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Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 107
A DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL: UMA ANÁLISE
TEÓRICO-ESTATÍSTICA SOBRE A POBREZA E A POBREZA RURAL
Prof. Pós-Dr. André Cutrim Carvalho 1
Prof. Esp. Auristela Correa Castro 2
Resumo
O objetivo deste trabalho é discutir e analisar a evolução estrutural da pobreza e,
também, da pobreza rural no Brasil no período de 2005 e 2011. Nos últimos anos, as
políticas governamentais visando o combate ao desemprego e a erradicação da pobreza
extrema, têm contribuído para impedir o aumento da pobreza no país. A década de 2000
em contraste com as décadas anteriores, apresentou uma redução sistemática da pobreza
no Brasil a partir de uma série de iniciativas governamentais em um ambiente de
crescimento econômico. A conclusão deste trabalho é de que a desigualdade de renda e
a proporção da pobreza no Brasil caíram entre 2005 e 2011. O índice (coeficiente) de
Gini, um indicador da área da economia social, diminuiu de 0,532 em 2005 para 0,501
no ano de 2011, portanto, a queda da desigualdade da renda regional é importante
porque demonstra que a redução da desigualdade não foi parcial, nem localizada em
algumas regiões do Brasil, contudo, apesar da acelerada redução da desigualdade de
renda, o Brasil ainda não ocupa uma posição de destaque entre os países com melhor
redistribuição de renda, o que significa que é preciso persistir com políticas sociais de
redução da desigualdade de renda.
Palavras-chave: pobreza e pobreza rural; desigualdade de renda; índice (coeficiente) de
Gini.
INCOME INEQUALITY IN BRAZIL: A THEORETICAL AND STATISTICAL
ANALYSIS OF POVERTY AND RURAL POVERTY
Abstract
The primary goal of this paper is to discuss the problem of poverty from a theoretical
perspective and empirically analyze the structural evolution of poverty and also of rural
poverty in Brazil between 2005 and 2011. In recent years, Brazilian government
policies aimed at fighting unemployment and eradicating extreme poverty, have
contributed to preventing the spread of poverty in the country. The 2000s, in contrast to
previous decades, showed a systematic reduction of poverty in Brazil from a number of
government initiatives in an environment of economic growth. The main conclusion of
this study is that inequality of income and poverty rate in Brazil fell between 2005 and
2011. Moreover, the index (coefficient) Gini, one of the indicators most widely used by
researchers in the social economy, decreased 0.532 in 2005 to 0.501 in 2011, so the
decline in regional income inequality is important because it shows that the reduction of
1 Professor Pós-Doutor, Faculdade de Economia do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Federal do Pará (FACECON/ICSA/UFPA), Belém/Brasil, e-mail: [email protected] 2 Professora Especialista, Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), Santarém/Brasil, e-mail:
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inequality was not partial and not localized in some regions of Brazil, however, despite
the accelerated reduction of inequality income, Brazil still does not occupy a prominent
position among the countries with better distribution of income, which means you have
to persist with social policies to reduce income inequality.
Keywords: poverty and rural poverty; income inequality; index (coefficient) of Gini.
Área Temática 02: Dinâmicas rurais contemporâneas.
1. Introdução
O problema da desigualdade de renda e da pobreza no Brasil remonta a história
do período colonial. Ressalte-se que a abolição da escravatura no Brasil, em 13 de maio
de 1888, não foi acompanhada de uma reforma agrária capaz de distribuir terras para
todos aqueles ex-escravos ou não, sem terras, com potencial para serem pequenos
agricultores. Foi à tomada de consciência social da desigualdade de renda nos anos de
1970, período de boom econômico com altas taxas de crescimento do PIB, que levou a
realização de vários estudos sobre a desigualdade de renda e pobreza no Brasil.
Maleta (1988) escreveu um diagnóstico sobre a pobreza rural do Brasil que
apontava para a necessidade de políticas públicas de combate a pobreza rural. De Janvry
e Sadoulet (2000, p. 389-409) também escreveram um diagnóstico em que destacam
que a migração do campo para as cidades brasileiras foi o fator mais importante para
explicar a redução da pobreza rural entre 1970-1997. Helfand e Levine (2005)
estimaram que quase a metade da pobreza rural no Brasil, entre 1991-2000, caiu com o
êxodo rural. Por certo, a migração rural é um fator importante na explicação da queda
do número de pobres que migram dá área rural para a urbana no Brasil, mas não explica
a pobreza social que se mantém na área rural.
Apesar do êxodo rural, existe um número significativo de famílias pobres
vivendo no meio rural do Brasil e a maioria daquelas pessoas que migraram para os
grandes centros urbanos permanece pobre. O combate à pobreza rural requer uma
política governamental capaz de transformar a migração numa estratégia bem sucedida
de saída da pobreza, e não uma simples realocação dos pobres da zona rural para
urbana. Em 2010, o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA
lançou o projeto “A Nova Cara da Pobreza Rural no Brasil: transformações, perfil e
desafios para as políticas públicas”, tendo como principal objetivo diagnosticar e definir
as políticas públicas para combater a pobreza rural no Brasil. Portanto, é preciso
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conhecer melhor o rural brasileiro para a proposição de outras políticas de apoio ao
crescimento da renda nas zonas rurais do Brasil.
As políticas governamentais adotadas no Brasil de combate ao desemprego e a
erradicação da pobreza extrema têm contribuído para impedir o aumento da pobreza no
país. Houve, por certo, crescimento econômico e redução das desigualdades de renda no
Brasil que contou com a ajuda das políticas sociais de transferências de renda e de
valorização real do salário mínimo, principalmente a partir dos 2000.
O índice de Gini, que serve para medir a concentração de renda no Brasil, caiu
de 0,572 (2001) para 0,508 (2011). Os trabalhos de pesquisa de Henriques (2000),
Barros et al (2000), Ferreira e Litchfield (2000), Hoffmann (2000); Hoffmann (2007);
Barros et al (2007); Soares et al (2007); Neri e Son (2007) são reveladores da redução
da desigualdade de renda no Brasil na década de 2000 do século XXI. Contudo, apesar
da redução da desigualdade de renda no Brasil, até recentemente a pobreza rural não
fazia parte da agenda governamental.
O quadro social rural brasileiro está mudando em função das transformações
econômicas e sociais dos últimos anos tanto na economia rural, composta de atividades
agrícolas e não-agrícolas, quanto na própria economia urbana que aumentou seu grau de
interação e sua proximidade com o agro brasileiro tanto pelo lado da demanda quanto da
oferta de bens e serviços. É fato que a pobreza rural tem diminuído nas últimas duas
décadas. Parte desse declínio é atribuída ás políticas sociais de seguridade social rural e
de transferências condicionais de renda. Neri (2000, p. 505-526) pondera, contudo, que
apesar das políticas sociais, a desigualdade de renda e a pobreza não foram eliminadas.
O presente trabalho tem como objetivo discutir o problema da pobreza numa
perspectiva teórica e analisar empiricamente a evolução estrutural da pobreza e da
pobreza rural no Brasil no período entre 2005-2011. Para isso, este ensaio foi
organizado em cinco seções básicas, além deste introdutório. Na segunda, busca-se
discutir o significado de desenvolvimento econômico associado com crescimento e
distribuição de renda, bem como os indicadores sociais que medem a desigualdade de
renda; na terceira, procura-se quantificar e analisar, com base nos microdados do
PNAD, a desigualdade de renda no Brasil; e, por fim, na quarta seção, discutem-se o
significado teórico da pobreza e de pobreza rural à luz da literatura econômica, as
medidas de pobrezas e analisa-se o estado de pobreza e de pobreza rural no Brasil entre
2005-2011 e, por fim, tecem-se as conclusões finais.
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2. Desenvolvimento Econômico, Liberdade e Desigualdade de Renda
O crescimento econômico representado pelo aumento do produto interno bruto
é importante para a geração da riqueza e o aumento de novas oportunidades de emprego
e de aumento da renda das pessoas. Mas só o crescimento do produto não é suficiente
para mudar a concentração da renda na direção da redução da desigualdade da renda e
da pobreza. Para Neri (2005, p. 319-333), o desenvolvimento econômico deve estar
associado não somente com a geração de empregos e a redistribuição da renda, mas
também com a melhoria da qualidade de vida dos membros da sociedade e de liberdades
substantivas dos seus cidadãos. O desenvolvimento econômico deve ir além do simples
crescimento da renda e da acumulação de riqueza. O desenvolvimento econômico com
bem-estar-social deve estar associado não só a melhoria das condições de vida das
pessoas, mas também as liberdades individuais. Neste sentido, há um significativo
número de pessoas que ainda são vítimas de várias formas de privação de liberdade.
Dentre as diversas formas de privação de liberdade – econômicas, políticas, sociais,
civis, religiosas e culturais – é a privação das necessidades sociais básicas que merece
tratamento especial: o direito à alimentação para evitar a morte ou a subnutrição; o
direito aos serviços básicos de água tratada, saneamento básico, saúde e educação.
As desigualdades de renda e outras formas de desigualdades acentuam a perda
de liberdades e de direitos humanos. Há também a privação de liberdade política e de
direitos civis básicos, às vezes, mesmo em países considerados democráticos. A
privação de liberdade individual pode surgir pelo impedimento de participação política
(violação do direito de voto e outros direitos políticos e cívicos) ou pela ausência de
oportunidades na educação e no mercado de trabalho. De acordo com Sen (2000, p. 27-
33) esse conjunto de direitos das pessoas quando conquistadas dotam as mesmas de uma
liberdade substantiva que, por sua vez, contribuiu para ampliar as capacidades
potenciais e efetivas das pessoas de levar um tipo de vida que elas valorizam.
A capacidade pessoal consiste da realização de combinações alternativas de
ações capazes de serem realizadas num certo contexto social. Além do critério de renda
adotado para caracterizar a pobreza, há que se considerar nos estudos sobre pobreza a
privação de liberdades, de oportunidades e de qualidade de vida. A liberdade
substantiva e a justiça social são dois atributos relevantes para que o desenvolvimento
social contribua à erradicação da pobreza. A pobreza não estar associada
exclusivamente a privação de um bem pela ausência de oportunidade de emprego para
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obtenção de renda, mas também à incapacidade da obtenção das necessidades básicas
por direito de cidadania numa democracia.
2.1. Medidas de desigualdade da renda
Os índices de Gini e de Theil são duas medidas frequentemente usadas
para medir o grau de concentração da renda ou distribuição de renda de uma unidade
territorial. Mas esses indicadores são também usados para mensurar o grau de
concentração da população urbana de um país ou de uma região metropolitana. O índice
de Gini pode ser usado para mensurar o grau de concentração (ou desigualdade) da
renda por estrato da população correspondente por meio da equação de Brow, tal que:
(1)
Onde: k (1, 2, 3.......n) = número dos elementos das variáveis;
proporção acumulada da variável população das regiões metropolitanas por estrato de
renda; Y = proporção acumulada da variável rendimento familiar per capita. De acordo
com Ferreira & Litchfield (2000, p. 50-51), o Índice de Gini (G) para uma distribuição
discreta, quando se deseja fazer comparações com outros estudos, pode ser calculado
pela seguinte fórmula:
(2)
O coeficiente de entropia de uma distribuição é dado pela seguinte
equação:
(3)
Onde: n é o número de indivíduos da amostra; é a renda familiar per capita
para a pessoa i = (i = 1,2,3,....n); e é a média simples da renda. O
parâmetro da entropia (EG) representa o peso dado à distância entre rendas em partes
diferentes da distribuição. Um valor de dá mais peso a distância entre rendas da
cauda inferior (Índice Mehram) e dá mais peso a cauda superior da distribuição
(Índice Piesch). Hofmann (1980, p. 271-292) lembra que o índice de Theil (T) é
derivado da medida de entropia (EG) de uma distribuição, com parâmetros e
, de forma que, aplicando a regra de L’Hopital, obtém-se as seguintes equações
dos índices de Theil T e L.
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 112
Onde: N = número de pessoas;
é a renda da i-ésima pessoa;
= é a renda média das pessoas.
2.2. Outras medidas de desigualdade de renda
A maioria da renda das famílias provém do trabalho e de outras fontes que tem
na transferência de renda outra fonte importante para as famílias. Seja o rendimento
domiciliar per capita da i-ésima pessoa, sendo i = 1,2,-------n. A variável n indica o
tamanho da população. Admite-se que os rendimentos das famílias estejam ordenados
decrescentemente, tal que:
. (1)
Fazendo a média dos valores de então as coordenadas da curva de Lorenz
podem ser assim expressas:
..................... (2)
... (3)
A decomposição das três medidas de desigualdade – índice de Gini (G), índice
de Mehran (M) e o índice de Piesch(P) – estão associadas com a área entre à curva de
Lorenz e a linha de perfeita igualdade, tal que . Essas medidas podem variar
entre zero a menos da unidade, e elas são definidas pelas seguintes expressões
matemáticas:
.. (4)
.(5)
. (6)
Note-se que a diferença entre as ordenadas da linha de perfeita igualdade e da
curva de Lorenz do índice de Mehran é ponderada por , o que torna esse índice
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mais sensível à mudança na cauda inferior da distribuição, se comparado com o índice
de Gini. Segundo Hoffmann (2007, v. 2, p. 22-26), o índice de Piesch é também
ponderado por , o que torna esse índice de desigualdade mais sensível, quando
comparado com o índice de Gini, à mudança na cauda superior da distribuição.
3. Distribuição da Renda no Brasil
A Pesquisa Nacional Por Amostra a Domicílios (PNAD) é uma ampla pesquisa
socioeconômica de âmbito nacional realizada no Brasil por meio de uma amostra
probabilística de domicílios obtida em três estágios de seleção: unidades primárias –
municípios; unidades secundárias (setores censitários); e unidades terciárias (unidades
domiciliares particulares destinadas à habitação de uma pessoa ou de um grupo de
pessoas que mantém laços de parentesco ou mesmo de dependência doméstica ou
normas de convivência). A partir de 2004, os resultados obtidos da PNAD passaram
agregar todas as informações das áreas urbanas e rurais das Unidades da Federação,
inclusive a área rural dos estados da Região Norte. Deve ser adiantado que os salários
mínimos nominais de R$ 300,00 (2005) e de R$ 545,00(2011) foram deflacionados a
preços de setembro de 2011 resultando os equivalentes salários mínimos reais de R$
407,00 (2005) e R$ 545, 00 (2011).
A Tabela 1 revela a População em Idade Ativa (PIA), em 2005 e 2011,
segundo as classes de rendimento mensal por Regiões do Brasil. Analisando-se os dados
dessa tabela verifica-se que a população total do Brasil, com 10 anos ou mais de idade,
aumentou de 162, 8 milhões de pessoas (2005) para 166,9 milhões de pessoas (2011). A
população em idade ativa, com rendimento mensal até um salário mínimo, em termos
reais, caiu de 41,0 milhões de pessoas (2005) para 39,4 milhões (2011).
Isto significa que a população de pobres no Brasil, com rendimento mensal de
até 1 salário mínimo real, foi reduzida em 1,6 milhões de pessoas. Enquanto isso, a
população em idade ativa, com rendimento mensal de mais de 1 até 2 salários mínimos
reais, aumentou de 35,6 milhões de pessoas (2005) para 37,5 milhões de pessoas (2011),
o que significa que 1,9 milhões de pessoas em idade ativa passaram a ter alguma
inclusão social. A população das pessoas em idade ativa, com rendimento mensal de
mais de 2 a 3 salários mínimos reais, também aumentou de 12,5 milhões de pessoas
(2005) para 15,1 milhões de pessoas (2011), o que significa que 2,6 milhões de pessoas
em idade ativa, nessa faixa de renda, tiveram o seu poder de compra aumentado.
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Tabela 1: Pessoas com 10 anos ou mais de idade (PIA) por Regiões, segundo as
classes de rendimento mensal, do Brasil: 2005-2011
Classes de rendimento
mensal em salários
mínimos
2005 (Em mil pessoas)
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-este
Até 1 sm 41.011 3.611 17.791 12.641 4.335 2.633
Mais de 1 a 2 sm 35.655 2.404 7.096 17.203 6.177 2.774
Mais de 2 a 3 sm 12.525 713 1.721 6.626 2.527 937
Mais de 3 a 5 sm 10.908 581 1.421 5.913 2.208 784
Mais de 5 a 10 sm 6.396 323 859 3.383 1.293 538
Mais de 10 a 20 sm 2.484 103 3.691 1.299 451 262
Mais de 20 sm 839 34 122 412 144 118
Sem rendimento (1) 52.989 4.653 12.126 22.304 6.891 3.705
Total 162.807 12.422 44.827 69.781 24.026 11.751
Classes de rendimento
mensal em salários
mínimos
2011(Em mil pessoas)
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul
Centro-
Oeste
Até 1 sm 39.448 3.756 17.791 12.641 4.335 2.633
Mais de 1 a 2 sm 37.471 2.585 7.671 17.674 6.468 2.492
Mais de 2 a 3 sm 15.111 799 1.894 8.254 2.922 1.243
Mais de 3 a 5 sm 9.921 534 1.277 5.282 2.017 810
Mais de 5 a 10 sm 6.810 366 873 3.601 1.307 663
Mais de 10 a 20 sm 2.301 98 314 1.224 395 270
Mais de 20 sm 818 38 103 437 121 118
Sem rendimento (1) 55.107 5.168 15.552 22.383 6.690 3.591
Total 166.987 13.344 45.475 71.496 24.255 12.417
Fonte: PNADs/IBGE. (1) Estão incluídas todas as pessoas sem declaração de rendimento e que receberam somente benefícios
sociais.
A Tabela 2 mostra que o total do rendimento médio mensal real das pessoas
com 10 anos ou mais de idade no Brasil, com rendimento declarado, aumentou de R$
1.080, 00, em 2005, para R$ 1.279,00 em 2011. Nota-se na Tabela 1 que o rendimento
médio mensal real das pessoas de 10 anos ou mais de idade aumenta das classes
inferiores às superiores tanto em 2005 quanto em 2011. Mas a taxa de variação do
rendimento médio mensal, entre 2005 e 2011, é declinante.
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Tabela 2: Distribuição do rendimento médio mensal das pessoas com 10 anos ou mais de idade,
com rendimento, segundo as classes de percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade, em
ordem crescente de rendimento: Brasil, 2005/2011
Classes de Percentual das
Pessoas de 10 anos ou mais de
idade
Rendimento mensal médio das
pessoas (Em R$ 1,00)
Taxa de variação do
rendimento médio mensal
(Em %)
2005 2011 2005-2011
Até 10 83 140 9,10
Mais de 10 a 20 252 423 9,02
Mais de 20 a 30 370 545 6,67
Mais de 30 a 40 386 563 6,49
Mais de 40 a 50 478 674 5,89
Mais de 50 a 60 612 827 5,15
Mais de 60 a 70 768 1027 4,96
Mais de 70 a 80 1039 1309 3,93
Mais de 80 a 90 1618 1927 2,96
Mais de 90 a 100 4674 5356 2,30
Mais de 95 a 100 6689 7645 2,25
Mais de 99 a 100 13451 15527 2,42
Média 2535 2997 5,09
Fonte: PNAD\IBGE. Valores inflacionados pelo INPC com base em setembro de 2011. Nota: Exclusive as
informações das pessoas sem declaração de rendimento.
O rendimento médio mensal real entre as pessoas de 10 anos ou mais de idade
cresceu entre 2005 e 2011. Realmente, o rendimento médio mensal real das pessoas de
10 anos ou mais de idade subiu de R$ 83,00 (2005) para R$ 140,00 (2011) na classe de
percentual de até 10 anos de idade. O rendimento médio mensal real das pessoas de 10
anos ou mais de idade da classe percentual entre 99 a 100 cresceu de R$ 13.451,00
(2005) para R$ 15.527,00 (2011), isto é, o correspondente a 2,4% entre 2005-2011.
A Tabela 3 revela a distribuição do rendimento médio por classes de
rendimento mensal em salários mínimos (sm) reais em temos total, urbano e rural, por
pessoas de 10 anos ou mais de idade no Brasil em 2005 e 2011. Nota-se que o
percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade, da classe rendimento mensal de até
½ salário mínimo real, caiu de 7,88% (2005) para 6,94% (2011). O percentual das
pessoas de 10 anos ou mais de idade, da classe de rendimento mensal entre mais ½ a 1
salário mínimo, também declinou de 17,24% (2005) para 16,68%(2011). Continuando
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analisar os resultados da Tabela 3 nota-se que o percentual das pessoas de 10 anos ou
mais de idade da área urbana no Brasil, pertencente à classe de rendimento médio
mensal entre até ½ e 1 salário mínimo real, caiu de 13,56% (2005) para 13,29% (2011).
O percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade ativa da área rural,
pertencente à classe de rendimento médio mensal entre ½ a 1 salário mínimo real, caiu
de 3,67% (2005) para 3,39% (2011). Mas, o percentual das pessoas de 10 anos ou mais
de idade da área urbana, com rendimento médio mensal entre mais de 1 a 3 salários
mínimos reais, cresceu de 26,68% (2005) para 31,49% (2011). O percentual das pessoas
de 10 anos ou mais de idade da área rural, pertencente à classe de rendimento médio
mensal entre 1 a 3 salários mínimos reais, diminuiu de 3,27% (2005) para 3,05%(2011).
A partir da classe de rendimento médio mensal de mais de 3 a 5 salários mínimos reais,
os percentuais das pessoas de 10 anos ou mais de idade, das áreas urbanas e rurais,
diminuíram em todas as classes de rendimento mensal, o que significa que a
redistribuição do rendimento médio mensal no Brasil foi favorável às pessoas de 10
anos ou mais de idade, situadas entre as classes de até 3 salários mínimos reais.
Tabela 3: Distribuição do rendimento médio por classes de rendimento mensal em termos total,
urbano e rural por pessoas de 10 anos ou mais de idade no Brasil: 2005-2011
Classes de rendimento
médio mensal
Percentual das Pessoas de 10 anos ou mais de idade
2005 2011
Total Urbana Rural Total Urbana Rural
Até 1/2 sm 7,88 5,38 2,5 6,94 4,67 2,27
Mais de 1/2 a 1 sm 17,23 13,56 3,67 16,68 13,29 3,39
Mais de 1 a 2 sm 19,39 16,78 2,61 22,44 20,00 2,44
Mais de 2 a 3 sm 7,28 6,62 0,66 9,05 8,44 0,61
Mais de 3 a 5 sm 6,81 6,42 0,39 5,94 5,63 0,31
Mais de 5 a 10 sm 4,45 4,26 0,19 4,08 3,93 0,15
Mais de 10 a 20 sm 1,68 1,64 0,04 1,38 1,34 0,04
Mais de 20 sm 0,67 0,64 0,03 0,49 0,48 0,01
Sem rendimento 33,83 27,16 6,67 30,45 25,25 5,2
Sem declaração 0,78 0,69 0,09 2,55 2,38 0,17
Total (%) 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Microdados\PNAD\IBGE. (*) salário mínimo = sm.
A Tabela 4 mostra a distribuição percentual das pessoas de 10 anos ou mais de
idade, para homens e mulheres, por classes de rendimento mensal no Brasil em 2005 e
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2011. Nota-se que, em 2005, o percentual da população de homens com idade de 10
anos ou mais, com rendimento médio mensal da classe até ½ salário mínimo real, era
superior ao percentual da população das mulheres em todas as classes de rendimento
médio mensal em termos de salários mínimos reais. Entretanto, essa situação muda, em
2011, com o percentual da população de homens em idade ativa de 10 anos ou mais,
com rendimento médio mensal de mais ½ a 1 salário mínimo real, ficando em 1,79% e o
de mulheres em 5,15%. Isto sugere que a população de mulheres das classes de até 1
salário mínimo real passou a assumir um papel importante na família, talvez, por causa
do bolsa família. Contudo, esse fenômeno não ocorre com a população de mulheres das
classes com rendimento médio mensal acima de 1 salário mínimo real. De fato, a Tabela
4 mostra que todos percentuais da população de mulheres de 10 anos ou mais de idade,
em todas as classes de rendimento médio mensal acima de 1 salário mínimo real, são
inferiores aos percentuais da população em idade ativa dos homens. Isto pode indicar
que a população de homens em idade ativa, com rendimento médio mensal acima de 1
salário mínimo, ainda é importante economicamente para a família.
Tabela 4: Distribuição percentual por gênero das pessoas de 10 ou mais anos de idade,
por classes de rendimento médio mensal em salários mínimos reais, no Brasil: 2005 e 2011
Classes de rendimento
médio mensal
Percentual de Pessoas de 10 anos ou mais de idade
(%)
2005 2011
Total Homem Mulher Total Homem Mulher
Até 1/2 sm 7,88 2,29 5,59 6,94 1,79 5,15
Mais de 1/2 a 1 sm 17,23 8,41 8,82 16,68 7,50 9,18
Mais de 1 a 2 sm 19,39 12,93 6,46 22,44 11,91 10,53
Mais de 2 a 3 sm 7,28 5,45 1,83 9,05 5,87 3,18
Mais de 3 a 5 sm 6,81 3,55 1,52 5,95 3,85 2,10
Mais de 5 a 10 sm 4,45 1,44 0,91 4,08 2,58 1,50
Mais de 10 a 20 sm 1,68 0,60 0,24 1,38 0,93 0,45
Mais de 20 sm 0,67 0,23 0,07 0,49 0,37 0,12
Sem rendimento 33,83 8,92 24,91 30,45 11,83 18,62
Sem declaração 0,78 0,69 0,09 2,55 1,48 1,07
Total (Em %) 100,00 49,57 50,43 100,00 48,11 51,89
Fonte: PNAD\IBGE. (*) salário mínimo = sm. Os valores dos salários mínimos nominais foram
inflacionados pelo INPC de setembro/2011.
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3.1. Distribuição da renda familiar per capita
O rendimento familiar per capita é obtido pela divisão do rendimento de cada
família pelo respectivo número de pessoas, incluindo a pessoa de referência da família,
o cônjuge, os filhos (as), os outros parentes e agregados, mas excluindo os pensionistas,
os empregados domésticos e os parentes de empregados domésticos. A Tabela 5 mostra
as principais características da distribuição do rendimento familiar per capita no Brasil,
considerando as pessoas das famílias, com declaração de rendimento familiar, residentes
em domicílios particulares.
A Tabela 5 indica que o rendimento médio per capita no Brasil subiu de R$
433,00 (2005) para R$ 631,00(2011). Em 2005, as pessoas com o rendimento per capita
acima de R$ 907,00 estavam entre os 10% mais ricos que se apropriavam de 45,5% do
rendimento total no Brasil. Nota-se na mesma tabela que, em 2011, as pessoas com
rendimento médio per capita acima de R$ 1.300,00, estavam entre aquelas 10% mais
ricos que se apropriavam de 41,6% da renda total no Brasil. Isto significa que, entre
2005-2011, os 10% mais ricos do País perderam posição relativa de 3,9%.
Em 2005, a participação dos 5% mais ricos (17,4%) na renda total era superior
a dos 50% mais pobres (13,6%). Em 2011, a participação dos 5% mais ricos (de 16,0%
do rendimento total do Brasil) continuou sendo superior à participação dos 50% mais
pobres (de 15,9% do rendimento total do Brasil). Além disso, o rendimento médio per
capita das famílias que moram na área rural, segundo a situação censitária, aumentou de
R$ 197,00 para R$ 314,00 entre 2005-2011. O rendimento médio per capita da área
urbana, segundo a situação censitária, subiu de R$ 484,00 para R$ 693,00 entre 2005-
2011. O rendimento médio urbano era 145,68% superior ao rendimento rural em 2005.
Entretanto, esse rendimento médio urbano em relação ao rendimento médio rural
declina para 120,70% em 2011.
A parte de baixo da Tabela 5 mostra a evolução, entre 2005-2011, dos
principais índices de medida de desigualdade de renda. O índice de Gini diminuiu de
0,598 (2005) para 0,539 (2011). Os índices de Theil_T e Theil_L caíram, entre 2005 e
2011, como podem ser observados na parte inferior da referida tabela.
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Tabela 5: Principais características da distribuição do rendimento familiar per capita
no Brasil, conforme situação do domicílio: 2005 e 2011
Estatísticas 2005 2011
Total Urbana Rural Total Urbana Rural
População total (mil pessoas) 83.383 150.059 33.324 195.243 162.549 29.827
Rendimento médio per capita 433 484 197 631 693 314
Mediana 118 140 65 194 226 107
Percentil 2005 2011
Total Urbana Rural Total Urbana Rural
5% 35 42 20 53 71 28
10% 60 75 33 100 117 50
25% 118 140 65 194 226 107
50% 235 270 125 375 417 210
75% 460 512 233 687 750 400
90% 907 1000 390 1300 1425 637
95% 1455 1600 567 2000 2185 900
99% 3500 3750 1250 4650 5000 1875
Renda recebida por classes 2005 2011
Total Urbana Rural Total Urbana Rural
40% mais pobres 8,8 9,4 12,1 10,6 11,1 10,9
50% mais pobres 13,6 14,3 16,7 15,9 16,7 11,2
20% mais ricos 61,3 60,7 55,1 57,5 15,2 50,3
10% mais ricos 45,5 44,4 38,9 41,6 41,1 37,4
5% mais ricos 17,4 15,9 16,2 16,9 15,8 15,5
Relação médias 10+/40- 20,7 18,9 12,9 15,7 14,8 13,7
Índice de Gini 0,598 0,564 0,517 0,539 0,524 0,508
Índice de Theil-T 0,671 0,642 0,537 0,574 0,551 0,504
Índice de Theil-L 0,561 0,531 0,438 0,487 0,457 0,445
Fonte: Microdados\PNAD\IBGE.
3.2. Medidas de Desigualdades de Renda
Os índices de Theil_L e de Theil_T medem as distintas razões entre segmentos
extremos da distribuição de renda e expressa, em termos econômicos, uma noção de
(in)justiça social. A Tabela 6 mostra a evolução temporal do índice de Gini e de outras
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medidas de desigualdade de renda no Brasil. Nota-se que, entre 2005-2011, houve uma
redução do índice de Gini de 0,598 (2005) para 0,539 (2011), o que sugere uma queda
da desigualdade da renda familiar per capita no Brasil. O índice de Theil_L declinou de
0,759, em 2005, para 0,585 em 2011. O mesmo ocorreu com o índice de Theil_T que
diminuiu de 0,653, em 2005, para 0,478 em 2011. As outras medidas de desigualdade
de renda – os demais índices de Mehan, Piesch e Karkwani – também revelam uma
redução das desigualdades de renda no Brasil entre 2005-2011.
Tabela 6: Medidas de desigualdades de renda no Brasil: 2005-2011
Medidas 2005 2007 2009 2011
Coeficiente de variação 2,144 2,206 1,729 1,612
Índice de Gini 0,598 0.632 0,546 0,539
Índice de Mehran 0,727 0,765 0,680 0,668
Índice de Piesch 0,534 0,566 0,479 0,476
Índice Karkwani 0,293 0,323 0,247 0,243
Índice de Theil_T 0,759 0,847 0,603 0,585
Índice de Theil_L 0,653 0,926 0,508 0,478
Fonte: Microdados\PNAD\IBGE.
A Tabela 7 apresenta o índice de Gini e outros índices de medição de
desigualdade da renda no Brasil das áreas urbanas e rurais entre 2005-2011. O
coeficiente de variação da área urbana declinou de 1,719 (2005) para 1,618 (2011). O
mesmo ocorreu com o coeficiente de variação da área rural de caiu de 1,568 (2005) para
1,364 (2011). O índice de Gini, que mede o grau de desconcentração de renda, diminuiu
nas áreas rurais de 0,517 (2005) para 0,499 (2011). O mesmo ocorreu com índice de
Gini das áreas urbanas do Brasil que caiu de 0,564 (2005) para 0,537 (2011), conforme
mostra a mesma tabela. Os índices de Theil_T e de Theil_L, que são medidas de
desconcentração de renda, caíram nas áreas urbanas e áreas rurais, como indica a Tabela
7. Além dessas medidas, três outras medidas completam a família de indicadores de
desigualdade de renda: Mehran, Piesch e Kakwani.
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Tabela 7: Índices de Medidas de desigualdades de renda das áreas urbanas e
rurais no Brasil: 2005-2011
Medidas de desigualdade de renda 2005 2011
Urbano Rural Urbano Rural
Coeficiente de variação 1,719 1,568 1,685 1,364
Índice de Gini 0,564 0,517 0,537 0,499
Índice de Mehran 0,697 0,655 0,669 0,65
Índice de Piesch 0,498 0,448 0,471 0,427
Índice de Kakwani 0,263 0,223 0,239 0,210
Índice de Theil_T 0,642 0,537 0,582 0,476
Índice de Theil_L 0,531 0,438 0,484 0,417
Fonte: Microdados\PNAD\IBG
Cowell (1995) lembra que esses índices são medidas de entropia generalizada
(EG) que satisfazem determinados axiomas desejáveis: anonimato, princípio da
transferência, invariância de escala, invariância da população e da decomponibilidade.
A EG (α = 0) do índice de Mehran quer dizer que o parâmetro α = 0 dá mais peso à
distância entre rendas na cauda inferior da distribuição de probabilidade. A EG (α = 1)
do índice de Piesch quer dizer que o parâmetro α = 1 dá mais peso a distância entre
rendas na cauda superior da distribuição de probabilidade. A EG (α = 2) do índice de
Kakwani dá mais peso a distância entre rendas na cauda superior da distribuição de
probabilidade.
A Tabela 8 mostra a evolução do índice de Gini por macrorregiões do Brasil.
Nota-se que todas as macrorregiões do Brasil tiveram uma redução do índice de Gini, o
que significa que, entre 2005 a 2011, houve, realmente, uma desconcentração da renda
regional para todas as regiões do Brasil. O índice de Gini da Região Norte caiu de 0,507
(2005) para 0,499 (2011). O índice de Gini da Região Nordeste também declinou 0,534
(2005) para 0,511 (2011). Os índices de Gini de todas as demais regiões do Brasil
caiaram entre 2005-2011.
Tabela 8: Evolução do índice de Gini por regiões do Brasil: 2005-2011
Anos Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
2005 0,598 0,507 0,534 0,514 0,491 0,552
2006 0,983 0,490 0,539 0,510 0,486 0,543
2007 0,623 0,498 0,527 0,498 0,484 0,552
2008 0,987 0,477 0,524 0,490 0,476 0,548
2009 0,567 0,489 0,522 0,485 0,470 0,537
2011 0,534 0,499 0,511 0,478 0,454 0,521 Fonte: PNAD\IBGE.
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4. Pobreza e Medidas de Pobreza
O problema da pobreza é um problema social, embora esteja associada à
desigualdade de renda e de capacidades humanas, não pode ser resolvido só por
políticas fiscais de redução das desigualdades. Políticas fiscais de redução de
desigualdade de renda, por meio do imposto de renda progressivo, podem, às vezes, até
acirrar mais os conflitos e levar a perdas e descontentamentos da maioria. Tendo isto em
conta é preciso definir os construtos medidores de pobreza.
A pobreza e a desigualdade, de apesar de serem confundidas em alguns
momentos do debate social, são dimensões que merecem tratamento e soluções
radicalmente diferentes. O problema da pobreza no Brasil não é só de carência de
recursos públicos para os pobres, mas de gestão e controle para que realmente os
recursos públicos dos programas de combate à pobreza cheguem às camadas mais
pobres. Portanto, a questão dos gastos sociais para a população brasileira que vive em
estado de extrema pobreza deve assumir um papel central nos programas sociais do
governo federal.
4.1. Pobreza
A pobreza tem três fontes: o desemprego, a desigualdade de renda e abandono
social. A desigualdade social no Brasil é um problema estrutural que remonta a abolição
da escravidão não acompanhada de uma reforma agrária e de investimentos em
educação. Há duas formas de pobreza: a pobreza que aflige apenas alguns indivíduos ou
mesmo um número significativo dos membros de algumas sociedades rurais; e há
também a pobreza que aflige a maioria dos membros da sociedade, poupando só uma
pequena minoria de privilegiados.
A pobreza que também interessa neste estudo é a pobreza rural. Uma das
teorias usadas no passado não muito distante consistia em dizer que um país era
naturalmente pobre pela ausência de recursos naturais. Galbraith (1979, p. 16-17)
percebeu que esta teoria não tinha respaldo quando era confrontada com a realidade,
como o caso do Japão que não dispõe de grandes recursos naturais e ainda assim é
considerado um país rico.
Uma segunda explicação, por ordem de vulgaridade, é a que atribui à pobreza e
o bem estar social à natureza do governo e do sistema econômico. Segundo Galbraith
(1979, p. 18-25), existem vários exemplos que demonstram que a pobreza não estar
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diretamente associada a governos democráticos ou autoritários e muito menos a
sistemas econômicos capitalistas ou modelos comunistas. Galbraith (1979, p. 65-70)
admite que os hábitos e costumes de anos de um estado de pobreza rural criam um
estado de acomodação social que ele denominou de habituação da pobreza rural, isto é,
a possibilidade que não deveria surpreender, mas surpreende, de que os pobres também
se habituem ao estado de pobreza e, por isso, não desenvolvam forças sociais
motivadoras para romper com o status quo.
De modo geral, a habituação da pobreza rural serve aos interesses ideológicos
da burguesia com suas ações de caridade por força da religião, filantrópicas e
assistencialistas. Nesse contexto, a pobreza rural é um estado de exclusão social das
pessoas pobres que vivem no ambiente rural quer tenham se habituado ou não ao estado
de pobreza e miséria. A rejeição da habituação é uma questão política que nem sempre é
voluntária, mas pode ser criada por meio do processo de conscientização dos direitos à
cidadania das pessoas que vivem na cidade e no campo. Os movimentos sociais rurais
são muitos importantes à medida que eles revelam e exigem os seus direitos de cidadãos
junto aos governos. As comunidades rurais organizadas podem levar suas
reivindicações aos governos centrais e locais. Quando essa estratégia de ação não conta
com o apoio do governo e da sociedade só resta à fuga, isto é, o êxodo rural para os
grandes centros urbanos onde às comunidades rurais reproduzem seus hábitos de vida
na periferia suburbana e nas favelas.
Mas, o êxodo rural não é a melhor solução. A solução da pobreza rural não é
simples, porém é possível desde que um conjunto de ações orgânicas se faça presentes
envolvendo não somente a comunidade rural, mas também a sociedade civil e os
governos. Combater a desigualdade social e a pobreza rural deve fazer parte da agenda
de qualquer governo preocupado com a dignidade humana e o bem estar social dos
cidadãos que habitam no meio rural. A industrialização urbana e a modernização da
agricultura foram importantes para o Brasil. Contudo, a modernização da agricultura
levada adiante pela industrialização urbana não foi suficiente para acabar com o
problema da pobreza rural no Brasil. O desenvolvimento econômico requer, além do
crescimento do produto da economia, mudanças estruturais que promovam a geração de
emprego, a distribuição de renda e a erradicação da pobreza urbana e rural.
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4.2. Medidas de pobreza
As medidas de pobreza podem ser agrupadas em duas modalidades: medidas
monetárias e não monetárias. A abordagem monetária distingue a linha de indigência da
linha de pobreza. A linha de indigência é definida pelo valor monetário necessário para
a aquisição de uma cesta básica que tenha a quantidade calórica mínima à sobrevivência
do indivíduo; e a linha de pobreza é o valor monetário da linha de indigência acrescido
do valor monetário capaz de cobrir as despesas básicas em termos de vestuário,
transporte e moradia. Estas duas linhas de referências servem para indicar o limite da
pobreza absoluta uma vez que elas permitem a identificação do contingente de pobres
num dado país.
Uma vantagem dos indicadores de pobreza absoluta é que eles permitem fazer
comparações com outros países, em nível internacional, de forma a determinar a posição
relativa (ranking) dos países na questão social da pobreza. Os indicadores da pobreza
absoluta são importantes porque permitem a identificação do grau de pobreza social e a
consequente falta de recursos necessários à reprodução da vida humana. Mas, a
principal crítica feita aos indicadores da pobreza absoluta é que eles não são capazes de
retratarem todas as dimensões da pobreza social, já que o estado de bem estar das
pessoas é determinado por um conjunto complexo de outras variáveis sociais,
psicológicas, sociais e culturais e não somente pela variável econômica renda. Segundo
Rocha (2001, p. 101-127; p. 51-78), apesar dessa limitação, há quem defenda os
indicadores de pobreza absoluta porque as pesquisas nacionais de domicílios no Brasil
cada vez mais investigam um amplo número de variáveis socioeconômicas que podem
revelar outras dimensões das condições de vida de uma população.
A técnica de abordagem considera relativamente pobre aquele indivíduo ou
família cujas rendas são menores que 40%, 50% ou 60% da renda mediana ou mesmo
da renda média. Hoffmann (2000), por exemplo, ressalta que se o pobre tiver uma
posição relativa no contexto da sociedade, então a pobreza relativa revela uma forma de
desigualdade de renda. Uma medida de pobreza relativa que leve em conta apenas a
moeda corrente acaba valorizando mais o valor monetário dos bens e serviços do
mercado do que os valores dos bens e serviços não monetários, particularmente quando
se trata de mensurar a pobreza rural. Mas isso não quer dizer que a medição da pobreza
em termos de renda monetária não tenha importância, sobretudo numa sociedade
capitalista na qual a renda corrente e a riqueza são medidas em termos monetários.
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Sen (2000) afirma que a pobreza deve ser vista como uma privação das
capacidades básicas em vez de apenas como baixo nível de renda, que é o critério
tradicional de identificação da pobreza. A pobreza como privação de liberdades
substantivas não envolve a negação da sensata ideia de que a renda baixa é claramente
uma das causas principais da pobreza, pois a privação de renda pode ser uma razão
primordial da privação das capacidades de uma pessoa. A perda de renda individual
pode também ser causada pelo desemprego, embora essa perda possa ser compensada
pela política de auxílio desemprego. Contudo, essa política social de compensação tem
sofrido críticas em face do ônus fiscal e do efeito relaxamento por parte de alguns
beneficiários demorarem a procurar novo emprego. Costa (2002) desenvolveu um novo
indicador, já aplicado em 12 países da OCDE, de natureza multidimensional que utiliza
oito atributos: 1) renda domiciliar; 2) tamanho da família; 3) dimensões da residência;
4) acesso à água potável e banheiro; 5) principal atividade do chefe de família; 6) acesso
à energia elétrica; 7) violência social (homicídios); e 8) nível educacional.
Para medir a pobreza em geral ou a pobreza rural com base nos dados dos
PNAD’s é preciso fixar uma dada linha de pobreza (z). A população de pobres,
portanto, é determinada pelas pessoas cujo rendimento não ultrapassar essa linha. Seja h
o número de pobres de uma dada população com n pessoas. A proporção de pobres
desta população (H) pode ser dada pela equação H = h/n. Esta é uma medida de pobreza
simples e é bastante usada. Medidas mais sofisticadas procuram incorporar a
intensidade da pobreza, tendo em vista a insuficiência de renda (ou hiato de renda) de
cada pobre (situação de extrema pobreza) que é a diferença entre a linha de pobreza e o
rendimento do pobre. [Rocha (2000, p. 109-130); Hoffmann (2000, p. 94-96)]
Seja S a insuficiência de renda da população de pobres. Fixado o número de
pobres, então o valor máximo da insuficiência da renda total é hz. Este valor máximo
ocorre quando a população de pobres alcança renda igual à zero. A razão da
insuficiência de renda pode ser assim expressa:
(1)
Admitindo-se que o número de pobres pode aumentar até a inclusão de toda a
população, então o valor máximo da insuficiência de renda é nz. Define-se o índice de
insuficiência de renda da seguinte maneira:
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(2)
Como a proporção de pobres é dada pela seguinte equação:
(3)
Extraindo S a partir da equação (1), tem-se:
S = I. hz (4)
Substituindo a equação (4) na equação (2), obtém-se:
(5)
Substituindo a equação (3) na equação (5) e eliminando z, tem-se:
(6)
É preciso esclarecer que a razão da insuficiência de renda não é uma medida
de pobreza, pois serve para avaliar a intensidade da pobreza daqueles que são pobres. O
índice de insuficiência de renda ( ) é uma medida apropriada de pobreza. Foster,
Greer e Thorbecke (1984) também sugeriram uma família de medidas de pobreza
definida pela seguinte equação:
, com (7)
Onde é a renda do i-ésimo pobre. A expressão = é igual a
insuficiência de renda do pobre, quando . Essa medida é igual à proporção de
pobres (H) quando . Denomina-se Índice de Foster, Greer e Thorbeck de
severidade da pobreza o valor obtido quando , tal que:
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(8)
Pode-se também utilizar a seguinte equação em função de H, I e , onde é
o coeficiente de variação da renda dos pobres:
O índice de Sen (1976) para medir a pobreza pode ser obtido pela seguinte
equação:
Onde é o índice de Gini da distribuição de renda entre os pobres. Note-se
que tanto o índice de Sen quanto o índice de Foster, Greer e Thorbeck são funções da
proporção de pobres (H), da razão de insuficiência da renda (I) e do índice de Gini ( )
ou do coeficiente de variação ( ) da distribuição de renda entre os pobres. que pode
ser ou. É claro que, antes de se calcular qualquer das medidas de pobreza, é preciso
fixar a linha de pobreza (z). Salama & Destremau (2001) lembram que a linha de
pobreza medida em termos de renda monetária, por certo, é limitada porque deixa de
levar em conta os valores não monetários dos bens e serviços, sobretudo quando se
estuda a pobreza rural. Contudo, isso não significa que a medição da pobreza rural, em
termos de rendimento monetário, não seja importante numa economia capitalista
empreendedora e monetária na qual a renda e a riqueza são medidas em termos da
moeda corrente.
4.3. Pobreza e pobreza rural no Brasil
A pobreza e a pobreza rural estão ainda presentes em todas as regiões
brasileiras. As regiões Nordeste e Norte ainda concentram muita pobreza rural, mas
também nas Regiões Sudeste e o Sul a proporção de pobres no meio rural não é baixa.
O fato da pobreza rural ainda ser proporcionalmente alta no Nordeste, sugere que o
êxodo rural em direção às cidades não resolveu a questão da pobreza rural nessa região.
Segundo Silva (1997, p.78), o meio rural abriga atividades agrícolas e não agrícolas,
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mas a pobreza rural está associada muito mais as atividades agrícolas. Para calcular as
medidas de pobreza é preciso antes fixar o valor da linha de pobreza.
A Tabela 9 revela a população total do Brasil e das macrorregiões brasileiras,
bem como a correspondente população de pobres e população dos extremamente
pobres. O indicador básico da pobreza é a proporção de pobres representada pelo
número de pessoas cujo rendimento declarado está abaixo da linha de pobreza. A linha
de pobreza básica é de R$ 70,00, valor este inflacionado pelo INPC tendo como
referência o mês de setembro de 2011. A extrema pobreza é representada pelo número
de pessoas com rendimento declarado igual ou menor a ½ do salário mínimo real no
Brasil. A Tabela 9 revela, ainda, que a população de pobres caiu de 55.477 mil pessoas
(2005) para 45.230 mil pessoas (2011). A população de indigentes (extrema pobreza)
declinou de 14.450 mil pessoas (2005) para 13.549 mil pessoas (2011). A distribuição
das pessoas pobres e extremamente pobres por regiões caiu, em termos absolutos, entre
2005-2011.
Tabela 9: Distribuição da pobreza e da indigência por Região no Brasil: 2005-2011
Região
2005 (Em mil pessoas) 2011 (Em mil pessoas)
População Pobres População Pobres
Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %
Norte 14.486 7,9 6.094 10,98 16.557 8,5 5.082 11,23
Nordeste 51.531 28,1 30.157 54,36 54.607 28,0 25.282 55,90
Sudeste 77.388 42,2 12.525 22,58 80.598 41,3 9.067 20,05
Sul 26.774 14,6 3.933 7,10 28.489 14,6 2.849 6,30
Centro-
Oeste 13.203 7,2 2.768 4,98 14.991 7,7
2.950 6,52
Brasil 183.383 100,0 55.477 100,0 195.243 100,0 45.230 100,00
Região
2005 (Em mil pessoas) 2011 (Em mil pessoas)
População Indigente População Indigente
Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %
Norte 14.486 7,9 1.474 10,2 16.557 8,5 1.314 9,7
Nordeste 51.531 28,1 8.641 59,8 54.608 28,0 8.116 59,9
Sudeste 77.388 42,2 2.789 19,3 80.598 41,3 2.656 19,6
Sul 26.774 14,6 1.026 7,1 28.490 14,6 975 7,2
Centro-
Oeste 13.203 7,2 520 3,6 14.990 7,7 488 3,6
Brasil 183.383 100,0 14.450 100,0 195.243 100,0 13.549 100,0 Fonte: Microdados\PNAD\IBGE.
A Tabela 10 mostra que a proporção de pobres (H) no Brasil, com declaração
de rendimento familiar per capita mensal, declinou de 24,70%(2005) para
12,26%(2011). Isto significa que, entre 2005-2011, a redução líquida da pobreza no
Brasil foi 12,44% em termos de renda familiar per capita mensal A proporção de pobres
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 129
na área rural do Brasil caiu de 27,12% (2005), em termos de renda familiar per capita
mensal, para 6, 22% (2011). A proporção de extrema pobreza no País, com rendimento
declarado abaixo da linha de pobreza estabelecida, caiu de 9,62% (2005) para 9,31%
(2011). Ela indica que no Brasil, entre o período de 2005-2011, a proporção de extrema
pobreza rural declinou de 10,41% (2005) para 2,19%(2011). Esses indicadores sociais,
portanto, registram a tendência de redução da pobreza no Brasil entre 2005-2011. A
mesma tabela mostra que a razão da insuficiência de renda no Brasil que era de 48,88%,
em 2005, – que significa que a renda média dos pobres estava 48,88% abaixo da linha
de pobreza – saltou para 64,13% (2011) sugerindo que a renda média dos pobres no
Brasil estava em 64,13% abaixo da linha de pobreza nesse ano.
Tabela 10: Medidas de pobreza geral, urbana e rural em renda familiar per capita
mensal no Brasil: 2005-2011.
Medidas de pobreza em
renda familiar per capita
mensal
2005 2011
Pobreza
Geral
Pobreza
Urbana
Pobreza
Rural
Pobreza
Geral
Pobreza
Urbana
Pobreza
Rural
Proporção de pobres (%) 24,700 9,140 27,125 24,100 2,759 6,217
Proporção de extrema
pobreza (%) 9,619 4,26 10,406 9,308 1,876 2,194
Hiato da pobreza agregada
(R$ milhão) 753,8 494,9 258,9 371,7 113,3 29,2
Hiato da pobreza per capita
(R$ 1000,00) 4,194 3,331 8,308 2,033 0,725 1,026
Razão do hiato da pobreza
(%) 5,992 4,759 11,868 4,161 1,985 2,807
Razão do hiato da renda (%) 48,879 52,069 43,754 64,127 71,934 45,147
Índice de Sen (%) 8,265 6,555 16,231 5,596 2,511 4,082
Fonte: Microdados\PNAD\IBGE.
A razão do hiato (ou insuficiência) da pobreza mede a intensidade da pobreza
entre o grupo dos pobres. Em 2005, a insuficiência da pobreza era de 5,9%, Isto
significa que as pessoas pobres, em média, possuíam uma renda familiar per capita
mensal inferior de 5,9% da equivalente renda da linha de pobreza. Em 2011, a razão da
insuficiência da pobreza declinou para 2,1%, o que significa que as pessoas pobres
nesse ano, em média, possuíam uma renda familiar per capita inferior em 2,1% da
correspondente renda da linha de pobreza.
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 130
A Tabela 10 revela que a proporção de pobres da área rural do Brasil, em
termos de rendimento familiar mensal per capita, diminuiu de 27,12% (2005) para
6,22% (2011). Em 2005, a insuficiência da pobreza agregada no Brasil era de R$ 753, 8
milhões mensais. Isto significa que, em média, o montante anual necessário de
transferência de renda para eliminar a pobreza no Brasil seria de R$ 9.045 milhões
nesse ano. O hiato de pobreza agregada, em 2011, diminuiu para R$ 142,5 milhões
mensais, o que significa um montante anual de transferência de renda necessário para
eliminar a pobreza no Brasil seria necessário nesse ano de R$ 1.710 milhões. Supõe-se
que as pessoas pobres receberiam o montante exatamente igual ao gap da pobreza por
família, isto é, ao valor monetário por família dado pela diferença entre a renda familiar
per capita mensal das pessoas pobres e a renda da linha de pobreza.
A Tabela 10, ainda, indica que a insuficiência da pobreza agregada rural no
Brasil era, em 2005, de R$ 262,3 milhões mensais (ou R$ 3,1 milhões anuais). Isto
significa que, em média, o montante anual necessário de transferência de renda para
eliminar a pobreza rural no Brasil, em 2005, deveria ser de R$ 3,1 milhões. Em 2011, a
insuficiência da pobreza agregada rural no Brasil declinou para R$ 29,2 milhões
mensais, o que significa que montante anual de transferência de renda necessário para
eliminar a pobreza no Brasil deveria ser de pelo menos R$ 3,1 milhões nesse ano. A
média da renda familiar per capita no Brasil, em 2005, era de R$ 466,00; e a média da
renda familiar per capita rural era de R$ 366,00. Em 2011, a média da renda familiar per
capita no Brasil saltou para R$ 745,00; e a média da renda familiar per capita rural
passou para R$ 376,00.
A razão da insuficiência de renda da pobreza rural no Brasil, em 2005, era de
43,83%, o que sugere que a renda média da pobreza rural no Brasil era de 48,83%
abaixo da linha de pobreza. Em 2011, a razão da insuficiência de renda da pobreza rural
no Brasil caiu para 45,15%, o que significa que a renda média da pobreza rural no Brasil
ficou 45,15% abaixo da linha de pobreza nesse ano. A insuficiência da pobreza per
capita no Brasil, em 2005, era de menos R$ 4,20 da média da renda familiar per capita
mensal de R$ 466,00 nesse ano. Em 2011, a insuficiência da pobreza per capita caiu
para menos R$ 0,772 da média da renda familiar per capita de R$ 745,00. A
insuficiência da pobreza per capita rural, em 2005, era de menos R$ 8, 30 da média da
renda familiar per capita rural mensal de R$ 366,00. Em 2011, a insuficiência da
pobreza per capita rural caiu para menos R$ 1,06 da média da renda familiar per capita
rural mensal de R$ 376,00.
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4.4. Medidas de pobreza por região do Brasil
A análise dos valores dos índices de pobreza para o conjunto da população tem
validade, mas é limitada quando se deseja aprofundar o comportamento dos indicadores
sociais para grupos sociais mais detalhados. Um modo de superar essa limitação
consiste em estimar estes indicadores por cortes da amostra e controlar a precisão das
estimativas. Segundo Atkinson (1987, p. 749-763), três medidas da classe paramétrica
dos indicadores FGT foram escolhidas para resumir as mudanças da pobreza em 2005 e
2011. O valor estabelecido da linha de pobreza (R$ 70,00) foi inflacionado pelo INPC
com referência setembro de 2011. Os resultados obtidos contaram com a ajuda do
Stata11.
5. Conclusão
A principal conclusão deste artigo é de que a desigualdade de renda e a
proporção da pobreza no Brasil caíram entre 2005-2011. De fato, o coeficiente de Gini,
um dos indicadores mais utilizados pelos pesquisadores da área da economia social,
diminuiu de 0,532 (2005) para 0,501 (2011). O índice de Gini declinou, também, em
todas as macrorregiões do Brasil no mesmo período. Os outros índices mais complexos
confirmam essa tendência. A queda da desigualdade da renda regional é importante
porque mostra que a redução da desigualdade não foi parcial e nem localizada em
algumas regiões do Brasil. Contudo, apesar da acelerada redução da desigualdade de
renda, o Brasil ainda não ocupa uma posição de destaque entre os países com melhor
redistribuição de renda, o que significa que é preciso persistir com políticas sociais de
redução da desigualdade de renda. Há uma correlação entre desigualdade de renda e
pobreza no Brasil.
Em termos específicos, nota-se que a proporção de pobres no Brasil, entre
2005-2011, caiu de 55.477 mil pessoas (2005) para 45.230 mil pessoas (2011). A
proporção das pessoas extremamente pobres no Brasil caiu de 14.450 mil pessoas
(2005) para 13.549 mil pessoas (2011), o equivalente a 6.65% no período entre 2005-
2011. A proporção de pobres da área rural no Brasil declinou de 26,64%, em 2005, para
6,22% em 2011. A proporção de extrema pobreza da área rural declinou de 10,40% para
2,19% entre 2005-2011. A proporção de extrema pobreza da área urbana declinou
também de 4,26%, em 2005, para 1,87% em 2011.
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Além disso, o desemprego e a desigualdade de renda são os principais fatores
responsáveis pelas mazelas sociais no Brasil. A pobreza está associada à falta de
oportunidades de emprego e de maciços investimentos em educação. O Programa Bolsa
Família, por exemplo, vem contribuindo para a redução da pobreza no Brasil. A pobreza
rural está associada ao atraso da reforma agrária por falta de financiamento do programa
de reforma agrária. A falta de investimentos em educação rural também contribui para a
manutenção da pobreza no campo. Ademais, o êxodo rural não resolve a questão da
pobreza rural no Brasil. Por isso, só uma política do governo dirigida aos pobres da área
rural pode eliminar a extrema pobreza rural.
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A QUESTÃO AGRÁRIA E O ÍNDICE DE CAPITAL SOCIAL COMO
FATOR DESENVOLVIMENTO LOCAL NO ASSENTAMENTO FAZENDA
OITIS NO MUNICÍPIO DE MAURITI-CE.
Maria Rosa Dionísio Almeida1
Otácio Pereira Gomes2
Isac Alves Correia3
Resumo
A questão agrária continua sendo um tema polêmico principalmente em relação à
concentração fundiária, na qual tem suas origens desde a época da divisão das terras na
colonização do país, sendo que até hoje não houve uma reforma política capaz
promover transformação eficaz nessa estrutura. Assim, partindo da discussão sobre os
fundamentos da questão agrária, e da criação dos assentamentos rurais o presente artigo
objetiva analisar o índice capital social como fator de desenvolvimento comunitário do
assentamento fazenda Oitis, localizado no distrito de Umburanas, município de Mauriti,
no estado do Ceará. A metodologia empregada fundamentou-se em dados provenientes
de fontes de natureza primária e secundárias. Dado que as comunidades com maiores
ICS são mais propensas ao desenvolvimento e sendo este um fator importante na
modernização e organização da comunidade, conclui-se que o assentamento fazenda
Oitis, possui um valor de ICS = 0,9692 o que corresponde a um alto nível de capital
social. Dentre as variáveis que mais contribuíram na formação do índice destacaram-se;
a cooperação para o atendimento das reivindicações da comunidade com 17, 46%, as
sugestões apreciadas e aprovadas nas reuniões, assim como o trabalho em regime de
cooperação com 9,52%.
Palavras-chave: Questão Agrária. Capital Social. Assentamento Fazenda Oitis.
1. INTRODUÇÃO
O problema fundiário do país remonta a criação das capitanias hereditárias em
1530 e ao sistema de sesmarias, grandes glebas distribuídas pela coroa portuguesa a
quem se dispusesse a cultivá-las dando em troca um sexto da produção, surgindo assim
o latifúndio. Em 1822, com a Independência do país, agravou-se o quadro a troca de
donos das terras se deu sob a lei do mais forte, em meio à grande violência. (INCRA,
2015).
1 Economista pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Fiscal de Tributos da Secretaria Municipal da Fazenda
de Mauriti-Ce. E-mail: [email protected] Cel. (88) 9605-7733.
2 Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Mestre em Economia
Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC-MAER) e atualmente é professor temporário da URCA-UDI,
campus Iguatu – Ce. Email: [email protected]; Cel. (88) 99601-1930.
3 Assistente Fiscal, Tecnus Contabilidade Ltda, Juazeiro do Norte – CE/Brasil. Graduando em Ciências Econômicas
pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Email: [email protected]; Cel. (88) 9963-2855.
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 136
No final do século XIX e início do século XX o Brasil começou apresentar
uma modesta industrialização, entretanto, necessitava expandir o mercado de consumo
interno para vender seus produtos, nessa época a população se constituíam de
trabalhadores das grandes fazendas de café que trabalhavam no regime de colonato que
não eram consumidores de produtos oriundos da indústria.
Na década de 1930 predominou na economia brasileira um modelo agro
exportador que se baseava no cultivo de único produto destinado ao mercado externo, o
período foi marcado pela subordinação econômica e o dinamismo da agricultura à
indústria. A burguesia industrial nascente fazem uma revolução e conquistam o poder
da oligarquia exportadora impondo um novo modelo econômico ao país (STEDILE,
2005).
Todavia, o modelo possibilitou um vínculo da indústria para a agricultura, o
setor industrial passou a produzir insumos para agricultura, os grandes proprietários
procuraram modernizar a exploração agrícola e não mais destiná-la somente ao mercado
externo, a propriedade capitalista avançava e concentrava ainda mais as terras.
A concentração de terra produz uma forma de organização na qual a
sobrevivência e marcada pela imposição das desigualdades e a pobreza ao crescimento
do setor familiar, que poderiam dificultar a produção em larga escala.
Esta temática envolve muita polêmica segundo Ferreira (2001); Stedile (2001)
e Laureano (2007) há três posições ideológicos dominantes a respeito do tema em
questão. A reforma agrária do tipo clássico capitalista; cujo o objetivo era democratizar
a propriedade da terra a fim de criar a oportunidade para os camponeses se tornarem
produtores autônomos e com capacidade para geração de renda; A reforma agrária por
meio de massiva desapropriação; essa corrente sobrepõe que diversos problemas
resultam da concentração de renda no Brasil. Outro conceito refere-se a reforma agrária
como política de assentamento; a qual prioriza a repartição de terras nas áreas de
conflitos, contudo, essa política para ser tida como parte da reforma agrária deverá
mexer na estrutura fundiária de forma ampla, promovendo impacto social.
Ao longo das últimas décadas a agricultura brasileira foi se diversificando,
incluindo meios tecnológicos e a formação de complexos agroindústrias. As causas
resultantes de tais transformações foi a concentração de renda e o aumento das
desigualdades do campo e da cidade. As lutas sócias para promover mudanças nesta
estrutura, promovida pelos movimentos sócias e trabalhadores rurais fizeram surgir os
assentamentos, como parte da tão desejada reforma agrária.
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O assentamento rural é um conjunto de unidades agrícolas independentes entre
si, instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imóvel rural que pertencendo a
um único proprietário, eles também dão condições de moradia e de produção familiar e
garante a segurança alimentar de brasileiros das zonas rurais que até então se
encontravam sob risco alimentar e social. (INCRA, 2015).
Figura 1: Fases de implantação dos assentamentos rurais
Fonte: INCRA (2015)
O tamanho e a localização de cada lote são determinados pela geografia do
terreno e pelas condições produtivas que o local oferece, vale ressaltar que os
assentados pagam pela terra que receberam do INCRA e pelos créditos contratados.
Os assentamentos desempenham no espaço brasileiro por conta da contribuição
socioeconômica um grande papel, sendo geradores de emprego no meio rural e
impulsionador da oferta de alimentos, também promovem a melhoria da renda, e da
qualidade de vida das famílias assentadas, conseqüentemente contribuindo para redução
do êxodo rural (MENDONÇA; PINHEIRO, 2008).
A questão agrária, enquanto expressão da questão social traz as disparidades
e impactos do sistema capitalista no meio rural, as relações de produção no
campo são bastante complexas, pois abarca a intensificação da concentração
fundiária e, concomitantemente, a resistência dos trabalhadores na luta pela
terra e a implantação dos assentamentos rurais. A questão agrária
compreende ainda as relações de poder no bojo da correlação de forças entre
sujeitos antagônicos com interesses e perspectivas diferenciadas em torno da
propriedade da terra, inclusive na realidade brasileira. (RODRIGUES et
al.2013.p.46).
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O acesso inadequado a terra é dos fatores que contribuem para o aumento da
pobreza no meio rural, pela concentração do capital e o bloqueio do desenvolvimento
socioeconômico das famílias. Os assentamentos rurais representam então, uma forma de
organização baseado no cooperativismo e associativismo, uma conquista coletiva que
gera condições propicias ao desenvolvimento local.
O capital social como fator intangível é constituído como acúmulo de
compromissos sociais construídos pela interação sociais em determinadas localidades.
Este esteve por trás de desenvolvimento de muitas regiões, assim como sua ausência se
traduz em certos fracassos. O Planejamento e organização da sociedade através da
cooperação, confiança, associativismo, facilita ações coordenadas gerando condições
adequadas para o desenvolvimento local, promovendo o crescimento sustentável.
Construir capital social e formar uma visão de território com base na integração
mutua, na qual as comunidades poderão desenvolve-se economicamente sendo capazes
de inovar e produzir riquezas.
Conforme Woolcock (2000) o termo capital social surgiu com Hanifan em
1916 significando os aspectos tangíveis que existam na maioria das vidas cotidianas das
pessoas, como a boa vontade, companheirismo, simpatia e relações sociais entre os
indivíduos num grupo e nas famílias. O capital social é um fenômeno coletivo, que se
baseia no relacionamento dos indivíduos.
A relevância do estudo deve-se ao fato de que o mesmo propõe analisar o
Capital Social como fatores construídos através da interação e das ações coordenadas
dos agentes, possibilitando a criação de estratégias e empreendimentos que os permita
prosperem economicamente de maneira sustentável.
Este trabalho pretende mensurar o grau de acumulação social como fator de
desenvolvimento local no assentamento fazenda Oitis, localizado no município de
Mauriti. Foi calculado o Índice de Capital Social (ICS) para que destes seja possível
compreender e analisar o desenvolvimento local, assim como avaliar a realidade social
do assentamento.
Estando estruturado em cinco seções, dentre elas estas a introdução. A segunda
seção está destinada a revisão de literatura que trata inicialmente do processo da
reforma agrária no país desde período de colonização aos dias atuais. Esta seção conta
também com uma explicação sobre os movimentos sociais, programas de regularização
fundiária e a contribuição destes para as famílias assentadas, como uma pequena
definição sobre a construção do capital social como instrumento percursor do
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desenvolvimento das comunidades. Na seção 3, expõe-se a metodologia que será
utilizada, a qual é composta pela determinação da base de dados. Os resultados serão
discutidos na quarta seção. A seção 5 será destinada a conclusão deste estudo.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 A questão agrária no Brasil
A evolução da questão agrária no Brasil tem seus primórdios destes dos tempos
das grandes navegações em que nosso território foi ocupado pelos europeus que se
efetivaram por todo o continente americano. A forma adotada pelos europeus com
relação à propriedade da terra foi a do monopólio da propriedade. Contudo, para
implantar o modelo agroexportador e estimular os capitalistas a investirem seu capital
na produção das mercadorias a Coroa optou pela concessão de uso com direito a
herança.
Para entender o contexto histórico dos movimentos de resistência pela posse
da terra, no apagar das luzes da monarquia no Brasil, é significativo lembrar
que, para a manutenção do modo capitalista de produção associado á
resistência de trabalho livre, após o fim do regime escravocrata no Brasil, a
saída foi a criação da propriedade privada da terra. (LAUREANO, 2007.p46).
Em 1850 Coroa foi pressionada pela corte inglesa para substituir a mão de obra
escrava pelo trabalho assalariado, pois necessitava de mercado consumidor para os seus
produtos. Como não havia meios de evitar a possível abolição e para impedir que
futuramente os ex-escravos se apossassem das terras promulgou-se nesse mesmo ano a
primeira lei da Terra.
Conforme Stedile (2005) entre as características desta lei estava a de que seria
a primeira implantação da propriedade privada das terras no país, a segunda consistia
que qualquer cidadão poderia se tornar proprietário privado, com direito á venda e
compra. mas, deveria pagar determinado valor à Coroa.
Por trás de tais benefícios encontrava-se o fato de impedir que os ex-cativos ao
se tornarem libertos pudessem se transformar em proprietários de terras, por não
possuírem nenhum bens, logo, não tinham como comprar as terras à Coroa,
permanecendo a mercê de fazendeiros como trabalhadores assalariados. Portanto, a lei
da propriedade da terra consolidou o modelo da grande propriedade rural vigente nos
dias atuais.
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 140
Em 1888 pela promulgação da lei áurea tornam-se libertos milhões de escravos
sem nenhuma perspectiva de melhorias condições as condições socieconômicas em se
encontravam, abandonaram os campos rumo a cidade em busca de novas oportunidades
e de terras para cultivar, mas impedidos pela Lei das Terras de 1850 essa população
passou a migrar para o interior do país, pelo fato das melhores terras estarem ocupadas
pelas fazendas dedicadas as exportações.
O ano de 1930 marca uma nova fase predominou na economia brasileira um
modelo agro exportador que se baseava no cultivo de único produto destinado ao
mercado externo, o período foi marcado pela subordinação econômica e o dinamismo
da agricultura à indústria. ( STEDILE, 2005).
Todavia, a libertação dos escravos contribuíram agravar a crise do modelo
agroexportador , a saída encontrada pela elite agrária foi substituir a mão-de-obra
escrava pela imigrante através da propaganda de benefícios a quem deixassem seu
país de origem, o novo regime de produção desta vez sob a forma de colonato,
estabelece as relações sociais da produção do café, que embora não tinham a
propriedade privada da terra mais a ocupavam de forma individual ou coletiva.
No final da década de 1950 e início da década de 1960, começam a aparecer no
campo, militâncias políticas de diferentes setores de trabalhadores rurais e movimentos
sociais, como as Ligas Camponesas no Nordeste, que começam a contestar a grande
desigualdade social e concentração fundiária que existe no Brasil, pressionando o
governo para a realização de uma ampla reforma agrária no país.
Os anos 60 marcam um cenário que apresenta uma agricultura modernizada,
capitalista e um setor camponês dependente dos interesses do capital industrial.
Dado o regime militar este envolveu o desenvolvimento rural baseado na
pecuária extensiva, cotonicultura e a agricultura de subsistência. O golpe militar de 64
silenciaram as organizações dos trabalhadores e partidos políticas principalmente em
torno dos programas de reforma agrária que retornaria quando o país retomasse a ideia
de redemocratização, a ditadura sufocou a pressão política da organização sindical que
se articulava sob o Estatuto do Trabalhador.
Durante os anos 60 surgem às primeiras organizações camponesas, com caráter
de classes e organizadas em nível nacional. Assim temos as Ligas Camponesas, o
Movimento dos Agricultores sem terra – Máster, no sul, as Ultabs, além de outros
organizados pela igreja católica, seja de caráter conservador ou progressista, entre eles
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os movimentos das Frentes Agrárias, o Movimento de Educação de Base- MEB
organizado pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Com o fim do regime militar durante a final da década de 80 e a industrialização e
modernização da agricultura brasileira, o debate da reforma agrária é retomado,
principalmente a partir do Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, de Tancredo
Neves. A reforma agrária retorna à pauta na sociedade brasileira, nesse contexto, mediante
uma proposta governamental (GIL; ENGELMAN, 2012). Contudo esse plano não saiu do
papel dado que existiam forças contrárias a reforma agraria no Brasil.
A volta do Estado democrático possibilitou a oportunidade da retomada da luta
pela terra pelos movimentos sociais nos mais variados setores da sociedade, igreja,
sindicatos e partidos políticos e entidades populares, desta vez sem a opressão do
regime militar.
2.2 Os movimentos sociais, programas de regularização fundiária e a construção
do capital social
A identidade do trabalhador rural sem terra teve seu pico a partir de
experiências de várias lutas nas regiões Sul e no estado de São Paulo no início dos anos
80, a reforma é reafirmada como um caminho para que os trabalhadores rurais atinjam a
cidadania, inserindo-se no conjunto das lutas pela democratização do país.
Um dos movimentos sociais na luta pela democratização da terra que surgiram
posteriormente e que depois se tornaria o mais expressivo seria o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra-(MST) criado em 1984, sendo um movimento aberto,
corporativo em busca da reforma agraria.
O MST que é um movimento que representa a luta de agricultores
acostumados com o trabalho familiar e que resolveram lutar pela terra.
Pessoas que descobriram na luta e aprenderam a acreditar, e assim passaram
a defender, que a terra é de quem nela trabalha. Lutam contra o monopólio da
terra em mãos de poucos os latifundiários. Para o MST, o latifúndio
representa toda forma de exclusão: política, social e econômica da maioria da
população (LAUREANO 2007, p.83).
A reforma agrária é uma necessidade urgente e tem um potencial
transformador da sociedade brasileira gera emprego e renda, possibilitando o
desenvolvimento com equidade. Em 2003 durante o início do governo Lula foi
implantado o II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), fruto do esforço coletivo
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de servidores e técnicos, com a participação dos movimentos sociais e da reflexão
acadêmica. Combina qualidade a ação integrada do governo com a participação social.
Suas metas eram a realização do maior plano de reforma agrária da história do
Brasil. Pretendia chegar ao final de 2006 com 400 mil novas famílias assentadas; 130
mil famílias teriam acesso à terra por meio do crédito fundiário e outras 500 mil
adquiriam estabilidade na terra com a regularização fundiária.
Esse novo modelo de reforma exige necessariamente a democratização do
acesso à terra, desconcentrando a estrutura fundiária, impulsionando uma nova estrutura
produtiva, fortalecendo os assentados da Reforma Agrária, a agricultura familiar, as
comunidades rurais tradicionais.
Mesmo diante de todos os movimentos em prol da reforma agraria no Brasil, o
fortalecimento dos grandes proprietários resultante do processo de modernização da
agricultura durante a ditadura se tornou um obstáculo a resolução da questão agraria,
mesmo nos dias atuais a propriedade privada é de interesse dos grandes setores da
economia e propor uma solução a este problema e desafiar os interesse destes.
Outro fator que apresenta um desafio para aqueles que lutam pelos movimentos
sociais em benefícios daqueles que necessitam da terra para atendimento de suas
necessidades básicas, é falta de recursos financeiros para poderem custear a
implementação de políticas públicas, a violência contra os trabalhadores e contra as
lideranças dos movimentos camponeses é também um tema bastante polêmico.
Os Censos Agropecuários 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1975, 1980, 1985,
1995- 1996 e 2006 são as principais fontes de dados para a análise da evolução da
estrutura agrária no Brasil a partir do Século XX. Permitem calcular várias
características básicas da distribuição da terra entre os estabelecimentos agropecuários,
como as principais medidas de tendência central (área média e área mediana) e medidas
de desigualdade da distribuição. O índice de Gini (G) é a medida de desigualdade mais
comum. Dados sobre a estrutura agrária brasileira também podem ser obtidos do
Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA. A unidade de pesquisa é sempre o
estabelecimento agropecuário, mas é importante notar que a definição dessa unidade
sofrem alterações ao longo do tempo. (SENRA, 2014).
Entre os anos de 1970 a 1995-1996 o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) classificou os estabelecimentos em quatro categorias de condição do
produtor: proprietário; arrendatário; parceiro; e ocupante. O produtor (pessoa física ou
jurídica responsável pela exploração do estabelecimento) é classificado como
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proprietário se as terras do estabelecimento forem, no todo ou em parte, de sua
propriedade. No Censo 2006, foram criadas duas novas categorias: assentado sem
titulação definitiva e produtor sem área.
Tabela 1- Censo agropecuário 2006 área dos estabelecimentos em (hectares).
Condição
legal Proprietário
Assentado
sem
titulação
definitiva
Arrendatá
rio Parceiro Ocupante
Produtor
sem área
Próprias 302.138.391 - - - - 0
Terras
concedidas
por órgão
fundiário
ainda sem
titulação
definitiva
207.724 5.743.218 3.415 664 2.103 -
Arrendadas 6.062.048 6.768 9.009.074 36.109 13.498 -
Em parceria 1.265.089 1.898 21.940 1.938.920 12.994 -
Ocupadas 842.060 6.456 20.620 10.142 6.336.958 -
Total 310.515.259 5.758.341 9.055.047 1.985.839 6.365.552 -
Fonte: IBGE, Censo agropecuário 2006. Consultado em: 24.07.2015.
A distribuição da terra entre estabelecimentos agropecuários no Brasil em
2006 é muito desigual, pois os assentados sem titulação definitiva e os parceiros
correspondem apenas a 5.758.341 e 1.985.839 de hectares de terra ocupada.Muitas
vezes o termo concentração é usado como sinônimo de desigualdade. Assim, é usual
dizer que há grande concentração de posse da terra no Brasil
Dados da segunda apuração do Censo Agropecuário 2006, divulgados em
2012, mostram que a desigualdade entre os estabelecimentos é maior quando se
considera o valor da produção do que quando se considera a sua área total. Para a
distribuição da área, o índice de Gini é igual a 0,858 conforme o valor da produção, o
índice de Gení é 0,904 (SENRA, 2014).
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De acordo com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
em 2012 o número de imóveis rurais cadastrados eram 5.498.505 e a área total em
hectares correspondia 605.387.746,06. Há atualmente no Brasil 968.887 famílias
assentadas, 9.256 assentamentos formalizados e 88.314.875 hectares de área reformada.
Ainda, Segundo o instituto citado a cima sobre uma pesquisa da qualidade de
vida, produção e renda dos assentamentos da Reforma Agrária realizada em 2010, em
relação ao perfil dos assentados e o que pensam as famílias assentadas da reforma
agrária de todo o país, foram diagnosticados os seguintes resultados: 53% dos
assentados são homens e 47% mulheres, o tamanho médio das famílias gira em torno
de 4 pessoas, onde se estima que a população total de beneficiários da reforma
ultrapasse 3,6 milhões de pessoas. 79% das famílias informam acesso suficiente à água.
Como prioridade a pesquisa indica a região nordeste, onde ainda existem 35% de
famílias com acesso insuficiente. 76% das famílias possuem energia elétrica em seus
lotes e 52% das declararam acesso ao Pronaf e 64% estão adimplentes. 62% delas
também já receberam Créditos de Apoio, Fomento ou para Aquisição de Material de
Construção. Entre 2003 e 2010 o INCRA financiou com créditos a construção ou a
reforma de mais de 394.000 moradias.
A produção agropecuária nos assentamentos representa a maior fatia na
composição da renda (Santa Catarina 76% e Ceará 48%). As diferenças regionais
ficaram bem caracterizadas na pesquisa. A distribuição das famílias por faixas de renda
invertem-se: 27% das famílias em Santa Catariana auferem mais de cinco salários
mínimos e 29% delas, no Ceará, menos de 0,5 SM.
A percepção das melhorias nas condições de vida dentre as famílias assentadas,
após o acesso à terra, é satisfatória. A evolução patrimonial das famílias corrobora a
percepção generalizada de melhoria na qualidade de vida e o principal meio de
produção no caso a terra é tido como suficiente. (INCRA, 2010).
Há também o Programa de Cadastro de Terras e Regularização Fundiária no
Brasil que atende as áreas rurais devolutas de domínio Estadual e consiste numa ação
social de regularização fundiária garantindo segurança jurídica aos agricultores
familiares e o acesso às demais políticas públicas do governo, entre elas o crédito rural e
a assistência técnica. Para ser beneficiado pela regularização fundiária, o limite das
terras devolutas federais não deverá ultrapassar 100 hectares e as terras do Estado,
devem ter de 100 a 250 hectares. (MDA, 2015).
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O público alvo são Trabalhadores (as) rurais sem terra, Pequenos Produtores
Rurais com acesso precário à terra, proprietários de minifúndios, ou seja, proprietários
de imóveis cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar.
Um exemplo deste programa é a Fazenda Cajueiro localizada na zona rural do
Limoeiro do Norte, município da região da Vale Jaguaribe cearense, adquirida em
novembro de 2009, através da Associação dos Pequenos Produtores Rurais (AAPPR),
possuindo uma área de 132,189 hectares, faz parte do financiamento no amparo do
Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF). A área é mantida com a produção de
frutas e côco, sendo a produção de banana a principal atividade (SDA, 2015).
Contudo, os gastos do governo federal com aquisição de terras para a reforma
agraria deverão ser bem planejados, pois a desapropriação por interesse social e
resgatável até o prazo de 20 anos. Sendo que os beneficiários começam a ressarcir o
valor da terra a partir do terceiro ano. Daí a necessidade de estabelecer metas para
execução da reforma que vise à fixação de estratégias de recuperação dos atuais
assentamentos, e realmente contribua para geração de renda dos trabalhadores rurais.
No estado do Ceará a terra é a principal fonte de renda para muitos
agricultores, há diversas políticas públicas que objetivam melhorar a vida do homem do
campo e que tem contribuído para regularização fundiária, possibilitando que as
famílias através da posse da terra possam desenvolver-se maneira sustentável. Em todo
o Ceara a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) juntamente ao Instituto de
Desenvolvimento Agrário do Ceará (IDACE), realizam mecanismo de licitação de
empresas para efetuarem o mapeamento das propriedades a serem regularizadas. Desde
2007 já entregaram 86.637 títulos de propriedade rural e 61 municípios. (NOSSA
TERRA CEARÁ, 2014).
Ação Fundiária é o rebatimento espacial no campo, da estratégia de
desenvolvimento sustentável do Estado através do desenvolvimento de ações que visam
a inclusão econômica e social das populações rurais. Está embasada na implementação
dos programas de Cadastro Georeferenciado de imóveis rurais; Regularização
Fundiária; Assentamento e Reassentamento de Trabalhadores Rurais e Crédito
Fundiário. A regularização da posse da terra a pequenos posseiros representa um passo
decisivo na construção da cidadania, concretizando um direito garantido pela legislação
(IDACE, 2015).
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Tabela 2- Dada sobre os assentamentos e assentados no Ceará em 2015
Nº de assentamentos 454
Nº de famílias assentadas 21.997
Área de nº de assentamentos 914.371,23
CADÚNICO- nº de famílias assentadas
cadastradas 19.343
Bolsa família- nº de famílias beneficiadas 13.678
Renda CAD menor que 70-nº de famílias
assentadas cadastradas 12.032
Fonte: INCRA-CE (2015). Consultado em: 17.07.2015.
O estado Ceará conta 454 assentamentos, cada um com 914.371, 23hectares, o
número de famílias assentadas perfazem 21.997, estas famílias também são beneficiadas
pelos programas sócias de transferências de renda como a bolsa família e o
CADÚNICO.
A concentração de terra produz uma forma de organização na qual a
sobrevivência e marcada pela imposição das desigualdades e a pobreza ao crescimento
do setor familiar, que poderiam dificultar a produção em larga escala.
A reforma agraria surge como alternativa de trabalho, morada e reprodução
social para um número crescente de trabalhadores pobres que, dada a sua
baixa qualificação em relação ás atuais exigências do mercado, dificilmente
encontrariam melhor forma de inserção produtiva (TOMIASI; FABRINI,
2008, p.63).
Um dos pontos da reforma agraria foi a isenção dos projetos de assentamento
espaços produtivos de acesso a direitos e de qualidade de vida mais adequada aos
trabalhadores rurais.
Conforme Araújo (2007 apud Mendonça e Pinheiro, 2008) o assentamento é
uma conquista coletiva, um pequeno patrimônio produtivo diferenciado, uma
organização tutelada e burocratizada que resiste à emancipação.
O capital social é um fenômeno coletivo, que se baseia no relacionamento dos
indivíduos. É resultado das relações de reciprocidade, confiança, solidariedade e
colaboração que pode ser usado para favorecer o crescimento tanto dos indivíduos
envolvidos, como da sociedade em geral, pois ela faz existir as trocas, levando assim a
um relacionamento mais forte que possibilita o desenvolvimento. (MORAIS e
MULLER, 2012).
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O capital social pode ser considerado como um fator essencial para o
crescimento econômico das associações cooperativas, principalmente na
região nordeste, onde o capital físico é muito concentrado socialmente, e o
capital humano está num processo de democratização, isto é, as pessoas de
classes sociais desfavorecidas estão tendo maior oportunidade de estudo, e o
capital natural necessita de outras formas de capital para poder ter uma
exploração produtiva mais eficiente e ecologicamente sustentável
(MOREIRA et al 2008, p.4).
Na medida em que o capital social for elevado ele permitirá cada vez mais o
aumento do círculo de relações sócias em que vivem aqueles que participam de sua
construção. O desenvolvimento supõe o aumento das oportunidades de escolha dos
indivíduos, ampliando as possibilidades de geração de renda (MENDONÇA;
PINHEIRO, 2008).
Capital Social é algo que deve ser bem gerido para usufruir de seus benefícios,
pois ele envolve confiança, cooperação e inovação são algo que deve ser bem gerido
para usufruir de seus benefícios, pois ele envolve confiança, cooperação e inovação,
sendo assim os assentamentos rurais para que possam cumprir com seu papel
transformador necessita que os agentes que fazem parte dele desenvolvam relações de
cooperação, de confiança mutua, associativismo, para que possam lutar por causas que
beneficiem a todos.
3.METODOLOGIA
3.1. Caracterização do Município
O município de Mauriti está localizado ao Sul do Estado do Ceará, distante 406
km da capital cearense em linha reta. Possui os seguintes tipos de solos: Areias
Quartzosas Distróficas, Solos Litólicos, Podzólico Vermelho-Amarelo e Vertissolo. O
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)- 2010 é 0,605 e no ranking estadual ocupa a
posição 119 (IPECE, 2014).
De acordo com Instituto de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), sua
população é de 44. 240 habitantes. Detêm uma área territorial de 1111,86 km², limita-se
ao norte com estado da Paraíba e o município do Barro; ao sul faz limite com o
município de Brejo Santo, e os estados da Paraíba e Pernambuco; ao leste com Estado
da Paraíba, já a oeste com os municípios de Brejo Santo e Milagres. Possui um clima
tropical quente semiárido, a pluviosidade é de 872,3 mm, os meses mais chuvosos são
fevereiro á abril. A temperatura média é de 24C° a 26C° (IPCE, 2014).
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3.1.2 Assentamento fazenda sítio Oitis
O assentamento da fazenda Sítio Oitis foi implementado em 26 de maio de
2006, está localizado no Distrito de Umburanas em Mauriti, compreendendo uma área
de 293.7 hectares e possuí 25 famílias. Conta com uma pequena rede hidrográfica
formada por poço tubular de uso comunitário, de pequena vazão 500m3/ h, e possuía 25
famílias.
A caatinga caracteriza a cobertura vegetal, com predominância das espécies
conhecidas como: jurema, catingueira, umburana, aroeira, entre outras. O assentamento
é formado por intermédio de uma associação comunitária, a infraestrutura é deficiente o
que dificulta o acesso até a localidade como contribui como uma das variáveis
inibidoras ao desenvolvimento possui ainda energia elétrica e encanamento.
3.2 Fonte dos dados
O trabalho de pesquisa foi executado com base em dados primários
provenientes da aplicação de questionários, estes com base no número de assentados
que ainda permanecem no assentamento, ou seja, 10 entrevistados, para o levantamento
das informações quantitativas e entrevistas semiestruturadas junto aos assentados das
comunidades selecionadas no município de Mauriti no Estado do Ceará. O período de
coleta dos dados foi realizado no mês de Janeiro de 2015.
Os dados secundários, foram oriundos de natureza bibliográfica a respeito do
tema proposto, foram utilizados os seguintes instrumentos: sites relacionados à
pesquisa, livros, artigos e periódicos que informarão os aspectos do tema na atualidade
além da pesquisa documental.
3.3 Índice de capital social – ICS
O capital social neste estudo foi elaborado a partir dos indicadores que
expressam as relações interpessoais entre os membros do assentamento fazenda sítio
Oitis e sua participação em associações de caráter participativo, cooperativo e
consequentemente canalizador de recursos destinados à promoção do desenvolvimento
dos assentados e de suas famílias. A acumulação do capital social intangível dos
assentados selecionados será avaliada através do Índice de Capital Social – ICS.
Na composição deste índice considerou-se o indicador relativo à participação
social utilizado por Barreto e Khan (2006), atribuindo valores de zero e um (0 e 1), com
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o objetivo de avaliar o engajamento do assentado e de suas famílias com a associação.
Assim matematicamente, pode-se definir o ICS como:
A contribuição de cada variável no ICS da comunidade foi obtida da seguinte
maneira:
Em que:
ICS = Índice de capital social;
Eij = escore da i-ésima variável obtida pela j-ésimo associado;
Emax, i = escore máximo da i-ésima variável;
Ci = contribuição da variável “i” no índice de Capital Social;
i = 1, ....................., n, número de variáveis;
j = 1, ....................., m, número de assentados;
n = número de assentados;
m = número de variáveis.
O valor do Índice de Capital Social (ICS), quanto mais próximo de 1,
significa maior o nível de acumulação de capital social nas comunidades. Conforme
Khan e Silva (2002); Barreto e Khan (2006), para verificar o nível de acumulação do
capital social optou-se por estabelecer o seguinte critério:
a) Baixo nível de acumulação de capital social 0 < ICS ≤ 0,5
b) Médio nível de acumulação de capital social 0,5 < ICS ≤ 0,8
c) Alto nível de acumulação de capital social 0,8 < ICS ≤ 1
4. Resultados/ discussões
A união da comunidade que formam os assentamentos rurais é importante para
que as mesmas prosperem economicamente e para que seja alcançado o
desenvolvimento sustentável. Para que isso seja possível se torna necessário avançar na
capacidade de inovar proporcionando a ampliação da competitividade territorial e
desenvolvendo, portanto sua capacidade de produzir e de distribuir riquezas.
O índice de capital social mensurado para o assentamento fazenda sítio Oitis
foi de 0,9692 o que corresponde a um alto nível de capital social conforme a escala
utilizada para classificar o nível de acumulação.
As variáveis mais significativas na formação do índice de capital social foram
as seguintes; participação ativa nas reuniões; sugestões apreciadas e aprovadas. A
execução das decisões tomadas nas reuniões como as postas em pratica pela diretoria
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tiveram uma considerável participação relativa na composição no índice de 9,52%.
Contudo, a variável mais relevante foi a cooperação para o atendimento das
reivindicações constituindo um percentual de 17, 46%, na composição do capital social.
As variáveis utilizações de produtos químicos e melhoria na renda após a integração no
assentamento apresentaram respectivamente 3,17% e 4,76% constituindo-se valores
muito baixos na composição do ICS.
No caso assentamento fazenda sítio Oitis verificou-se que tanto o grau de
interação entre os membros da comunidade e confiança nos mesmo corresponderam a
um percentual relativo de 6, 34%. O resultado mostra que a confiança dos assentados no
governo municipal e no governo estadual apresentou uma contribuição para com a
formação do ICS de 7,93%.
Tabela 3: Participação absoluta e relativa dos indicadores de capital social do ICS no
assentamento fazenda sítio Oitis, Mauriti-CE.
INDICADOR V.A V.R (%)
Participa ativamente das reuniões da associação 0,092 9,52
Apresenta sugestões das reuniões 0,076 7,93
As sugestões são apreciadas e aprovadas 0,092 9,52
As decisões tomadas nas reuniões são executadas pela diretoria 0,092 9,52
Como classifica o grau de interação entre os membros da
comunidade 0,061 6,34
Grau de confiança nos membros da comunidade 0,061 6,34
Confiança no governo municipal 0,076 7,93
Confiança no governo estadual 0,076 7,93
Sua renda melhorou após sua integração no assentamento 0,046 4,76
O trabalho em regime de cooperação é bom para comunidade 0,092 9,52
Acredita se relevante a cooperação para atendimento das
reivindicações 0,169 17,46
Utiliza produtos químicos 0,030 3,174
Índice de Capital Social (ICS) 0,969 100
Fonte: dados da pesquisa. Nota: V.A- valores absolutos; V.R-valores relativos
A acumulação de capital social aplica-se à criação de processos capazes de
revelar os potenciais que os assentados da Fazenda Oitis podem descobrir em seus
locais de vida e de trabalho, a partir de suas características, da projeção de sua
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identidade nos elementos mais importantes para alcançar o desenvolvimento
socioeconômico. Para que com isso seja possível avançar na capacidade de inovar e
distribuir riquezas.
5.CONCLUSÃO
A Reforma Agrária é mais do que regularização fundiária mas a oportunidade
histórica de transformar o meio rural brasileiro em um lugar de vida economicamente
sustentável e pela sua contribuição à superação da desigualdade e a exclusão social de
parte significativa da população rural.
Desconcentrar a propriedade da terra é uma condição necessária, porém não
suficiente para a correção das mazelas decorrentes da atual estrutura agrária é preciso
combinar ações dirigidas a assegurar a qualidade dos assentamentos, por meio de
investimento em infraestrutura social e produtiva.
O meio rural que apresenta os piores indicadores sociais, contudo oferecer
condições propicias ao desenvolvimento, como é possível criar possibilidades para que
os indivíduos possam fazer suas próprias escolhas.
Uma das maiores dificuldades inerentes a acumulação de capital social no meio
rural é a ausência de um ambiente educacional favorável e adaptado as condições
locais.O baixo desempenho escolar aliado ao baixo custo de oportunidade da agricultura
de sequeiro faz com que haja o abandono em direção aos grandes centros urbanos.
O poder público deve buscar soluções que não visem apenas aspectos
econômicos, mas estimular iniciativas coletivas que motivem as comunidades rurais a
organizarem suas vidas em suas próprias regiões, por meio da formação de capital social
e recursos locais.
É importante concluir que o índice de capital social no assentamento fazenda
Oitis é elevado, entretanto ele não repercute na melhoria da qualidade de vida dos
assentados, pois necessita superar outros inibidores que não foram computados para
formação deste índice como: falta de assistência técnica, credito rural, melhoria da
infraestrutura, entre outras.
Logo, estudos desta natureza possibilitam o planejamento e direcionamento de
políticas públicas compatíveis com as necessidades locais. Basta identificar ou incluir
indicadores e seu relativo peso na composição do índice de capital social e tentar
melhorar os de menor participação relativa.
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REFERÊNCIAS
BANCO MUNDIAL. Questionário Integrado para medir Capital Social. Grupo
Temático sobre Capital Social, 2003.
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ÁGUAS NO SEMIÁRIDO NORDESTINO: CONTEXTO, CONTORNOS
E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA COMUNIDADES RURAIS
José Ferreira Lima Júnior1
Maria Rosilene Cândido Moreira2
Diego Coelho do Nascimento 3
Suely Salgueiro Chacon4
Resumo
O Polígono das Secas do nordeste brasileiro apresenta um regime pluviométrico
marcado por extrema irregularidade de chuvas, no tempo e no espaço. Nesse cenário, a
escassez de água constitui considerável entrave ao desenvolvimento socioeconômico e à
subsistência da população. Objetivou-se neste artigo promover uma reflexão acerca do
contexto e das políticas públicas predominantes no território do semiárido brasileiro,
sobretudo àquelas relativas à água para comunidades rurais. Como resultados, em
relação às políticas públicas, percebeu-se que os atos políticos pouco beneficiaram a
população do Sertão, porém os sertanejos tiveram suas relações sociais definidas por
essa abordagem política histórica assistencialista, clientelista e paternalista, que toma a
seca ora como problema, ora como solução, mas sempre como razão seja para a falta de
condições dignas, seja para supostamente obter recursos para implementar mudanças.
Na perspectiva da transição do combate à seca para o paradigma da Convivência com o
Semiárido estão em execução diversos programas e alternativas, a exemplo do
Programa Água Doce, Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) e sistemas de
desfluoretação de águas. A intenção é mobilizar a sociedade em torno de políticas,
propostas e ações para a convivência mais integrada das comunidades rurais junto ao
território do semiárido.
Palavras-chave: políticas públicas, recursos hídricos, comunidades rurais no semiárido.
1 O contexto do semiárido nordestino.
Conhecer mais adequadamente o complexo geográfico e social dos sertões
secos e fixar os atributos, as limitações e as capacidades dos seus espaços ecológicos
nos parece uma espécie de exercício de brasilidade, o germe mesmo de uma
desesperada busca de soluções para uma das regiões socialmente mais dramáticas das
Américas. O Nordeste seco possui uma área total da ordem de 700 mil km², onde vivem
23 milhões de brasileiros – entre os quais, quatro milhões de camponeses sem terra –
marcados por uma relação telúrica com a rusticidade física e ecológica dos sertões, sob
1 Professor, Universidade Federal de Campina Grande, Cajazeiras/Paraíba, [email protected]
2 Professora Adjunta, Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte/Ceará, [email protected]
3 Doutorando, Universidade Federal do Pernambuco, Recife/Pernambuco, [email protected]
4 Professora, Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte/Ceará, [email protected]
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uma estrutura agrária particularmente perversa. É uma das regiões semiáridas mais
povoadas entre todas as terras secas existentes nos trópicos ou entre os trópicos,
segundo uma apreciação de Jean Dresch. (AB’SÁBER, 1999).
As características edafoclimáticas da região são semelhantes às de outras
regiões semiáridas quentes do mundo: secas periódicas e cheias frequentes dos rios
intermitentes, solos de origem cristalina, arenosos, rasos, salinos e pobres em elementos
naturais e matéria orgânica, além de solos pouco permeáveis, sujeitos à erosão e,
portanto, de mediana fertilidade natural (BEZERRA, 2002).
A região semiárida brasileira passou por nova delimitação em 2007. O Grupo
de Trabalho Interministerial (GTI) responsável pelos estudos adotou três critérios
técnicos, quais sejam: a) precipitação pluviométrica média anual inferior a 800
milímetros, b) índice de aridez de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico que relaciona
as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período de 1961 a 1990; e c) risco
de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990. Tais critérios
foram aplicados consistentemente a todos os municípios que pertencem à área da antiga
SUDENE, inclusive os municípios do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo.
(BRASIL, 2007).
Nessa perspectiva, o sítio eletrônico do Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à fome (MDS) define o Semiárido brasileiro, também conhecido como
Sertão, como uma área geográfica onde as chuvas são bastante irregulares e o solo é
raso. Características estas que acarretam longos períodos de seca, o que deixa a
população sem água até para beber. A estiagem faz parte da história da região, e há
registros de secas desde a época do Império. Cobrindo quase 8% do território brasileiro
e com área de quase 900 mil km², o Polígono da Seca no semiárido brasileiro abrange os
estados do Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte,
Sergipe e norte de Minas Gerais. Apesar da região ser considerada a mais úmida do
mundo as chuvas são bastante irregulares. Há curtos períodos de muita chuva, enquanto
há longos períodos de muita seca.
Nesse contexto, o Polígono das Secas do nordeste brasileiro apresenta um
regime pluviométrico marcado por extrema irregularidade de chuvas, no tempo e no
espaço. Nesse cenário, a escassez de água constitui em um considerável entrave ao
desenvolvimento socioeconômico e, até mesmo, à subsistência da população. A
ocorrência periódica das secas e seus efeitos são amplamente conhecidos e remontam
aos primórdios da história do Brasil (BRASIL, 2005).
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A água é um dos recursos naturais essenciais à vida humana e ao equilíbrio dos
ecossistemas. Por isso é fundamental preservar muito bem de suas reservas e fontes,
garantindo sua existência para toda a sociedade e para as gerações futuras, na
perspectiva da sustentabilidade. Quando se fala em água, é muito comum pensar
somente nos reservatórios aquáticos que se pode ver, como os rios, os lagos, as lagoas,
dentre outros. Entretanto é imprescindível lembrar que, sob os nossos pés, existe
também uma rica fonte de recursos hídricos, a que se chama de águas subterrâneas.
Essas são encontradas nos aquíferos, importantes reservatórios de água no subsolo, e
que são responsáveis pelo armazenamento da maior parte da água doce disponível para
o consumo humano (IRITANI; EZAKI, 2012), estando localizadas tanto nos subsolos
urbanos como rurais.
Sob este aspecto, averiguar como ocorre o manejo das águas subterrâneas nos
ambientes populacionais, envolvendo a dimensão do território rural, torna-se premente,
uma vez que o fenômeno da seca apresenta-se com mais evidência no meio rural.
Com tais considerações, o objetivo desse escrito foi promover uma reflexão
acerca do contexto e das políticas públicas predominantes no território do semiárido
brasileiro, sobretudo àquelas relativas à água para comunidades rurais.
O percurso metodológico desenvolvido para construir este artigo consistiu em
pesquisas bibliográficas à literatura científica com foco principal nos seguintes temas:
políticas públicas, sertão, água, semiárido, comunidades rurais e secas, presentes em
livros e literatura científica (artigos, monografias, dissertações e teses), além de
documentos oficiais do governo brasileiro que abordam o assunto em tela.
2 Água: a ‘pedra preciosa’ do sertão.
Para responder ao objetivo proposto, inicia-se esta análise observando que o
subtítulo traz uma analogia antagônica, que compara a água com pedra. Contudo, é
partindo desse antagonismo que se estabelece o debate acerca da preciosidade da água
no semiárido, uma vez que ela é indispensável e, por isso, considerada um recurso-
chave para a convivência com essa região.
Sua preciosidade reside no fato de que ela está inextricavelmente associada
com diversas áreas, quais sejam agricultura, pecuária, indústria, desenvolvimento
urbano, dentre outras. Discorrendo a esse respeito, Bezerra (2002) expõe que as
características climáticas do Sertão impactam negativamente a produção agrícola
(produção instável, com apenas dois a três anos de boas safras em cada dez anos de
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cultivo, inclusive no que se refere aos produtos essenciais à subsistência do homem;
produtividade baixa e decrescente para a maioria dos produtos); a produção pecuária
(igualmente instável, com perda de peso dos animais durante o período seco do ano e
dizimação do rebanho nas estiagens prolongadas; baixa produtividade, com ganhos de 5
a 10 kg de peso por hectare/ano; uso crescente de concentrados – ração - na alimentação
de ruminantes, o que onera a atividade), bem como a desorganização social é acentuada,
refletindo na vulnerabilidade da economia local e a exacerbação do quadro de miséria e
fome na região.
Ademais, a água também atuou como protagonista no próprio desenvolvimento
das cidades. Para Tucci (2008), o desenvolvimento urbano se acelerou na segunda
metade do século XX com a concentração da população em espaço reduzido,
produzindo grande competição por recursos naturais (água e solo), destruindo parte da
biodiversidade natural. O meio formado pelo ambiente natural e pela população
(socioeconômico urbano) é um ser vivo e dinâmico que gera um conjunto de efeitos
interligados, cujo descontrole pode levar a cidade ao caos.
Os principais problemas com a infraestrutura de água no ambiente urbano são
falta a de tratamento de esgoto (grande parte das cidades da região não possui
tratamento de esgoto e lança os efluentes na rede de esgotamento pluvial, que escoa
pelos rios urbanos - maioria das cidades brasileiras); outras cidades optaram por
implantar as redes de esgotamento sanitário (muitas vezes sem tratamento), mas não
implementam a rede de drenagem urbana, sofrendo frequentes inundações com o
aumento da impermeabilização; ocupação do leito de inundação ribeirinha, sofrendo
frequentes inundações; impermeabilização e canalização dos rios urbanos com aumento
da vazão de cheia (sete vezes) e sua frequência; aumento da carga de resíduos sólidos e
da qualidade da água pluvial sobre os rios próximos das áreas urbanas; deterioração da
qualidade da água por falta de tratamento dos efluentes tem criado potenciais riscos ao
abastecimento da população em vários cenários, e o mais crítico tem sido a ocupação
das áreas de contribuição de reservatórios de abastecimento urbano que, eutrofizados,
podem produzir riscos à saúde da população. (TUCCI, 2008).
Muitos desses problemas podem ser facilmente identificados em diversas das
cidades dos mais variados estados que compõem o semiárido. Necessário se faz destacar
que no ambiente urbano os equipamentos públicos são mais acessíveis à população.
Assim, por exemplo, mesmo que determinado grupo de pessoas de uma cidade viva sob
risco sanitário em função de reservatório hídrico eutrofizado, na cidade esses indivíduos
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dispõem de unidades de saúde pública (postos e hospitais) que podem minimizar os
eventos adversos na saúde individual e coletiva (doenças de veiculação hídrica); é mais
provável a existência de tratamento de água para fins de consumo humano, por
exemplo. No entanto, populações rurais no semiárido nordestino estão mais expostas
seja pela dramática situação da escassez, seja pela qualidade da água, quando presente.
Nessa direção, o enfoque das discussões e reflexões deste artigo está
direcionado principalmente para a relação das comunidades rurais com a água no
território do Sertão.
3 Políticas públicas de combate à seca no semiárido
Inicialmente, cabe conceituar o termo ‘Políticas públicas’, cuja definição é
complexa e multifacetada, haja vista a diversidade de autores renomados que trabalham
com o tema. Independentemente do tipo de abordagem (estadocêntrica ou
multicêntrica/policêntrica) adotada, a complexidade da definição do termo se faz
presente. Para Secchi (2014), qualquer definição de política pública é arbitrária. O autor
prossegue afirmando que o mais importante é observar os contornos da definição de um
problema público, os quais dão à política o adjetivo “pública”.
As Políticas Públicas são conceituadas como ações, práticas, diretrizes
fundadas em leis e empreendidas como funções de Estado por um governo, para
resolver questões gerais e específicas da sociedade (HEIDMANN, 2006). Partindo desse
conceito, as políticas públicas de combate às secas somente iniciaram após o governo
reconhecê-las como problema nacional e agir no sentido de solucioná-las. Isso só
aconteceu com a tragédia e repercussão mundial da Grande Seca de 1877 a 1879,
quando morreram centenas de milhares de pessoas. (CAMPOS, 2014).
A seca na região semiárida só passou a ser considerada como problema
relevante no século XVIII, depois que se efetivou a penetração da população branca nos
sertões, com o aumento da densidade demográfica e com a expansão da pecuária
bovina. As secas passaram a entrar de forma permanente nos relatos históricos
enfatizando a calamidade da fome e acusando os prejuízos dos colonizadores e das
fazendas de gado. Julgamentos superficiais sobre o fenômeno e interesses políticos
locais conduziram à construção de explicações reducionistas dos problemas regionais
como produtos de condições naturais adversas, do clima, da terra e de sua gente. A seca
tornou-se vilã do drama nordestino, a principal imagem de “uma terra estorricada,
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amaldiçoada, esquecida de Deus” (CASTRO, 1967 apud SILVA, 2007). (GRIFO DO
AUTOR).
Ao longo da história das secas que assolaram o Nordeste brasileiro, durante
várias décadas, as principais ações públicas que tomam o sertão como objeto tem como
principal motivação ou linha de estruturação a seca, ou seja, a escassez de água. Em
função disso, uma intrincada malha de relações entre as instâncias política, econômica e
social é formada, influenciando as relações sociais no Sertão ao longo da história. Em
diferentes épocas, com abordagens distintas, o poder público usou a seca como base e
fundamento de seu discurso, sempre identificando aí a justificativa para diversas
atitudes políticas. Os atos políticos pouco beneficiaram a população do Sertão, porém os
sertanejos tiveram suas relações sociais definidas por essa abordagem política histórica,
que toma a seca ora como problema, ora como solução, mas sempre como razão seja
para a falta de condições dignas, seja para supostamente obter recursos para
implementar mudanças.
Corroborando com esses constructos, SILVA (2007) explica que a intervenção
governamental no semiárido brasileiro, em grande parte, tem sido orientada por três
dimensões que se combinam no combate à seca e aos seus efeitos: a finalidade da
exploração econômica; a visão fragmentada e tecnicista da realidade local; e o proveito
político dos dois elementos anteriores em benefício das elites políticas e econômicas
regionais. Em relação ao primeiro elemento, do interesse econômico no combate à seca,
é possível identificar que as ações emergenciais (de socorro às vítimas com alimentos e
nas frentes de trabalho) e de infraestrutura (hídrica e de transporte) foram e são
realizadas em benefício das atividades econômicas implantadas no semiárido desde o
período colonial até os dias atuais.
Ainda nessa discussão, Bursztyn e Chacon (2011) compreendem que o
paternalismo e o assistencialismo dão substância e forma ao legado das políticas sociais
na região, onde a marca do patriarcalismo é o fio condutor entre dois mundos que se
confundem promiscuamente e se retroalimentam: a política/politics e a política/policy.
O patrão – político e padrinho – marcou a história como provedor de acesso do
afilhado-cliente ao pouco que o Estado oferece: o acesso ao açude construído pelo
Estado em terras privadas; uma vaga em hospital para um familiar doente; o carro-pipa,
para enfrentar a estiagem; ou o alistamento na frente de emergência da seca.
Inseridas neste contexto clientelista arcaico, as ações governamentais
historicamente construídas tiveram como escopo maior combater a seca. Para tanto, um
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sem número de estratégias, programas, ações e recursos foram empreendidos e, de
forma sempre previsivelmente infrutífera, nunca lograram êxito.
Nesse contexto estavam dadas as condições para a institucionalização das
propostas de combate aos efeitos da seca, com a instalação da “Comissão de Estudos e
Obras Contra os Efeitos das Secas”, em 1904, e depois com a criação da
“Superintendência de Estudos e Obras Contra os Efeitos das Secas”. Alguns anos
depois, com a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), órgão governamental criado
em 1909; que em 1919 foi transformado em Inspetoria Federal de Obras contra as Secas
(IFOCS) e, por fim, em 1945 foi transformado no atual Departamento Nacional de
Obras contra as Secas (DNOCS) (SILVA, 2007).
Assim, com mudanças de nomenclatura e troca constante de siglas através das
décadas, consolidou-se a política hidráulica para o combate à seca. Villa (2000)
descreveu as principais ações de combate às secas, que se encontram resumidamente
aqui descritas: a década de 1920 assistiu a criação das Caixas de Socorro às Secas; a
década de 1930 teve oficializada a delimitação do Polígono das Secas e a criação dos
campos de concentração e frentes de trabalho; a década seguinte teve a criação do
Banco do Nordeste do Brasil (BNB); os anos 1950 viram nascer a Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a década de 1960 assitiu a criação de mais
de 8.000 poços.
Apesar de todas essas iniciativas, já faz algum tempo, constata-se a frustração
das políticas de combate à seca que são orientadas pelos modelos que conformam o
paradigma da modernidade. Em 1959, o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do
Nordeste (GTDN), alertava sobre a ineficiência do combate aos efeitos da seca: "Por
motivos diferentes, nem as medidas de curto prazo nem as de longo prazo contribuíram,
até o presente, para modificar fundamentalmente, os dados do problema". Essa mesma
constatação pode ser aplicada à situação do semiárido no início do Século XXI, quando
as situações de emergência e calamidade continuam a se repetir na região que ainda
concentra percentuais de pobreza e miséria. Diante das crises e frustrações, o semiárido
brasileiro requer um novo paradigma que oriente o desenvolvimento sustentável da
região, desmistificando as problemáticas e as tentativas frustradas de combate à seca e
seus efeitos (SILVA, 2003).
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 162
4 Água para consumo humano e comunidades rurais do semiárido: a necessária
convivência
Para além desse enfoque pontual, fragmentado e reducionista de que a seca,
como falta de água, é o principal problema a ser combatido, propõe-se hoje uma
transição paradigmática para um modelo que intitulado de Convivência com o
Semiárido, esteja alicerçado na busca de alternativas que permitam satisfazer, de modo
adequado, as necessidades das comunidades populacionais presentes, sem inviabilizar
nem comprometer o bem-estar das gerações vindouras.
Compreende-se, então, que a percepção do desenvolvimento sustentável se
refere à promoção e melhoria da qualidade de vida da população de um determinado
território como um todo, incluindo a preocupação com o bem-estar das gerações futuras.
Nessa perspectiva, o crescimento econômico deverá se traduzir, também, por uma
acumulação de recursos humanos com alta qualificação, desenvolvimento tecnológico
maior eficiência na alocação de recursos naturais e do uso do meio ambiente e,
principalmente, com ações efetivas ao invés da “retórica bem-intencionada”.
(CARDOSO, 2010).
Em suma, o paradigma da convivência com o Semiárido requer uma
abordagem interinstitucional (por meio de instituições do Estado e também de
organismos não governamentais) e interdisciplinar (que agregue diversas áreas, quais
sejam educação, saúde, economia, política, infraestrutura, agricultura, desenvolvimento
sustentável, meio ambiente, planejamento urbano, ciência e tecnologia, dentre outras)
para juntos interpretar/compreender as problemáticas da região em comento e propor
soluções para uma convivência mais digna, com valorização local, respeito à
diversidade cultural, respeito às identidades/territórios, estímulo à fixação do homem ao
campo, integração ao meio ambiente, acesso do sertanejo à educação formal, melhoria
das condições de vida e promoção da cidadania.
Articuladas à emergência de um novo paradigma de sustentabilidade, ocorrem
mudanças nas concepções e perspectivas de intervenção no Semiárido brasileiro, como
um espaço onde é possível construir ou resgatar relações de convivência com base na
sustentabilidade ambiental, na qualidade de vida das famílias sertanejas e no incentivo
às atividades econômicas apropriadas. O protagonismo na afirmação desse novo
paradigma não pertence aos governos e nem aos grupos dominantes regionais. Os novos
formuladores da proposta da convivência são organizações da sociedade civil e alguns
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órgãos públicos de pesquisa e extensão que atuam no Semiárido. Esses atores vêm se
colocando o desafio de influenciar e disputar os processos de formulação de políticas
públicas na região. (SILVA, 2007).
Nessa perspectiva de mudança paradigmática, sem desconsiderar a importância
da água para inúmeras outras atividades e setores (agricultura, pecuária, indústria,
agroecologia, etc), a partir de agora as reflexões serão direcionadas para o acesso à água
para consumo humano pelas comunidades rurais do semiárido. Para tanto, analise-se o
fato de que no sertão a evaporação das águas superficiais é muito intensa e, não raro, os
açudes e barragens acabam por secar, dependendo do tempo e da intensidade da
estiagem. Em função disso, as águas subterrâneas constituem, por vezes, a alternativa
disponível para mitigar os efeitos da seca.
A esse respeito, Lima Júnior (2012) expõe que a problemática de falta de água
na região Nordeste sempre foi uma constante, o que faz com que muitas comunidades
que vivem nessa região recorram a outras fontes, além das águas superficiais, quase
sempre escassas, para seu abastecimento. Nesta perspectiva, as águas subterrâneas são
frequentemente uma solução recorrente e de fácil acesso para muitas populações.
Porém, essa utilização sem nenhum tratamento prévio é preocupante, devido as
possíveis contaminações químicas e biológicas que estas águas possam sofrer devido à
ação humana ou natural.
Iritani e Ezaki (2012) explicam que as águas subterrâneas encontram-se
armazenadas em aquíferos, os quais constituem reservatórios subterrâneos de água,
caracterizados por camadas ou formações geológicas suficientemente permeáveis,
capazes de armazenar e transmitir água em quantidades que possam ser aproveitadas
como fonte de abastecimento para diferentes usos. Os aquíferos podem ser classificados
quanto ao tipo de porosidade da rocha armazenadora em granular, fissural e cárstico.
No semiárido, via de regra, o solo não consegue armazenar água por ser muito
raso. Ao se perfurar um poço, encontra-se rocha a poucos metros. Este espessamento
rochoso é o cristalino. A água da chuva se infiltra no solo, encontra o cristalino, escoa e
é drenada rapidamente para os córregos e rios que se enchem e secam em pouco tempo.
A despeito dessas características, e talvez até por desconhecê-las, a quantidade
de poços artesianos, cacimbas e cacimbões construídos pelas comunidades rurais, por
órgãos governamentais e não governamentais é imensa. O sertanejo realmente busca na
terra a água de que tanto necessita. Culturalmente, existem até ‘pessoas experientes’
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que, sem nenhuma formação geológica e no mais completo empirismo, identificam
áreas mais propícias para se cavar os poços.
Nesse contexto, para ir ao encontro dos anseios das comunidades, algumas
alternativas estratégicas tem sido gestadas na perspectiva da Convivência com o
Semiárido. Assim, em 1999, durante a Terceira Sessão da Conferência das Partes das
Nações Unidas da Convenção de Combate à Desertificação (COP 3), ocorrida em
Recife – PE, setenta e uma organizações não-governamentais constituíram a Articulação
do Semi-Árido (ASA) e divulgaram a Declaração do Semi-Árido, afirmando que a
convivência com as condições com o semiárido brasileiro é possível. Fruto dessa
articulação foi formulado e está sendo implementado o Programa de Formação e
Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido – Um Milhão de Cisternas
Rurais (P1MC). Trata-se de uma iniciativa que pretende garantir o acesso de um milhão
de famílias a equipamentos de captação e armazenamento de água de chuva para o
consumo humano. Além das cisternas, o Programa pretende estabelecer um processo de
capacitação, abordando a questão da convivência com o semiárido, os aspectos de
gerenciamento de recursos hídricos, construção de cisternas, cidadania e relações de
gênero (SILVA, 2007).
Mais recentemente, o governo federal acenou com outra iniciativa para mitigar
a problemática do acesso do sertanejo à água para consumo humano. Assim, foi lançada
em 2003 uma linha de crédito especial do Programa Nacional de Agricultura Familiar
(Pronaf) para o Semiárido tem por finalidade apoiar as atividades dos agricultores da
região, por meio do financiamento de tecnologias de convivência, como a construção de
obras hídricas (cisternas, barragens) para consumo humano e produção.
Seguindo esse raciocínio, outra ação governamental e interinstitucional
(instituições federais, estaduais, municipais e sociedade civil) que está em curso na
atualidade é o Programa Água Doce – PAD. A escassez de água, a ocorrência de águas
salinas e salobras na maioria dos poços no Semiárido brasileiro, a existência de
tecnologias para dessalinização da água, que promove a sua potabilização, fizeram com
que o Governo Federal, com a coordenação do Ministério do Meio Ambiente - MMA,
em conjunto com instituições federais, estaduais e organizações da sociedade civil,
formulassem o Programa Água Doce, visando aumentar a oferta de água de boa
qualidade para dessedentação humana.
Em resumo, o Programa Água Doce objetiva estabelecer uma política pública
permanente de acesso à água de qualidade para o consumo humano por meio do
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aproveitamento sustentável de águas subterrâneas, incorporando cuidados ambientais e
sociais na gestão de sistemas de dessalinização. Busca atender, prioritariamente,
localidades rurais difusas do Semiárido Brasileiro. O Água Doce conta com uma rede de
cerca de 200 instituições envolvidas no processo, envolvendo os 10 estados do
Semiárido e parceiros federais. A partir de 2010, suas ações serão orientadas pelos
Planos Estaduais de Implementação e Gestão do Programa Água Doce que têm como
meta atender um quarto da população rural do Semiárido até 2019, ou seja,
aproximadamente 2 milhões de pessoas em 10 anos. Suas ações serão iniciadas a partir
dos municípios mais críticos em cada estado e naquelas áreas mais suscetíveis ao
processo de desertificação. (IGAM, 2015).
Em relação à potabilidade da água para fins de consumo humano no Brasil,
existe uma normativa do Ministério da Saúde - Portaria 2914/2011 – que dispõe sobre
os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo
humano e seu padrão de potabilidade. Conceitualmente, este pode ser compreendido
como o conjunto de valores permitidos como parâmetro da qualidade da água para
consumo humano, conforme definido no instrumento legal supramencionado. Portanto,
água potável é toda água que atenda ao padrão de potabilidade estabelecido pela
portaria 2914/2011e que não ofereça riscos à saúde. (BRASIL, 2011).
Os anexos do documento referido anteriormente apresentam uma série de
tabelas mostrado o padrão de potabilidade de substâncias químicas que podem trazer
riscos à saúde. Dentes estas podem ser citadas as substâncias químicas inorgânicas
(antimônio, arsênio, bário, cádmio, chumbo, cianeto, cobre, cromo, fluoreto, mercúrio,
níquel, nitrato, nitrito, selênio e urânio), além das substâncias químicas orgânicas
(acrilamida, benzeno, cloreto de vinila, diclorometano, tetracloroeteno); dentre outros.
Ademais, há também o risco de contaminações microbiológicas na água, nas quais o
foco do estudo centra-se nas análises microbiológicas de coliformes totais e Escherichia
coli.
Para além das questões relativas às altas taxas de salinização das águas
captadas no semiárido brasileiro, cuja fonte principal reside no tipo de solo
predominante cristalino; pode haver nessas mesmas águas captadas outros
contaminantes. Iritani e Ezaki (2012) entendem que haja vista que muitas dessas águas
subterrâneas, também chamadas águas invisíveis, podem conter contaminantes
químicos ou biológicos que, se usada para fins de consumo humano, essas águas
poderão acarretar o adoecimento coletivo de determinadas populações, sobretudo
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daquelas que tem nos lençóis freáticos sua única fonte disponível em períodos de longas
estiagens, como é o caso dos sertanejos.
5 Águas subterrâneas com excesso de fluoretos: o exemplo da convivência no
semiárido paraibano
O flúor é o décimo terceiro elemento mais abundante na natureza e está
presente no ar, nos solos e nas águas (BURT, 1992). Segundo a Organização Mundial
de Saúde (2006) este elemento é encontrado em concentrações variáveis no solo e na
água. É considerado um nutriente importante para tecidos mineralizados do corpo
humano e seu uso apropriado acarreta benefícios para a integridade óssea e dentária. Em
contrapartida, o consumo de águas com alto teor de flúor pode resultar em fluorose
dentária ou esquelética, além de outros malefícios para a saúde pública.
A Organização Mundial de Saúde (2006) e a Portaria 2.914 do Ministério da
Saúde (2011) preconizam que a concentração máxima permitida de íons fluoreto
presentes na água de consumo deve ser de 1,5 mg/L. Isso porque um excesso no
consumo do íon fluoreto pode levar à fluorose dentária (no caso de exposição aguda) ou
ainda fluorose esquelética (em caso de exposição crônica). O primeiro caso se refere à
formação de manchas nos dentes (opacidades do esmalte), que podem ocorrer quando as
concentrações de fluoreto na água forem acima de 1,0 mg/L, trazendo repercussões
estéticas, morfológicas, funcionais e psicológicas, dependendo do grau de intoxicação
(NARVAI et al., 2013).
Segundo Jagtap et al. (2012), a fluorose esquelética tem sido observada em
locais com concentrações de fluoreto na água acima de 5,6 mg/L. A doença afeta
crianças e adultos, sendo de difícil diagnóstico no estágio inicial, pois os primeiros
sintomas se assemelham aos da artrite. O fluoreto reage com o cálcio e fica depositado
nas articulações dos ombros, pescoço, pélvis e joelhos, dificultando os movimentos,
principalmente, dos joelhos. Quando a fluorose esquelética se encontra em estágio
avançado ocorre restrição de movimentos da coluna, sendo assim facilmente
diagnosticada. Casos desse tipo de fluorose têm sido relatados por todo o mundo,
inclusive no semiárido paraibano, na zona rural de São João do Rio do Peixe.
Pesquisas recentes que tomaram por objeto de estudo comunidades rurais
daquele município verificaram a existência de elevadas concentrações de flúor em suas
águas subterrâneas, e devido à escassez deste recurso e o elevadíssimo número de
poços, a comunidade ainda consome desta água contaminada pelo excesso de íons flúor,
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caracterizando a área como endêmica para fluorose dentária e óssea. O excesso de
fluoretos nas águas subterrâneas ocorre devido ao tipo de composição da estrutura
geológica, rica em fluorita (LIMA JÚNIOR, 2012).
Tal município está localizado no alto sertão da Paraíba e apresenta 400 poços
de água subterrânea, do quais 272 estão em operação, 14 fecharam porque secaram ou
foram obstruídos e 114 estavam paralisados por diversas razões. O estudo intitulado
‘Avaliação de sistemas de desfluoretação de águas para comunidades rurais do
semiárido’ objetivou implantar, avaliar e comparar a eficácia de dois sistemas de
desfluoretação de águas em localidades com problema de fluorose endêmica no estado
da Paraíba. Após concluírem a pesquisa, os autores patentearam um filtro domiciliar
desfluoretador regenerável de baixo custo, fácil acesso e de operação simples.
Entretanto, a maior vantagem é a possibilidade de ser usado em comunidades rurais
dispersas, que vivem em áreas de fluorose endêmica. A escassez de água é uma
realidade ainda presente na vida das populações da maior parte do semiárido nordestino.
A possibilidade de utilização de águas subterrâneas constitui uma alternativa viável para
minorar esta problemática. Entretanto, as elevadas concentrações de fluoretos
encontradas em algumas localidades representam uma preocupação face ao risco de
fluorose dentária e óssea. Dessa forma, desenvolver sistemas de desfluoretação viáveis
para utilização por parte dessa população constitui imperativo ético, que agregará
qualidade de vida às comunidades rurais do semiárido brasileiro (LIMA JÚNIOR,
2012).
6 À guisa de conclusão
Ante ao exposto, em relação aos recursos hídricos, Chacon (2007) afirma que
pensar em água é falar sobre desenvolvimento. A partir do momento que se defende o
gerenciamento da água por ser um recurso natural escasso, garante-se a defesa da
dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável. Quando o acesso à água permite
que as pessoas criem atividades econômicas que gerem renda para as famílias,
promove-se, então, a sustentabilidade econômica. Por fim, quando as políticas de águas
passam a trabalhar modelos de gestão que enfatizam a participação da sociedade em
soluções para o acesso aos recursos hídricos, engloba-se a dimensão social e político-
institucional do desenvolvimento sustentável.
Na perspectiva de atingir essas dimensões da sustentabilidade e promover a
transição do combate à seca para o paradigma da Convivência com o Semiárido, estão
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em execução diversos programas e alternativas a exemplo do Programa Água Doce,
Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), sistemas de desfluoretação e de
dessalinização de águas. A intenção é mobilizar a sociedade em torno de políticas,
propostas e ações para a convivência mais integrada das comunidades rurais junto ao
território do semiárido.
Tais considerações possibilitaram essa reflexão, que buscou problematizar e
discutir a questão das políticas, contextos e contornos dos recursos hídricos no
semiárido, focalizando o acesso das comunidades rurais à água para consumo humano.
Considerando o novo paradigma da Convivência, a intenção é que cada sertanejo
pertencente às comunidades rurais dos 1.133 municípios integrantes do Semiárido possa
ter uma verdadeira promoção de cidadania, melhor qualidade de vida e saúde.
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Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 171
ANÁLISE DA ESPECIALIZAÇÃO DO SETOR AGROPECUÁRIO DA
REGIÃO CENTRO-SUL NO ESTADO DO CEARÁ NOS ANOS DE 2002 E 2012.
Maria Daniele Cruz dos Santos1
Otácio Pereira Gomes2
Francisco do O’ de Lima Junior3
Camila Pereira Brígido Rodrigues4
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar o setor agropecuário através do nível de
especialização do mesmo na região Centro-Sul Cearense nos anos de 2002 e 2012,
visando verificar sua situação de especialização num período entre 10 anos, com base na
estrutura produtiva desse setor. Verifica-se através de análise do Índice de Concentração
Normalizado (ICN) que dentre as catorze cidades que compõem a região, Iguatu se
destaca não só como especializada no setor no ano de 2002, como manteve tal posição
no ano de 2012, podendo ser peça-chave para o incremento de políticas voltadas ao
atendimento das necessidades locais de crescimento e desenvolvimento, baseadas na
manutenção do homem no campo.
Palavras-chave: Economia Regional, Desenvolvimento local, Especialização agrícola
1 1 INTRODUÇÃO
A atividade agropecuária como economia imprescindível na reprodução social
tem suas origens desde que o homem transita da atividade nômade para a sedentária,
passando pela aprendizagem do manejo do cultivo de plantas necessárias à sua
sobrevivência. Esse desenvolvimento se desdobra por séculos e vai cada vez mais se
aprimorando, de forma a gerar excedente e ser levado ao mercado para daí serem
realizadas as trocas.
A agricultura foi durante séculos, considerada a atividade que dá
sustentabilidade ao sistema econômico. O pensamento econômico fisiocrata defendia
que a natureza era a única fonte capaz de gerar excedente.
1 Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri - URCA, Pós-Graduanda em Gestão Financeira e
Consultoria Empresarial pela URCA e Professora do departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri.
Juazeiro do Norte/Brasil Email: [email protected]
2 Graduado em Economia pela Universidade Regional do Cariri - URCA, Mestre em Economia Rural pela
Universidade Federal do Ceará – UFC e Professor do departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri.
Iguatu/Brasil. Email: [email protected]
3 Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP. Possui mestrado em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia/MG
(2008) e graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri - URCA (2001). Atualmente é
Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri - DE/URCA. Crato/Brasil.
Email: [email protected]
4 Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri - URCA, Mestranda em Economia Rural pela
Universidade Federal do Ceará - UFC e bolsista Capes. Fortaleza/Brasil. Email: [email protected]
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Após o desenvolvimento das cidades industriais, a agricultura foi tomando um
papel secundário, desaparecendo lentamente e gradualmente, dando espaço a nova
configuração econômica que surgia: As economias baseadas na comercialização da
manufatura.
Enquanto a agricultura ia aos poucos saindo de cena, os outros setores que
compõem a demanda agregada como Serviços e Indústria foram se tornando
hegemônicos na reprodução econômica social, atraindo investimentos, reduzindo cada
vez mais a participação daquele setor que outrora fora considerado a mola-motor da
economia.
Com a colonização do Brasil, vieram a instalação da atividade agrícola em
regiões litorâneas, a plantação do café e a pecuária mais ao centro-oeste do país,
caracterizando por longos anos o Brasil como país agroexportador.
Com o aumento desenfreado da urbanização mundial, a civilização do século
XXI passa por privações cada vez mais atenuadas pelo descaso total na reprodução dos
meios saudáveis de consumo de alimentos, perdendo o enfoque de uma produção para
sobrevivência humana para uma produção mercantilizada e capitalizada, tão bem
representada pelo agronegócio.
No Ceará não foi diferente e as secas frequentes desestimularam o
investimento no setor agropecuário, ficando para as atividades industriais e os agropolos
a missão de manter a atividade em execução no estado e representar boa parte do PIB no
setor. Lima Junior (2014) destaca também que os reduzidos investimentos na
agricultura cearense são frutos do processo de formação econômico-espacial o qual
induziu a baixa capitalização e as poucas transformações rurais.
Bomfim (2001) apud Lima Junior (2014) destaca tais características da
conjuntura cearense:i) baixa capitalização para inversões em atividades
promissoras, devido ao pouco dinamismo da agricultura ainda pautada em
produtos de exportação de preços declinantes, limitado mercado interno com
boa parte da demanda sendo atendida por importações; ii) a ordem política,
aferrada ao pressuposto do coronelismo arraigado e resistente às possíveis
mudanças na estrutura de poder que viria com a industrialização, adicionada
à desorganização econômica interiorana implicada pela violência de lutas
entre coronéis e seus aliados e o banditismo do cangaço comprometia o
desempenho das atividades comerciais e; iii) de caráter totalmente
contestável, o autor aponta uma possível escassez de mão de obra associada à
imigração para a Amazônia durante o surto da borracha, bem como a
instabilidade da população que chegava do interior vitimada pela seca
(BONFIM 2001, P.107-108 apud LIMA JUNIOR 2014, p. 49-50)
Apesar disso, pequenas propriedades ainda resistem às dificuldades
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apresentadas pelo clima, fazendo com que haja sustentabilidade da pequena família
agricultora no campo.
Políticas públicas para aumento da produção têm mantido algumas dessas
famílias, mas o impacto em relação ao número de beneficiários dos mesmos é
insignificante, aumentando as políticas assistencialistas que as mantém refém sem
perspectivas de melhoria.
As pequenas regiões como a do Centro-Sul Cearense sofrem com esse impacto,
sobretudo pelo fato de que antigamente viam na atividade o maior meio econômico
gerador de emprego e renda (ou se não o único).
2 ANÁLISE DA DINÂMICA SETORIAL DA MESORREGIÃO CENTRO-SUL
DO ESTADO DO CEARÁ
O protecionismo institucionalizado com apoio montado nos sistemas vigentes
antes da abertura comercial no Brasil fez com que a competitividade fosse
comprometida. Investimentos privados se restringem devido as altas taxas de juros, o
que torna inviável novos aportes de capital aos negócios vigentes, bem como a
instalação de novos.
Com características de dependência do assistencialismo do Governo Federal, a
região Nordeste se configurou por muitos anos como uma região abastada, a qual sofria
restrições tanto pelo desenvolvimento tardio, efeito das políticas que favoreciam a
região sudeste do país em detrimento das demais regiões, tanto pela estrutura econômica
local, baseada numa agricultura obsoleta e uma pecuária de subsistência, além da falta
de um clima chuvoso favorável ao manejo e cultivo das lavouras agrícolas.
Sem um planejamento adequado, o crescimento desordenado e desigual das
regiões do Brasil só agravou o problema das disparidades, feito também ratificado na
década de 1950 com o Plano Econômico para Desenvolvimento do Nordeste,
encabeçado pelo GTDN sob a instrução do nordestino Celso Furtado que identificou
essas observações e propôs alguns itens de mudança, e uma delas fora o processo de
industrialização da região.
No Ceará, o pontapé inicial para descontinuação desse cenário veio com o
governo de mudanças, do então governador Tasso Jereissati. Entre suas principais
propostas, a de tornar o Ceará o terceiro polo industrial nordestino vem-se consolidando
e atualmente, vem mantendo o Estado ranking no até o ano de 2013.
No último trimestre de 2014, o Ceará apresentou um crescimento de 2,7% no
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PIB em relação ao mesmo período do ano passado (IPECE, 2015)
Os diferentes níveis de desenvolvimento das regiões brasileiras são frutos das
diferenças históricas e econômicas peculiares à cada uma delas. Essa configuração se
estende ao Estados, macro, meso e microrregiões que os compõe, apresentando polos de
crescimentos com diferentes níveis de desenvolvimento e de renda per capita.
Perroux (1960) apud Andrade (1987) explica como o crescimento econômico é
feito através de vários polos dispersos que se expandem através de canais “com efeitos
terminais variáveis sobre o conjunto da economia”. (PERROUX, 1960 apud
ANDRADE, 1987, p. 58). A exemplo podemos destacar a cidade de São Paulo/SP, que
se desenvolveu conforme o pensamento defendido por Perroux5. Essa descrição
apresenta o retrato das diversas fases de desenvolvimento das regiões brasileiras, a
níveis macro e microrregionais.
O desenvolvimento do Ceará acompanha a tendência nacional, com regiões
mais desenvolvidas as quais possuem distritos industriais e infraestrutura, enquanto que
outras possuem o mínimo necessário para manutenção dos níveis de sobrevivência da
população, quando não estão sendo assistidas por programas de transferência de renda.
Porém essas disparidades entre regiões são características do sistema capitalista
e da formação história das regiões. A formação dos polos nem sempre é igualitária para
todas as regiões próximas. Características como inovação, conhecimento, fluxo de
capitais e disponibilidade de mão de obra podem tanto prejudicar esse crescimento
como favorecê-lo. A relação criada entre essas regiões é o que pode consagrar o
desenvolvimento de um polo em detrimento de outro. Essas afirmações são confirmadas
à luz da teoria de Perroux quando, nas palavras de Andrade
[...] o pólo é o centro econômico dinâmico de uma região, de um país ou de
um continente, e que o seu crescimento se faz sentir sobre a região que o
cerca, de vez que ele cria fluxos da região para o centro e refluxos do centro
para a região. O desenvolvimento regional estará, assim, sempre ligado ao
seu pólo (ANDRADE, 1987, p. 59).
A Divisão Político-Administrativa do Estado do Ceará é composta atualmente
por 184 municípios. A regionalização atual dos municípios adotada pela Secretaria do
Planejamento e Gestão (SEPLAG) é composta por 8 macrorregiões de planejamento, 02
Regiões Metropolitanas e 18 microrregiões administrativas.
A distribuição escolhida para fins do estudo deste trabalho será a de
5 Andrade (1987) detalha bem o pensamento de Perroux desde a instalação da indústria motriz até o ponto de
crescimento através da vinda de novas indústrias para continuidade do crescimento.
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regionalização adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cuja
compreende 7 mesorregiões e 33 microrregiões geográficas, regiões estas formadas de
acordo com os aspectos físicos, geográficos e de estrutura produtiva. A partir dessa
distribuição escolhemos a região centro-sul cearense, a qual será mais detalhada nos
aspectos metodológicos.
Os dados da região selecionada mostram que, com os altos e baixos ocorridos
no setor agropecuário, o Ceará foi o Estado com resultado pluviométrico em 2014 mais
próximo do levantamento em 2013, sendo que neste ano, as chuvas foram mais
concentradas e desfavoreceram as outras regiões. Outro fato peculiar é que em 2014
essas mesmas chuvas foram mais dispersas, favorecendo o plantio de culturas temporais
(IPECE, 2015)
As bacias que atendem a região centro-sul (médio Jaguaribe) tiveram forte
queda do nível de capacidade de armazenamento, reduzindo em dois anos (2012-2014)
de 68% para 37% (IPECE, 2015)
A região Centro-Sul Cearense, em destaque pela cidade de Iguatu, exerce
polarização sobre as cidades circunvizinhas, fazendo com que sua economia seja
diferenciada, porém é mister apontar que junto com a região dos sertões cearenses ela é
consagrada como a mais pobre mesorregião do Ceará, corroborando de frutos de
insucesso nas políticas desassistidas e compelidas à população.
3 CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO CENTRO-SUL DO ESTADO DO CEARÁ
A Mesorregião Centro-Sul cearense é composta por 14 municípios os quais
serão listados a seguir: Antonina do Norte, Baixio, Cariús, Cedro, Icó, Iguatu,
Ipaumirim, Jucás, Lavras da Mangabeira, Orós, Quixelô, Tarrafas, Umari e Várzea
Alegre. O PIB total da região no ano de 2012 alcançou 2,16 bilhões de reais, o que
representa em termos percentuais 2,4% do Valor Adicionado (VA) Estadual que estava
pouco mais de 90 bilhões no mesmo ano e 0,05% do VA brasileiro também no mesmo
ano.
As famílias residentes em domicílios particulares possuíam um rendimento
nominal médio mensal no ano de 2000 de R$ 411,37 (quatrocentos e onze reais e trinta
e sete centavos).
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A principal atividade econômica no ano de 2012 em termos de PIB fora o setor
de serviços6, que tem uma representatividade de 81,21% do VA. Em segundo lugar
concorre a Indústria, representando cerca de 12,82% e em terceiro e último lugar
apresenta-se o setor agropecuário que se estabelece com algo em torno de 5,97% do VA
como mostra os dados da Tabela 1.
Tabela 1 – PIB da Região Centro-sul cearense no ano de 2012 e representação
percentual do valor total – em mil reais
Setor Valor Adicionado Percentual
Serviço R$ 1.604.472,00 81,21%
Indústria R$ 253.188,00 12,82%
Agropecuária R$ 118.025,00 5,97%
Total R$ 1.975.685,00 100,00% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE (2012).
A relevância do papel do setor de serviços se dá pela expressiva
representatividade que o comércio possui na atividade econômica na região. Pode ser
considerado o setor de maior dinamismo e significância para a mesorregião centro-sul
cearense como um todo.
Tabela 2 – Mesorregião Centro Sul Cearense: Evolução do número de empregos 2012-
2013. IBGE Subsetor 2012 2013 Variação
01-Extrativa Mineral 79 73 -7,59%
02-Prod. Mineral Não Metálico 537 516 -3,91%
03-Indústria Metalúrgica 287 350 21,95%
04-Indústria Mecânica 50 54 8,00%
05-Elétrico e Comunic 1 2 100,00%
06-Material de Transporte 39 25 -35,90%
07-Madeira e Mobiliário 978 1119 14,42%
08-Papel e Gráf 95 102 7,37%
09-Borracha, Fumo, Couros 112 119 6,25%
10-Indústria Química 93 154 65,59%
11-Indústria Têxtil 344 341 -0,87%
12-Indústria Calçados 1649 1523 -7,64%
13-Alimentos e Bebidas 289 311 7,61%
14-Serviço Utilidade Pública 157 191 21,66%
15-Construção Civil 557 422 -24,24%
16-Comércio Varejista 6051 6386 5,54%
17-Comércio Atacadista 532 590 10,90%
18-Instituição Financeira 282 281 -0,35%
19-Adm Técnica Profissional 542 548 1,11%
20-Transporte e Comunicações 305 384 25,90%
21-Aloj Comunic 978 1083 10,74%
22-Médicos Odontológicos Vet 409 654 59,90%
23-Ensino 758 946 24,80%
24-Administração Pública 12366 15899 28,57%
25-Agricultura 221 224 1,36%
Total 27711 32297 16,55% Fonte: Tabela de elaboração dos autores a partir de dados extraídos da RAIS/MTE
6 O PIB de Serviços aqui apresentado é o Valor Adicionado Bruto a preços correntes dos serviços, inclusive
administração, saúde e educação públicas e seguridade social (em Mil Reais).
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A Região também apresenta um índice de empregabilidade formal ínfimo na
agricultura e pecuária. Isso pode ser ocasionado principalmente pela falta de registros
oficiais de carteira assinada nas lavouras, e também pelo número de agricultores
familiares, cujos não são contabilizados pelo índice da RAIS. A Tabela 2 demonstra
como estava o emprego na Mesorregião Centro-Sul Cearense no ano de 2012 e a
variação ocorrida no ano de 2013 de acordo com o MTE.
O emprego total no Centro Sul Cearense do ano de 2013 representava para o
Estado cerca de 2,16%. A Agricultura, ainda com pequena representatividade, manteve-
se tecnicamente estável de 2012 para 2013. Alguns subsetores, apesar de crescerem bem
em termos percentuais, não tiveram um impacto significativo para a região, haja vista o
valor do ano anterior ter sido extremamente baixo, como é o caso do subsetor Elétrico e
de Comunicação, que aumentou apenas um registro, mas representou 100% de
crescimento7.
3 METODOLOGIA
Foram selecionados os Valores Adicionados (VA) agropecuários dos quatorze
municípios que compõem a Mesorregião Centro Sul Cearense, em comparação ao VA
mesorregional nos anos de 2002 e em seguida, no ano de 2012. Esses dados foram
extraídos do IBGE – SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática, o qual foram
selecionados o PIB total de cada um dos municípios a preços correntes e do setor
estudado para os respectivos anos de observação.
Nesse estudo, o cálculo do Índice de Concentração Normalizado (ICn) foi
aplicado, visando à identificação da participação da atividade agropecuária e identificar
o(s) município(s) com maior representatividade na economia no setor da referida
mesorregião. Para tanto, foi utilizado uma planilha do Excel para processar os cálculos:
na primeira coluna da planilha foram colocadas as cidades que compõem a
Mesorregião, e o somatório do Centro Sul. As colunas foram preenchidas com os dados
do PIB Valor Adicionado a preços correntes no ano de 2002 e 2012 por setor e o total.
Ao final de cada coluna tem-se o somatório, pois serão utilizados para os cálculos dos
índices Q.L. (Quociente Locacional), IHH (Índices de Hirschman-Herfindhal) e PR
(Índice de Participação Relativa). Nas colunas seguintes foram calculados os
indicadores QL, IHH e o PR, respectivamente e para cada setor, de acordo com as
7 É importante nesse tipo de investigação verificar também os valores absolutos para não incorrer em
falhas na avaliação de crescimento regional, não só contabilizando erros percentuais.
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fórmulas definidas a seguir.
O cálculo do QL é dado da seguinte forma na equação (1):
Q
L =
VA iCC
/ VACC (1)
VAi CE /
VACE
Onde:
VA iCC – Valor Adicionado no setor “i” na cidade “CC” (centro-sul cearense);
VACC – Valor Adicionado total na cidade “CC”;
VAi CE – Valor Adicionado do setor “i” na região Centro-sul Cearense;
VACE – Valor Adicionado total no Centro-sul Cearense.
Na parte do numerador tem-se por dedução, a participação do setor
agropecuário na cidade em relação ao PIB total da mesma, enquanto que no
denominador verifica-se a representatividade percentual do setor agropecuário total da
mesorregião na composição do PIB. Monastério (2011) afirma que os valores de ICn
maiores do que 1, significam que mais especializada é essa região em relação ao setor.
Em contrário, os valores menores que um indicam que a região é importadora do bem
produzido naquele setor, pois o mesmo tem uma menor representação na região do que
no Estado.
Ele também sugere alguns cuidados na interpretação desse índice:
Se uma região possui uma tecnologia mais intensiva em trabalho do que
outras regiões, seu QL pode ser enganoso, sugerindo exportações que não
existem. Da mesma forma, caso exista uma diferença sensível no padrão de
demanda local, o QL também poderá ser maior do que 1, e a região ser uma
importadora do bem. Além disso, o QL é bastante sensível ao nível de análise
e ao grau de detalhamento setorial. Em níveis de agregação maiores, o
indicador tende a convergir para a unidade (MONASTÉRIO, 2011, p.318).
Neste trabalho optou-se por trabalhar com o Valor Adicionado, o reduz o risco
da análise distorcida acima apresentada.
O Quociente de Localização (QL) visa identificar neste estudo, quais os
subsetores econômicos que apresentam uma participação relativa superior à verificada
na média do Estado. Utilizando da metodologia de análise proposta por Crocco et. al.
(2003) e Monastério (2011), se o valor do QL for superior a 1, a Mesorregião Centro
Sul Cearense é, em termos relativos, significativamente especializada naquela atividade.
O QL foi calculado tendo-se como economia de referência o Estado do Ceará e a
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mesorregião em destaque, mais especificadamente. Mas a análise dos critérios do QL
deve ser utilizada, pois segundo Crocco et. al. (2003), um Quociente Locacional maior
que um (QL>1) indicaria apenas certa diferenciação produtiva da atividade; este
conceito se aplica possivelmente por conta da dissimetria existente entre as atividades
da região e ainda da alta representatividade que uma firma pode representar em um
município. É bastante importante não realizar afirmações concretas acerca do resultado
do QL, sem antes mensurá-lo a outros índices que podem desvirtuar o resultado e
incorrer em uma análise parcial.
Já para calcular o IHH, foi utilizada a seguinte fórmula da equação (2):
Para McCann (2001) apud Monastério (2011)
O IHH indica o quanto um setor está concentrado espacialmente. Ele se
assemelha ao coeficiente de localização8, mas os afastamentos das regiões em
relação à estrutura produtiva do país são elevados ao quadrado. Dessa forma,
o IHH, que varia entre 0 e 2, é mais sensível a tais afastamentos do que o CL.
O resultado positivo deste índice indica que o município estará concentrando a
produção do setor em análise e por isso ele terá maior poder de atração econômica
devido ao seu nível de especialização. No trabalho de Crocco et. al. (2003) este índice é
utilizado sem elevação ao quadrado, mas no presente trabalho acredita-se que a
elevação ao quadrado capta a maior sensibilidade ao afastamento entre as regiões como
explica McCann (2001) apud Monasterio (2011) e por isso este fora preterido àquele.
Outro motivo à predileção é que a matriz determinante quando o IHH não é elevado ao
quadrado apresenta um valor nulo (zero).
O PR destaca o quão o setor da cidade estudada tem em relação a região
centro-sul. Este índice tem variação entre zero e um, onde quanto mais próximo de um,
maior a representatividade da atividade na mesorregião. É adquirido através da equação
(3).
PR = (
8 O CL (coeficiente de localização) é um índice que mensura o quanto um setor está concentrado
espacialmente (quanto mais próximo de 1). Para monastério (2011) o IHH tem uma maior precisão em
relação ao CL. Grifo nosso.
(2)
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VA iCC / VACE 3)
Os indicadores acima relacionados são capazes de apresentar os dados
necessários para a elaboração de um único indicador de concentração do subsetor de
atividade econômica, o Índice de Concentração normalizado (ICn).
Crocco et. al. (2003) destaca que
Haja vista que cada um dos três índices utilizados como insumos do ICn
podem ter distinta capacidade de representar as forças aglomerativas,
principalmente quando se leva em conta os diversos setores industriais da
economia, faz-se necessário calcular pesos específicos de cada um dos
insumos em cada um dos setores produtivos. (CROCCO et. al. 2004, p.6).
A metodologia utilizada por Crocco et. al. (2003) propõe uma combinação
linear dos três índices, separada para cada subsetor da região estudada, que segue na
equação (4):
ICnij = θ1 QLni
j + θ2 PRnij + θ3 HHni
j (
4)
Os θ são os pesos de cada um dos indicadores para cada índice correspondente.
Este índice visa corrigir algumas falhas de análise que por ventura os demais índices em
separado possam demonstrar (CROCCO et. al., 2003, p. 7). Eles serão extraídos a partir
de análise multivariada de ACP.
Onde θ1 representa o peso de QL, θ2 representa o peso de IHH e θ3 representa o
peso de PR. Os valores encontrados são substituídos no cálculo do ICn para cada um
dos setores, identificando assim, qual deles possui uma maior especialização entre os
demais na região estudada.
A análise multivariada é uma análise estatística que trabalha com medidas -
atributos - múltiplas de uma ou mais amostras de indivíduos, tomados
genericamente como um sistema único de medidas, i.e., consideram a
interligação geral de variáveis aleatórias simultaneamente (SIMÕES, 2005, p.
16).
A utilização desse método (ACP) visa “reduzir o número de variáveis
(atributos) explicativas de um conjunto de indivíduos a um pequeno número de índices,
chamado componentes principais (pois por construção k < p), com a característica de
serem não correlacionados” (SIMÕES, 2005).
Outra técnica que foi utilizada na sistematização e análise dos dados deste
trabalho foi a análise fatorial.
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A chamada Análise Fatorial é outro método multivariado clássico, análogo à
de componentes principais, mas um instrumento mais genérico que permite
“(...) a rotação dos eixos (fatores) que sintetizam as informações contidas na
matriz de dados, cuja finalidade é a de facilitar a interpretação analítica dos
mesmos, como também o estabelecimento de eixos não-ortogonais que
representam o mútuo relacionamento entre fatores que são interdependentes”
(HADDAD et. al.., 1989:482). A análise fatorial é utilizada para descobrir
padrões relativos a um conjunto de dados, sendo a rotação de cada vetor
(variável) sobre os fatores, as cargas fatoriais (SIMÕES, 2005, p. 17).
Se tomarmos como base o QL isolado, numa cidade cuja sua PR não seja
significante em relação ao país, tende-se a acreditar numa especialização inexistente,
cujo aumento do índice se deu em detrimento de uma única fábrica numa cidade de
pequeno porte, por exemplo.
Assim, o uso do ICn da forma como está sendo proposta pode ponderar tais
distorções (CROCCO et. al., 2003, p. 7).
A proposta de Crocco et. al (2003) é que seja realizado o cálculo dos pesos
através da análise de componentes principais ACP. Utilizando-se os resultados da
representatividade de cada indicador no índice, toma-se como base a matriz de
Variância Total Explicada (gerada através do SPSS versão 2.0), e a Matriz de
Correlação, (que se usa os módulos da mesma), criando uma nova matriz com os auto-
vetores recalculados de acordo com o proposto por Crocco et. al. (2003).
Sendo a soma dos pesos = 1, substitui-se o valor de cada um dos pesos na
equação 4 multiplicando pelos indicadores já normalizados obtém-se o resultado final
do índice.
Antes porém da efetiva substituição dos respectivos pesos encontrados, foi
realizada a normalização dos indicadores, para que não haja interferência da
significância de um ou outro dado da amostra, relativando-os e deixando-os com a
mesma carga de importância na construção e análise do índice. Essa normalização se
deu através do cálculo do desvio padrão e da média de cada indicador em cada setor.
Ela é feita subtraindo-se do valor do indicador a média e o resultado é dividido pelo
desvio padrão. Os valores em negativo representam os setores que ficaram abaixo da
média estadual.
O cálculo da normalização é dado pela formula:
In = (Ii – IMédia) / IDesvio_padrão (5)
Onde
In = Indicador normalizado
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Ii = Valor do Indicador no setor correspondente
IMédia = Média do Indicador
IDesvio_padrão = Desvio Padrão do Indicador
4 RESULTADOS
Depois de encontrados os índices normalizados de QLn, IHHn, e PRn, pode-se
substituir os valores encontrados juntamente com os valores atribuídos dos pesos, na
fórmula do ICn (Equação 4) para cada um dos municípios estudados. De acordo com os
resultados obitdos pode-se observar com clareza a estrutura de
Tabela 3 – Evolução dos Índices agropecuários no Centro Sul cearense nos anos
de 2002 e 2012
Cidades 2002 2012
QL HH PR CN L HH R CN
Antonina
do Norte 0,58955 -0,00600 0,00129 -0,84931 0,76201 0,00001 0,00063 -0,83452
Baixio 1,84255 0,01141 0,00373 -0,00274 2,56643 0,00040 0,00178 0,25395
Cariús 1,16845 0,00583 0,00605 -0,33461 1,30771 0,00010 0,00235 -0,35008
Cedro 0,97352 -0,00140 0,00794 -0,38811 1,33912 0,00034 0,00396 -0,14285
Icó 0,94593 -0,00740 0,01930 -0,00312 1,14437 0,00045 0,00918 0,35346
Iguatu 0,66889 -0,12750 0,03852 1,73285 0,48010 0,04493 0,01069 1,46072
Ipaumirim 1,06655 0,00185 0,00444 -0,45438 1,39670 0,00011 0,00198 -0,34506
Jucás 0,90451 -0,00470 0,00671 -0,47099 1,09592 0,00002 0,00299 -0,39040
Lavras da
Mangabeira 1,59841 0,04208 0,01681 0,43232 1,65824 0,00166 0,00561 0,25012
Orós 1,00162 0,00010 0,00912 -0,32993 1,58728 0,00101 0,00468 0,08876
Quixelô 2,57011 0,07129 0,01745 1,29076 2,53123 0,00167 0,00369 0,49043
Tarrafas 1,64215 0,01060 0,00405 -0,11336 1,23444 0,00001 0,00110 -0,53304
Umari 1,54529 0,00858 0,00364 -0,18925 2,11806 0,00025 0,00163 -0,00305
Várzea
Alegre 0,93759 -0,00470 0,01046 -0,32015 0,97530 0,00000 0,00435 -0,29842
Fonte: Elaboração própria com base nos dados extraídos do SPSS Versão 20.
No ano de 2002, as cidades de Antonina, Cedro, Icó, Iguatu, Jucás e Várzea
Alegre não podem ser consideradas especializadas no setor agrícola de acordo com seus
índices de QL serem inferiores a 1. Baixio, Cariús, Ipaumirim, Lavras da Mangabeira,
Orós, Quixelô, Tarrafas e Umari de acordo com Crocco et. al. (.2003) seriam
classificadas como especializadas, destacando-se dentre elas, Quixelô com um índice de
2,57.
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Já quando partimos para a análise de concentração da atividade no mesmo ano,
seriam Baixio, Cariús, Ipaumirim, Lavras da Mangabeira, Orós, Quixelô, Tarrafas e
Umari consideradas com maior poder de atração econômica devido exatamente sua
especialização. Ou seja, o IHH confirma a concentração devido o nível de
especialização dessas cidades.
A cidade de maior participação relativa na região centro-sul cearense é a cidade
de Iguatu com PR de 0,03872. Em último lugar se situa a cidade de Antonina do Norte
com PR de 0,00129.
Quando partimos para análise do ano de 2012, vemos que as cidades de
Antonina do Norte, Iguatu e Várzea Alegre continuam sem especialização, inclusive
com queda no índice para a cidade de Iguatu, enquanto que Cedro, Icó e Jucás passaram
para um novo patamar, o de especialização na atividade agrícola. As demais cidades
consideradas especializadas em 2002 mantiveram-se no mesmo status, com algumas
diferenças a saber: a) As cidades de Baixio, Cariús, Ipaumirim, Lavras, Orós, e Umari
tiveram seus índices de QL aumentados, demonstrando uma melhora na especialização
da atividade agrícola; b) As cidades de Quixelô e Tarrafas apesar de ainda serem
consideradas especializadas, tiveram decrescimento de seus índices, reduzidos
respectivamente de 2,57 para 2,53 e 1,64 para 1,23, o que demonstra queda na
especialização da atividade agrícola.
O IHH apresenta no ano de 2012 a concentração da produção do setor agrícola
das cidades consideradas especializadas pelo índice de QL: Baixio, Cariús, Cedro, Icó,
Ipaumirim, Jucás, Lavras, Orós, Quixelô, Tarrafas e Umari.
A cidade de maior participação relativa no ano de 2012 continuou sendo Iguatu
apesar da redução do índice para 0,01069. Assim como também a cidade com menor PR
continuou sendo a cidade de Antonina do Norte com índice também inferior ao de 2002
de 0,00063.
Quando se faz a análise do ICn, percebe-se que, apesar das informações
colhidas a partir dos índices de QL, IHH e PR, no ano de 2002, as cidades que
representam aglomerações produtivas agropecuárias são Iguatu e Quixelô, com
respectivamente, 1,79 e 1,33, podendo ser cenários para políticas de melhorias do
quadro de desenvolvimento agrário da região. Isso demonstra que a proximidade entre
as duas cidades pode proporcionar um desenvolvimento mútuo, alicerçado nas
contribuições de tecnologia e conhecimento. Em 2012 esse quadro se altera,
apresentando as cidades de Baixio, Icó, Lavras da Mangabeira e Orós com tendência a
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concentração da atividade, servindo de base para melhorias no setor agropecuário.
Apenas Iguatu se manteve com ICn acima de 1, (1,46). Quixelô teve queda no índice
para 0,49.
Para Rodrigues et. al (2009) isso é explicado em parte porque
Esta interação derivada da proximidade geográfica permite o surgimento de
atividades subsidiárias e formação de redes fornecedoras de bens e serviços,
possibilitando, assim, geração de conhecimento por meio das relações entre
fornecedores e agentes (CAMPOS e PAULA, 2008). Contudo, é possível
verificar que a proximidade geográfica proporciona o aparecimento de
externalidades, pecuniárias e tecnológicas, destacando-se em mercados
especializados; a existência de linkages, entre produtos, fornecedores e
usuários; e a existência de spillovers tecnológicos (CROCCO et. al., 2003)
apud (RODRIGUES, 2009, Grifo do autor).
Crocco et. al. (2003) explica a importância de se analisar os resultados a partir
do ICN em comparativo às outras metodologias já existentes. Em um quadro exemplo,
eles mostram as diferenças de dados de localidades hipotéticas no quesito QL e IC. De
acordo com a apreciação, analisar a partir e somente do QL, pode levar a sérias
distorções de política e o uso do ICn como proposto em seu trabalho, pode corrigir tais
distorções, como fora o caso deste estudo, pois mesmo que haja pouca especialização, a
Cidade de Iguatu possui no ano de 2012 a maior participação relativa na região, o que
confirma a teoria de Crocco et. al. (2003).
Em se tratado de concentração, as cidades que apresentaram em 2012 ICn
positivo foram, em ordem decrescente: Iguatu (1,46), Quixelô (0,49), Icó, 0,35), Baixio
e Lavras da Mangabeira (0,25 cada) e Orós (0,08). Esses resultados são pouco
representativos, o que sinaliza que os setores públicos e privados precisam vislumbrar
políticas de planejamento que auxiliem no desenvolvimento dessa atividade na região,
para que assim, se tornem mais híbridas as opções de captação de recursos e formação
do PIB, sem que haja dependência exclusiva de outros setores. Isso pode garantir
sustentabilidade no desenvolvimento regional, a diversificação das atividades
econômicas, para amortecer os impactos que um ou outro setor chefe pode vir a sofrer
emanado de crises estruturais.
Essa queda na produção é sentida também no PIB agropecuário de algumas das
cidades que compõem ao centro-sul cearense como mostra a tabela 4.
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Tabela 4 - Variação do PIB agropecuário do Centro Sul Cearense no decênio
2002-2012
Cidades 2002 2012 Variação
Antonina do Norte 912 1356 48,68%
Baixio 2644 3847 45,50%
Cariús 4285 5069 18,30%
Cedro 5626 8559 52,13%
Icó 13679 19849 45,11%
Iguatu 27297 23102 -15,37%
Ipaumirim 3148 4277 35,86%
Jucás 4757 6454 35,67%
Lavras da Mangabeira 11909 12115 1,73%
Orós 6465 10118 56,50%
Quixelô 12364 7983 -35,43%
Tarrafas 2873 2375 -17,33%
Umari 2576 3513 36,37%
Várzea Alegre 7410 9409 26,98%
TOTAL 105945 118026 11,40% Fonte: Elaboração dos autores com dados extraídos do SIDRA/IBGE
A especialização no setor Agropecuário na cidade de Iguatu é explicada pela
produção agrícola de algodão herbáceo, e arbóreo, banana, feijão, milho e arroz e
pecuária de na criação de bovinos, suínos e aves. Só no ano de 2012, gerou um PIB
Agropecuário de R$ 23.102,00
Iguatu caracteriza-se por um PIB per capita de R$ 8978,46 em 2012, uma
população residente de 71,36% alfabetizados, estimativa de população em 100.733 para
2014 e no último censo de 2010 foram registrados 96.495 habitantes. A cidade ocupa
também a 12ª. colocação no Estado de produção de VA.
Houve um crescimento significativo no IDHM de Iguatu nos últimos vinte
anos, como mostra o gráfico 1.
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Gráfico 1 - Evolução do IDMH do Município de Iguatu no período 1991-2010
Gráfico de elaboração dos autores.
Fonte: IBGE cidades (2015)
Observa-se a partir dos dados apresentados que a cidade de Iguatu tem papel
significativo na atividade agropecuária na região centro-sul do Estado do Ceará.
“Exerce papel de centro regional de comércio e serviços, oferecendo apoio para mais de
10 municípios da região onde se localiza” (PREFEITURA, [201-?]). Seria possível
deduzir que Iguatu funciona para a região centro-sul como um polo de crescimento
segundo a definição de Perroux. É possível ainda sugerir que a iniciativa privada
juntamente aos planejadores regionais e o Estado, desenvolvam projetos onde se
priorizem políticas desenvolvimentistas, criando possibilidades regionais que
transformem a realidade local, principalmente no setor agropecuário, pois de acordo
com o apresentado, vem mostrando decréscimo no decênio 2002-2012.
Porém ainda resta muito a ser feito. A cidade não tem se quer sistema de
transporte público, sendo dependente dos serviços de transporte autônomos “moto-
taxis” ou taxis para locomoção de curta e média distância dentro da própria cidade. Há
um alicerce que ainda nem foi construído para dar sustentabilidade aos futuros projetos
da cidade, porém já se identifica através dos dados apresentados de especialização, que
ela se destaca das demais cidades e pode ter um papel fundamental no planejamento
regional, auxiliando o crescimento da região voltado para o desenvolvimento.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O quadro apresentado acerca da região centro sul cearense nos anos de 2002 e
2012 demonstra vaga especialização no setor agrícola. Pode esse fato estar relacionado
a transferência de especialização para outros setores, principalmente o de serviços que
nos últimos anos vem apresentando um desempenho significativo na região. É mister
apresentar também, o papel da cidade de Iguatu como fomentadora de desenvolvimento
regional, por ser o pilar para construção de novas zonas de desenvolvimento a partir dos
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suprimentos advindos dela.
Não podemos esquecer também, que a aproximação entre as cidades tornou
possível o desenvolvimento de estradas para escoamento da produção, a troca de
informações e conhecimentos, gerando assim inovação tecnológica para os municípios
dependentes. Desta forma, atrelar a produção a um setor pouco rentável como o agrícola
pode não ser uma alternativa elegível por empresários aguçados pelo lucro.
É fato que a atividade poderia ter uma representatividade bem superior devido
as grandes áreas desocupadas e algum grau de especialização demonstrado pelas
cidades. O poder de atração da atividade agrícola pode contribuir para a miscigenação
das atividades econômicas, retirando o peso de um único setor em manter produtivo o
negócio local. A atividade agrícola na região é realizada em grande parte por pequenos
agricultores e agricultores familiares o que pode contribuir com a redução da
especialização a partir da migração do homem do campo para a cidade.
Em parte, a desconcentração e a redução da especialização agrícola pode estar
atrelada ao melhoramento das condições de acesso ao ensino superior, com os
programas nacionais de estudos como PROUNI, FIES, que forneceram o aparato para
os filhos do homem do campo pudessem cursar universidades nas mais distintas áreas
como Direito e Medicina, afastando-o da produção local e dando descontinuidade ao
processo produtivo campestre.
As políticas de atendimento e manutenção do homem no campo precisam ter
caráter muito mais abrangente que o simples assistencialismo. Precisam além do
suporte, fornecer ferramentas que possam auxiliar no crescimento próprio, no
desenvolvimento a partir do aumento e da disseminação do conhecimento e da inovação
dentro da região atendida, a partir da troca de experiências físicas, empíricas, culturais e
sociais. Os investimentos financeiros precisam estar pautados em retornos de longo
prazo, para não emperrar o processo evolutivo do setor agrícola, além de serem
estudados como quaisquer outros projetos envolvendo outras áreas de atividade
econômica como indústria e serviço.
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ASSENTAMENTOS RURAIS: MÃOS QUE ALIMENTAM1
Iolanda Pereira da Silva2
Resumo
Este estudo propõe analisar a organização social e produtiva do assentamento Umari
Casa Forte, no município de Beberibe – CE, na perspectiva da Questão Agrária. Segue
como objetivos: identificar os fatores determinantes no processo de organização social
dos projetos de assentamentos rurais na perspectiva da política de reforma agrária;
conhecer as ações estatais propostas e efetivadas que visem seu desenvolvimento
sustentável, voltados à organização produtiva; e interpretar os significados atribuídos
pelos agricultores acerca da condição de trabalhador assentado. O estudo qualitativo de
abordagem etnográfica privilegia as narrativas dos trabalhadores assentados, cujo
percurso metodológico foi percorrido em três principais momentos: pesquisa
bibliográfica, documental e trabalho de campo, que se efetivou entre os anos de 2013 a
2014, com contatos informais e entrevistas, além da observação que percorreu todo o
caminho da pesquisa. As narrativas reconstruíram o processo da organização social dos
trabalhadores na trajetória de luta pelo acesso a terra, apontando os principais desafios
enfrentados no decorrer dessas duas décadas do processo de consolidação do
assentamento, dentre os quais, enfatizam as fragilidades da organização social e a
individualização no processo de organização produtiva.
Palavras-chave: Assentamentos rurais, Organização social e produtiva,
Individualização.
1 Introdução
Mãos que produzem seu próprio alimento, o que lhes permite se reconhecer no
produto de seu trabalho, algo impensável na sociedade do capital. Entretanto
comumente realizado por milhares de trabalhadores assentados que nas últimas três
décadas conquistaram, ao custo de muitas vidas e da luta intransigente contra o poder do
latifúndio, o bem que lhe é mais importante: a terra. Que muitos chamam de “Mãe
Terra”, compreensível interpretação, dado o significado do amor materno em nossas
vidas.
Trabalhadores que por suas mãos brocaram a mata fechada que dera lugar à
estrada, ainda de chão batido, onde hoje passa o lento cavalgar da carroça aos primeiros
raios de sol. Uma história de luta e resistência que por suas mãos, fizeram cedo o 1 Este artigo é parte de minha monografia apresentada para obtenção do grau de bacharel em Serviço Social, na
Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza, no ano de 2014, sob orientação da Professora Dra. Evânia Maria
Oliveira Severiano.
2 Assistente Social graduada em Serviço Social pela Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – FAMETRO
(20014), discente do curso de especialização em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais da Universidade
Estadual do Ceará – UECE.
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primeiro roçado de onde extraíram os primeiros frutos da “terra de leite e mel”3, antes
pequena nas mãos de um, hoje imensa nas mãos de muitos.
Apresentamos nesse estudo, a trajetória de luta dos trabalhadores do
Assentamento Umari Casa Forte pelo direito a terra e as analises de sua organização
social e produtiva, enfatizando os principais desafios e possibilidades identificados
pelos trabalhadores no decorrer de sua consolidação.
O assentamento Umari Casa Forte, que é alvo de nossa investigação está
localizado no município de Beberibe-CE. Segundo informações do Instituto de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA4, o assentamento possui área territorial de
1.602 hectares, onde estão assentadas 70 famílias tendo capacidade para receber 75
famílias. A conquista da terra no território investigado percorre um decurso temporal de
pouco mais que duas décadas.
A abordagem etnográfica nos permitiu interagir com os sujeitos, a partir de
uma observação densa, focada na fala e na interpretação dos sujeitos participantes da
pesquisa, nos revelando significativas descobertas a partir da exploração e observação
do cotidiano dos trabalhadores (LAPLANTINE, 2003).
As narrativas foram registradas com nomes fictícios e revelam a trajetória de
significados dessa conquista que não se encerram com a posse da terra, considerando os
desafios que os trabalhadores ainda encontram para se manterem no território
conquistado. A tessitura entre as narrativas e as análises aponta para os possíveis
caminhos de superação desses desafios, os quais representam atualmente para os
trabalhadores, o caminho de volta aos tempos de acampamento, onde havia um interesse
comum: a conquista da terra.
2 De acampados a assentados: a trajetória da luta pela terra no Assentamento
Umari Casa Forte.
A fazenda “Umari Casa Forte” era conhecida dos muitos trabalhadores que
moravam em suas adjacências, na comunidade de Surubim. Ali, alguns agricultores
sem-terra viviam a prestar serviços ao administrador da fazenda, caçavam na mata
fechada e pescavam na lagoa construída pela mão engenhosa da natureza. Também
3 Expressão usada pelos trabalhadores em referência à passagem bíblica (Num 14:8) sobre a Terra Prometida.
4 Disponível em: www.incra.gov.br, acesso em 15/11/2014.
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prestavam serviços aos proprietários de terra da região e alguns plantavam nas terras de
familiares.
O despertar para a luta por uma terra onde pudessem trabalhar e viver, foi
revelado nos encontros missionários da Igreja, por meio das Comunidades Eclesiais de
Base – CEBs, que aquela época, atuava na comunidade de Surubim, berço da
organização social dos trabalhadores e onde moravam os que posteriormente vieram a
formar o Assentamento Umari Casa Forte. As missões religiosas, encapadas pela
Comissão Pastoral da Terra – CPT foram fundamentais para o processo de
conscientização e organização da luta dos trabalhadores, despertando para o direito do
acesso a terra e relevante participação nas vivencias do acampamento.
O processo de redemocratização do país e o fortalecimento dos movimentos
sociais que atuam em defesa da reforma agrária, também foram significativos nesse
processo que culminou com a notícia de ser possível conquistar a “Fazenda Umari Casa
forte”, considerada improdutiva, portanto passível de desapropriação para fins sociais.
Uma novidade para aqueles que pouco ouvira falar de reforma agrária, tampouco de
desapropriação e ocupação.
Segundo o INCRA, o fator determinante na implementação de um projeto de
assentamento é a demanda social, apresentada a partir da organização dos trabalhadores.
Porém, a viabilidade do projeto é determinada pela realização de um estudo técnico que
ao constatar ser a área improdutiva5, determina a desapropriação. Atendendo a esses
dois determinantes, coube aos trabalhadores organizar a ocupação.
2.1 A história, o tempo é quem conta...
Em caminhada pelas veredas da mata fechada, caminharam os trabalhadores
em busca da terra sonhada. Uma jornada de resistência, insistência e sonhos que
transformou para sempre a vida daquelas famílias. Apoiadas em narrativas que nos
abriram as portas para compreender a realidade dos sujeitos personagens dessa história,
construída sob o signo da resistência, enveredamos por caminhos que nos falam da
construção sócio-histórica do Assentamento Umari Casa Forte.
Nossa caminhada começa numa tarde tranquila que faz lembrar o cotidiano da
vida no campo, onde por vezes, o tempo passa arrastado, sem pressa, animado pelas
5 O termo “improdutivo” é utilizado nos estudos técnicos como indicativo de improdutividade por parte do
proprietário, não se confunde com a inviabilidade econômica da área a ser desapropriada. (grifos nossos)
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conversas na calçada ao pôr do sol e o silêncio de noites claras, sob a serenidade de um
olhar enluarado.
Nessa etapa da pesquisa de campo que compreende o segundo semestre do ano
de 2014, visitamos o assentamento de forma alternada, em viagens de fins de semana
para minha casa na zona rural de Beberibe, localizada muito próxima do assentamento.
Realizamos as visitas sempre no período da tarde em virtude da disponibilidade dos
trabalhadores.
A primeira visita era com o coordenador do assentamento, enquanto
esperávamos fomos visitar a casa de farinha, onde alguns trabalhadores e trabalhadoras
se dividiam na tarefa de preparar a mandioca para o processo de produção da farinha.
As mulheres conversavam animadas em volta do pequeno monte de mandioca que era
raspada com precisão e rapidez. Os homens trabalhavam no processo de serragem e no
cozimento da massa. Não conseguíamos escutar o que falavam, havia um aparelho de
som em volume elevado que tocava uma música animada, assim como os trabalhadores.
Não nos fugiu observar as condições precárias daquele equipamento,
importante mecanismo de produção, que não acompanhou as necessárias
transformações com vistas à melhoria nos processos produtivos e qualidade do produto.
Conversamos sem propósito com uma ou duas pessoas e fomos embora, ao tempo que
observamos a chegada de uma nova carroçada de mandioca.
Nossa primeira entrevista foi com uma trabalhadora que narrou o começo
daquela jornada das famílias em busca da terra, onde pudessem viver do plantio e do
criar, sem as amarras e a exploração do seu trabalho. Ali, onde décadas passadas, fora
construído o acampamento, encontramos uma senhora simpática, de voz mansa e olhar
tranquilo que nos recebeu na alegria de uma velha amiga.
Do alpendre da casa, localizada longe da vila em um ponto alto do
assentamento, podíamos observar ao longe o leito seco da imensa lagoa, que já não
escondia o solo esvaziado pelo longo período de estiagem que castiga a região. Segundo
a narradora, ali antes abrigava a casa sede da Fazenda. A casa grande, que por sua
majestosa imponência deu nome a Fazenda mantido após a desapropriação, foi utilizada
como escola por um determinado período, sendo depois demolida e seu material
utilizado na construção de um estábulo e um galpão.
Nossa conversa se desenvolveu naturalmente e eu, encantada com seu relato,
esqueci por alguns instantes minha condição de pesquisadora. Suas falas tomavam
formas no meu pensamento que vagava distante, a construir cenas que se encaixavam
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naquele falar simples, mas, envolto numa riqueza de detalhes de quem viveu
intensamente aqueles momentos que lhe marcaram a vida.
Chamados a se reuniram na sede da mini-indústria na comunidade de Surubim,
um grupo de trabalhadores sem-terra ficaram animados com a ideia de possuírem terras
para plantar e dela prover seu sustento. Os trabalhadores perceberam que a ocupação era
necessária para pressionar o processo de desapropriação. Em meio à resistência do
administrador, depois de alguns encontros de mobilização, seguiram em marcha para
ocupar a fazenda, naquele fim de tarde em meados de 1991. Diolinda recorre as suas
lembranças para nos contar como foi esse momento.
Diolinda: [...] ai perguntaram se nós queria vim pra cá [...] nós fomos lá pra
mini-indústria. Na mini-indústria perguntaram quem era que estava disposto
a vim pra cá né. [...] Aqui era tudo mato. [...] eu queria vim, meu sonho era
pra mim vim pra cá sabe. Quando foi no outro dia vieram, 23 de junho de 91.
[...] Ai quando chegaram aqui era uma animação ai nesses cajueiro, que
chama até os cajueiro da barraca.
As visitas se seguiram e as narrativas aos poucos revelavam mais detalhes
daqueles dias que anteciparam a chegada ao acampamento. Encontramos-nos com um
senhor grisalho, de sorriso tímido, que cumprimentei com um afetuoso aperto de mão e
um sorriso saudoso. Próprio daqueles que vivenciaram as experiências do
acampamento, ele narra fatos que mais uma vez se movem na minha imaginação.
Antônio Conselheiro: Foi assim: antes nós fizemos umas duas ou três
reunião, ai procuramos gente de coragem pra enfrentar. Nós fizemos uma
reunião dois dias antes e quando foi tal hora, nós fomos se juntar no Surubim,
se juntemos lá e saímos. Saímos com as panela, saco nas costas, o pote... ai
fizemos uma caminhada. Era bonito nas varedas... um atrás do outro. Quando
chegou lá nós encontremos uma área que tinha uns cajueiro grande, fizemos
um limpo logo, chegamos lá encostemos as coisas, instalemos as coisa assim
no chão. Nós saímos aqui do Surubim umas três e meia da tarde pra quatro e
cheguemos lá quase de noite. De noite logo nós num dormimos não, nenhum
tico, ficamos numa reunião até tarde da noite. Ai de manhazinha já foi uma
equipe pro INCRA e ficou os outros fazendo as barracas, nós ficamos
fazendo as nossa e dos que foram.
Aquela “gente de coragem” passou meses acampada. Um período de muitas
privações. A luta pela terra era também uma luta pela sobrevivência no meio daquela
imensidão da mata que os abrigava silenciosa. Os primeiros meses de acampamento
foram desafiadores, pondo à prova a resistência dos trabalhadores que não desanimaram
e encontraram nas dificuldades a força para seguir lutando. Tinham água do cacimbão,
mais a comida era escassa. Alguns trabalhadores saiam pelas comunidades vizinhas em
busca de doações, contavam com a solidariedade muito peculiar aos camponeses.
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Entretanto, como expressa a narrativa abaixo, os trabalhadores não esperaram somente
pelas doações, sem cruzar os braços logo encontraram um caminho que lhes mostrou o
horizonte de possibilidades nas veredas daquela mata fechada, que agora se abria para
abrigá-los.
Antônio Conselheiro: Enquanto tinha uma equipe que estava trabalhando
junto aos órgãos, os acampados que ficavam tava trabalhando pra tirar o
sustento, até também pra colaborar com os que tava na luta nos órgãos,
porque tem que ter esse elo né. [...] Tinha as dificuldades do acesso, tinha
dificuldade porque aqui era uma área que num existia nada de produção, num
tinha cercado, num tinha nada só mata. Ai o pessoal que tava lá escapava do
peixe e da caça igual a índio. [...] A nossa felicidade que resistiu o pessoal
aqui sabe o que foi? Foi descoberto uma água doce.
Os dias de acampamentos marcaram um período de desafios para os
trabalhadores, assim como de aprendizado e fortalecimento da luta. Segundo narram os
trabalhadores, as vivências do acampamento fortaleceram os vínculos de união e
amizade entre eles.
Antonio Conselheiro: No começo dessa luta havia união, que eu estranho
muito até hoje a gente não conseguiu a união que tinha quando tava tudo
junto nas barracas. O que acontecia que se no final da tarde a gente fazia uma
reunião e perguntava se tinha alguém que tivesse alguma coisa pra jantar,
aquele que tinha um pouquinho dividia com outro, isso era muito bonito. Ai
eles falavam que era uma terra abençoada que tinha leite e mel né. E ai a
gente nesse tempo era tão feliz... á noite a gente se reunia, cantava, brincava
parecia criança. A gente tinha uma coisa assim... sem nenhuma maldade só
com aquela vontade de vencer né, de ganhar a terra e com isso as coisa foram
acontecendo e até que chegou o dia de chegar a desapropriação.
Entretanto, os desafios fora vencido pela união dos trabalhadores que não se
intimidaram e seguiram firmes no propósito de sua luta pela conquista daquele
território, que alguns chamavam de “terra de leite e mel”. Antônio relembra da agonia e
a alegria daquele MOMENTO marcante em sua vida.
Antônio Conselheiro: Foi um momento muito feliz que a gente passou.
Nesse dia por pouco a gente num perdeu a posse da terra, porque o homem
chegou atrasado e ela só pode ser até seis hora. O homem chegou cinco
horas, chegou apressado porque depois de seis hora num podia dar a posse
não. Ai a gente tudo ansioso esperando - nós vamos perder, vamos perder - ai
quando o homem chegou foi uma alegria.
Os trabalhadores não estavam sozinhos, encontraram forte aliado no
movimento sindical dos trabalhadores rurais e da CPT. A parceria desses organismos foi
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fundamental na organização e mobilização dos trabalhadores, especificamente nas
articulações com o INCRA. A constante presença dos representes do sindicato e da CPT
no acampamento, que por vezes passavam dias acampados junto com os trabalhadores,
representava a confiança necessária para o fortalecimento da luta pelo acesso aquele
pedaço de chão. Constatamos a participação desses agentes nas narrativas que se
seguem, marcadas pela expressão dos significados que a luta dos trabalhadores lhes
proporcionou.
Chico Mendes: Naquele período a fome era um problema muito gritante,
você fazia tudo à base do que você tinha. Mais foi um aprendizado muito
bom para que se concretize hoje o número de famílias assentadas em
Beberibe. Então foi um aprendizado muito forte que me fez conhecer os
sentidos das lutas dos trabalhadores e o sentido da participação da gestão
sindical na luta dos trabalhadores, que era de adquirir terra pra poder produzir
e tirar pelo menos seu sustento. [...] Quando eu me lembro daquela luta ali...
eu choro... porque ali era uma pobreza muito grande, num tinha água lá, a
gente ficava debaixo das cabanas feita de cipó que a gente fazia. Os colegas
saiam de noite caçando a gente comia, pegava o peixe lá num buraco do
açude já secando. Era um sacrifício, mais sabe uma união tão grande que
ainda hoje quando a gente fala numa reunião a gente chora... a gente se
emociona porque não é questão de você pegar o bocado feito, é questão de
você lutar pra conquistar aquele objetivo.
Dorothy: Quando chegamos ao acampamento, comemos peixe torrado com
farinha, uns “carazinhos” que ainda nem tinham crescido. Chovia muito
naquela noite, tinha uma goteira bem no meio da minha rede. Levantei,
desarmei a rede e fiquei num cantinho esperando a chuva passar. Aquela luta,
foi uma luta linda, me emociono ainda hoje quando lembro.
Cabe ressaltar a importante participação da CPT, posteriormente no processo
de organização social do assentamento, principalmente no que tange as questões
jurídicas referentes à Associação. Essa participação foi fundamental na reorganização
da Associação, com a reformulação do Estatuto Social da entidade.
A trajetória de luta pela terra dos trabalhadores do Assentamento Umari Casa
Forte, percorre um decurso temporal de pouco mais de duas décadas e hoje impõe aos
trabalhadores entender os significados dessa luta. Quando perguntados acerca desses
significados, encontramos a forte expressão do que representa para os trabalhadores a
conquista da terra. Os dias que se seguiram a pesquisa, avançamos em busca de
compreender os significados dessa conquista na vida dos trabalhadores. As narrativas
expressam as significativas mudanças decorrentes dessa conquista.
Margarida Alves: Eu para mim me sinto muito bem. Porque a reforma
agrária onde tem união à coisa anda viu. Até hoje graças a Deus pra mim ta
sendo ótimo. Eu num reclamo não, que eu não tinha terra pra trabalhar e
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através da reforma agrária que hoje tenho meu canto do meu terreno pra eu
plantar e morar e tudo né, criar meus bichos.
Percebemos que para os trabalhadores o acesso a terra possibilitou melhores
condições de vida. Melhorou significativamente suas condições de moradia,
alimentação e renda, algo antes limitador de suas condições básicas de sobrevivência. O
que nos impõe refletir as barreiras históricas construídas pela exploração dos
camponeses em detrimento aos interesses do latifúndio.
Prado Junior (2000:25) lembra “o papel que historicamente sempre coube à
massa trabalhadora do campo brasileiro, [...] é tão somente no essencial, o de fornecer
mão de obra à minoria privilegiada”. Uma realidade que no decorrer das últimas três
décadas, têm sofrido significativas transformações com o processo de consolidação dos
Projetos de Assentamentos, o que constatamos ao dialogar com os trabalhadores sobre
como avaliam suas condições de vida e trabalho antes e depois do assentamento.
Zé Gomes: Eu graças a Deus eu tenho sido muito abençoado. Quando eu
num era assentado a minha condições era também mais pouca. A partir que
passei ser assentado, ai as coisa melhorou. As minhas condições após a vinda
aqui pro assentamento, graças a Deus é muito mais melhor do que quando eu
estava lá. Primeiro que quando eu tava lá, eu não tinha aonde exercer a minha
função como agricultor. Porque eu tinha que produzir na terra dos outro para
os outro. Hoje não, hoje eu produzo na minha terra e produzo pra mim.
A narrativa de Zé Gomes expressa que para os trabalhadores, a relação com a
terra não é uma relação material, nos moldes capitalistas de exploração. E uma relação
de vida, de pertencimento, a compreensão de que não é a terra que pertence ao homem é
o homem que pertence a terra, pois ela é sua fonte de vida, de onde brotam os frutos e a
água, indispensáveis para a sobrevivência humana. É este significado de pertencimento
que faz do camponês, um sujeito histórico como histórica é sua luta pelo direito a terra.
Guimarães (1977:110) anota que “jamais a história da sociedade brasileira,
esteve ausente, por um instante sequer, o inconciliável antagonismo entre classe
latifundiária e a classe camponesa”. Um antagonismo que atravessa séculos de história e
confere aos camponeses o caráter de sujeito histórico dessa luta pelo acesso a terra. As
primeiras lutas foram travadas pelos então chamados de “intrusos e posseiros”,
pioneiros na conquista da pequena propriedade.
A principio, as invasões6 limitavam-se ás terras de ninguém nos intervalos
entre as sesmarias, depois orientaram-se para as sesmarias abandonadas ou
6 O termo “invasões”, utilizado por Guimarães, foi no decorrer das lutas sociais em defesa da reforma
agrária substituída pelo termo “ocupações”. (grifos nossos)
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não cultivadas; por fim, dirigiram-se para as terras devolutas e, não
raramente, para as áreas internas dos latifúndios semi-explorados. A força da
repetição desses atos de atrevimento e bravura, pelos quais muitos pagaram
com a vida, foi que o sagrado e até então inatingível monopólio colonial e
feudal da terra começou a romper-se. (GUIMARÃES, 1977:113)
Zé Gomes nos fala de como foi fundamental a união dos trabalhadores, naquele
período da organização para ocupação da então Fazenda Umari Casa Forte. Apresenta o
processo de transição de acampamento para assentamento, o que representa um
momento importante da luta dos trabalhadores pelo direito a terra.
Zé Gomes: Um inicio de um assentamento é uma coisa tão importante mais
que com o passar do tempo, você percebe que aquilo que aconteceu no
acampamento quando passa a ser exatamente assentamento, você vê que
muita coisa boa que aconteceu no acampamento, quando você chega no
assentamento mesmo, vai morar cada qual nas suas casas, cada qual trabalhar
nas suas terra, a gente nota que tem assim um pouco de diferença. Porque
quando é no acampamento, a gente vê assim uma união tão grande. Todo
mundo ali com todo entusiasmo, vontade de conquistar ai quando conquista,
acha que agora porque conquistou num tem que dar continuidade, se unir
mais, se organizar mais, lutar mais.
Iniciada no final da década de 1980, a luta dos trabalhadores ganha sua
primeira trincheira com a posse no final do ano de 1991, entretanto, a transição de
acampados para assentados não encerra a luta dos trabalhadores, que agora é de se
manterem no território conquistado. A necessidade de fortalecer as relações sociais e a
união que existia no acampamento, mostra-se como uma necessidade fundamental para
a construção da organização social e produtiva do assentamento, o que analisaremos a
seguir.
3 A organização social e produtiva do Assentamento: desafios e possibilidades.
O processo sócio-histórico do Assentamento Umari Casa Forte, nos chama
atenção para importantes elementos na luta desses trabalhadores pelo direito a terra. A
sobrevivência no território conquistado se apresenta como um desafio limitado não
somente pela timidez das políticas públicas implementadas no decorrer do processo de
consolidação do assentamento, más, sobretudo, pela organização social e produtiva dos
trabalhadores.
As narrativas apontam a descontinuidade no processo de organização do
assentamento, seja no âmbito social ou da produção, processo que poderá fragilizar ou
até mesmo inviabilizar o desenvolvimento de instrumentos capazes de promover
melhorias na organização produtiva, a despeito da produtividade e comercialização.
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Outrossim, os atores da pesquisa expressam a importância da organização social, como
principal mecanismo de reivindicação das demandas coletivas/individuais dos
trabalhadores e de fortalecimento na luta para se manterem no território conquistado.
Apresentamos a seguir narrativas que expressam o difícil cotidiano de luta
permanente por melhores condições de vida, e denunciam a negligência de quem por
dever, cabe assegurar o direito a promoção da dignidade dos que vivem no campo e
transformam a terra em fonte de vida.
3.1 A organização social
O Assentamento Umari Casa Forte se organiza por meio de uma Associação
denominada Associação dos Trabalhadores do Assentamento Umari Casa Forte. A
instituição foi fundada por iniciativa dos trabalhadores. É uma entidade de direito
privado, sem fins lucrativos e personalidade jurídica, que representa importante
instrumento de organização, articulação e mobilização dos trabalhadores no apoio as
suas pautas de reivindicação. A entidade é administrada por uma diretoria executiva,
conselho fiscal e a assembleia geral dos associados que a cada três anos elegem seus
representantes por meio de eleições diretas. Zé Gomes destaca a importância que a
associação tem para o assentamento como entidade representativa.
Zé Gomes: Ela tem uma participação de duas formas: então ela exerce a
função coletiva e como também exerce a função individual. É muito difícil,
mais que é uma coisa importante que o coletivo, a coletividade é onde tá o
grande sucesso de uma entidade como uma associação e principalmente uma
área de assentamento.
Percebemos a preocupação de Zé Gomes com a organização social do
assentamento ao narrar às fragilidades de uma comunidade, órfão do processo contínuo
de formação sociopolítica, essencial aos projetos que visam modificar as relações
sociais e de produção no campo, capazes de possibilitar a transformação social.
Seguindo as reflexões de Stedile (2012:76) “a frente da batalha da educação é tão
importante quanto à da ocupação de um latifúndio ou de massas. A nossa luta é para
derrubar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e do capital”. A narrativa do ator
de nossa pesquisa e a observação de Stedile acentua a importância da educação como
um mecanismo possível para democratizar o conhecimento, e disso depende o
desenvolvimento do assentamento. É, portanto, um elemento indispensável no processo
de formação sociopolítico, que permitirá ocupar os espaços e construir uma realidade
onde possam perceber e desnaturalizar os processos nos quais estão inseridos. Sobre
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essa questão salientamos a importante narrativa da representação do movimento sindical
camponês.
Zé Lourenço: A formação é um passo fundamental para a transformação
social. Sem dar as pessoas uma formação para que elas compreendam, para
que elas se enxerguem como sujeitos de um processo ao qual eles foram
submetidos, eles dificilmente terão como se compreender num processo de
um espaço geográfico coletivo prá buscar os meios econômicos e fazerem a
transformação de suas vidas. Então o sem terra, porque ele é sem terra?
Porque tem pouca gente com tanta terra e tanta gente sem terra. Se você não
der essa formação pra essas pessoas terem essa compreensão é possível que
quando elas chegarem aos assentamentos, elas passam a reproduzir o modelo
ao qual elas foram historicamente submetidas.
As narrativas revelam que dentre suas principais funções, a entidade é
responsável pela organização social dos trabalhadores, entretanto, nem todos os
assentados são associados à entidade. Os narradores afirmam que há pouca participação
dos associados nas reuniões, o que em sua opinião, de certa forma, fragiliza o alcance de
seus objetivos quanto à organização social do Assentamento.
Dom Tomás: O assentamento tá mais ou menos, está dentro dos controle. Tá
mais ou menos, num tá ruim não. [...] nessa parte de frequência, de presença
é pouco, toda vida é pouco. Aqui o povo só é a frequência total quando é pra
fazer projeto e como num tá tendo ai é só aqueles mais pontual.
Para os trabalhadores o sentimento de coletividade que os acompanhou durante
o processo inicial da construção do Assentamento, desde os primeiros encontros na
mini-indústria ao cotidiano do acampamento, foi aos pouco se perdendo no desarmar
das barracas que ao serem substituídas pelas casas de alvenaria, levaram consigo parte
daquele pensar coletivo que os unia por um interesse comum.
Antônio Conselheiro: Eu na minha experiência aqui, eu acho que inda falta
muita coisa na parte da organização. Porque inda num chegamos a um
consenso que pelo menos na parte produtiva, a associação não teve êxito na
parte comunitária ta entendendo? Ficou muito a desejar o trabalho
comunitário, ela foi mais o trabalho individual que cresceu. A nossa
organização na parte coletiva não foi muito boa não. [...] Eu culpo a gente
mesmo, a gente num teve uma capacidade de organização pra fazer com que
isso funcionasse. [...] Porque a sociedade pra trabalhar junto tem que ser uma
parceria boa de igualdade, tem umas pessoas que são mais interessadas e têm
umas que não são interessadas, ai faz com que os que são interessados
também desistam.
As primeiras experiências de trabalho coletivo no assentamento foram exitosas,
entre as quais os trabalhadores destacam o processo de produção de grãos (feijão e
milho) e da farinha de mandioca. Os trabalhadores realizavam mutirões para “brocar o
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roçado” 7, a atividade era individualizada nas etapas seguintes, o plantio e a colheita. Os
mutirões no processo de produção da farinha, também muito utilizados naquele período
representavam um momento de colaboração mútua entre os trabalhadores. Nesse
sentido a “farinhada”8 era mais que um processo produtivo, era um encontro dos
trabalhadores que duravam dias, animados pela graça dos que se aventuravam a contar
histórias duvidosas e piadas extrovertidas. Diolinda nos apresenta os primeiros sinais de
individualização na organização produtiva do assentamento.
Diolinda: Logo quando nós chegamos aqui fizeram a casa de farinha e nós
fizemos um coletivo de mandioca... os dez moradores se reuniu aqui, até
terminar as dez. [...] Não pagava ninguém, só as comida. Ai do meio por fim
desmantelou ninguém queria mais, porque um diz que um botava mais, outro
botava menos, ai num quiseram mais... era bom demais.
Percebemos que os sinais apontados por Diolinda se fortaleceram e que, como
nos apresenta a narrativa a seguinte. O decorrer dos anos, não favoreceu o
fortalecimento da organização social dos trabalhadores, que teria resultado do processo
de amadurecimento e afirmação na conquista do território. Aos poucos os interesses
individuais foram substituindo a pauta coletiva e o cotidiano do Assentamento toma
rumos solitários, perdendo a magia da mística da terra. A mística é um momento de
celebração, uma forma de manifestação dos sentimentos. Stedile (2012:132) lembra que
“a mística só tem sentido se faz parte da tua vida”. Para os camponeses a mística
representa o “alimento ideológico”, a unidade e vivencia das ideias, que somente é
possível na prática coletiva.
Margarida Alves: O coletivo aqui hoje tem só o nome. O coletivo aqui ta
parado, trabalhando mais no individual. Aqui mesmo no meu terreno aqui
teve dois coletivo. Fizemos a plantação prá mandioca... mais é porque o
pessoal não entendi o que é o coletivo. O coletivo é a pessoa trabalhar todo
mundo junto.
As narrativas revelam uma nova concepção de vida dos trabalhadores, a vida
organizada na unidade familiar. Poderíamos nos arriscar a afirmar que esta concepção
de vida, sofre forte influência ideológica do processo de alienação capitalista que invade
7“Brocar o roçado” é um termo utilizado pelos trabalhadores que significa preparar o terreno para o plantio de grãos.
Em outros termos, é o processo de desmatamento da área a ser cultivada. (grifos nossos) Cabe lembrar que os
Assentamentos preservam uma área de reserva florestal, onde não é permitido o desmatamento.
8O termo “Farinhada” é também uma expressão peculiar da linguagem camponesa que significa o encontro dos
trabalhadores na unidade de produção (a casa de farinha), onde é realizado o processo de produção da farinha, tendo
como matéria-prima a mandioca, de onde também é produzida a goma, embora considerada um produto secundário,
seu valor de mercado supera a farinha. Sua casca da mandioca também é utilizada para alimentação animal. (grifos
nossos)
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todos os espaços sob o falso discurso da autonomia dos sujeitos. Para Baumam
(2008:141) “Não existem indivíduos autônomos sem uma sociedade autônoma, e a
autonomia da sociedade requer uma autoconstituição deliberada e decidida, que só pode
ser uma realização compartilhada de seus membros”. Ou seja, a autonomia do individuo
depende de sua condição de cidadania.
Compreendemos a individualização como a fragmentação “do que costumava
ser visto como uma tarefa da razão humana, como dote e propriedade coletiva da
espécie humana” (BAUMAM, 2008:136). A individualização tem custado caro aos
trabalhadores por não buscarem se organizar para o enfrentamento da questão da
organização social, onde lhes possibilitem tecer os fios de cooperação, necessários para
transformar as relações sociais e os processos de produção onde não se limitem a
reproduzir os processos produtivos do capitalismo.
3.2 A organização produtiva
A organização produtiva dos trabalhadores expressa o que ocorre na
organização social destes. Compreendemos que os processos organizativos são
intrínsecos e de modo geral apresentam as mesmas fragilidades. A produção familiar
caracteriza a forma de produção, por vezes assemelhada aos moldes latifundiários com a
contratação temporária de mão de obra alheia. As narrativas, entretanto lembram a
importância de reconhecer a produção individual como essencial para o sustento das
famílias, as quais, não se dobraram aos difíceis tempos de escassez das chuvas nos
últimos anos.
Margarida Alves: Todos os anos eu planto meu feijão, meu milho e a minha
mandioca, o jerimum, o gergelim tudo eu planto no meu roçado. [...] A
farinha sobra que eu vendo, mais como a farinha num tá tendo valor, eu tinha
roça pra botar uns cinco arranca, eu não botei, deixei pro gado porque achei
que tinha mais futuro eu tratar do meu gado que botar a grande despesa que a
gente tem em farinhada. A gente gasta muito e vende bem baratinha, é tudo
muito caro. [...] Esse ano teve a planta, teve a roça também, o legume foi
pouco e o milho perdemos, colhemos pela metade, o feijão também deu
pouco, mais tudo deu.
As narrativas nos impõe interpretar que as dificuldades da organização
produtiva dos trabalhadores, expressam a descontinuidade do programa de assistência
técnica no processo de elaboração dos projetos produtivos. Os projetos de custeio e
investimento incentivam a produção no âmbito individual, representando atualmente
uma das poucas ações efetivas de políticas públicas no Assentamento. Para alguns
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trabalhadores, os projetos tendem a não alcançar seus objetivos se não forem elaborados
em tempo hábil. Outrossim, para outros trabalhadores a questão da organização social
tem determinado a eficácia dos projetos.
Dom Tomás: Precisa ser melhorado pra a gente tirar esse dinheiro. A gente
faz um empréstimo desse passa quase um ano pra gente receber, demora. Era
pra receber no começo do inverno, recebeu quase no fim do inverno. Melhor
que viesse antes que a gente já tinha as coisa feita, quando o inverno
chegasse a gente já tava com as terra toda ajeitada.
Dom Tomás suscita um debate a cerca da questão na organização social,
apontando para os desafios e as possibilidades que os trabalhadores enfrentam na
dinâmica contraditória no alcance dos projetos de incentivo a produção. Dinâmico no
alcance dos objetivos propostos de fomento a produção, e contraditório pelas limitações
da elaboração técnica, que por sua descontinuidade se apresenta como um desafio
constante no Assentamento.
Martins (2000:46) analisa o aspecto qualitativo da assistência técnica e ressalta
o desencontro na difícil relação entre técnicos e trabalhadores observando que “os
nossos extensionistas rurais sempre foram formados na concepção americana de que o
extensionismo tem como finalidade promover a difusão de inovações”. Em muitos
casos inovações tecnológicas que conflitam com as concepções dos trabalhadores. O
autor chama atenção para a “guerra cultural contra a mentalidade, os costumes as
tradições dos pequenos agricultores pobres, de modo a convertê-los em apêndice da
indústria de insumos e equipamentos agrícolas” (2000:46). Ou seja, a pretensa
integração ao mercado, ainda que não signifique melhores condições na qualidade de
vida dos trabalhadores.
Martins considera ainda a carência e necessidade de uma formação,
antropológica e sociológica para os técnicos governamentais que atuam na execução da
reforma agrária. Formação que visem lhes proporcionar o conhecimento necessário para
lidar com a realidade especifica do meio rural, sobretudo, um saber crítico para superar
a formação convencional das escolas de agronomia.
Essa constatação nos impõe refletir sobre a importância da formação de atores
locais para o desenvolvimento das atividades relacionadas aos processos organizativos e
produtivos, seja na elaboração ou no acompanhamento dos projetos nos territórios
rurais. São aspectos que passam a compor as percepções sobre os desafios e as
possibilidades, identificadas no processo de investigação do nosso estudo.
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3.3 Desafios e possibilidades
Para os trabalhadores a organização social, assistência técnica e as questões
referentes à produção, comercialização e a escassez de água representam os maiores
desafios que o Assentamento tem enfrentado no decorrer dos anos. A limitada
participação dos trabalhadores nas reuniões da Associação, não tem favorecido o debate
sobre os problemas do cotidiano do Assentamento. Ao narrarem que a participação
efetiva ocorre somente quando os encontros da entidade são para tratarem da liberação
de projetos, os trabalhadores chamam atenção para a necessidade do debate nos
interesses coletivos do Assentamento.
As narrativas dos atores do nosso estudo alertam que um dos principais fatores
determinantes no processo de organização social no Assentamento é a perda do sentido
de coletividade entre os trabalhadores, para eles a “falta de união”. Entendemos que
essa “falta de união” significa a perda do poder de mobilização e articulação.
Zé Gomes: Eu estou vendo que precisava se organizar mais. Tem muita
coisa ai que a gente percebe que precisa a comunidade e direção sentar e
conversar. [...] precisa ser mais participativa, precisa ser mais influente,
precisa ser uma comunidade que requeira informação e o seu direito dentro
da Associação. Esclarecimento de alguma coisa que você ache que num
esteja correto. Eu acredito que está faltado exatamente aquela parte da união.
[...] Essa parte social eu num vou dizer muita coisa porque sempre ta
faltando, sempre faltou organização na parte administrativa. É aquela
questão: um pouco de esclarecimento no povo que quando uma pessoa
administra ela quer ser o dono, ai no lugar de a gente se juntar a gente se
separa, porque vê que a organização esta mais individual do que coletiva. [...]
aquela união que tinha no inicio da criação desse assentamento ele não veio
junto, porque se ela tivesse junto e se ela tivesse continuado junto ainda tava
mais melhor. Quando se conquistou, ai eu vou ter a minha casa você vai ter a
sua, ai já vem um pouco do individualismo [...] Um grande equívoco, se a
gente era forte antes de ser assentado, agora a partir que você passou agora
com todos os direito, agora você é uma pessoa assentada você conquistou a
terra, agora que você tem que mostrar união.
Percebemos que há uma ausência da permanente articulação com os
movimentos sociais e sindicais no processo de formação sociopolítica, assim como com
outras esferas governamentais que venham contribuir no processo de organização social
do Assentamento.
Antônio Conselheiro: Eu num conto mais o trabalho do sindicato aqui
dentro, porque eles prometeram de nos ajudar nessa parte. Ai nem o
sindicato, nem EMATERCE se manifestou com relação à organização do
assentamento. Porque a EMATERCE na parte agrícola, o sindicato na parte
de organização e foi só umas duas visita só no começo. [...] hoje nos estamos
assim sem nenhuma assessoria assim dos órgãos de organização. [...] é
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porque dizem eles que o nosso assentamento é um assentamento muito antigo
e já passou a fase dessas orientação. Já ultrapassou o tempo deles organizar,
eles trabalham mais nesses assentamento novo.
Entendemos a necessidade da autonomia do assentamento, outrossim, a perda
da permanente articulação dos assentamentos com os movimentos sociais, o movimento
sindical ou ao Estado, poderá levar ao aprofundamento do individualismo. Entretanto, o
compromisso dos movimentos sociais com os trabalhadores não se encerra com a
conquista da terra. Acreditamos que a permanência no território conquistado envolve
uma série de outras necessidades e, por isso, a imprescindível luta permanente dos
movimentos que atuam em defesa da reforma agrária.
No que tange ao papel do Estado convém lembrar, que a este cabe à
obrigatoriedade de oferecer aos Projetos de Assentamentos a estrutura necessária para
seu desenvolvimento socioeconômico, o que nos impõe questionar, a condução dos
processos de implementação e consolidação dos projetos de assentamentos. Visto que a
reforma agrária, nas palavras de Martins, “não é principalmente nem simplesmente
distribuição de títulos de propriedade a agricultores pobres, nem tão somente crédito
agrícola e apoio técnico” (Martins, 2000: 65), cabe ao Estado estabelecer os meios
institucionais que complementam a política de reforma agrária. Consideramos a
superação da imobilidade estatal no implemento das políticas de reforma agrária,
entretanto, essa imobilidade foi substituída pela morosidade das ações.
Outro desafio identificado no processo investigativo, e confirmado nas
narrativas dos trabalhadores é a descontinuidade do programa de assistência técnica,
considerado por muitos trabalhadores como o grande “gargalho” no processo produtivo
do Assentamento. Os relatos denunciam a fragilidade da Política de Assistência
Técnica, por vezes interrompida em meio à elaboração ou execução dos projetos. Cabe
lembrar que a assistência técnica não deveria limitar-se a elaboração de projetos e
relatórios de prestação de contas, o que nos pareceu ocorrer no Assentamento Umari
Casa Forte, percepções que obtivemos dos relatos e observações no campo.
A assistência técnica prestada ao Assentamento ocorre por meio de chamada
pública e livre concorrência de cooperativas afins, sob jurisdição do Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Os trabalhadores denunciam a lentidão do
processo de liberação da assistência técnica que influencia na prestação sistemática do
serviço.
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Zé Gomes: é uma falta muito grande um assentamento não ter uma
assistência técnica. E você sabe que uma assistência técnica ela é criada pra
assessorar e acompanhar o assentamento. Não que eles vão chegar aqui
também e vai fazer tudo, eles vão vim pra ajudar, ajudar a melhorar o que
num está bom. Busca a informação onde a gente não é capaz, num sabe às
vezes até ir e eles são as pessoas que são disponibilizada exatamente pra
fazer essa função e isso tem prejudicado muito os assentamento. Porque no
momento que o assentamento tá evoluindo um pouco ai corta, se tiver um
projeto em andamento para.
A organização produtiva do Assentamento também representa um desafio na
vida dos trabalhadores. Aqui percebemos que a questão da assistência técnica, tratada
anteriormente influencia diretamente, entretanto, os longos anos de estiagem, também
tem afetado a produtividade.
Dom Tomás: No momento nós estamos na crise muito difícil, por causa das
dificuldades da chuva, o inverno fraco, isso ai tá afetando muito nós
agricultor. Nós agricultor, vive da agricultura, e hoje nós estamos sofrendo
com a perda. Uma perda quase total do que nós planta, agente num tá
colhendo talvez nem 20%, muito pouco, só mesmo a prova como diz o dizer.
Não fica nada só enquanto tá verde ali, a chuva foram pouca, a gente perde.
Ao analisarmos esses dois primeiros desafios narrados pelos atores, assistência
técnica e organização produtiva, percebemos a relação intrínseca que os reveste, a
despeito, das limitadas condições em que os trabalhadores receberam a terra e a
efetivação da política de reforma agrária no decorrer do processo de consolidação do
assentamento. O que nos remete as considerações de Martins (2000) e Stedile (2012) a
respeito da execução da política de reforma agrária, que não pode se limitar a mera
distribuição de títulos de propriedade e liberação de crédito agrícola, tampouco como
uma política assistencial.
Percebemos essa preocupação constante dos trabalhadores quando narram os
desafios que enfrentam pela descontinuidade do programa de assistência técnica, e o
quanto afeta o processo produtivo, visto que os trabalhadores não possuem o
conhecimento necessário para desenvolver determinadas técnicas de manejo do solo e
outros mecanismos de organização produtivo, como o incentivo a criação de
cooperativas ou feiras solidárias. Consideramos que essas ações também poderiam ser
incentivadas pelos movimentos sociais.
De um modo geral os trabalhadores afirmam que produzem somente para o
próprio consumo. A desvalorização dos produtos e a baixa produtividade não atraem o
interesse na comercialização, com exceção da castanha e o caju, que são vendidos
separadamente.
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Zé Soldado: Não sobra, é tanto que se a gente entende de fazer e pagar a
despesa com o dinheiro que vender a safra num dá. Aqui nesse período a
safra que a gente tem da mandioca, nesse período a farinha é barata. [...]
Quando vai conseguir vender num tira o prejuízo, se a gente puder guardar
pra depois vender vale a pena. [...] Porque a única safra que tem no
assentamento que a gente vende pra sobreviver é a castanha e caiu muito. A
mandioca, feijão e milho é só naquele período do inverno e nunca mais
houve.
Percebemos ainda, nas narrativas que se seguem, outro desafio que os
trabalhadores enfrentam com a comercialização da produção. Consideramos que a
comercialização resultaria do processo de organização produtiva, entretanto, a ausência
dessa organização tornou a comercialização, um determinante, o qual tem transformado
o assentamento em reprodutor de um sistema “caduco” das relações de mercado e,
sobretudo, as relações capitalistas mercadológicas. Algo muito caro aos trabalhadores
que buscam na democratização da terra e dos meios de produção, relações
fundamentadas na igualdade e justiça social.
Zé Gomes: A dificuldade nessa parte na comercialização, uma das coisa que
a gente vem a muitos anos discutindo e batendo nessa tecla, é exatamente que
aquilo que a gente produz, a gente não dá valor. Quem dá valor é quem vem
lá de fora e diz por quanto é que compra, quanto é que paga. Num é eu que
sou o dono e digo: é tanto. É o atravessador que chega e diz: eu compro por
esse tanto aqui e ai como a gente num tem outra saída, num tem pra onde
levar se obriga a aceitar o que ele quer. O preço que ele quer o preço que ele
diz. E também outra coisa também nessa parte, o Assentamento ele precisa de
uma estrutura na parte do seu deslocamento. Você ver que o acesso aqui
dentro ele é muito complicado e isso faz parte é uma promessa que desde
quando o INCRA assumiu isso aqui, ele disse que não pode sair daqui antes
que o Assentamento ele seja todo estruturado. Na parte seja na energia, seja
na escola, seja no posto de saúde, seja na estrada empiçarrada ou de
calçamento. Isso é uma das propostas do INCRA, infelizmente não se
concretizou.
Os desafios aqui narrados pelos trabalhadores suscitam um debate que nos
remete a organização social do assentamento. Percebemos que o longo processo de
consolidação do Assentamento não acompanhou a dinâmica das relações sociais no seio
da comunidade, e se perdeu no individualismo da unidade familiar. Entretanto, ao serem
provocados a identificar esses desafios, os trabalhadores despertam para as
possibilidades de superação e a retomada do processo de organização social.
Apresentam possíveis estratégias de retomada desse processo que foi determinante na
luta pela conquista da terra.
Zé Gomes: Não supera dificuldade sem união e sem ação. O Assentamento
ele é localizado no município de Beberibe, isso significa dizer que o
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Assentamento ele não é dependente só do INCRA, o Assentamento ele
depende da gestão, até porque o Assentamento ele tá dentro do município
onde a gestão tá exercendo seu mandato. Então tudo tem que ter parceria e
uma dessas parcerias era exatamente o assunto da estrada que poderia ter uma
parceria entre prefeitura e INCRA. Mas pra isso acontecer à comunidade tem
que se movimentar. [...] O que nós precisa é de oportunidade, nós precisa é
que os nossos gestores, os nossos governantes que ele possa olhar pra nós
desse assentamento com um olhar bom e que possa nos ajudar naquilo que
nós somos carentes de ser ajudado. Nós num queremos não só ser ajudado,
nós queremos ser reconhecido como cidadãos de bem, trabalhador que luta
todo dia pra tirar o sustento da nossa família.
Na simplicidade de suas falas, os trabalhadores nos lembram da sua capacidade
de superação. Sua luta permanente por melhores condições de vida, não lhes permite
desistir do cultivo da terra. Ainda que de forma tímida, como nos pareceu nos diálogos,
os trabalhadores se percebem como sujeitos transformadores de sua história, porém o
reconhecimento dessa capacidade de transformação adormece no processo da vida
individualizada. Um processo, como lembra Baumam (2008:137) onde “muitos de nós
fomos individualizados sem que antes nos tornássemos indivíduos, e muitos são
assombrados pela suspeita de que não são indivíduos o bastante para enfrentar as
consequências da individualização”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Convém não esquecer de que perguntar
ainda é o primeiro passo da crítica e da
luta social – é o passo teórico da prática.
José de Souza Martins
Como já dissera Sócrates, “eu só sei que nada sei” seguindo assim a perguntar
incansavelmente em busca de respostas as suas inquietações. É provável que tenha
afugentado o sossego de muitos que não entendiam suas inquietações, sobretudo,
daqueles os quais, preferiam que determinadas inquietações não fossem questionadas.
Essa certeza era necessária, ao adentrar o campo de pesquisa que não me era
estranho, a fim de permitir o estranhamento ao que me era familiar. Um estranhamento
que me permiti-se inquietar-se e seguir perguntando...
Quando se fala em reforma agrária, é muito recorrente pensar somente em
projetos de assentamentos. Como se reforma agrária se limitasse a política de
assentamentos, que compreende uma das ações de um programa de reforma agrária.
Entretanto quando eu penso, falo – e agora escrevendo – sobre reforma agrária, me
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 208
pergunto se esse termo “reforma” é capaz de abarcar a amplitude do que considero ser o
cerne da questão social campesina, a questão agrária.
Feito essa consideração me pergunto o que é reformar? Naturalmente me
respondo: reformar é consertar algo que está danificado, velho, em desuso. Pensando
assim, considero que o termo em questão poderia estar adequado ao que hoje se propaga
como reforma agrária. Porém, visto que não poderia naturalizar minha resposta eu me
diria: “reformar” é reconstruir, transformar. A ambiguidade do termo passa assim a me
causar inquietações, assim como me inquieta saber, qual interpretação se apoderam os
que formulam a política de implementação dos projetos de assentamentos rurais,
executado por meio do Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA. Nesse sentido, me
atrevo a questionar o alcance desse termo, considerando a lacuna existente, entre o que
se propõe a ser o PNRA e sua efetivação. Aos que me perguntarem: será que um termo
em si, imputa no alcance de um objetivo, eu respondo: Depende. O que você entende
por reformar? E seguirei perguntando...
A reconstrução do processo sócio-histórico na trajetória de luta pelo acesso a
terra dos trabalhadores do Assentamento Umari Casa Forte, foi o ponto de partida dessa
caminhada reveladora de questões inquietantes, nos processos de construção e
consolidação do assentamento. A reconstrução desse processo se fez necessária para o
alcance dos objetivos da pesquisa.
Como forma de atenuar parte dos problemas dos camponeses, os governos de
diferentes épocas e ideologias, ou a falta desta última, se propuseram a resolver a
questão agrária distribuindo terras para trabalhadores sem-terra ou os que possuem
terras insuficientes para produzir, deram o nome de “Reforma Agrária”, incluíram na
Constituição. Uma de suas principais ações que apresento nesse estudo, é a distribuição
de terras para fins sociais que resulta na criação dos projetos de assentamentos rurais.
Nesse aspecto, o estudo se propôs identificar os fatores determinantes no processo de
organização social dos projetos assentamentos rurais na perspectiva da política de
reforma agrária. Ouvindo os agentes públicos, executores da política de reforma
agrária, os movimentos sociais e os trabalhadores assentados, constatei que os
determinantes desse processo precedem da demanda e organização social dos
trabalhadores, ou seja, a existência de um grupo de trabalhadores sem acesso a terra, e a
organização social desses trabalhadores para reivindicarem o direito a terra. Contudo,
esses determinantes não são suficientes para a implementação de um projeto de
assentamento, que somente se concretizará após avaliação técnica do órgão responsável
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pela desapropriação, Estado ou União com base no estudo socioeconômico e ambiental,
revelando se a área é produtiva ou improdutiva9. No caso do Assentamento Umari Casa
Forte, o órgão executor é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA.
No Assentamento Umari Casa forte, meu campo de investigação, constato
esses determinantes nas narrativas dos trabalhadores, no que tange a organização social
e demanda. Sendo considerada a área improdutiva, os trabalhadores tomaram posse da
terra e seguiram para o segundo desafio: manter-se no território conquistado, sem
semente para plantar, sem estrada, escola, posto de saúde, sem comida. Essa realidade
reflete as condições em que os trabalhadores recebem a terra. Penso que a política de
assentamento deveria seguir o caminho inverso: a construção de infraestrutura na área,
oferecendo condições necessárias para os trabalhadores desenvolverem o processo de
produção, do cultivo a colheita. Revivo aqui a inquietação de compreender, qual a
concepção e significado do termo “reformar”.
Essas constatações do campo de pesquisa foram aos poucos reafirmadas nas
narrativas dos trabalhadores, quando das investigações sobre as ações estatais
propostas e efetivadas que visam o desenvolvimento sustentável do assentamento,
no que tange sua organização produtiva. As narrativas revelam que tais ações
reduzem-se ao programa de acesso ao crédito e a deficiente prestação do programa de
assistência técnica, limitada à elaboração de projetos na concessão de credito agrícola.
Os trabalhadores vivem o dilema de produzirem essencialmente para o autoconsumo,
sem alternativas de mecanismos que estimulem o aumento da produtividade, melhorias
na qualidade da produção e tampouco, a diversificação dos produtos, visto que a
monocultura é predominante no assentamento.
A produção de castanha e caju, únicos produtos comercializados no
assentamento, seguem padrões de comercialização, essencialmente capitalistas,
baseadas na desvalorização da produção, tendo como principal receptor uma figura
arcaica da agricultura: o atravessador. Impõe questionar o engessamento das ações
estatais adormecidas na “letra morta” de planos e programas que se limitam a propor, e
não se efetivam como ações capazes de fomentar o desenvolvimento sustentável do
assentamento acerca de sua organização produtiva.
9 Nesse caso a terra é considerada “produtiva” quando seu proprietário desenvolve atividades produtivas, e
“improdutiva” quando este não a utiliza para fins de produção. Portanto, o termo “improdutivo” é utilizado aqui, para
indicar que a terra não esta sendo explorada por seu proprietário, o que a torna passível aos fins de reforma agrária.
(grifos nossos)
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Percebo que os trabalhadores vivem silenciosamente um novo processo de
exploração, do qual eram vítimas antes de conquistarem a terra, entretanto, se antes
eram explorados pela desvalorização de sua mão de obra, hoje, acrescenta-se a
expropriação de sua produção, caracterizando um processo de reprodução das relações
capitalistas de produção.
As análises das narrativas revelaram os desafios e possibilidades enfrentadas
pelos trabalhadores no processo de consolidação do assentamento, resultantes das
fragilidades identificadas na organização social e na ineficiência das políticas públicas
executadas, em especial a prestação dos serviços de assistência técnica. As fragilidades
da organização social pós-acampamento, se refletem na forma como foram conduzidos
os trabalhos coletivos nos primeiros anos de consolidação do assentamento, resultando
na dispersão e na individualização do processo produtivo.
Ao final desse estudo caminho para compreensão do que foi interpretar os
significados atribuídos pelos agricultores acerca da condição de trabalhador
assentado. A riqueza do estudo apoiado em narrativas foi fundamental para essa
compreensão. A revelação desses significados propiciou interpretar o sentimento que os
trabalhadores atribuem a conquista da terra e a valorização desta como meio de
sobrevivência.
Esse momento foi essencialmente importante, não somente para efeito de
conclusão da pesquisa de campo, mas, sobretudo pelo despertar que esta indagação
proporcionou aos trabalhadores, que ao narrarem esses significados, retomaram
emocionados as lembranças de vida antes do assentamento, os momentos da luta, os
dias de acampamento e a alegria da realização de um sonho persistente: a conquista da
terra.
Os narradores atribuem a sua condição de trabalhador assentado, a melhoria
nas condições de vida e trabalho. “Depois que a gente passou a ser assentado foi uma
vida nova, porque a gente se dedicou muito ao trabalho e nós melhoremos de vida”. A
conquista da terra lhes dera a segurança de poder realizar o sonho de cultivar, e colher
do fruto de seu trabalho livre, a provisão de seu sustento. “Eu não tinha terra pra
trabalhar e através da reforma agrária é que hoje tenho meu canto, meu terreno pra eu
plantar, morar e criar meus bichos”. Os trabalhadores enfatizam as mudanças de vida
que lhes oportunizaram produzir longe da exploração patronal. “Porque eu tinha que
produzir na terra do outro para os outro. Hoje não, hoje eu produzo na minha terra e
produzo pra mim”.
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Retomo aqui a interpretação sobre o termo “reformar” para interpretar os
significados narrados pelos trabalhadores. A transformação do modo de vida, daqueles
que antes não tinham acesso a terra e longe estavam de conhecer o cotidiano da vida em
um projeto de assentamento, reconhecem que a conquista da terra não é somente o
acesso ao meio de produção. Significou transformação de vida, imbuídos do sentido de
pertencimento da terra, não somente como meio de produção, mas, sobretudo, como
fonte de vida.
É importante acrescentar, que o resgate do processo sócio-histórico da
trajetória de luta dos trabalhadores do Assentamento Umari Casa Forte, revelou um
importante elemento de reconstrução na vida dos assentados. A necessidade do resgate
das relações sociais pautadas nos sentimentos de união, solidariedade e compromisso
em valorizar a conquista da qual foram sujeitos e permanecem sujeitos, a protagonizar
uma história de luta permanente daqueles que percebem o campo como seu espaço de
vida.
Uma história, que ao reconstruir ouvindo as narrativas dos trabalhadores,
percebo que muitas perguntas ainda estão por vir. Narrativas que me fizeram viajar no
tempo a elaborar cenas reais daquela caminhada no final da tarde, sob o olhar verde da
mata fechada, abrindo veredas para a passagem daqueles que com bravura lhe
conquistou e hoje se abriga em seus braços e no colo de seu solo. Uma história, que
como lá estivesse a caminhar, me aventurei a contar em verso e prosa...
A caminhada...
Em meio à mata fechada seguimos a caminhar
parecia gado em fileira, iríamos nós acampar
o fim de tarde escondia um pôr do sol singular
aos poucos escurecia, logo iremos chegar.
A vereda estreita espremia nossos corpos em lentidão
e sempre em frente seguia pra conquistar nosso chão,
começo da noite chegamos, no meu do cajueiral
os corpos cansados sentamos, nos acampamos afinal.
O anoitecer logo chega, à lamparina alumia
fizemos um limpo bem grande pra esperar luz do dia
ninguém conseguia dormir e alegres a noite passamos
a conversar e a sorrir e o claro do dia chegando.
Dos ramos as barracas fizemos o acampamento se
uns ficaram trabalhando, outros pro INCRA partia
aqueles que tinham o de comer, com os outros repartia
a fome ia embora, a união nosso guia.
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Certa noite uma chuva faceira que veio nos visitar
fez na rede uma goteira, era água do céu a anunciar:
já pode brocar o roçado, na terra semente plantar
tirar desse chão teu sustento e tua vida transformar.
Os tempos passaram depressa, o dia esperado chegou
o que antes parecia promessa foi sonho que se realizou,
a mata fechada que abriu seus braços pra nos acolher
hoje é nosso chão, nossa história, a terra onde vamos viver.
A vereda ficou na lembrança dessa história de luta e vitória,
da terra que aqui conquistamos e nunca me saiu da memória
aquela tarde de anos passados, na vereda de mata fechada
na penumbra do entardecer que marcou nossa caminhada.
De acampados, assentados se fez, estamos hoje a cultivar nosso chão
nossa luta valeu cada dia, foi o fruto de nossa união
os anos se passaram depressa, hoje a vida se individualizou
outras cercas se construíram, mais o sonho não acabou.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias
vividas. Tradução José Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2008
GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio. 4. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1977.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. Tradução: Marie-Agnes Chauvel;
prefácio: Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Brasiliense, 2003.
MARTINS, José de Souza. O Impossível Diálogo. São Paulo Edusp, 2000.
PRADO JUNIOR, Caio. A questão agrária no Brasil. 5.ed. São Paulo: Brasiliense,
2000.
SILVA, Iolanda Pereira da. ASSENTAMENTOS RURAIS: mãos que alimentam.
2014. 79 f. TCC (Graduação) - Curso de Serviço Social, Faculdade Metropolitana da
Grande Fortaleza - Fametro, Fortaleza, 2014.
STEDILI, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: a trajetória
do MST e a luta pela terra no Brasil. 2, ed, São Paulo: Expressão Popular, coedição
Fundação Perseu Abramo, 2012.
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DINÂMICAS RURAIS EM CONTEXTOS DE AGRICULTURA
FAMILIAR E AGRONEGÓCIO: notas etnográficas acerca dos cerrados
piauienses.
Valéria Silva1
Resumo: O trabalho enfoca a localidade rural Roça Nova, situada no município de Sebastião Leal-PI,
ambientada na área nos cerrados piauienses, hoje mais conhecidos pela expansão do cultivo de
soja ali verificado. Apresenta os modos de vida locais, suas referências socioculturais e práticas
produtivas, destacando a presença do agronegócio como desencadeador das mudanças sociais
ocorridas no contexto da agricultura familiar de aprovisionamento ali existente. Utiliza-se da
observação, da entrevista e do registro fotográfico para, ancorado na etnografia, configurar a
atual expressão do rural ali explicitado. Evidencia que as dinâmicas construídas pela sociedade
local com os complexos urbanos concorrem para que as ruralidades locais se apresentem como
síntese das relações experimentadas em tais trânsitos; compreendendo assim, as realidades rural-
urbano como interdependentes e complementares. Denota que o contato cotidiano com os
recursos midiáticos e as esferas nacionais, regionais e globais de relações borra as fronteiras e o
isolamento, antes mais nitidamente configurados. Delineia os impactos trazidos pelo
agronegócio para os processos de trabalho, sociabilidades outras e relações identitárias, gerando
complexidade para a reprodução da sociedade local a partir dos seus parâmetros anteriores;
obrigando-a a saltos socioculturais para os quais não esteja, eventualmente, preparada.
Palavras-chave: Ruralidades piauienses. Agricultura familiar. Agronegócio.
1 INTRODUÇÃO - Pensando as mudanças no meio rural.
Para grande parte dos estudiosos, as mudanças sofridas pelo campo brasileiro,
grosso modo, parecem se prender a quatro questões fundamentais: a primeira diz
respeito à permanente dificuldade que grande parte dos camponeses ainda têm de acesso
à terra, ao crédito e à assessoria técnica. Esta realidade obriga-os a empregar seus
esforços na agricultura de subsistência, opção que, em face da incapacidade de gerar
incremento patrimonial, define uma realidade de escassez constante e de redução das
possibilidades de reprodução dos grupos familiares camponeses (WANDERLEY,
1996).
Em segundo lugar, as mudanças se vinculam a intercâmbios provenientes das
novas dinâmicas de relação entre o meio rural e as cidades, as quais põem em questão a
antiga compreensão desses ambientes enquanto dicotômicos e/ou antagônicos, situando-
os no campo das complementaridades e interdependências (WANDERLEY, 2009).
A terceira questão diz respeito à problemática oriunda do processo de
urbanização – expressa mais fortemente na queda de postos de trabalho e emprego, na
redução dos salários, na carência de condições mínimas de habitação e saúde, na
1 Professora Associada da Universidade Federal do Piauí; com vínculo permanente junto ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia. Teresina-PI. Email: [email protected]
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violência urbana etc. – que tem implicado em crescente precarização da vida nos
grandes centros urbanos, levando parte dos segmentos ali residentes à busca de maior
qualidade de vida em outros ambientes. Essa iniciativa tem estado associada à idéia de
simplificação do cotidiano, de volta à natureza, do uso sustentável dos recursos naturais,
da proteção do planeta, colocando sob foco a valorização do rural, no que respeita ao
estilo de vida, as paisagens e as relações de interconhecimento que propicia
(CARNEIRO, 1998).
Como quarta razão, aponto que o processo de globalização tem colocado em
contato constante as culturas, histórias, realidades, enfim, até então isoladas e díspares,
materializando a possibilidade de intensos diálogos pluriculturais em todos os pontos do
globo. Alavancado a especialmente pelo desenvolvimento vertiginoso da telemática, a
globalização tem acelerado o desgaste da noção de espaço-tempo que herdamos da
história, instituindo o real-time como tempo estruturante e fluidificando fronteiras de
Estados, de aglomerações populacionais e de culturas diversas, gerando como substrato
principal o hibridismo dos processos humanos e as interculturalidades (BAUMAN,
2001; CANCLINI, 2009).
Por último, enfoco a presença do agronegócio, realidade inicialmente manifesta
nos campos do sul do Brasil que, após migrar para as fronteiras agrícolas do centro-
oeste nas décadas de 80, chegou às novas fronteiras agrícolas do Nordeste (Piauí, Bahia,
Maranhão, etc) nas últimas décadas. Produção assentada no uso de grandes extensões de
terra, na alta mecanização e uso massivo de insumos agrícolas, o agronegócio
caracteriza-se ainda pela alteração profunda das relações de trabalho e pelo consequente
desencadeamento de processos sociais e culturais diversos junto às populações
envolvidas na produção monocultora.
Embora reguladas pelas especificidades das condições em que estão inseridas,
de um modo ou de outro as realidades rurais brasileiras encontram-se em intenso
diálogo com as questões apresentadas. Os cruzamentos entre processos produtivos,
como o agronegócio e práticas da agricultura familiar, o diálogo cotidiano com a
televisão, o rádio, o telefone celular e a internet permitem a convivência estreita entre
situações díspares e antes impensadas. Essa articulação instala alterações inevitáveis
nas realidades rurais locais, imprimindo configurações diferenciadas em cada contexto e
colaborando para o estabelecimento da polissemia do que podemos a vir entender que
seja o rural no Brasil. Contemporânea a essa realidade coloca-se a localidade Roça
Nova-Sebastião Leal, no sudoeste do Piauí, município que compõe a fronteira agrícola
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da soja no Estado e que vivencia na atualidade todas as questões trazidas pela
expressiva prática monocultora ali vigente, pela proximidade em que se situa em relação
ao núcleo dito urbano e pelas sociabilidades oportunizadas com o acesso às novas
tecnologias, cruzadas à experiência de roça comunitária e de práticas tradicionais
agricultáveis várias.
Tendo por referência o exposto, este artigo tem por propósito analisar, a partir
de uma abordagem etnográfica, a localidade Roça Nova quanto às trocas sociais e
culturais estabelecidas, destacando a relação com o urbano e com o agronegócio e
delineando mudanças em curso e demais tendências encontradas, buscando evidenciar
as dinâmicas e as particularidades da experiência rural ali configurada. É o que passo a
fazer.
2. O agronegócio da soja no município
Discutindo o processo da ocupação originária do cerrado, Moraes (2006),
apoiando-se no argumento de diversos autores, propõe que o imaginário partilhado por
aqui configura um sudoeste - porque desenhado no seu nascedouro pelo percurso do
gado - ermo, embrenhado nas “chapadas e tabuleiros” e vivendo em torno das práticas
rudimentares de subsistência. Assim se comportaram porque separados por grandes
distâncias dos núcleos urbanos, e também um dos outros, sem acesso aos serviços
públicos básicos (estradas, financiamentos, tecnologias, educação etc) permaneciam
sem possibilidades de imprimir dinâmica mais arrojada à interação que mantinham com
o que lhes oferecia a natureza.
Por outro lado, o ideário de que as terras de constituição areno-argilosa,
predominantes no local, eram pouco apropriadas à agricultura (SOUSA, s/d),
determinavam certo desinteresse dos governos e eventuais exploradores pelo local,
constituindo uma representação do sudoeste como “vazio” (MORAES, 2006). Os
moradores também conservavam essa imagem, pelo menos em relação ao cerrado: “Só
por volta de 1985 a gente deu conta de que no cerrado produzia arroz!”, diz o Seu
Vicente, posto que sabia-se estar nos “solos tipo aluvião e massapé, predominantes nos
brejos e baixões [a terra fértil para] a cultura de arroz pelos pequenos produtores.”.
(SOUSA, s/d p. 49).
Orientando práticas e discursos, esse entendimento sofreu profunda alteração a
partir da década de 1970, consolidando outra narrativa acerca dos cerrados piauienses.
De acordo com Moraes, os anos 90.
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...rompiam definitivamente, com o imperativo do destino pastoril e assumiam
a idéia da vocação agrícola como mais uma feição da economia piauiense
[...]. Sem, dúvida, isto se vincula ao processo de incorporação dos cerrados
piauienses, que, a partir do final dos anos de 1980, ganharia visibilidade
como uma nova frente de expansão do agronegócio do complexo
carnes/grãos, mais tarde largamente tratada como uma nova fronteira
agrícola. (MORAES, 2006, p.174).
É nessa vaga de reorientação produtiva dos cerrados que Sebastião Leal e
municípios vizinhos têm o seu cenário reconstruído a partir da ostensiva presença das
propriedades monocultoras graníferas instaladas na região, com o apoio material e a
parceria política do Estado.
Sebastião Leal está situada na mesorregião do sudoeste piauiense, microrregião
de Bertolínia, a 435 km da capital do Piauí, Teresina (IBGE, 2009). O clima é quente e
semi-úmido, permanecendo em média de 30º durante o ano, com as chuvas ocorrendo
de novembro a maio, concentrada, entretanto, nos meses de janeiro, fevereiro e março
(IBGE, 1977, apud Id. Ibid), período conhecido como inverno.
Segundo dados do IBGE (2009), a estimativa da população para 2009 era de
aproximadamente 4.231 mil habitantes e 942 famílias, estando distribuída numa área
territorial de 3.111,103 km², consolidando densidade populacional de 1,4 hab/km². Das
2.993 pessoas residentes com 10 anos ou mais, 1.387 são mulheres e 1.606 são homens.
Do total de habitantes, 1.238 estão na faixa etária de 15 a 29 anos, intervalo etário no
qual esta investigação entenderá, em princípio, como abrigando os jovens.
Do ponto de vista dos serviços disponíveis, existe no núcleo urbano serviços de
água encanada e eletrificação, 01 pequeno hospital - com limitações para internação-, 02
equipes de saúde da família, 02 escolas, 01 biblioteca municipal, 01 agência dos
Correios com banco postal, 01 posto da Emater, 01 caixa eletrônico da Caixa
Econômica Federal, 01 posto telefônico, 03 pequenos hotéis, 01 lanchonete, 02 clubes,
02 pequenas filiais de lojas de departamentos, pequenas lojas de produtos eletro-digitais
e de produtos diversos, lojas de roupas de marca, vários mercadinhos, bares, telefonia
celular, acesso à internet través de uma lan house e de escolas de ensino médio locais, e
uma agência da Empresa Líder, única a operar o traslado entre a cidade e demais
municípios vizinhos, bem como a capital, Teresina.
Quanto à história econômica do município, sua produção esteve vinculada à
agricultura familiar (WANDERLEY, 1996) de aprovisionamento (GODOI, 1999),
cultivada em terras sem cerca ou terras soltas, como dizem os locais. A partir da década
de 70 o município experimentou uma importante mudança na sua estrutura fundiária, no
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tipo e quantidade de produção gerada a partir da chegada daqueles que os moradores
denominam de “os projeteiros”, os primeiros grandes produtores adeptos da moderna
agricultura instalados na região, vindos do Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco e
Mato Grosso. Estimulados pelo preço simbólico da terra e pelos incentivos
governamentais, provenientes especialmente da SUDENE, o propósito manifesto era
investir na produção de pecuária e caju, entretanto a iniciativa “na realidade não
resultou em produção agrícola, mas em ocupação especulativa de terras”, conforme
identificaram em suas pesquisas Monteiro e Aguiar, 2006. Outros estudiosos assinalam
no mesmo sentido:
No período em análise, [a partir de 1974] conforme relatórios da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) são
instalados 17 projetos em Ribeiro Gonçalves e 12 em Uruçuí. Do total de 29
projetos, cerca da metade destina-se à pecuária, em particular, à pecuária de
corte e reprodução. Destes projetos, somente 14 foram concluídos. Quatro
outros estão em fase de implantação. Os 11restantes encontram-se nas
condições de excluído e/ou desistente e/ou caduco e/ou cancelado,
acrescentando-se que o projeto Companhia Brasileira de Alimentos Básicos
(Uruçuí) está nas condições de concluído e caduco, e o projeto Frutos do
Piauí S.A. (Ribeiro Gonçalves) não possui informações precisas. Este
panorama permite inferir que a implantação desses projetos nos municípios
visava promover a ocupação da região talvez buscando além dos recursos
subsidiados a valorização especulativa da terra. (REYDON E MONTEIRO,
s/d, p. 7)
Para os moradores da localidade até aqui não está claro o processo de
apropriação dos grandes lotes de terra por pessoas de fora. Questionam a situação legal
dos lotes, em função das práticas existentes à época em relação às “terras soltas”, pois
“Aqui havia a idéia de quem marcasse um aceiro de terra, garantia aquela terra. Aí foi
quando eles chegaram e encostaram em nós. [...] Os ‘projeteiros’ chegaram e tomaram
tudo [...]. E ainda hoje a gente sofre... essa consequência grande da questão fundiária
mesmo [...].” (Seu Vicente).
Anos depois, a maior parte dos ‘projeteiros’ abandou a região, sendo
sucedidos, a partir da renegociação das terras nos anos 90, por grandes produtores do
sul e do sudeste brasileiros, que imprimiram importante reorientação produtiva aos
cerrados. Com esses novos sujeitos Sebastião Leal e municípios vizinhos tiveram o
ambiente rural reconstruído em face da ostensiva presença das propriedades
monocultoras graníferas instaladas na região, com o apoio material e a parceria política
do Estado. Assim, teve início e se consolidou ali a demarcação de grandes extensões de
terra, nas quais hoje se instalam as plantações e milho, soja e algodão. Hoje é essa a
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realidade que mais tensiona a região quanto às mudanças das práticas produtivas, das
sociabilidades e culturas locais.
Atualmente existem em Sebastião Leal diversas empresas do agronegócio,
mais conhecidas como ‘fazendas de soja’, além de outras que desenvolvem atividades
de mineração e alguma atividade de pecuária. Duas são de grande porte: a Progresso e a
Chapada do Céu/Girassol. No entorno do município, especialmente no vizinho Uruçuí,
existe uma diversidade de fazendas e algumas cooperativas de produtores, além da
empresa Bunge, de capital e controle transnacional, que ali processa grãos de soja,
fazendo parte do grande grupo de tradings que opera o comércio internacional de soja.
Hoje a cultura da soja é responsável por grande parte dos rendimentos
financeiros a que os moradores têm acesso, via vínculos temporários ou permanentes de
trabalhos, além daqueles gerados pelo pequeno comércio varejista, pelo emprego
público e pelo trabalho na agricultura familiar, na forma de diárias ou comercialização
do pequeno excedente. Nos campos de soja, mormente no que se refere ao vínculo
temporário, o trabalho se dá sob condições precarizadas, conforme encontrei em
pesquisas antecedentes, realizadas na microrregião de Uruçuí (MONTEIRO E
AGUIAR, 2006) ou ainda nos depoimentos de trabalhadores locais, como destacarei
adiante. Entretanto, a soja garante alguma capitalização e sinaliza para a possibilidade
de independência financeira dos trabalhadores jovens, num contexto de agricultura
familiar onde os esforços são voltados para os objetivos do grupo.
Por outro lado, não obstante o atual perfil da produtividade do município, a
literatura especializada e os próprios sujeitos acessados têm apontado que a escolha
política do modelo agro-industrial em ofensiva distancia-se da orientação social da
produção e, desse modo, não apresenta alternativas de solução dos problemas que
afligem as populações locais, como a escassez da renda, o restrito acesso a direitos
sociais e a conseqüente exclusão social (FUNÁGUAS, s/d). Além disso, a questão
premente da ameaça ao ecossistema dos cerrados, de perda de patrimônio genético,
contaminação de solos e águas, conforme assinalado por Dantas, 2010, sedimenta a
ideia de que a ocupação dos cerrados piauienses, nos termos em que vem ocorrendo,
encerra um problema social para as populações locais. No município encontrei
depoimentos que corroboram a percepção das pesquisas:
Quando a soja se instalou veio a promessa do emprego, mas hoje a gente é
mais prejudicado do que beneficiado. Eles fazem contrato de 30, 40 dias [...]
e pior é o desmatamento. [...] Até doença que não tinha aqui, era raro ouvir
falar de câncer, agora tem, e muito. [...] A produção deles não serve para a
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comunidade. Eles não interessam em negócio pequeno. Eles não têm nenhum
interesse. Eles vendem é de mil toneladas pra fora. (Seu Vicente).
Como se pode ver, os processos engendrados pela realidade de produção e
circulação dos bens advindos da monocultura guardam semelhança, desde o seu
nascedouro, com as condições hoje presentes no agronegócio brasileiro como um todo,
resultando em que uma complexa situação, como a expressa pelo pequeno produtor, seja
deixada para resolução em nível individual. Por outro lado, as informações coletadas
mostram todas as pessoas abordadas na cidade de Sebastião Leal e no povoado Roça
Nova considerando que a presença das fazendas é algo positivo para o município.
Duas avaliações são recorrentes entre as narrativas: a primeira, uma percepção
ampla da mudança sofrida pela cidade. Nas narrativas o aumento do poder aquisitivo,
expresso pela aquisição de transporte e melhoria habitacional, trazido exatamente pelas
oportunidades do agronegócio, é muito valorizado. A segunda, mais presente entre os
moradores da área rural, diz respeito à questão do emprego e geração de renda para os
trabalhadores rurais, como se referem os jovens entrevistados: “Mas uma coisa é
verdade: o que tem de melhoria na vida do povo daqui de Sebastião Leal, é por causa
das fazendas aí. Se não fosse as fazendas, era tudo muito pior.” (Pedro); “[...]ainda tem
de dar graças a Deus porque tem as fazendas! Ainda tem de dar graças a Deus, porque
senão, era pior.” (Paulo). Embora alguns entrevitados já façam críticas quanto à questão
ambiental e muitos denunciem a precarização do trabalho vigente, a avaliação geral em
relação às fazendas é positiva, pois nas condições de dificuldades que acusam enfrentar,
não conseguem enxergar viabilidade na agricultura familiar. Assim, as repercussões das
atuais condições do campo piauiense se abatem tanto sobre o ambiente natural, quanto
às condições objetivas de produção. Mas, indubitavelmente, suscitam importantes
mudanças também para os modos de vida e culturas locais em geral.
2. Cenários, sujeitos e dinâmicas
A localidade Roça Nova está situada a três quilômetros do núcleo urbano da
cidade de Sebastião Leal e teve como primeiros moradores os ancestrais das famílias
Carvalho, Silva e Rodrigues e hoje conta com 37 famílias tendo, em média, seis pessoas
por residência. Existe ainda um produtor de gado que, embora sediado na localidade,
reside com a família em Sebastião Leal. Outro ex-morador, ao deslocar-se para a cidade,
manteve sua casa fechada na localidade. É ao longo do leito da única rua de areia
avermelhada que estão as casas da localidade, distribuídas às vezes espaçadamente, às
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vezes em pequenos grupos. A via, que se estende por 5,3 km, da primeira à última
residência da localidade, é ladeada por cajueiros, mangueiras e pequizeiros, muito
comuns na região.
Figura 1: Vista parcial de Roça Nova. Março de 2011. Por Valéria Silva.
Quanto às relações com a cidade e o mundo, o canal mais comum de interação
é, sem dúvida, a televisão, além da corriqueira presença física na sede do município.
Estar na cidade mostra-se como relevante em si e pelo potencial de acionar outros
mecanismos de relação com o mundo, como a internet, disponível na única lan house
existente e nas escolas de ensino médio. É também estando na avenida da cidade –
principal via de comércio – que os locais travam relação com a realidade da soja,
manifesta nas carretas que trafegam incessantemente em ambos os sentidos levando
equipamentos necessários à produção e trazendo os grãos – in natura ou beneficiados -
produzidos pelo agronegócio.
A facilidade da presença na cidade se faz em razão da curta distância, das
relações comerciais estabelecidas e, particularmente, devido à existência das
motocicletas, presente na quase totalidade das residências. A moto, como simplificam,
conferiu intensa mobilidade às famílias como um todo e modificou a paisagem de Roça
Nova ao substituir completamente os jumentos e cavalos dantes existentes. Transporte
prático, rápido e de baixo consumo, a moto incorporou-se à rotina local. Com tal
inserção nas práticas cotidianas, pilotam-nas homens (em sua maioria) e mulheres;
jovens, adultos, idosos e até crianças maiores, tendo por destino a roça, a escola, o
pastoreio do gado, o trabalho, a viagem, o comércio, a festa, a igreja, o passeio etc.
Pilotando ou conduzidos, é de motocicleta – e sem nenhum capacete - que os locais
vencem as distâncias que os separam dos demais, construindo sociabilidades novas e
possibilidades alternativas às que vivenciam cotidianamente.
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Roça Nova dispõe de energia elétrica monofásica e de água encanada
proveniente de caixas d’águas acopladas ao poço tubular ou aos poços cacimbões de
algumas casas, mas também servida pelo chafariz instalado junto ao poço perfurado.
Existe também o brejo que serve aos animais, porém, em períodos de maior estiagem o
brejo também chega a secar.
Existe ali uma escola de ensino infantil multi-seriada, construída em terreno
cedido pela família do Seu Raimundo, a qual atende atualmente oito crianças. Trata-se
de prédio de um único cômodo, com alpendre frontal, sem janelas e com aberturas em
combongós, dispondo de alguns equipamentos, tais como uma mesa, carteiras em
número ligeiramente superior aos alunos, quadro-negro e duas estantes com alguns
livros, aparentemente sem condições de uso.
Os moradores contam ainda com um pequeno salão de cabeleireiro, explorado
pelo jovem Pedro, contíguo à sua casa e uma revenda de gás que funciona na casa do
Seu Armando. Mercadinhos ou quitandas não existem no local. Assim, produtos
industrializados são adquiridos no mercadinho da localidade Jenipapo, a 1,5 km de
distância ou no comércio de Sebastião Leal. É também na sede do município que
comercializam a maior parte da produção agrícola excedente, quando existente.
A estrutura com vistas a transformação de produtos é constituída por: a) 02
casas de farinha, sendo uma delas instalada no complexo da casa do Seu Armando; b)
01 casa de pilar arroz que antigamente pertenceu à comunidade, sendo, depois, vendida para
um morador. O atual proprietário cobra 1,5 pratos de arroz pelado pelo beneficiamento de 30
pratos de arroz com casca; c) 01 engenho de cana, feito de madeira e movido a bois.
Segundo informações coletadas, trata-se de construção originalmente pertencente ao pai
do Seu Vicente, sendo a última unidade, dos 18 antigamente existentes, em
funcionamento na região.
Figura 2: Engenho de cana. Roça Nova, agosto
de 2010. Por Valéria Silva. Figura 3: Engenho de cana. Roça Nova,
agosto de 2010. Por Valéria Silva.
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 222
As casas da localidade são construídas com adobe e telha, com piso, no geral,
de cimento, não existindo residências de pau-a-pique na localidade.
Figura 4: Adobes. Roça Nova, agosto de 2010.
Por Valéria Silva
Os adobes utilizados nas construções são preparados ali mesmo, pela pessoa
interessada em construir sua casa: “Ah, aí todo mundo sabe fazer adobe! Até menino aí,
faz, quando precisa.” (Dona Maria). Algumas casas foram construídas pelos mais
velhos, tendo 40, 50 anos, mantendo-se conservadas. Seu Raimundo, ao relembrar a
construção da casa dos seus genitores, onde reside até hoje, referiu-se, em tom
nostálgico: “Me lembro como se fosse hoje. Eu tinha 17, 18 anos quando ela [a casa] foi
feita. Me lembro demais da gente trabalhando nela. Nós e nosso pai...”. Construções
normalmente simples, mas em tamanho parecendo compatíveis com as necessidades
familiares, arejadas e limpas, as casas obedecem a uma arquitetura um tanto
padronizada. A frente da casa possui comunicação direta com a rua, através da porta
central da sala, ladeada por uma ou duas janelas, de tamanho pequeno em relação à
extensão das paredes frontais, “de oitão”, como se referem os locais. Do lado esquerdo,
sentido cidade/interior, onde o sol alcança o quintal e a parte traseira da construção, os
terreiros ganham sombra farta na parte da tarde, acolhendo adultos, jovens e crianças
que, à tardinha, ainda sentam à porta para conversar, mais comumente na parte central da
localidade.
Do lado direito, no mesmo sentido, as casas, que recebem o sol da tarde,
trazem quase sempre um pequeno alpendre como anteparo, o qual antecede o acesso à
sala de visitas. Por meio da construção de parapeitos ou batentes altos, a frente da casa
permanece à sombra no período mais quente do dia. Desse lado da rua os terreiros são
Figura 5: Detalhes de adobes da casa do Seu José
Roça Nova, agosto de 2010. Por Valéria Silva
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 223
menos cuidados, pois inviável desfrutar dos mesmos, sendo o alpendre, durante a tarde,
o local externo a casa onde se dão os encontros.
Excetuando-se essa particularidade, as casas seguem um padrão comum, com
algumas diferenças quanto à dimensão dos cômodos e detalhes daqui e dali. A sala de
visitas dá acesso a dois ou três quartos e à sala de jantar. Com alguma variação, este
cômodo encontra-se mobiliado com cadeiras de espaguete, embora uma parte das casas
já disponha de sofás. Constam ainda estantes de modelos variados - de madeira, de
aglomerado ou de ferro – que acomodam a televisão em todas as residências e, na
maioria delas, algum tipo de aparelho de som. Em algumas casas a mesa de jantar de
melhor acabamento também fica na sala de visitas. É também neste cômodo que, em
parte menor das casas, dormem os rapazes, normalmente os adolescentes mais jovens.
Na sala de jantar, mesa e cadeiras de madeira, com aparência rústica, mas em
vários casos já o são móveis adquiridos na cidade, em armação de ferro e a mesa com
tampo de granito. Aqui também fica instalada a geladeira da casa, algum armário de
padrão moderno e o fogão a gás, conforme dito adiante. Convém lembrar que este é o
local partilhado com quem não priva da intimidade familiar, uma vez que as refeições
cotidianas são feitas na cozinha. Na casa onde estive hospedada somente parte das
cadeiras novas eram, por vezes, utilizadas pelos familiares e sempre em ocasião onde o
número de pessoas em torno da mesa da cozinha era superior à quantidade de cadeiras
ali existente.
A cozinha da casa, nos fundos, também construída de adobe e telha e, em
grande parte, aparentando se tratar de uma construção à parte, a posteriori, como se
fosse uma ampliação em relação à casa principal. Na maioria dos casos trata-se de
Figura 7: Tipos de casas. Roça Nova, agosto
de 2010. Por Valéria Silva. Figura 6: Tipos de casas. Roça Nova, agosto de
2010. Por Valéria Silva
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 224
construções baixas, com paredes pela metade ou apenas batentes altos “pra ficar claro,
senão ninguém enxerga nada! Só é ruim porque não dá pra botar fogão a gás, porque o
vento não deixa aceso. Quem tem, né”. Neste cômodo comumente existe uma pia de
cimento ou de fibra, o fogão à lenha ou a carvão, potes, filtro, vasilhas com água para o
uso durante o preparo de alimentos, armazenamento de pequenas quantidades de
gêneros alimentícios, de lenha ou carvão; presença de pequenos armários ou ainda as
“baterias”, suportes confeccionados com ferro, de variados modelos, muito comuns no
Piauí, que serve à acomodação das panelas. Tem ainda uma mesa com cadeiras de
madeira onde a família efetivamente faz as refeições diárias.
Na narrativa de Dona Júlia está posta uma questão de relevância acerca das
mudanças em curso. Atualmente as casas que possuem fogão a gás normalmente põem-
no na sala de jantar, em vista do que a moradora se referiu: o vento. Muito embora o
vento forte, no segundo semestre do ano, seja uma realidade, outros fatos simultâneos
impõem-se à observação. Os fogões estão instalados de modo a ocupar ambientes
distintos, não sendo comum a instalação dos fogões a lenha e a gás no mesmo ambiente,
de modo que em algumas casas onde o fogão a gás está instalado na cozinha, o outro
migrou para o quintal. Certamente a fumaça do fogão à lenha dificulta a sua instalação
em local fechado e, segundo informado, o vento impede a instalação do fogão a gás em
ambiente aberto. Entretanto, a observação aponta uma nova dinâmica nos ambientes. O
fogão a gás geralmente aparece afastado das bilheiras, filtros, cuias, móveis precários,
compondo – frequentemente - um novo ambiente com armários de novos designs,
geladeiras, conjunto de mesas de ferro com tampo de granito ou similares. Apesar das
alterações percebidas, na localidade usa-se em maior quantidade lenha, carvão e, em
menor intensidade, o gás, porque “não tem quem possa! O gás é muito caro, dona! E
mesmo, eu não gosto muito, não.” (Dona Maria). É possível perceber no depoimento
que o gás, como insumo de relevância para o contexto da reprodução familiar e do
trabalho feminino, ainda se encontra sem afirmação como um recurso prioritário pelo
qual se aceite arcar com custos. Porém, no meu entendimento, a retirada do fogão da
sala de jantar, por si, já denota mudança quanto ao padrão de consumo e de relações daí
desencadeadas, no sentido que pontuei anteriormente. Além disso, a sua proximidade
poderá influenciar na intensidade do uso, posto que imediatamente disponível. Se assim
se verificar, esses fenômenos poderão implicar na mudança do atual entendimento dos
usuários locais acerca do consumo de gás.
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 225
Assim, comparando o ambiente das salas com o ambiente da cozinha – ou do
quintal – encontro a expressão de determinada dinâmica da relação ruralXurbano
instalada na localidade/habitação/família. Nas primeiras está a face moderna,
representada pelos conjuntos de móveis diversos, eletrodomésticos movidos à energia,
adquiridos na cidade via relações mercantilizadas contemporâneas, como o cartão de
crédito. A complexidade posta sinaliza para realidades e funções diversas daquelas
sugeridas pela cozinha (e pelo quintal). Nesses ambientes estão os símbolos associados
ao rural que, porventura, os locais julguem atrasado: a comunicação direta com o meio
externo, os animais, a natureza, a lenha, a fumaça, as panelas empretecidas, os potes e,
por vezes, os pilões, machados e enxadas à vista.
Figura 8: Cozinha. Roça Nova, agosto de 2010. Por Valéria Silva.
Outra questão é quanto às paredes. A alteração das mesmas, levando-as tocar o
teto, também denota uma mudança importante, visto que, desse ângulo, a cozinha ganha
uma configuração similar à da casa, isto é, incorpora-se finalmente à casa, subvertendo
as distâncias existentes entre uma e outra. Por outro lado, uma vez inteiras, interferirão
diretamente nas possibilidades do controle simultâneo, por parte da mulher, do espaço
externo do quintal ao tempo em que desenvolve outras atividades na cozinha. A nosso
ver todos esses aspectos vêm demonstrar a existência de estreita relação, de
intercâmbios constantes entre os espaços urbanos e rurais, observáveis na nova
arquitetura das moradias, na diferenciação do consumo, em certa diferenciação da
inserção da mulher na divisão social do trabalho e no contexto familiar.
Na localidade algumas mulheres têm tido acesso a alguma renda própria, seja a
partir de pontuais iniciativas de trabalho combinado com os afazeres domésticos, seja a
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 226
existência de recursos proveniente de programas sociais, recebidos pelas mulheres.
Sobre essa questão, em conversa, Dona Júlia se referiu que “tem gente aqui que recebe
[os recursos] e não compra comida, não. Compra é coisa pra casa, à prestação. A
comida, vai arranjando.” (grifos nossos). Segundo ela, o que viabiliza a adoção deste
comportamento é o fato de ter “aquele dinheiro certo, ali, todo mês”. Como podemos
ver, a presença de uma renda garantida contribui para uma colocação diferenciada da
mulher, inclusive, lançando-a nas relações de mercado, enquanto consumidora. Assim,
poderá, porventura, priorizar a aquisição do fogão a gás, certamente, produzindo
rebatimentos nas relações familiares, de gênero etc.
Retornando à arquitetura das casas, os banheiros têm estrutura arquitetônica
similar à das casas, contudo dispõem de fossa séptica. Com tamanhos por volta de
1,20x2,00, a maioria encontra-se sem azulejos ou com apenas a meia parede revestida,
dispondo de chuveiro e vaso, mas só alguns dispõem de pia. Comumente interno a casa,
também pode estar alocado no quintal, fisicamente separado da construção principal ou
a ela contígua, denotando a sua ampliação posterior. Outras partes complementares às
residências são similares a depósitos que se prestam à guarda de instrumentos de
trabalho, utensílios domésticos, bicicletas, colmeias, montes de coco babaçu, algumas
tralhas e, não raro, servem de abrigo às galinhas. Na maioria das vezes são construídos
no quintal, com pé direito inferior ao da casa, sem paredes ou ainda, em menor escala,
com meia-parede de adobe e teto de telha, palha de buriti ou babaçu.
Figura 9: Banheiro externo.
Roça Nova. Por Valéria Silva.
Silva
Figura 10: Depósito. Roça Nova, maio de 2010. Por
Valéria 2010
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 227
A estrutura totalmente aberta dos ‘depósitos’ evidencia tranquilidade em
relação à segurança daquilo que é acomodado, o que muito revela das sociabilidades
vivenciadas. Não obstante, mister se faz registrar que depoimentos colhidos no núcleo
urbano já atestam a apreensão, medo e insegurança, em face de um assalto ocorrido na
Agência dos Correios e crimes incomuns ocorridos na vizinha cidade de Bertolínia, a
apenas 19 km de Sebastião Leal. Não é incomum, especialmente das mulheres, o
registro de preocupação com o cotidiano tráfego de carretas de soja, cujos motoristas
são desconhecidos de todos. Para elas, a volumosa e permanente presença de estranhos
pode estimular na cidade realidades hoje encontradas em Uruçuí, Bom Jesus, Bertolínia
e outras. Nesse campo, a preocupação maior é com a exploração sexual de adolescentes
e o uso de drogas.
3.1 Particularizando outros aspectos socioculturais locais.
Em Roça Nova as famílias, com raras exceções, são nucleares. Os casais têm
vínculo religioso eou civil, contraído entre pessoas de baixa faixa etária, realidade
similar tanto entre os casais antigos, quanto entre os mais jovens. Os casais se mantêm
os mesmos que contraíram matrimônio, não existindo casos de separação formal ou
informal: “os casamentos não acabam, vai empurrando com a barriga”, uma vez que o
fim do casamento não é bem aceito pelos demais (Ana). Em relação ao vínculo existente
e à composição vige ali, portanto, uma estrutura familiar patriarcal semelhante à que
vigia no país décadas atrás, fazendo com que a atual realidades dos novos arranjos
familiares sejam percebidos apenas em relação a quatro famílias. É curioso constatar
nos depoimentos que, na atualidade, os próprios jovens aspiram por projetos familiares
pessoais com desenho similar ao que encontrei junto às famílias ascendentes.
Na localidade a população se declara, em sua maioria, católica, embora na
cidade seja massiva a presença de protestantes. Não existem grupos religiosos
estruturados, mas na capelinha local, aos sábados, à tarde, acontecem celebrações, aulas
de catecismo para as crianças e aulas de crisma para os adolescentes, orientadas por
uma senhora da comunidade. No mesmo dia da semana, uma vez ao mês, ocorre a missa
local, realizada pelo padre de Sebastião Leal e no mês de dezembro acontece o festejo
de Santa Luzia, momento mais forte de vivência coletiva do sagrado pelos moradores.
No Nordeste a programação dos festejos religiosos, não obstante ter caráter
sagrado, é repleta de atividades profanas, contemplando a instalação de feiras, jogos de
futebol, leilões, bingos e festas dançantes. Constituem oportunidade de sociabilidades
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 228
complexas para as populações das cidades do interior e de seus povoados, exercendo
forte influência material e simbólica junto aos moradores de um modo geral e
particularmente junto aos jovens. Em Roça Nova não é diferente: o festejo é um
momento misto de oração, de agradecimento, de renovação de votos religiosos, de
reencontro de parentes, amigos e conhecidos, de comemoração, de compras e vendas, de
alguma dinamização da economia local, de geração de recursos extras para as famílias,
de namoros, de brincadeiras, de festa, de lazer.
Figura 11: Bingo do festejo. Roça Nova, 2012.
Por Valéria Silva
Outra atividade comum aos segmentos e faixas etárias diversas é o sentar-se
nos terreiros à tarde para conversar, brincar e até debulhar/vigiar legumes estendidos ao
sol. Além da assistência aos programas televisivos, essa atividade é o modo mais
comum de uso do ‘tempo livre’, especialmente das donas de casa e idosos. Os jovens
usufruem mais do tempo livre e consideram como locais de lazer dois campos de
futebol - um adulto (onde se “joga no sério mesmo”) e outro infanto-juvenil e o clube,
uma construção coberta de palha, que abriga o baile dos festejos de Santa Luzia, no mês
de dezembro, além de três bares, todos contíguos às residências dos seus proprietários.
Ali os meninos – e não as meninas - bebem cerveja e jogam sinuca. Os jovens também
vão à cidade e lá frequentam a Praça João Veloso, a lanchonete, a lan house e visitam
amigos. Ocasionalmente também vão ao banho Barra do Brejo, em Bertolínia. A
maioria participa das festas de clube comuns, próximos a Roça Nova.
A maior parte das famílias da localidade dedica-se a agricultura familiar de
aprovisionamento, plantando em terra arrendada ou própria, situadas na localidade ou
próximas dali. As áreas de terra que possuem, das quais não têm os títulos, são de
extensão bastante variada, podendo se apresentar em tamanhos de 10 a 50 ha em média.
Apenas três dos moradores possuem propriedades com mais de 100 ha de área.
Figura 12: Chamamento para a missa. Roça
Nova2012. Por Valéria Silva
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 229
Dos pequenos proprietários, quatro também trabalham no sistema de roça
comunitária, numa área de 435 ha, localizada na área dos cerrados. A terra, que é uma
posse cercada, foi demarcada pelos moradores quando do avanço dos ‘projeteiros’ sobre
o chão de suas origens. Através da organização de uma associação de produtores
conseguiram garantir os hectares referidos para o trabalho dos agricultores locais, muito
embora ainda não tenham o título de propriedade. Os restritos beneficiamentos
existentes vêm de financiamento do PCPR, do PRONAF etc. Para os agricultores, o
local ainda conta com uma grande limitação, que é a falta de energia elétrica.
Nas roças – comunitária ou não - utilizam o trator da comunidade para arar a
terra, subsidiado pela Associação Comunitária. Eventualmente, contam com o trator da
Prefeitura da Sebastião Leal “que o Prefeito bota aqui pra ajudar a gente.” (Seu
Armando). No cultivo parte dos agricultores faz uso de algum agrotóxico,
especialmente quanto às plantações de arroz e feijão. O solo de boa qualidade das roças
cultivadas nas áreas de baixão, que são a maioria, dispensa o uso de corretivos e
fertilizantes. Por sua vez, o solo arenoso do cerrado os exige, além do emprego do
agrotóxico, onerando os custos da produção. Segundo os locais, esta é outra limitação
quanto a priorizarem fazer seus cultivos na roça comunitária: o alto custo da atividade
agrícola na área dos cerrados piauienses, mesmo quando tratamos de pequenas
iniciativas, o que deixa o agricultor dependente das relações de mercado.
Os aspectos referidos denotam modificação sofrida pelas práticas agrícolas de
Roça Nova nas últimas décadas. De produção orgânica - por puro distanciamento
cultural da realidade dos insumos agrícolas e desnecessidade objetiva do combate
químico às pragas - passou a depender dos agrotóxicos. Segundo os agricultores, o
desmatamento de grandes áreas e o levantamento de barreiras químicas nos campos da
agricultura granífera, fronteiriços que são à plantação da agricultura familiar,
concentram as pragas nas pequenas áreas que cultivam. Além disso, restam duas outras
questões: os ditos defensivos são aplicados por via aérea, fazendo com que alguma
quantidade de produtos invada as áreas da agricultura familiar e, por último, como
grande parte das áreas de soja estão localizadas nas partes altas da região, durante o
período de chuvas têm suas lavouras “lavadas” com as águas escoando pelas roças
locais, depositando ali restos de produtos químicos. Alguns estudiosos, como Dantas,
2010, já se ocupam dessa realidade, apontando que ali se encontra instalada uma
premente ameaça relativa ao ecossistema, à perda de patrimônio genético, à
contaminação de solos e águas, conforme também os agricultores explicitam:
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 230
Quando a enxurrada veio trazendo os agrotóxicos, matou a produção de
laranja, tangerina e outras coisas. A gente não tem mais nada... [...]. Uma
carreira de feijão, um molhinho de arroz, tudo tem de aplicar [agrotóxico],
senão não vinga... não fica um pé de nada, a gente tem de usar... e é desse
plantio que a gente se alimenta”. (Seu Vicente).
Além das repercussões apontadas, o uso de insumos e do trator para preparo do
solo amplia a relação do agricultor com o mercado, submetendo, de modo mais
significativo, a rotina da pequena produção a uma lógica de preços a qual não controla.
Esse fato desgasta a autonomia outrora vigente no processo produtivo quando este era
dependente unicamente das forças do grupo familiar e dos cálculos do seu líder, o pai.
Sim, pois também em Roça Nova a agricultura é de responsabilidade dos homens
adultos e dos jovens da casa, liderados pelo pai, estando o homem vinculado ao espaço
da produção, à semelhança do que encontraram Carneiro, 1976 e Godoi, 1999 nos seus
ambientes de pesquisa, igualmente situados no sudoeste do Piauí. As mulheres,
ocupadas com a reprodução e consumo, no ambiente privado, apenas se voltam à roça
no período da colheita, atividade que também envolve as crianças maiores.
Complementando a força de trabalho doméstica, as famílias, mormente aquelas
com pequeno número de pessoas habilitadas ao trabalho agrícola, nos termos
apresentados anteriormente, usam, como reforço nos cuidados com a roça alguma mão-
de-obra contratada de homens adultos locais, através do pagamento de diárias,
especialmente no período das limpas do mato e da colheita. Esse aspecto é muito
presente nas falas dos agricultores, visto que é fator de encarecimento do produto final,
recrudescendo as dificuldades da produção familiar: “Aqui, dona, é o sofrimento dos
pobres, a gente não tem as coisas no jeito... é difícil! Lhe digo mesmo: é melhor juntar
as coisas, uma condição que se tem e comprar [os gêneros alimentícios]. Quem pode,
né Mas se ninguém plantar, como é que se vai comprar Alguém tem que plantar!”
(Seu Armando).
A reclamação dos agricultores também enfoca os preços cobrados pelos
diaristas que, segundo as opiniões locais, influenciados pelo trabalho nas fazendas de
soja, “não querem mais trabalhar para os conhecidos do lugar”, pois tomam por
referência os valores salariais da soja, não se dispondo mais a trabalhar por diárias
compatíveis com a realidade financeira da agricultura familiar.
Seu Armando e demais chefes de família plantam, nas áreas de baixão, arroz,
feijão, milho e mandioca, especialmente, com produção destinada à subsistência e à
comercialização do eventual excedente. No seu dizer: “na roça se produz o básico”, o
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 231
aprovisionamento sem o qual a família rural não pode ficar. A venda do excedente é
incerta, depende do perfil da safra. O produto que mais popularmente ainda permite
alguma capitalização é a mandioca, utilizada nas ‘desmanchas’, como chamam as
farinhadas, as quais acontecem entre junho e julho. Ali se produz a farinha e a goma,
muito embora o estímulo para a produção comercial seja cada vez menor, posto que o
baixo preço dos produtos vindos “de fora” inviabiliza um ganho significativo com a
atividade. Assim, atualmente é desenvolvida muito mais para o consumo próprio, com
venda residual da goma.
Além das culturas básicas, parte das famílias também planta cana de açúcar,
destinada à forragem para o gado, excetuando-se dois ou três casos em que o plantio é
usado para a produção de derivados, como rapadura e “tijolo”, a partir de
processamento realizado no último engenho de madeira e movido a bois em
funcionamento nas adjacências. A produção de derivados da cana é desenvolvida
especialmente pelos homens, tendo no trabalho das mulheres algum apoio, e tem como
destino o mercado local e das adjacências.
Como dito, a roça volta-se para o consumo familiar e para a comercialização
do excedente. Plantações de menor monta, como abóbora, quiabo, maxixe, batata doce,
pepino, melancia, melão caipira etc, outrora muito comuns nas roças piauienses,
existem apenas em algumas roças. Para outros agricultores, são coisas cultivadas “só
mesmo nesses munturo por aqui Ninguém ocupa roça com isso, não.” (Seu Armando).
Outra ocupação de relevância dos homens locais é o trabalho temporário nas fazendas
de soja, como já abordado. Esse é o tipo de vínculo comum estabelecido com o
agronegócio, pois o emprego permanente – o sonho de muitos - ainda é uma raridade.
Da localidade, as empresas têm contratado, no geral, homens jovens, solteiros, para
desenvolver atividades de serviços gerais, no período do plantio e da colheita da safra.
No dia-a-dia isso pode significar trabalho na sede da fazenda ou no campo, tais como:
catação de pedra e tocos, carregamento de caminhões, vigilância dos dutos das
máquinas durante o plantio, limpeza e processamento da safra, limpeza de máquinas,
limpeza de áreas, serviços de construção civil, manutenção predial, dentre tantas outras.
No campo de soja, mormente durante a plantação e colheita, as atividades se
estendem pelas vinte e quatro horas do dia. Assim, apesar da carteira de trabalho
assegurar o salário mínimo e apontar contratos com duração de oito horas, todos os
trabalhadores entrevistados afirmaram cumprir turnos ininterruptos de doze horas de
trabalho, independente das empresas a que estejam vinculados, com revezamento de
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 232
turmas em jornadas que vão das cinco às dezessete horas e, novamente, das dezessete às
cinco da manhã, ou horários similares, de acordo com as rotinas de uma ou outra
fazenda. O excedente do contrato regular é pago em forma de hora extra, o que, para
alguns, sequer fica claramente calculado e compreendido nos valores recebidos2.
Aliada às extensas jornadas - as quais desestruturam uma certa experiência
com o tempo e o espaço enquanto realidades vivificadas nas práticas de trabalho
cumpridas da roça - vige uma rotina em muito diferenciada daquela que caracteriza a
agricultura familiar. Ali instalados passam a conviver intensamente com habilidades,
técnicas e equipamentos até então distantes de suas realidades produtivas, bem como
com a massiva produção de grãos resultante desse processo. Passam a morar em
alojamentos coletivos, partilhando cotidianos com pessoas de lugares e hábitos
diferentes. Ganham apelidos novos que, por sinal, demarcam exatamente os seus lugares
estanques no processo produtivo (rabicheiro, bazuqueiro, muqueiro). Alimentam-se em
hora marcada, em grandes refeitórios, relacionando-se com produtos, odores e sabores
diferenciados dos da cozinha outrora ao alcance dos seus olhos. Submetem o seu
trabalho ao controle externo dos processos adotados e dos gerentes, recebendo
orientações e reclamações, como observa Abel em seu depoimento:
O responsável] Reclama, diz que não cuidou direitinho. Normal, ele chama
atenção: “Você não cuidou, tal”. Eles me chamaram muito uma vez lá,
quando [a plantadeira] arrastou o toco lá, saiu arrastando. No outro dia ele me
chamou lá: “Rapaz, você não cuidou direito da plantadeira...Foi a tua e teve
outra né!?”. Lá é tudo numerado, sabe direitinho, toda máquina lá é
numerada, tem os números. Aí, num tem como esconder, não. Aí, no
outro dia eles me pegaram e disse: “Rapaz você vai ter que espalhar aquele
monte”. Peguei a enxada e fui espalhar o monte todinho...[grifos nossos].
Os recursos gerados na soja significam, para os casados, capitalização para o
enfrentamento de alguma situação mais exigente, como a seca, gastos com doenças,
quitação de dívidas etc. No caso dos solteiros implicam na autonomia financeira em
relação ao grupo familiar ou constituição de algum patrimônio - como a aquisição de
motos, gado, celular etc. – o qual desencadeia a diferença positiva de status dos “peões
das fazendas” diante dos demais, modificando as relações sociais experimentadas.
Há também o criatório de gado e galinha. Em Roça Nova não se cria bode, nem
porco porque “os grandes produtores, infelizmente, não cercam suas propriedades na
chapada. O nosso animal, por pouco que se tenha, tem de ser criado preso.” (Seu
2 Em agosto/2010 os entrevistados informaram que o rendimento mensal final de um contratado para trabalho de
Serviços Gerais ficava em torno de R$ 800,00 a R$ 900,00.
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Vicente). Ante tais condições, a única alternativa é criar gado, adotando uma cerca de
menor custo, construída com apenas quatro pernas de arame. O criatório de bode e
porco fica impedido, muito embora estes sejam animais mais comuns no contexto da
agricultura familiar piauiense, de manejo e retorno mais controlados. As atividades
relativas à criação de animais estão organizadas e acontecem no cotidiano a partir da
divisão sexual. A maioria dos homens cria gado em rebanhos menores que 30 cabeças3,
das raças holandesa, nelore e pé-duro. Para alimentar o gado utilizam ração, forragem
de cana e casca de pequi (na safra deste fruto) e também o pasto nas pequenas áreas
próximas ao brejo, onde as plantas se mantêm verde por um período mais longo durante
o verão, como se chama a estação com ausência de chuvas. Esse fato vem concorrendo
para a crescente agressão à principal fonte natural de água, a qual alimenta o buritizal da
localidade, importante fonte de renda extrativista, como explico adiante. Outra
preocupação envolvendo o buritizal é a constante pulverização aérea de agrotóxicos
realizada pelas fazendas de soja do município, especialmente aquela que explora 25 mil
ha de terra com a monocultura. Para aos agricultores, parte do ‘veneno’ cai no baixão,
sobre as palmeiras.
Embora os currais estejam localizados quase sempre ao lado das casas,
sinalizando para certa ‘domesticação’ deste afazer e, por decorrência a assunção dessa
atividade pelas mulheres (CARNEIRO, 1976), como dito, o cuidado com o gado é um
trabalho masculino. No curral vizinho à casa onde fiquei instalada o pai fazia a ordenha
matinal acompanhado das crianças pequenas, de ambos o sexos, o que talvez anuncie
uma modificação nessa atividade para o futuro.
Outra ocupação de caráter masculino é a pescaria. Num misto de trabalho e
lazer, alguns homens que não cultivam roças, adolescentes e crianças acorrem às
margens das poças maiores do brejo munidos de tarrafas as quais, mais frequentemente,
trazem peixes de minúsculo e pequeno porte. Na estiagem, quando o brejo seca, os
peixes ficam presos nas poças, facilitando a captura que, segundo os moradores, pode
ser feita com as mãos. A pescaria acontece no período da manhã, horário em que as
mulheres estão ocupadas com o trabalho da casa.
O segmento feminino adulto da localidade ocupa-se primordialmente das
atividades de reprodução do grupo familiar. Isso implica em cuidar da casa, das
crianças, da alimentação da família, das roupas e dos canteiros, quando estes existem na 3 Na localidade existe um criador de maior porte, com áreas de terra compatíveis ao rebanho possuído, entretanto o
mesmo não reside no povoado, mantendo ali apenas relações de trabalho. Em virtude disso, o levantamento feito não
contou este criador como morador.
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casa. Todas criam galinhas caipiras soltas nos terreiros e quintais, alimentadas com
milho, milheto, restos de comida e o pasto nas áreas próximas à casa. Conforme
relatado, o envolvimento das mulheres com a roça se dá apenas na época da colheita e,
mais frequentemente, com a preparação da “comida pros trabalhadores que tão dando
dia de serviço na roça”. (Dona Arcângela). De todas as famílias com filhos jovens que
abordei, apenas numa delas as moças desenvolviam atividades regulares na roça e junto
à criação de gado.
As mulheres têm presença destacada nas desmanchas - as farinhadas - embora
estas envolvam também os homens a quem cabe, inicialmente, arrancar a mandioca e
transportá-la até o aviamento. Uma vez ali amontoada, são as mulheres – adultas e
jovens -que a descascam, para em seguida ser a mandioca triturada pelos homens. São
também as mulheres que lavam massa, descansando a goma em recipientes, para depois
secarem-na. Cabe aos homens cuidar do forno, na torra da farinha e da comercialização
final do quinhão destinado ao mercado.
Sazonalmente, as mulheres também se ocupam com tarefas extrativistas, como
a coleta do buriti. A maioria das mulheres tanto coleta, auxiliadas pelas crianças -
inclusive aquelas menores - quanto raspa a polpa, agregando valor ao produto final, que
é vendido para atravessadores já conhecidos, os mangaieiros, gerando recurso extra para
o orçamento familiar. O pequi é coletado pelos homens e meninos maiores, posto que
Figura 14: Farinhada: homens.
Roça Nova, 2014. Por Valéria
Silva
Figura 13: Farinhada: mulheres. Roça Nova,
2014.Por Valéria Silva
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precisam se deslocar para a chapada, cada vez mais distante da casa, em função da
instalação das fazendas de soja.
Muito embora Roça Nova esteja situada numa região rica em coco babaçu as
mulheres locais – adultas e jovens - não quebram o coco para fins de geração de renda.
Alegam ser uma atividade muito “sacrificada”, pesada. A quebra do coco acontece
apenas para uso doméstico, na forma de leite e azeite, por parte das famílias, pelas
razões apontadas por Dona Maria em conversa durante uma torração das amêndoas:
“[...] ninguém quer mais fazer isso aqui, não. Dá muito trabalho quebrar coco! Por aqui,
só eu mesmo, porque o José [seu marido] não come óleo de soja, porque ali é óleo ruim!
Bota gosto ruim na comida. Os meninos também reclamam da comida”. Embora Dona
Maria se refira apenas a si própria, identifiquei outras famílias que adotam a mesma
sistemática em relação ao coco e ao óleo.
Além das atividades apontadas os moradores de Roça Nova desenvolvem
outras de natureza não agrícolas, revelando a presença da pluriatividade no local
(CARNEIRO, 1999). São elas, especialmente: a exploração comercial dos bares,
aluguel de caminhão, confecção e venda de salgadinhos, de sorvetes, a atividade
docente, de cabeleireiro, de motorista, de comerciários e a venda de produtos da Avon e
da Hermes. Como duplo-ativos existem os donos dos bares, com exceção de um deles,
que combinam essa atividade com a roça. A atividade do proprietário de caminhão e do
motorista é combinada com a criação de pequeno rebanho e plantação de pequena área
(“só pra ter mesmo o gosto de colher o feijão novo, porque é muito ruim no tempo certo
todo mundo ter legume novo e a gente não ter nada, né Então, eu planto uma coisinha
de nada... porque plantar mesmo é muito caro, não dá resultado”, explica Seu Ferreira).
Os comerciários – um jovem e uma jovem - cumprem a rotina de trabalho em
Sebastião Leal, como prioridade, envolvendo-se com as atividades rurais ou da casa na
condição de ajudantes e nas horas de folga. O jovem cabeleireiro, ao contrário, tem
como prioridade a roça e os estudos, ficando o salão em terceiro plano, muito embora
seja apontado como prioridade para um futuro próximo.
As mulheres exercem outras atividades sempre combinadas com o trabalho da
casa. Uma das mulheres da comunidade produz refeições para venda por seu marido no
bar que a família explora, combinando a cozinha comercial com as atividades da casa,
nas quais é ajudada pela filha adolescente. Nas horas de folga uma das mulheres locais
confecciona e vende salgados pela redondeza, neste caso controlando todo o processo
de produção e comercialização. Por último, a docência exercida pela professora da única
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escola existente é combinada com as atividades domésticas, essas também
desenvolvidas por suas filhas jovens.
4. Sobre o rural configurado: algumas sínteses
No intento de configurar o “rural” encontrado em Roça Nova uma primeira
síntese se coloca: embora atentando para as particularidades, é possível dizer que os
sujeitos abordados e suas práticas povoam indistintamente o campo e a cidade,
transitando com certa facilidade nos diversos ambientes, imprimindo configurações
diferenciadas em cada contexto, instalando alterações inevitáveis nas realidades rurais e
urbanas locais e colaborando para o estabelecimento da polissemia do que possamos vir
a entender o que seja o rural e o urbano naquela localidade, naquele município, a
exemplo do que encontramos também no Brasil.
Todas as situações e contingências postas no campo em estudo nos retiram as
certezas quanto à classificação peremptória acerca do venha a ser o meio rural e o meio
urbano, impondo outra postura epistemológica com vistas à compreensão de tais
realidades. As análises realizadas, iluminadas pela revisão de literatura empreendida,
orientam no sentido de que não há um “rural” a ser identificado na localidade, antes
existe ali um ambiente atravessado pela pluralidade de sentidos, experiências e práticas,
levando à constatação de que, mesmo quando nos centramos em entender o meio rural,
encontramos que a “[...] a cultura do campo não é uma, mesmo porque existe uma
multiplicidade de formas de viver e formas de socialização no campo e, portanto,
diversidades de culturas, de religiosidades, valores, desejos, e expectativas sociais”,
conforme adverte Sales. (2006, p. 147).
Não seria demais dizer que os processos desencadeados, envolvendo os
sujeitos e suas realidades materiais e simbólicas, concorrem, portanto, no sentido de
entendermos o cenário rural como “formado por relações sociais que variam em função
dos contextos e das posições dos sujeitos em relação.” (CARNEIRO, 2007, p. 54),
longe, portanto, da detenção de uma essência qualquer que possibilitasse sua
independência conceitual e viabilizasse sua compreensão exaustiva a partir apenas de
referências ditas “próprias”.
Tais condições, naturalmente, remetem a uma abordagem mais complexa e
aberta, exigindo que também em Roça Nova, conforme as informações suportam, o
rural seja entendido enquanto diferente, combinado, intercultural, plural,
interdependente, complementar, produto dos processos históricos e também das
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contingências engendradas nas dinâmicas encontradas local e globalmente, inscrito no
terreno do devir, apontando, desse modo, para a perspectiva de várias ruralidades em
substituição à noção fechada de um ambiente de expressão única.
Conforme tentei evidenciar, tanto quanto aos matizes socioculturais, quanto ao
ambiente natural e às atividades produtivas, a localidade tomada para estudo, ao tempo
em que revela processos em curso parecidos com outros já mapeados anteriormente
(HEREDIA, 1977; CARNEIRO, 2001; GODOI, 1999), também explicita importantes
modificações nos atuais percursos, configurando uma realidade rural estreitamente
articulada com as condições locais de produção e reprodução, de intensas trocas com a
indústria, com o urbano, com as dimensões locais/regionais/globais e particularmente
com o universo das fazendas do agronegócio.
Entendo, portanto, que é nesse espaço de trocas e interdependências que se
delineia o rural da maneira que se apresenta em Roça Nova, tomando-o como expressão
particular daquela realidade piauiense. Assim, também os modos e projetos de vida,
processos produtivos, formas de trabalho e consumo, tipo das paisagens, uso do tempo e
do tempo livre, relação com as instituições etc. ganham elasticidade, incorporando
aspectos diversos e construindo uma condição híbrida (CANCLINI, 1997) originada nos
trânsitos operados pelos sujeitos entre as realidades sociais de ruralidades-urbanidades.
Estas, cada vez mais imbricadas pelos enfrentamentos, convivências, diálogos
verificados no cotidiano. Por fim, pela imperativa partilha sócio-econômico-estético-
cultural que efetivamente realizam.
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O AVANÇO DA FRONTEIRA AGROPECUÁRIA E A
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NA AMAZÔNIA
BRASILEIRA
Prof. Pós-Dr. André Cutrim Carvalho 1
Prof. Dr. Luis Otávio do Canto Lopes2
Prof. Esp. Auristela Correa Castro 3
Resumo
O objetivo do presente artigo é discutir numa perspectiva histórico-teórica o significado
de fronteira e a questão envolvendo o avanço da fronteira agropecuária capitalista no
Brasil, além de procurar discutir o papel das instituições no processo de
desenvolvimento de uma economia de mercado. No Brasil, a incorporação de áreas
antes inacessíveis ou relativamente despovoadas, como no caso da Amazônia brasileira,
por atividades agropecuárias é o resultado do avanço da fronteira econômica capitalista.
Percebe-se, portanto, que no Brasil, em especial na Amazônia, o avanço da fronteira
agropecuária capitalista vem se dando dentro da lógica da acumulação do capital,
contudo não se pode prescindir dos elementos institucionais que estão presentes em
função dos interesses, e conflitos que permeiam o processo de ocupação econômica em
uma região de fronteira tão importante para o desenvolvimento do capital.
Palavras-chave: fronteira agropecuária capitalista; Amazônia brasileira; instituições
INCOME INEQUALITY IN BRAZIL: A THEORETICAL AND STATISTICAL
ANALYSIS OF POVERTY AND RURAL POVERTY
Abstract
The purpose of this article is to discuss a historical-theoretical perspective the
significance of the border and the issue involving the advance of capitalist agricultural
frontier in Brazil, besides seek to discuss the role of institutions in the development of a
market economy process. In Brazil, the incorporation of previously inaccessible or
relatively unpopulated, as in the case of the Brazilian Amazon, by agricultural activities
is the result of the advance of capitalist economic frontier. It is clear, therefore, that in
Brazil, especially in the Amazon, the advance of capitalist agricultural frontier is
occurring within the logic of capital accumulation, however one can not ignore the
institutional elements that are present in their interests, and conflicts that permeate the
process of economic occupation in a border region so important to the development of
capital.
Keywords: capitalist agricultural frontier; Amazon; institutions.
1 Professor Pós-Doutor, Faculdade de Economia do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal
do Pará (FACECON/ICSA/UFPA), Belém/Brasil, e-mail: [email protected]
2 Professor Doutor, Núcleo do Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (NUMA/UFPA).
3Professora Especialista, Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), Santarém/Brasil. e-mail:
Universidade Regional do Cariri - ISSN 2316-3089 – Crato – Ceará – Brasil - 2015 241
Área Temática 02: Dinâmicas rurais contemporâneas
3. Introdução
Primeiramente, é preciso entender os aspectos mais importantes relacionados à
discussão de fronteira. De acordo com Hennessy (1978), as sociedades latino-
americanas estão, ainda, no estágio histórico de fronteira. Nesta etapa da história do
desenvolvimento do capitalismo, as relações econômicas, sociais e políticas estão
marcadas pelo movimento da expansão demográfica e econômica sobre terras não
ocupadas ou ainda não completamente ocupadas.
Na América Latina, como assinalou Foweraker (1982), a última grande
fronteira é a Amazônia, em particular a Amazônia brasileira. As áreas de fronteiras no
Brasil têm traços e processos de ocupação que as caracterizam e as diferenciam das
outras áreas fora do território nacional. Na concepção de Velho (1976, p. 100-106):
Na fronteira, embora na prática a terra não esteja inteiramente disponível para
o acesso a todos os imigrantes, a ideologia da “fronteira aberta” representa,
no imaginário coletivo dos grupos sociais, daqueles indivíduos despossuídos
de meios de produção, uma oportunidade para melhorar as suas condições de
vida. De qualquer modo, talvez por isso, a fronteira seja o “lócus” por
excelência da terra aparentemente ilimitada.
É a combinação das ações políticas e econômicas, operadas pelas instituições
públicas, que permite a formulação de políticas públicas dirigidas com a perspectiva de
solucionar os problemas sociais, econômicos e ambientais da agenda governamental.
A palavra fronteira pode ser entendida como a extremidade de um país ou
região do lado onde confina com outro, porém, o termo fronteira, também, significa os
pontos limite de uma figura geométrica; ou, ainda, o conjunto de pontos extremos do
contorno dos mapas representativos da escala dos territórios de um país e das suas
unidades administrativas.
Conforme Carvalho (2012, p. 09):
A fronteira pode ser compreendida como sendo uma zona de ocupação de um
território relativamente vazio em termos demográficos, onde as instituições
públicas responsáveis pela manutenção da ordem jurídica, com vistas ao
estabelecimento das “regras do jogo” para a funcionalidade das instituições
privadas, têm uma atuação precária quanto ao exercício do cumprimento das
leis no âmbito de uma sociedade democrática.
No caso da Amazônia, o avanço da fronteira agropecuária vem se dando dentro
da lógica da acumulação capitalista, contudo não se pode prescindir dos elementos
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institucionais que estão presentes em função dos interesses e conflitos que permeiam o
processo de ocupação econômica numa região de fronteira.
Nesse contexto, o presente artigo tem como propósito discutir o(s)
significado(s) de fronteira e Instituições no processo de desenvolvimento de uma
economia de capitalismo tardio, como a do Brasil. Para tanto, o presente trabalho foi
estruturado da seguinte forma, além desta introdução e da conclusão. Na segunda seção,
de forma breve, são apresentados os aspectos metodológicos da presente pesquisa. Na
terceira, discute-se o termo fronteira e instituições sob uma perspectiva teórica. Na
quarta seção, a fronteira é debatida no contexto de desenvolvimento do capitalismo no
Brasil e, por fim, na quinta seção, discute-se a fronteira como uma instituição
importante para, na sequência, concluir o estudo.
2. Metodologia: Método de Pesquisa
A especificação metodológica constitui parte obrigatória da pesquisa
acadêmica que adote o método científico, contudo, é preciso distinguir o método de
abordagem dos ditos métodos de investigação. O método de abordagem diz respeito à
filiação filosófica e ao grau de abstração do fenômeno estudado, já os métodos de
investigação ou procedimentos de uma pesquisa consistem nas etapas concretas da
investigação e do uso das técnicas de pesquisas adequadas.
Nas ciências sociais em geral, e em particular nas ciências econômicas, impõe-
se uma restrição metodológica: que é a necessidade de confrontação da realidade
pensada, abstraída do concreto, com a realidade empírica, isto é, aquela que é percebida
pelos nossos sentidos. Desta forma, os conhecimentos práticos estão submetidos à
necessidade de conexão imediata com a realidade a que se referem. Na investigação
teórica, diferentemente da investigação empírica – enquanto o método de pesquisa
baseado em levantamentos de campo de dados primários ou mesmo em levantamento de
dados secundários – o método de pesquisa tem a ver mais com o método de exposição
das ideias: se dedutivo ou indutivo.
Neste caso, o método utilizado para o melhor desenvolvimento do referido
artigo envolve o método dedutivo porque parte do geral, ou seja, a discussão
envolvendo os fundamentos teóricos para compreensão do avanço da fronteira
agropecuária capitalista e o papel das instituições no desenvolvimento do capitalismo
brasileiro, em especial, na Amazônia.
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3. O Debate sobre fronteira em uma perspectiva histórico-teórica
Um dos autores mais importante sobre a discussão de fronteira é Frederick
Jackson Turner, considerado o pioneiro e o mais importante teórico e historiador da
fronteira norte-americana. Embora o objeto da investigação de Turner (1961) tenha sido
a fronteira norte-americana, ele também se referia a fronteira como uma fase do
processo geral de evolução, cujo significado na formação de outras sociedades deveria
ser investigado.
Turner (1961) defende que as concepções da história têm sido quase tão
numerosas quanto os homens que têm escrito sobre a história. Nestes termos, Turner
(1961, p. 26) revela sua concepção de história:
História, eu tenho dito, é para ser tomada no sentido restrito. É mais do que a
literatura do passado, mais do que a política do passado, mais do que a
economia do passado. É a autoconsciência da humanidade – o esforço da
humanidade para entender a si mesma através do estudo de seu passado. Mas,
o estudo da história não se limita aos livros, o objeto é para ser estudado, não
apenas os livros. A história têm uma unidade e uma continuidade; o presente
necessita do passado para explicá-lo; e a história local deve ser lida como um
passado da história do mundo.
Por esta citação fica clara a importância do conhecimento da história local da
fronteira tanto para a história nacional quanto à história mundial de qualquer nação.
A tese geral de Turner consiste numa teoria sobre a influência da fronteira
econômica na sociedade norte-americana, pode ser resumida da seguinte forma: “A
existência de uma área de terras livres, o seu recuo contínuo e o avanço do povoamento
americano em direção ao oeste explicam o desenvolvimento americano” (...) “e o ponto
de vista correto para o estudo da história desta nação não é a costa atlântica, e sim o
grande oeste, observa Velho (1972, p.16-17).
Lênin (1980, p. 4-5) observa três grandes regiões com características
econômicas distintas nos EUA: o Norte industrial, o Sul escravista e o Oeste em
processo de colonização. Na sequência de desenvolvimento do presente trabalho, a
discussão ficará centrada nos fundamentos teóricos de Turner (1961) sobre a fronteira
do Oeste dos EUA, a partir da sua concepção histórica de fronteira econômica como
uma sociedade em formação com características peculiares, e o seu papel na formação
das instituições econômicas e políticas dos EUA.
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3.1. O significado de fronteira
Para um melhor entendimento deste significado, Turner (1961, p. 38) observa
que:
A fronteira econômica de uma nação deve ser vista como o limite
exterior do território ja ocupado por instituições sociais, econômicas e
politicas; um espaço geográfico vazio, em termos de densidade
demográfica, o qual se encontra em processo de ocupação e que é
ponto de encontro entre a barbárie e a civilização.
Na visão de Turner (1961), a fronteira não é um espaço fechado e apresenta
uma determinada dinâmica caracterizada pelo que ele chamou de avanço da fronteira.
Os sucessivos avanços da fronteira nos EUA ocorreram durante várias décadas, sendo
que as características de cada fronteira ocupada mudavam no tempo e no espaço, de
acordo com a disponibilidade dos recursos naturais e do uso produtivo dado à terra pela
população migrante.
Nessa perspectiva, fica evidente que a fronteira econômica exerce influência
marcante na história da evolução das instituições sociais, políticas e econômicas de uma
nação. Para Turner (1961, p. 39-51):
A fronteira da Costa Atlântica avançou graças aos homens de negócios
ligados a indústria de pesca, a mineração, a pecuária e a agricultura familiar;
a frente de expansão da fronteira do oeste avançou graças às famílias dos
pequenos agricultores e depois com a agroindústria e a indústria
manufatureira; e a fronteira do sul dos EUA com as grandes plantações de
algodão e depois com a indústria têxtil e a pecuária. Essas fronteiras, apesar
das distâncias, realizavam um comércio de mercadorias entre elas, o que
contribui para a redução das importações de mercadorias da Inglaterra.
A fronteira do ponto de vista do capital, portanto, exerce uma influência
marcante na história da evolução das instituições sociais, políticas e econômicas de uma
nação. Carvalho (2012, p. 13) observa que “o crescimento do sentimento nacionalista do
povo americano e a evolução das suas instituições tiveram a contribuição da fronteira”.
A legislação constitucional que definiu a independência dos três poderes e a liberdade
para a criação das instituições empresariais teve o reforço das sociedades da fronteira do
oeste. Logo, o avanço da fronteira deu origem à criação de novos estados e municípios
que hoje fazem parte dos EUA.
O próprio Carvalho (2012, p. 14) sustenta que “o poder de aglutinação do povo
norte-americano cresceu com a criação de novos estados à medida que a fronteira
avançava pelo interior do território norte-americano”. Quando Turner (1961) discute as
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questões da venda e da alienação das terras públicas da União, as instituições públicas
responsáveis são vistas como um produto da pressão das sociedades locais que
pertenciam à fronteira. Nota-se, deste modo, que o debate sobre o direito à terra livre foi
importante para a promoção da democracia norte-americana.
3.2. A fronteira como uma sociedade em processo de formação constante
Primeiramente, é preciso entender que a dificuldade de qualquer fronteira
econômica é um problema que envolve a necessidade de desenvolvimento de uma
nação. Turner tinha a fronteira como uma forma de sociedade, muito mais do que uma
área. Nas palavras de Turner (1961, p. 52-53):
A fronteira é, no fundo, uma forma de sociedade, mais do que uma área.
Fronteira é o termo que deve ser aplicado para a região cujas condições
sociais resultam da aplicação das mais velhas instituições e de ideias para
transformar as influências da terra livre. Nesse ambiente, o acesso à posse da
terra é a porta de entrada, repentinamente, aberta para a liberdade de
oportunidades (...) e para o surgimento de novas atividades, novas
alternativas de crescimento, novas instituições e novas ideias trazidas para
existência real.
Assim, à medida que fronteira geográfica interna – em termos do território de
uma nação – passa a ter uma ocupação humana crescente, decorrente da imigração de
pessoas de outras regiões para a nova fronteira, qualquer que seja a motivação, esta
fronteira se transforma numa fronteira econômica, já que nenhuma ocupação humana
num território persiste se não vier acompanhada de um conjunto de atividades
econômicas capaz de assegurar a sobrevivência e a fixação da população por meio da
produção de bens e serviços –c com base no trabalho autônomo ou no trabalho alheio –
destinada ao mercado.
Isto significa que a formação da fronteira econômica implica não somente
numa expansão do mercado nacional por meio da criação de novos espaços de mercados
locais e regionais, como sua consolidação depende do crescente contato entre o rural e o
urbano, incluindo o aspecto cultural entre estes dois lados.
Nesse contexto, a inserção da Amazônia no contexto da globalização corre o
risco de perder a essência de sua herança cultural, daí a resistência dos movimentos de
defesa da cultura da região. Cabe dizer que cultura não se resume a erudição, instrução
ou educação. De fato, no sentido mais amplo, cultura compreende também o padrão de
consumo e tecnológico de uma sociedade. De acordo com Furtado (1984, p. 32):
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É certo que um maior acesso aos bens culturais melhora a qualidade da vida
dos membros de uma coletividade. Mas, se fomentado indiscriminadamente,
pode frustrar formas de criatividade e descaracterizar a cultura de um povo.
Daí que uma política cultural que se limita a fomentar o consumo de bens
culturais tende a ser inibitória de atividades criativas e a impor barreiras à
inovação. Em uma época de intensa comercialização de todas as dimensões
da vida social, o objetivo central de uma política cultural deveria ser a
liberação das forças criativas da sociedade. Não se trata de monitorar a
atividade criativa e sim de abrir espaço para que ela floresça. Necessitamos
de instrumentos para remover os obstáculos à atividade criativa, venham eles
de instituições venerandas que se dizem guardiães da herança cultural, de
comerciantes transvestidos de mecenas ou do poder burocrático. Trata-se, em
síntese, de defender a liberdade de criar, certamente a mais vigiada e
conectada de todas as formas de liberdade.
Em diversos trechos do seu trabalho, que podem ser encontrados em Taylor
(1967, p. 2-28); Taylor (1967, p. 317-325), o referido autor procurou analisar a
contribuição de Turner sobre o papel da fronteira na formação das instituições na
América do Norte, sintetizando da seguinte maneira:
1. Na fronteira norte-americana tem-se uma recorrência do processo de
evolução em cada área do Oeste alcançado no processo de expansão. E esse
contínuo contato com a simplicidade da sociedade primitiva fornece as forças
que dominam o caráter do povo norte-americano. 2. Desde o momento em
que as montanhas se antepuseram, entre o pioneiro e a costa, surgiu uma
nova ordem de americanismo. O Oeste e o Leste começaram a perder o
contato um com o outro; 3. A fronteira promoveu a formação de uma
nacionalidade compósita para o povo americano; 4. O crescimento do
nacionalismo e a evolução das instituições políticas americanas dependeram
do avanço da fronteira; 5. As características econômicas e sociais da fronteira
americana trabalharam contra o separatismo. A mobilidade da população, por
meio dos fluxos migratórios, em direção à fronteira constitui a morte do
localismo, mas produz o individualismo; 6. O surgimento da democracia
como uma força efetiva na nação norte-americana foi introduzida pela
predominância do pequeno produtor na fronteira do oeste; 7. A fronteira
norte-americana serviu com uma “válvula de segurança” de oportunidades
que impediu o desenvolvimento da consciência de classes e de lutas de
classes; 8. Com o fechamento da fronteira, no final do século XIX, a era da
livre competição entre indivíduos pelos recursos não apropriados da nação
norte-americana aproxima-se do seu fim. A “válvula de segurança” deixa de
funcionar e a competição individual, por intermédio das amplas
oportunidades não apropriadas, cede lugar ao monopólio dos processos
industriais do grande capital; 9. Desde os tempos coloniais, houve uma
disputa entre o “pioneiro democrático” e o capitalista quanto à formação da
natureza e da percepção do sentimento nacionalista; 10. Disputa política
mantida entre a “democracia radical” dos pioneiros, desenvolvida
especialmente sobre a influência dos pioneiros da fronteira do oeste e os
interesses conservadores dos grandes fazendeiros; e 11. A democracia norte-
americana foi construída com base na abundância de terras livres na fronteira,
cujas condições serviram de modelo para seu desenvolvimento e os seus
traços fundamentais que hoje formam a nação norte-americana.
O próprio Turner (1961) reforça a contribuição das forças sociais da fronteira
na mudança das instituições nos EUA. Ele revela está por trás a hipótese de que a
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totalidade das transformações ocorridas no campo contribuiu para forjar e moldar as
modernas instituições democráticas da nação norte-americana.
4. O Significado de Fronteira no Brasil
Furtado (1976), quando discute os fundamentos econômicos da ocupação do
Brasil, procura distinguir a colonização de povoamento do território norte-americano
feita pelos ingleses, da colonização de exploração feita pelos portugueses no território
brasileiro. No Brasil, as colônias de plantations da cana-de-açúcar ou do café tiveram
um papel importante como empresa agromercantil exportadora de produtos para os
países europeus, sobretudo, para Portugal e Inglaterra, no encerramento da etapa
colonial. Porém, outras modalidades de estruturas mercantis foram responsáveis pela
extensão da fronteira brasileira para além dos limites das plantations como caso das
organizações econômicas das missões religiosas na Amazônia durante o ciclo das
“drogas do sertão”.
O significado de fronteira como um processo sistemático de ocupação
geográfica levou alguns estudiosos da fronteira brasileira, tais como: Morse (1965),
Velho (1976) a substituir a noção de fronteira pela de frente pioneira, onde a noção de
“pioneira” explicita a ideia daquelas famílias que chegaram primeiro. Essa noção tem
uma forte conotação com a teoria geral de Turner (1961) sobre o pioneiro da fronteira
do oeste norte-americano vista como uma válvula de segurança importante à formação
da nacionalidade das pessoas desse país.
Carvalho (2012, p. 23) afirma que no Brasil, muito mais do que uma válvula de
segurança, a fronteira é vista como uma espécie de válvula de escape às tensões sociais
no agrário brasileiro impedindo o aumento de mais conflitos sangrentos na luta pela
terra entre latifundiários e grileiros contra os camponeses e índios. Morse (1965, p. 30-
31) observa a fronteira e a ação dos bandeirantes no Brasil de forma distinta da visão
histórica de Turner:
A fronteira não é uma linha ou um limite, ou um avanço da civilização, ou
um processo unilateral ou unilinear. (...) Compreender o processo brasileiro
de ocupação significa perceber a fronteira mais como interpenetração do que
como avanço; mais como uma relação com o meio do que como uma
projeção sobre ele; mais como uma busca intermitente por um jardim das
delícias; mais do que como uma construção sistemática de um. Essas
considerações por sua vez se ligam a proposições que são fundamentais para
a sociologia de uma civilização católica.
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Na visão de Turner (1961), a fronteira do oeste norte-americano era uma
“fronteira aberta”, no sentido da sua ocupação ter se dada de forma democrática,
apoiada no Homestead Act de 1862, em terras livres para os farmers, ou seja, para
famílias de pequenos produtores rurais. Sandroni (1999, p. 285) a descreve com
detalhes da seguinte maneira:
A Lei do Homestead foi aprovada em 1862, durante o governo Lincoln, nos
Estados Unidos, estabelecendo a distribuição de terras no Oeste de forma
quase gratuita, na proporção de 160 acres (cerca de 65 hectares). O
homestead estabelecia, em resumo, que a propriedade da terra era de quem
conseguisse demarcá-la durante um dia, legitimando dessa forma as posses
que os agricultores iam obtendo ao desbravar o Oeste. A lei representou um
poderoso estímulo para a colonização do Oeste dos Estados Unidos e atraiu
um enorme fluxo migratório para aquele país. Além disso, o homestead
eliminava um poderoso empecilho ao desenvolvimento da agricultura, na
medida em que, pela nova lei, a propriedade da terra não pressupunha a
propriedade de escravos, nem essa última, a propriedade de terras.
Lênin (1980) demonstra com base nas estatísticas disponíveis até então, que
nos EUA o capital subordina e transforma direta ou indiretamente as várias formas de
propriedade da terra, inclusive a dos pequenos agricultores de base familiar (farmers).
Em 1981 este mesmo assunto veio à baila com a publicação do trabalho de
Aidar e Perosa Júnior (1981), que discutem o peso da agricultura familiar e os limites às
grandes empresas no campo em países desenvolvidos. Na verdade, essas pesquisas
visavam demonstrar, com base nos dados do censo mais recente da economia agrícola
norte-americana (naquela época), a versão contemporânea do mito criado por Turner da
democracia agrária.
Essas tentativas de manipulação de dados estatísticos, não respaldados em
métodos de investigação e exposição históricos, para demonstrar a importância da
pequena produção familiar, são convenientes aos interesses das grandes corporações
agrícolas que dominam crescentemente todos os elos da cadeia produtiva do setor
agrícola, desde a venda de insumos até a venda dos produtos nos supermercados,
sustentam autores como: Graziano Da Silva (1987); Abramoway (1992).
4.1. O movimento da fronteira no Brasil
No Brasil, o movimento de ocupação territorial da fronteira brasileira não
ocorreu (e não ocorre) exclusivamente por meio de contingentes de famílias de
pequenos lavradores – enquanto unidades de produção familiar – mas sim através de um
mix que envolve diversos segmentos sociais: pequenos produtores de base familiar,
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empresários, fazendeiros e homens “sem terra”, todos em busca de terras para ocupar,
produzir ou especular.
O movimento histórico de integração nacional da continental nação brasileira
ocorreu e, ainda, ocorre por intermédio do avanço da fronteira agrícola, sendo esta vista
como o elo institucional entre o desenvolvimento capitalista em curso e os espaços
vazios (com uma grande quantidade das terras disponíveis) que logo se transformam em
regiões ocupadas economicamente com baixo grau de ordenamento institucional-legal e
domínio da acumulação do capital mercantil.
A ocupação das terras da fronteira no Brasil, com exceção do Estado do Acre,
vem se dando dentro dos limites da fronteira do território brasileiro com os países
vizinhos. A fronteira econômica, neste caso, é o lócus territorial de uma economia em
processo de formação e integração nacional da sua estrutura produtiva de bens e
serviços dentro dos limites internos de um Estado nacional. Dentro do conceito de
fronteira econômica, destaca-se a fronteira agrícola, onde estão as atividades de cultivos
agrícolas homogêneos na forma de grandes plantações, a exemplo das grandes
plantações de café no norte do Paraná e mais recentemente das plantações de soja e
trigo na região do centro-oeste.
O progresso da fronteira direcionada para a ocupação de territórios vazios teve
a orientação do Estado, sobretudo a partir do Estado Novo da ditadura Vargas. De
acordo com Velho (1976, p.145-152):
O avanço da fronteira agrícola na direção do centro-oeste do Brasil, durante
governo Vargas, tinha como principal objetivo a integração demográfica e
econômica de parte do território da região do centro-oeste brasileiro.
Mesmo assim, o referido autor acreditava no papel da fronteira econômica,
como uma Instituição importante, para levar adiante a formação de um mercado
nacional, já que houve um massivo movimento de migrantes, sobretudo de pequenos
produtores, que acabou ocupando e integrando nacionalmente o centro-oeste ao restante
da economia brasileira.
Abramoway (1942) destaca que o avanço da fronteira agrícola no centro-oeste,
durante o período da ditadura de Vargas, teve um papel semelhante ao sugerido por
Turner (1961) no caso da fronteira do oeste norte-americano, quando criou vários mitos
em torno do avanço da fronteira econômica na época, sobretudo os que dizem respeito
ao estabelecimento da ideologia da identidade nacional. É claro que, apesar disso, a tese
de Turner não é suficiente para explicar a dinâmica da fronteira no Brasil.
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É inegável o fato de que, mais recentemente, o avanço da fronteira da soja e da
pecuária, nos estados de Mato Grosso e Goiás, promoveram um rápido desenvolvimento
do agronegócio no centro-oeste, dentre outras razões, devido à proximidade com a
região mais industrializada e urbanizada do país, o Sudeste. Atualmente, o agronegócio
está inserido na economia global como um dos grandes exportadores de soja para o
resto do mundo.
4.2. Modelos de ocupação da fronteira: frentes de expansão e frentes pioneiras
As discussões envolvendo a questão agrária no Brasil giram em torno sobre sua
estrutura agrária concentrada e sobre a dualidade econômica de suas relações sociais de
produção capitalistas e não capitalistas. A imensidão de terras na fronteira sempre
serviu para escamotear a possibilidade de uma política de reforma agrária visando
reduzir as desigualdades regionais da riqueza e da renda no Brasil.
Outra importante questão no âmbito do agropecuário brasileiro que mereceu
uma ampla discussão foi à modernização da agricultura. Mas, sem desmerecer a
discussão dessas questões, a identificação dos padrões (ou modelos) de ocupação da
fronteira é algo merecedor de estudos. Nesse contexto, é muito importante mencionar a
contribuição de Martins (1975) que, partindo das noções de fronteira da geografia e da
economia, conseguiu formular um modelo teórico com vistas a melhorar o
entendimento da dinâmica do processo progressivo de absorção das regiões de fronteira
pela economia de mercado, com base nos movimentos sociais chamados por ele de
frente de expansão e frente pioneira. Para Monbeig (1957, p. 53-54):
A concepção geográfica de “zona pioneira” supõe uma concepção dualista do
tipo “zona pioneira” versus “zona antiga”, na qual esta última é
compreendida como o extremo oposto da primeira, caracterizada pelas terras
empobrecidas que são transformadas em pastagem e marcadas, devida a
emigração à zona pioneira, pelas perdas dos seus tipos mais empreendedores.
Essa dualidade do ponto de vista da geografia perde de vista algo mais
importante que são as relações sociais de produção definidoras dessa zona pioneira,
ressalta Martins (1975). Este mesmo autor teve a oportunidade de mostrar, em diversas
ocasiões, que a noção de “zona pioneira” para caracterizar o processo de ocupação de
territórios relativamente vazios do ponto de vista demográfico é ambígua e insatisfatória
para explicar a dinâmica da fronteira atual no Brasil.
No Brasil, os movimentos sociais de ocupação da fronteira se dão de forma
muito diferente das descritas por Turner, nos EUA. Isto é assim porque nem os homens
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eram tradicionalmente livres e nem as terras eram também livres. Martins (1979, p. 59-
75) afirma que:
Em 1850, a Lei de Terras instituiu um novo regime de propriedade em nosso
país, que é o que tem vigência até hoje, embora as condições sociais e
históricas tenham mudado muito desde então. Ao contrário do que se deu nas
zonas pioneiras americanas, a Lei de Terras institui no Brasil o cativeiro da
Terra – aqui as terras não eram e não são livres, mas cativas no sentido da Lei
601 que estabeleceu em termos absolutos que a terra não seria obtida por
meio que não fosse o da compra. O homem que quisesse torna-se proprietário
de uma gleba teria que comprá-la do dono da terra – o latifundiário. Sendo
imigrante pobre, como foi o caso da maioria dos “moradores” das grandes
fazendas, teria que trabalhar previamente para pagar o grande fazendeiro.
Nas áreas que não estavam instituídas essas características, como no caso do
Nordeste açucareiro e do Sudeste cafeeiro ou não havia programas de colonização
oficial, como ocorreu no Sul do país, essa instituição teve pouca eficácia. Foi
justamente nessas áreas relativamente livres, como é o caso do centro-oeste e do norte
do Brasil, que o regime de posse e a economia dos posseiros se expandiram para além
dos limites dos territórios já ocupados pelas grandes fazendas de cana-de-açúcar, de
café e de pecuária.
Esse processo se fez presente, recentemente, no caso da ocupação da fronteira
amazônica, quando as empresas capitalistas com o suporte financeiro do Estado
começaram a avançar sobre as terras de posseiros e índios. Por tudo isso, a rigor, não é
correto reduzir o movimento de ocupação da fronteira amazônica a um único
movimento – o movimento dos pioneiros. Na Amazônia, estamos diante de dois
movimentos distintos e combinados que envolvem complexas formas de conflitos no
processo de ocupação territorial.
A frente pioneira exprime um movimento econômico, cujo resultado imediato
é à incorporação de novas terras das regiões de fronteira à economia de mercado em
bases capitalistas. A frente pioneira, portanto, se apresenta como fronteira econômica,
sendo, na verdade, precursora do ponto de vista do capital, já que é uma frente
capitalista de ocupação territorial representada pela grande fazenda, pelas empresas
agrícolas, bancos, casas de comércio, estradas e todo o aparato institucional do Estado
que se põe para mitigar os conflitos.
O que caracteriza a penetração do capital no campo não é tanto a instauração
das relações sociais de produção baseadas no trabalho alheio, mas sim a instauração da
propriedade privada, isto é, a mediação da renda da terra capitalizada entre o produtor
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agrícola e a sociedade em geral. Neste particular, outra característica das frentes de
expansão é o regime de apropriação da terra.
No Brasil, em especial na Amazônia, há diversas formas de apropriação de
terras: a propriedade privada familiar dos pequenos lavradores; a propriedade privada
capitalista; a propriedade comunal dos povos indígenas; e o da posse dos posseiros da
Amazônia. A propriedade privada familiar não é uma propriedade usada para explorar o
trabalho de outrem, na verdade, este tipo de propriedade ou de posse familiar transforma
a terra em terra de trabalho própria das frentes de expansão.
5. A fronteira como uma instituição
A Amazônia Legal é um produto institucional de uma política de ocupação de
uma região vazia em termos demográficos, por razões geopolíticas e geoeconômicas,
tendo em vista à necessidade não somente de integrar economicamente esse gigantesco
território a economia nacional, como também assegurar a soberania nacional contra a
ameaça da cobiça internacional. É importante ter consciência de que a fronteira
amazônica faz parte da totalidade socioeconômica brasileira e não se distrair do fato que
a fronteira, como uma sociedade em formação, não se estrutura como um fenômeno
autônomo, nem em sua fase pioneira e nem em sua fase de expansão.
Quando a ocupação sistemática de terras livres numa fronteira de recursos,
como no caso da Amazônia Legal, passa a interessar à classe dominante, que têm
aproximação com a burocracia do Estado e manipulam as ideologias do
desenvolvimento, a institucionalização que resulta na expansão da fronteira, geralmente,
vem acompanhada por leis específicas e a criação de organismos públicos de suporte a
dinâmica da ocupação da fronteira econômica em bases capitalistas. Becker (2000, p. 9)
expressa o “Tratamento Institucional da Fronteira Amazônica” nos seguintes termos:
Na contemporaneidade, o uso do território de um Estado, de modo geral, e de
sua fronteira política, de modo específico, parece, em grande parte, o
resultado de fluxos e pressões gerados não só de dentro como, cada vez mais,
fora dele e que escapam, de certo modo, ao controle de suas instituições e
regulações territoriais tradicionalmente elaboradas. Nesse contexto, a
organização do espaço econômico e de seu extenso limite fronteiriço parece,
em grande parte, ditada tanto a partir da esfera central – ponto de referência
da soberania nacional e foco da análise a seguir – como das relações vindas
do exterior. Não é demais enfatizar, desse modo, que o tratamento da questão
fronteiriça na Amazônia vincula-se ao processo mais amplo de
desenvolvimento e ocupação da região.
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Nesse contexto, a organização do espaço amazônico e de seu extenso limite
fronteiriço com os países da Pan-Amazônia remete, em grande parte, a influência
geopolítica do Estado brasileiro, associada com a política de soberania nacional, mas
também a influência da geoeconomia interna e externa associada à influência das
relações internacionais. Contudo, a expansão da fronteira econômica no Brasil, no caso
da fronteira amazônica, é mais um reflexo do dinamismo da economia brasileira a partir
do polo concentrador e centralizador do capital industrial e do capital financeiro.
A velocidade da ocupação de terras livres na fronteira pode interessar tanto ao
capital que a disputa por terras livres (ou não) pode conduzir a expropriação de terras de
terceiros por meio de processos violentos ou fraudulentos de acumulativa primitiva e,
por conseguinte, a elevação dos conflitos, por meios violentos, em torno da luta pela
terra. Se luta pela posse da terra for vencida pela frente de expansão capitalista
agropecuária, então haverá a possibilidade de ocorrência de uma fronteira fechada e,
quando isso acontece, diminuem as alternativas do desenvolvimento da agricultura com
base na pequena unidade de produção familiar.
Velho (1972) admite a existência de um terceiro tipo de fronteira, que ele
chama de fronteira aberta controlada. De qualquer maneira, a fronteira quando aberta,
com ou sem restrição do Estado, abre a possibilidade para penetração de uma gama de
atores sociais, tais como camponeses, fazendeiros e empresas. Todos veem à fronteira
como o lugar da terra ilimitada disponível, mesmo sabendo que a terra é limitada em
termos físicos, jurídicos e econômicos do ponto de vista do seu aproveitamento para a
agricultura.
Nas palavras de Velho (1979, p. 100): “O lócus por excelência da terra
“ilimitada” é, obviamente, a fronteira”, isto é, a fronteira econômica é um lugar muito
importante para os dois modelos desenvolvimento, daí o interesse do Estado em
controlar o movimento da fronteira na Amazônia brasileira. Martins (2009 p. 135-136)
afirma que:
A concepção de frente pioneira compreende, implicitamente, a ideia de que
na fronteira se cria o novo, uma nova sociabilidade, fundada no mercado e na
contratualidade da das relações sociais. No fundo, consequentemente, a frente
pioneira é mais do que o deslocamento da população sobre o território no
Brasil, pois acaba sendo também a situação espacial e social que convida ou
induz à modernização, à formulação de novas concepções de vida, à mudança
social.
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Para Foweraker (1982, p. 31), a “fronteira pioneira, ao contrário, tem-se
expandido em resposta às demandas do mercado nacional e em função da acumulação
econômica dentro da economia nacional desde 1930”. A fronteira pioneira, nestes
termos, é um processo histórico específico de ocupação de novas terras.
O avanço da fronteira decorre dos movimentos das pessoas e atividades
econômicas que acabam transformando, integrando e ampliando novas relações sociais
em bases capitalistas do espaço ocupado ou em processo de ocupação territorial. É claro
que o processo de avanço da fronteira pioneira deve ser visto dentro da dinâmica cíclica
capitalista, mas com a diferença crucial de que o ciclo de acumulação e apropriação do
excedente pode ocorrer simultaneamente em diversas fronteiras do país.
Sob esta perspectiva, a fronteira não exprime toda e qualquer atividade
econômica cuja produção é voltada para o mercado exterior, mas sim uma atividade
particular que integra as regiões inexploradas à economia nacional, sendo esse processo
impulsionado pelas forças e contradições próprias de uma economia em
desenvolvimento.
Além disso, o capital industrial e financeiro numa formação econômica
espacial, já dominada por relações sociais de produção especificamente capitalistas, tem
como intento fixar o seu domínio territorial na fronteira econômica por meio da
intermediação do capital mercantil que faz uso, como lhe peculiar, das formas violentas
de expropriação de terras e de exploração do trabalho alheio por métodos de
acumulação primitiva.
6. Conclusão
É preciso entender que o Brasil é um país de dimensões continentais, onde
ainda existe uma relativa abundância de terras agricultáveis nas regiões afastadas dos
grandes centros urbanos e industriais concentrados na região sudeste do país. Apesar da
histórica concentração de terras de propriedade de uma oligarquia agrária nas zonas
ocupadas, ainda assim há uma imensa área de fronteira para ser conquistada.
Além disso, o setor agropecuário – compreendendo o conjunto de atividades
econômicas vinculadas à exploração do solo para a obtenção de alimentos e matérias-
primas de origem vegetal e animal – nos últimos anos vem passando por grandes
transformações estruturais decorrente do processo de modernização conservadora que se
seguiu a industrialização pesada dos anos de 1960-1970.
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É nesse contexto que se insere a expansão da fronteira agrícola e da pecuária
ocorrida nas últimas cinco décadas tendo como principal palco de conflitos a fronteira
amazônica. A progressiva incorporação das terras dessa parte do território nacional,
antes inacessíveis e pouco povoadas, vem se dando através do processo da apropriação
privada da terra e dos recursos naturais existentes no solo, no sub-solo e nas ágúas da
bacia amazônica.
A fronteira agropécuária pode ser tanto interna quanto externa aos
estabelecimentos agropecuários e dos territórios das macrorregiões em que eles se
situam. Mais importante do que essa dicotomia subjacente à noção de fronteira é
identificar os fatores responsáveis pelo movimento de avanço da fronteira.
O ponto de partida para levar adiante uma discussão teórico-histórica sobre
fronteira foi trabalho de Turner. Não obstante, dadas as diferenças da herança histórica e
institucional entre o Brasil e os EUA, mostrou-se que os significados de fronteira na
formação sócio-econômica brasileira ganha contornos singulares que os diferenciam de
outros países. Isso permitiu discutir os vários significados de fronteira até chegar aos
conceitos de “frente de expansão” e “frente pioneira” como modelos econômicos de
ocupação da fronteira.
A fronteira é também uma instituição produto da criação do Estado. De fato, o
governo militar lançou a “Operação Amazônia” que criou a Amazônia Legal e todo o
aparato institucional que contribuiu para transformar a Amazônia Legal, enquanto uma
mera instituição numa verdadeia fronteira real, e por isso o lócus dos conflitos da luta
pela terra. Tendo isso em conta, o referencial teórico sobre fronteira precisava ser
completado com a incorporação da teoria das instituições da escola de pensamento neo-
institucionalista.
Na fronteira amazônica, o incremento populacional gradativo e o crescimento
econômico exercem uma pressão excessiva sobre os recursos renováveis na região. O
aumento da exploração de recursos naturais e seu uso predatório acaba gerando fortes
externalidades negativas – como o desmatamento florestal – sobre os outros usuários
que exploram sustentavelmente os recursos naturais dentro dos limites de sua
propriedade privada.
Portanto, as institutuições sociais jogam um papel importante na aplicação dos
direitos de propriedade e na preservação dos recursos naturais, ou seja, as Instituições
formais, que incluem as instituições legislativas e judiciais, são também importantes à
determinação da responsabilidade das organizações que tratam da gestão do meio
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ambiente e das políticas públicas de preservação do meio ambiente por meio dos
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RESILIÊNCIA AO ESTRESSE HÍDRICO NAS LAVOURAS
ALIMENTARES NO SERTÃO DOS INHAMUNS - CEARÁ
Raquel Neris Teixeira1
Milena Monteiro Feitosa 2
Francisco Aquiles de Oliveira Caetano3
José de Jesus Sousa Lemos4
Resumo
O trabalho teve como objetivo aferir a capacidade de recuperação da agricultura familiar
através das culturas mais praticadas (milho e feijão) no Sertão dos Inhamuns em
resposta ao estresse provocado pela instabilidade hídrica entre os anos de 1977 e 2013.
Avaliou-se a evolução do valor da produção, áreas colhidas e rendimentos dessas
culturas. Para estimar este índice de resiliência utiliza-se o método de decomposição em
componentes principais da análise fatorial objetivando encontrar os pesos associados
aos indicadores empregados na formatação do índice. Os resultados mostraram a grande
instabilidade das culturas, que inclusive supera a instabilidade do regime pluviométrico,
isto porque além dessa irregularidade climática há problemas associados ao atraso
tecnológico, que não foi objeto do estudo, e à flutuação dos preços demonstrada na
pesquisa.
Palavras-chave: Agricultura Familiar; Resiliência; Estresse Hídrico.
1.Introdução
O semiárido brasileiro é uma região natural delimitada pelo conjunto de
características edafoclimáticas integradas que o diferencia do espaço geográfico ao seu
redor. O bioma característico desta região é a caatinga a qual se destaca por ter um
patrimônio biológico diversificado e por ser um bioma exclusivamente brasileiro, não
sendo encontrado em qualquer outra parte do mundo. As características deste bioma são
temperaturas predominantemente altas, precipitações escassas e concentradas em um
curto período de tempo, déficit hídrico devido ao alto potencial de evapotranspiração
que é maior que as precipitações, solos rasos e pedregosos, a vegetação nativa é
composta por plantas arbustivas ou arbóreas de porte baixo, retorcidas e resistentes ao
estresse hídrico.
1 Graduação em Agronomia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE/Brasil, [email protected]
2 Graduada em Ciências Econômicas, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE/Brasil,
3 Graduado em Ciências Econômicas, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE/Brasil,
4 Dr. Professor de Economia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE/Brasil, [email protected].
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O semiárido no Brasil se estende por oito estados da região Nordeste e parte do
estado de Minas Gerais. A economia rural desta região tem como base a agricultura
familiar. Na região Nordeste, a qual tem a maior porção do seu território inserida no
semiárido, 90,2% dos estabelecimentos agropecuários são caracterizados pela
agricultura familiar, a categoria patronal representa apenas 6,4% do número total de
estabelecimentos. No entanto, apesar de ocupar quase toda a extensão da área rural, a
agricultura familiar representa apenas 52,2% do Valor Bruto da Produção, enquanto que
o setor patronal corresponde a 42,5% do VBP (SABINO, 2013). Estes dados
evidenciam a dimensão do problema, pois retratam a situação de vulnerabilidade aos
fatores ambientais, atraso tecnológico e falta de estrutura técnica e econômica a qual
está submetida a agricultura que é praticada pela grande maioria dos agricultores que
vivem no semiárido.
O Estado do Ceará possui mais de 90% do seu território pertencente ao
semiárido, é o estado brasileiro com maior inserção proporcional neste bioma. Dos 184
municípios cearenses, 150 estão incluídos oficialmente no semiárido Lemos e Botelho
(2014). O estado é dividido em oito macrorregiões de planejamento: Região
Metropolitana de Fortaleza (RMF), Litoral Oeste, Sobral/Ibiapaba, Sertão dos
Inhamuns, Sertão Central, Baturité, Litoral Leste/Jaguaribe e Cariri/Centro Sul. A
região discutida neste trabalho é a macrorregião do Sertão dos Inhamus. Esta se
constitui por dezesseis municípios: Aiuaba, Ararendá, Arneiroz, Catunda, Crateús,
Independência, Ipaporanga, Ipueiras, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Novo Oriente,
Parambu, Poranga, Quiterianópolis, Tamboril e Tauá (IPECE,2010). Compreende uma
área de 26.227,3 Km² e tem uma população de 411.407 habitantes sendo que a
população rural corresponde a 45% deste total (IBGE, 2010).
De acordo com dados do IPECE (2013), no ano de 2011 a agropecuária
representou uma participação no PIB desta região de 14,67%. Embora esta seja a
atividade exercida por quase metade da população, a sua participação no PIB é a menor
ficando atrás do setor se serviços(74,7%) e transformação (10,62%). As atividades
econômicas agropecuárias que predominam no Sertão dos Inhamuns é a agricultura de
sequeiro, criação de gado de leite e de corte e criação de pequenos animais em sistema
extensivo com baixo nível tecnológico. Verifica-se a inexistência de grandes áreas
contínuas de agricultura mecanizada, sobressaindo-se a agricultura familiar, sendo
predominante em toda a sua extensão.
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Caracteriza-se ambientalmente por clima semiárido, a vegetação predominante
é a caatinga que é composta por plantas xerófitas, com alta resistência ao estresse
hídrico, o solo é raso e pedregoso. A região é banhada por quatro importantes bacias
hidrográficas: Alto Jaguaribe, Sertões de Crateús, Serra da Ibiapaba e Acaraú. O
potencial hidrogeográfico dos municípios desta região, assim como de todo o semiárido,
é pequeno em virtude da predominância de rochas cristalinas representadas por
litologias do Pré-cambriano. Esta litologia se caracteriza por solos rasos com ocorrência
de afloramentos rochosos (OLIVEIRA, 2008). Estes fatores favorecem a baixa
infiltração de água no subsolo, consequentemente o desabastecimento do lençol freático,
o escoamento superficial provoca a erosão do solo, as características da vegetação
xerófita também colaboram com a reduzida capacidade de infiltração da água e com o
carreamento do solo para os cursos d’água. Somando todos estes aspectos o que se vê é
um cenário de desertificação, o qual já vem sendo discutido por alguns autores.
Outros aspectos relevantes que caracterizam esta região é a elevada população,
grandes áreas rurais, precipitações médias anuais abaixo de 800 mm, altas temperaturas
médias anuais consequentemente alta taxa de evaporação. As ações antrópicas que se
desenvolvem nesta região são predatórias devido, principalmente, a situação
socioeconômica precária da população que usa, como meio de subsistência, os recursos
naturais de forma negligente. Como exemplo tem-se a extração de madeira da caatinga
para a produção de carvão e lenha, queimadas em áreas de mata nativa, uso do solo de
forma irracional até a sua exaustão, desmatamento em áreas de encosta, nascentes de
rios e matas ciliares para uso agrícola e de pastagem.
O objetivo deste trabalho é avaliar a capacidade de recuperação ou resiliência
da produção agrícola das culturas de milho e feijão ao estresse hídrico na macrorregião
do Sertão dos Inhamuns entre os anos de 1977 e 2013. De forma específica a pesquisa
objetiva: (a) Estimar os valores médios, máximos e mínimos da área colhida, produção,
rendimento e valor bruto da produção de milho e feijão, comparando-os com os regimes
pluviométricos médios sob os quais aconteceram; (b) Analisar comparativamente os
valores máximos, médios e mínimos relativos ao Sertão dos Inhamuns com o Estado do
Ceará; (c) Estimar de forma comparativa, a capacidade ou recuperação, ou a resiliência
das culturas de milho e feijão ao estresse hídrico, provocado pela variação das chuvas
na região entre os anos de 1977 e 2013; (d) Estimar a capacidade de resiliência das
culturas de milho e feijão em resposta às variações do regime pluviométrico no Sertão
dos Inhamus no período sob investigação.
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2.Referencial Teórico
O conceito de resiliência tem diferentes definições dependendo do ramo da
ciência no qual é aplicada. Para Turner et al. (2003), nos estudos de ecologia utiliza-se a
resiliência com o objetivo de caracterizar a capacidade de um sistema de se recuperar de
uma perturbação ou estresse até chegar a um estado de referência e de manter
determinadas estruturas e funções. O conceito de resiliência está fundamentado na ideia
de que os sistemas ecológicos e sociais devem ser compreendidos como sistemas que se
relacionam e que estão em constante mudança, e não obrigatoriamente em equilíbrio
estático (NELSON et al,. 2007).
Para Carpenter et al. (2001) a resiliência apresenta três propriedades: a
quantidade de mudança que o sistema pode suportar e ainda manter a sua estrutura e
função; o grau de auto organização do sistema; o grau no qual o sistema pode construir
a capacidade de aprendizado e adaptação. Lemos e Botelho (2014), define resiliência
como a capacidade que possui um sistema de absorver impactos externos e reorganizar-
se enquanto prepara mudanças para continuar mantendo as mesmas funções, estruturas,
identidades e capacidades de prover retornos.
Para Holling (1973), resiliência é definida como a propensão de um sistema
para reter sua estrutura organizacional e a produtividade na sequência de uma
perturbação. Assim, um agroecossistema resiliente vai continuar a prestar um serviço
vital, como a produção de alimentos mesmo que haja uma seca grave ou uma grande
redução nas chuvas. O desenvolvimento dos sistemas agrícolas resilientes é um tópico
essencial de estudo, pois muitas comunidades tem forte dependência do
provisionamento de serviços fornecidos pelo ecossistema tais como alimentação,
forragem, combustível, ente outros, para a sua subsistência (ALTIERI, 1999).
A irregularidade de chuvas, deficiência hídrica, baixa capacidade de adaptação
e a pobreza da população faz com que a região semiárida no Nordeste brasileiro seja
considerada uma das vulneráveis às variações climáticas (OBERMAIER, 2011). As
alterações e a variabilidade climática surgem como um dos mais graves problemas
globais afetando muitos setores no mundo e é considerado ser uma das mais graves
ameaças para o desenvolvimento sustentável com impacto negativo sobre o meio
ambiente, segurança alimentar, atividades econômicas e recursos naturais (MARY;
MAJULE, 2009).
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A agricultura em relação aos outros setores da economia é uma atividade que
possui alta vulnerabilidade aos fatores ambientais, uma vez que o clima é o fator mais
importante na determinação da sustentabilidade de sistemas de produção agrícola. As
comunidades que dependem das atividades agrícolas para a sua sobrevivência estão
entre as mais duramente afetadas e a população mais vulnerável desse grupo são aquelas
de menor renda e nível educacional (MONTEIRO, 2007).
No semiárido brasileiro, a seca é parte da vida cotidiana, formação da cultura,
ambiente, política e sociedade. Nesta região assolada pela pobreza, os agricultores
aguardam ansiosamente a chegada anual da estação chuvosa e a promessa de uma
colheita promissora. Em caso de seca, a produção agrícola é comprometida e o
sofrimento humano prevalece (LEMOS et al.,2002).
O Estado do Ceará apresenta características de regiões semiáridas, com
cobertura vegetal típica de Caatinga e, por não possuir rios perenes e ser um dos estados
do Nordeste mais vulneráveis à seca, sofre severas limitações. A ausência de rios
perenes combinado com a frequência de secas é um entrave para o desenvolvimento do
semiárido, pois problemas com solos rasos e salinos e baixa pluviosidade, associados à
intermitência dos rios, inviabilizam, juntamente com outros fatores de caráter
socioeconômico, o progresso da agricultura familiar (VIDAL; SANTOS, 2014).
A seca não influencia apenas o setor rural, uma vez que a economia nordestina
depende do setor primário. A escassez de matéria-prima, o desemprego nas cidades que
fazem parte do semiárido, a retração da economia e a diminuição da arrecadação
tributária, são exemplos da extensão do problema provocado pelas estiagens sobre os
diversos setores da economia nordestina (ARAUJO FILHO et al.,1987).
Sabe-se, no entanto, que além dos problemas provocados pelas condições
edafoclimáticas, pela escassez de chuvas, pela falta de água corrente em decorrência das
estiagens prolongadas, é necessário considerar, também, as condições estruturais, no
que diz respeito, principalmente, à posse e ao uso da terra, e o contexto cultural em que
a agricultura familiar é realizada no semiárido nordestino (DUARTE, 2002).
Para Siniscalchi (2010), o setor agrícola no semiárido é dinâmico e bastante
heterogêneo, com processos diferentes de modernização tecnológica, mas o sistema de
produção predominante é a agricultura tradicional de base familiar. A base da
economia no semiárido é a agricultura de sequeiro onde são grandes os riscos de
prejuízos na colheita e aumentam no período de seca. Os fatores climáticos são
decisivos neste tipo de agricultura, principalmente a precipitação pluviométrica, pois
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neste tipo de atividade agrícola não existe fonte de água disponível como ocorre em
áreas irrigadas. A ocorrência de baixas pluviosidades ou chuvas mal distribuídas
acarreta decréscimo, ou até, perda completa da produção (COUTINHO et al, 2013).
No entanto, há um aparente paradoxo, pois de um lado existe a vulnerabilidade
de agricultores familiares frente aos riscos climáticos e socioeconômicos, e do outro a
resiliência socioambiental da agricultura familiar como um conjunto para absorver ou se
recuperar de tais choques. Em resumo, ao mesmo tempo em que a agricultura familiar
do sertão é altamente vulnerável, ela se mostra extremamente resiliente (OBERMAIER,
2011).
3. Metodologia
3.1. Área Geográfica de Estudo
A área geográfica definida para o estudo foi a macrorregião do Sertão dos
Inhamuns, a qual está entre as regiões com menor índice pluviométrico. No entanto, no
processamento dos dados foram excluídos os municípios de Ararendá, Catunda,
Ipaporanga e Quiterianóplis por terem sido criados no final da década de 1980 e início
da década de 1990, ou seja, após o início da série histórica, então, para não
comprometer a análise dos dados, optou-se por não fazer a inclusão posterior destes
municípios.
3.2. Fonte dos Dados
Para realizar este estudo foram utilizadas séries históricas do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 1977e 2013, de área
colhida, produtividade e valor bruto da produção (VBP) das culturas de milho e feijão,
as quais são as culturas mais praticadas pela agricultura familiar na região do estudo. Os
valores nominais de VBP foram corrigidos para valores de 2013 utilizando-se como
fator de correção o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas. Utilizou-se, também, a série
histórica de precipitações de chuva, levantadas junto à Fundação Cearense de
Meteorologia (FUNCEME) com período igual ao levantado para as culturas.
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Figura 1. Posição geográfica da macrorregião do Sertão dos Inhamuns no estado do
Ceará.
Fonte: IPECE, 2013.
3.3. Método de Análise
O método de análise para este trabalho baseou-se na metodologia de Lemos e
Botelho (2014). Primeiramente foram estimados os valores máximos, mínimos, assim
como os coeficientes de variação das áreas colhidas, rendimento, VBP precipitação
pluviométrica no período. Foram identificados os anos em que ocorreram os valores
extremos para cada item.
Para estimar a resiliência de cada cultura ao estresse hídrico, foram tomados os
valores máximos de VBP, rendimento e área colhida e transformou-os em índices em
que se convertem os valores máximos em cem (100) e se ajusta os demais valores
proporcionalmente. Os índices de VBP (INVBP), índices de áreas colhidas (INAREA) e
os índices de rendimentos (INREN) para as culturas do milho e feijão são construídos
tendo como base de referência os respectivos picos entre os anos de 1977 e 2013.
Assume-se neste estudo que os valores máximos atingidos por cada um destes
indicadores é a capacidade potencial das culturas em questão no Sertão dos Inhamuns.
A partir da construção dos índices, admite-se que ao atingir as magnitudes máximas em
um determinado ano, supõe-se que o não atingimento daqueles valores nos demais anos
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ou valores discrepantes do índice máximo devem ser atribuídos a alguma ou à sinergia
de várias causas, sendo a escassez de chuva a mais relevante. Desta forma, as escalas
em que os índices são construídos de zero a cem, se transformam, por hipótese, na
capacidade de recuperação, em determinado ano, de cada um dos indicadores. Quanto
mais próximo de cem, maior a capacidade de recuperação ou de resiliência do indicador
específico.
A magnitude do valor de cada ano em relação ao máximo pode ser considerada
como um indicador de capacidade de recuperação daquele indicador. Neste estudo, os
indicadores serão agregados, devidamente ponderados, para transformá-los na
capacidade de recuperação conjunta de todos eles, ou da resiliência da cultura. Isto será
feito construindo-se o índice de resiliência (INRES) para a cultura do milho e do feijão.
O “INRES”, por hipótese captará, de forma ponderada, as sinergias existentes entre
valor da produção, área colhida e rendimento de cada cultura. Os índices parciais
apresentados anteriormente serão agregados na seguinte equação:
INRESTi = P1INVBPTi + P2 INAREATi + P3 INRENDTi (1)
Na equação (1), P1, P2 e P3 são pesos a serem estimados e que estão
associados à cada um dos indicadores que compõem o INRESTi no ano “T” (1977, 1978,
..., 2013) para a cultura “i” (feijão ou milho). Como os indicadores apresentados na
equação (1) são aferidos em percentuais, e os pesos são valores adimensionais, contidos
no intervalo zero a um e somando um (1), o INRESTi será aferido em percentagem.
Assume-se neste trabalho que a sua magnitude será uma aproximação do percentual de
resiliência que estima a capacidade de recuperação da produção de alimentos no Ceará,
aos estresses provocados por variações pluviométricas e/ou pelos demais fatores
listados, que não serão investigados neste estudo. A sua amplitude está contida no
intervalo variando de zero por cento (total incapacidade de resiliência) a cem por cento
(100%), perfeita capacidade de resiliência.
Os pesos associados à equação (1) foram estimados usando métodos de análise
fatorial com decomposição em componentes principais. Para chegar a estes valores foi
utilizado o software SPSS.
Tendo estimado o valor anual do índice de resiliência de cada cultura pode-se
ilustrar graficamente a sua trajetória, comparativamente com a distribuição no tempo da
precipitação de chuvas na macrorregião dos Inhamuns entre 1977 e 2013. O trabalho
estima os valores médios, máximos e mínimos dos índices de resiliência para feijão e
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milho para a região em estudo no período sob investigação e identifica os respectivos
regimes pluviométricos sob os quais aqueles valores se registraram.
Para testar a influência da precipitação de chuvas sobre o índice de resiliência
estimado para cada cultura utiliza-se a seguinte equação:
INRESTi = β0 + β1 INCHT + €Ti (2)
A variável INCHT é a precipitação de chuvas transformada em índice, em que
a maior precipitação observada na região vale cem (100), e as precipitações dos demais
anos são ajustadas proporcionalmente. Sendo a equação (2) construída desta forma, o
coeficiente de regressão “β1”, associado ao índice de precipitação de chuvas, mostrará
estimativas da variação percentual no índice de resiliência da cultura “i” às variações
percentuais das precipitações de chuvas. Espera-se que este coeficiente seja positivo. O
coeficiente β0 é o parâmetro linear. Supondo que o termo aleatório €Ti também captará
os prováveis impactos das demais variáveis que não foram incluídas nesta pesquisa, por
falta de informações, assume as propriedades de não ser autorregressivo e ser
homecedástico, os coeficientes β0 e β1, da equação (2), podem ser estimados pelo
método dos mínimos quadrados ordinários.
Com base nos resultados estimados, a partir da equação (2), se pode
aferir, além da relação entre a resiliência de cada cultura com o regime pluviométrico
anual da região, tal como definida neste trabalho, qual das duas culturas estudadas terá
maior (ou menor) resiliência média à instabilidade pluviométrica, bem como os
respectivos coeficientes de variação.
4.Resultados
4.1. Valores Médios e Extremos das Culturas Alimentares e da Precipitação de
Chuvas no Sertão dos Inhamuns entre 1977 e 2013.
Na Tabela 1 estão apresentadas as médias históricas e os valores extremos da
precipitação de chuvas, áreas colhidas, rendimento e VBP para as culturas do milho e
feijão com seus respectivos coeficientes de variações e com a identificação dos
melhores e dos piores desempenhos na macrorregião do Sertão dos Inhamuns e no
Estado do Ceará no período entre 1977 e 2013. Observa-se neste estudo que entre os 14
indicadores o ano de 1983 aparece seis vezes (42,8%) sendo que este ano apresentou o
menor índice de precipitação no período do estudo. Ao verificar a coluna com os
valores máximos, observa-se que o ano de 2011 prevalece como um dos melhores anos
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para a agricultura, aparecendo quatro vezes (28,5%) com os maiores índices. Apesar de
não ter o maior índice de precipitação, o ano de 2011, no entanto, foi um ano com
pluviosidade muito acima da média para a região (969,2mm).
Tabela 1. Síntese das evoluções das áreas colhidas, rendimento e VBP de milho e feijão, bem
como as precipitações de chuva entre os anos de 1977 e 2013 na macrorregião do Sertão dos
Inhamuns e no Estado do Ceará.
Macrrorregião dos Inhamuns
VARIÁVEIS Mínimo Máximo
Média CV(%) Ano Valor Ano Valor
Precipitação chuvas (mm) 1983 266.1 1985 1526.4 701 38
Área com feijão(ha) 1983 24984 1991 118934 71061 34
Rendimento feijão(kg/ha) 2012 53 2011 456 229 52
VBP feijão(R$) 2013 6735 1986 117444 46718 64
Área com milho 1993 17687 2003 23268 81544 36
Rendimento millho 1993 47.5 2011 1138.4 456 67
VBP milho(R$) 1992 13.4 1994 461010 70960 123
Estado do Ceará
Precipitação chuvas (mm) 1983 418.1 1985 1888.4 904 34
Área com feijão 1983 166,559 1994 765654 479970 29
Rendimento feijão 2012 117 2006 463 269 34
VBP feijão(R$) 2013 123,465 1979 681,490 367969 42
Área com milho 1981 120,000 2011 726,777 510047 31
Rendimento millho 1983 120 2011 1254 569 52
VBP milho(R$) 1983 36165.7 2011 599918 262666 5 Fonte: Dados da pesquisa
A amplitude pluviométrica para a região do estudo foi de 1260,3mm e a média
de 701mm, enquanto que para o Estado do Ceará a amplitude foi de 1470,3mm e a
média de 904mm. Pode-se afirmar, então, que a região do estudo, embora apresente
menor amplitude pluviométrica, a severidade na escassez hídrica é maior que para o
estado como um todo. O coeficiente de variação (CV) para esta variável foi de 38%,
mostrando-se elevado. A partir destas informações sobre a variável precipitação de
chuvas, pode-se inferir que a macrorregião do Sertão dos Inhamuns apresenta alta
instabilidade climática associada a baixos índices de chuva, esta informação se estende
também para o estado, pois este, embora apresente dados que mostram uma severidade
climática inferior que a região do estudo, quando o coeficiente de variação é observado
(34%), verifica-se que a irregularidade da quadra chuvosa é frequente.
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Todas as variáveis estudadas apresentaram CV elevados, mas o Sertão dos
Inhamuns se destaca quando comparado ao estado como um todo por apresentar
instabilidade superior. O CV para a região do estudo varia entre 34% para a área com
feijão e 123% para o VBP do milho, enquanto que esta diferença no CV, quando se
analisa o estado do Ceará, está entre 29% para a área com feijão e 55% para o VBP do
milho, ou seja, o estado apresenta diferenças mais coerentes entre os CV, enquanto que
a região do estudo apresenta uma alta discrepância que denuncia a instabilidade e
fragilidade das condições produtivas e econômicas na agricultura.
Entre as variáveis estudadas, o milho se mostrou como a cultura mais
vulnerável aos efeitos ambientais e econômicos, isso se deve provavelmente não apenas
às características fisiológicas da cultura que apresenta uma exigência hídrica
relativamente alta, mas também à vulnerabilidade econômica do setor agrícola na região
do estudo. Analisando apenas o Sertão dos Inhamuns, a área plantada com esta cultura
variou entre 17.687 ha no ano de 1993 e 123.268 ha no ano de 2003, o CV foi de 36%.
O rendimento da cultura apresentou um CV de 67%, variando a produtividade entre
47,5 kg/ha no ano de 1993 e 456 kg no ano de 2011. A variável VBP do milho se
mostrou como a mais instável, sendo o CV de 123%. O que impressiona de fato nesta
variável é que o ano mais crítico foi o de 1992, enquanto que o ano onde se verifica o
maior valor bruto da produção (VBP) foi o ano de 1994, havendo uma diferença de
apenas dois anos entre os valores máximo e mínimo para uma mesma cultura. Fazendo
uma análise um pouco mais profunda fica evidente a fragilidade e dependência dos
fatores ambientais do sistema agrícola da região ao se observar uma discrepância
acentuada com uma diferença cronológica muito pequena.
Para o estado do Ceará, o CV para a cultura do milho também foi alto, no
entanto, estes valores se apresentaram bem inferiores em relação ao Sertão dos
Inhamuns, evidenciando uma maior estabilidade da agricultura para o restante do
estado. O maior CV foi para a variável VBP sendo de 55%. O pior ano para esta cultura
foi o de 1983, correspondendo ao ano com menor precipitação de chuvas e o melhor ano
foi o de 2011, o qual foi o ano com um dos maiores índices pluviométricos da série
mostrada neste estudo. Estas observações mostram o quanto a agricultura no estado é
dependente das condições climáticas.
Em relação a cultura do feijão, o que chama a atenção é que no Sertão dos
Inhamuns, o melhor rendimento se deu no ano de 2011 com 456 kg/ha, e o pior
rendimento foi verificado já no ano seguinte com apenas 53 kg/ha. O CV para esta
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variável foi de 52%, o segundo mais elevado dentre as variáveis relativas à cultura do
feijão. O maior CV foi para a variável VBP, sendo de 64%. Assim como para a cultura
do milho, a cultura do feijão no Sertão dos Inhamuns apresentou variáveis mais
instáveis quando comparado ao Estado do Ceará.
4.2. Resultados obtidos na estimação do Índice de Resiliência (INRES)
Para estimar o Índice de Resiliência (INRES), os indicadores Índice de
Rendimento (INREN), Índice de Área (INAREA) e Índice de VBP (INVBP) das
culturas do milho e feijão foram colocados em séries, este procedimento fez com que
análise do Índice de Resiliência tivesse um total de 222 observações, ou seja, foram 111
observações por cultura durante 37 anos. Dessa forma foi possível elevar os graus de
liberdade para fazer as estimações, além de possibilitar a comparação dos resultados
obtidos entre elas, o que não seria possível se os pesos fossem diferentes. O método
utilizado para estimar os pesos foi a decomposição das variáveis observáveis em
componentes principais, em que foi extraído um fator com as características mostradas
na Tabela 2. Nesta tabela é mostrado os pesos estimados a partir da matriz estimada
para os “escores fatoriais”.
Tabela 2. Resultados Obtidos com a Decomposição em Componentes Principais
CULTURA DO MILHO
INDICADORES
Matriz de
Componentes
Matriz dos Escores
Fatoriais
Matriz dos Pesos
Estimados
Índice do VBP
(INVBP) 0.804 0.359 0.31
Índice de
Área(INAREA) 0.884 0.394 0.34
Índice de Rendimento
(INREN) 0.902 0.402 0.35
Variância Total
Estimada 74.70
CULTURA DO FEIJÃO
Índice do Vbp (INVBP) 0.786 0.383 0.30
Índice de
Área(INAREA) 0.718 0.459 0.30
Índice de Rendimento
(INREN) 0.860 0.419 0.33
Variância Total
Estimada 62.49
Fonte: Dados da pesquisa.
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A partir dos itens que compõem a matriz estimada para os componentes, assim
como a matriz dos escores fatoriais, obtêm-se os pesos para cada um dos indicadores
utilizados na construção do INRES. Sendo assim, pode ser observado que os pesos para
os indicadores estão muito próximos, variando entre 0,31 para o INVBP e 0,35 para o
INREN na cultura do milho, e 0,30 para o INVBP e INAREA e 0,33 para o INREN na
cultura do feijão. Este resultado reflete a alta variabilidade que os índices apresentaram
durante o período do estudo. A variância explicada pelo modelo para a cultura do milho
foi de 74,7% e para a cultura do feijão de 62,49%. Essa variância elevada demonstra
que faltaram incluir mais indicadores para aferir com maior precisão, a resiliência das
culturas. Estas informações não foram incluídas, porque não se tem dados disponíveis
em longos períodos de tempo. A partir destas informações pode-se afirmar que os pesos
obtidos nesta pesquisa, assim com os padrões estimados de resiliência, podem ser
interpretados como tendência.
Todos os índices parciais que compõem o INRES estão medidos em percentagens,
tendo como base os respectivos maiores valores iguais a cem (100), como foi discutido na
metodologia do trabalho. Com base nesses pesos apresentados na Tabela 2 define-se a
equação do INRES para a cultura do milho e do feijão, respectivamente, da seguinte forma:
INRESTi (milho) = 0,31INVBPTi + 0,34INARETi + 0,35INRENTi (2)
INRESTi (feijão) = 0,30INVBPTi + 0,30INARETi + 0,33INRENTi (3)
Com base nas equações 2 e 3 estima-se a trajetória do índice de resiliência para
milho e feijão entre os anos 1977 e 2013. Estas evidências estão mostradas na Figura 2
para a trajetória da resiliência do cultivo do milho e na Figura 3 para a trajetória da
resiliência no cultivo de feijão. Todas as figuras evidenciam que as trajetórias das
resiliências das culturas guardam uma configuração bastante parecida como aquelas
associadas às precipitações de chuvas, que estão apresentadas em índice (maior precipitação
= 100), para facilitar a comparação visual. Isto evidência que há uma relação de causa e
efeito entre as variáveis.
A partir das equações 2 e 3 foram estimadas as resiliências máximas, médias e
mínimas do cultivo do milho e do feijão para o Sertão dos Inhamuns entre os anos de
1977 e 2013. Na Tabela 3 verifica-se que o milho e o feijão apresentaram maior índice
de resiliência no ano de 1994, sendo a resiliência de 84,24% e 83, 67%,
respectivamente. Neste ano a precipitação de chuvas foi de 768 mm no Sertão dos
Inhamuns.
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Tabela 3. Estimativa da Resiliência Máxima das Culturas no Período de 1977-2013.
Cultura Ano Resiliência Máxima (%) Precipitação de Chuvas (mm)
Milho 1994 84.24 768
Feijão 1994 83.67 768
Fonte: Dados da Pesquisa.
Figura 2. Trajetórias da Resiliência do Cultivo do Milho e da Precipitação de
Chuvas no Sertão dos Inhamuns entre 1977 e 2013.
Fonte: Dados da pesquisa.
Figura 3. Trajetórias da Resiliência do Cultivo do Feijão e da Precipitação de
Chuvas no Sertão dos Inhamuns entre 1977 e 2013.
Fonte: Dados da pesquisa.
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De acordo com a Tabela 4, observa-se que a resiliência mínima para as culturas
de milho e feijão foi no ano de 1993, sendo de 6,33% e 14,5%, respectivamente. O
índice pluviométrico neste ano foi de apenas 327. Quando compara-se os índices de
resiliência máximos e mínimos para o Sertão dos Inhamus, verifica-se que diferença
cronológica destes índices é de apenas um ano, evidenciando a fragilidade e
dependência do fator chuva na agricultura desta região.
Tabela 4. Estimativa da Resiliência Mínima das Culturas no Período de 1977-2013.
Cultura Ano Resiliência Mínima (%) Precipitação de Chuvas (mm)
Milho 1993 6.33 327
Feijão 1993 14.5 327
Fonte: Dados da Pesquisa.
Na Tabela 5 estão os índices de resiliência médios para as culturas avaliadas.
Estes valores também se apresentam baixos, sendo de 41,27% para a cultura do milho
no ano de 1978, neste ano a precipitação de chuvas foi de 544 mm, e 49,11% para a
cultura do feijão no ano de 1982, a precipitação de chuvas neste ano foi de 435 mm. O
coeficiente de variação se apresentou bem elevado sendo de 49,36% e 38,68% para a
cultura do milho e feijão, respectivamente.
Tabela 5. Resiliência Média das Culturas no Período de 1977-2013.
Cultura Ano
Resiliência
Média (%)
Coeficiente de
Variação (%)
Precipitação de Chuvas
(mm)
Milho
1
978 41.27 49.36 544
Feijão 1982 49.11 38.68 435
Fonte: Dados da Pesquisa.
4.3. Relação entre Resiliência das Culturas Estudadas e Pluviometria no Sertão dos
Inhamuns
Para estimar a relação entre os índices estimados de resiliência no cultivo de
milho e feijão utilizou-se modelo de regressão linear simples, em que a variável
dependente é o índice de resiliência de cada cultura (INRES), e a variável explicativa é
a precipitação pluviométrica observada para o Sertão dos Inhamuns no mesmo período
em que foram estimados os índices de resiliência: 1977 a 2013. As precipitações de
chuvas foram transformadas em índice, tendo com base o maior valor ocorrido na série
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estudada de 37 anos. Os demais anos foram ajustados proporcionalmente. Este tipo de
modelagem facilita a interpretação do coeficiente angular porque a sua magnitude sinalizará
para o percentual de variação do índice de resiliência da cultura, decorrente da variação de
um por cento da precipitação de chuvas.
Tabela 6. Resultados obtidos das Regressões entre os Índices de Resiliência e a
Precipitação de Chuvas entre 1977 e 2013.
Variável Dependente
INRES
R²
Ajustado
Coefiente
Linear
Coeficiente
Angular
Significância
(%)
Milho 0.281 12.209 0.633 0.0004
Feijão 0.244 23.671 0.554 0.0011
Fonte: Dados da pesquisa.
Os resultados da Tabela 6 mostram que há uma correlação positiva entre a
resiliência das culturas de milho e feijão e a precipitação de chuvas no Sertão dos
Inhamuns entre 1977 e 2013. Os coeficientes de determinação se mostraram baixos,
sendo de 0,281 para o milho e 0,244 para o feijão. Isso deixa evidente que há outras
variáveis que afetam a resiliência destas culturas não apenas na região do estudo, mas
no semiárido como um todo. Os valores do R² Ajustado infere que 28% no caso da
resiliência do milho e 24% para a resiliência do feijão é justificado pelo índice
pluviométrico.
As elasticidades estimadas para os índices de resiliência, em resposta às
variações da precipitação de chuvas no Ceará foram de 0,633 para a cultura do milho e
0,554 para a cultura do feijão. Este resultado mostra que a cultura do milho é mais
sensível à pluviometria no Sertão dos Inhamuns que a cultura do feijão.
5. Conclusões
A pesquisa mostrou que a área colhida, rendimento e valor bruto da produção,
tomando como base as duas culturas representativas, que são milho e feijão, no Sertão
dos Inhamuns apresentam elevada instabilidade quando aferem os seus respectivos
coeficientes de variação, os quais foram todos acima de 29%. O regime pluviométrico
na região também apresentou elevada instabilidade, sendo seu coeficiente de variação
igual a 38%. Entretanto, os indicadores relacionados aos cultivos, apresentaram
coeficientes de variação maiores que aquele estimado para a trajetória pluviométrica na
região entre 1977 e 2013. Este resultado mostra que há outros fatores, como o baixo
nível tecnológico e a fragilidade da economia, que influenciam a variabilidade da
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agricultura local. No entanto, não foi possível captar estes indicadores ao longo dá série
em decorrência da indisponibilidade destes dados em séries históricas longas.
Observou-se que os valores máximos e mínimos de área colhida, rendimento e
valor bruto da produção estão diretamente ligados à pluviometria na região. Nos anos
em que houveram regime pluviométrico normal a agricultura atingiu seu valores
máximos, o contrário aconteceu nos anos de baixa pluviometria, onde foi possível
verificar que a agricultura na região atingiu seus valores mais baixos. A cultura do
milho se mostrou ainda mais sensível que a cultura do feijão às variações do regime
pluviométrico. O valor bruto a produção foi a variável que apresentou a maior
instabilidade com coeficiente de variação extremamente elevado de 123% para a cultura
do milho.
A comparação dos valores máximos e mínimos das variáveis estudadas entre o
Sertão dos Inhamuns e o Estado do Ceará como um todo mostrou que a região do
estudo possui uma agricultura mais instável, maior variabilidade dos índices, assim
como, um regime pluviométrico com média inferior a do estado. Isso caracteriza uma
maior fragilidade e vulnerabilidade da agricultura nesta região.
O índice de resiliência que foi estimado na pesquisa para aferir a capacidade de
recuperação conjunta do valor da produção, área colhida e rendimento de cada cultura,
mostrou que a cultura do feijão apresenta a maior magnitude média. Em relação à
resiliência máxima, para ser obtida, não necessita de patamares pluviométricos muito
altos, bastando apenas está dentro da média. Entretanto, os índices de resiliência muito
baixos foram observados nos anos com os menores índices pluviométricos.
A análise de regressão construída para verificar a relação entre a resiliência das
culturas estudadas e a pluviometria no Sertão dos Inhamuns, mostrou que há uma
correlação positiva entre as duas variáveis, mas que há outros fatores que influenciam a
resiliência que não puderam constar neste trabalho.
A pesquisa permite concluir que a agricultura praticada pela agricultura
familiar na região do estudo enfrenta sérias dificuldades que estão associadas não
apenas às variações ambientais, mas a outros fatores como a falta de assistência técnica,
baixo nível tecnológico e uma economia instável. As culturas do milho e feijão
apresentaram alta dependência do regime pluviométrico, entretanto a dependência do
milho em relação à chuva é ainda mais severa. Com este estudo foi possível inferir que
o Sertão dos Inhamuns apresenta uma agricultura mais fragilizada e vulnerável que a
agricultura praticada no restante do estado do Ceará.
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