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Geoingá: Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia Maringá, v. 2, n. 2 , p. 102-123, 2010 ISSN 2175-862X (on-line) PAISAGEM CULTURAL: PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE GUARAQUEÇABA/PR Roberson Miranda de SOUZA 1 RESUMO A paisagem de Guaraqueçaba tem representatividade apesar da perda de Patrimônio Histórico ocorrida. Neste trabalho pretendeu-se realizar ações e procedimentos que podem ser utilizados no estudo de Paisagem Cultural. O objetivo constitui-se em avaliar o Patrimônio Histórico de Guaraqueçaba visando identificar as mudanças na paisagem a partir de fotografias feitas em três períodos distintos: 1961, 1981 e 2003. Também compreender os prejuízos feitos às edificações e o consequente empobrecimento do caráter dessa paisagem. Assim inicialmente é feita uma abordagem sobre a paisagem cultural para se analisar a colonização e ocupação histórica de Guaraqueçaba enfocando o período colonial e sua relação com o desenvolvimento da região, a importância das vias de circulação e a formação do município. Realizamos o exame da paisagem caráter em sua feição essencial onde se procura englobar com realce os aspectos históricos e culturais. A paisagem cultural de Guaraqueçaba tem relevância para o Paraná e para o Brasil, uma vez que está relacionada ao registro material do início da construção do espaço brasileiro. O patrimônio histórico foi analisado pelos atributos cênicos, deste modo intentou-se identificar onde ocorreram às modificações significativas e realizou-se a avaliação da consequente perda de patrimônio decorrente dessas intervenções danosas a paisagem cultural. Palavras-Chave: Patrimônio Histórico. Guaraqueçaba. Avaliação de Paisagem. 1 Mestre em Geografia e Doutorando pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Professor e Vice-coordenador do Colegiado de Geografia da Faculdade de Jandaia do Sul (FAFIJAN).

PAISAGEM CULTURAL: PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE GUARAQUEÇABA/PR

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  • Geoing: Revista do Programa de Ps-Graduao em Geografia Maring, v. 2, n. 2 , p. 102-123, 2010

    ISSN 2175-862X (on-line)

    PAISAGEM CULTURAL: PATRIMNIO HISTRICO DE

    GUARAQUEABA/PR

    Roberson Miranda de SOUZA1

    RESUMO

    A paisagem de Guaraqueaba tem representatividade apesar da perda de Patrimnio Histrico

    ocorrida. Neste trabalho pretendeu-se realizar aes e procedimentos que podem ser utilizados no

    estudo de Paisagem Cultural. O objetivo constitui-se em avaliar o Patrimnio Histrico de

    Guaraqueaba visando identificar as mudanas na paisagem a partir de fotografias feitas em trs

    perodos distintos: 1961, 1981 e 2003. Tambm compreender os prejuzos feitos s edificaes e

    o consequente empobrecimento do carter dessa paisagem. Assim inicialmente feita uma

    abordagem sobre a paisagem cultural para se analisar a colonizao e ocupao histrica de

    Guaraqueaba enfocando o perodo colonial e sua relao com o desenvolvimento da regio, a

    importncia das vias de circulao e a formao do municpio. Realizamos o exame da paisagem

    carter em sua feio essencial onde se procura englobar com realce os aspectos histricos e

    culturais. A paisagem cultural de Guaraqueaba tem relevncia para o Paran e para o Brasil,

    uma vez que est relacionada ao registro material do incio da construo do espao brasileiro. O

    patrimnio histrico foi analisado pelos atributos cnicos, deste modo intentou-se identificar

    onde ocorreram s modificaes significativas e realizou-se a avaliao da consequente perda de

    patrimnio decorrente dessas intervenes danosas a paisagem cultural.

    Palavras-Chave: Patrimnio Histrico. Guaraqueaba. Avaliao de Paisagem.

    1 Mestre em Geografia e Doutorando pela Universidade Estadual de Maring (UEM), Professor e Vice-coordenador

    do Colegiado de Geografia da Faculdade de Jandaia do Sul (FAFIJAN).

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    CULTURAL LANDSCAPE: GUARAQUEABA/PR

    HEIRTAGE HISTORICAL

    ABSTRACT

    The cultural landscape has Guaraqueaba representation since the loss of Heritage is not only

    there, just wanted to perform actions and procedures that can be used in the study of other areas.

    The objective consists in evaluating the Heritage Guaraqueaba to identify changes in the

    landscape from photographs taken at three different periods. We also understand the damage

    done to buildingsand the consequent impoverishment of the character of this landscape. So

    oneapproach is initially made on the cultural landscape to analyze the historical colonization and

    occupation of Guaraqueaba focusing on the colonial period and its relationship with the region's

    development, the importance of routes and the formation of the municipality. We examine the

    cultural landscape, its essential feature, the aim is to highlight include the historical, cultural. The

    cultural landscapeof Guaraqueaba is relevant to the Parana and Brazil, since it is related to

    thematerial record of the start of construction of the Brazilian territory. The historic sitewas

    reviewed by the scenic attributes, brought up to identify where significant changes have occurred,

    and the evaluation of the consequent loss of assets due to these interventions damaging the

    cultural landscape.

    Keywords: Historical. Guaraqueaba. Landscape Assessment.

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    1 INTRODUO

    A paisagem cultural de Guaraqueaba tem representatividade uma vez que a perda de

    Patrimnio Histrico no ocorre somente ali, deste modo pretendeu-se realizar aes e procedimentos

    que podem ser utilizados no estudo de outras reas similares. O objetivo constitui-se em inventariar a

    paisagem carter de Guaraqueaba visando identificar as paisagens cnicas, propondo sua valorizao

    real nos projetos de ordenamento territorial para preservao e uso delas de maneira sustentada.

    Tambm compreender os prejuzos feitos ao Patrimnio Histrico e o consequente empobrecimento

    do carter dessa paisagem.

    O Patrimnio Histrico faz parte da paisagem cultural e oferece importncia para o

    entendimento local e possui expresso turstica, constituindo-se em uma paisagem de caracterizao,

    que individualiza o municpio, colocando-o num seleto grupo de cidades histricas paranaenses. Ao

    contrrio do que houve com a paisagem natural, no ocorreu preocupao com o ordenamento

    paisagstico do patrimnio histrico e o conjunto de edificaes foi muito modificado nas ultimas

    dcadas do sculo passado. Deste modo as modificaes ocorreram devido simplicidade estrema da

    populao (por considerar as edificaes como velharias) e o desconhecimento do valor patrimonial;

    o desejo de modernizao e os apelos do comrcio (nica alternativa era modificar); e a falta de viso

    do poder municipal das possibilidades para o turismo, por exemplo, a inexistncia de legislao

    municipal nesse sentido, at pouco tempo, antes do Plano Diretor (2006-2016) ter sido aprovado com

    a proposta de novas aes para tombamento.

    Assim inicialmente feita uma abordagem sobre a paisagem cultural para se analisar a

    colonizao e ocupao histrica de Guaraqueaba enfocando o perodo colonial e sua relao com o

    desenvolvimento da regio, a importncia das vias de circulao e a formao do municpio.

    Realizou-se o exame da paisagem cultural, buscando-se sua feio essencial, procurou-se englobar

    com realce os aspectos histricos e culturais. A paisagem cultural de Guaraqueaba contida em seu

    patrimnio histrico tem relevncia para o Paran e para o Brasil, uma vez que est relacionada ao

    registro material do incio da construo do espao brasileiro. O patrimnio histrico foi analisado

    pelos seus atributos cnicos, intentou-se em identificar onde ocorreram s modificaes significativas,

    e a avaliao da consequente perda de patrimnio decorrente dessas intervenes danosas a paisagem

    cultural.

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    Geoing: Revista do Programa de Ps-Graduao em Geografia Maring, v. 2, n. 2 , p. 102-123, 2010

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    2 PAISAGEM CULTURAL

    A noo de paisagem para a geografia tem sido sempre uma categoria essencial.

    Entendida de maneira muito diversa em dependncia da corrente filosfica e da escola cientifica

    usada em sua interpretao (RODRIGUEZ, 2004). O conceito cientfico nos remete a uma

    anlise da evoluo desse pensamento.

    Mesmo no sistematizado cientificamente, o termo Landschaft existe desde a Idade Mdia,

    para designar o territrio onde se desenvolvia pequenas unidades de ocupao humana (SILVA,

    2006). Para Venturi (2006), no sculo XIX, com os naturalistas alemes, que o termo paisagem

    adquiriu um significado cientfico e transforma-se em conceito geogrfico, Landschaft, passando a

    ser mais difundido nos estudos geogrficos.

    No se pode negar o significado visual ou artstico, essa a concepo difundida entre os

    artistas, expressando-se por meio de desenhos e pinturas recebe a denominao Kulturlandschaft

    utilizada para designar uma paisagem cultural, como fez o gegrafo americano Carl Otwin Sauer

    (1962) que define o estudo das paisagens como a relao entre homem e meio ambiente a partir do

    estudo da cultura. De forma geral, em qualquer lngua, a paisagem tem importante papel na

    ordenao do territrio. Ela pode no definir o territrio, mas o representa, pois apresenta uma

    identidade pessoal, uma identificao patrimonial e cultural construda pela histria do territrio

    (BERTRAND, 2009).

    Focamos primeiramente o significado visual e artstico da paisagem e sua interpretao. A

    partir do sculo XVIII diversos artistas naturalistas registraram a natureza criando imagens que

    serviram muitas vezes para estudos cientficos de botnica e geografia, geologia, entre outros. A partir

    de meados do sculo XVII tornou-se comum que as cortes europias enviassem pintores e cientistas

    para documentar e classificar a fauna e a flora do novo mundo. A natureza brasileira foi documentada

    por artistas de diversas nacionalidades, como: Frans Post, Albert Eckhout, Adrien-Aime Taunay,

    Johann Moritz Rugendas, Hercules Florence, Jean-Baptiste Debret. Apesar de muitos artistas

    retratarem uma realidade criada a partir do iderio europeu e paisagens buclicas sem a preocupao

    de retratar a organizao do espao, inegvel a contribuio das telas Olinda de Frans Post, que

    representa a capela incrustada na mata, onde possvel se imaginar a realidade daquele momento

    histrico logicamente sempre apoiado em outros registros histricos. Porque apenas pela anlise

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    visual no possvel se compreender a complexidade da paisagem. De qualquer maneira a paisagem

    torna-se um recurso visual para compreenso das transformaes na organizao do espao.

    Por herana da esttica naturalista do romantismo a paisagem ocupa lugar proeminente na

    geografia. Tanto interpretada como uma poro da superfcie da Terra, como se refere aos seus

    aspectos visveis. Dada as mudanas decorrentes do desenvolvimento econmico, o territrio sofreu

    uma transformao rpida e profunda que levou ao desaparecimento de muitas formas tradicionais de

    organizao e sua substituio por formas novas (SALGUEIRO, 2001, p. 39).

    O surgimento da fotografia no sculo XIX trouxe novos elementos para representao da

    paisagem. O que norteia o trabalho com telas e fotografias, fora a nostalgia, e a preocupao com as

    transformaes, procurou-se refletir sobre a importncia implcita na paisagem, de seu carter cultural

    materializando-se como patrimnio esttico e histrico.

    Em Guaraqueaba a tela Guaraqueaba 1933 retrata o conjunto de casas, antes de existir a

    Praa William Michald, que atualmente considerado patrimnio histrico. Aparece o cais o qual

    terminava na baia, durante a mar baixa expunha a lama (silte e argila) possivelmente com seu cheiro

    peculiar. Canoas varada (significa que esto fora da gua) no porto, esse meio de transporte, muito

    utilizado no trabalho, no transporte de mercadorias e como conduo. As fotografias desse perodo

    no so coloridas sendo ento interessante observar nessa tela as pinturas dos casarios. A

    tranquilidade e tambm o abandono desse perodo de estagnao econmica no favoreceram grandes

    modificaes no patrimnio histrico por outro lado a falta de valorizao permitiu uma lenta

    degradao.

    Em segundo lugar, desde o incio da colonizao o que se desenvolveu como atividade

    econmica foi a pesca e as lavouras de subsistncia. Houve outras atividades como o garimpo de

    ouro, a industrializao do palmito, a indstria madeireira, as fazendas agropecurias. Mas o que

    caracteriza mesmo a cultura local a pesca artesanal e a agricultura de subsistncia e mais

    recentemente a atividade turstica e um artesanato caracterstico.

    Alvar (1979) coloca em sntese Guaraqueaba Mar e Mato porque em seus estudos

    etnogrficos dividem-se em duas reas, as comunidades localizadas nos esturios e ilhas (Ilha Rasa,

    Ilha das Peas) e as comunidades que vivem na Floresta Atlntica, ao longo da PR-405 ou mais

    isolada (Pedra Chata, Batuva, Morato). Essa obra escrita h quarenta anos caracteriza o arcabouo

    cultural decorrido do isolamento, o trabalho foi realizado quando a inaugurao da PR-405. Eles j

    identificam eminentes problemas como, por exemplo, o aumento no financiamento de motores para

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    embarcaes, o aumento na intensidade da pesca e a previsvel escassez do pescado, as mudanas nos

    instrumentos de pesca artesanal devido introduo de material plstico. Tambm consegue

    identificar as mazelas na indstria do palmito, a explorao do trabalhador e a caracterstica

    insustentvel dessa atividade. Apresenta traos gerais que caracterizam as transformaes culturais

    pela qual essa paisagem passa. Como resultado possvel verificar as mudanas na relao da

    sociedade com a natureza na paisagem. A canoa artesanal est desaparecendo e juntamente os

    ranchos a beira da baia onde se guardava esse transporte, assim como os instrumentos de pesca. As

    embarcaes a motor, os barcos maiores necessitam de cais e trapiches, como o flutuante na Rampa,

    o flutuante do posto de combustvel e o trapiche do Cerquinho.

    Figura 01: Guaraqueaba em 1933 pintura de Rafael Lopes da Silva.

    FONTE: Maria Ione Barbosa (Guaraqueaba).

    A farinha branca, feita de mandioca, tradicional ingrediente no piro de peixe tornou-se

    difcil de encontrar. Isso porque devido s mudanas nas exigncias sanitrias no mais permitido a

    produo nas casas de farinhas. Essas instalaes consistiam de um rancho, semelhante ao de

    guardar embarcaes, coberto de palha de palmeira, com apenas quatro p direto. Uma roda para ralar

    a mandioca, um tipiti e prensa para se retirar a goma da mandioca. Em baixo da roda de ralar uma

    canoa (geralmente velha), onde era despejada a mandioca ralada. O forno feito de argila, que tambm

    foi proibido extrao, com uma tampa de cobre, onde a farinha era assada. Atualmente a casa de

    farinha deve ser de alvenaria com paredes de azulejo e instalaes padronizadas. Deste modo a

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    maneira tradicional de se fazer farinha tem desaparecido, bem como o produto. O que se encontra a

    farinha industrializada provinda de outras regies. O sumio da pequena lavoura associada fbrica

    de farinha artesanal torna-se uma mudana cultural da paisagem.

    Quando se adentra ao territrio da PR-405 logo se percebe elementos de caracterizao

    local. A estrada, sem pavimentao serpenteia por entre o relevo serrano, os morros isolados,

    recortando a Floreta Atlntica, atravessando bacias hidrogrficas em equilbrio ecolgico, com ponte

    onde possvel passar apenas um carro por vez. Ao longo da estrada pode-se observar o uso e

    ocupao, os bananais, as pequenas lavouras de inhame, aipim (mandioca), os modestos rebanhos

    bovinos e bubalinos. A forte presena de casas de madeira, que resistem e lentamente so substitudas

    por casas de alvenaria com estilo popular. No trajeto, de Antonina at Guaraqueaba, por hora a viso

    encerrada pela floresta, em outros trechos se consegue observar ao longe serras, morros e o Skyline

    dando a impresso de profundidade. Em outro fragmento as comunidades, no sendo predominantes

    na paisagem.

    A definio segundo Wagner e Mikesell (2003) de paisagem cultural como um produto

    concreto, decorrente de interao, preferncias e potencial cultural associado a circunstncias naturais

    foi til para a caracterizao da paisagem cultural, e na abordagem da temtica ambiental

    desenvolvida. Segundo eles, poucas paisagens culturais atuais so inteiramente produtos do trabalho

    de comunidades contemporneas. A evoluo de uma paisagem um processo gradual e cumulativo,

    tem uma histria. Os estgios nessa histria tm significados para a paisagem atual, assim como para

    as do passado. Alm disso, as paisagens culturais atuais do mundo refletem no apenas evolues

    locais, mas tambm grande nmero de influncias devido a migraes, difuso, comrcio e trocas. A

    paisagem cultural parte do conjunto compartilhado de idias, memrias e sentimentos que une uma

    populao (MEING, 1979, p. 46).

    Para Santos (1985) a caracterizao da paisagem se define como resultado de um processo

    histrico, como conjunto heterogneo de formas naturais e artificiais, formada nas fraes de ambas,

    que tem idades diferentes, oriundas de distintos momentos e representativas das diversas maneiras de

    produzir as coisas e construir o espao. Desse modo a paisagem cultural a cristalizao do perodo

    histrico presente na heterogeneidade da paisagem urbana decorrentes das mudanas no modo de

    produo e da organizao da paisagem segundo o nvel do capital, da tecnologia e da organizao.

    Cada vez que a sociedade passa por um processo de mudana, a paisagem transforma-se

    para se adaptar as suas novas necessidades, e cada perodo histrico se caracteriza por um dado

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    conjunto de tcnicas e de objetos correspondentes que no desaparecem num novo perodo, antes se

    somam (boa parte dos elementos) a outros correspondentes a esse novo. Da a heterogeneidade da

    paisagem. Conforme Oliveira (2008) se considerarmos a sucesso histrica dos modos de produo,

    veremos uma relao entre os instrumentos de trabalho e a paisagem, que cada forma produtiva

    necessita de um tipo de instrumento de trabalho, estabelecendo, desse modo, uma nova organizao

    da paisagem.

    De acordo com Mendes (2008), a paisagem constitui-se em patrimnios sociais, histricos e

    culturais das diferentes comunidades humanas e, como tais, se caracterizam por serem,

    simultaneamente, patrimnios materiais e imateriais, permanentes e cambiantes.

    Dado a emergncia da questo ambiental o planejamento da paisagem aparece como

    possibilidade de ser utilizada na ordenao do Territrio (BERTRAND, 2009). Nessa reflexo sobre

    a temtica ambiental se fez necessrio uma breve meno dos principais documentos e conferencias

    que fixaram propostas e conceitos relativos ao meio ambiente e ao desenvolvimento. Verificou-se

    como a questo do meio ambiente foi tratada ao longo do tempo e a emerso do conceito de

    Desenvolvimento Sustentvel, uma noo amplamente utilizada no discurso governamental e muito

    pouco implementada.

    3 ASPECTOS HISTRICOS E A FORMAO DA PAISAGEM CULTURAL DE

    GUARAQUEABA

    3.1 Localizao da rea de estudo

    O municpio de Guaraqueaba est localizado no Estado do Paran, na plancie costeira,

    com latitude entre 23 e 26 S e longitude 48 e 54 W. Seu acesso pela Bahia das Laranjeiras a

    partir da cidade de Paranagu, Antonina ou Pontal do Sul. Por terra o acesso pela PR-405, estrada

    que possui 76 km sem pavimentao (Figura 02). Faz divisa ao Norte com o municpio de

    Jacupiranga, no Estado de So Paulo, ao Nordeste o municpio de Canania, tambm pertencente ao

    Estado de So Paulo. A Oeste o municpio de Campina Grande do Sul, no Paran; ao Sul o municpio

    de Paranagu, e ao Leste o Oceano Atlntico. Todos esses municpios limtrofes apresentam reas de

    Proteo Ambiental, sendo Guaraqueaba situada em uma rea core de preservao da Floresta

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    Tropical mida. O Estado do Paran tem uma poro de Floresta Tropical mida, com

    aproximadamente 500 mil ha, que juntamente com a regio sul do Estado de So Paulo representa a

    maior rea contnua de remanescentes dessa floresta (RAVAZZANI et al. 1995). O Municpio de

    Guaraqueaba um recorte que fazemos dentro desse remanescente, onde se encontram florestas,

    esturios, baas, ilhas, mangues e plancies. Foi Decretada APA - rea de Proteo Ambiental em

    1985, que engloba alm de Guaraqueaba trs municpios (Antonina, Paranagu e Campina Grande

    do Sul) e aproximadamente 60 vilas (IPARDES, 2001).

    Figura 2: Localizao da cidade de Guaraqueaba.

    Organizao: O Autor

    3.2 Os primeiros habitantes e o incio da ocupao

    Os vestgios mais antigos da presena humana no litoral paranaense e no entorno de

    Guaraqueaba so os sambaquis, com cerca de 6.500 anos, ocorrem no Puruquara, no Rio das Varas,

    no Costo, no Guapecum, entre outros locais. Os Sambaquis, palavra de origem indgena que deriva

    de tamb (concha) e ki (depsito). Possuem formaes de pequena elevao formadas por restos de

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    alimentos de origem animal, esqueletos humanos, artefatos de pedra, conchas e cermica, vestgios de

    fogueira e outras evidncias primitivas, e indicam os primeiros habitantes, anteriores aos ndios, que

    viviam em pequenos grupos e eram nmades. Os grupos de tupi-guaranis que viviam no litoral no

    perodo da colonizao eram denominados de carijs e somavam entre 6.000 e 8.000 pessoas

    (ESTEVES, 2005, p. 58). O contato dos europeus com os ndios causou seu extermnio, escravido,

    perda do territrio e identidade. Apesar do massacre fsico e cultural a indgena persiste, o prprio

    nome da cidade tem origem indgena. Guar o nome de um tipo de gara vermelha que j foi

    abundante na regio, cujas penas eram muito procuradas, por esse motivo essa ave quase entrou em

    extino sendo muito rara sua localizao atualmente. Kessaba significa pouso, deste modo o nome

    Guarakessaba (que passou a ser escrito Guaraqueaba) era o lugar onde as aves se juntavam para

    passar a noite, era o pouso do Guar. Atualmente em Guaraqueaba existem duas reas a espera de

    demarcao, onde vivem cerca de sessenta e dois guaranis (AMBIENTE BRASIL, 2004).

    A primeira forma de gesto do territrio brasileiro pelos portugueses no perodo colonial foi

    s capitanias hereditrias. O litoral do Paran pertencia a duas delas: ao norte de Paranagu, o

    territrio pertencia capitania de So Vicente, cujo donatrio era Martin Afonso de Souza; ao sul, o

    territrio pertencia capitania de Santana, que tinha como donatrio Pero Lopes de Souza. A

    instalao oficial do colonizador (WACHOWICZ, 1995) ocorreu com a concesso, em 1614, de uma

    sesmaria na regio do Superagui a Diogo Unhates. Porm, o grande atrativo dos imigrantes foi

    descoberta de ouro nos rios da Bacia Litornea.

    No sculo XVIII constatou-se que as jazidas estavam aqum das expectativas, iniciando-se a

    derrocada deste ciclo. Inicia-se ento um perodo de decadncia econmica, persistindo as atividades

    de subsistncia, a produo de farinha de mandioca, e a incipiente atividade porturia.

    3.3 Agricultura de subsistncia, isolamento e decadncia economica

    A partir do Oceano Atlntico na plancie costeira, nos morros isolados, e na restinga, nos

    esturios, nas pequenas baas, (a dos Pinheiros e das Laranjeiras), e nas ilhas a agricultura era

    itinerante e tradicional, baseada na mo-de-obra familiar e de subsistncia. Nas reas de boa

    drenagem e nas encostas de morro cultivam banana, mandioca, milho, feijo e caf.

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    A partir da dcada de 1930 o sistema agrrio regional enfrenta uma srie de crises,

    caracterizadas por fortes processos de diferenciao social. As crises so impostas por dois fatos

    principais: a diminuio da produtividade dos cultivos (falta de terras frteis e conseqentemente

    diminuio do ciclo de descanso entre ciclos culturais do mtodo de pousio) e a baixa

    competitividade regional para atuar nos mercados externos de banana (Argentina e Uruguai).

    Mudanas na infraestrutura de transportes ligando o Litoral ao Primeiro Planalto no

    favoreceram o desenvolvimento da rea, gerando marginalizao econmica e conseqentes

    transformaes culturais. At 1873 (inaugurao da Estrada da Graciosa), todo deslocamento entre o

    litoral e o Primeiro Planalto era feito por precrias trilhas (denominadas de caminhos) abertas a partir

    de antigas picadas indgenas. Os caminhos mais utilizados no perodo colonial foram o do Arraial, o

    Itupava e o da Graciosa (WACHOWICZ, 1995; HABITZREUTER, 2000; ESTEVES, 2005). A

    efetiva mudana no desenvolvimento das vias de circulao e transporte entre o litoral do Paran e a

    capital ocorre coma a inaugurao de duas grandes obras virias: a Estrada de Ferro Paranagu-

    Curitiba, inaugurada em 1885, e a abertura do trecho da rodovia BR-277 entre Curitiba e Paranagu

    (ESTEVES, 2005). Estas vias privilegiam e favorecem o transporte por terra.

    Nesse esquema do histrico da ocupao agrcola em Guaraqueaba (Figura 03) mostra o

    extrativismo do palmito e a agricultura de arroz, milho, banana branca, citros e mandioca como

    produo tradicional at a dcada de 1990, permanecendo a partir da a extrao do palmito e o

    cultivo da banana e da mandioca, esses j praticados desde o sculo XVIII.

    Figura 03: Histrico da ocupao agrcola em Guaraqueaba, Sculo XX

    FONTE: RODRIGUES, 2005.

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    A partir de meados de 1940 at o final da dcada de 1980 houve a tentativa do cultivo de

    caf. Um ponto de referncia importante nesse processo foi abertura da rodovia PR 405 em 1970

    que trouxe a esperana de um novo tempo na economia local, acabar com o isolamento mais que com

    o passar do tempo foi descartada. A partir da construo da estrada houve o aumento dos rebanhos de

    gado (anteriormente irrisrios) e a introduo de bfalos africanos, que apesar da adaptao no

    predominam na regio. Em 1985 houve a criao da APA rea de Proteo Ambiental de

    Guaraqueaba que influenciou significativamente o declnio e estagnao do desenvolvimento da

    agricultura em toda essa rea. Projetos de introduo de Palmeira de Pupunha e Palmeira Real ainda

    so duvidosos e no partilhados pela maioria dos agricultores.

    Para o municpio ocorre uma indefinio do setor agrcola nas ltimas dcadas. Alm desta

    indefinio na agricultura, tambm se percebe uma reduo nos espaos econmicos. A agricultura

    tem regredido mesmo a de subsistncia.

    4 PROCEDIMENTOS E AES

    Selecionaram-se elementos cnicos e elaborou-se todo um levantamento do porque eles so

    importantes? Eles funcionam como layers (camadas) da geografia colocados pela histria, horizontais

    e verticais. Existem diversos exemplos de avaliao de carter cnico na Inglaterra, no Japo e nos

    Estados Unidos. Optou-se por Lampton (2006), porque ele prope um guia prtico de avaliao de

    paisagens, o qual se adaptou melhor a nossa pesquisa.

    Na anlise visual contemplamos o local, o que est em primeiro plano e as incurses que tem

    uma escala de alcance muitas vezes alm do visual. Para determinar um carter tipo para a paisagem

    levamos em considerao os seus atributos, deste modo postulamos as seguintes questes quais so os

    atributos da paisagem? O que muda o conjunto de elementos e o que influi neles? O que se pretende

    com essa paisagem?. Responder essas questes fundamental para inventariar as paisagens.

    Quando se trabalha com o carter da paisagem se tem como objetivo trabalhar a questo da

    preferncia, fazer inventrio e avaliao. Algumas paisagens tem significado, valor simblico. Nessa

    abordagem se trabalha com aes de avaliao e procedimentos feitos no campo.

    No campo, a paisagem foi observada a partir de diferentes pontos e distncias variadas

    sendo analisada visualmente de acordo com seus atributos mais significativos. Procurou-se identificar

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    Geoing: Revista do Programa de Ps-Graduao em Geografia Maring, v. 2, n. 2 , p. 102-123, 2010

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    a paisagem carter, que so os traos particulares histricos. Sempre procurando responder a

    pergunta: quais so os elementos que dominam a cena? Uma baa cercada por morros e serras, com

    uma vegetao exuberante. O que as pessoas pensavam ao planejar a cidade, como surgiu o plano

    urbanstico? Existem muitas coisas para serem decifradas. Conforme Lampton (2006) foi realizado a

    pontuao dos atributos com a finalidade de identificar a paisagem cnica. Aps levantamento de

    campo e estudo de mapas, a paisagem objeto de nosso estudo foi avaliada conforme Guia da

    Paisagem de Estradas2 segundo: 1) Contraste, 2) Ordem, 3) Camadas, 4) Pontos focais, 5)

    Originalidade, 6) Integridade.

    1 Contraste: estabelecido atravs de elementos lado a lado que se diferenciam

    na paisagem [...] 2 Ordem: est presente nos padres caractersticos naturais e

    culturais [...] 3 Camadas: quando sobrepostas na paisagem, permitem a criao

    de senso de profundidade [...] 4 Pontos Focais: so aqueles elementos pontuais

    que atraem o olhar do observador por sua presena [...] 5 Originalidade: a

    excepcionalidade. Elementos que so simblicos a uma regio [...] 6

    Integridade: percebida atravs da permanncia de atributos distintos naturais

    ou culturais, inalterados no sculo anterior ou de perodos antigos

    (LAMPTON, 2006, p. 11).

    Essa discusso envolve o conceito de Paisagem Cultural, Carter de Paisagem, Preservao

    e Regenerao de Paisagem Cultural. Procurou-se definir os componentes, alguns indicadores de

    qualidades e o Carter da Paisagem.

    uma maneira de elencar importncia visual a partir da classificao: contraste, ordem,

    ponto focal, camadas, originalidade, integridade. importante perceber quais destes atributos se

    destacam na paisagem objeto de anlise. Segundo, na observao quais atributos so responsveis

    pela beleza, que se destacam e chamam a ateno, que circulam nas revistas, aparecem nas

    propagandas da TV. Assim, atrai pessoas de outras regies, de outros pases e continentes para a

    individual ou coletiva experincia, ver a paisagem, sentir o lugar, vivenciar aquela realidade. Isso

    responde a pergunta por que pontuar os elementos. Pontuamos porque eles so importantes

    definidores do carter da paisagem.

    Quanto mais alto a pontuao dos atributos (Quadro 01) maior o carter da paisagem.

    Pontuando-se atributo por atributo possvel estabelecer com clareza o patrimnio histrico que a

    paisagem ainda preserva o tom de antiga, pioneira, carregada de tempo e significado. possvel

    2 Roadscape Guide: Tools for Preserving Scenic Road Corridor (LAMPTON, 2006).

  • PAISAGEM CULTURAL: PATRIMNIO HISTRICO 115

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    tambm identificar comparando fotografias o que se perdeu, onde houve perda de Patrimnio

    Histrico, de que maneira ocorreu essa deteriorao e o que pode ser feito para melhorar essa

    realidade e recompor elementos significativos.

    Atributo da Paisagem Exemplo de Avaliao em Guaraqueaba

    1. Contrastes A construo de elementos arquitetnicos que causam discrepncia no

    estilo, cor, formato. Por exemplo, colonial e tecnolgico, telhado de zinco

    onde h a predominncia de telhados de barro, o caso do Ginsio de

    Esportes, ao lado do hospital, do Colgio Barbosa Pinto e de algumas casas

    antigas. Podem ser intervenes em reas naturais, felizmente no h

    grandes contrastes na paisagem de Guaraqueaba nesse sentido.

    2. Ordem Os elementos que so limitadores, que definem o traado da cidade, das

    vias, dos bairros do porto. So eles o relevo, a baia das Laranjeiras, os rios

    e ribeires, a Floresta.

    3. Camadas O diferente tipo de vegetao, que representam variadas cores e texturas

    associadas distncia so elementos de profundidade na viso panormica

    como a viso da Serra do Mar a partir da cidade de Guaraqueaba onde

    possvel observar diferentes segmentos na viso da paisagem. Todos esses

    elementos reunidos do uma idia de layers ou camadas.

    4. Ponto Focal Elementos pontuais que atraem o olhar do observador como o Morro do

    Tromomo, a Capela Bom Jesus dos Perdes, a Fonte Dgua, o Morro do Quitumb, o Morro do Bico Torto, o Mercado.

    5. Originalidade Elementos de originalidade podem ser destacados dois, um de ordem

    natural que o relevo que caracteriza Guaraqueaba e o seu entorno e outro

    de ordem cultural, os casares no estilo colonial portugus, com telhado

    alto em quatro guas que deveria ter muito haver com o carter da paisagem

    deste local. Elementos excepcionais distinguem-se a rea de caracterizao

    em que h o padro de patrimnio histrico, reas preservadas, morros e

    serras, rios limpos, o prprio traado da cidade, tendo como ponto de

    entrada a baia. Ainda como elementos-chave para entendimento da histria

    do local: a baia das Laranjeiras, a PR-405, os espaos pblicos. Os

    elementos que caracterizam a Guaraqueaba de hoje o Banco, o aterro da

    praa, a torre de comunicao, as lojas que substituram os antigos

    casares, o novo trapiche, a passarela na Ponta do Morretes, os hotis e as

    pousadas.

    6. Integridade As edificaes que mantm o padro arquitetnico preservado, como o antigo

    Mercado, o casaro do IBAMA, as Fontes Dgua. Serve tambm para comparar fotografias e verificar a perca da integridade ou a manuteno da

    mesma. A integridade na rea natural a preservao. Quando houver

    intervenes essas devem ser de maneira que no comprometa a paisagem.

    Com esse critrio se avalia as paisagens naturais sobre a manuteno ou perda

    de integridade ao longo dos anos.

    Quadro 01 Exemplo da aplicao da avaliao dos atributos da paisagem em guaraqueaba

    Organizao: o autor

  • 116 Roberson Miranda

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    5 AVALIAO DA PAISAGEM DO PATRIMNIO HISTRICO DE

    GUARAQUEABA

    O patrimnio material protegido com base em legislaes especficas composto por um

    conjunto de bens culturais: arqueolgico, paisagstico e etnogrfico; histrico; belas artes; e das artes

    aplicadas. Eles esto divididos em bens imveis como os ncleos urbanos, stios arqueolgicos e

    paisagsticos e bens individuais; e mveis como colees arqueolgicas, acervos museolgicos,

    documentais, bibliogrficos, arquivsticos, videogrficos, fotogrficos e cinematogrficos (IPHAN,

    2012).

    Na seqncia, o quadro elaborado com base nos critrios de avaliao dos atributos da

    paisagem de Guaraqueaba no qual a maior pontuao indica que as reas possuem maiores

    qualidades cnicas. A pontuao dos itens descritos varia de 01 a 03, conforme o grau em que so

    percebidos, na paisagem (Quadro 02). Da seguinte maneira:

    O prximo passo analisar esses atributos estando ancorado em critrios prticos para a

    anlise dessa paisagem cnica, fugindo de jarges como paisagem buclica, paisagem impar,

    paisagem paradisaca entre outras maneiras de classificao aleatria.

    Quadro 02: Pontuao das paisagens cnicas

    Organizao: o autor

    O traado original de uma cidade pode indicar qual era o objetivo de seus

    idealizadores. Apesar de os objetivos e funo das cidades serem diversos, elas normalmente

    seguem uma lgica de acesso e proximidade com as atividades econmicas, ao transporte,

    disponibilidade de gua potvel, segurana.

    Pontuao

    Significado

    01 Elemento pouco significativo. No so elementos definidores dessa paisagem.

    02 Nvel intermedirio.

    03 Os elementos que se destacam na paisagem recebem essa pontuao. Sendo o

    escore mximo deve ser algo que tem valor cnico para a paisagem de

    Guaraqueaba. Se caso fosse possvel retira-los, se modificaria totalmente a

    paisagem.

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    A cidade de Guaraqueaba apresenta obras arquitetnicas do sculo XIX com as

    caractersticas do estilo colonial. Em torno da agricultura, da pesca, do comrcio e de

    servios pblicos surge o ncleo urbano, de frente para a baia das Laranjeiras. Local prximo

    da gua potvel provinda do morro do Quitumb e com acesso ao mar, que formando uma

    pequena enseada possua as caractersticas de um porto seguro para guardar as embarcaes,

    o principal meio de transporte e o mais vivel. A partir desse local se irradia a explorao da

    agricultura, o garimpo do ouro e o comrcio, que so as atividades em torno das quais girava

    o cotidiano. Esses elementos tm um grande valor simblico e histrico para a paisagem porque

    retrata o carter local.

    No entanto constatou-se que na verdade resistem alguns casares como resqucios do

    perodo colonial, concentradas no ncleo inicial, na rea comercial e mais valorizada da cidade. Esse

    conjunto de edificaes j experimentou prejuzos, a maior parte das construes passou por muitas

    reformas e modificaes, mas no restaurao, tendo com isso ocorrido perda de patrimnio histrico

    e descaracterizao da rea. Os prdios pblicos como a antiga prefeitura, o mercado municipal se

    mantiveram, as maiores alteraes ocorreram nas construes particulares.

    A legislao municipal tardia regulamenta que se deve recuperar e preservar a paisagem

    urbana, valorizando aspectos naturais e culturais. Na Seo VIII - Do Patrimnio e da Cultura,

    conforme o Art. 32 prev inclusive instrumentos financeiros e conscientizao da populao. Tem-se

    que pensar que embora atrasada legislao uma vez aplicada seja um ponto decisivo para mudanas

    na gesto do patrimnio, para isso no pode ficar somente no papel. Outra questo que deve ser

    pensada: o que considerado patrimnio ainda, uma vez que o casario da Praa William Michaud foi

    to alterado que no apresenta poucos traos de construes histricas (figura 04).

    O poder pblico municipal argumenta ter poucos recursos tcnicos, materiais e financeiros

    para gerenciamento do patrimnio. Admite a perda de registros histricos de interesse nacional por

    carncia de medidas de preservao do patrimnio. Prope projetos de revitalizao da Praa William

    Michaud e dos prdios histricos de propriedade do poder pblico.

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    Figura 04. Mudanas no casario colonial da praa william michaud em trs momentos distintos:

    1961; 1981; 2003.

    FONTES: ALVES, J.A; O autor.

  • PAISAGEM CULTURAL: PATRIMNIO HISTRICO 119

    Geoing: Revista do Programa de Ps-Graduao em Geografia Maring, v. 2, n. 2 , p. 102-123, 2010

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    Quadro 03 Avaliao da qualidade cnica da paisagem do centro histrico de Guaraqueaba3.

    Organizao: o autor

    Quadro 04 Avaliao da qualidade cnica da paisagem do centro histrico de Guaraqueaba.

    Organizao: o autor

    Quadro 05 Avaliao da qualidade cnica da paisagem do centro histrico de Guaraqueaba.

    Organizao: o autor

    No ncleo inicial, substituram-se muitas construes sem obedecer nenhum padro

    arquitetnico. Os tipos de edificaes deveriam constituir o atributo de integridade que define o

    carter da paisagem. Modifica-se o padro das construes se muda o elemento definidor. Todas

    3 Pontuao estabelecida conforme cada fator pode ser identificado na paisagem mostrada nas fotografias da figura 04.

    Avaliao dos atributos da Paisagem do centro histrico de

    Guaraqueaba (1961)

    Pontuao

    1. Contraste 01

    2. Ordem 02

    3. Camadas 01

    4. Ponto Focal 01

    5. Originalidade 03

    6. Integridade 02

    Avaliao dos atributos da Paisagem do centro histrico de

    Guaraqueaba (1981)

    Pontuao

    1. Contraste 02

    2. Ordem 02

    3. Camadas 01

    4. Ponto Focal 01

    5. Originalidade 01

    6. Integridade 01

    Avaliao dos atributos da Paisagem do centro histrico de

    Guaraqueaba (2003)

    Pontuao

    1. Contraste 02

    2. Ordem 02

    3. Camadas 01

    4. Ponto Focal 01

    5. Originalidade 01

    6. Integridade 01

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    essas construes deveriam ser tombadas como Patrimnio Histrico no mnimo municipal, dado

    o valor para a histria local. Por dentro podem ser bastante modificadas mais no exterior deve ser

    mantida a integridade, isso seria interessante porque as paisagens representativas devem ser

    preservadas.

    Na fotografia de 1961 a paisagem apresenta uniformidade no padro de construes

    histricas, com portas de madeira e sada direto para a rua. Telhados de barro, com cumeeiras altas.

    Sobrados grandes com vrios cmodos e estabelecimentos comerciais. O traado urbano tem como

    elementos de ordem nessa paisagem o morro do Quitumb, que era utilizado para fazer roas, aparece

    com pouca vegetao e a estreita rua delimitada pelo cais para passagem de pedestres ou cavalos e

    carroas, no havia preocupao com automvel. A originalidade dessa paisagem est no padro das

    edificaes mesmo bastante degeneradas. Isso ocorreu devido decadncia econmica e ao

    isolamento a cidade, no lugar de se restaurar as edificaes elas foram substitudas perdendo dessa

    maneira aos poucos a originalidade paisagstica (Quadro 03).

    Passados vinte anos, em 1981 a paisagem avaliada (Quadro 04) mostra apenas parte da

    paisagem de 1961 como est indicado pela seta. Pode-se notar que trs casares foram desfeitos e se

    construiu um estabelecimento comercial e um restaurante ambos com outro modelo arquitetnico, e

    so mais baixos, com espaamento maior entre as construes. Houve uma reconstituio da

    vegetao do morro, possivelmente eles entenderam que um mau negcio retirar a vegetao de

    uma rea inclinada montante das casas. O sobrado antigo que aparece no meio dessa fotografia (a

    casa de Man Ataliba) apresenta-se bastante desgastado precisando de uma reforma, o que no

    ocorreu.

    Passados mais vinte e dois anos, na avaliao da fotografia de 2003 (Quadro 05) se notou o

    aumento nos contrastes e a diminuio na originalidade e integridade dessa paisagem.

    Acrescentando-se a pintura das edificaes temos a paisagem atual. Esse trecho exatamente o

    retratado na fotografia de 1961 est totalmente alterado. Os imveis particulares seguiram na direo

    funcional, comrcio, restaurantes, lojas e o conseqente desaparecimento do Patrimnio Histrico.

  • PAISAGEM CULTURAL: PATRIMNIO HISTRICO 121

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    6 CONSIDERAES FINAIS

    Para garantir a integridade do patrimnio cultural, histrico, paisagstico e arquitetnico, em

    conformidade com o que prev a legislao municipal recente, deve-se incorporar a proteo ao

    processo permanente de planejamento e ordenao do territrio e aplicar instrumentos normativos,

    administrativos e financeiros para viabilizar a gesto. Em segundo lugar conscientizar a populao

    sobre os valores culturais e ambientais e a necessidade de sua proteo e recuperao e impedir o

    funcionamento, a implantao ou a ampliao de construes ou atividades que importem em risco,

    efetivo ou potencial, de dano qualidade de vida e ao patrimnio.

    Temos como certo que as pessoas iro valorizar a paisagem desde que se reconhea o valor

    delas. Os trabalhos de pesquisa so relevantes alternativas para que a populao identifique essas

    heranas culturais. O estabelecimento de critrios de avaliao de paisagem pode influenciar na

    maneira como as pessoas se relacionam com essas reas, no sentido de uso e ocupao. As paisagens

    devem ser levadas em considerao na montagem do ordenamento territorial devido a sua

    importncia histrica e social. Verificou-se a falta de ordenamento em torno das paisagens cnicas e

    da valorizao da paisagem cultural objeto de modificaes sem critrios e perda de patrimnio.

    7 REFERNCIAS

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  • 122 Roberson Miranda

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