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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR LITORAL LUIZ FERNANDO GUIMARÃES SCHWARTZMAN NATHALIA DE JESUS SIBUYA A DICOTOMIA ENTRE A CONSERVAÇÃO E A VISIBILIDADE DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NA APA DE GUARAQUEÇABA MATINHOS 2013

A DICOTOMIA ENTRE A CONSERVAÇÃO E A VISIBILIDADE DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NA APA DE GUARAQUEÇABA

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O processo histórico de criação de unidades de conservação evidencia a influência do modelo norte-americano baseado na noção de “wilderness”, dicotomia entre o homem e a natureza, nos países em desenvolvimento. Neste contexto, foram instituídas na década de 80, as Unidades de Conservação do litoral norte do Paraná (ESEC e APA de Guaraqueçaba, e o PARNA Superagui) sem consulta pública e planejamento adequado, o que gerou uma série de conflitos devido à perda do espaço coletivo e o acesso restrito aos recursos naturais. Com a chegada das ONGs conservacionistas na década de 90, e a sobreposição de legislações ambientais, os conflitos se intensificam na região. A dificuldade de diálogo com os diversos atores sociais expõe as comunidades da APA a uma situação de fragilidade. O presente trabalho coloca em pauta a discussão das relações antagônicas entre os esforços conservacionistas e a democratização do acesso aos recursos naturais, à luta por justiça ambiental. A metodologia é baseada na pesquisa documental e revisão bibliográfica, diagnóstico das comunidades estudadas, saídas de campo, organização e realização de evento, reuniões, entrevistas e o uso de geoprocessamento para espacialização das informações. Por intermédio das comunidades estudadas e dos dados gerados, é possível constatar que as políticas de gestão territorial da região, resultaram na discrepância entre a visão dos institucionalizados, do “urbano-industrial”, e a visão da necessidade, das comunidades tradicionais. Com o I Encontro das Comunidades do Litoral do Paraná, uma nova forma de organização social é formada, com ecos que clamam por união e justiça ambiental.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    SETOR LITORAL

    LUIZ FERNANDO GUIMARES SCHWARTZMAN

    NATHALIA DE JESUS SIBUYA

    A DICOTOMIA ENTRE A CONSERVAO E A VISIBILIDADE DAS

    COMUNIDADES TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NA APA DE

    GUARAQUEABA

    MATINHOS

    2013

  • LUIZ FERNANDO GUIMARES SCHWARTZMAN

    NATHALIA DE JESUS SIBUYA

    A DICOTOMIA ENTRE A CONSERVAO E A VISIBILIDADE DAS

    COMUNIDADES TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NA APA DE

    GUARAQUEABA

    Trabalho apresentado como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Gesto Ambiental no curso de Graduao em Gesto Ambiental, Setor Litoral da Universidade Federal do Paran.

    Orientadora: Profa. Dra. Juliana Quadros

    MATINHOS

    2013

  • Dedicamos este trabalho as nossas famlias, grandes

    incentivadores, e a todas as comunidades tradicionais

    da APA de Guaraqueaba, os verdadeiros agentes

    ambientais, no territrio.

  • AGRADECIMENTOS

    A Professora Orientadora Juliana Quadros, pela inesgotvel pacincia, dedicao, amizade e incentivo para a realizao do presente trabalho.

    A Professora Andra Maximo Espnola, que despertou nosso interesse pela temtica, desde que fomos seus bolsistas no Projeto de Extenso Territrio UniverCidade, pelo seu incentivo, amizade e colaborao nos momentos de dvida.

    Ao Professor Valdir Frigo Dernadin, que aceitou ser banca deste presente trabalho, grande conhecedor da regio e sempre esteve disposio para colaborar no que fosse preciso.

    A Sociedade Cooperativa Motir, em especial aos companheiros Jonathan Santos, Caio Votta e Tatiana Furquim, que tanto se empenharam para a realizao do I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran.

    A toda comunidade do Acampamento do MST Jos Lutzemberg, por nos receber de forma to acolhedora, durante toda a caminhada de construo desse trabalho, viabilizar a realizao do I Encontro das Comunidades cedendo seu espao e oferecendo todo o apoio necessrio: a estrutura e a alimentao. E um agradecimento especial ao companheiro Jonas, pela luta e dedicao ao movimento e as comunidades tradicionais, foi de grande importncia nas articulaes necessrias realizao do evento.

    Ao Professor Ilton da comunidade do Batuva, pela recepo em sua casa com seu senso de humor particular e por ter compartilhado sua experincia de vida para colaborar nessa construo.

    Ao Professor Antnio da comunidade do Rio Verde, por ter nos recebido em sua casa e compartilhado sua experincia de vida para colaborar nessa construo.

    A Aldeia Guarani Kuaray Guat Pot pela acolhida e por ter dividido seu modo de vida, e a Professora Izabel, diretora da escola da aldeia, que nos auxiliou quando necessrio.

    Ao Z Muniz pelo Fandango e Cataias que tanto animaram as sadas de campo e o I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran.

    A todas as comunidades estudadas e as que participaram do I Encontro das Comunidades: Aungui, Potinga, Serra Negra, Morato, Rio Verde, Batuva, Sede, Pantanal, So Joozinho, Riozinho, Ponta Oeste da Ilha do Mel, Aldeia Raio do Sol, Aldeia Guarani Kuaray Guat Pot e Aldeia Guarani Guavir Ty

    Ao Programa de Extenso Farinheiras no Litoral do Paran, em especial ao Professor Luizo, e aos companheiros Indai Sartori e Bruno Paifer que colaboraram no I Encontro das Comunidades.

  • Aos entrevistados, Eliane Bee Boldrini e Consoni, pela recepo e contribuio de maneira voluntria, compartilhando suas experincias em relao s temticas abordadas.

    A Gesto da APA de Guaraqueaba e a REBIO Bom Jesus que esclareceram dvidas em relao rea de estudo.

    Aos colegas e familiares pela colaborao, apoio e pacincia em todos os momentos.

  • RESUMO

    O processo histrico de criao de unidades de conservao evidencia a influncia do modelo norte-americano baseado na noo de wilderness, dicotomia entre o homem e a natureza, nos pases em desenvolvimento. Neste contexto, foram institudas na dcada de 80, as Unidades de Conservao do litoral norte do Paran (ESEC e APA de Guaraqueaba, e o PARNA Superagui) sem consulta pblica e planejamento adequado, o que gerou uma srie de conflitos devido perda do espao coletivo e o acesso restrito aos recursos naturais. Com a chegada das ONGs conservacionistas na dcada de 90, e a sobreposio de legislaes ambientais, os conflitos se intensificam na regio. A dificuldade de dilogo com os diversos atores sociais expe as comunidades da APA a uma situao de fragilidade. O presente trabalho coloca em pauta a discusso das relaes antagnicas entre os esforos conservacionistas e a democratizao do acesso aos recursos naturais, luta por justia ambiental. A metodologia baseada na pesquisa documental e reviso bibliogrfica, diagnstico das comunidades estudadas, sadas de campo, organizao e realizao de evento, reunies, entrevistas e o uso de geoprocessamento para espacializao das informaes. Por intermdio das comunidades estudadas e dos dados gerados, possvel constatar que as polticas de gesto territorial da regio, resultaram na discrepncia entre a viso dos institucionalizados, do urbano-industrial, e a viso da necessidade, das comunidades tradicionais. Com o I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran, uma nova forma de organizao social formada, com ecos que clamam por unio e justia ambiental.

    Palavras chaves: APA de Guaraqueaba, comunidades tradicionais, conflitos, justia ambiental.

  • 1 INTRODUO ......................................................................................................... 9

    2 MATERIAL E MTODOS ...................................................................................... 18

    2.1 REA ESTUDADA.......................................................................................................................................... 18

    2.2 COMUNIDADES ESTUDADAS ....................................................................................................................... 21

    2.2.1 Aungui ................................................................................................................................................ 22

    2.2.2 Potinga ................................................................................................................................................. 23

    2.2.3 Aldeia Guarani Raio do Sol (Bom Jesus) ............................................................................................... 24

    2.2.4 Aldeia Guarani Kuaray Guat (Cerco Grande) ..................................................................................... 25

    2.2.5 Batuva .................................................................................................................................................. 26

    2.2.5 Rio Verde .............................................................................................................................................. 27

    2.2.6 Morato ................................................................................................................................................. 28

    2.2.7 Serra Negra .......................................................................................................................................... 29

    2.2.8 Acampamento Jos Lutzemberg (Rio Pequeno) ................................................................................... 30

    2.3 PROCEDIMENTOS ........................................................................................................................................ 31

    2.3.1 Pesquisa Documental e Reviso Bibliogrfica ..................................................................................... 31

    2.3.2 Diagnstico das Comunidades e Sadas de Campo .............................................................................. 32

    2.3.3 Geoprocessamento .............................................................................................................................. 36

    2.3.4 Entrevistas ........................................................................................................................................... 37

    2.3.5 Participao em Reunio ..................................................................................................................... 37

    2.3.6 Organizao do I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran .................................................... 38

    3 RESULTADOS E DISCUSSES ........................................................................... 42

    3.1 HISTRICO DE USO E OCUPAO DO SOLO E POLITICAS PBLICAS DE GESTO TERRITORIAL .................... 42

    3.2 CONFLITOS COM AS ONGS........................................................................................................................... 49

    3.3 RAPPAM: ANLISE DA EFETIVIDADE DA GESTO DA APA DE GUARAQUEABA .......................................... 54

    3.4 PARTICIPAO SOCIAL NA APA DE GUARAQUEABA .................................................................................. 60

    3.5 I ENCONTRO DAS COMUNIDADES DO LITORAL DO PARAN: UMA NOVA FORMA DE ORGANIZAO SOCIAL

    NA APA. ............................................................................................................................................................. 65

    3.6 POTENCIALIDADES DA APA DE GUARAQUEABA ........................................................................................ 67

    3.6.1 Agroecologia ........................................................................................................................................ 67

    3.6.2 Agroindstrias Familiares .................................................................................................................... 68

    3.6.3 Turismo de Base Comunitria .............................................................................................................. 69

    4 CONCLUSO ........................................................................................................ 71

    REFERNCIAS......................................................................................................... 73

    ANEXO - MEMORIAIS .............................................................................................. 78

    NATHALIA SIBUYA ................................................................................................. 79

    LUIZ FERNANDO SCHWARTZMAN ....................................................................... 88

  • 9

    1 INTRODUO

    O litoral do Paran est inserido no bioma Mata Atlntica, rico em

    sociobiodiversidade, considerado um hot spot mundial. Entretanto o

    desenvolvimento econmico e social da regio no condiz com suas riquezas

    naturais, fato que se faz mais presente na rea rural, onde a maioria das

    comunidades invisvel s polticas pblicas (ANDRIGUETTO FILHO &

    MARCHIORO, 2002; ESTADES, 2003; KOMARCHESKI, 2012).

    Dentro desta realidade situa-se a rea de Proteo Ambiental (APA) de

    Guaraqueaba, objeto de estudo da presente monografia, na qual sero

    evidenciadas as fragilidades enfrentadas por comunidades tradicionais no territrio.

    Para compreender com efetividade a gnese das fragilidades, necessrio resgatar

    parte do histrico do movimento ambiental e o conjunto de legislaes que incide

    sobre esse territrio, assim como, o esclarecimento ao leitor de alguns conceitos

    tericos.

    No ano de 1872 foi criado o primeiro parque nacional do mundo,

    Yellowstone, nos Estados Unidos, com propsito e concepo eminentemente

    preservacionista, pautada na dissociao do homem e natureza. Contudo, muitos

    autores relatam que essas ideias haviam surgido anteriormente, mas foi com este

    marco histrico que essas questes foram ressaltadas. De acordo com Diegues:

    O movimento de criao desta rea foi influenciado por tericos

    que detinham uma viso de natureza intocada, a chamada wilderness

    (vida natural/ selvagem) reas virgens no habitadas permanentemente. A

    corrente preservacionista que serviu de ideologia para o movimento

    conservacionista americano, v nos parques nacionais a nica forma de

    salvar pedaos da natureza, de grande beleza, dos efeitos deletrios do

    desenvolvimento urbano-industrial. Baseia-se, sem dvida, nas

    consequncias do avano do capitalismo sobre o oeste selvagem, nos

    efeitos da minerao sobre os rios e lagos americanos. Dentro dessa

    perspectiva, qualquer interveno humana na natureza intrinsecamente

    negativa (DIEGUES, 2001).

  • 10

    Tambm cabe aqui mencionar as palavras de Henry D. Thoureau no clssico da

    literatura ambientalista Walden or, Life in the woods de 1854 e citado por

    Fernandez (2011):

    Eu procuro familiaridade com a Natureza conhecer seus estados de

    esprito e maneiras de ser. A Natureza primitiva a mais interessante pra

    mim. Eu fao imensos sacrifcios para conhecer todos os fenmenos da

    primavera, por exemplo, pensando que eu tenho aqui o poema inteiro, e

    ento, para meu desapontamento, eu ouo que apenas uma cpia

    imperfeita a que eu possuo e li, que meus ancestrais rasgaram muitas das

    primeiras folhas e passagens mais grandiosas, e mutilaram-na em muitos

    lugares. Eu no gostaria de pensar que algum semideus tivesse vindo antes

    de mim e escolhido para si algumas das melhores estrelas. Eu quero

    conhecer um paraso inteiro e uma Terra inteira. Todas as grandes rvores

    e animais silvestres, peixes e aves se foram (FERNANDEZ, 2011 apud

    THOUREAU, 1854).

    A lgica instituda pelo modelo norte-americano, j previa naquela poca a

    excluso das territorialidades das comunidades, e acabou sendo adotada no mundo,

    especialmente nos pases em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

    Por outro lado, desconsidera o fato que os ndios americanos tinham podido

    viver em harmonia com a natureza por milhares de anos (DIEGUES, 2001).

    O Brasil foi um dos pases que mais tardiamente sucumbiu onda

    internacional de criao de Parques. Entretanto, a destruio da natureza tem suas

    razes na colonizao brasileira, nesta poca j havia crticas ao modelo de

    explorao desenfreada, principalmente por parte de Jos Bonifcio, e os registros

    histricos apontam que tanto a coroa portuguesa como o governo imperial

    empreenderam algumas iniciativas destinadas proteo, gesto ou ao controle

    de determinados recursos naturais (MEDEIROS, 2006; PDUA, 1987). Exemplo

    disso a Floresta Nacional da Tijuca, reflorestada por escravos a mando de Dom

    Joo VI porque sua derrubada para o plantio de caf esgotou os recursos hdricos

    que abasteciam o imprio (FERNANDEZ, 2011).

    A primeira iniciativa de criao de um Parque Nacional no Brasil aconteceu

    em 1876, por sugesto do engenheiro Andr Rebouas, influenciado pela criao do

    Yellowstone National Park. A ideia original era a de criar dois Parques Nacionais: um

    em Sete Quedas e outro na Ilha do Bananal (URBAN, 1998). Esta proposta, que

    acabou no se concretizando, abriu espao para uma ampla discusso e

  • 11

    mobilizao nos anos seguintes, as quais contriburam significativamente para a

    criao dos primeiros parques nacionais brasileiros (MEDEIROS et al; 2004). Em

    1937 criado o Parque Nacional de Itatiaia e em 1939 o Parque Nacional do Iguau,

    a segunda unidade de conservao do Brasil e a primeira do Estado do Paran.

    Na mesma poca tem incio estruturao da poltica ambiental brasileira,

    com o surgimento de legislaes mais amplas de proteo ambiental, como o

    Cdigo Florestal, o Cdigo de Caa e Pesca e o Cdigo de guas, todos decretados

    em 1934 (VIANNA, 2008). No ano seguinte ao estabelecimento do regime militar no

    pas, em 1965, um novo Cdigo Florestal foi apreciado no legislativo, sancionado

    pela Presidncia da Repblica e institudo atravs da Lei n 4771 de 15/09/1965.

    Basicamente, seus objetivos seguiam a mesma linha do seu antecessor. No entanto,

    ele extinguiu as quatro tipologias de reas protegidas antes previstas na verso de

    1934, substituindo-as por quatro outras novas: Parque Nacional (PARNA) e Floresta

    Nacional (FLONA) (anteriormente categorias especficas), as reas de Preservao

    Permanente (APPs) e a Reserva Legal (RL). Estas duas ltimas, uma tipificao de

    dispositivos existentes na verso de 1934, eram uma clara tentativa de conter os

    avanos sobre a floresta. A primeira declarando intocvel todos os espaos cuja

    presena da vegetao garante sua integridade e, a segunda, transferindo

    compulsoriamente para os proprietrios rurais a responsabilidade e o nus da

    proteo (BRASIL, 1965).

    No ano de 1967 foi instituda a nova Lei de Proteo Fauna (Lei

    n5197/1967) e neste mesmo ano foi criado o Instituto Brasileiro para o

    Desenvolvimento Florestal (IBDF) como uma autarquia vinculada ao Ministrio da

    Agricultura, e a qual cabia orientar, coordenar e executar as medidas necessrias

    utilizao racional, proteo e conservao dos recursos naturais renovveis e

    ao desenvolvimento florestal do pas. (MACIEL, 2011)

    Na dcada de 70 tem incio uma srie de encontros internacionais que

    tratam sobre meio ambiente e educao ambiental, como a Conferncia da Biosfera

    (1968), a Conferncia de Estocolmo (1972), de Belgrado (1975), de Tibilisi (1977),

    de Moscou (1987) e de Tessalnica (1997) as quais refletem o forte sentimento e a

    mobilizao global para a implementao de uma agenda ambiental internacional

    (MEDEIROS, 2003; DIAS, 2004).

  • 12

    Como reflexo desse cenrio mundial, em 1973 criada a Secretaria Especial

    do Meio Ambiente (SEMA) vinculada ao Ministrio do Interior, sua finalidade era a

    conservao do meio ambiente e o uso racional dos recursos naturais. No ano de

    1981, a SEMA com intuito de estabelecer uma organizao prpria das reas

    protegidas, deixando-as subordinadas a esta secretaria, cria as Estaes Ecolgicas

    (ESECs) e as reas de Proteo Ambiental (APAs) atravs da Lei 6.902 de 27 de

    abril de 1981. No mesmo ano normatizada a Poltica Nacional do Meio Ambiente

    pela Lei 6.938. As Reservas Ecolgicas (RESEC) e as reas de Relevante Interesse

    Ecolgico (ARIE) so criadas em 1984.

    A combinao de esforos da SEMA e do IBDF de 1974 a 1989 levou

    criao de 22 parques nacionais, 20 reservas biolgicas e 25 estaes ecolgicas,

    num total de 144.180 km semelhante rea do estado do Cear. Esse perodo de

    rpido desenvolvimento do sistema de reas protegidas do Brasil foi

    verdadeiramente histrico, e pode ser comparado exploso da atividade de

    conservao no governo do presidente Theodore Roosevelt, nos Estados Unidos, no

    incio do sculo XX (MITTERMEIER, et al 2005).

    Foi dentro deste cenrio nacional, de crescimento explosivo de reas

    protegidas sem muito planejamento no que tange a gesto, que surgiram em 1981

    s primeiras Unidades de Conservao do Litoral do Paran, aps o tombamento da

    orla de Matinhos, da Ilha do Mel e a criao da rea de Especial Interesse Turstico

    (AEIT) do litoral.

    No ano de 1982 foi criada a Estao Ecolgica de Guaraqueaba, pelo

    Decreto n 87.222 de 31 de maio de 1982. A ESEC era composta de 14 reas de

    mangues, totalizando aproximadamente 13.638,90 ha, existentes nas ilhas de

    Superagi dos Pinheiros, das Peas, das Laranjeiras, do Rabelo, do Pavo, do

    Sambaqui nas Baas dos Pinheiros e Guaraqueaba e na Enseada do Benito.

    Anos depois, criada APA de Guaraqueaba, em 31 de Janeiro de 1985

    pelo decreto n 90.883 do Governo Federal. Com o objetivo de assegurar a proteo

    das ltimas reas representativas da Floresta Pluvial Atlntica, onde se encontram

    espcies raras e ameaadas de extino, o complexo estuarino da Baa de

    Paranagu, os stios arqueolgicos (sambaquis), as comunidades caiaras

    integradas no ecossistema regional, bem como controlar o uso de agrotxicos e

  • 13

    demais substncias qumicas e estabelecer critrios racionais de uso e ocupao do

    solo na regio.

    Em 1986, se estabelece com o Decreto n 93.053 de 31 de maio, um

    acrscimo de rea na ESEC de Guaraqueaba. Subsequente criado o PARNA do

    Superagui em 1989, Decreto n 97.688 de 25 de abril.

    Neste mesmo ano tambm fundado o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente

    e dos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA) com o objetivo de unificar a poltica

    ambiental brasileira, pois em razo da concomitante existncia de SEMA e IBDF,

    ligadas a diferentes ministrios, havia sistemas paralelos e sem coordenao entre

    si. Mais recentemente, a gesto das unidades de conservao, passou a ser

    responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade

    (ICMBIO), separado do IBAMA em 2007 (MITTERMEIER, et al 2005). Nas ltimas

    trs dcadas houve o surgimento de um forte movimento de Organizaes No

    Governamentais (ONGs) voltadas para a conservao da biodiversidade no Brasil. O

    crescente interesse em conservao, a transio para um governo democrtico, o

    foco sobre as novas unidades de conservao e o interesse internacional crescente

    (encabeado pelo WWF-EUA e, mais tarde, pela The Nature Conservancy) tambm

    resultaram em inmeras novas ONGs conservacionistas (MITTERMEIER, et al

    2005). A Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educao Ambiental (SPVS)

    foi uma delas, aps abrir um escritrio em Curitiba, em 1990 comeou a concentrar

    seus trabalhos na regio de Guaraqueaba, principalmente produzindo estudos

    sobre conservao para esta rea. Em 1994, o estado do Paran, atravs do

    Decreto 4.262, foi o primeiro no Brasil a instituir a categoria de manejo de Unidade

    de Conservao denominada Reserva Particular do Patrimnio Natural (RPPN). No

    mesmo ano a SPVS, recebeu a doao de reas e constituiu a RPPN Morro da Mina

    no municpio de Antonina, com cerca de 2.300 hectares. Tambm nesse mesmo

    perodo, a Fundao do Grupo Boticrio comprou uma rea de 2.253 hectares, em

    Guaraqueaba e concebeu a Reserva Natural Salto Morato. Em meados de 1999,

    com as reas Serra do Itaqui e Rio Cachoeira, a SPVS totaliza 18,5 mil hectares de

    terras na APA de Guaraqueaba (SPVS, 2013).

    Depois de muito tempo na retaguarda, com propostas e estudos desde a

    dcada de 70, finalmente em 2000 foi aprovado no Congresso Nacional o Sistema

  • 14

    Nacional de Unidades de Conservao (SNUC), Lei n 9.985/2000. Segundo

    Medeiros, a articulao para a aprovao no foi tarefa fcil:

    Foram extensos oito anos de debates que incluram a

    apresentao de dois substitutivos na Cmara, preservacionistas,

    conservacionistas, socioambientalistas e ruralistas travaram uma verdadeira

    batalha que mobilizou a imprensa, ONGs, alm de fortssimos lobbies no

    Congresso na defesa de suas posies sobre a forma e os critrios de

    proteo da natureza. Entre os pontos mais polmicos destacavam-se a

    questo das populaes tradicionais, a participao popular no processo de

    criao e gesto de Unidades de Conservao (UCs) e as indenizaes

    para desapropriaes (MEDEIROS, 2006).

    O SNUC no s sistematizou as inmeras leis dispostas sobre as diversas

    categorias de manejo, como tambm definiu critrios e normas para o

    estabelecimento e gesto das reas protegidas sejam federais, estaduais,

    municipais ou privadas. Quanto categoria de manejo as Unidades de Conservao

    foram divididas em dois grupos por meio do SNUC, sendo as de Proteo Integral e

    as de Uso sustentvel. O objetivo principal das unidades de Proteo Integral

    preservao da natureza permitindo somente o uso indireto dos seus recursos

    naturais. O grupo das Unidades de Proteo Integral composto pelas seguintes

    categorias: Estao Ecolgica (ESEC), Reserva Biolgica (REBIO), Parque Nacional

    (PARNA) e Monumento Natural e Refgio de Vida Silvestre. Adicionalmente, as UCs

    de Uso Sustentvel permitem o uso de uma parcela dos recursos naturais, visando

    compatibilizar a conservao da natureza e o uso sustentvel. As reas de Proteo

    Ambiental (APA), reas de Relevante Interesse Ecolgico (ARIE), Florestas

    Nacionais (FLONA) ou Estaduais, Reservas Extrativistas (RESEX), Reservas de

    Fauna, Reservas de Desenvolvimento Sustentvel (RDS) e Reservas Particulares do

    Patrimnio Natural (RPPN), constituem o grupo das Unidades de Uso Sustentvel.

    O litoral paranaense constitudo por um mosaico de Unidades de

    Conservao, comporta categorias de Uso Sustentvel e de Proteo Integral, em

    mbito federal, estadual, municipal e privado. a maior rea contnua de floresta

    original do Estado do Paran, no ano de 2006, possua 82,48% do territrio coberto

    por UCs e/ou reas protegidas. Entre os municpios que o compem, merece

  • 15

    destaque Guaraqueaba, com 98,76% de seu territrio coberto por UCs (DENARDIN

    et al, 2008; KOMARCHESKI, 2012).

    Alis, no litoral norte do Paran, a APA de Guaraqueaba, e as RPPNs so

    de Uso Sustentvel e o PARNA de Superagui, a ESEC de Guaraqueaba e a REBIO

    Bom Jesus, recm-criada (Decreto Federal 5 de junho de 2012), so de Proteo

    Integral. Relativo ao Plano de Manejo destas UCs, instrumento fundamental de

    gesto da unidade onde se estabelece, de acordo com os seus objetivos, o seu

    zoneamento, as normas que devem presidir o uso da rea, o manejo dos recursos

    naturais, e inclusive a implantao das estruturas fsicas necessrias gesto da

    unidade. Na APA apenas as RPPNs possuem o instrumento aplicado. Entretanto,

    cabe ao SNUC estabelecer o prazo mximo de cinco anos aps o decreto de criao

    da UC para elaborao do plano de manejo.

    Como elucida Diegues (2001), a criao destas unidades de conservao,

    vista pelas comunidades tradicionais, como uma usurpao de seus direitos

    sagrados terra onde viveram seus antepassados, a perda do espao coletivo, o

    territrio, no qual se realiza seu modo de vida distinto do urbano industrial, marca a

    mudana de seu vnculo com a natureza. Um exemplo a proibio pela Lei da

    Mata Atlntica (2006) do tradicional sistema de pousio ou agricultura de coivara, na

    qual so abertas clareiras na floresta para serem cultivadas por perodos mais curtos

    do que aqueles destinados ao descanso e regenerao da terra.

    Segundo Albagli (2004), territrio o espao apropriado por um ator, sendo

    definido e delimitado por e a partir de relaes de poder, em suas mltiplas

    dimenses. Cada territrio produto da interveno e do trabalho de um ou mais

    atores sobre determinado espao. As relaes sociais e polticas, decorrentes dos

    processos de ocupao do territrio, da implantao e gesto das unidades de

    conservao, e dos instrumentos de ordenamento do territrio, reproduzem conflitos

    que conferem ou reduzem direitos fundirios e de propriedade, regulam e induzem

    os usos do solo sob a tica do capital.

    At onde h registros, a ocupao do que hoje constitui o litoral paranaense

    se iniciou h aproximadamente 6.000 anos pelo homem do sambaqui, como atestam

    quase trs centenas de sambaquis da regio (MARTIN et al, 1988; PARELLADA;

    GOTTARDI NETO, 1994). A expulso destas terras, sempre habitadas pelas

    comunidades tradicionais, mas sem delimitao e documento baseados na lgica da

  • 16

    propriedade privada, implica na impossibilidade de continuar existindo como grupo

    portador de determinada cultura. Em muitos casos, relatam considerar que seu

    territrio, aps a criao do parque, pertence polcia florestal, aos administradores

    do parque ou s instituies que atuam em conjunto com essas instncias

    (DIEGUES, 2001).

    A dificuldade no dilogo entre os diversos atores sociais, os

    institucionalizados e os no institucionalizados, expe as comunidades da APA de

    Guaraqueaba a uma situao de fragilidade. As criminalizaes do modo de vida

    tradicional, a reduo dos seus territrios e a restrio do tipo de produo,

    contribuem para que a regio tenha os piores ndices de desenvolvimento humano

    do Estado do Paran e um dos mais baixos do Brasil. A previso de instalao de

    novos empreendimentos no Litoral do Paran no condizentes com os objetivos de

    proteo do bioma Mata Atlntica, como terminais porturios, aeroporto de cargas,

    rodovias e ferrovias, cria um cenrio onde os conflitos existentes tendem a se acirrar

    e a excluir ainda mais os modos de vida e produo no convencionais, alm de

    colocar em risco a conservao da biodiversidade local. Os impactos causados por

    esses empreendimentos como: o aumento da demanda por recursos hdricos, a

    produo de contaminantes de diferentes tipos, a migrao de mo de obra

    temporria necessria para instalao dos empreendimentos, a especulao

    imobiliria, entre outros, coloca em risco toda a poltica de conservao que est

    estabelecida na regio. O trabalho coloca em pauta a discusso das relaes

    antagnicas entre os esforos conservacionistas e a democratizao do acesso aos

    recursos naturais e a luta por justia ambiental. De acordo com Acselrad (2010):

    As lutas por justia ambiental combinam: a defesa dos direitos a ambientes

    culturalmente especficos - comunidades tradicionais situadas na fronteira

    da expanso das atividades capitalistas e de mercado; a defesa dos direitos

    a uma proteo ambiental equnime contra a segregao socioterritorial e a

    desigualdade ambiental, promovidas pelo mercado; a defesa dos direitos de

    acesso equnime aos recursos ambientais, contra a concentrao das

    terras frteis, das guas e do solo seguro nas mos dos interesses

    econmicos fortes no mercado (ACSELRAD, 2010).

    Pois bem, nesse ponto nos deparamos com uma dicotomia. De um lado,

    uma poltica desenvolvimentista calcada na explorao dos recursos naturais onde o

  • 17

    contraponto a criao de reas legalmente protegidas (seguindo o modelo norte

    americano); e do outro o desenvolvimento sustentvel do territrio onde a

    conservao dos recursos naturais se d como parte dos modos de ser e fazer das

    comunidades. No primeiro caso o que h de bom concentrado nas mos de

    poucos e instala-se a injustia ambiental, no segundo caso ocorre democratizao

    do uso dos recursos naturais.

    Frente a essa dicotomia iremos procurar estabelecer uma reflexo sobre as

    seguintes indagaes:

    Como criar mecanismos para que as comunidades tradicionais permaneam

    no territrio e no sejam fragilizadas? Como aliar as atividades econmicas e

    culturais proteo ambiental? Como fazer com que as instituies tomadoras de

    deciso compreendam o modo de ser e fazer das comunidades tradicionais?

    Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivos:

    I - Resgatar o histrico do uso e ocupao do solo na regio como forma de

    contextualizar o cenrio atual;

    II - Identificar as polticas pblicas de gesto territorial na regio;

    III - Compreender como se estabelecem as relaes de poder entre os diferentes

    atores sociais da rea de estudo e como se d o acesso aos recursos naturais;

    IV - Identificar e descrever as potencialidades e atuais iniciativas de organizao de

    comunidades tradicionais da regio;

    V - Produzir mapas temticos para a espacializao das informaes.

  • 18

    2 MATERIAL E MTODOS

    2.1 REA ESTUDADA

    A APA de Guaraqueaba est localizada no litoral norte do Paran,

    abrangendo todo o municpio de Guaraqueaba, parte de Antonina, Paranagu e

    Campina Grande do Sul, perfazendo uma rea de 282.444 ha entre as coordenadas

    48o45 e 48o00W e 24o50 25o30S. Limitada ao sul pela Baia de Paranagu e ao

    norte pela cadeia de montanhas da Serra do Mar (FIGURA 1), essa regio segundo

    a classificao de Koeppen apresenta dois tipos climticos, subtropical mido

    mesotrmico com vero quente e subtropical mido com vero fresco (IPARDES,

    1995).

    FIGURA 1 - LOCALIZAO DA APA DE GUARAQUEABA, LITORAL DO PARAN, BRASIL.

    FONTE: os autores (2013)

  • 19

    A temperatura mdia do ms mais quente est acima dos 22oC e a

    temperatura do ms mais frio varia entre 18oC e - 3oC. O clima na regio sempre

    mido apresentando chuvas bem distribudas durante todo o ano, a precipitao

    varia, de 1700 mm anuais nas regies mais altas, acima de 900 m, a 2500 mm na

    plancie costeira (IPARDES 2001).

    Na APA de Guaraqueaba ocorrem distintos grupos de rochas e sedimentos

    os quais esto associados diretamente a dois domnios geolgicos principais:

    cobertura sedimentar cenozica e rochas do embasamento e diques juro-cretcios

    associados (IPARDES 2001). No domnio da cobertura sedimentar cenozica

    Angulo (1992a) aponta unidades compostas por sedimentos de origem continental

    (leque, cones aluviais, talus, colvios e fluviais) e costeiros (plancie costeira com

    cordes litorneos e estuarinos). No domnio das rochas do embasamento e diques

    juro-cretcios so identificadas as seguintes unidades: complexo granultico Serra

    Negra, complexo gnissio migmatco costeiro do Proterozico Inferior, sute grantica

    folhada do Proterozico Inferior, granitos subalcalnos e alcalinos do Cabriano e

    intrusivas bsicas do mesozoico segundo estudo realizado em 1989 pela Minerais

    do Paran SA Servio Geolgico do Paran (MINEROPAR) sobre a geologia do

    estado do Paran.

    O solo da regio apresenta composies bastante variadas com a

    predominncia de Cambissol que est presente em 50% da superfcie da APA. Os

    outros 50% da superfcie esto divididos de forma quase que igualitria entre

    Latossolo Vermelho-Amarelo (7%), Podzlico Vermelho-Amarelo (8%), Podzol

    (12%), Solos Hidromrficos Gleyzados Indiscriminados (10%), Solos Indiscriminados

    de Mangue (6%), Afloramento de Rochas (7%) (IPARDES 1995).

    Inserida no bioma mata atlntica a APA de Guaraqueaba faz parte do maior

    contnuo florestal do mesmo, coberta por formaes de Floresta Ombrfila Densa

    e reas de Formaes Pioneiras a partir dos critrios de classificao da vegetao

    do projeto RADAM Brasil (IPARDES 1995). Os tipos de Floresta Ombrfila Densa

    encontrados na regio so os seguintes: Floresta Ombrfila Densa de Plancies

    Aluviais (o longo de rios e entre vales, principalmente na plancie litornea), Floresta

    Ombrfila Densa de Terras Baixas (de 5 a 50 m de altitude), Floresta Ombrfila

    Densa Sub-Montana (de 50 a 500 m), Floresta Ombrfila Densa Montana (de 500 a

    1200 m) e Floresta Ombrfila Densa Alto Montana (de 1200 a 1400 m) (Redemap).

  • 20

    Nas reas de formao pioneira so identificadas Formaes Pioneiras de Influncia

    Marinha (restinga), Formaes Pioneiras de Influncia Fluviomarinha (mangues e

    reas de transio) e Formaes Pioneiras de Influncia Fluvial (brejos e vrzeas)

    (IPARDES 1995).

    Atualmente foram publicados pela ONG SOS Mata Atlntica, os dados

    atualizados sobre os remanescentes florestais e reas naturais da Mata Atlntica,

    para a regio da APA de Guaraqueaba (TABELA 1).

    Municpios rea do

    Municpio

    (ha)

    Mata Mangue Restinga Total

    Natural

    %

    Antonina

    88.102 57.915 5.525 6.335 69.776 79%

    Guaraqueaba

    202.229 112.187 13.488 36.293 161.968 80%

    Paranagu

    82.623 18.545 5.101 16.428 40.074 49%

    Campina

    Grande do Sul

    54.075 22.218 0 0 22.219 41%

    FONTE: SOS MATA ATLNTICA (2013).

    O sistema de drenagem da regio conta com um sistema ramificado de rios

    que tem suas nascentes nas montanhas da Serra do Mar e sua desembocadura nas

    baas de Pinheiros, Laranjeira e Antonina. As principais bacias hidrogrficas que

    esto total ou parcialmente dentro da APA so: Guaraqueaba, Serra Negra,

    Tagaaba, Faisqueira, Cachoeira, Itaqui, Benito, Itinga e Sebui (IPARDES, 1995).

    TABELA 1 REMANESCENTES FLORESTAIS E REAS NATURAIS DA MATA ATLNTICA (PERODO

    2011-2012)

  • 21

    2.2 COMUNIDADES ESTUDADAS

    A APA de Guaraqueaba tem aproximadamente 55 comunidades

    distribudas em seu territrio, o estudo foi desenvolvido em nove comunidades

    (FIGURA 2), com uma diversidade cultural e tnica, entre agricultores familiares,

    indgenas, quilombolas e trabalhadores ligados ao Movimento Sem Terra (MST).

    FIGURA 2 LOCALIZAO DAS COMUNIDADES ESTUDADAS E SEDE DO MUNICPIO DE GUARAQUEABA, APA DE GUARAQUEABA, PARAN. FONTE: os autores (2013)

  • 22

    2.2.1 Aungui

    A comunidade de Aungui est localizada as margens do rio Aungui e da

    rodovia PR-405, prxima s coordenadas UTM 22J 758905 721269, entre Tagaaba

    e Serra Negra, a cerca de 40 km da sede do municpio de Guaraqueaba. Segundo

    relato dos moradores mais antigos, o nome da comunidade originrio do

    Saltinho, onde nasce o rio Aungui e deu inicio a comunidade, quanto

    descendncia a maioria relata ter parentesco de origem indgena e portuguesa.

    A comunidade tem por volta de 165 habitantes, distribudos em 37 famlias, a

    principal fonte de renda a agricultura baseada na produo de banana, pupunha e

    mandioca, seguida de outras fontes como o comrcio, aposentadoria, penses,

    servio pblico e construo civil. A comunidade tambm sobrevive de empreitadas

    em propriedades de grandes agricultores, da venda de outros produtos como farinha

    de mandioca, mel e cana de acar (DENARDIN et al. 2012; SIBUYA et al.2013).

    No Programa Paran Doze Meses, no ano de 2003, atravs do Instituto

    Paranaense de Assistncia Tcnica e Extenso Rural (EMATER), a comunidade de

    Aungui foi contemplada com uma farinheira comunitria (FOTO 1) e um micro

    trator. Entretanto a unidade produtiva no estava ativa devido falta de organizao

    social e manuteno dos maquinrios. No ano de 2007, a Universidade Federal do

    Paran Setor Litoral comeou a atuar na localidade, inicialmente com o Projeto de

    Pesquisa: Estudo da Cadeia Produtiva da Mandioca como estratgia do

    desenvolvimento da Agroindstria Familiar no Litoral Paranaense, mais tarde se

    transforma no Projeto de Extenso Reestruturao Produtiva de Farinheiras

    Comunitrias no Litoral Paranaense e no ano de 2009 se torna o Programa de

    Extenso Farinheiras no Litoral do Paran e conquista o Prmio Universidade

    Solidria do Banco Santander. Atravs da reestruturao da unidade produtiva

    (Figura 3) foram beneficiadas diretamente 15 famlias, atualmente a Associao de

    Moradores e Pequenos Produtores do Aungui est ativa (FOTO 2) e conquistou o

    alvar de funcionamento da prefeitura e a licena da vigilncia sanitria para a

    produo de farinha de mandioca.

    Segundo o Programa de Extenso o foco auxiliar na autogesto e

    empoderamento da mesma, a perspectiva que a comunidade de Aungui continue

    mantendo sua segurana alimentar e que a farinheira comunitria se torne uma

    atividade cada vez mais rentvel. Cabe ressaltar tambm o grande potencial para a

  • 23

    certificao da produo orgnica, visto que, a maioria dos agricultores produz sem

    adio de insumos qumicos.

    2.2.2 Potinga

    A comunidade de Potinga fica entre as comunidades de Rio do Cedro e

    Tagaaba, prxima s coordenadas geogrficas 25 14S e 48 30W, sua populao

    reside basicamente s margens da PR 405 e uma pequena parcela habita o entorno

    prximo de alguns rios que permeiam a regio. A comunidade possui cerca de 200

    habitantes (KASSEBOEHMER, 2007).

    A principal fonte de renda a agricultura baseada na produo de banana,

    pupunha e mandioca, seguida de outras fontes como o comrcio, aposentadoria,

    penses, servio pblico e construo civil.

    No ano de 2003, semelhante comunidade do Aungui, os moradores de

    Potinga tambm foram contemplados com uma farinheira comunitria (FOTO 3). No

    entanto, mesmo com a Associao de Moradores e Pequenos Produtores de

    Potinga e Rio do Cedro ativa e fortalecida (FOTO 4), a unidade produtiva no estava

    em funcionamento devido falta de manuteno dos maquinrios. A Associao

    formada pelas comunidades de Potinga e Rio do Cedro, tendo cerca de 30 famlias

    associadas e uma capacidade notvel de articulao. A maioria dos associados so

    vinculados a outras associaes ou iniciativas coletivas ligadas a produo de

    banana, meliponicultura e turismo local. No ano de 2009, a Universidade Federal do

    Paran Setor Litoral, atravs do Programa de Extenso Farinheiras no Litoral do

    FOTO 1 FARINHEIRA COMUNITRIA DO AUNGUI FONTE: os autores (2013).

    FOTO 2 REUNIO DA ASSOCIAO DE AUNGUI FONTE: PROGRAMA FARINHEIRAS (2013).

  • 24

    Paran, tambm passou a atuar na localidade, com o intuito de reestruturar a

    farinheira comunitria. A mesma encontra-se nas ltimas etapas para a obteno do

    alvar de funcionamento e licena da vigilncia sanitria.

    2.2.3 Aldeia Guarani Raio do Sol (Bom Jesus)

    Localizada as margens da PR-405, a aldeia encontra-se na divisa dos

    municpios de Antonina e Guaraqueaba, dentro dos limites da Reserva Biolgica

    Bom Jesus. Os indgenas vivem na rea h cerca de um ano e meio, migraram de

    uma aldeia no municpio de Mangueirinha no interior do Paran, e afirmam que

    esto nas terras antes do Governo Federal decretar a criao de uma REBIO em

    2012, categoria mais restritiva de unidade de conservao.

    A comunidade tem 25 habitantes distribudos em cinco famlias, mas a

    tendncia que este nmero aumente, pois mais famlias da aldeia de Piraquara

    tem a inteno de migrar para o litoral. A aldeia no apresenta infraestrutura

    adequada, no dispem de escola para as crianas, energia eltrica, os banheiros

    so do tipo latrina e a captao de gua feita por intermdio de poos artesianos.

    Atualmente sobrevivem de caas (de maneira controlada), pequenas

    criaes de aves e do pouco cultivo que detm baseado na produo de milho e

    FOTO 3 FARINHEIRA COMUNITRIA DE POTINGA FONTE: os autores (2013)

    FOTO 4 REUNIO DA ASSOCIAO DE POTINGA E RIO DO CEDRO FONTE: PROGRAMA FARINHEIRAS (2012)

  • 25

    mandioca para o consumo prprio, ainda no recebem nenhum tipo de subsdio da

    FUNAI (Fundao Nacional do ndio).

    2.2.4 Aldeia Guarani Kuaray Guat (Cerco Grande)

    A aldeia situa-se prxima sede do municpio de Guaraqueaba, cerca de 3

    km, contudo o acesso complicado, para chegar ao povoado necessrio

    atravessar um canal e realizar uma caminhada em trilha fechada.

    Conforme o relato do Paj Faustino, sua famlia reside na aldeia desde

    2002, mas as primeiras famlias surgiram em meados de 1986, mesmo com a

    permanncia no territrio as terras ainda no foram demarcadas pela Fundao

    Nacional do ndio (FUNAI).

    Na comunidade existem cerca de 30 habitantes, distribudos em 7 famlias,

    anteriormente chegou a abrigar 15 famlias (FOTO 5). A pequena produo agrcola

    baseada na plantao de banana, mandioca e canadeacar, destinada ao

    consumo prprio. Os indgenas tambm sobrevivem da pesca (sem a utilizao de

    redes predatrias), pequenas criaes de aves, caas (de maneira controlada) e

    artesanatos. Algumas famlias recebem o auxlio do Programa Bolsa Famlia, do

    Governo Federal e a assistncia de cestas bsicas da FUNAI, no perodo de 3 em 3

    meses.

    No que tange infraestrutura, as casas das famlias so simples feitas de

    pau a pique, cho batido e cobertas com capim e lona ou telhas (FOTO 6). A

    Companhia de Rede de gua de Guaraqueaba tambm instalou gua potvel e

    banheiros, posteriormente a Companhia Paranaense de Energia (COPEL) introduziu

    sistemas de aquecimento solar nos banheiros, porm a aldeia no tem energia

    eltrica. Recentemente foi construda na aldeia a Escola Estadual Kuaray Guat

    Por que atende at o 5 ano, as aulas em portugus so ministradas pela

    Professora Maria Izabel e as aulas em guarani pelo cacique Valdinei.

  • 26

    2.2.5 Batuva

    Comunidade quilombola (FOTO 7) com base na agricultura familiar,

    localizada a aproximadamente 25 km da sede de Guaraqueaba prxima divisa

    com o estado de So Paulo, seu acesso se d por estrada auxiliar a PR-405. Faz

    parte da bacia hidrogrfica da Baa das Laranjeiras na poro norte do municpio e

    ocupa o vale formado pelas Serras da Utinga, Negra, Gigante e Morato

    (KASSEBOEHMER, 2007).

    Segundo a descrio do Professor Ilton Gonalves da Silva, morador

    nascido em Batuva, maioria do grupo veio de Canania e do Vale do Ribeira, no

    Estado de So Paulo. A comunidade tem aproximadamente 200 habitantes,

    distribudos em 8 famlias, quanto estrutura h uma escola de 1 ao 5 ano, um

    mercado pequeno, um telefone pblico, uma igreja, gua encanada e distribuio de

    energia eltrica. A produo baseada no cultivo de banana, mandioca, feijo,

    arroz, palmito, pupunha e inhame (FOTO 8), bem como em pequenas criaes de

    aves. Existe tambm uma Unidade de Transformao dos Produtos Agrcolas de

    Batuva, que est inativa, a iniciativa foi de um Projeto de Extenso do Setor de

    Agrrias, da Universidade Federal do Paran, da organizao no governamental

    SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educao Ambiental), da

    empresa Terra Preservada em conjunto com a EMATER, o Instituto Agronmico do

    Paran (IAPAR), o Instituto Ambiental do Paran (IAP), prefeituras de

    FOTO 6 - CASA DE PAU-A-PIQUE NA ALDEIA GUARANI KUARAY GUAT POR FONTE: os autores (2013).

    FOTO 5 CRIANAS DA ALDEIA GUARANI KUARAY GUAT POR

    FONTE: os autores (2013)

  • 27

    Guaraqueaba, Antonina, Morretes e Paranagu. Na poca de implantao deste

    projeto foi criada a Associao de Moradores e Produtores do Batuva, porm a

    organizao no teve prosseguimento e hoje est inativa.

    Atualmente, os moradores de Batuva tem contato mais direto com um

    Projeto de Extenso, da Universidade Federal do Paran Setor Litoral, que os

    auxilia desde a organizao social da comunidade e formao continuada de

    professores at assistncia em questes mais especficas como a meliponicultura.

    2.2.5 Rio Verde

    O acesso via terrestre comunidade quilombola de Rio Verde ocorre atravs

    da PR-405 e da linha Guaraqueaba Batuva faz divisa com as terras da RPPN

    (Reserva Particular do Patrimnio Natural) Salto Morato da Fundao O Boticrio

    de Proteo Natureza.

    A comunidade composta por cerca de 60 famlias, onde grande parte do

    grupo possui grau de parentesco com a comunidade do Batuva, originria de

    Canania e do Vale do Ribeira, no estado de So Paulo. A agricultura voltada a

    subsistncia, baseada nos cultivos de banana, mandioca, feijo, arroz, palmito,

    pupunha e inhame, e alguns detm pequenas criaes de aves e produzem o mel

    FOTO 7 - COMUNIDADE QUILOMBOLA DO BATUVA FONTE: os autores (2013)

    FOTO 8 - PROF ILTON AO LADO DE SUA PRODUO DE INHAME FONTE: os autores (2013)

  • 28

    da abelha nativa da regio. De acordo com Brandenburg et al. (2007), o alimento

    comprado com a renda obtida principalmente: a) pelo trabalho como camarada; b)

    com a comercializao da banana; c) aposentadorias; d) empregos no agrcolas

    (funcionalismo pblico); e) atividades extrativas ilegais. Observou-se que, alm

    dessas duas estratgias, a doao de alimentos, realizada no interior de redes

    sociais, igualmente importante.

    Relativo infraestrutura a comunidade tem gua potvel encanada, energia

    eltrica, um telefone pblico, algumas vendas de comrcio, igrejas e uma unidade

    de produo orgnica desativada e uma escola de 1 a 5 ano, onde as aulas so

    multisseriadas (FOTO 9 e 10).

    No h relatos de nenhuma associao ou organizao comunitria

    formalizada, mas houve uma parceria com a SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida

    Selvagem e Educao Ambiental) e a Empresa Terra Preservada, porm atualmente

    no se tem mais informaes sobre tal parceria.

    2.2.6 Morato

    Comunidade vizinha a RPPN Salto Morato da Fundao O Boticrio de

    Proteo Natureza, situa-se a 19 km da sede de Guaraqueaba. Residem no

    Morato, aproximadamente 40 famlias, cujo seu principal sustento provm da

    agricultura familiar. O cultivo baseado na produo de mandioca, banana, arroz e

    inhame, existem nas propriedades pequenas criaes de aves.

    FOTO 9 - COMUNIDADE DE RIO VERDE FONTE: os autores (2013).

    FOTO 10 ESTRADA DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).

  • 29

    Atualmente no existe nenhuma organizao comunitria ativa, houve uma

    tentativa de Associao de Artesos do Morato atravs da Fundao Grupo

    Boticrio, que no obteve sucesso e est desativada. Quanto aos indicadores de

    estrutura da comunidade, existe gua potvel encanada, energia eltrica, um

    telefone pblico, um campo de futebol, estabelecimentos de comrcio, igrejas, posto

    de sade, uma escola de 1 ao 5 ano e a sede da que contm uma cozinha

    comunitria (FOTO 12 e 13).

    2.2.7 Serra Negra

    Localizada na regio central do municpio, na rodovia PR-405, as margens

    do Rio Serra Negra. A comunidade tem aproximadamente 160 habitantes, a base do

    seu sustento a agricultura, a produo constituda em especial da banana,

    pupunha e mandioca e algumas criaes ligadas pecuria.

    Serra Negra usufrui de energia eltrica, abastecimento de gua,

    estabelecimentos de comrcio, igrejas, um mirante, dois telefones pblicos e um

    posto telefnico que viabiliza ligaes interurbanas e internacionais, h tambm uma

    escola que oferece durante o dia o ensino bsico de 1 ao 5 ano e a noite o

    supletivo de 6 ao 9 ano, posto de sade e uma cozinha comunitria no bananal

    (AGUDELO et al. 2004) (FOTO 13 e 14).

    FOTO 11 ESTRADA DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).

    FOTO 12 - MORADIA DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).

  • 30

    2.2.8 Acampamento Jos Lutzemberg (Rio Pequeno)

    Localizado na rea rural do municpio de Antonina, no Rio Pequeno, abrange

    uma rea de aproximadamente 300 hectares. A extenso pertencia legalmente

    antiga Agropecuria So Rafael do fazendeiro Sr. Pedro Paulo Pamplona, entretanto

    os agricultores familiares denominados como posseiros que residiam e faziam o

    uso da terra, ou seja, cumpriam a funo social da terra. Mas eram cada vez mais

    frequentes as presses por parte do proprietrio, o que instaurou o conflito fundirio

    e fez com que os agricultores partissem para o enfrentamento aliando-se ao

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Deste modo, a localidade

    foi estabelecida em 31 de maro de 2004 como o Acampamento do MST Jos

    Lutzemberg (FOTO 15).

    Segundo BORSATTO (2007) desde o primeiro dia de ocupao, proibido o

    uso de quaisquer tipos de agrotxicos ou fertilizantes solveis; realizado um

    trabalho contnuo de recuperao ambiental por meio do plantio de espcies nativas;

    a mata ciliar do rio est sendo reconstituda; incentivada a busca de solues

    endgenas para os problemas; se busca somente a utilizao de recursos

    autctones no processo de produo de alimentos e se promove o plantio de

    diferentes espcies vegetais para garantir a segurana alimentar das famlias; entre

    outras prticas preconizadas pela Agroecologia.

    Relativo estrutura o acampamento segue o modelo de agrovila, tem um

    barraco onde ocorrem as reunies e encontros, tem gua potvel encanada,

    energia eltrica, telefone pblico, a escola do movimento est sendo implantada, a

    FOTO 14 MORADIA DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).

    FOTO 13 - REA DE PLANTIO DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).

  • 31

    comunidade tem um caminho para o transporte da produo orgnica e um trator

    entregue recentemente ao municpio por meio de uma emenda parlamentar.

    Atualmente a comunidade est conseguindo se sustentar atravs da

    Agroecologia, comercializa para a os Programas do Governo Federal de merenda

    escolar orgnica, e passou pela ltima fase de certificao orgnica da Rede

    Ecovida de Agroecologia, o olhar externo, e teve um parecer positivo (FOTO 16).

    2.3 PROCEDIMENTOS

    O foco central do presente trabalho de natureza complexa e exige

    mltiplos olhares, portanto foi necessrio utilizar uma diversidade de instrumentos e

    ferramentas metodolgicas no seu desenvolvimento, como a pesquisa documental e

    reviso bibliogrfica, diagnstico das comunidades estudadas, sadas de campo,

    organizao e realizao de evento, reunies, entrevistas e o uso de

    geoprocessamento para espacializao das informaes.

    2.3.1 Pesquisa Documental e Reviso Bibliogrfica

    Na rea de estudo e na temtica escolhida, existe uma infinidade de

    trabalhos realizados, a pesquisa documental e a reviso bibliogrfica demandou

    uma seleo dos principais documentos. Inicialmente foram consultados os

    FOTO 16 - ETAPA OLHAR EXTENO DO PROCESSO DE CERTIFICAO DE PRODUO ORGNICA DA REDE ECOVIDA FONTE: os autores (2013).

    FOTO 14 - GALPO DO ACAMPAMENTO JOS LUTZEMBERG FONTE: os autores (2013).

  • 32

    documentos oficiais, o Diagnstico Ambiental da APA de Guaraqueaba realizado

    pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social (IPARDES) em

    1995, o Zoneamento do APA de Guaraqueaba realizado pelo IPARDES em 2001 e

    o Plano Diretor do Municpio de Guaraqueaba realizado pela empresa consultora

    Vertrag Planejamento Ltda em 2006.

    A meta era obter um histrico do uso e ocupao do solo, bem como das

    legislaes vigentes, e contextualizar a situao atual da regio.

    No segundo momento, foram analisados artigos, teses e relatrios sobre a

    APA de Guaraqueaba, a maioria no mbito dos conflitos ocasionados com a

    chegada da conservao no territrio, a criao do conselho consultivo da APA, a

    gesto das UCs e a organizao social das comunidades. Todavia, tambm foi

    necessrio um estudo mais aprofundado dos autores que discutem a temtica da

    conservao, do socioambiental, justia ambiental, justia social e participao

    social.

    2.3.2 Diagnstico das Comunidades e Sadas de Campo

    O diagnstico foi realizado juntamente com a mobilizao da participao

    das comunidades no I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran.

    As sadas de campo ocorreram nos meses de abril at julho de 2013, ao

    todo foram realizadas quatro sadas de campo para as localidades onde j havia

    uma relao com a liderana local, alm dos objetivos acima o intuito era vivenciar

    um pouco do cotidiano do meio rural da APA de Guaraqueaba. Durante as sadas

    eram feitos registros fotogrficos e anotaes no dirio de campo, sobre a

    percepo do ambiente e de algumas falas de pessoas-chave, mas somente quando

    se percebia que no iria alterar o desempenho do discurso das comunidades.

    A primeira sada de campo (FOTO 17) aconteceu no dia 22 de abril, com o

    veculo da UFPR Setor Litoral, ao Acampamento do MST Jos Lutzemberg. O

    objetivo era obter um contato mais prximo com o pessoal do Acampamento,

    conhecer a rea, dialogar e organizar as visitas nas comunidades do I Encontro e

    acompanhar a ltima etapa do processo de certificao orgnica realizado pela

    Rede Ecovida de Agroecologia. Devido equipe da Motir Sociedade Cooperativa

    ter uma relao de trabalho, confiana e amizade duradoura com o Acampamento a

  • 33

    aproximao dos autores foi positiva. Tambm estavam presentes neste dia

    certificadores da Rede Ecovida de Agroecologia, profissionais do Instituto de

    Tecnologia do Paran (TECPAR), mas no intuito apenas de acompanhar a

    experincia, o ICMBIO, a EMATER, integrantes do MST da Lapa e da Via

    Campesina do Equador.

    FOTO 17 PRIMEIRA SADA DE CAMPO

    FONTE: os autores, (2013).

    O segundo campo (FOTO 18) ocorreu do dia 9 a 11 de maio de 2013, foi

    realizado com veiculo da liderana do Acampamento, o objetivo era ter um primeiro

    dilogo com as comunidades, sobre o panorama dos conflitos existentes, as

    potencialidades e a necessidade de participao comunitria para a discusso de

    um espao como o I Encontro. Cada comunidade tambm recebeu o documentrio

    intitulado A economia verde vs. a economia das comunidades: uma histria dos

    povos da mata atlntica no Sul do Brasil, produzido em DVD pelo MST e pelo

    Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (organizao do Uruguai) em 2012, na

    qual grande parte das comunidades participou do documentrio denunciando as

    fragilidades enfrentadas no territrio.

    Na sada de campo estavam presentes um dos autores (Nathalia), o lder do

    Acampamento do MST Jos Lutzemberg (Jonas), dois integrantes da Motir

    Sociedade Cooperativa (Jhonatan e Tatiana) e o vice-cacique da Aldeia Guarani

    Raio do Sol (Lauricy).

  • 34

    FOTO 18 - SEGUNDA SADA DE CAMPO

    FONTE: os autores, (2013).

    No primeiro dia foram visitadas: a Aldeia Guarani Raio do Sol, cujo contato

    foi com as lideranas, o cacique Rivelino, sua esposa Elza e o vice-cacique Lauricy

    que acompanhou a viagem; na comunidade do Morato onde foi conversado com a

    Josiane, Gilson e Dinizar; em seguida fomos a Batuva, porm a liderana local no

    estava e o contato foi com o seu irmo Pedro; a comunidade do Rio Verde, onde

    paramos para pouso, foi dialogado com o Professor Antnio.

    No segundo dia, partimos bem cedo em direo sede do municpio de

    Guaraqueaba, onde fizemos contato com o Jers, presidente do Sindicato dos

    Trabalhadores Rurais; a Colnia de Pescadores; o Z Muniz, professor, organizador

    de um espao da cultura e fandangueiro; e com o Professor Ilton do Batuva que

    voltava de um curso. Prosseguimos at a Aldeia Guarani Kuaray Guat Por no

    Cerco Grande, onde paramos novamente para pouso, na aldeia foi conversado

    principalmente com o cacique Valdinei e o paj Faustino, mas o dilogo foi tranquilo

    visto que havia um guarani junto equipe de viagem. No terceiro dia foram visitadas

    as comunidades de Serra Negra, Aungui e Potinga, porm s foi possvel contato

    com a Rose, presidente da Associao de Produtores e Pequenos Produtores do

    Aungui.

    O terceiro campo (FOTO 19), tambm com veculo do MST, aconteceu do dia 12 a

    14 de junho de 2013. A finalidade era reforar o dilogo com as comunidades e

  • 35

    entregar os convites do I Encontro (Figura 18). Alm de marcar o trajeto e a

    localizao das comunidades com o GPS.

    FOTO 19 TERCEIRA SADA DE CAMPO

    FONTE: os autores, (2013).

    Nessa sada de campo estavam presentes os autores (Nathalia e Luiz), o

    lder do Acampamento do MST Jos Lutzemberg (Jonas), um integrante da Motir

    Sociedade Cooperativa (Tatiana). No primeiro dia foram visitadas, a sede do

    municpio de Guaraqueaba e a comunidade quilombola do Batuva. Na sede foram

    entregues os convites a Professora Maria Izabel diretora da escola na Aldeia

    Guarani no Cerco Grande, ao Z Muniz, o Jers e a Colnia de Pescadores; na

    FIGURA 3 - CONVITE DO I ENCONTRO DAS COMUNIDADES FONTE: os autores (2013).

  • 36

    comunidade quilombola do Batuva ao Professor Ilton, liderana local que ofereceu

    sua residncia para o pernoite do grupo.

    No segundo dia, apesar da proximidade com a comunidade quilombola do

    Rio Verde, o grupo no se deslocou at l, pois o Professor Ilton havia avisado que

    seu irmo Professor Antnio, liderana do Rio Verde, estava em outra cidade

    fazendo um curso de formao para professores. Foram ento visitadas as

    comunidades do Morato, Serra Negra, Aungui, Potinga e a Aldeia Guarani Raio do

    Sol. No final do dia o grupo se dirigiu ao Acampamento do MST Jos Lutzemberger.

    No terceiro e ltimo dia de sada, foi acompanhada a entrega de um trator ao

    Acampamento realizada pela prefeitura de Antonina. O trator foi obtido por meio de

    uma emenda parlamentar, conseguida pelo deputado federal Dr. Rosinha, porm

    estava parado no ptio da prefeitura h quase um ano por questes polticas.

    A quarta sada de campo teve a durao de apenas um dia e foi realizada no

    dia 10 de julho de 2013, com veculo da UFPR - Setor Litoral, estavam presentes os

    autores (Nathalia e Luiz). O objetivo foi confirmar o nmero de participantes de cada

    comunidade no I Encontro, a fim de viabilizar o transporte at o local do evento na

    data marcada.

    2.3.3 Geoprocessamento

    Nas sadas a campo foram coletados pontos e trilhas com a localizao das

    comunidades visitadas e suas vias de acesso. Para a coleta desses dados foi usado

    um aparelho GPS Garmin GPSmap 60CSx padronizado com o sistema de referncia

    SAD 69. Em campo tambm foi usada uma planilha para descrio e tabulao de

    caractersticas relevantes dos locais de interesse.

    Alm dos dados coletados em campo, foram utilizados na produo dos

    mapas, arquivos shapefile disponveis no portal do ICMBIO (Instituto Chico Mendes

    para a Conservao da Biodiversidade), a base de dados da UFPR - Setor Litoral e

    dados fornecidos pela ONG SPVS. Nem todas as reservas particulares esto

    representadas nos mapas porque no conseguimos obter junto aos proprietrios os

    respectivos shapefiles.

    Na produo dos mapas foi utilizado o software livre de sistema de

    informaes geogrficas gvSIG em sua verso 1.11.

  • 37

    2.3.4 Entrevistas

    A tcnica de entrevista foi utilizada no intuito de compreender melhor a

    atuao das instituies e as relaes sociais existentes na APA de Guaraqueaba.

    A escolha dos entrevistados foi baseada principalmente numa relao de

    proximidade existente com as instituies.

    Neste trabalho foi adotada como referncia a entrevista despadronizada (ou

    no estruturada) e no dirigida.

    Na entrevista despadronizada o entrevistado tem a liberdade para

    desenvolver cada situao em qualquer direo que considere adequada. uma

    forma de poder explorar mais amplamente uma questo. A entrevista no dirigida

    permite que haja uma liberdade total por parte do entrevistado, que poder

    expressar suas opinies e sentimentos. A funo do entrevistador de incentivo,

    levando o informante a falar sobre determinado assunto, sem, entretanto for-lo a

    responder (MARCONI; LAKATOS, 2011).

    A primeira entrevista ocorreu no dia 25 de junho de 2013, com o Sr. Jos

    Otvio Cardoso Consoni, funcionrio pblico desde o IBDF (Instituto Brasileiro de

    Desenvolvimento Florestal), trabalhou durante muito tempo na gesto da APA e

    ESEC de Guaraqueaba, inclusive logo aps a criao destas unidades. Atualmente

    analista ambiental do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, com sede no municpio

    de Matinhos, mas continua auxiliando com as informaes e histrico que possui da

    regio.

    A segunda entrevista foi realizada no dia 26 de junho de 2013 com a Sra.

    Eliane Bee Boldrini, fundadora da ONG Ademadan com sede no municpio de

    Antonina, sua tese de Mestrado e Doutorado foram relacionadas com a APA de

    Guaraqueaba e tambm desenvolve projetos nesta regio.

    Ambos discorreram sobre suas experincias na regio e perspectivas futuras

    atravs do cenrio atual.

    2.3.5 Participao em Reunio

    No dia 04 de julho de 2013, aconteceu na sede da ONG Ademadan no

    municpio de Antonina, uma reunio de discusso da reativao do conselho

    consultivo da APA de Guaraqueaba, visto que este fazia um ano que no estava

  • 38

    em funcionamento. O objetivo da reunio foi contextualizar o histrico do conselho

    para auxiliar na compreenso da situao atual e discutir qual a melhor forma de

    reativao do conselho. A recm-gestora da APA de Guaraqueaba, Sra. Ftima

    Guedes, foi quem coordenou a reunio. Participaram da reunio a Sra. Mnia Laura

    Faria Fernandes gestora da REBIO Bom Jesus; o Sr. Jos Otvio Cardoso Consoni

    e o Sr. Luiz Francisco Ditzel Faraco ambos analistas ambientais do PARNA de

    Saint-Hilaire/Lange; o Sr. Luis Fernando da EMATER de Antonina, a Sra. Manuela

    Dreyer e a Sra. Larissa Lopes Mellinger do GIA (Grupo Integrado de Aquicultura e

    Estudos Ambientais) da UFPR; a Sra. Camila Domit e o Sr. Allan Krelling da

    Associao Mar Brasil. Os autores participaram apenas como ouvintes.

    2.3.6 Organizao do I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran

    A idealizao do I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran surgiu no

    I Seminrio de Dilogo de Saberes no Litoral do Paran com a temtica Conflitos

    Socioambientais, que ocorreu nos dias 3 a 5 de dezembro de 2012, na UFPR

    Setor Litoral, no municpio de Matinhos. Durante o seminrio ocorreu uma mesa-

    redonda sobre as ruralidades no Litoral do Paran, organizado pela Motir

    Sociedade Cooperativa, estavam presentes os agricultores: Sr. Jonas liderana do

    Acampamento do MST Jos Lutzemberg em Antonina, Sr. Ademir Fernandes

    representando o Assentamento Nhundiaquara (Gleba Pantanal) em Morretes, Sr.

    Rivelino cacique da Aldeia Guarani Raio do Sol divisa com Antonina e

    Guaraqueaba, e Sras. Neuza e Lili representando a Associao de Moradores e

    Produtores de Aungui em Guaraqueaba. Aps as discusses na mesa-redonda,

    aconteceu uma reunio entre as lideranas das localidades, organizada pelo lder do

    Acampamento e a Motir com o propsito de discutir a necessidade de uma

    articulao entre as comunidades do litoral paranaense, nesta reunio ficou

    designado que iriam acontecer outras reunies para organizar a ideia.

    No total foram realizadas 12 reunies (FOTO 20 e 21), nos meses de abril a

    julho de 2013, em conjunto com a Motir e o Acampamento do MST Jos

    Lutzemberg.

  • 39

    FOTO 20 REUNIO COM A MOTIR

    FONTE: os autores, (2013).

    O I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran foi realizado no dia 13

    de julho de 2013, no Acampamento Jos Lutzemberg, na comunidade do Rio

    Pequeno, no municpio de Antonina.

    As seguintes comunidades foram convidadas (Figura 19): Aldeia Guarani

    Raio do Sol, Aldeia Guarani Kuaray Guat Por, Aldeia Guarani Guavir Ty,

    Aungui, Batuva, Cachoeira, Morato, Pantanal, Ponta Oeste, Potinga, Rio Verde,

    Riozinho, Serra Negra, So Joozinho. Destas somente duas no compareceram: o

    Aungui e Serra Negra. Tambm receberam convite as seguintes instituies: a

    Colnia de Pescadores, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a organizao dos

    Fandangueiros de Guaraqueaba, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

    Terra e a Escola Latino Americana de Agroecologia na Lapa, o Movimento por

    Moradia de Curitiba, o Ncleo de Prtica Jurdica da UFPR, o Setor Litoral da

    UFPR. A Colnia de Pescadores e o Sindicato dos Trabalhadores rurais no

    compareceram.

    Na chegada ao evento os participantes confirmavam sua presena na

    recepo e recebiam uma fita com uma cor de identificao (azul, amarela, verde,

    preta, vermelha e branca), depois eram direcionados a mesa com o caf da manh

    oferecido pela comunidade. Aps a confirmao de todos os presentes, as mulheres

    FOTO 21 REUNIO NO ACAMPAMENTO

    JOS LUTZEMBERG

    FONTE: os autores, (2013).

  • 40

    do Rio Pequeno realizaram uma mstica de acolhida, em seguida houve uma breve

    fala de boas vindas dos representantes do Acampamento do MST Jos Lutzemberg

    e da Motir.

    Posterior s boas vindas, os participantes se apresentaram e relataram um

    pouco da realidade de comunidade, experincias e onde est localizada. Essa

    atividade transcorreu at o fim da manh. Finalizadas as apresentaes foi servido o

    almoo, tambm ofertado pela comunidade do Acampamento. A primeira atividade

    do perodo da tarde foi apresentao do fandango, dana tradicional da regio,

    realizada pelo grupo de fandango do Z Muniz. Na sequncia os participantes foram

    divididos em seis grupos segundo a cor das fitas que receberam no momento da sua

    chegada. Cada grupo realizou uma visita, guiada por um morador, a rea de

    produo no sistema agroflorestal. No retorno da visita os grupos formados se

    tornaram grupos de trabalho para discutir as seguintes questes:

    1. Quais os problemas comuns entre as comunidades?

    2. Construir para quem este espao?

    3. Como deve ser o espao?

    4. Qual o tempo entre um encontro e outro?

    5. Onde ser o prximo encontro?

    Somando o nmero de inscritos, nos grupos de discusso, temos o total de

    85 participantes sendo 39 mulheres e 46 homens.

  • 41

    A ltima atividade realizada foi o repasse ao grande grupo dos temas e

    propostas centrais vistos nos grupos menores e a indicao de representantes das

    comunidades presentes para formar uma comisso permanente para organizao

    dos prximos encontros.

    FIGURA 4 - LOCALIZAO DAS COMUNIDADES CONVIDADAS PARA O I ENCONTRO DAS COMUNIDADES DO LITORAL DO PARAN REALIZADO NO DIA 13 DE JULHO DE 2013, NO ACAMPAMENTO JOS LUTZEMBERG, NA COMUNIDADE DO RIO PEQUENO, NO MUNICPIO DE ANTONINA FONTE: os autores (2013).

  • 42

    3 RESULTADOS E DISCUSSES

    3.1 HISTRICO DE USO E OCUPAO DO SOLO E POLITICAS PBLICAS DE GESTO TERRITORIAL

    A reviso bibliogrfica realizada comprova que a rea de estudo habitada

    h muito tempo. Do homem do sambaqui, seu primeiro habitante, at a atualidade

    diversos processos histricos contriburam para que a regio se tornasse uma

    importante rea para a conservao. Detentora de grande biodiversidade e recursos

    naturais, mas em uma situao crtica quanto s populaes que vivem e dependem

    da natureza para reproduzirem seus modos de vida.

    No sec. XVI quando os europeus chegaram costa paranaense, a cultura do

    homem do sambaqui estava extinta e a regio estava ocupada pelos ndios carijs,

    pertencentes grande famlia Tupi-Guarani (BIGARELLA, 1999).

    A colonizao europia na regio, devido a expedies que buscavam

    metais preciosos principalmente o ouro, foi o primeiro fator de alterao do modo de

    usar e ocupar o territrio (MARAGON et al 2004).

    Segundo Miguel et al. (1998):

    Com o fim do ciclo do minrio a regio permaneceu at o incio da

    dcada de 1960 isolada dos processos de transformao dos sistemas de

    produo e consumo, diferentemente da maioria das regies do sul do pas.

    Sendo assim os povos da regio mantiveram at a referida dcada seus

    modos de explorao do meio baseado na apropriao direta dos recursos

    naturais: extrao do palmito (Euterpe edulis), explorao de madeira e

    cips, pesca artesanal e caa, transformao artesanal de produtos

    florestais e agrcolas e cultura da banana, do arroz, da mandioca (e em uma

    menor escala do milho e do feijo) com o sistema de cultivo de queimada

    (MIGUEL et al 1998)

    .

    As polticas pblicas de incentivo a implantao de empreendimento

    agrosilvopastoris na regio no final dos anos 1960 e inicio dos 1970, alterou de

    forma significativa o uso do territrio e o acesso aos recursos naturais no que se

    refere s populaes tradicionais (FERREIRA et al 2011; MIGUEL et al 1998;

    CORNETTA 2005).

    A ocupao e a expanso fundiria de empreendimentos ligados

    explorao de madeira e palmito, cultivo de caf e a bubalinocultura ocorreram sob

  • 43

    circunstncias duvidosas. A grilagem e a apropriao de terras devolutas por parte

    desses empreendimentos provocou um processo de migrao das populaes para

    reas menores, menos frteis e reduziu o acesso a reas e recursos fundamentais

    reproduo do seu modo de vida (CORNETTA, 2005; PIERRI et al 2006).

    A chegada dos latifndios provocou um processo acelerado degradao da

    regio, devido superexplorao dos palmitais e a derrubada de grandes reas

    florestadas para dar lugar a pastagens e criaes de bfalo (FOTO 22)

    (CORNETTA, 2005; PIERRI et al 2006).

    Na dcada de 1980 a constatao da degradao dos ecossistemas da

    regio, provocada pelas atividades desenvolvidas nos latifndios somadas a

    crescente fora do movimento ambientalista internacional, levou o poder pblico a

    tomar iniciativas quanto implantao de unidades de conservao na regio como

    meio de resguardar sua biodiversidade. O processo de criao no participativo

    dessas UCs, somados a uma srie de dispositivos regulamentadores das prticas

    agrcolas e florestais na regio, no diferenciava os latifundirios dos pequenos

    produtores, o que produziu impactos negativos quanto s populaes que esto no

    interior ou entorno dessas reas (Denardin et al 2009). Posteriormente, em meados

    da dcada de 1990, a situao se intensificou com o interesse de diversas ONGs

    FOTO 22 CRIAO DE BFALOS

    FONTE: os autores, (2013).

  • 44

    conservacionistas na rea, adquiriram grandes lotes de terra na Mata Atlntica,

    transformando-as em RPPNS.

    Cabe aqui, neste tpico, fazer uma cronologia da criao dessas unidades

    por meio de mapas:

    1) Criao da Estao Ecolgica de Guaraqueaba em 1982.

    FIGURA 5 LOCALIZAO DA ESEC GUARAQUEABA

    FONTE: os autores, (2013).

  • 45

    2) Criao da rea de Proteo Ambiental de Guaraqueaba em 1985.

    FIGURA 6 LOCALIZAO DA APA DE GUARAQUEABA

    FONTE: os autores, (2013).

  • 46

    3) Criao do Parque Nacional do Superagui em 1990.

    FIGURA 7 LOCALIZAO DO PARNA SUPERAGUI

    FONTE: os autores, (2013).

    FIGURA 7 LOCALIZAO DO PARNA SUPERAGUI

    FONTE: os autores, (2013).

  • 47

    4) Criao das Reservas Particulares do Patrimnio Natural na dcada de 90.

    FIGURA 8 LOCALIZAO DAS RPPNs

    FONTE: os autores, (2013).

  • 48

    5) Criao da Reserva Biolgica do Bom Jesus em 2012.

    FIGURA 9 LOCALIZAO DA REBIO BOM JESUS

    FONTE: os autores, (2013).

  • 49

    A poltica ambiental na regio marcada por uma superposio de regras

    decorrentes da especificidade das unidades territoriais e tambm do controle do uso

    dos recursos naturais. Assim, um mesmo espao, alm das proibies especficas a

    rea de proteo ambiental, pode ser atingido pelo cdigo que regulamenta a

    explorao da floresta, pela restrio de explorao da Mata Atlntica, pela

    regulamentao da extrao de palmito, pela limitao de uso dos solos e pela

    proibio da caa. (MIGUEL et al. 1998).

    Em contraponto as polticas pblicas de conservao, que tem como um de

    seus objetivos assegurar a proteo das populaes que vivem de forma integrada

    com os ecossistemas regionais, somente em 2007 com o decreto n 6040/07, institui

    a Poltica Nacional de Desenvolvimento Sustentvel dos Povos e Comunidades

    onde essas populaes foram reconhecidas oficialmente pelas instituies.

    O arranjo das polticas de gesto do territrio produziu historicamente, uma

    srie de conflitos socioambientais na rea de estudo. Polticas governamentais de

    incentivo a implantao de latifndios, a criao de unidades de conservao sem

    participao efetiva das populaes e a chegada das ONGs conservacionistas

    afetaram diretamente os modos de vida tradicionais contribuindo, segundo Cornetta

    (2005), para o processo de expulso da populao e supresso de modos

    alternativos de produo e consumo. Como aponta Acselrad (2010), na atual fase

    neoliberal do capitalismo a presso predatria exercida sobre os mais fracos

    identificada por intermdio da chamada chantagem locacional dos investimentos,

    mecanismo central nas condies de liberalizao hoje prevalecentes, para a

    imposio de riscos ambientais e de trabalho s populaes destitudas.

    3.2 CONFLITOS COM AS ONGS

    De acordo com Mittermeier (2005), a criao de reas protegidas no Brasil

    impulsionou nas ltimas dcadas o crescimento do terceiro setor, especialmente

    com a chegada de ONGs conservacionistas. Mas como atenta Montao (2002),

    necessrio refletir at que ponto esse crescimento positivo, e qual o real papel

    deste setor perante a sociedade, visto que, est imerso dentro de um sistema

    capitalista:

  • 50

    O capital luta por instrumentalizar a sociedade civil torn-la dcil,

    desestruturada, desmobilizada, amigvel. O debate sobre o terceiro setor,

    como ideologia, transforma a sociedade civil em meio para o projeto

    neoliberal desenvolver sua estratgia de reestruturao do capital,

    particularmente no que refere reforma da Seguridade Social. Portanto, a

    funcionalidade do terceiro setor ao projeto neoliberal consiste em torn-lo

    instrumento, meio, para:

    1) Justificar e legitimar o processo de desestruturao da Seguridade Social

    e desresponsabilizao do Estado na interveno social.

    2) Desonerar o capital da responsabilidade de co-financiar as respostas s

    refraes da questo social mediante polticas sociais estatais.

    3) Despolitizar os conflitos sociais dissipando-os e pulverizando-os, e

    transformar as lutas contra a reforma do Estado em parceria com o

    Estado.

    4) Criar a cultura/ideologia do possibilismo.

    5) Reduzir os impactos (negativos ao sistema) do aumento do

    desemprego

    6) A localizao e trivializao da questo social e a

    autoresponsabilizao pelas respostas s suas sequelas (MONTAO,

    2002).

    No litoral norte do Paran, a expanso das ONGs se acentuou na dcada de

    90, com a implantao da SPVS e a Fundao Grupo Boticrio.

    O movimento pela a idealizao da SPVS tem inicio em 1980, todavia a

    ONG fundada somente em 1984 na cidade de Curitiba, sua misso trabalhar

    pela conservao da natureza, atravs da proteo de reas nativas, de aes de

    educao ambiental e do desenvolvimento de modelos para o uso racional dos

    recursos naturais. Dois anos depois estabelece parcerias com o IBAMA (hoje

    ICMBIO), o Instituto de Terras Cartografia e Florestas (ITCF atualmente o ITCG) e

    outras instituies, o que expande suas atividades de pesquisa e educao

    ambiental. O interesse pela regio da APA de Guaraqueaba acontece em 1993,

    diante a colaborao em algumas pesquisas, como o Plano Integrado de

    Conservao para a APA. A rea do Morro da Mina, localizada no municpio de

    Antonina, foi primeira adquirida pela SPVS, com cerca de 2300 hectares, em 1994

    (SPVS, 2013). No mesmo ano a Fundao Grupo Boticrio, com o objetivo de

    promover aes de conservao da natureza, comprou uma rea de 2.253 hectares,

    em Guaraqueaba e constituiu a Reserva Natural Salto Morato.

  • 51

    A assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997 estabeleceu a reduo de

    gases do efeito estufa pelas naes industrializadas e a implantao de Mecanismos

    de Desenvolvimento Limpo (MDL), podendo ser cumpridos pelos pases, fora de seu

    territrio. Nesta conjuntura a SPVS, a partir de 1999, conseguiu financiamentos com

    a TNC (The Nature Conservancy) e empresas americanas, como a American Eletric

    Power, General Motors e Chevron Texaco, interessadas em seus projetos de

    conservao ambiental e captao de carbono atmosfrico, a fim de combater os

    efeitos do aquecimento global. (BORSATTO, 2007; CORNETTA, 2007). Alm dos

    projetos de seqestro de carbono, a SPVS vem recebendo incentivos financeiros de

    empresas transnacionais como a Audi com a campanha de adoo de um papagaio-

    de-cara-roxa. Ao todo a SPVS tem 18,5 mil hectares de terras na APA de

    Guaraqueaba, as reas do Morro da Mina, Serra do Itaqui, Rio Cachoeira e Sebu

    (CORNETTA, 2007; SPVS, 2013).

    Como elucida Cornetta (2007) que aborda a privatizao da Mata Atlntica e

    as problemticas agrrias na APA, o conflito com as comunidades se d

    principalmente, em razo das terras compradas pela ONG com capital estrangeiro,

    serem exatamente as mesmas adquiridas pelos criadores de bfalos, nas dcadas

    de 60 e 70, mas com o adicional da restrio dos recursos naturais. Contudo as

    comunidades estudadas afirmam que a regio ainda abrigava inmeras

    comunidades locais que estavam assentadas nas terras durante anos, como o

    caso das famlias que formaram o Acampamento do MST Jos Lutzemberg, o

    proprietrio legal da rea tinha inteno de vender a propriedade a SPVS. Conforme

    entrevista ao jornal Carta Maior, publicada em maro de 2006, Jonas Aparecido

    Souza, lder do Acampamento do MST relata:

    A ONG est fechando espaos e isso tem sido motivo de conflito. A reserva

    isolou famlias e reduziu os espaos delas. As comunidades esto sofrendo um

    processo de excluso (CARTA MAIOR, 2006).

    A intensidade desses conflitos com a organizao demonstrada, mesmo

    com a existncia de represses relatadas nas sadas a campo, por intermdio de

    denncias e protestos feito pelas comunidades. o caso das faixas (FOTOS 23 e

  • 52

    24) na PR 405 que d acesso a Guaraqueaba, colocadas pelo posseiro Luis,

    desde que foi expulso de seu territrio pela SPVS.

    FOTO 24 - FAIXA DE PROTESTO CONTRA AS POLTICAS DE PRESERVAO.

    FONTE: os autores (2013).

    FOTO 23 - FAIXA DE PROTESTO CONTRA AS ONGS CONSERVACIONISTAS FONTE: os autores (2013).

  • 53

    A Fundao Boticrio tambm enfrenta conflitos semelhantes com as

    comunidades do seu entorno. Segundo Josiane, nascida e criada no Morato, s

    represses eram frequentes e chegavam a ser violentas, por parte dos rgos

    ambientais e gesto da RPPN, e muitas vezes as instituies andavam juntas,

    punindo os pequenos agricultores.

    Aps vrias denncias das comunidades tradicionais e a gravao do

    documentrio intitulado A economia verde vs. a economia das comunidades: uma

    histria dos povos da mata atlntica no Sul do Brasil, produzido em DVD pelo MST

    e pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (organizao do Uruguai) em

    2012, que retrata os conflitos enfrentados no territrio pelas comunidades da APA, a

    situao na regio amenizou um pouco, mas no foi mediada na totalidade.

    Os fatores acima explanados colocam em evidncia, a diviso territorial

    fragmentada da rea de estudo, apoiada no conceito de propriedade privada

    advento do sistema capitalista, que passa a cercar os lotes e instaurar valor de troca

    da terra e no o valor de uso. No ensaio The Tragedy of the Commons, o bilogo

    Garret Hardin, reforou a lgica de privatizao dos bens comunais como soluo

    para o seu uso econmico, na viso do terico cada indivduo iria suprir suas

    necessidades em benefcio prprio e no do coletivo, degradando os recursos de

    uso comum (ACSELRAD, 2010; HARDIN, 1968; MELLINGER, 2013). Porm esse

    modelo estabelecido no territrio contrrio lgica de ocupao das comunidades

    tradicionais estudadas, baseada na forma comunal de apropriao do espao e dos

    recursos naturais, com suas simbologias e prticas milenares. Como explana

    Diegues:

    Essas formas de apropriao comum de espaos e recursos naturais renovveis se caracterizam pela utilizao comunal (comum, comunitria) de determinados espaos e recursos por meio do extrativismo vegetal (cips, fibras, ervas medicinais da floresta), do extrativismo animal (caa e pesca), e da pequena agricultura itinerante. Alm dos espaos usados em comum, podem existir os que so apropriados pela famlia ou pelo indivduo, como o espao domstico (casa, horta etc.) que, geralmente, existem em comunidades com forte dependncia do uso de recursos naturais renovveis que garantem sua subsistncia, demograficamente pouco densas e com vinculaes mais ou menos limitadas com o mercado. Esses arranjos so permeados por uma extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda mtua, de normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intragrupal (DIEGUES, 2001).

  • 54

    A perda de territrio dessas comunidades, a exposio aos riscos ambientais,

    e a falta de garantia aos seus direitos multiculturais, caracterizam o descaso com o

    reconhecimento da territorialidade das mesmas. Mesmo havendo a existncia

    alguns dispositivos, entre as quais a Conveno da Diversidade Biolgica, a Agenda

    21 e a prpria legislao brasileira, assegurando o papel das comunidades

    indgenas e de outras comunidades tradicionais na conservao da biodiversidade,

    ainda no existem aes mais concretas e efetivas legitimando o direito de acesso

    ao uso comum da terra e aos recursos naturais no Brasil. Em outros pases da

    Amrica Latina e da sia esto em curso iniciativas legislativas, que procuram criar

    um regime legal de proteo aos conhecimentos tradicionais associados

    biodiversidade, distinto do sistema ocidental de propriedade intelectual, patentrio e

    excludente das inovaes coletivas (SANTILLI, 2001).

    3.3 RAPPAM: ANLISE DA EFETIVIDADE DA GESTO DA APA DE GUARAQUEABA

    O mtodo RAPPAM - Rapid Assessment and Priorization of Protected Area

    Management foi desenvolvido pelo WWF entre os anos de 1999 e 2002, uma das

    metodologias de avaliao da efetividade de gesto de reas protegidas, seu

    objetivo estabelecer ferramentas de avaliao rpida e de priorizao de manejo

    das Unidades de Conservao. O desenvolvimento da pesquisa ocorreu nos anos

    de 2005-2006 e em 2010, envolveram 452 pessoas e 245 Unidades de Conservao

    Federais, totalizando 85% das existentes.

    A aplicao dos questionrios foi realizada em oficinas participativas

    integrando os gestores de Unidades de Conservao, equipe tcnica da Sede do

    ICMBIO, consultores especializados na metodologia e equipe tcnica do WWF-

    Brasil.

    A estrutura do questionrio aplicado baseada em cinco segmentos do

    planejamento, gesto e avaliao, contextualizados abaixo (TABELA 2).

  • 55

    TABELA 2: ESTRUTURA DO QUESTIONRIO APLICADO SEGUNDO MTODO RAPPAM

    Elemento Mdulo temtico

    Contexto Perfil

    Presses e ameaas

    Importncia biolgica

    Importncia socioeconmica

    Vulnerabilidade

    Planejamento 6. Objetivos

    7. Amparo Legal

    8. Desenho e planejamento da rea

    Insumos 9. Recursos humanos

    10. Comunicao e informao

    11. Infraestrutura

    12. Recursos financeiros

    Processos 13. Processo de tomada de deciso

    14. Pesquisa, Avaliao e Monitoramento

    Resultados 15. Resultados

    FONTE: ICMBIO (2012)

    Apesar do mtodo no ser elaborado para a gerao de orientaes mais

    especficas, e sim para avaliaes em ampla escala, esta anlise pode auxiliar na

    complementao das pesquisas que j foram realizadas, e identificar qual contexto

    deve ser estudado e acompanhado com mais ateno. Neste trabalho sero

    analisados os dados da APA de Guaraqueaba, ESEC de Guaraqueaba e o

    PARNA do Superagui (TABELA 3).

  • 56

    TABELA 3: EFETIVIDADE DE GESTO DAS UCS FEDERAIS

    APA de

    Guaraqueaba

    ESEC Guaraqueaba PARNA do

    Superagui

    Ano 2005/2006 2010 2005/2006 2010 2005/2006 2010

    ndice Geral 39% 26% 31% 11% 38% 76%

    Importncia

    biolgica

    92% 78% 78% 60% 92% 91%

    Importncia

    socioeconmica

    86% 73% 66%