a fome ia embora, a união nosso guia.

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Certa noite uma chuva faceira que veio nos visitar

fez na rede uma goteira, era água do céu a anunciar:

já pode brocar o roçado, na terra semente plantar

tirar desse chão teu sustento e tua vida transformar.

Os tempos passaram depressa, o dia esperado chegou

o que antes parecia promessa foi sonho que se realizou,

a mata fechada que abriu seus braços pra nos acolher

hoje é nosso chão, nossa história, a terra onde vamos viver.

A vereda ficou na lembrança dessa história de luta e vitória,

da terra que aqui conquistamos e nunca me saiu da memória

aquela tarde de anos passados, na vereda de mata fechada

na penumbra do entardecer que marcou nossa caminhada.

De acampados, assentados se fez, estamos hoje a cultivar nosso chão

nossa luta valeu cada dia, foi o fruto de nossa união

os anos se passaram depressa, hoje a vida se individualizou

outras cercas se construíram, mais o sonho não acabou.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias

vividas. Tradução José Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2008

GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio. 4. ed. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1977.

LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. Tradução: Marie-Agnes Chauvel;

prefácio: Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Brasiliense, 2003.

MARTINS, José de Souza. O Impossível Diálogo. São Paulo Edusp, 2000.

PRADO JUNIOR, Caio. A questão agrária no Brasil. 5.ed. São Paulo: Brasiliense,

2000.

SILVA, Iolanda Pereira da. ASSENTAMENTOS RURAIS: mãos que alimentam.

2014. 79 f. TCC (Graduação) - Curso de Serviço Social, Faculdade Metropolitana da

Grande Fortaleza - Fametro, Fortaleza, 2014.

STEDILI, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: a trajetória

do MST e a luta pela terra no Brasil. 2, ed, São Paulo: Expressão Popular, coedição

Fundação Perseu Abramo, 2012.

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DINÂMICAS RURAIS EM CONTEXTOS DE AGRICULTURA

FAMILIAR E AGRONEGÓCIO: notas etnográficas acerca dos cerrados

piauienses.

Valéria Silva1

Resumo: O trabalho enfoca a localidade rural Roça Nova, situada no município de Sebastião Leal-PI,

ambientada na área nos cerrados piauienses, hoje mais conhecidos pela expansão do cultivo de

soja ali verificado. Apresenta os modos de vida locais, suas referências socioculturais e práticas

produtivas, destacando a presença do agronegócio como desencadeador das mudanças sociais

ocorridas no contexto da agricultura familiar de aprovisionamento ali existente. Utiliza-se da

observação, da entrevista e do registro fotográfico para, ancorado na etnografia, configurar a

atual expressão do rural ali explicitado. Evidencia que as dinâmicas construídas pela sociedade

local com os complexos urbanos concorrem para que as ruralidades locais se apresentem como

síntese das relações experimentadas em tais trânsitos; compreendendo assim, as realidades rural-

urbano como interdependentes e complementares. Denota que o contato cotidiano com os

recursos midiáticos e as esferas nacionais, regionais e globais de relações borra as fronteiras e o

isolamento, antes mais nitidamente configurados. Delineia os impactos trazidos pelo

agronegócio para os processos de trabalho, sociabilidades outras e relações identitárias, gerando

complexidade para a reprodução da sociedade local a partir dos seus parâmetros anteriores;

obrigando-a a saltos socioculturais para os quais não esteja, eventualmente, preparada.

Palavras-chave: Ruralidades piauienses. Agricultura familiar. Agronegócio.

1 INTRODUÇÃO - Pensando as mudanças no meio rural.

Para grande parte dos estudiosos, as mudanças sofridas pelo campo brasileiro,

grosso modo, parecem se prender a quatro questões fundamentais: a primeira diz

respeito à permanente dificuldade que grande parte dos camponeses ainda têm de acesso

à terra, ao crédito e à assessoria técnica. Esta realidade obriga-os a empregar seus

esforços na agricultura de subsistência, opção que, em face da incapacidade de gerar

incremento patrimonial, define uma realidade de escassez constante e de redução das

possibilidades de reprodução dos grupos familiares camponeses (WANDERLEY,

1996).

Em segundo lugar, as mudanças se vinculam a intercâmbios provenientes das

novas dinâmicas de relação entre o meio rural e as cidades, as quais põem em questão a

antiga compreensão desses ambientes enquanto dicotômicos e/ou antagônicos, situando-

os no campo das complementaridades e interdependências (WANDERLEY, 2009).

A terceira questão diz respeito à problemática oriunda do processo de

urbanização – expressa mais fortemente na queda de postos de trabalho e emprego, na

redução dos salários, na carência de condições mínimas de habitação e saúde, na

1 Professora Associada da Universidade Federal do Piauí; com vínculo permanente junto ao Programa de Pós-

Graduação em Sociologia. Teresina-PI. Email: [email protected]

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violência urbana etc. – que tem implicado em crescente precarização da vida nos

grandes centros urbanos, levando parte dos segmentos ali residentes à busca de maior

qualidade de vida em outros ambientes. Essa iniciativa tem estado associada à idéia de

simplificação do cotidiano, de volta à natureza, do uso sustentável dos recursos naturais,

da proteção do planeta, colocando sob foco a valorização do rural, no que respeita ao

estilo de vida, as paisagens e as relações de interconhecimento que propicia

(CARNEIRO, 1998).

Como quarta razão, aponto que o processo de globalização tem colocado em

contato constante as culturas, histórias, realidades, enfim, até então isoladas e díspares,

materializando a possibilidade de intensos diálogos pluriculturais em todos os pontos do

globo. Alavancado a especialmente pelo desenvolvimento vertiginoso da telemática, a

globalização tem acelerado o desgaste da noção de espaço-tempo que herdamos da

história, instituindo o real-time como tempo estruturante e fluidificando fronteiras de

Estados, de aglomerações populacionais e de culturas diversas, gerando como substrato

principal o hibridismo dos processos humanos e as interculturalidades (BAUMAN,

2001; CANCLINI, 2009).

Por último, enfoco a presença do agronegócio, realidade inicialmente manifesta

nos campos do sul do Brasil que, após migrar para as fronteiras agrícolas do centro-

oeste nas décadas de 80, chegou às novas fronteiras agrícolas do Nordeste (Piauí, Bahia,

Maranhão, etc) nas últimas décadas. Produção assentada no uso de grandes extensões de

terra, na alta mecanização e uso massivo de insumos agrícolas, o agronegócio

caracteriza-se ainda pela alteração profunda das relações de trabalho e pelo consequente

desencadeamento de processos sociais e culturais diversos junto às populações

envolvidas na produção monocultora.

Embora reguladas pelas especificidades das condições em que estão inseridas,

de um modo ou de outro as realidades rurais brasileiras encontram-se em intenso

diálogo com as questões apresentadas. Os cruzamentos entre processos produtivos,

como o agronegócio e práticas da agricultura familiar, o diálogo cotidiano com a

televisão, o rádio, o telefone celular e a internet permitem a convivência estreita entre

situações díspares e antes impensadas. Essa articulação instala alterações inevitáveis

nas realidades rurais locais, imprimindo configurações diferenciadas em cada contexto e

colaborando para o estabelecimento da polissemia do que podemos a vir entender que

seja o rural no Brasil. Contemporânea a essa realidade coloca-se a localidade Roça

Nova-Sebastião Leal, no sudoeste do Piauí, município que compõe a fronteira agrícola

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da soja no Estado e que vivencia na atualidade todas as questões trazidas pela

expressiva prática monocultora ali vigente, pela proximidade em que se situa em relação

ao núcleo dito urbano e pelas sociabilidades oportunizadas com o acesso às novas

tecnologias, cruzadas à experiência de roça comunitária e de práticas tradicionais

agricultáveis várias.

Tendo por referência o exposto, este artigo tem por propósito analisar, a partir

de uma abordagem etnográfica, a localidade Roça Nova quanto às trocas sociais e

culturais estabelecidas, destacando a relação com o urbano e com o agronegócio e

delineando mudanças em curso e demais tendências encontradas, buscando evidenciar

as dinâmicas e as particularidades da experiência rural ali configurada. É o que passo a

fazer.

2. O agronegócio da soja no município

Discutindo o processo da ocupação originária do cerrado, Moraes (2006),

apoiando-se no argumento de diversos autores, propõe que o imaginário partilhado por

aqui configura um sudoeste - porque desenhado no seu nascedouro pelo percurso do

gado - ermo, embrenhado nas “chapadas e tabuleiros” e vivendo em torno das práticas

rudimentares de subsistência. Assim se comportaram porque separados por grandes

distâncias dos núcleos urbanos, e também um dos outros, sem acesso aos serviços

públicos básicos (estradas, financiamentos, tecnologias, educação etc) permaneciam

sem possibilidades de imprimir dinâmica mais arrojada à interação que mantinham com

o que lhes oferecia a natureza.

Por outro lado, o ideário de que as terras de constituição areno-argilosa,

predominantes no local, eram pouco apropriadas à agricultura (SOUSA, s/d),

determinavam certo desinteresse dos governos e eventuais exploradores pelo local,

constituindo uma representação do sudoeste como “vazio” (MORAES, 2006). Os

moradores também conservavam essa imagem, pelo menos em relação ao cerrado: “Só

por volta de 1985 a gente deu conta de que no cerrado produzia arroz!”, diz o Seu

Vicente, posto que sabia-se estar nos “solos tipo aluvião e massapé, predominantes nos

brejos e baixões [a terra fértil para] a cultura de arroz pelos pequenos produtores.”.

(SOUSA, s/d p. 49).

Orientando práticas e discursos, esse entendimento sofreu profunda alteração a

partir da década de 1970, consolidando outra narrativa acerca dos cerrados piauienses.

De acordo com Moraes, os anos 90.

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...rompiam definitivamente, com o imperativo do destino pastoril e assumiam

a idéia da vocação agrícola como mais uma feição da economia piauiense

[...]. Sem, dúvida, isto se vincula ao processo de incorporação dos cerrados

piauienses, que, a partir do final dos anos de 1980, ganharia visibilidade

como uma nova frente de expansão do agronegócio do complexo

carnes/grãos, mais tarde largamente tratada como uma nova fronteira

agrícola. (MORAES, 2006, p.174).

É nessa vaga de reorientação produtiva dos cerrados que Sebastião Leal e

municípios vizinhos têm o seu cenário reconstruído a partir da ostensiva presença das

propriedades monocultoras graníferas instaladas na região, com o apoio material e a

parceria política do Estado.

Sebastião Leal está situada na mesorregião do sudoeste piauiense, microrregião

de Bertolínia, a 435 km da capital do Piauí, Teresina (IBGE, 2009). O clima é quente e

semi-úmido, permanecendo em média de 30º durante o ano, com as chuvas ocorrendo

de novembro a maio, concentrada, entretanto, nos meses de janeiro, fevereiro e março

(IBGE, 1977, apud Id. Ibid), período conhecido como inverno.

Segundo dados do IBGE (2009), a estimativa da população para 2009 era de

aproximadamente 4.231 mil habitantes e 942 famílias, estando distribuída numa área

territorial de 3.111,103 km², consolidando densidade populacional de 1,4 hab/km². Das

2.993 pessoas residentes com 10 anos ou mais, 1.387 são mulheres e 1.606 são homens.

Do total de habitantes, 1.238 estão na faixa etária de 15 a 29 anos, intervalo etário no

qual esta investigação entenderá, em princípio, como abrigando os jovens.

Do ponto de vista dos serviços disponíveis, existe no núcleo urbano serviços de

água encanada e eletrificação, 01 pequeno hospital - com limitações para internação-, 02

equipes de saúde da família, 02 escolas, 01 biblioteca municipal, 01 agência dos

Correios com banco postal, 01 posto da Emater, 01 caixa eletrônico da Caixa

Econômica Federal, 01 posto telefônico, 03 pequenos hotéis, 01 lanchonete, 02 clubes,

02 pequenas filiais de lojas de departamentos, pequenas lojas de produtos eletro-digitais

e de produtos diversos, lojas de roupas de marca, vários mercadinhos, bares, telefonia

celular, acesso à internet través de uma lan house e de escolas de ensino médio locais, e

uma agência da Empresa Líder, única a operar o traslado entre a cidade e demais

municípios vizinhos, bem como a capital, Teresina.

Quanto à história econômica do município, sua produção esteve vinculada à

agricultura familiar (WANDERLEY, 1996) de aprovisionamento (GODOI, 1999),

cultivada em terras sem cerca ou terras soltas, como dizem os locais. A partir da década

de 70 o município experimentou uma importante mudança na sua estrutura fundiária, no

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tipo e quantidade de produção gerada a partir da chegada daqueles que os moradores

denominam de “os projeteiros”, os primeiros grandes produtores adeptos da moderna

agricultura instalados na região, vindos do Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco e

Mato Grosso. Estimulados pelo preço simbólico da terra e pelos incentivos

governamentais, provenientes especialmente da SUDENE, o propósito manifesto era

investir na produção de pecuária e caju, entretanto a iniciativa “na realidade não

resultou em produção agrícola, mas em ocupação especulativa de terras”, conforme

identificaram em suas pesquisas Monteiro e Aguiar, 2006. Outros estudiosos assinalam

no mesmo sentido:

No período em análise, [a partir de 1974] conforme relatórios da

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) são

instalados 17 projetos em Ribeiro Gonçalves e 12 em Uruçuí. Do total de 29

projetos, cerca da metade destina-se à pecuária, em particular, à pecuária de

corte e reprodução. Destes projetos, somente 14 foram concluídos. Quatro

outros estão em fase de implantação. Os 11restantes encontram-se nas

condições de excluído e/ou desistente e/ou caduco e/ou cancelado,

acrescentando-se que o projeto Companhia Brasileira de Alimentos Básicos

(Uruçuí) está nas condições de concluído e caduco, e o projeto Frutos do

Piauí S.A. (Ribeiro Gonçalves) não possui informações precisas. Este

panorama permite inferir que a implantação desses projetos nos municípios

visava promover a ocupação da região talvez buscando além dos recursos

subsidiados a valorização especulativa da terra. (REYDON E MONTEIRO,

s/d, p. 7)

Para os moradores da localidade até aqui não está claro o processo de

apropriação dos grandes lotes de terra por pessoas de fora. Questionam a situação legal

dos lotes, em função das práticas existentes à época em relação às “terras soltas”, pois

“Aqui havia a idéia de quem marcasse um aceiro de terra, garantia aquela terra. Aí foi

quando eles chegaram e encostaram em nós. [...] Os ‘projeteiros’ chegaram e tomaram

tudo [...]. E ainda hoje a gente sofre... essa consequência grande da questão fundiária

mesmo [...].” (Seu Vicente).

Anos depois, a maior parte dos ‘projeteiros’ abandou a região, sendo

sucedidos, a partir da renegociação das terras nos anos 90, por grandes produtores do

sul e do sudeste brasileiros, que imprimiram importante reorientação produtiva aos

cerrados. Com esses novos sujeitos Sebastião Leal e municípios vizinhos tiveram o

ambiente rural reconstruído em face da ostensiva presença das propriedades

monocultoras graníferas instaladas na região, com o apoio material e a parceria política

do Estado. Assim, teve início e se consolidou ali a demarcação de grandes extensões de

terra, nas quais hoje se instalam as plantações e milho, soja e algodão. Hoje é essa a

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realidade que mais tensiona a região quanto às mudanças das práticas produtivas, das

sociabilidades e culturas locais.

Atualmente existem em Sebastião Leal diversas empresas do agronegócio,

mais conhecidas como ‘fazendas de soja’, além de outras que desenvolvem atividades

de mineração e alguma atividade de pecuária. Duas são de grande porte: a Progresso e a

Chapada do Céu/Girassol. No entorno do município, especialmente no vizinho Uruçuí,

existe uma diversidade de fazendas e algumas cooperativas de produtores, além da

empresa Bunge, de capital e controle transnacional, que ali processa grãos de soja,

fazendo parte do grande grupo de tradings que opera o comércio internacional de soja.

Hoje a cultura da soja é responsável por grande parte dos rendimentos

financeiros a que os moradores têm acesso, via vínculos temporários ou permanentes de

trabalhos, além daqueles gerados pelo pequeno comércio varejista, pelo emprego

público e pelo trabalho na agricultura familiar, na forma de diárias ou comercialização

do pequeno excedente. Nos campos de soja, mormente no que se refere ao vínculo

temporário, o trabalho se dá sob condições precarizadas, conforme encontrei em

pesquisas antecedentes, realizadas na microrregião de Uruçuí (MONTEIRO E

AGUIAR, 2006) ou ainda nos depoimentos de trabalhadores locais, como destacarei

adiante. Entretanto, a soja garante alguma capitalização e sinaliza para a possibilidade

de independência financeira dos trabalhadores jovens, num contexto de agricultura

familiar onde os esforços são voltados para os objetivos do grupo.

Por outro lado, não obstante o atual perfil da produtividade do município, a

literatura especializada e os próprios sujeitos acessados têm apontado que a escolha

política do modelo agro-industrial em ofensiva distancia-se da orientação social da

produção e, desse modo, não apresenta alternativas de solução dos problemas que

afligem as populações locais, como a escassez da renda, o restrito acesso a direitos

sociais e a conseqüente exclusão social (FUNÁGUAS, s/d). Além disso, a questão

premente da ameaça ao ecossistema dos cerrados, de perda de patrimônio genético,

contaminação de solos e águas, conforme assinalado por Dantas, 2010, sedimenta a

ideia de que a ocupação dos cerrados piauienses, nos termos em que vem ocorrendo,

encerra um problema social para as populações locais. No município encontrei

depoimentos que corroboram a percepção das pesquisas:

Quando a soja se instalou veio a promessa do emprego, mas hoje a gente é

mais prejudicado do que beneficiado. Eles fazem contrato de 30, 40 dias [...]

e pior é o desmatamento. [...] Até doença que não tinha aqui, era raro ouvir

falar de câncer, agora tem, e muito. [...] A produção deles não serve para a

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comunidade. Eles não interessam em negócio pequeno. Eles não têm nenhum

interesse. Eles vendem é de mil toneladas pra fora. (Seu Vicente).

Como se pode ver, os processos engendrados pela realidade de produção e

circulação dos bens advindos da monocultura guardam semelhança, desde o seu

nascedouro, com as condições hoje presentes no agronegócio brasileiro como um todo,

resultando em que uma complexa situação, como a expressa pelo pequeno produtor, seja

deixada para resolução em nível individual. Por outro lado, as informações coletadas

mostram todas as pessoas abordadas na cidade de Sebastião Leal e no povoado Roça

Nova considerando que a presença das fazendas é algo positivo para o município.

Duas avaliações são recorrentes entre as narrativas: a primeira, uma percepção

ampla da mudança sofrida pela cidade. Nas narrativas o aumento do poder aquisitivo,

expresso pela aquisição de transporte e melhoria habitacional, trazido exatamente pelas

oportunidades do agronegócio, é muito valorizado. A segunda, mais presente entre os

moradores da área rural, diz respeito à questão do emprego e geração de renda para os

trabalhadores rurais, como se referem os jovens entrevistados: “Mas uma coisa é

verdade: o que tem de melhoria na vida do povo daqui de Sebastião Leal, é por causa

das fazendas aí. Se não fosse as fazendas, era tudo muito pior.” (Pedro); “[...]ainda tem

de dar graças a Deus porque tem as fazendas! Ainda tem de dar graças a Deus, porque

senão, era pior.” (Paulo). Embora alguns entrevitados já façam críticas quanto à questão

ambiental e muitos denunciem a precarização do trabalho vigente, a avaliação geral em

relação às fazendas é positiva, pois nas condições de dificuldades que acusam enfrentar,

não conseguem enxergar viabilidade na agricultura familiar. Assim, as repercussões das

atuais condições do campo piauiense se abatem tanto sobre o ambiente natural, quanto

às condições objetivas de produção. Mas, indubitavelmente, suscitam importantes

mudanças também para os modos de vida e culturas locais em geral.

2. Cenários, sujeitos e dinâmicas

A localidade Roça Nova está situada a três quilômetros do núcleo urbano da

cidade de Sebastião Leal e teve como primeiros moradores os ancestrais das famílias

Carvalho, Silva e Rodrigues e hoje conta com 37 famílias tendo, em média, seis pessoas

por residência. Existe ainda um produtor de gado que, embora sediado na localidade,

reside com a família em Sebastião Leal. Outro ex-morador, ao deslocar-se para a cidade,

manteve sua casa fechada na localidade. É ao longo do leito da única rua de areia

avermelhada que estão as casas da localidade, distribuídas às vezes espaçadamente, às

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vezes em pequenos grupos. A via, que se estende por 5,3 km, da primeira à última

residência da localidade, é ladeada por cajueiros, mangueiras e pequizeiros, muito

comuns na região.

Figura 1: Vista parcial de Roça Nova. Março de 2011. Por Valéria Silva.

Quanto às relações com a cidade e o mundo, o canal mais comum de interação

é, sem dúvida, a televisão, além da corriqueira presença física na sede do município.

Estar na cidade mostra-se como relevante em si e pelo potencial de acionar outros

mecanismos de relação com o mundo, como a internet, disponível na única lan house

existente e nas escolas de ensino médio. É também estando na avenida da cidade –

principal via de comércio – que os locais travam relação com a realidade da soja,

manifesta nas carretas que trafegam incessantemente em ambos os sentidos levando

equipamentos necessários à produção e trazendo os grãos – in natura ou beneficiados -

produzidos pelo agronegócio.

A facilidade da presença na cidade se faz em razão da curta distância, das

relações comerciais estabelecidas e, particularmente, devido à existência das

motocicletas, presente na quase totalidade das residências. A moto, como simplificam,

conferiu intensa mobilidade às famílias como um todo e modificou a paisagem de Roça

Nova ao substituir completamente os jumentos e cavalos dantes existentes. Transporte

prático, rápido e de baixo consumo, a moto incorporou-se à rotina local. Com tal

inserção nas práticas cotidianas, pilotam-nas homens (em sua maioria) e mulheres;

jovens, adultos, idosos e até crianças maiores, tendo por destino a roça, a escola, o

pastoreio do gado, o trabalho, a viagem, o comércio, a festa, a igreja, o passeio etc.

Pilotando ou conduzidos, é de motocicleta – e sem nenhum capacete - que os locais

vencem as distâncias que os separam dos demais, construindo sociabilidades novas e

possibilidades alternativas às que vivenciam cotidianamente.

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Roça Nova dispõe de energia elétrica monofásica e de água encanada

proveniente de caixas d’águas acopladas ao poço tubular ou aos poços cacimbões de

algumas casas, mas também servida pelo chafariz instalado junto ao poço perfurado.

Existe também o brejo que serve aos animais, porém, em períodos de maior estiagem o

brejo também chega a secar.

Existe ali uma escola de ensino infantil multi-seriada, construída em terreno

cedido pela família do Seu Raimundo, a qual atende atualmente oito crianças. Trata-se

de prédio de um único cômodo, com alpendre frontal, sem janelas e com aberturas em

combongós, dispondo de alguns equipamentos, tais como uma mesa, carteiras em

número ligeiramente superior aos alunos, quadro-negro e duas estantes com alguns

livros, aparentemente sem condições de uso.

Os moradores contam ainda com um pequeno salão de cabeleireiro, explorado

pelo jovem Pedro, contíguo à sua casa e uma revenda de gás que funciona na casa do

Seu Armando. Mercadinhos ou quitandas não existem no local. Assim, produtos

industrializados são adquiridos no mercadinho da localidade Jenipapo, a 1,5 km de

distância ou no comércio de Sebastião Leal. É também na sede do município que

comercializam a maior parte da produção agrícola excedente, quando existente.

A estrutura com vistas a transformação de produtos é constituída por: a) 02

casas de farinha, sendo uma delas instalada no complexo da casa do Seu Armando; b)

01 casa de pilar arroz que antigamente pertenceu à comunidade, sendo, depois, vendida para

um morador. O atual proprietário cobra 1,5 pratos de arroz pelado pelo beneficiamento de 30

pratos de arroz com casca; c) 01 engenho de cana, feito de madeira e movido a bois.

Segundo informações coletadas, trata-se de construção originalmente pertencente ao pai

do Seu Vicente, sendo a última unidade, dos 18 antigamente existentes, em

funcionamento na região.

Figura 2: Engenho de cana. Roça Nova, agosto

de 2010. Por Valéria Silva. Figura 3: Engenho de cana. Roça Nova,

agosto de 2010. Por Valéria Silva.

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As casas da localidade são construídas com adobe e telha, com piso, no geral,

de cimento, não existindo residências de pau-a-pique na localidade.

Figura 4: Adobes. Roça Nova, agosto de 2010.

Por Valéria Silva

Os adobes utilizados nas construções são preparados ali mesmo, pela pessoa

interessada em construir sua casa: “Ah, aí todo mundo sabe fazer adobe! Até menino aí,

faz, quando precisa.” (Dona Maria). Algumas casas foram construídas pelos mais

velhos, tendo 40, 50 anos, mantendo-se conservadas. Seu Raimundo, ao relembrar a

construção da casa dos seus genitores, onde reside até hoje, referiu-se, em tom

nostálgico: “Me lembro como se fosse hoje. Eu tinha 17, 18 anos quando ela [a casa] foi

feita. Me lembro demais da gente trabalhando nela. Nós e nosso pai...”. Construções

normalmente simples, mas em tamanho parecendo compatíveis com as necessidades

familiares, arejadas e limpas, as casas obedecem a uma arquitetura um tanto

padronizada. A frente da casa possui comunicação direta com a rua, através da porta

central da sala, ladeada por uma ou duas janelas, de tamanho pequeno em relação à

extensão das paredes frontais, “de oitão”, como se referem os locais. Do lado esquerdo,

sentido cidade/interior, onde o sol alcança o quintal e a parte traseira da construção, os

terreiros ganham sombra farta na parte da tarde, acolhendo adultos, jovens e crianças

que, à tardinha, ainda sentam à porta para conversar, mais comumente na parte central da

localidade.

Do lado direito, no mesmo sentido, as casas, que recebem o sol da tarde,

trazem quase sempre um pequeno alpendre como anteparo, o qual antecede o acesso à

sala de visitas. Por meio da construção de parapeitos ou batentes altos, a frente da casa

permanece à sombra no período mais quente do dia. Desse lado da rua os terreiros são

Figura 5: Detalhes de adobes da casa do Seu José

Roça Nova, agosto de 2010. Por Valéria Silva

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menos cuidados, pois inviável desfrutar dos mesmos, sendo o alpendre, durante a tarde,

o local externo a casa onde se dão os encontros.

Excetuando-se essa particularidade, as casas seguem um padrão comum, com

algumas diferenças quanto à dimensão dos cômodos e detalhes daqui e dali. A sala de

visitas dá acesso a dois ou três quartos e à sala de jantar. Com alguma variação, este

cômodo encontra-se mobiliado com cadeiras de espaguete, embora uma parte das casas

já disponha de sofás. Constam ainda estantes de modelos variados - de madeira, de

aglomerado ou de ferro – que acomodam a televisão em todas as residências e, na

maioria delas, algum tipo de aparelho de som. Em algumas casas a mesa de jantar de

melhor acabamento também fica na sala de visitas. É também neste cômodo que, em

parte menor das casas, dormem os rapazes, normalmente os adolescentes mais jovens.

Na sala de jantar, mesa e cadeiras de madeira, com aparência rústica, mas em

vários casos já o são móveis adquiridos na cidade, em armação de ferro e a mesa com

tampo de granito. Aqui também fica instalada a geladeira da casa, algum armário de

padrão moderno e o fogão a gás, conforme dito adiante. Convém lembrar que este é o

local partilhado com quem não priva da intimidade familiar, uma vez que as refeições

cotidianas são feitas na cozinha. Na casa onde estive hospedada somente parte das

cadeiras novas eram, por vezes, utilizadas pelos familiares e sempre em ocasião onde o

número de pessoas em torno da mesa da cozinha era superior à quantidade de cadeiras

ali existente.

A cozinha da casa, nos fundos, também construída de adobe e telha e, em

grande parte, aparentando se tratar de uma construção à parte, a posteriori, como se

fosse uma ampliação em relação à casa principal. Na maioria dos casos trata-se de

Figura 7: Tipos de casas. Roça Nova, agosto

de 2010. Por Valéria Silva. Figura 6: Tipos de casas. Roça Nova, agosto de

2010. Por Valéria Silva

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construções baixas, com paredes pela metade ou apenas batentes altos “pra ficar claro,

senão ninguém enxerga nada! Só é ruim porque não dá pra botar fogão a gás, porque o

vento não deixa aceso. Quem tem, né”. Neste cômodo comumente existe uma pia de

cimento ou de fibra, o fogão à lenha ou a carvão, potes, filtro, vasilhas com água para o

uso durante o preparo de alimentos, armazenamento de pequenas quantidades de

gêneros alimentícios, de lenha ou carvão; presença de pequenos armários ou ainda as

“baterias”, suportes confeccionados com ferro, de variados modelos, muito comuns no

Piauí, que serve à acomodação das panelas. Tem ainda uma mesa com cadeiras de

madeira onde a família efetivamente faz as refeições diárias.

Na narrativa de Dona Júlia está posta uma questão de relevância acerca das

mudanças em curso. Atualmente as casas que possuem fogão a gás normalmente põem-

no na sala de jantar, em vista do que a moradora se referiu: o vento. Muito embora o

vento forte, no segundo semestre do ano, seja uma realidade, outros fatos simultâneos

impõem-se à observação. Os fogões estão instalados de modo a ocupar ambientes

distintos, não sendo comum a instalação dos fogões a lenha e a gás no mesmo ambiente,

de modo que em algumas casas onde o fogão a gás está instalado na cozinha, o outro

migrou para o quintal. Certamente a fumaça do fogão à lenha dificulta a sua instalação

em local fechado e, segundo informado, o vento impede a instalação do fogão a gás em

ambiente aberto. Entretanto, a observação aponta uma nova dinâmica nos ambientes. O

fogão a gás geralmente aparece afastado das bilheiras, filtros, cuias, móveis precários,

compondo – frequentemente - um novo ambiente com armários de novos designs,

geladeiras, conjunto de mesas de ferro com tampo de granito ou similares. Apesar das

alterações percebidas, na localidade usa-se em maior quantidade lenha, carvão e, em

menor intensidade, o gás, porque “não tem quem possa! O gás é muito caro, dona! E

mesmo, eu não gosto muito, não.” (Dona Maria). É possível perceber no depoimento

que o gás, como insumo de relevância para o contexto da reprodução familiar e do

trabalho feminino, ainda se encontra sem afirmação como um recurso prioritário pelo

qual se aceite arcar com custos. Porém, no meu entendimento, a retirada do fogão da

sala de jantar, por si, já denota mudança quanto ao padrão de consumo e de relações daí

desencadeadas, no sentido que pontuei anteriormente. Além disso, a sua proximidade

poderá influenciar na intensidade do uso, posto que imediatamente disponível. Se assim

se verificar, esses fenômenos poderão implicar na mudança do atual entendimento dos

usuários locais acerca do consumo de gás.

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Assim, comparando o ambiente das salas com o ambiente da cozinha – ou do

quintal – encontro a expressão de determinada dinâmica da relação ruralXurbano

instalada na localidade/habitação/família. Nas primeiras está a face moderna,

representada pelos conjuntos de móveis diversos, eletrodomésticos movidos à energia,

adquiridos na cidade via relações mercantilizadas contemporâneas, como o cartão de

crédito. A complexidade posta sinaliza para realidades e funções diversas daquelas

sugeridas pela cozinha (e pelo quintal). Nesses ambientes estão os símbolos associados

ao rural que, porventura, os locais julguem atrasado: a comunicação direta com o meio

externo, os animais, a natureza, a lenha, a fumaça, as panelas empretecidas, os potes e,

por vezes, os pilões, machados e enxadas à vista.

Figura 8: Cozinha. Roça Nova, agosto de 2010. Por Valéria Silva.

Outra questão é quanto às paredes. A alteração das mesmas, levando-as tocar o

teto, também denota uma mudança importante, visto que, desse ângulo, a cozinha ganha

uma configuração similar à da casa, isto é, incorpora-se finalmente à casa, subvertendo

as distâncias existentes entre uma e outra. Por outro lado, uma vez inteiras, interferirão

diretamente nas possibilidades do controle simultâneo, por parte da mulher, do espaço

externo do quintal ao tempo em que desenvolve outras atividades na cozinha. A nosso

ver todos esses aspectos vêm demonstrar a existência de estreita relação, de

intercâmbios constantes entre os espaços urbanos e rurais, observáveis na nova

arquitetura das moradias, na diferenciação do consumo, em certa diferenciação da

inserção da mulher na divisão social do trabalho e no contexto familiar.

Na localidade algumas mulheres têm tido acesso a alguma renda própria, seja a

partir de pontuais iniciativas de trabalho combinado com os afazeres domésticos, seja a

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existência de recursos proveniente de programas sociais, recebidos pelas mulheres.

Sobre essa questão, em conversa, Dona Júlia se referiu que “tem gente aqui que recebe

[os recursos] e não compra comida, não. Compra é coisa pra casa, à prestação. A

comida, vai arranjando.” (grifos nossos). Segundo ela, o que viabiliza a adoção deste

comportamento é o fato de ter “aquele dinheiro certo, ali, todo mês”. Como podemos

ver, a presença de uma renda garantida contribui para uma colocação diferenciada da

mulher, inclusive, lançando-a nas relações de mercado, enquanto consumidora. Assim,

poderá, porventura, priorizar a aquisição do fogão a gás, certamente, produzindo

rebatimentos nas relações familiares, de gênero etc.

Retornando à arquitetura das casas, os banheiros têm estrutura arquitetônica

similar à das casas, contudo dispõem de fossa séptica. Com tamanhos por volta de

1,20x2,00, a maioria encontra-se sem azulejos ou com apenas a meia parede revestida,

dispondo de chuveiro e vaso, mas só alguns dispõem de pia. Comumente interno a casa,

também pode estar alocado no quintal, fisicamente separado da construção principal ou

a ela contígua, denotando a sua ampliação posterior. Outras partes complementares às

residências são similares a depósitos que se prestam à guarda de instrumentos de

trabalho, utensílios domésticos, bicicletas, colmeias, montes de coco babaçu, algumas

tralhas e, não raro, servem de abrigo às galinhas. Na maioria das vezes são construídos

no quintal, com pé direito inferior ao da casa, sem paredes ou ainda, em menor escala,

com meia-parede de adobe e teto de telha, palha de buriti ou babaçu.

Figura 9: Banheiro externo.

Roça Nova. Por Valéria Silva.

Silva

Figura 10: Depósito. Roça Nova, maio de 2010. Por

Valéria 2010

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A estrutura totalmente aberta dos ‘depósitos’ evidencia tranquilidade em

relação à segurança daquilo que é acomodado, o que muito revela das sociabilidades

vivenciadas. Não obstante, mister se faz registrar que depoimentos colhidos no núcleo

urbano já atestam a apreensão, medo e insegurança, em face de um assalto ocorrido na

Agência dos Correios e crimes incomuns ocorridos na vizinha cidade de Bertolínia, a

apenas 19 km de Sebastião Leal. Não é incomum, especialmente das mulheres, o

registro de preocupação com o cotidiano tráfego de carretas de soja, cujos motoristas

são desconhecidos de todos. Para elas, a volumosa e permanente presença de estranhos

pode estimular na cidade realidades hoje encontradas em Uruçuí, Bom Jesus, Bertolínia

e outras. Nesse campo, a preocupação maior é com a exploração sexual de adolescentes

e o uso de drogas.

3.1 Particularizando outros aspectos socioculturais locais.

Em Roça Nova as famílias, com raras exceções, são nucleares. Os casais têm

vínculo religioso eou civil, contraído entre pessoas de baixa faixa etária, realidade

similar tanto entre os casais antigos, quanto entre os mais jovens. Os casais se mantêm

os mesmos que contraíram matrimônio, não existindo casos de separação formal ou

informal: “os casamentos não acabam, vai empurrando com a barriga”, uma vez que o

fim do casamento não é bem aceito pelos demais (Ana). Em relação ao vínculo existente

e à composição vige ali, portanto, uma estrutura familiar patriarcal semelhante à que

vigia no país décadas atrás, fazendo com que a atual realidades dos novos arranjos

familiares sejam percebidos apenas em relação a quatro famílias. É curioso constatar

nos depoimentos que, na atualidade, os próprios jovens aspiram por projetos familiares

pessoais com desenho similar ao que encontrei junto às famílias ascendentes.

Na localidade a população se declara, em sua maioria, católica, embora na

cidade seja massiva a presença de protestantes. Não existem grupos religiosos

estruturados, mas na capelinha local, aos sábados, à tarde, acontecem celebrações, aulas

de catecismo para as crianças e aulas de crisma para os adolescentes, orientadas por

uma senhora da comunidade. No mesmo dia da semana, uma vez ao mês, ocorre a missa

local, realizada pelo padre de Sebastião Leal e no mês de dezembro acontece o festejo

de Santa Luzia, momento mais forte de vivência coletiva do sagrado pelos moradores.

No Nordeste a programação dos festejos religiosos, não obstante ter caráter

sagrado, é repleta de atividades profanas, contemplando a instalação de feiras, jogos de

futebol, leilões, bingos e festas dançantes. Constituem oportunidade de sociabilidades

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complexas para as populações das cidades do interior e de seus povoados, exercendo

forte influência material e simbólica junto aos moradores de um modo geral e

particularmente junto aos jovens. Em Roça Nova não é diferente: o festejo é um

momento misto de oração, de agradecimento, de renovação de votos religiosos, de

reencontro de parentes, amigos e conhecidos, de comemoração, de compras e vendas, de

alguma dinamização da economia local, de geração de recursos extras para as famílias,

de namoros, de brincadeiras, de festa, de lazer.

Figura 11: Bingo do festejo. Roça Nova, 2012.

Por Valéria Silva

Outra atividade comum aos segmentos e faixas etárias diversas é o sentar-se

nos terreiros à tarde para conversar, brincar e até debulhar/vigiar legumes estendidos ao

sol. Além da assistência aos programas televisivos, essa atividade é o modo mais

comum de uso do ‘tempo livre’, especialmente das donas de casa e idosos. Os jovens

usufruem mais do tempo livre e consideram como locais de lazer dois campos de

futebol - um adulto (onde se “joga no sério mesmo”) e outro infanto-juvenil e o clube,

uma construção coberta de palha, que abriga o baile dos festejos de Santa Luzia, no mês

de dezembro, além de três bares, todos contíguos às residências dos seus proprietários.

Ali os meninos – e não as meninas - bebem cerveja e jogam sinuca. Os jovens também

vão à cidade e lá frequentam a Praça João Veloso, a lanchonete, a lan house e visitam

amigos. Ocasionalmente também vão ao banho Barra do Brejo, em Bertolínia. A

maioria participa das festas de clube comuns, próximos a Roça Nova.

A maior parte das famílias da localidade dedica-se a agricultura familiar de

aprovisionamento, plantando em terra arrendada ou própria, situadas na localidade ou

próximas dali. As áreas de terra que possuem, das quais não têm os títulos, são de

extensão bastante variada, podendo se apresentar em tamanhos de 10 a 50 ha em média.

Apenas três dos moradores possuem propriedades com mais de 100 ha de área.

Figura 12: Chamamento para a missa. Roça

Nova2012. Por Valéria Silva

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Dos pequenos proprietários, quatro também trabalham no sistema de roça

comunitária, numa área de 435 ha, localizada na área dos cerrados. A terra, que é uma

posse cercada, foi demarcada pelos moradores quando do avanço dos ‘projeteiros’ sobre

o chão de suas origens. Através da organização de uma associação de produtores

conseguiram garantir os hectares referidos para o trabalho dos agricultores locais, muito

embora ainda não tenham o título de propriedade. Os restritos beneficiamentos

existentes vêm de financiamento do PCPR, do PRONAF etc. Para os agricultores, o

local ainda conta com uma grande limitação, que é a falta de energia elétrica.

Nas roças – comunitária ou não - utilizam o trator da comunidade para arar a

terra, subsidiado pela Associação Comunitária. Eventualmente, contam com o trator da

Prefeitura da Sebastião Leal “que o Prefeito bota aqui pra ajudar a gente.” (Seu

Armando). No cultivo parte dos agricultores faz uso de algum agrotóxico,

especialmente quanto às plantações de arroz e feijão. O solo de boa qualidade das roças

cultivadas nas áreas de baixão, que são a maioria, dispensa o uso de corretivos e

fertilizantes. Por sua vez, o solo arenoso do cerrado os exige, além do emprego do

agrotóxico, onerando os custos da produção. Segundo os locais, esta é outra limitação

quanto a priorizarem fazer seus cultivos na roça comunitária: o alto custo da atividade

agrícola na área dos cerrados piauienses, mesmo quando tratamos de pequenas

iniciativas, o que deixa o agricultor dependente das relações de mercado.

Os aspectos referidos denotam modificação sofrida pelas práticas agrícolas de

Roça Nova nas últimas décadas. De produção orgânica - por puro distanciamento

cultural da realidade dos insumos agrícolas e desnecessidade objetiva do combate

químico às pragas - passou a depender dos agrotóxicos. Segundo os agricultores, o

desmatamento de grandes áreas e o levantamento de barreiras químicas nos campos da

agricultura granífera, fronteiriços que são à plantação da agricultura familiar,

concentram as pragas nas pequenas áreas que cultivam. Além disso, restam duas outras

questões: os ditos defensivos são aplicados por via aérea, fazendo com que alguma

quantidade de produtos invada as áreas da agricultura familiar e, por último, como

grande parte das áreas de soja estão localizadas nas partes altas da região, durante o

período de chuvas têm suas lavouras “lavadas” com as águas escoando pelas roças

locais, depositando ali restos de produtos químicos. Alguns estudiosos, como Dantas,

2010, já se ocupam dessa realidade, apontando que ali se encontra instalada uma

premente ameaça relativa ao ecossistema, à perda de patrimônio genético, à

contaminação de solos e águas, conforme também os agricultores explicitam:

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Quando a enxurrada veio trazendo os agrotóxicos, matou a produção de

laranja, tangerina e outras coisas. A gente não tem mais nada... [...]. Uma

carreira de feijão, um molhinho de arroz, tudo tem de aplicar [agrotóxico],

senão não vinga... não fica um pé de nada, a gente tem de usar... e é desse

plantio que a gente se alimenta”. (Seu Vicente).

Além das repercussões apontadas, o uso de insumos e do trator para preparo do

solo amplia a relação do agricultor com o mercado, submetendo, de modo mais

significativo, a rotina da pequena produção a uma lógica de preços a qual não controla.

Esse fato desgasta a autonomia outrora vigente no processo produtivo quando este era

dependente unicamente das forças do grupo familiar e dos cálculos do seu líder, o pai.

Sim, pois também em Roça Nova a agricultura é de responsabilidade dos homens

adultos e dos jovens da casa, liderados pelo pai, estando o homem vinculado ao espaço

da produção, à semelhança do que encontraram Carneiro, 1976 e Godoi, 1999 nos seus

ambientes de pesquisa, igualmente situados no sudoeste do Piauí. As mulheres,

ocupadas com a reprodução e consumo, no ambiente privado, apenas se voltam à roça

no período da colheita, atividade que também envolve as crianças maiores.

Complementando a força de trabalho doméstica, as famílias, mormente aquelas

com pequeno número de pessoas habilitadas ao trabalho agrícola, nos termos

apresentados anteriormente, usam, como reforço nos cuidados com a roça alguma mão-

de-obra contratada de homens adultos locais, através do pagamento de diárias,

especialmente no período das limpas do mato e da colheita. Esse aspecto é muito

presente nas falas dos agricultores, visto que é fator de encarecimento do produto final,

recrudescendo as dificuldades da produção familiar: “Aqui, dona, é o sofrimento dos

pobres, a gente não tem as coisas no jeito... é difícil! Lhe digo mesmo: é melhor juntar

as coisas, uma condição que se tem e comprar [os gêneros alimentícios]. Quem pode,

né Mas se ninguém plantar, como é que se vai comprar Alguém tem que plantar!”

(Seu Armando).

A reclamação dos agricultores também enfoca os preços cobrados pelos

diaristas que, segundo as opiniões locais, influenciados pelo trabalho nas fazendas de

soja, “não querem mais trabalhar para os conhecidos do lugar”, pois tomam por

referência os valores salariais da soja, não se dispondo mais a trabalhar por diárias

compatíveis com a realidade financeira da agricultura familiar.

Seu Armando e demais chefes de família plantam, nas áreas de baixão, arroz,

feijão, milho e mandioca, especialmente, com produção destinada à subsistência e à

comercialização do eventual excedente. No seu dizer: “na roça se produz o básico”, o

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aprovisionamento sem o qual a família rural não pode ficar. A venda do excedente é

incerta, depende do perfil da safra. O produto que mais popularmente ainda permite

alguma capitalização é a mandioca, utilizada nas ‘desmanchas’, como chamam as

farinhadas, as quais acontecem entre junho e julho. Ali se produz a farinha e a goma,

muito embora o estímulo para a produção comercial seja cada vez menor, posto que o

baixo preço dos produtos vindos “de fora” inviabiliza um ganho significativo com a

atividade. Assim, atualmente é desenvolvida muito mais para o consumo próprio, com

venda residual da goma.

Além das culturas básicas, parte das famílias também planta cana de açúcar,

destinada à forragem para o gado, excetuando-se dois ou três casos em que o plantio é

usado para a produção de derivados, como rapadura e “tijolo”, a partir de

processamento realizado no último engenho de madeira e movido a bois em

funcionamento nas adjacências. A produção de derivados da cana é desenvolvida

especialmente pelos homens, tendo no trabalho das mulheres algum apoio, e tem como

destino o mercado local e das adjacências.

Como dito, a roça volta-se para o consumo familiar e para a comercialização

do excedente. Plantações de menor monta, como abóbora, quiabo, maxixe, batata doce,

pepino, melancia, melão caipira etc, outrora muito comuns nas roças piauienses,

existem apenas em algumas roças. Para outros agricultores, são coisas cultivadas “só

mesmo nesses munturo por aqui Ninguém ocupa roça com isso, não.” (Seu Armando).

Outra ocupação de relevância dos homens locais é o trabalho temporário nas fazendas

de soja, como já abordado. Esse é o tipo de vínculo comum estabelecido com o

agronegócio, pois o emprego permanente – o sonho de muitos - ainda é uma raridade.

Da localidade, as empresas têm contratado, no geral, homens jovens, solteiros, para

desenvolver atividades de serviços gerais, no período do plantio e da colheita da safra.

No dia-a-dia isso pode significar trabalho na sede da fazenda ou no campo, tais como:

catação de pedra e tocos, carregamento de caminhões, vigilância dos dutos das

máquinas durante o plantio, limpeza e processamento da safra, limpeza de máquinas,

limpeza de áreas, serviços de construção civil, manutenção predial, dentre tantas outras.

No campo de soja, mormente durante a plantação e colheita, as atividades se

estendem pelas vinte e quatro horas do dia. Assim, apesar da carteira de trabalho

assegurar o salário mínimo e apontar contratos com duração de oito horas, todos os

trabalhadores entrevistados afirmaram cumprir turnos ininterruptos de doze horas de

trabalho, independente das empresas a que estejam vinculados, com revezamento de

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turmas em jornadas que vão das cinco às dezessete horas e, novamente, das dezessete às

cinco da manhã, ou horários similares, de acordo com as rotinas de uma ou outra

fazenda. O excedente do contrato regular é pago em forma de hora extra, o que, para

alguns, sequer fica claramente calculado e compreendido nos valores recebidos2.

Aliada às extensas jornadas - as quais desestruturam uma certa experiência

com o tempo e o espaço enquanto realidades vivificadas nas práticas de trabalho

cumpridas da roça - vige uma rotina em muito diferenciada daquela que caracteriza a

agricultura familiar. Ali instalados passam a conviver intensamente com habilidades,

técnicas e equipamentos até então distantes de suas realidades produtivas, bem como

com a massiva produção de grãos resultante desse processo. Passam a morar em

alojamentos coletivos, partilhando cotidianos com pessoas de lugares e hábitos

diferentes. Ganham apelidos novos que, por sinal, demarcam exatamente os seus lugares

estanques no processo produtivo (rabicheiro, bazuqueiro, muqueiro). Alimentam-se em

hora marcada, em grandes refeitórios, relacionando-se com produtos, odores e sabores

diferenciados dos da cozinha outrora ao alcance dos seus olhos. Submetem o seu

trabalho ao controle externo dos processos adotados e dos gerentes, recebendo

orientações e reclamações, como observa Abel em seu depoimento:

O responsável] Reclama, diz que não cuidou direitinho. Normal, ele chama

atenção: “Você não cuidou, tal”. Eles me chamaram muito uma vez lá,

quando [a plantadeira] arrastou o toco lá, saiu arrastando. No outro dia ele me

chamou lá: “Rapaz, você não cuidou direito da plantadeira...Foi a tua e teve

outra né!?”. Lá é tudo numerado, sabe direitinho, toda máquina lá é

numerada, tem os números. Aí, num tem como esconder, não. Aí, no

outro dia eles me pegaram e disse: “Rapaz você vai ter que espalhar aquele

monte”. Peguei a enxada e fui espalhar o monte todinho...[grifos nossos].

Os recursos gerados na soja significam, para os casados, capitalização para o

enfrentamento de alguma situação mais exigente, como a seca, gastos com doenças,

quitação de dívidas etc. No caso dos solteiros implicam na autonomia financeira em

relação ao grupo familiar ou constituição de algum patrimônio - como a aquisição de

motos, gado, celular etc. – o qual desencadeia a diferença positiva de status dos “peões

das fazendas” diante dos demais, modificando as relações sociais experimentadas.

Há também o criatório de gado e galinha. Em Roça Nova não se cria bode, nem

porco porque “os grandes produtores, infelizmente, não cercam suas propriedades na

chapada. O nosso animal, por pouco que se tenha, tem de ser criado preso.” (Seu

2 Em agosto/2010 os entrevistados informaram que o rendimento mensal final de um contratado para trabalho de

Serviços Gerais ficava em torno de R$ 800,00 a R$ 900,00.

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Vicente). Ante tais condições, a única alternativa é criar gado, adotando uma cerca de

menor custo, construída com apenas quatro pernas de arame. O criatório de bode e

porco fica impedido, muito embora estes sejam animais mais comuns no contexto da

agricultura familiar piauiense, de manejo e retorno mais controlados. As atividades

relativas à criação de animais estão organizadas e acontecem no cotidiano a partir da

divisão sexual. A maioria dos homens cria gado em rebanhos menores que 30 cabeças3,

das raças holandesa, nelore e pé-duro. Para alimentar o gado utilizam ração, forragem

de cana e casca de pequi (na safra deste fruto) e também o pasto nas pequenas áreas

próximas ao brejo, onde as plantas se mantêm verde por um período mais longo durante

o verão, como se chama a estação com ausência de chuvas. Esse fato vem concorrendo

para a crescente agressão à principal fonte natural de água, a qual alimenta o buritizal da

localidade, importante fonte de renda extrativista, como explico adiante. Outra

preocupação envolvendo o buritizal é a constante pulverização aérea de agrotóxicos

realizada pelas fazendas de soja do município, especialmente aquela que explora 25 mil

ha de terra com a monocultura. Para aos agricultores, parte do ‘veneno’ cai no baixão,

sobre as palmeiras.

Embora os currais estejam localizados quase sempre ao lado das casas,

sinalizando para certa ‘domesticação’ deste afazer e, por decorrência a assunção dessa

atividade pelas mulheres (CARNEIRO, 1976), como dito, o cuidado com o gado é um

trabalho masculino. No curral vizinho à casa onde fiquei instalada o pai fazia a ordenha

matinal acompanhado das crianças pequenas, de ambos o sexos, o que talvez anuncie

uma modificação nessa atividade para o futuro.

Outra ocupação de caráter masculino é a pescaria. Num misto de trabalho e

lazer, alguns homens que não cultivam roças, adolescentes e crianças acorrem às

margens das poças maiores do brejo munidos de tarrafas as quais, mais frequentemente,

trazem peixes de minúsculo e pequeno porte. Na estiagem, quando o brejo seca, os

peixes ficam presos nas poças, facilitando a captura que, segundo os moradores, pode

ser feita com as mãos. A pescaria acontece no período da manhã, horário em que as

mulheres estão ocupadas com o trabalho da casa.

O segmento feminino adulto da localidade ocupa-se primordialmente das

atividades de reprodução do grupo familiar. Isso implica em cuidar da casa, das

crianças, da alimentação da família, das roupas e dos canteiros, quando estes existem na 3 Na localidade existe um criador de maior porte, com áreas de terra compatíveis ao rebanho possuído, entretanto o

mesmo não reside no povoado, mantendo ali apenas relações de trabalho. Em virtude disso, o levantamento feito não

contou este criador como morador.

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casa. Todas criam galinhas caipiras soltas nos terreiros e quintais, alimentadas com

milho, milheto, restos de comida e o pasto nas áreas próximas à casa. Conforme

relatado, o envolvimento das mulheres com a roça se dá apenas na época da colheita e,

mais frequentemente, com a preparação da “comida pros trabalhadores que tão dando

dia de serviço na roça”. (Dona Arcângela). De todas as famílias com filhos jovens que

abordei, apenas numa delas as moças desenvolviam atividades regulares na roça e junto

à criação de gado.

As mulheres têm presença destacada nas desmanchas - as farinhadas - embora

estas envolvam também os homens a quem cabe, inicialmente, arrancar a mandioca e

transportá-la até o aviamento. Uma vez ali amontoada, são as mulheres – adultas e

jovens -que a descascam, para em seguida ser a mandioca triturada pelos homens. São

também as mulheres que lavam massa, descansando a goma em recipientes, para depois

secarem-na. Cabe aos homens cuidar do forno, na torra da farinha e da comercialização

final do quinhão destinado ao mercado.

Sazonalmente, as mulheres também se ocupam com tarefas extrativistas, como

a coleta do buriti. A maioria das mulheres tanto coleta, auxiliadas pelas crianças -

inclusive aquelas menores - quanto raspa a polpa, agregando valor ao produto final, que

é vendido para atravessadores já conhecidos, os mangaieiros, gerando recurso extra para

o orçamento familiar. O pequi é coletado pelos homens e meninos maiores, posto que

Figura 14: Farinhada: homens.

Roça Nova, 2014. Por Valéria

Silva

Figura 13: Farinhada: mulheres. Roça Nova,

2014.Por Valéria Silva

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precisam se deslocar para a chapada, cada vez mais distante da casa, em função da

instalação das fazendas de soja.

Muito embora Roça Nova esteja situada numa região rica em coco babaçu as

mulheres locais – adultas e jovens - não quebram o coco para fins de geração de renda.

Alegam ser uma atividade muito “sacrificada”, pesada. A quebra do coco acontece

apenas para uso doméstico, na forma de leite e azeite, por parte das famílias, pelas

razões apontadas por Dona Maria em conversa durante uma torração das amêndoas:

“[...] ninguém quer mais fazer isso aqui, não. Dá muito trabalho quebrar coco! Por aqui,

só eu mesmo, porque o José [seu marido] não come óleo de soja, porque ali é óleo ruim!

Bota gosto ruim na comida. Os meninos também reclamam da comida”. Embora Dona

Maria se refira apenas a si própria, identifiquei outras famílias que adotam a mesma

sistemática em relação ao coco e ao óleo.

Além das atividades apontadas os moradores de Roça Nova desenvolvem

outras de natureza não agrícolas, revelando a presença da pluriatividade no local

(CARNEIRO, 1999). São elas, especialmente: a exploração comercial dos bares,

aluguel de caminhão, confecção e venda de salgadinhos, de sorvetes, a atividade

docente, de cabeleireiro, de motorista, de comerciários e a venda de produtos da Avon e

da Hermes. Como duplo-ativos existem os donos dos bares, com exceção de um deles,

que combinam essa atividade com a roça. A atividade do proprietário de caminhão e do

motorista é combinada com a criação de pequeno rebanho e plantação de pequena área

(“só pra ter mesmo o gosto de colher o feijão novo, porque é muito ruim no tempo certo

todo mundo ter legume novo e a gente não ter nada, né Então, eu planto uma coisinha

de nada... porque plantar mesmo é muito caro, não dá resultado”, explica Seu Ferreira).

Os comerciários – um jovem e uma jovem - cumprem a rotina de trabalho em

Sebastião Leal, como prioridade, envolvendo-se com as atividades rurais ou da casa na

condição de ajudantes e nas horas de folga. O jovem cabeleireiro, ao contrário, tem

como prioridade a roça e os estudos, ficando o salão em terceiro plano, muito embora

seja apontado como prioridade para um futuro próximo.

As mulheres exercem outras atividades sempre combinadas com o trabalho da

casa. Uma das mulheres da comunidade produz refeições para venda por seu marido no

bar que a família explora, combinando a cozinha comercial com as atividades da casa,

nas quais é ajudada pela filha adolescente. Nas horas de folga uma das mulheres locais

confecciona e vende salgados pela redondeza, neste caso controlando todo o processo

de produção e comercialização. Por último, a docência exercida pela professora da única

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escola existente é combinada com as atividades domésticas, essas também

desenvolvidas por suas filhas jovens.

4. Sobre o rural configurado: algumas sínteses

No intento de configurar o “rural” encontrado em Roça Nova uma primeira

síntese se coloca: embora atentando para as particularidades, é possível dizer que os

sujeitos abordados e suas práticas povoam indistintamente o campo e a cidade,

transitando com certa facilidade nos diversos ambientes, imprimindo configurações

diferenciadas em cada contexto, instalando alterações inevitáveis nas realidades rurais e

urbanas locais e colaborando para o estabelecimento da polissemia do que possamos vir

a entender o que seja o rural e o urbano naquela localidade, naquele município, a

exemplo do que encontramos também no Brasil.

Todas as situações e contingências postas no campo em estudo nos retiram as

certezas quanto à classificação peremptória acerca do venha a ser o meio rural e o meio

urbano, impondo outra postura epistemológica com vistas à compreensão de tais

realidades. As análises realizadas, iluminadas pela revisão de literatura empreendida,

orientam no sentido de que não há um “rural” a ser identificado na localidade, antes

existe ali um ambiente atravessado pela pluralidade de sentidos, experiências e práticas,

levando à constatação de que, mesmo quando nos centramos em entender o meio rural,

encontramos que a “[...] a cultura do campo não é uma, mesmo porque existe uma

multiplicidade de formas de viver e formas de socialização no campo e, portanto,

diversidades de culturas, de religiosidades, valores, desejos, e expectativas sociais”,

conforme adverte Sales. (2006, p. 147).

Não seria demais dizer que os processos desencadeados, envolvendo os

sujeitos e suas realidades materiais e simbólicas, concorrem, portanto, no sentido de

entendermos o cenário rural como “formado por relações sociais que variam em função

dos contextos e das posições dos sujeitos em relação.” (CARNEIRO, 2007, p. 54),

longe, portanto, da detenção de uma essência qualquer que possibilitasse sua

independência conceitual e viabilizasse sua compreensão exaustiva a partir apenas de

referências ditas “próprias”.

Tais condições, naturalmente, remetem a uma abordagem mais complexa e

aberta, exigindo que também em Roça Nova, conforme as informações suportam, o

rural seja entendido enquanto diferente, combinado, intercultural, plural,

interdependente, complementar, produto dos processos históricos e também das

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contingências engendradas nas dinâmicas encontradas local e globalmente, inscrito no

terreno do devir, apontando, desse modo, para a perspectiva de várias ruralidades em

substituição à noção fechada de um ambiente de expressão única.

Conforme tentei evidenciar, tanto quanto aos matizes socioculturais, quanto ao

ambiente natural e às atividades produtivas, a localidade tomada para estudo, ao tempo

em que revela processos em curso parecidos com outros já mapeados anteriormente

(HEREDIA, 1977; CARNEIRO, 2001; GODOI, 1999), também explicita importantes

modificações nos atuais percursos, configurando uma realidade rural estreitamente

articulada com as condições locais de produção e reprodução, de intensas trocas com a

indústria, com o urbano, com as dimensões locais/regionais/globais e particularmente

com o universo das fazendas do agronegócio.

Entendo, portanto, que é nesse espaço de trocas e interdependências que se

delineia o rural da maneira que se apresenta em Roça Nova, tomando-o como expressão

particular daquela realidade piauiense. Assim, também os modos e projetos de vida,

processos produtivos, formas de trabalho e consumo, tipo das paisagens, uso do tempo e

do tempo livre, relação com as instituições etc. ganham elasticidade, incorporando

aspectos diversos e construindo uma condição híbrida (CANCLINI, 1997) originada nos

trânsitos operados pelos sujeitos entre as realidades sociais de ruralidades-urbanidades.

Estas, cada vez mais imbricadas pelos enfrentamentos, convivências, diálogos

verificados no cotidiano. Por fim, pela imperativa partilha sócio-econômico-estético-

cultural que efetivamente realizam.

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O AVANÇO DA FRONTEIRA AGROPECUÁRIA E A

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NA AMAZÔNIA

BRASILEIRA

Prof. Pós-Dr. André Cutrim Carvalho 1

Prof. Dr. Luis Otávio do Canto Lopes2

Prof. Esp. Auristela Correa Castro 3

Resumo

O objetivo do presente artigo é discutir numa perspectiva histórico-teórica o significado

de fronteira e a questão envolvendo o avanço da fronteira agropecuária capitalista no

Brasil, além de procurar discutir o papel das instituições no processo de

desenvolvimento de uma economia de mercado. No Brasil, a incorporação de áreas

antes inacessíveis ou relativamente despovoadas, como no caso da Amazônia brasileira,

por atividades agropecuárias é o resultado do avanço da fronteira econômica capitalista.

Percebe-se, portanto, que no Brasil, em especial na Amazônia, o avanço da fronteira

agropecuária capitalista vem se dando dentro da lógica da acumulação do capital,

contudo não se pode prescindir dos elementos institucionais que estão presentes em

função dos interesses, e conflitos que permeiam o processo de ocupação econômica em

uma região de fronteira tão importante para o desenvolvimento do capital.

Palavras-chave: fronteira agropecuária capitalista; Amazônia brasileira; instituições

INCOME INEQUALITY IN BRAZIL: A THEORETICAL AND STATISTICAL

ANALYSIS OF POVERTY AND RURAL POVERTY

Abstract

The purpose of this article is to discuss a historical-theoretical perspective the

significance of the border and the issue involving the advance of capitalist agricultural

frontier in Brazil, besides seek to discuss the role of institutions in the development of a

market economy process. In Brazil, the incorporation of previously inaccessible or

relatively unpopulated, as in the case of the Brazilian Amazon, by agricultural activities

is the result of the advance of capitalist economic frontier. It is clear, therefore, that in

Brazil, especially in the Amazon, the advance of capitalist agricultural frontier is

occurring within the logic of capital accumulation, however one can not ignore the

institutional elements that are present in their interests, and conflicts that permeate the

process of economic occupation in a border region so important to the development of

capital.

Keywords: capitalist agricultural frontier; Amazon; institutions.

1 Professor Pós-Doutor, Faculdade de Economia do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal

do Pará (FACECON/ICSA/UFPA), Belém/Brasil, e-mail: [email protected]

2 Professor Doutor, Núcleo do Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (NUMA/UFPA).

3Professora Especialista, Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), Santarém/Brasil. e-mail:

[email protected]

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Área Temática 02: Dinâmicas rurais contemporâneas

3. Introdução

Primeiramente, é preciso entender os aspectos mais importantes relacionados à

discussão de fronteira. De acordo com Hennessy (1978), as sociedades latino-

americanas estão, ainda, no estágio histórico de fronteira. Nesta etapa da história do

desenvolvimento do capitalismo, as relações econômicas, sociais e políticas estão

marcadas pelo movimento da expansão demográfica e econômica sobre terras não

ocupadas ou ainda não completamente ocupadas.

Na América Latina, como assinalou Foweraker (1982), a última grande

fronteira é a Amazônia, em particular a Amazônia brasileira. As áreas de fronteiras no

Brasil têm traços e processos de ocupação que as caracterizam e as diferenciam das

outras áreas fora do território nacional. Na concepção de Velho (1976, p. 100-106):

Na fronteira, embora na prática a terra não esteja inteiramente disponível para

o acesso a todos os imigrantes, a ideologia da “fronteira aberta” representa,

no imaginário coletivo dos grupos sociais, daqueles indivíduos despossuídos

de meios de produção, uma oportunidade para melhorar as suas condições de

vida. De qualquer modo, talvez por isso, a fronteira seja o “lócus” por

excelência da terra aparentemente ilimitada.

É a combinação das ações políticas e econômicas, operadas pelas instituições

públicas, que permite a formulação de políticas públicas dirigidas com a perspectiva de

solucionar os problemas sociais, econômicos e ambientais da agenda governamental.

A palavra fronteira pode ser entendida como a extremidade de um país ou

região do lado onde confina com outro, porém, o termo fronteira, também, significa os

pontos limite de uma figura geométrica; ou, ainda, o conjunto de pontos extremos do

contorno dos mapas representativos da escala dos territórios de um país e das suas

unidades administrativas.

Conforme Carvalho (2012, p. 09):

A fronteira pode ser compreendida como sendo uma zona de ocupação de um

território relativamente vazio em termos demográficos, onde as instituições

públicas responsáveis pela manutenção da ordem jurídica, com vistas ao

estabelecimento das “regras do jogo” para a funcionalidade das instituições

privadas, têm uma atuação precária quanto ao exercício do cumprimento das

leis no âmbito de uma sociedade democrática.

No caso da Amazônia, o avanço da fronteira agropecuária vem se dando dentro

da lógica da acumulação capitalista, contudo não se pode prescindir dos elementos

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institucionais que estão presentes em função dos interesses e conflitos que permeiam o

processo de ocupação econômica numa região de fronteira.

Nesse contexto, o presente artigo tem como propósito discutir o(s)

significado(s) de fronteira e Instituições no processo de desenvolvimento de uma

economia de capitalismo tardio, como a do Brasil. Para tanto, o presente trabalho foi

estruturado da seguinte forma, além desta introdução e da conclusão. Na segunda seção,

de forma breve, são apresentados os aspectos metodológicos da presente pesquisa. Na

terceira, discute-se o termo fronteira e instituições sob uma perspectiva teórica. Na

quarta seção, a fronteira é debatida no contexto de desenvolvimento do capitalismo no

Brasil e, por fim, na quinta seção, discute-se a fronteira como uma instituição

importante para, na sequência, concluir o estudo.

2. Metodologia: Método de Pesquisa

A especificação metodológica constitui parte obrigatória da pesquisa

acadêmica que adote o método científico, contudo, é preciso distinguir o método de

abordagem dos ditos métodos de investigação. O método de abordagem diz respeito à

filiação filosófica e ao grau de abstração do fenômeno estudado, já os métodos de

investigação ou procedimentos de uma pesquisa consistem nas etapas concretas da

investigação e do uso das técnicas de pesquisas adequadas.

Nas ciências sociais em geral, e em particular nas ciências econômicas, impõe-

se uma restrição metodológica: que é a necessidade de confrontação da realidade

pensada, abstraída do concreto, com a realidade empírica, isto é, aquela que é percebida

pelos nossos sentidos. Desta forma, os conhecimentos práticos estão submetidos à

necessidade de conexão imediata com a realidade a que se referem. Na investigação

teórica, diferentemente da investigação empírica – enquanto o método de pesquisa

baseado em levantamentos de campo de dados primários ou mesmo em levantamento de

dados secundários – o método de pesquisa tem a ver mais com o método de exposição

das ideias: se dedutivo ou indutivo.

Neste caso, o método utilizado para o melhor desenvolvimento do referido

artigo envolve o método dedutivo porque parte do geral, ou seja, a discussão

envolvendo os fundamentos teóricos para compreensão do avanço da fronteira

agropecuária capitalista e o papel das instituições no desenvolvimento do capitalismo

brasileiro, em especial, na Amazônia.

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3. O Debate sobre fronteira em uma perspectiva histórico-teórica

Um dos autores mais importante sobre a discussão de fronteira é Frederick

Jackson Turner, considerado o pioneiro e o mais importante teórico e historiador da

fronteira norte-americana. Embora o objeto da investigação de Turner (1961) tenha sido

a fronteira norte-americana, ele também se referia a fronteira como uma fase do

processo geral de evolução, cujo significado na formação de outras sociedades deveria

ser investigado.

Turner (1961) defende que as concepções da história têm sido quase tão

numerosas quanto os homens que têm escrito sobre a história. Nestes termos, Turner

(1961, p. 26) revela sua concepção de história:

História, eu tenho dito, é para ser tomada no sentido restrito. É mais do que a

literatura do passado, mais do que a política do passado, mais do que a

economia do passado. É a autoconsciência da humanidade – o esforço da

humanidade para entender a si mesma através do estudo de seu passado. Mas,

o estudo da história não se limita aos livros, o objeto é para ser estudado, não

apenas os livros. A história têm uma unidade e uma continuidade; o presente

necessita do passado para explicá-lo; e a história local deve ser lida como um

passado da história do mundo.

Por esta citação fica clara a importância do conhecimento da história local da

fronteira tanto para a história nacional quanto à história mundial de qualquer nação.

A tese geral de Turner consiste numa teoria sobre a influência da fronteira

econômica na sociedade norte-americana, pode ser resumida da seguinte forma: “A

existência de uma área de terras livres, o seu recuo contínuo e o avanço do povoamento

americano em direção ao oeste explicam o desenvolvimento americano” (...) “e o ponto

de vista correto para o estudo da história desta nação não é a costa atlântica, e sim o

grande oeste, observa Velho (1972, p.16-17).

Lênin (1980, p. 4-5) observa três grandes regiões com características

econômicas distintas nos EUA: o Norte industrial, o Sul escravista e o Oeste em

processo de colonização. Na sequência de desenvolvimento do presente trabalho, a

discussão ficará centrada nos fundamentos teóricos de Turner (1961) sobre a fronteira

do Oeste dos EUA, a partir da sua concepção histórica de fronteira econômica como

uma sociedade em formação com características peculiares, e o seu papel na formação

das instituições econômicas e políticas dos EUA.

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3.1. O significado de fronteira

Para um melhor entendimento deste significado, Turner (1961, p. 38) observa

que:

A fronteira econômica de uma nação deve ser vista como o limite

exterior do território ja ocupado por instituições sociais, econômicas e

politicas; um espaço geográfico vazio, em termos de densidade

demográfica, o qual se encontra em processo de ocupação e que é

ponto de encontro entre a barbárie e a civilização.

Na visão de Turner (1961), a fronteira não é um espaço fechado e apresenta

uma determinada dinâmica caracterizada pelo que ele chamou de avanço da fronteira.

Os sucessivos avanços da fronteira nos EUA ocorreram durante várias décadas, sendo

que as características de cada fronteira ocupada mudavam no tempo e no espaço, de

acordo com a disponibilidade dos recursos naturais e do uso produtivo dado à terra pela

população migrante.

Nessa perspectiva, fica evidente que a fronteira econômica exerce influência

marcante na história da evolução das instituições sociais, políticas e econômicas de uma

nação. Para Turner (1961, p. 39-51):

A fronteira da Costa Atlântica avançou graças aos homens de negócios

ligados a indústria de pesca, a mineração, a pecuária e a agricultura familiar;

a frente de expansão da fronteira do oeste avançou graças às famílias dos

pequenos agricultores e depois com a agroindústria e a indústria

manufatureira; e a fronteira do sul dos EUA com as grandes plantações de

algodão e depois com a indústria têxtil e a pecuária. Essas fronteiras, apesar

das distâncias, realizavam um comércio de mercadorias entre elas, o que

contribui para a redução das importações de mercadorias da Inglaterra.

A fronteira do ponto de vista do capital, portanto, exerce uma influência

marcante na história da evolução das instituições sociais, políticas e econômicas de uma

nação. Carvalho (2012, p. 13) observa que “o crescimento do sentimento nacionalista do

povo americano e a evolução das suas instituições tiveram a contribuição da fronteira”.

A legislação constitucional que definiu a independência dos três poderes e a liberdade

para a criação das instituições empresariais teve o reforço das sociedades da fronteira do

oeste. Logo, o avanço da fronteira deu origem à criação de novos estados e municípios

que hoje fazem parte dos EUA.

O próprio Carvalho (2012, p. 14) sustenta que “o poder de aglutinação do povo

norte-americano cresceu com a criação de novos estados à medida que a fronteira

avançava pelo interior do território norte-americano”. Quando Turner (1961) discute as

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questões da venda e da alienação das terras públicas da União, as instituições públicas

responsáveis são vistas como um produto da pressão das sociedades locais que

pertenciam à fronteira. Nota-se, deste modo, que o debate sobre o direito à terra livre foi

importante para a promoção da democracia norte-americana.

3.2. A fronteira como uma sociedade em processo de formação constante

Primeiramente, é preciso entender que a dificuldade de qualquer fronteira

econômica é um problema que envolve a necessidade de desenvolvimento de uma

nação. Turner tinha a fronteira como uma forma de sociedade, muito mais do que uma

área. Nas palavras de Turner (1961, p. 52-53):

A fronteira é, no fundo, uma forma de sociedade, mais do que uma área.

Fronteira é o termo que deve ser aplicado para a região cujas condições

sociais resultam da aplicação das mais velhas instituições e de ideias para

transformar as influências da terra livre. Nesse ambiente, o acesso à posse da

terra é a porta de entrada, repentinamente, aberta para a liberdade de

oportunidades (...) e para o surgimento de novas atividades, novas

alternativas de crescimento, novas instituições e novas ideias trazidas para

existência real.

Assim, à medida que fronteira geográfica interna – em termos do território de

uma nação – passa a ter uma ocupação humana crescente, decorrente da imigração de

pessoas de outras regiões para a nova fronteira, qualquer que seja a motivação, esta

fronteira se transforma numa fronteira econômica, já que nenhuma ocupação humana

num território persiste se não vier acompanhada de um conjunto de atividades

econômicas capaz de assegurar a sobrevivência e a fixação da população por meio da

produção de bens e serviços –c com base no trabalho autônomo ou no trabalho alheio –

destinada ao mercado.

Isto significa que a formação da fronteira econômica implica não somente

numa expansão do mercado nacional por meio da criação de novos espaços de mercados

locais e regionais, como sua consolidação depende do crescente contato entre o rural e o

urbano, incluindo o aspecto cultural entre estes dois lados.

Nesse contexto, a inserção da Amazônia no contexto da globalização corre o

risco de perder a essência de sua herança cultural, daí a resistência dos movimentos de

defesa da cultura da região. Cabe dizer que cultura não se resume a erudição, instrução

ou educação. De fato, no sentido mais amplo, cultura compreende também o padrão de

consumo e tecnológico de uma sociedade. De acordo com Furtado (1984, p. 32):

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É certo que um maior acesso aos bens culturais melhora a qualidade da vida

dos membros de uma coletividade. Mas, se fomentado indiscriminadamente,

pode frustrar formas de criatividade e descaracterizar a cultura de um povo.

Daí que uma política cultural que se limita a fomentar o consumo de bens

culturais tende a ser inibitória de atividades criativas e a impor barreiras à

inovação. Em uma época de intensa comercialização de todas as dimensões

da vida social, o objetivo central de uma política cultural deveria ser a

liberação das forças criativas da sociedade. Não se trata de monitorar a

atividade criativa e sim de abrir espaço para que ela floresça. Necessitamos

de instrumentos para remover os obstáculos à atividade criativa, venham eles

de instituições venerandas que se dizem guardiães da herança cultural, de

comerciantes transvestidos de mecenas ou do poder burocrático. Trata-se, em

síntese, de defender a liberdade de criar, certamente a mais vigiada e

conectada de todas as formas de liberdade.

Em diversos trechos do seu trabalho, que podem ser encontrados em Taylor

(1967, p. 2-28); Taylor (1967, p. 317-325), o referido autor procurou analisar a

contribuição de Turner sobre o papel da fronteira na formação das instituições na

América do Norte, sintetizando da seguinte maneira:

1. Na fronteira norte-americana tem-se uma recorrência do processo de

evolução em cada área do Oeste alcançado no processo de expansão. E esse

contínuo contato com a simplicidade da sociedade primitiva fornece as forças

que dominam o caráter do povo norte-americano. 2. Desde o momento em

que as montanhas se antepuseram, entre o pioneiro e a costa, surgiu uma

nova ordem de americanismo. O Oeste e o Leste começaram a perder o

contato um com o outro; 3. A fronteira promoveu a formação de uma

nacionalidade compósita para o povo americano; 4. O crescimento do

nacionalismo e a evolução das instituições políticas americanas dependeram

do avanço da fronteira; 5. As características econômicas e sociais da fronteira

americana trabalharam contra o separatismo. A mobilidade da população, por

meio dos fluxos migratórios, em direção à fronteira constitui a morte do

localismo, mas produz o individualismo; 6. O surgimento da democracia

como uma força efetiva na nação norte-americana foi introduzida pela

predominância do pequeno produtor na fronteira do oeste; 7. A fronteira

norte-americana serviu com uma “válvula de segurança” de oportunidades

que impediu o desenvolvimento da consciência de classes e de lutas de

classes; 8. Com o fechamento da fronteira, no final do século XIX, a era da

livre competição entre indivíduos pelos recursos não apropriados da nação

norte-americana aproxima-se do seu fim. A “válvula de segurança” deixa de

funcionar e a competição individual, por intermédio das amplas

oportunidades não apropriadas, cede lugar ao monopólio dos processos

industriais do grande capital; 9. Desde os tempos coloniais, houve uma

disputa entre o “pioneiro democrático” e o capitalista quanto à formação da

natureza e da percepção do sentimento nacionalista; 10. Disputa política

mantida entre a “democracia radical” dos pioneiros, desenvolvida

especialmente sobre a influência dos pioneiros da fronteira do oeste e os

interesses conservadores dos grandes fazendeiros; e 11. A democracia norte-

americana foi construída com base na abundância de terras livres na fronteira,

cujas condições serviram de modelo para seu desenvolvimento e os seus

traços fundamentais que hoje formam a nação norte-americana.

O próprio Turner (1961) reforça a contribuição das forças sociais da fronteira

na mudança das instituições nos EUA. Ele revela está por trás a hipótese de que a

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totalidade das transformações ocorridas no campo contribuiu para forjar e moldar as

modernas instituições democráticas da nação norte-americana.

4. O Significado de Fronteira no Brasil

Furtado (1976), quando discute os fundamentos econômicos da ocupação do

Brasil, procura distinguir a colonização de povoamento do território norte-americano

feita pelos ingleses, da colonização de exploração feita pelos portugueses no território

brasileiro. No Brasil, as colônias de plantations da cana-de-açúcar ou do café tiveram

um papel importante como empresa agromercantil exportadora de produtos para os

países europeus, sobretudo, para Portugal e Inglaterra, no encerramento da etapa

colonial. Porém, outras modalidades de estruturas mercantis foram responsáveis pela

extensão da fronteira brasileira para além dos limites das plantations como caso das

organizações econômicas das missões religiosas na Amazônia durante o ciclo das

“drogas do sertão”.

O significado de fronteira como um processo sistemático de ocupação

geográfica levou alguns estudiosos da fronteira brasileira, tais como: Morse (1965),

Velho (1976) a substituir a noção de fronteira pela de frente pioneira, onde a noção de

“pioneira” explicita a ideia daquelas famílias que chegaram primeiro. Essa noção tem

uma forte conotação com a teoria geral de Turner (1961) sobre o pioneiro da fronteira

do oeste norte-americano vista como uma válvula de segurança importante à formação

da nacionalidade das pessoas desse país.

Carvalho (2012, p. 23) afirma que no Brasil, muito mais do que uma válvula de

segurança, a fronteira é vista como uma espécie de válvula de escape às tensões sociais

no agrário brasileiro impedindo o aumento de mais conflitos sangrentos na luta pela

terra entre latifundiários e grileiros contra os camponeses e índios. Morse (1965, p. 30-

31) observa a fronteira e a ação dos bandeirantes no Brasil de forma distinta da visão

histórica de Turner:

A fronteira não é uma linha ou um limite, ou um avanço da civilização, ou

um processo unilateral ou unilinear. (...) Compreender o processo brasileiro

de ocupação significa perceber a fronteira mais como interpenetração do que

como avanço; mais como uma relação com o meio do que como uma

projeção sobre ele; mais como uma busca intermitente por um jardim das

delícias; mais do que como uma construção sistemática de um. Essas

considerações por sua vez se ligam a proposições que são fundamentais para

a sociologia de uma civilização católica.

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Na visão de Turner (1961), a fronteira do oeste norte-americano era uma

“fronteira aberta”, no sentido da sua ocupação ter se dada de forma democrática,

apoiada no Homestead Act de 1862, em terras livres para os farmers, ou seja, para

famílias de pequenos produtores rurais. Sandroni (1999, p. 285) a descreve com

detalhes da seguinte maneira:

A Lei do Homestead foi aprovada em 1862, durante o governo Lincoln, nos

Estados Unidos, estabelecendo a distribuição de terras no Oeste de forma

quase gratuita, na proporção de 160 acres (cerca de 65 hectares). O

homestead estabelecia, em resumo, que a propriedade da terra era de quem

conseguisse demarcá-la durante um dia, legitimando dessa forma as posses

que os agricultores iam obtendo ao desbravar o Oeste. A lei representou um

poderoso estímulo para a colonização do Oeste dos Estados Unidos e atraiu

um enorme fluxo migratório para aquele país. Além disso, o homestead

eliminava um poderoso empecilho ao desenvolvimento da agricultura, na

medida em que, pela nova lei, a propriedade da terra não pressupunha a

propriedade de escravos, nem essa última, a propriedade de terras.

Lênin (1980) demonstra com base nas estatísticas disponíveis até então, que

nos EUA o capital subordina e transforma direta ou indiretamente as várias formas de

propriedade da terra, inclusive a dos pequenos agricultores de base familiar (farmers).

Em 1981 este mesmo assunto veio à baila com a publicação do trabalho de

Aidar e Perosa Júnior (1981), que discutem o peso da agricultura familiar e os limites às

grandes empresas no campo em países desenvolvidos. Na verdade, essas pesquisas

visavam demonstrar, com base nos dados do censo mais recente da economia agrícola

norte-americana (naquela época), a versão contemporânea do mito criado por Turner da

democracia agrária.

Essas tentativas de manipulação de dados estatísticos, não respaldados em

métodos de investigação e exposição históricos, para demonstrar a importância da

pequena produção familiar, são convenientes aos interesses das grandes corporações

agrícolas que dominam crescentemente todos os elos da cadeia produtiva do setor

agrícola, desde a venda de insumos até a venda dos produtos nos supermercados,

sustentam autores como: Graziano Da Silva (1987); Abramoway (1992).

4.1. O movimento da fronteira no Brasil

No Brasil, o movimento de ocupação territorial da fronteira brasileira não

ocorreu (e não ocorre) exclusivamente por meio de contingentes de famílias de

pequenos lavradores – enquanto unidades de produção familiar – mas sim através de um

mix que envolve diversos segmentos sociais: pequenos produtores de base familiar,

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empresários, fazendeiros e homens “sem terra”, todos em busca de terras para ocupar,

produzir ou especular.

O movimento histórico de integração nacional da continental nação brasileira

ocorreu e, ainda, ocorre por intermédio do avanço da fronteira agrícola, sendo esta vista

como o elo institucional entre o desenvolvimento capitalista em curso e os espaços

vazios (com uma grande quantidade das terras disponíveis) que logo se transformam em

regiões ocupadas economicamente com baixo grau de ordenamento institucional-legal e

domínio da acumulação do capital mercantil.

A ocupação das terras da fronteira no Brasil, com exceção do Estado do Acre,

vem se dando dentro dos limites da fronteira do território brasileiro com os países

vizinhos. A fronteira econômica, neste caso, é o lócus territorial de uma economia em

processo de formação e integração nacional da sua estrutura produtiva de bens e

serviços dentro dos limites internos de um Estado nacional. Dentro do conceito de

fronteira econômica, destaca-se a fronteira agrícola, onde estão as atividades de cultivos

agrícolas homogêneos na forma de grandes plantações, a exemplo das grandes

plantações de café no norte do Paraná e mais recentemente das plantações de soja e

trigo na região do centro-oeste.

O progresso da fronteira direcionada para a ocupação de territórios vazios teve

a orientação do Estado, sobretudo a partir do Estado Novo da ditadura Vargas. De

acordo com Velho (1976, p.145-152):

O avanço da fronteira agrícola na direção do centro-oeste do Brasil, durante

governo Vargas, tinha como principal objetivo a integração demográfica e

econômica de parte do território da região do centro-oeste brasileiro.

Mesmo assim, o referido autor acreditava no papel da fronteira econômica,

como uma Instituição importante, para levar adiante a formação de um mercado

nacional, já que houve um massivo movimento de migrantes, sobretudo de pequenos

produtores, que acabou ocupando e integrando nacionalmente o centro-oeste ao restante

da economia brasileira.

Abramoway (1942) destaca que o avanço da fronteira agrícola no centro-oeste,

durante o período da ditadura de Vargas, teve um papel semelhante ao sugerido por

Turner (1961) no caso da fronteira do oeste norte-americano, quando criou vários mitos

em torno do avanço da fronteira econômica na época, sobretudo os que dizem respeito

ao estabelecimento da ideologia da identidade nacional. É claro que, apesar disso, a tese

de Turner não é suficiente para explicar a dinâmica da fronteira no Brasil.

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É inegável o fato de que, mais recentemente, o avanço da fronteira da soja e da

pecuária, nos estados de Mato Grosso e Goiás, promoveram um rápido desenvolvimento

do agronegócio no centro-oeste, dentre outras razões, devido à proximidade com a

região mais industrializada e urbanizada do país, o Sudeste. Atualmente, o agronegócio

está inserido na economia global como um dos grandes exportadores de soja para o

resto do mundo.

4.2. Modelos de ocupação da fronteira: frentes de expansão e frentes pioneiras

As discussões envolvendo a questão agrária no Brasil giram em torno sobre sua

estrutura agrária concentrada e sobre a dualidade econômica de suas relações sociais de

produção capitalistas e não capitalistas. A imensidão de terras na fronteira sempre

serviu para escamotear a possibilidade de uma política de reforma agrária visando

reduzir as desigualdades regionais da riqueza e da renda no Brasil.

Outra importante questão no âmbito do agropecuário brasileiro que mereceu

uma ampla discussão foi à modernização da agricultura. Mas, sem desmerecer a

discussão dessas questões, a identificação dos padrões (ou modelos) de ocupação da

fronteira é algo merecedor de estudos. Nesse contexto, é muito importante mencionar a

contribuição de Martins (1975) que, partindo das noções de fronteira da geografia e da

economia, conseguiu formular um modelo teórico com vistas a melhorar o

entendimento da dinâmica do processo progressivo de absorção das regiões de fronteira

pela economia de mercado, com base nos movimentos sociais chamados por ele de

frente de expansão e frente pioneira. Para Monbeig (1957, p. 53-54):

A concepção geográfica de “zona pioneira” supõe uma concepção dualista do

tipo “zona pioneira” versus “zona antiga”, na qual esta última é

compreendida como o extremo oposto da primeira, caracterizada pelas terras

empobrecidas que são transformadas em pastagem e marcadas, devida a

emigração à zona pioneira, pelas perdas dos seus tipos mais empreendedores.

Essa dualidade do ponto de vista da geografia perde de vista algo mais

importante que são as relações sociais de produção definidoras dessa zona pioneira,

ressalta Martins (1975). Este mesmo autor teve a oportunidade de mostrar, em diversas

ocasiões, que a noção de “zona pioneira” para caracterizar o processo de ocupação de

territórios relativamente vazios do ponto de vista demográfico é ambígua e insatisfatória

para explicar a dinâmica da fronteira atual no Brasil.

No Brasil, os movimentos sociais de ocupação da fronteira se dão de forma

muito diferente das descritas por Turner, nos EUA. Isto é assim porque nem os homens

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eram tradicionalmente livres e nem as terras eram também livres. Martins (1979, p. 59-

75) afirma que:

Em 1850, a Lei de Terras instituiu um novo regime de propriedade em nosso

país, que é o que tem vigência até hoje, embora as condições sociais e

históricas tenham mudado muito desde então. Ao contrário do que se deu nas

zonas pioneiras americanas, a Lei de Terras institui no Brasil o cativeiro da

Terra – aqui as terras não eram e não são livres, mas cativas no sentido da Lei

601 que estabeleceu em termos absolutos que a terra não seria obtida por

meio que não fosse o da compra. O homem que quisesse torna-se proprietário

de uma gleba teria que comprá-la do dono da terra – o latifundiário. Sendo

imigrante pobre, como foi o caso da maioria dos “moradores” das grandes

fazendas, teria que trabalhar previamente para pagar o grande fazendeiro.

Nas áreas que não estavam instituídas essas características, como no caso do

Nordeste açucareiro e do Sudeste cafeeiro ou não havia programas de colonização

oficial, como ocorreu no Sul do país, essa instituição teve pouca eficácia. Foi

justamente nessas áreas relativamente livres, como é o caso do centro-oeste e do norte

do Brasil, que o regime de posse e a economia dos posseiros se expandiram para além

dos limites dos territórios já ocupados pelas grandes fazendas de cana-de-açúcar, de

café e de pecuária.

Esse processo se fez presente, recentemente, no caso da ocupação da fronteira

amazônica, quando as empresas capitalistas com o suporte financeiro do Estado

começaram a avançar sobre as terras de posseiros e índios. Por tudo isso, a rigor, não é

correto reduzir o movimento de ocupação da fronteira amazônica a um único

movimento – o movimento dos pioneiros. Na Amazônia, estamos diante de dois

movimentos distintos e combinados que envolvem complexas formas de conflitos no

processo de ocupação territorial.

A frente pioneira exprime um movimento econômico, cujo resultado imediato

é à incorporação de novas terras das regiões de fronteira à economia de mercado em

bases capitalistas. A frente pioneira, portanto, se apresenta como fronteira econômica,

sendo, na verdade, precursora do ponto de vista do capital, já que é uma frente

capitalista de ocupação territorial representada pela grande fazenda, pelas empresas

agrícolas, bancos, casas de comércio, estradas e todo o aparato institucional do Estado

que se põe para mitigar os conflitos.

O que caracteriza a penetração do capital no campo não é tanto a instauração

das relações sociais de produção baseadas no trabalho alheio, mas sim a instauração da

propriedade privada, isto é, a mediação da renda da terra capitalizada entre o produtor

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agrícola e a sociedade em geral. Neste particular, outra característica das frentes de

expansão é o regime de apropriação da terra.

No Brasil, em especial na Amazônia, há diversas formas de apropriação de

terras: a propriedade privada familiar dos pequenos lavradores; a propriedade privada

capitalista; a propriedade comunal dos povos indígenas; e o da posse dos posseiros da

Amazônia. A propriedade privada familiar não é uma propriedade usada para explorar o

trabalho de outrem, na verdade, este tipo de propriedade ou de posse familiar transforma

a terra em terra de trabalho própria das frentes de expansão.

5. A fronteira como uma instituição

A Amazônia Legal é um produto institucional de uma política de ocupação de

uma região vazia em termos demográficos, por razões geopolíticas e geoeconômicas,

tendo em vista à necessidade não somente de integrar economicamente esse gigantesco

território a economia nacional, como também assegurar a soberania nacional contra a

ameaça da cobiça internacional. É importante ter consciência de que a fronteira

amazônica faz parte da totalidade socioeconômica brasileira e não se distrair do fato que

a fronteira, como uma sociedade em formação, não se estrutura como um fenômeno

autônomo, nem em sua fase pioneira e nem em sua fase de expansão.

Quando a ocupação sistemática de terras livres numa fronteira de recursos,

como no caso da Amazônia Legal, passa a interessar à classe dominante, que têm

aproximação com a burocracia do Estado e manipulam as ideologias do

desenvolvimento, a institucionalização que resulta na expansão da fronteira, geralmente,

vem acompanhada por leis específicas e a criação de organismos públicos de suporte a

dinâmica da ocupação da fronteira econômica em bases capitalistas. Becker (2000, p. 9)

expressa o “Tratamento Institucional da Fronteira Amazônica” nos seguintes termos:

Na contemporaneidade, o uso do território de um Estado, de modo geral, e de

sua fronteira política, de modo específico, parece, em grande parte, o

resultado de fluxos e pressões gerados não só de dentro como, cada vez mais,

fora dele e que escapam, de certo modo, ao controle de suas instituições e

regulações territoriais tradicionalmente elaboradas. Nesse contexto, a

organização do espaço econômico e de seu extenso limite fronteiriço parece,

em grande parte, ditada tanto a partir da esfera central – ponto de referência

da soberania nacional e foco da análise a seguir – como das relações vindas

do exterior. Não é demais enfatizar, desse modo, que o tratamento da questão

fronteiriça na Amazônia vincula-se ao processo mais amplo de

desenvolvimento e ocupação da região.

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Nesse contexto, a organização do espaço amazônico e de seu extenso limite

fronteiriço com os países da Pan-Amazônia remete, em grande parte, a influência

geopolítica do Estado brasileiro, associada com a política de soberania nacional, mas

também a influência da geoeconomia interna e externa associada à influência das

relações internacionais. Contudo, a expansão da fronteira econômica no Brasil, no caso

da fronteira amazônica, é mais um reflexo do dinamismo da economia brasileira a partir

do polo concentrador e centralizador do capital industrial e do capital financeiro.

A velocidade da ocupação de terras livres na fronteira pode interessar tanto ao

capital que a disputa por terras livres (ou não) pode conduzir a expropriação de terras de

terceiros por meio de processos violentos ou fraudulentos de acumulativa primitiva e,

por conseguinte, a elevação dos conflitos, por meios violentos, em torno da luta pela

terra. Se luta pela posse da terra for vencida pela frente de expansão capitalista

agropecuária, então haverá a possibilidade de ocorrência de uma fronteira fechada e,

quando isso acontece, diminuem as alternativas do desenvolvimento da agricultura com

base na pequena unidade de produção familiar.

Velho (1972) admite a existência de um terceiro tipo de fronteira, que ele

chama de fronteira aberta controlada. De qualquer maneira, a fronteira quando aberta,

com ou sem restrição do Estado, abre a possibilidade para penetração de uma gama de

atores sociais, tais como camponeses, fazendeiros e empresas. Todos veem à fronteira

como o lugar da terra ilimitada disponível, mesmo sabendo que a terra é limitada em

termos físicos, jurídicos e econômicos do ponto de vista do seu aproveitamento para a

agricultura.

Nas palavras de Velho (1979, p. 100): “O lócus por excelência da terra

“ilimitada” é, obviamente, a fronteira”, isto é, a fronteira econômica é um lugar muito

importante para os dois modelos desenvolvimento, daí o interesse do Estado em

controlar o movimento da fronteira na Amazônia brasileira. Martins (2009 p. 135-136)

afirma que:

A concepção de frente pioneira compreende, implicitamente, a ideia de que

na fronteira se cria o novo, uma nova sociabilidade, fundada no mercado e na

contratualidade da das relações sociais. No fundo, consequentemente, a frente

pioneira é mais do que o deslocamento da população sobre o território no

Brasil, pois acaba sendo também a situação espacial e social que convida ou

induz à modernização, à formulação de novas concepções de vida, à mudança

social.

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Para Foweraker (1982, p. 31), a “fronteira pioneira, ao contrário, tem-se

expandido em resposta às demandas do mercado nacional e em função da acumulação

econômica dentro da economia nacional desde 1930”. A fronteira pioneira, nestes

termos, é um processo histórico específico de ocupação de novas terras.

O avanço da fronteira decorre dos movimentos das pessoas e atividades

econômicas que acabam transformando, integrando e ampliando novas relações sociais

em bases capitalistas do espaço ocupado ou em processo de ocupação territorial. É claro

que o processo de avanço da fronteira pioneira deve ser visto dentro da dinâmica cíclica

capitalista, mas com a diferença crucial de que o ciclo de acumulação e apropriação do

excedente pode ocorrer simultaneamente em diversas fronteiras do país.

Sob esta perspectiva, a fronteira não exprime toda e qualquer atividade

econômica cuja produção é voltada para o mercado exterior, mas sim uma atividade

particular que integra as regiões inexploradas à economia nacional, sendo esse processo

impulsionado pelas forças e contradições próprias de uma economia em

desenvolvimento.

Além disso, o capital industrial e financeiro numa formação econômica

espacial, já dominada por relações sociais de produção especificamente capitalistas, tem

como intento fixar o seu domínio territorial na fronteira econômica por meio da

intermediação do capital mercantil que faz uso, como lhe peculiar, das formas violentas

de expropriação de terras e de exploração do trabalho alheio por métodos de

acumulação primitiva.

6. Conclusão

É preciso entender que o Brasil é um país de dimensões continentais, onde

ainda existe uma relativa abundância de terras agricultáveis nas regiões afastadas dos

grandes centros urbanos e industriais concentrados na região sudeste do país. Apesar da

histórica concentração de terras de propriedade de uma oligarquia agrária nas zonas

ocupadas, ainda assim há uma imensa área de fronteira para ser conquistada.

Além disso, o setor agropecuário – compreendendo o conjunto de atividades

econômicas vinculadas à exploração do solo para a obtenção de alimentos e matérias-

primas de origem vegetal e animal – nos últimos anos vem passando por grandes

transformações estruturais decorrente do processo de modernização conservadora que se

seguiu a industrialização pesada dos anos de 1960-1970.

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É nesse contexto que se insere a expansão da fronteira agrícola e da pecuária

ocorrida nas últimas cinco décadas tendo como principal palco de conflitos a fronteira

amazônica. A progressiva incorporação das terras dessa parte do território nacional,

antes inacessíveis e pouco povoadas, vem se dando através do processo da apropriação

privada da terra e dos recursos naturais existentes no solo, no sub-solo e nas ágúas da

bacia amazônica.

A fronteira agropécuária pode ser tanto interna quanto externa aos

estabelecimentos agropecuários e dos territórios das macrorregiões em que eles se

situam. Mais importante do que essa dicotomia subjacente à noção de fronteira é

identificar os fatores responsáveis pelo movimento de avanço da fronteira.

O ponto de partida para levar adiante uma discussão teórico-histórica sobre

fronteira foi trabalho de Turner. Não obstante, dadas as diferenças da herança histórica e

institucional entre o Brasil e os EUA, mostrou-se que os significados de fronteira na

formação sócio-econômica brasileira ganha contornos singulares que os diferenciam de

outros países. Isso permitiu discutir os vários significados de fronteira até chegar aos

conceitos de “frente de expansão” e “frente pioneira” como modelos econômicos de

ocupação da fronteira.

A fronteira é também uma instituição produto da criação do Estado. De fato, o

governo militar lançou a “Operação Amazônia” que criou a Amazônia Legal e todo o

aparato institucional que contribuiu para transformar a Amazônia Legal, enquanto uma

mera instituição numa verdadeia fronteira real, e por isso o lócus dos conflitos da luta

pela terra. Tendo isso em conta, o referencial teórico sobre fronteira precisava ser

completado com a incorporação da teoria das instituições da escola de pensamento neo-

institucionalista.

Na fronteira amazônica, o incremento populacional gradativo e o crescimento

econômico exercem uma pressão excessiva sobre os recursos renováveis na região. O

aumento da exploração de recursos naturais e seu uso predatório acaba gerando fortes

externalidades negativas – como o desmatamento florestal – sobre os outros usuários

que exploram sustentavelmente os recursos naturais dentro dos limites de sua

propriedade privada.

Portanto, as institutuições sociais jogam um papel importante na aplicação dos

direitos de propriedade e na preservação dos recursos naturais, ou seja, as Instituições

formais, que incluem as instituições legislativas e judiciais, são também importantes à

determinação da responsabilidade das organizações que tratam da gestão do meio

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ambiente e das políticas públicas de preservação do meio ambiente por meio dos

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RESILIÊNCIA AO ESTRESSE HÍDRICO NAS LAVOURAS

ALIMENTARES NO SERTÃO DOS INHAMUNS - CEARÁ

Raquel Neris Teixeira1

Milena Monteiro Feitosa 2

Francisco Aquiles de Oliveira Caetano3

José de Jesus Sousa Lemos4

Resumo

O trabalho teve como objetivo aferir a capacidade de recuperação da agricultura familiar

através das culturas mais praticadas (milho e feijão) no Sertão dos Inhamuns em

resposta ao estresse provocado pela instabilidade hídrica entre os anos de 1977 e 2013.

Avaliou-se a evolução do valor da produção, áreas colhidas e rendimentos dessas

culturas. Para estimar este índice de resiliência utiliza-se o método de decomposição em

componentes principais da análise fatorial objetivando encontrar os pesos associados

aos indicadores empregados na formatação do índice. Os resultados mostraram a grande

instabilidade das culturas, que inclusive supera a instabilidade do regime pluviométrico,

isto porque além dessa irregularidade climática há problemas associados ao atraso

tecnológico, que não foi objeto do estudo, e à flutuação dos preços demonstrada na

pesquisa.

Palavras-chave: Agricultura Familiar; Resiliência; Estresse Hídrico.

1.Introdução

O semiárido brasileiro é uma região natural delimitada pelo conjunto de

características edafoclimáticas integradas que o diferencia do espaço geográfico ao seu

redor. O bioma característico desta região é a caatinga a qual se destaca por ter um

patrimônio biológico diversificado e por ser um bioma exclusivamente brasileiro, não

sendo encontrado em qualquer outra parte do mundo. As características deste bioma são

temperaturas predominantemente altas, precipitações escassas e concentradas em um

curto período de tempo, déficit hídrico devido ao alto potencial de evapotranspiração

que é maior que as precipitações, solos rasos e pedregosos, a vegetação nativa é

composta por plantas arbustivas ou arbóreas de porte baixo, retorcidas e resistentes ao

estresse hídrico.

1 Graduação em Agronomia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE/Brasil, [email protected]

2 Graduada em Ciências Econômicas, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE/Brasil,

[email protected]

3 Graduado em Ciências Econômicas, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE/Brasil,

[email protected]

4 Dr. Professor de Economia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE/Brasil, [email protected].

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O semiárido no Brasil se estende por oito estados da região Nordeste e parte do

estado de Minas Gerais. A economia rural desta região tem como base a agricultura

familiar. Na região Nordeste, a qual tem a maior porção do seu território inserida no

semiárido, 90,2% dos estabelecimentos agropecuários são caracterizados pela

agricultura familiar, a categoria patronal representa apenas 6,4% do número total de

estabelecimentos. No entanto, apesar de ocupar quase toda a extensão da área rural, a

agricultura familiar representa apenas 52,2% do Valor Bruto da Produção, enquanto que

o setor patronal corresponde a 42,5% do VBP (SABINO, 2013). Estes dados

evidenciam a dimensão do problema, pois retratam a situação de vulnerabilidade aos

fatores ambientais, atraso tecnológico e falta de estrutura técnica e econômica a qual

está submetida a agricultura que é praticada pela grande maioria dos agricultores que

vivem no semiárido.

O Estado do Ceará possui mais de 90% do seu território pertencente ao

semiárido, é o estado brasileiro com maior inserção proporcional neste bioma. Dos 184

municípios cearenses, 150 estão incluídos oficialmente no semiárido Lemos e Botelho

(2014). O estado é dividido em oito macrorregiões de planejamento: Região

Metropolitana de Fortaleza (RMF), Litoral Oeste, Sobral/Ibiapaba, Sertão dos

Inhamuns, Sertão Central, Baturité, Litoral Leste/Jaguaribe e Cariri/Centro Sul. A

região discutida neste trabalho é a macrorregião do Sertão dos Inhamus. Esta se

constitui por dezesseis municípios: Aiuaba, Ararendá, Arneiroz, Catunda, Crateús,

Independência, Ipaporanga, Ipueiras, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Novo Oriente,

Parambu, Poranga, Quiterianópolis, Tamboril e Tauá (IPECE,2010). Compreende uma

área de 26.227,3 Km² e tem uma população de 411.407 habitantes sendo que a

população rural corresponde a 45% deste total (IBGE, 2010).

De acordo com dados do IPECE (2013), no ano de 2011 a agropecuária

representou uma participação no PIB desta região de 14,67%. Embora esta seja a

atividade exercida por quase metade da população, a sua participação no PIB é a menor

ficando atrás do setor se serviços(74,7%) e transformação (10,62%). As atividades

econômicas agropecuárias que predominam no Sertão dos Inhamuns é a agricultura de

sequeiro, criação de gado de leite e de corte e criação de pequenos animais em sistema

extensivo com baixo nível tecnológico. Verifica-se a inexistência de grandes áreas

contínuas de agricultura mecanizada, sobressaindo-se a agricultura familiar, sendo

predominante em toda a sua extensão.

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Caracteriza-se ambientalmente por clima semiárido, a vegetação predominante

é a caatinga que é composta por plantas xerófitas, com alta resistência ao estresse

hídrico, o solo é raso e pedregoso. A região é banhada por quatro importantes bacias

hidrográficas: Alto Jaguaribe, Sertões de Crateús, Serra da Ibiapaba e Acaraú. O

potencial hidrogeográfico dos municípios desta região, assim como de todo o semiárido,

é pequeno em virtude da predominância de rochas cristalinas representadas por

litologias do Pré-cambriano. Esta litologia se caracteriza por solos rasos com ocorrência

de afloramentos rochosos (OLIVEIRA, 2008). Estes fatores favorecem a baixa

infiltração de água no subsolo, consequentemente o desabastecimento do lençol freático,

o escoamento superficial provoca a erosão do solo, as características da vegetação

xerófita também colaboram com a reduzida capacidade de infiltração da água e com o

carreamento do solo para os cursos d’água. Somando todos estes aspectos o que se vê é

um cenário de desertificação, o qual já vem sendo discutido por alguns autores.

Outros aspectos relevantes que caracterizam esta região é a elevada população,

grandes áreas rurais, precipitações médias anuais abaixo de 800 mm, altas temperaturas

médias anuais consequentemente alta taxa de evaporação. As ações antrópicas que se

desenvolvem nesta região são predatórias devido, principalmente, a situação

socioeconômica precária da população que usa, como meio de subsistência, os recursos

naturais de forma negligente. Como exemplo tem-se a extração de madeira da caatinga

para a produção de carvão e lenha, queimadas em áreas de mata nativa, uso do solo de

forma irracional até a sua exaustão, desmatamento em áreas de encosta, nascentes de

rios e matas ciliares para uso agrícola e de pastagem.

O objetivo deste trabalho é avaliar a capacidade de recuperação ou resiliência

da produção agrícola das culturas de milho e feijão ao estresse hídrico na macrorregião

do Sertão dos Inhamuns entre os anos de 1977 e 2013. De forma específica a pesquisa

objetiva: (a) Estimar os valores médios, máximos e mínimos da área colhida, produção,

rendimento e valor bruto da produção de milho e feijão, comparando-os com os regimes

pluviométricos médios sob os quais aconteceram; (b) Analisar comparativamente os

valores máximos, médios e mínimos relativos ao Sertão dos Inhamuns com o Estado do

Ceará; (c) Estimar de forma comparativa, a capacidade ou recuperação, ou a resiliência

das culturas de milho e feijão ao estresse hídrico, provocado pela variação das chuvas

na região entre os anos de 1977 e 2013; (d) Estimar a capacidade de resiliência das

culturas de milho e feijão em resposta às variações do regime pluviométrico no Sertão

dos Inhamus no período sob investigação.

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2.Referencial Teórico

O conceito de resiliência tem diferentes definições dependendo do ramo da

ciência no qual é aplicada. Para Turner et al. (2003), nos estudos de ecologia utiliza-se a

resiliência com o objetivo de caracterizar a capacidade de um sistema de se recuperar de

uma perturbação ou estresse até chegar a um estado de referência e de manter

determinadas estruturas e funções. O conceito de resiliência está fundamentado na ideia

de que os sistemas ecológicos e sociais devem ser compreendidos como sistemas que se

relacionam e que estão em constante mudança, e não obrigatoriamente em equilíbrio

estático (NELSON et al,. 2007).

Para Carpenter et al. (2001) a resiliência apresenta três propriedades: a

quantidade de mudança que o sistema pode suportar e ainda manter a sua estrutura e

função; o grau de auto organização do sistema; o grau no qual o sistema pode construir

a capacidade de aprendizado e adaptação. Lemos e Botelho (2014), define resiliência

como a capacidade que possui um sistema de absorver impactos externos e reorganizar-

se enquanto prepara mudanças para continuar mantendo as mesmas funções, estruturas,

identidades e capacidades de prover retornos.

Para Holling (1973), resiliência é definida como a propensão de um sistema

para reter sua estrutura organizacional e a produtividade na sequência de uma

perturbação. Assim, um agroecossistema resiliente vai continuar a prestar um serviço

vital, como a produção de alimentos mesmo que haja uma seca grave ou uma grande

redução nas chuvas. O desenvolvimento dos sistemas agrícolas resilientes é um tópico

essencial de estudo, pois muitas comunidades tem forte dependência do

provisionamento de serviços fornecidos pelo ecossistema tais como alimentação,

forragem, combustível, ente outros, para a sua subsistência (ALTIERI, 1999).

A irregularidade de chuvas, deficiência hídrica, baixa capacidade de adaptação

e a pobreza da população faz com que a região semiárida no Nordeste brasileiro seja

considerada uma das vulneráveis às variações climáticas (OBERMAIER, 2011). As

alterações e a variabilidade climática surgem como um dos mais graves problemas

globais afetando muitos setores no mundo e é considerado ser uma das mais graves

ameaças para o desenvolvimento sustentável com impacto negativo sobre o meio

ambiente, segurança alimentar, atividades econômicas e recursos naturais (MARY;

MAJULE, 2009).

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A agricultura em relação aos outros setores da economia é uma atividade que

possui alta vulnerabilidade aos fatores ambientais, uma vez que o clima é o fator mais

importante na determinação da sustentabilidade de sistemas de produção agrícola. As

comunidades que dependem das atividades agrícolas para a sua sobrevivência estão

entre as mais duramente afetadas e a população mais vulnerável desse grupo são aquelas

de menor renda e nível educacional (MONTEIRO, 2007).

No semiárido brasileiro, a seca é parte da vida cotidiana, formação da cultura,

ambiente, política e sociedade. Nesta região assolada pela pobreza, os agricultores

aguardam ansiosamente a chegada anual da estação chuvosa e a promessa de uma

colheita promissora. Em caso de seca, a produção agrícola é comprometida e o

sofrimento humano prevalece (LEMOS et al.,2002).

O Estado do Ceará apresenta características de regiões semiáridas, com

cobertura vegetal típica de Caatinga e, por não possuir rios perenes e ser um dos estados

do Nordeste mais vulneráveis à seca, sofre severas limitações. A ausência de rios

perenes combinado com a frequência de secas é um entrave para o desenvolvimento do

semiárido, pois problemas com solos rasos e salinos e baixa pluviosidade, associados à

intermitência dos rios, inviabilizam, juntamente com outros fatores de caráter

socioeconômico, o progresso da agricultura familiar (VIDAL; SANTOS, 2014).

A seca não influencia apenas o setor rural, uma vez que a economia nordestina

depende do setor primário. A escassez de matéria-prima, o desemprego nas cidades que

fazem parte do semiárido, a retração da economia e a diminuição da arrecadação

tributária, são exemplos da extensão do problema provocado pelas estiagens sobre os

diversos setores da economia nordestina (ARAUJO FILHO et al.,1987).

Sabe-se, no entanto, que além dos problemas provocados pelas condições

edafoclimáticas, pela escassez de chuvas, pela falta de água corrente em decorrência das

estiagens prolongadas, é necessário considerar, também, as condições estruturais, no

que diz respeito, principalmente, à posse e ao uso da terra, e o contexto cultural em que

a agricultura familiar é realizada no semiárido nordestino (DUARTE, 2002).

Para Siniscalchi (2010), o setor agrícola no semiárido é dinâmico e bastante

heterogêneo, com processos diferentes de modernização tecnológica, mas o sistema de

produção predominante é a agricultura tradicional de base familiar. A base da

economia no semiárido é a agricultura de sequeiro onde são grandes os riscos de

prejuízos na colheita e aumentam no período de seca. Os fatores climáticos são

decisivos neste tipo de agricultura, principalmente a precipitação pluviométrica, pois

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neste tipo de atividade agrícola não existe fonte de água disponível como ocorre em

áreas irrigadas. A ocorrência de baixas pluviosidades ou chuvas mal distribuídas

acarreta decréscimo, ou até, perda completa da produção (COUTINHO et al, 2013).

No entanto, há um aparente paradoxo, pois de um lado existe a vulnerabilidade

de agricultores familiares frente aos riscos climáticos e socioeconômicos, e do outro a

resiliência socioambiental da agricultura familiar como um conjunto para absorver ou se

recuperar de tais choques. Em resumo, ao mesmo tempo em que a agricultura familiar

do sertão é altamente vulnerável, ela se mostra extremamente resiliente (OBERMAIER,

2011).

3. Metodologia

3.1. Área Geográfica de Estudo

A área geográfica definida para o estudo foi a macrorregião do Sertão dos

Inhamuns, a qual está entre as regiões com menor índice pluviométrico. No entanto, no

processamento dos dados foram excluídos os municípios de Ararendá, Catunda,

Ipaporanga e Quiterianóplis por terem sido criados no final da década de 1980 e início

da década de 1990, ou seja, após o início da série histórica, então, para não

comprometer a análise dos dados, optou-se por não fazer a inclusão posterior destes

municípios.

3.2. Fonte dos Dados

Para realizar este estudo foram utilizadas séries históricas do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 1977e 2013, de área

colhida, produtividade e valor bruto da produção (VBP) das culturas de milho e feijão,

as quais são as culturas mais praticadas pela agricultura familiar na região do estudo. Os

valores nominais de VBP foram corrigidos para valores de 2013 utilizando-se como

fator de correção o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas. Utilizou-se, também, a série

histórica de precipitações de chuva, levantadas junto à Fundação Cearense de

Meteorologia (FUNCEME) com período igual ao levantado para as culturas.

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Figura 1. Posição geográfica da macrorregião do Sertão dos Inhamuns no estado do

Ceará.

Fonte: IPECE, 2013.

3.3. Método de Análise

O método de análise para este trabalho baseou-se na metodologia de Lemos e

Botelho (2014). Primeiramente foram estimados os valores máximos, mínimos, assim

como os coeficientes de variação das áreas colhidas, rendimento, VBP precipitação

pluviométrica no período. Foram identificados os anos em que ocorreram os valores

extremos para cada item.

Para estimar a resiliência de cada cultura ao estresse hídrico, foram tomados os

valores máximos de VBP, rendimento e área colhida e transformou-os em índices em

que se convertem os valores máximos em cem (100) e se ajusta os demais valores

proporcionalmente. Os índices de VBP (INVBP), índices de áreas colhidas (INAREA) e

os índices de rendimentos (INREN) para as culturas do milho e feijão são construídos

tendo como base de referência os respectivos picos entre os anos de 1977 e 2013.

Assume-se neste estudo que os valores máximos atingidos por cada um destes

indicadores é a capacidade potencial das culturas em questão no Sertão dos Inhamuns.

A partir da construção dos índices, admite-se que ao atingir as magnitudes máximas em

um determinado ano, supõe-se que o não atingimento daqueles valores nos demais anos

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ou valores discrepantes do índice máximo devem ser atribuídos a alguma ou à sinergia

de várias causas, sendo a escassez de chuva a mais relevante. Desta forma, as escalas

em que os índices são construídos de zero a cem, se transformam, por hipótese, na

capacidade de recuperação, em determinado ano, de cada um dos indicadores. Quanto

mais próximo de cem, maior a capacidade de recuperação ou de resiliência do indicador

específico.

A magnitude do valor de cada ano em relação ao máximo pode ser considerada

como um indicador de capacidade de recuperação daquele indicador. Neste estudo, os

indicadores serão agregados, devidamente ponderados, para transformá-los na

capacidade de recuperação conjunta de todos eles, ou da resiliência da cultura. Isto será

feito construindo-se o índice de resiliência (INRES) para a cultura do milho e do feijão.

O “INRES”, por hipótese captará, de forma ponderada, as sinergias existentes entre

valor da produção, área colhida e rendimento de cada cultura. Os índices parciais

apresentados anteriormente serão agregados na seguinte equação:

INRESTi = P1INVBPTi + P2 INAREATi + P3 INRENDTi (1)

Na equação (1), P1, P2 e P3 são pesos a serem estimados e que estão

associados à cada um dos indicadores que compõem o INRESTi no ano “T” (1977, 1978,

..., 2013) para a cultura “i” (feijão ou milho). Como os indicadores apresentados na

equação (1) são aferidos em percentuais, e os pesos são valores adimensionais, contidos

no intervalo zero a um e somando um (1), o INRESTi será aferido em percentagem.

Assume-se neste trabalho que a sua magnitude será uma aproximação do percentual de

resiliência que estima a capacidade de recuperação da produção de alimentos no Ceará,

aos estresses provocados por variações pluviométricas e/ou pelos demais fatores

listados, que não serão investigados neste estudo. A sua amplitude está contida no

intervalo variando de zero por cento (total incapacidade de resiliência) a cem por cento

(100%), perfeita capacidade de resiliência.

Os pesos associados à equação (1) foram estimados usando métodos de análise

fatorial com decomposição em componentes principais. Para chegar a estes valores foi

utilizado o software SPSS.

Tendo estimado o valor anual do índice de resiliência de cada cultura pode-se

ilustrar graficamente a sua trajetória, comparativamente com a distribuição no tempo da

precipitação de chuvas na macrorregião dos Inhamuns entre 1977 e 2013. O trabalho

estima os valores médios, máximos e mínimos dos índices de resiliência para feijão e

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milho para a região em estudo no período sob investigação e identifica os respectivos

regimes pluviométricos sob os quais aqueles valores se registraram.

Para testar a influência da precipitação de chuvas sobre o índice de resiliência

estimado para cada cultura utiliza-se a seguinte equação:

INRESTi = β0 + β1 INCHT + €Ti (2)

A variável INCHT é a precipitação de chuvas transformada em índice, em que

a maior precipitação observada na região vale cem (100), e as precipitações dos demais

anos são ajustadas proporcionalmente. Sendo a equação (2) construída desta forma, o

coeficiente de regressão “β1”, associado ao índice de precipitação de chuvas, mostrará

estimativas da variação percentual no índice de resiliência da cultura “i” às variações

percentuais das precipitações de chuvas. Espera-se que este coeficiente seja positivo. O

coeficiente β0 é o parâmetro linear. Supondo que o termo aleatório €Ti também captará

os prováveis impactos das demais variáveis que não foram incluídas nesta pesquisa, por

falta de informações, assume as propriedades de não ser autorregressivo e ser

homecedástico, os coeficientes β0 e β1, da equação (2), podem ser estimados pelo

método dos mínimos quadrados ordinários.

Com base nos resultados estimados, a partir da equação (2), se pode

aferir, além da relação entre a resiliência de cada cultura com o regime pluviométrico

anual da região, tal como definida neste trabalho, qual das duas culturas estudadas terá

maior (ou menor) resiliência média à instabilidade pluviométrica, bem como os

respectivos coeficientes de variação.

4.Resultados

4.1. Valores Médios e Extremos das Culturas Alimentares e da Precipitação de

Chuvas no Sertão dos Inhamuns entre 1977 e 2013.

Na Tabela 1 estão apresentadas as médias históricas e os valores extremos da

precipitação de chuvas, áreas colhidas, rendimento e VBP para as culturas do milho e

feijão com seus respectivos coeficientes de variações e com a identificação dos

melhores e dos piores desempenhos na macrorregião do Sertão dos Inhamuns e no

Estado do Ceará no período entre 1977 e 2013. Observa-se neste estudo que entre os 14

indicadores o ano de 1983 aparece seis vezes (42,8%) sendo que este ano apresentou o

menor índice de precipitação no período do estudo. Ao verificar a coluna com os

valores máximos, observa-se que o ano de 2011 prevalece como um dos melhores anos

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para a agricultura, aparecendo quatro vezes (28,5%) com os maiores índices. Apesar de

não ter o maior índice de precipitação, o ano de 2011, no entanto, foi um ano com

pluviosidade muito acima da média para a região (969,2mm).

Tabela 1. Síntese das evoluções das áreas colhidas, rendimento e VBP de milho e feijão, bem

como as precipitações de chuva entre os anos de 1977 e 2013 na macrorregião do Sertão dos

Inhamuns e no Estado do Ceará.

Macrrorregião dos Inhamuns

VARIÁVEIS Mínimo Máximo

Média CV(%) Ano Valor Ano Valor

Precipitação chuvas (mm) 1983 266.1 1985 1526.4 701 38

Área com feijão(ha) 1983 24984 1991 118934 71061 34

Rendimento feijão(kg/ha) 2012 53 2011 456 229 52

VBP feijão(R$) 2013 6735 1986 117444 46718 64

Área com milho 1993 17687 2003 23268 81544 36

Rendimento millho 1993 47.5 2011 1138.4 456 67

VBP milho(R$) 1992 13.4 1994 461010 70960 123

Estado do Ceará

Precipitação chuvas (mm) 1983 418.1 1985 1888.4 904 34

Área com feijão 1983 166,559 1994 765654 479970 29

Rendimento feijão 2012 117 2006 463 269 34

VBP feijão(R$) 2013 123,465 1979 681,490 367969 42

Área com milho 1981 120,000 2011 726,777 510047 31

Rendimento millho 1983 120 2011 1254 569 52

VBP milho(R$) 1983 36165.7 2011 599918 262666 5 Fonte: Dados da pesquisa

A amplitude pluviométrica para a região do estudo foi de 1260,3mm e a média

de 701mm, enquanto que para o Estado do Ceará a amplitude foi de 1470,3mm e a

média de 904mm. Pode-se afirmar, então, que a região do estudo, embora apresente

menor amplitude pluviométrica, a severidade na escassez hídrica é maior que para o

estado como um todo. O coeficiente de variação (CV) para esta variável foi de 38%,

mostrando-se elevado. A partir destas informações sobre a variável precipitação de

chuvas, pode-se inferir que a macrorregião do Sertão dos Inhamuns apresenta alta

instabilidade climática associada a baixos índices de chuva, esta informação se estende

também para o estado, pois este, embora apresente dados que mostram uma severidade

climática inferior que a região do estudo, quando o coeficiente de variação é observado

(34%), verifica-se que a irregularidade da quadra chuvosa é frequente.

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Todas as variáveis estudadas apresentaram CV elevados, mas o Sertão dos

Inhamuns se destaca quando comparado ao estado como um todo por apresentar

instabilidade superior. O CV para a região do estudo varia entre 34% para a área com

feijão e 123% para o VBP do milho, enquanto que esta diferença no CV, quando se

analisa o estado do Ceará, está entre 29% para a área com feijão e 55% para o VBP do

milho, ou seja, o estado apresenta diferenças mais coerentes entre os CV, enquanto que

a região do estudo apresenta uma alta discrepância que denuncia a instabilidade e

fragilidade das condições produtivas e econômicas na agricultura.

Entre as variáveis estudadas, o milho se mostrou como a cultura mais

vulnerável aos efeitos ambientais e econômicos, isso se deve provavelmente não apenas

às características fisiológicas da cultura que apresenta uma exigência hídrica

relativamente alta, mas também à vulnerabilidade econômica do setor agrícola na região

do estudo. Analisando apenas o Sertão dos Inhamuns, a área plantada com esta cultura

variou entre 17.687 ha no ano de 1993 e 123.268 ha no ano de 2003, o CV foi de 36%.

O rendimento da cultura apresentou um CV de 67%, variando a produtividade entre

47,5 kg/ha no ano de 1993 e 456 kg no ano de 2011. A variável VBP do milho se

mostrou como a mais instável, sendo o CV de 123%. O que impressiona de fato nesta

variável é que o ano mais crítico foi o de 1992, enquanto que o ano onde se verifica o

maior valor bruto da produção (VBP) foi o ano de 1994, havendo uma diferença de

apenas dois anos entre os valores máximo e mínimo para uma mesma cultura. Fazendo

uma análise um pouco mais profunda fica evidente a fragilidade e dependência dos

fatores ambientais do sistema agrícola da região ao se observar uma discrepância

acentuada com uma diferença cronológica muito pequena.

Para o estado do Ceará, o CV para a cultura do milho também foi alto, no

entanto, estes valores se apresentaram bem inferiores em relação ao Sertão dos

Inhamuns, evidenciando uma maior estabilidade da agricultura para o restante do

estado. O maior CV foi para a variável VBP sendo de 55%. O pior ano para esta cultura

foi o de 1983, correspondendo ao ano com menor precipitação de chuvas e o melhor ano

foi o de 2011, o qual foi o ano com um dos maiores índices pluviométricos da série

mostrada neste estudo. Estas observações mostram o quanto a agricultura no estado é

dependente das condições climáticas.

Em relação a cultura do feijão, o que chama a atenção é que no Sertão dos

Inhamuns, o melhor rendimento se deu no ano de 2011 com 456 kg/ha, e o pior

rendimento foi verificado já no ano seguinte com apenas 53 kg/ha. O CV para esta

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variável foi de 52%, o segundo mais elevado dentre as variáveis relativas à cultura do

feijão. O maior CV foi para a variável VBP, sendo de 64%. Assim como para a cultura

do milho, a cultura do feijão no Sertão dos Inhamuns apresentou variáveis mais

instáveis quando comparado ao Estado do Ceará.

4.2. Resultados obtidos na estimação do Índice de Resiliência (INRES)

Para estimar o Índice de Resiliência (INRES), os indicadores Índice de

Rendimento (INREN), Índice de Área (INAREA) e Índice de VBP (INVBP) das

culturas do milho e feijão foram colocados em séries, este procedimento fez com que

análise do Índice de Resiliência tivesse um total de 222 observações, ou seja, foram 111

observações por cultura durante 37 anos. Dessa forma foi possível elevar os graus de

liberdade para fazer as estimações, além de possibilitar a comparação dos resultados

obtidos entre elas, o que não seria possível se os pesos fossem diferentes. O método

utilizado para estimar os pesos foi a decomposição das variáveis observáveis em

componentes principais, em que foi extraído um fator com as características mostradas

na Tabela 2. Nesta tabela é mostrado os pesos estimados a partir da matriz estimada

para os “escores fatoriais”.

Tabela 2. Resultados Obtidos com a Decomposição em Componentes Principais

CULTURA DO MILHO

INDICADORES

Matriz de

Componentes

Matriz dos Escores

Fatoriais

Matriz dos Pesos

Estimados

Índice do VBP

(INVBP) 0.804 0.359 0.31

Índice de

Área(INAREA) 0.884 0.394 0.34

Índice de Rendimento

(INREN) 0.902 0.402 0.35

Variância Total

Estimada 74.70

CULTURA DO FEIJÃO

Índice do Vbp (INVBP) 0.786 0.383 0.30

Índice de

Área(INAREA) 0.718 0.459 0.30

Índice de Rendimento

(INREN) 0.860 0.419 0.33

Variância Total

Estimada 62.49

Fonte: Dados da pesquisa.

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A partir dos itens que compõem a matriz estimada para os componentes, assim

como a matriz dos escores fatoriais, obtêm-se os pesos para cada um dos indicadores

utilizados na construção do INRES. Sendo assim, pode ser observado que os pesos para

os indicadores estão muito próximos, variando entre 0,31 para o INVBP e 0,35 para o

INREN na cultura do milho, e 0,30 para o INVBP e INAREA e 0,33 para o INREN na

cultura do feijão. Este resultado reflete a alta variabilidade que os índices apresentaram

durante o período do estudo. A variância explicada pelo modelo para a cultura do milho

foi de 74,7% e para a cultura do feijão de 62,49%. Essa variância elevada demonstra

que faltaram incluir mais indicadores para aferir com maior precisão, a resiliência das

culturas. Estas informações não foram incluídas, porque não se tem dados disponíveis

em longos períodos de tempo. A partir destas informações pode-se afirmar que os pesos

obtidos nesta pesquisa, assim com os padrões estimados de resiliência, podem ser

interpretados como tendência.

Todos os índices parciais que compõem o INRES estão medidos em percentagens,

tendo como base os respectivos maiores valores iguais a cem (100), como foi discutido na

metodologia do trabalho. Com base nesses pesos apresentados na Tabela 2 define-se a

equação do INRES para a cultura do milho e do feijão, respectivamente, da seguinte forma:

INRESTi (milho) = 0,31INVBPTi + 0,34INARETi + 0,35INRENTi (2)

INRESTi (feijão) = 0,30INVBPTi + 0,30INARETi + 0,33INRENTi (3)

Com base nas equações 2 e 3 estima-se a trajetória do índice de resiliência para

milho e feijão entre os anos 1977 e 2013. Estas evidências estão mostradas na Figura 2

para a trajetória da resiliência do cultivo do milho e na Figura 3 para a trajetória da

resiliência no cultivo de feijão. Todas as figuras evidenciam que as trajetórias das

resiliências das culturas guardam uma configuração bastante parecida como aquelas

associadas às precipitações de chuvas, que estão apresentadas em índice (maior precipitação

= 100), para facilitar a comparação visual. Isto evidência que há uma relação de causa e

efeito entre as variáveis.

A partir das equações 2 e 3 foram estimadas as resiliências máximas, médias e

mínimas do cultivo do milho e do feijão para o Sertão dos Inhamuns entre os anos de

1977 e 2013. Na Tabela 3 verifica-se que o milho e o feijão apresentaram maior índice

de resiliência no ano de 1994, sendo a resiliência de 84,24% e 83, 67%,

respectivamente. Neste ano a precipitação de chuvas foi de 768 mm no Sertão dos

Inhamuns.

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Tabela 3. Estimativa da Resiliência Máxima das Culturas no Período de 1977-2013.

Cultura Ano Resiliência Máxima (%) Precipitação de Chuvas (mm)

Milho 1994 84.24 768

Feijão 1994 83.67 768

Fonte: Dados da Pesquisa.

Figura 2. Trajetórias da Resiliência do Cultivo do Milho e da Precipitação de

Chuvas no Sertão dos Inhamuns entre 1977 e 2013.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 3. Trajetórias da Resiliência do Cultivo do Feijão e da Precipitação de

Chuvas no Sertão dos Inhamuns entre 1977 e 2013.

Fonte: Dados da pesquisa.

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De acordo com a Tabela 4, observa-se que a resiliência mínima para as culturas

de milho e feijão foi no ano de 1993, sendo de 6,33% e 14,5%, respectivamente. O

índice pluviométrico neste ano foi de apenas 327. Quando compara-se os índices de

resiliência máximos e mínimos para o Sertão dos Inhamus, verifica-se que diferença

cronológica destes índices é de apenas um ano, evidenciando a fragilidade e

dependência do fator chuva na agricultura desta região.

Tabela 4. Estimativa da Resiliência Mínima das Culturas no Período de 1977-2013.

Cultura Ano Resiliência Mínima (%) Precipitação de Chuvas (mm)

Milho 1993 6.33 327

Feijão 1993 14.5 327

Fonte: Dados da Pesquisa.

Na Tabela 5 estão os índices de resiliência médios para as culturas avaliadas.

Estes valores também se apresentam baixos, sendo de 41,27% para a cultura do milho

no ano de 1978, neste ano a precipitação de chuvas foi de 544 mm, e 49,11% para a

cultura do feijão no ano de 1982, a precipitação de chuvas neste ano foi de 435 mm. O

coeficiente de variação se apresentou bem elevado sendo de 49,36% e 38,68% para a

cultura do milho e feijão, respectivamente.

Tabela 5. Resiliência Média das Culturas no Período de 1977-2013.

Cultura Ano

Resiliência

Média (%)

Coeficiente de

Variação (%)

Precipitação de Chuvas

(mm)

Milho

1

978 41.27 49.36 544

Feijão 1982 49.11 38.68 435

Fonte: Dados da Pesquisa.

4.3. Relação entre Resiliência das Culturas Estudadas e Pluviometria no Sertão dos

Inhamuns

Para estimar a relação entre os índices estimados de resiliência no cultivo de

milho e feijão utilizou-se modelo de regressão linear simples, em que a variável

dependente é o índice de resiliência de cada cultura (INRES), e a variável explicativa é

a precipitação pluviométrica observada para o Sertão dos Inhamuns no mesmo período

em que foram estimados os índices de resiliência: 1977 a 2013. As precipitações de

chuvas foram transformadas em índice, tendo com base o maior valor ocorrido na série

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estudada de 37 anos. Os demais anos foram ajustados proporcionalmente. Este tipo de

modelagem facilita a interpretação do coeficiente angular porque a sua magnitude sinalizará

para o percentual de variação do índice de resiliência da cultura, decorrente da variação de

um por cento da precipitação de chuvas.

Tabela 6. Resultados obtidos das Regressões entre os Índices de Resiliência e a

Precipitação de Chuvas entre 1977 e 2013.

Variável Dependente

INRES

Ajustado

Coefiente

Linear

Coeficiente

Angular

Significância

(%)

Milho 0.281 12.209 0.633 0.0004

Feijão 0.244 23.671 0.554 0.0011

Fonte: Dados da pesquisa.

Os resultados da Tabela 6 mostram que há uma correlação positiva entre a

resiliência das culturas de milho e feijão e a precipitação de chuvas no Sertão dos

Inhamuns entre 1977 e 2013. Os coeficientes de determinação se mostraram baixos,

sendo de 0,281 para o milho e 0,244 para o feijão. Isso deixa evidente que há outras

variáveis que afetam a resiliência destas culturas não apenas na região do estudo, mas

no semiárido como um todo. Os valores do R² Ajustado infere que 28% no caso da

resiliência do milho e 24% para a resiliência do feijão é justificado pelo índice

pluviométrico.

As elasticidades estimadas para os índices de resiliência, em resposta às

variações da precipitação de chuvas no Ceará foram de 0,633 para a cultura do milho e

0,554 para a cultura do feijão. Este resultado mostra que a cultura do milho é mais

sensível à pluviometria no Sertão dos Inhamuns que a cultura do feijão.

5. Conclusões

A pesquisa mostrou que a área colhida, rendimento e valor bruto da produção,

tomando como base as duas culturas representativas, que são milho e feijão, no Sertão

dos Inhamuns apresentam elevada instabilidade quando aferem os seus respectivos

coeficientes de variação, os quais foram todos acima de 29%. O regime pluviométrico

na região também apresentou elevada instabilidade, sendo seu coeficiente de variação

igual a 38%. Entretanto, os indicadores relacionados aos cultivos, apresentaram

coeficientes de variação maiores que aquele estimado para a trajetória pluviométrica na

região entre 1977 e 2013. Este resultado mostra que há outros fatores, como o baixo

nível tecnológico e a fragilidade da economia, que influenciam a variabilidade da

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agricultura local. No entanto, não foi possível captar estes indicadores ao longo dá série

em decorrência da indisponibilidade destes dados em séries históricas longas.

Observou-se que os valores máximos e mínimos de área colhida, rendimento e

valor bruto da produção estão diretamente ligados à pluviometria na região. Nos anos

em que houveram regime pluviométrico normal a agricultura atingiu seu valores

máximos, o contrário aconteceu nos anos de baixa pluviometria, onde foi possível

verificar que a agricultura na região atingiu seus valores mais baixos. A cultura do

milho se mostrou ainda mais sensível que a cultura do feijão às variações do regime

pluviométrico. O valor bruto a produção foi a variável que apresentou a maior

instabilidade com coeficiente de variação extremamente elevado de 123% para a cultura

do milho.

A comparação dos valores máximos e mínimos das variáveis estudadas entre o

Sertão dos Inhamuns e o Estado do Ceará como um todo mostrou que a região do

estudo possui uma agricultura mais instável, maior variabilidade dos índices, assim

como, um regime pluviométrico com média inferior a do estado. Isso caracteriza uma

maior fragilidade e vulnerabilidade da agricultura nesta região.

O índice de resiliência que foi estimado na pesquisa para aferir a capacidade de

recuperação conjunta do valor da produção, área colhida e rendimento de cada cultura,

mostrou que a cultura do feijão apresenta a maior magnitude média. Em relação à

resiliência máxima, para ser obtida, não necessita de patamares pluviométricos muito

altos, bastando apenas está dentro da média. Entretanto, os índices de resiliência muito

baixos foram observados nos anos com os menores índices pluviométricos.

A análise de regressão construída para verificar a relação entre a resiliência das

culturas estudadas e a pluviometria no Sertão dos Inhamuns, mostrou que há uma

correlação positiva entre as duas variáveis, mas que há outros fatores que influenciam a

resiliência que não puderam constar neste trabalho.

A pesquisa permite concluir que a agricultura praticada pela agricultura

familiar na região do estudo enfrenta sérias dificuldades que estão associadas não

apenas às variações ambientais, mas a outros fatores como a falta de assistência técnica,

baixo nível tecnológico e uma economia instável. As culturas do milho e feijão

apresentaram alta dependência do regime pluviométrico, entretanto a dependência do

milho em relação à chuva é ainda mais severa. Com este estudo foi possível inferir que

o Sertão dos Inhamuns apresenta uma agricultura mais fragilizada e vulnerável que a

agricultura praticada no restante do estado do Ceará.

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