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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Marília Freire A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com professores de Educação Física escolar DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marília Freire

A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo:

um estudo com professores de Educação Física escolar

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marília Freire

A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo:

um estudo com professores de Educação Física escolar

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título

de Doutor em Educação: Psicologia da

Educação, sob a orientação da Profª Drª Ana

Mercês Bahia Bock

SÃO PAULO

2011

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BANCA EXAMINADORA

................................................................................

................................................................................

................................................................................

................................................................................

...............................................................................

Page 4: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

“(...) o que os sujeitos fazem com aquilo que as

estruturas fazem dos sujeitos? Certamente eles

reinventam, dentro dos limites permitidos pelas mais

diversas determinações, o seu viver cotidiano. Não

eram simplesmente manipulados ou induzidos mas,

faziam opções. Conscientes ou inconscientes, mas

racionais. Portanto, ainda que não tivessem clareza

disso – mas, parece-me que a maioria dos

professores entrevistados tinha – sabiam que eram

possuidores de uma liberdade relativa frente às

determinações estruturais. E, em muitos casos, eram

capazes de desafiá-las.”

(OLIVEIRA, 2001, p. 366-367)

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Homenagem

Ao Vinícius, meu amor, companheiro, amigo e

paizão. Obrigada, pela sua passagem por este

mundo, quero acreditar que você está

investindo num projeto ainda maior, com

certeza está. Continuaremos sem você, com a

força, o amor, a união, a paz e a alegria que

construímos juntos. Fique em paz. Te

amaremos para sempre.

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Dedico este trabalho:

A meus filhos, Renan, Ravel e Ana Clara, pela alegria com

que me recebiam, quando eu retornava dos estudos;

À minha madrinha, tia Ana, que reza sempre por mim.

Sinto-me protegida e mais forte a cada dia com suas

orações; aos meus irmãos, Mônika, Morgana e Marcelo,

por acreditarem em mim e incentivarem meus investimentos

pessoais e profissionais.

À minha mãe e amiga, Bélgica, que me ouviu, aconselhou e

acreditou nos meus projetos.

Ao meu sogro Samuel, Leda, Sarah, Marcelo, Simone,

Everton, Márcio, Fabíola, Morena, Lívia, Luigi e demais

parentes, pela confiança, amor e apoio no momento mais

difícil da minha vida.

A meu pai, José Martins de Brito, que, apesar de ausente,

continua me apoiando.

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Agradecimentos

A Secretaria do Estado da Educação, pela bolsa concedida; sem ela seria impossível

frequentar e terminar este curso. Meus sinceros agradecimentos pela oportunidade de

aprimoramento e de formação em serviço.

Aos professores coordenadores da Oficina Pedagógica da Diretoria de Ensino

Regional de São José dos Campos, Doroty, Welker, Solange, Régia, Matilde, Cristina Pereira,

Cristina Rionde, Cido, Andréia, Piedade, Claudinha, Inês, Renata, Leila, Katty, Fabiana e

Adilson. Agradeço especialmente a coordenadora Kátia, pelo apoio e ajuda com seus

conhecimentos interdisciplinares.

Aos professores doutores do curso de Pós-graduação em Educação: Psicologia da

Educação, Cláudia Davis, Sérgio Luna, Antônio Carlos Caruso Ronca, Heloisa Shymanski,

Melania Moroz, Mitsuko Aparecida Makino Antunes, Marli André, Wanda Maria Junqueira

de Aguiar (Ia), Ana Mercês Bahia Bock, Laurinda Ramalho de Almeida, Maria Regina Maluf,

Vera Maria Nigro de Souza Placco, que contribuíram para a relevância social e o rigor

teórico-metodológico deste trabalho, tanto nas aulas regulares como nos encontros adicionais

e informais. Conviver com eles foi um grande privilégio.

Ao Edson, secretário e professor formado em Educação Física, pelo atendimento

sempre tranquilo e esclarecedor, invariavelmente disposto a ajudar no que fosse necessário.

À “minha” turma do pós, Marina, Flaviana, Glaurea, Paula, Rodrigo, Andréa, Luciana

Albuquerque, Luciana Franceschini, Luciana Vecchio, Marcela, Marcos, Guilhermina,

Sandrinha, Juliana, Gislaine, Maria Couto, Adriano, Tiziu, Cid, Eneide, Franklin, Raquel,

Maria Brando, Marcelo, Netto, Eliana Gallo, Cristovam, Eriko, Arthur, Regina, Lisandra,

Rita, Mak e Virginia. Expresso aqui meu reconhecimento agradecido pela ajuda que me

deram e pelo trabalho de parceria que realizamos juntos.

Às “meninas” participantes do grupo coletivo da Ana Bock: Juliana, Makeliny,

Alessandra, Liara, Luciana e Cristiane, pelas trocas de experiências e pelos momentos

lúdicos.

À Alessandra e Nelson pelo apoio incondicional, estando ao meu lado e me

acalantando quando mais precisei. Obrigada pelo ombro amigo.

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Aos professores doutores, membros da banca, Lino Castellani Filho, Gisele Maria

Schwartz, Carol Kolyniak Filho, Marilda Pierro de Oliveira Ribeiro, Leila Lira Peters, Afonso

Antonio Machado e Wanda Maria Junqueira de Aguiar, que contribuíram para o

desenvolvimento desse projeto.

Aos professores de Educação Física escolar que se dispuseram a participar desta

pesquisa; permitindo assim a realização do presente estudo. São todos eles companheiros e

guerreiros na área, que buscam constantemente ressignificar o jogo na sua prática pedagógica

cotidiana.

À minha querida orientadora, Ana Bock, que não só foi parceira nesta tese como

também ajudou a dar uma direção critica para meu trabalho. Sou extremamente reconhecida

pelos seus ensinamentos, pelo seu carinho e, ainda, pela sua dedicação, paciência, amizade e

sabedoria. Agradeço-lhe sinceramente.

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Resumo:

Este trabalho investigou, no campo da psicologia da educação, a dimensão subjetiva do

trabalho com o jogo de professores de Educação Física que atuam nas primeiras séries do

ensino fundamental em um município de São Paulo. Estudamos os significados e sentidos

subjetivos que são constituídos pelos professores de Educação Física sobre o jogo,

entendendo que estas significações têm implicações na prática do trabalho desses

profissionais. Partimos das concepções de jogo presentes nas produções científicas da área da

Educação Física, com a hipótese de que são concepções que naturalizam o jogo, deixando de

percebê-lo como produto da cultura e como atividade que contém e reproduz as significações

e valores sociais. Como fontes, privilegiou-se as informações obtidas por meio de

questionários e entrevistas semi-estruturadas e de aprofundamento. As conclusões do estudo

dão visibilidade à presença das concepções naturalizantes de jogo nas construções de sentido

e nas significações dos professores, reafirmando estudos existentes na área. Estas visões estão

hegemonicamente presentes em nossa sociedade e no meio educacional: no aparato legal, nas

leis, nos documentos oficiais da Secretaria da Educação que são orientadores da prática

pedagógica do professor de Educação Física escolar que atua nas primeiras séries do ensino

fundamental e na própria história do jogo. Os professores pensam o jogo como uma atividade

que estimula e atualiza o potencial natural dos alunos, deixando de percebê-lo como

construção histórica e social que, como ferramenta de ensino, estimula e possibilita um

determinado desenvolvimento. Esta visão naturaliza as regras e valores que estão embutidos

nos jogos, tornando-o instrumento de reprodução das ideias hegemônicas. As falas dos

professores apresentam ainda contradições: refletem a tensão cooperar/competir e lidam de

forma naturalizada com as regras deixando de considerá-las como ferramenta educativa com

potencial crítico sobre as relações sociais e os valores. A desvalorização do trabalho com a

Educação Física pela equipe gestora e pelos pais e alunos é, também, aspecto importante da

dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir

desta desvalorização. Este conjunto de significações dificulta, a nosso ver, a ressignificação

do jogo na medida em que dificulta o desenvolvimento de um projeto crítico, mais amplo e

coletivo de trabalho. A pesquisa esteve apoiada na perspectiva da psicologia Sócio-histórica.

Palavras-chave: Jogo, Educação Física escolar. visão sócio-histórica; dimensão subjetiva.

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Abstract

In this study, based on Socio-psychological perspective of history, we investigate, in the field

of educational psychology, the subjective dimension of the work with games of physical

education teachers who work in the early grades of elementary school, in a municipality of the

state of São Paulo. We studied the subjective significance and meanings that are constituted

by the physical education teachers about the game, considering that these meanings have

implications for the practical work of these professionals. We started from the concepts of

game present in scientific works in the field of Physical Education, with the hypothesis that,

these, are views that naturalize the game, not perceiving it as a product of culture and as an

activity that contains and reproduces the meanings and social values. As sources, we

privileged information obtained through questionnaires and semi-structured interviews and

deepening ones. The study findings give visibility to the presence of naturalizing conceptions

of games in the constructions of sense and in the teachers‟ meanings, reaffirming other studies

and investigations in the area. These visions are hegemonic in our society and in the

educational environment, in the legal apparatus, in the laws and documents of the Ministry of

Education, all of which are guiding the pedagogical practice of physical education teachers

who work in the first grades of elementary school and even the history of the game. Teachers

think the game as an activity that stimulates and refreshes the natural potential of students

rather than perceiving it as historical and social construction that, as a teaching tool,

encourages and enables a specific development. This view makes natural the norms and

values that are embedded in games, making them the instrument of reproduction of

hegemonic ideas. The teachers‟ speeches still have contradictions, for they reflect the tension

between cooperate / compete and show that they deal in a natural way with the rules no longer

considering them as an educational tool with critical potential on social relations and values.

The devaluation of the work by the Physical Education team manager, by parents and students

is also an important aspect of the subjective dimension of teachers' work; working conditions

are presented by this devaluation. This set of meanings, in our view, makes it difficult the

redefinition of the game as it hinders the development of a critical, wider and collective

working project.

Keywords: Game; School Physical Education; Socio-historical vision; Subjective Dimension

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Sumário

Apresentação ............................................................................................................................ 12

Introdução ................................................................................................................................. 21

Capítulo 1. O jogo na Educação Física escolar como tema de pesquisas ................................ 26

Capítulo 2. O processo de constituição histórica do jogo ........................................................ 46

2.1. A dicotomia jogo-trabalho ............................................................................................. 46

2.2. Um dilema entre competir/cooperar .............................................................................. 56

Capítulo 3. O jogo na EF escolar: concepções no ordenamento legal ..................................... 72

3.1. LDB – Lei Federal nº 4024/61 ....................................................................................... 72

3.2. Lei 5692/7 – Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus ............................. 74

3.3. LDB - 9394/96 ............................................................................................................... 79

Capítulo 4. A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo na Educação Física escolar:

pressupostos teórico-metodológicos da psicologia Sócio-histórica.............................. 86

4.1. Concepção de homem-sociedade ................................................................................... 87

4.2. Atividade ........................................................................................................................ 89

4.3. Mediação ........................................................................................................................ 92

4.4. Concepção aprendizagem-desenvolvimento .................................................................. 94

4.5. Concepção de pensamento/fala ...................................................................................... 96

4.6. Significados e sentidos ................................................................................................... 97

4.7. Dimensão Subjetiva ....................................................................................................... 98

Capítulo 5. O conceito de jogo nas abordagens críticas e a contribuição de Vigotski e Elkonin

.................................................................................................................................... 102

5.1. Compreensão histórico-cultural de jogo ...................................................................... 103

5.2. O jogo e a criatividade ................................................................................................. 105

5.3. Jogo, desenvolvimento e aprendizagem ...................................................................... 112

5.4. O jogo e a autonomia ................................................................................................... 114

Capítulo 6. Procedimentos Metodológicos............................................................................. 121

6.1. Processo de escolha dos sujeitos .................................................................................. 121

6.1.1. Contexto de pesquisa ........................................................................................ 123

6.1.2. Um breve histórico de São José dos Campos ................................................... 123

6.1.3. A Diretoria de Ensino de São José dos Campos ............................................... 125

6.2. Procedimentos gerais para a produção das informações.............................................. 128

6.2.1. Processo de produção das informações obtidas por meio de questionário ....... 128

6.2.2. Processo de produção das informações obtidas por meio de entrevista ........... 129

6.3. Procedimentos para o tratamento e análise das informações ....................................... 130

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Capítulo 7. Análise das informações e conclusões ................................................................ 136

7.1. Análise das informações obtidas por meio de questionários ....................................... 136

7.1.1. Caracterização dos sujeitos .............................................................................. 136

7.1.2. Questões que envolvem a definição de jogo; utilização nas aulas, dificuldades e

objetivos ................................................................................................................................. 143

7.1.3. Síntese da significação de jogo obtida por meio dos questionários ................. 150

7.2. Análise das informações obtidas por meio de entrevistas ........................................... 154

7.2.1. Análise do sujeito I: Professor Júlio Cesar....................................................... 155

7.2.2. Análise do sujeito II: Professora Isabel ............................................................ 176

7.2.3. Análise do sujeito III: Professor Augusto ........................................................ 196

7.2.4. Análise do sujeito I: Professora Joana.............................................................. 213

Conclusão ............................................................................................................................... 233

Considerações finais .............................................................................................................. 244

Referências ............................................................................................................................. 249

Apêndices ............................................................................................................................... 257

Anexo...................................................................................................................................... 266

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Apresentação

O jogo foi eleito por mim como elemento central de minhas inquietações

profissionais-acadêmicas, quando comecei a dar aulas de natação e hidroginástica, em

1983, ano que ingressei no curso de Educação Física. Naquela época, a literatura sobre o

jogo nas aulas de natação era, ainda, pouca e superficial; vencer o desafio de ensinar

crianças e adultos a nadar por meio de brincadeiras e do jogo era alegado pelos

professores da área como contraponto à técnica dos quatro nados (crawl, costas, clássico,

borboleta), portanto, contrário à seriedade que deveria caracterizar as aulas (FREIRE e

SCHWARTZ, 2005).

Em 1985, época em que a duração do curso era de três anos, concluí o curso de

Licenciatura Plena em Educação Física. A maioria das disciplinas versava sobre os

esportes coletivos e individuais: basquetebol, handebol, voleibol, atletismo, natação,

ginástica, inclusive, esta última tinha como norteadora dos seus princípios o método

sueco. Na disciplina Recreação, além das vivências, elaborávamos uma “Pasta” com um

rol de atividades recreativas, aprendíamos a construir chaves com números de equipes

variadas, assim como, estudávamos os tipos de sistemas de disputas. Não me recordo da

literatura que embasava a prática pedagógica da professora; lembro apenas que a capa da

“Pasta de atividades” continha a seguinte frase: “Pintar é recreação a não ser que você

seja pintor”. Tal frase expressa a ideia de que o jogo se opõe ao trabalho produtivo e

profissional, carregando com isto certa significação da recreação e do jogo.

O exame de vestibular era composto por duas etapas: uma, de conhecimentos

gerais e outra, de conhecimentos específicos. A primeira envolvia comunicação e

expressão, biologia e química. A segunda era composta por testes de aptidão física. Além

disso, os candidatos aprovados nos duas etapas passavam pelo teste do cadáver, na

disciplina de Anatomia; o cheiro de formol era tão forte, que no primeiro dia de aula já

sabíamos quem, por falta de “aptidão”, iria desistir do curso. Nesta disciplina tínhamos

que memorizar todos os nomes dos músculos, ossos e cartilagens, além das suas origens,

inserções e funções. O referencial teórico que apoiava a disciplina era a obra de Mathews

e Fox. Na disciplina de Psicologia da Educação estudávamos os estágios de Piaget.

O desafio de ensinar, não só crianças, mas também adultos, por meio dos jogos e

brincadeiras, continuou quando, no ano de 1986, participei do Concurso Público da

Secretaria de Educação do estado de São Paulo, para provimento de Cargo de Professor

de Educação Física Feminina; fui aprovada e ingressei em fevereiro de 1990. Iniciei na

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rede pública estadual paulista atuando numa escola da zona norte da Diretoria de Ensino

de São José dos Campos, com turmas de primeiras séries do ensino fundamental (Ciclo

Básico - CB)1. Com isso, surgiram novas inquietações, mas também novas alternativas

pedagógicas e a utilização de materiais variados.

Tive a oportunidade de escolher aulas numa escola próxima à minha residência.

Trabalharia com turmas do Ciclo Básico, que era a faixa etária com a qual eu mais me

identificava, pela própria adesão das crianças às brincadeiras.

Utilizar jogos, brincadeiras e brinquedos como estratégia de ensino era o caminho

que havia encontrado para seguir meu percurso profissional e acadêmico, tentando

diminuir a ênfase dada ao esporte de rendimento. A opção por esta estratégia pautava-se

na superação da EF escolar, a qual evidenciava questões puramente técnicas, táticas e de

eficiência, em detrimento de atividades que levassem em consideração a afetividade, a

sensibilidade, a criatividade e a cooperação.

Naquela época, a proposta que orientava a prática pedagógica dos professores de

EF escolar do Ciclo Básico da rede pública estadual paulista era a mesma que ainda

vigora atualmente, a popularmente conhecida como Proposta Vermelha (SÃO PAULO,

1986/1991) 2, em função da cor da capa do documento.

O documento contém uma parte inicial de fundamentação teórica seguida por um

rol de atividades. Na prática pedagógica diária tentávamos reproduzir as atividades

contidas na proposta, além de incorporar tantas outras, as quais eram resultados de

pesquisas individuais ou coletivas, que geravam “Cadernos de atividades” elaborados por

nós, professores de EF da rede, e que eram socializados em encontros da área promovidos

pela Oficina Pedagógica.

No entanto, desde os anos de 1980, a área vinha recebendo críticas em relação às

tendências teórico-metodológicas tradicionais da Educação Física (EF) escolar, na

tentativa de superar perspectivas e práticas pedagógicas dicotômicas e limitadas. Uma das

críticas era direcionada ao esporte de rendimento, visto como conteúdo determinante nas

1 O Ciclo Básico correspondia às quatro primeiras séries do ensino fundamental, uma reorganização da

Secretaria da Educação, implantada em 1984, a partir do decreto nº 21.833/1983. Atualmente, as quatro

primeiras séries do ensino fundamental são denominadas de Ciclo I, o qual está progressivamente

recebendo nova nomenclatura, com ampliação do ensino fundamental para 9 anos de duração – o Ciclo I

equivale aos cinco primeiros anos (1º ao 5º anos) e o Ciclo II compreende do 6º ao 9º anos. Como a

mudança é progressiva, no ano de 2010 ainda se encontra escolas estaduais com nomenclaturas

correspondentes ao ensino fundamental de 8 anos, ou seja, existem escolas com salas denominadas de séries

e/ou anos. 2 A Proposta Curricular de Educação Física para o 1º Grau foi editada em 1986 – versão preliminar, em um

único volume, que orientava a prática pedagógica para as 1ª e 2ª séries do ensino fundamental.

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aulas de Educação Física escolar, em que prevalecia o modelo mecanicista, a aptidão

física e a competição. Diante das novas tendências epistemológicas da Educação Física

escolar, esperava-se um novo encaminhamento para o jogo nas aulas de Educação Física.

No entanto, faltava uma proposta de sistematização do jogo, no sentido de contextualizá-

lo criticamente dentro da Educação Física escolar.

Naquela época, utilizávamos a brincadeira como uma atividade bem-vinda ao

Ciclo I (1ª e 2ª séries), tida, inclusive, como a melhor proposta para este nível de ensino.

Tínhamos segurança e confiança no que estávamos fazendo e sabíamos que estávamos

fazendo o que era certo. Novos questionamentos vieram com meu ingresso, em 1992, no

curso de pós-graduação latu sensu em Recreação e Lazer. Ele me proporcionou acesso

aos textos científicos que veiculavam as discussões mais críticas sobre a EF escolar, em

que o esporte de rendimento se configurava como uma atividade acrítica e reprodutora da

ideologia dominante.

Em junho de 1996 exonerei-me da rede pública estadual paulista, numa

“oportunidade” dada pelo Estado (SEE), por meio do programa de demissão voluntária –

PDV. Meu objetivo era montar uma escola de natação, convencida de que poderia

desenvolver um trabalho lúdico no qual tanto cria; afinal, acreditei piamente nas críticas

veiculadas na área da EF escolar, que seguia um modelo esportivo tecnicista tradicional.

Cabe destacar, neste momento, a crítica de Oliveira (2001), ao apontar que a história da

EF nem sempre é a contada pelos documentos oficiais e pelos textos científicos

veiculados nas revistas; existe uma prática dentro da escola que é singular e peculiar a

cada escola. Segundo o autor, os professores conscientes ou inconscientes do aparato

legal e da veiculação cientifica, produzem sua prática a sua própria maneira; ministram

aulas diante da tensão entre a resistência e a continuidade, mas nem sempre a prática

segue o aparato legal.

Nesse sentido, as significações que os professores de Educação Física constituem

sobre o jogo são compostas pela síntese das múltiplas significações de jogo presente na

realidade objetiva; entendendo que esta realidade objetiva é composta por vários aspectos,

dentre eles os documentos legais, os cursos de formação, as orientações recebidas pelos

órgãos oficiais e as concepções presentes nas produções científicas veiculadas na área.

Mas, ao mesmo tempo, a realidade objetiva é composta por significações que são únicas e

particulares de cada professor, vivências presentes em sua história de vida. Estas

múltiplas significações são efetivamente constituintes da questão, mas muito pouco

evidenciadas e discutidas.

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Em 2001, retornei à rede estadual como professora Ocupante de Função Atividade

– OFA, com aulas no Ciclo II (5ª a 8ª séries), pois com a reorganização do Ciclo Básico,

ocorrida em 1988, por meio do decreto nº 28.170, de 21 de janeiro de 1988, que

estabeleceu a Jornada Única aos professores (40 horas-aula/semanais) e com a Resolução

nº 265, de 4 de dezembro de 1995, as aulas de Educação Física das primeiras séries do

ensino fundamental diminuíram, ficando sob a responsabilidade do professor de classe

(PEB I)3. Nos anos subsequentes, atuei no Centro de Formação e Aperfeiçoamento para o

Magistério – CEFAM, acreditando na possibilidade de contribuir para a formação de

futuros professores para um trabalho lúdico. Posteriormente, como Professora

Coordenadora, com o objetivo de promover atividades lúdicas para e com os alunos. No

entanto, o espaço reservado no calendário escolar para as atividades “sócio-recreativas”,

incluindo Festa Junina, Dias dos Pais, Dia das Crianças e Festa de Final de Ano, era

limitado a três ou quatro dias no ano para este fim. A coelaboração, a co-participação e a

decisão dos alunos nas vivências eram motivos de conflito entre professores e alunos, em

decorrência da tensão que havia, por parte dos professores, em organizar e sistematizar as

atividades para e com os alunos.

Em 20064, assumi meu trabalho como professora efetiva e, neste mesmo ano, atuei

como Coordenadora Pedagógica das Oficinas Curriculares de uma Escola de Tempo

Integral – ETI, em que o trabalho com atividades lúdicas fluía mais facilmente, porque,

além de a proposta oficial para as Oficinas Curriculares abrir espaço para tais atividades,

a equipe de professores abraçou esta ideia. Neste projeto, os professores de Educação

Física atuavam nas oficinas de “Atividades Esportivas e Motoras”. Porém, havia um mal-

estar entre as professoras das oficinas curriculares e as professoras que atuavam nos

componentes curriculares do Currículo Básico: de manhã, o estudo e, de tarde, a

“bagunça” – esta era a interpretação que circulava na escola, na época.

Além da proposta (SÃO PAULO, 1986/1991), desde 2003, os conteúdos a serem

desenvolvidos nas aulas de Educação Física das primeiras séries do ensino fundamental

deveriam ser estabelecidos conforme o organograma de conceitos5, que propõe ao

professor de EF o registro de conceitos, objetivos e procedimentos de atividades para as

aulas de EF no Ciclo I e de acordo com a sequência didática, que consiste na elaboração

3 As aulas de EF nas primeiras séries do ensino fundamental só voltaram a ser ministradas pelo professor

especialista em 2003. 4 Atuo na rede estadual até o presente momento desta pesquisa, como professora bolsista do programa

“Bolsa Mestrado”, designada na Diretoria de Ensino de São José dos Campos. 5 O Organograma de Conceitos reúne habilidades de manipulação, locomoção e estabilização, segundo o

proposto por Gallahue, conforme apresentado no anexo I.

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de um roteiro de atividades6, de forma a organizar sistematicamente os conceitos a serem

seguidos em uma aula7. Estas orientações eram repassadas pelo ATP – Assistente técnico

pedagógico de Educação Física, aos professores de Educação Física das escolas;

atualmente as orientações técnicas são realizadas com o professor Coordenador

Pedagógico de cada escola e este tem a incumbência de multiplicá-las, repassando as

orientações aos demais professores.

Diante da proposta da CENP/SEE, meu desafio consistia em ampliar as

possibilidades do movimentar-se humano, não só valorizando o aspecto técnico-tático do

próprio movimento, mas destacando o corpo como linguagem corporal que expressa e

comunica com seu movimento, mostrando sua maneira diversa e criativa, num

movimento espontâneo e emocionado, que revela sentidos e significados. Buscava

conceitos mais amplos que pudessem incorporar a participação dos alunos, a liberdade de

escolhas e a decisão nas ações. Um conceito que pautasse para além do alcance de

habilidades físicas e motoras, à época denominado por mim como “Expressão Corporal”.

Além disso, buscava conceitos que rompessem com o tecnicismo, com a eficiência e com

os padrões de movimentos, no qual as avaliações, nas aulas de EF escola, não dessem

ênfase ao resultado final, mas ao processo de participação dos alunos8.

Em outubro de 2006, tive oportunidade de ministrar uma oficina intitulada

“Recreação Escolar9”, no II Encontro de Educadores de Educação Física da Diretoria de

São José dos Campos, evento organizado pela Oficina Pedagógica, setor responsável pela

formação em serviço.

Foi uma proposta bem recebida pelos professores; mas, apesar do avanço, faltava

muito que estudar e pesquisar. Sentia falta de um estudo crítico. Naquele momento, eu

buscava outras literaturas, que me respaldassem com conceitos que privilegiassem o jogo

6 O roteiro segue alguns procedimentos básicos: a) Unidade temática, (é proposta a unidade temática

denominada “conhecendo o movimento”, cujo objetivo é entender o movimento motor em diversos espaços

sociais); b) Conceito do movimento a ser trabalhado (conceito destacado que será desenvolvido com a

realização da atividade); c) Problematização (situação anterior à atividade, com a finalidade de levantar

ideias sobre o conceito a ser trabalhado na atividade); d) Descrição da atividade (situação “prática”

propriamente dita); e) Reflexão (situação posterior à atividade, com o propósito de conversar sobre o

conceito trabalhado), f) Destaques da Reflexão (aspectos que devem ser destacados, após a conversa); g)

Sugestão de registro (momento final em que os alunos elaboram registros diversos sobre o que aprenderam

na aula, servindo de subsídios para a avaliação do professor); h) Variações da Atividade (mudança de um

determinado aspecto da atividade: espaço-físico, material, regras). 7 Atualmente as orientações técnicas são mais direcionadas ao desenvolvimento da proposta curricular para

o Ciclo II e para o Ensino Médio. Até o momento de elaboração deste trabalho, não existe nenhum

documento oficial em relação à proposta curricular para o Ciclo I. 8 Proposta como esta pode ser encontrada em Schwartz (2004).

9 O objetivo desta oficina era ampliar os conceitos sugeridos pela SEE e inserir conceitos voltados à

expressão corporal mais livre e espontânea.

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17

como linguagem corporal a ser trabalhado nas aulas de EF escolar. Encontrei em Mattos e

Neira (2003) uma possibilidade de estudo; mas, ainda havia muito que pesquisar e

discutir, minhas articulações eram insuficientes para uma mudança no trabalho com o

jogo. Reconhecia que sozinha não conseguiria transformar e que, mesmo que houvesse o

interesse de professores para montar grupos de estudos, tal possibilidade se mostrava

pouco promissora. Durante os anos em que atuei e atuo na rede pública estadual paulista

houve e ainda há momentos em que conseguimos nos reunir para estudar para concursos

públicos, mas poucas foram as oportunidades para fazer uma reflexão sobre a implicação

dos pressupostos teórico-metodológicos na nossa própria prática pedagógica.

Seguindo com minha trajetória profissional e acadêmica, em 2005 conclui o curso

de Pedagogia e o Mestrado em Ciências da Motricidade, na área da Pedagogia da

Motricidade Humana, na linha de pesquisa: estados emocionais e movimento. Estudei o

jogo no âmbito do lazer, no qual as atividades mais livres e espontâneas são permitidas,

sem enfatizar a rotina e a organização escolar “burocráticas”, características evidenciadas

no mundo do trabalho e em atividades produtivas. No entanto, o que me preocupava era a

visão parcial e dicotômica que se verificava nas atividades vivenciadas no âmbito do

lazer, aliada à contraposição que os praticantes faziam entre trabalho e lazer. Tal visão

considera as atividades vivenciadas no âmbito do lazer desvinculadas das atividades

vivenciadas em outras esferas da vida, numa relação de compensação, desconexão, alívio

e antídoto (FREIRE, 2005). Discutir a relação lazer-trabalho me conduzia a discutir a

relação jogo-trabalho, em função da semelhança entre ambos, uma vez que a

contraposição leva sempre a uma visão dicotomizada da realidade; entretanto, havia

necessidade de um estudo mais aprofundado sobre a articulação entre eles.

Logo em seguida, atuei como professora de “Recreação e Lazer” no ensino

superior; o jogo foi elemento central das minhas inquietações profissionais e acadêmicas

junto aos futuros professores. Utilizava princípios e referenciais do curso de mestrado

para embasar meu trabalho pedagógico com o jogo e o roteiro de atividades proposto pela

rede pública estadual paulista com todas as alterações que julgava pertinente para uma

aula crítica e transformadora.

No que se refere aos documentos orientadores curriculares da área da Educação

Física escolar no estado de São Paulo, ainda vigorava a Proposta Curricular de Educação

Física – 1º Grau (SÃO PAULO, 1986/1991), cuja tendência teórico-metodológica era

pautada no construtivismo. Juntamente com esta proposta, havia o projeto Ensinar pra

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18

Valer! Aprender pra Valer! para as classes de aceleração (SÃO PAULO, 1996)10

, e os

Parâmetros Curriculares Nacionais: PCN de Educação Física (BRASIL, 1997),

documentos oficiais que orientavam a prática pedagógica do professor.

Os encontros de orientação técnica (OT) eram norteados pela proposta

construtivista de Piaget e pela perspectiva de Tani et al. (1988), esta baseada nos estudos

de Gallahue, de onde surgiu o organograma de conceitos11

. Eu sentia falta de

fundamentação teórica condizente que melhor explicasse o jogo dentro da escola e

permitisse superar a visão que vinha sendo construída, do jogo como simples jogar por

jogar ou mesmo para alcançar capacidades físicas básicas. Minha busca era por um jogo

mais criativo, pela sensibilidade, pelo espírito de solidariedade, pelo senso estético, pelo

humor e necessariamente por uma proposta critica de trabalho com o jogo, aspectos

deixados para segundo plano numa sociedade centrada no capitalismo, na produtividade e

na lucratividade acima de tudo.

Minhas reflexões direcionavam-se para as reais possibilidades de mudanças no

âmbito do lazer. Já na escola, minhas preocupações estavam relacionadas à minha prática

pedagógica, buscando subsídios teórico-metodológicos para ensinar por meio dos jogos e

brincadeiras em um espaço considerado de estudo, em contraposição a espaços de

diversão. O jogo, embora seja um tema estudado por vários educadores e pesquisadores,

ainda não tem seus objetivos claros; é almejado e desejado na escola, mas tem

dificuldades de ser efetivado como projeto educativo. Na Educação Física escolar

costuma-se utilizar o jogo como simples atividade recreativa, sem levar em consideração

seu caráter de transformação social, ou ainda, utiliza-se dele de forma descontextualizada,

como um fazer por fazer, ou puramente para o alcance de aptidões físicas (SCHWARTZ,

1997). Conforme pontuado por Lima (2003), o jogo nas escolas de educação infantil e nas

primeiras séries do ensino fundamental se manifesta diferentemente de quatro maneiras:

como ausência e proibição da brincadeira; como recurso pedagógico; como atividade

recreativa e como laissez-faire (fazer por fazer).

10

A proposta consiste em atividades de várias disciplinas, inclusive de EF escolar, direcionadas aos alunos

que não correspondem às expectativas de passagem pelo caminho regular de desenvolvimento, necessitando

de uma espécie de “correção” em sua trajetória. Uma educação compensatória para alunos de 1ª a 4ª séries

do ensino fundamental. 11 Documento em anexo, publicado pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicos (CENP).

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Foi no Doutorado que encontrei a possibilidade de estudar Vigotski12

, seus

colaboradores e a perspectiva da psicologia Sócio-histórica13

; com isso, superar, aos

poucos, a visão dicotômica entre corpo-mente, teoria-prática, biológico-social,

pensamento-movimento, aspectos presentes na minha prática pedagógica. As disciplinas:

Observação e análise da Atividade Docente: subsídios para a formação inicial e

continuada de professores; Contribuições de Vigotski para a Pesquisa e a Educação e A

Educação como Processo Social e Prática Política, principalmente pelas leituras de Bock

(2009) e de Gonçalves e Bock (2009), que abordam a educação como prática social

transformadora, contrapondo-se à ideologia dominante, bem como as reflexões e

discussões em grupo, subsidiaram-me teórico e metodologicamente, guiando-me por

caminhos desmitificadores e desnaturalizantes em relação ao trabalho com ao jogo.

Um dos principais problemas, a nosso ver, de se considerar o jogo a partir de

visões naturalizantes, é que “[...] o conhecimento que se produz se isenta de questões

sociais concretas, aparece apartado dos problemas considerados mais relevantes, afasta-

se das questões da realidade social”. (GONÇALVES e BOCK, 2009, p. 121),

esquecendo quase sempre de aspectos sociais e culturais do desenvolvimento humano. Os

aspectos do desenvolvimento dos alunos ficam absolutizados e não se vai adiante

debatendo questões sociais e políticas que compõem todos os fenômenos e aspectos do

processo educacional. As perspectivas naturalizantes são dicotômicas, separando os

processos e abandonando a análise das relações que se estabelecem. Assim, elas são

absolutizadoras, indicando causas ou movimentos próprios do sujeito como responsáveis.

Isto acontece com as visões desenvolvimentistas que absolutizam o movimento próprio

do sujeito (mesmo reconhecendo influências externas), ocultando um conjunto amplo de

determinações.

Descolarmos-nos destas visões era uma necessidade, entretanto era também um

ato corajoso, pois ensinar por meio do jogo não é uma tarefa fácil, no sentido de que não

bastava apenas saber-fazer, mas era preciso saber como e para que fazer. Ou seja, era

12

No Brasil, as obras do autor russo têm sido referenciadas com diferentes grafias. Neste trabalho optamos

em adotar a grafia Vigotski para todas as publicações do autor, grafando-o diferentemente apenas quando a

obra citada assim o fizer. 13

A perspectiva Sócio-Histórica foi desenvolvida por um grupo de pesquisadores brasileiros ligados a

PUC/SP, que partiram dos princípios do materialismo histórico e dialético e dos estudos da psicologia

histórico-cultural de Vigotski e seus colaboradores e, procurou desenvolvê-los a partir das exigências e

condições de nossa realidade brasileira. Em outras pesquisas podemos encontrar os termos: Histórico-

cultural ou Escola de Vigotski. Embora assumam denominações diferentes, compartilham dos mesmos

pressupostos teórico-metodológicos.

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necessário caracterizar seus objetivos, sistematizar seu desenvolvimento e fundamentar

teórica e metodologicamente sua proposta de trabalho com o jogo, no sentido de fazer

conexão com a vida, isto é, verificar a contribuição da atividade para o desenvolvimento,

para a aprendizagem e para a realidade das crianças e, ao mesmo tempo, considerar as

condições de vida dos alunos na elaboração das atividades lúdicas.

Além disto, pudemos perceber como aspecto presente, mas pouco evidenciado e

discutido na EF escolar, as significações de jogo que eram efetivamente constituintes da

questão. Nós, professores de EF escolar da rede pública estadual paulista, tínhamos

nossas significações de jogo compostas pelo aparato legal, no entanto, os princípios que

baseavam nossa prática com o jogo eram únicos e particulares. Além disso, era possível

perceber que a prática pedagógica de cada um de nós, professores de EF, reunia as

múltiplas significações sobre o jogo, constituídas ao longo da nossa formação, na nossa

atuação como professores de Educação Física, seja na escola, na academia ou clubes,

assim como significações constituídas na época em que éramos alunos de Educação

Física da Educação Básica.

Portanto, as formas como professores e alunos concebiam o jogo e as expectativas

que os alunos tinham quando o professor anunciava um jogo, além das significações

presentes e cultivadas nas legislações, nos documentos oficiais e na formação dos

professores, são todos eles aspectos de significação que estão sempre lá, constituindo a

realidade e precisam ganhar visibilidade se quisermos efetivamente estudar e

compreender de modo mais complexo e completo o jogo e, se necessário for, mudar sua

direção.

São aspectos que estão presentes, todavia não são acessíveis de imediato. Quando

pensamos no jogo, normalmente pensamos no sentido de definir o jogo, mas a definição

de jogo pelos documentos legais e pelas produções cientificas da área não são suficientes

para compreender as significações de jogo presente na Educação Física escolar, porque,

necessariamente, as significações de jogo dependem de aspectos subjetivos presentes na

realidade da prática pedagógica do professor.

É como sujeito desta realidade objetiva, professora de Educação Física escolar da

rede estadual pública paulista desde o ano de 1990, que decidi pesquisar o trabalho com o

jogo realizado pelos professores de Educação Física escolar que atuam nas primeiras

séries do ensino fundamental.

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Introdução

Este trabalho de pesquisa pretende contribuir para a concepção de propostas

pedagógicas, para a elaboração de estratégias de formação de professores de EF escolar e para

o delineamento de alternativas metodológicas no trabalho com jogo, principalmente aos

professores e estudantes de Educação Física que pretendem trabalhar com o jogo nas

primeiras séries do ensino fundamental.

Num curso de formação em EF, é importante abordar a definição de jogo e suas

estratégias, mas estes aspectos não são suficientes; conforme anunciado anteriormente: é

necessário entender as significações constituídas pelos professores. Portanto, todo trabalho de

formação deveria ser capaz de mover sentidos e, de acordo com a perspectiva deste estudo, o

sentido do jogo tem uma direção. Quando o professor considera o jogo como uma atividade

que humaniza o sujeito, fundamental para seu desenvolvimento, produzida na cultura,

essencialmente humana porque é criada pelo humano, ele deve basear-se nesses princípios e

desenvolver tal perspectiva na formação de professores de EF. O trabalho com o jogo não

deve se restringir a ensinar determinados conteúdos, mas deve ajudar a formular concepções a

partir dos conteúdos desenvolvidos pelo professor formador. A concepção de jogo deve

assumir uma diretriz, orientando o sentido que o professor deverá constituir em sua formação.

Como nossa preocupação é com as significações de jogo, partimos do levantamento

das concepções de jogo presentes nas produções científicas sobre o tema, com a hipótese de

que o jogo tem sido concebido pelo professor de Educação Física escolar a partir de

perspectivas naturalizantes, o que a nosso ver tem sido impeditivo de transformação na área.

A ideia de jogo a partir de uma visão naturalizante como caracterizada acima impede

que os valores ideologicamente dominantes sejam questionados no momento em que questões

sociais e políticas estão ausentes da discussão. Jogar por jogar e cumprir as regras do jogo,

pela simples necessidade de execução correta dos movimentos, é desconsiderar o sentido

social e político das regras, necessários a organização e pertencimento a uma coletividade, e é

ainda sinal de descompromisso com a construção de condições igualitárias de convivência,

seja na escola, na família, na comunidade ou numa situação social mais ampla. Portanto, não

articular as regras do jogo com as regras sociais cotidianas é menosprezar a importante

conscientização sobre elas, do que as leva a ser como são e, seu processo histórico de

construção.

A visão naturalizante do jogo e suas regras isenta a crítica da ideia de jogo à margem

da realidade social, regido pela sua própria dinâmica interna, colaborando, com seus logros e

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trapaças, para o próprio desenvolvimento da lógica que rege a sociedade na qual ele se insere;

isto é, as regras do jogo seguem os interesses individuais e não as de uma convivência com

base nos interesses coletivos.

A concepção de jogo composto por regras universais e imutáveis, baseia-se no

princípio de que as regras são inquestionáveis, restando apenas a ideia conformista e eficiente

de aceitar e respeitar as regras do jogo, prevalecendo sobre qualquer mudança ou acordo entre

os jogadores.

A falta de questionamento mantém de certa forma a estabilidade, a funcionalidade e a

ideia de harmonia em relação às regras do jogo. Isso tudo se contrapõe à ideia do

materialismo histórico dialético, que acredita que a sociedade deve ser entendida por suas

contradições históricas. A ideia de que as regras do jogo devem seguir uma certa harmonia

para que ele aconteça é contrária a ideia de que o jogo é determinado de acordo com as

condições históricas e sociais que afetam os modos como essa atividade é desenvolvida. No

caso da nossa sociedade capitalista, o jogo parece cumprir os objetivos esperados e desejados,

como se fosse algo natural; entretanto, não há como isentar um julgamento de valor, no

momento em que os valores que estão presentes na sociedade (capitalista) estão

necessariamente presentes nos fenômenos sociais (incluindo o jogo) e os fenômenos sociais

estão atrelados e se desenvolvem a partir destes valores.

Encontramos respaldo na perspectiva da psicologia Sócio-histórica para superar os

problemas encontrados no trabalho com o jogo e críticas as perspectivas dicotômicas e

naturalizantes. Segundo a perspectiva da psicologia Sócio-histórica, o termo jogo é

compreendido em sua visão crítica e desnaturalizante, em que o termo jogo é utilizado para

designar tanto a brincadeira como o jogo, assim como é concebido como uma prática cultural

produzida nas relações sociais. Compreendê-lo desta maneira nos permite avançar no

entendimento crítico da sociedade e de seus produtos.

Nessa perspectiva, o jogo não é visto como uma atividade regida por leis naturais ou

mecanismos biológicos, porque mesmo que nos primeiros anos de vida as atividades da

criança sejam relacionadas à satisfação das necessidades primárias e a atividade principal seja

a comunicação pela via emocional direta e depois a manipulação de objetos, essas atividades e

necessidades já são sociais.

Na perspectiva da psicologia Sócio-histórica, a origem da brincadeira é social e

histórica e, por ser considerada como tal, é necessariamente humana, uma vez que a criança

vive com objetos e instrumentos produzidos por mãos humanas e mesmo a atividade da

criança, inicialmente considerada como “exercício prévio” por perspectivas naturalizantes,

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converte-se e se constitui em brincadeira por meio das relações sociais estabelecidas com os

adultos.

Isso não significa desconsiderar as leis biológicas que regem o desenvolvimento

humano, mas significa dizer que as leis biológicas não determinam o desenvolvimento sócio-

histórico do homem e dos produtos de sua atividade, como é o jogo.

Outro pressuposto neste trabalho é o de que a concepção de jogo, a partir de uma visão

naturalizante constitui-se como hegemônica na sociedade e entre os professores, que a

incorporam como suas próprias concepções o que tem implicações na forma de trabalhar em

suas aulas. Neste sentido, queremos entender a significação de jogo constituída pelo professor

de Educação Física escolar, para melhor compreendermos a prática e o trabalho com o jogo

na EF escolar.

O jogo na perspectiva Sócio-histórica permite dar visibilidade a uma série de

processos que acontecem na EF, como compreensão das regras (sua natureza e função), do

“espírito” de competição, da relação com o corpo, enfim aspectos do processo que possuem

sua real compreensão nas relações sociais.

Assim, do ponto de vista teórico-conceitual, nosso trabalho se orienta pela concepção

de que o jogo não é uma atividade natural, sendo suas características constituídas socialmente,

portanto, supera a visão “evolutiva”, universal, determinista e subjetivista presente na maior

parte das produções sobre o tema. Ou seja, a compreensão da origem e do desenvolvimento

do jogo não está pautada na dinâmica interna da atividade do brincar; o jogo de papéis não

evolui para o jogo de regras explícitas, por uma simples ação autônoma do sujeito, mas o jogo

se constitui pelas condições sociais e históricas que determinam as formas de brincar. Não há

motivos para considerar o jogo e suas regras como naturais, pois houve um processo de

constituição das regras, do nome, da duração, do número de jogadores, dos materiais

utilizados e da pontuação, características obtidas nas relações sociais (os homens se

encontram para criar jogos em que o sujeito é ativo no processo, pode transformar). Por outro

lado, as condições concretas do fazer pedagógico do professor podem impulsionar (ou não) a

constituição das capacidades dos sujeitos por meio do jogo. Esse nosso ponto de vista nos

ajuda a nos deslocarmos de visões cristalizadas e conservadoras de jogo para visões históricas

que fazem ou apresentam o jogo como uma forma cultural, constituído pelos humanos no

decorrer do tempo, respondendo a interesses e possibilidades do momento histórico e,

principalmente, sendo tomado como algo que pode e deve se modificar. O jogo é visto como

produto e como processo, sempre em movimento, possibilitando o desenvolvimento de novas

capacidades e, ao mesmo tempo, incorporando-as. Nossa intenção é favorecer um trabalho

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com o jogo em EF que seja sempre inovador e atual, abandonando concepções e práticas

paralisantes e conservadoras.

Desta forma, precisamos considerar o porquê de o jogo estar significado na escola da

forma como está e por que ele deveria ou poderia ser de outra maneira. As mudanças que

almejamos na presença do jogo na EF escolar necessitarão considerar o que cada um quer,

pensa, enfrenta e aproveita sobre ele. É nesta direção a nossa contribuição.

Diante destas considerações, esta pesquisa se propõe compreender as significações

constituídas por professores de EF, da Diretoria Regional de ensino de São José dos Campos,

relacionando-as às formas e visões de trabalho em EF à luz da perspectiva da psicologia

Sócio-histórica, contribuindo para a compreensão mais complexa das questões da EF, em

especial do trabalho com o jogo. As significações constituídas sobre o jogo são aspectos

constitutivos do trabalho que se realiza e, portanto, seu conhecimento é importante,

principalmente, quando se pretende a crítica e o avanço neste trabalho e na formação destes

profissionais.

Assim, no primeiro capítulo apresentamos algumas pesquisas que antecederam nosso

estudo, cujo tema é o jogo na Educação Física escolar para as primeiras séries do ensino

fundamental, e que discutem a formação de seus docentes, as concepções de jogo e as

implicações dessas concepções na maneira de atuar nas escolas.

No segundo capítulo, fazemos uma retomada histórica do conceito de jogo a partir da

contribuição de filósofos, evidenciando as transformações conceituais que ocorreram, assim

como introduzimos a dicotomia entre o competir/cooperar. No final deste capítulo apontamos

alguns elementos para pensar o jogo na perspectiva sócio-histórica.

No terceiro capítulo, discutimos os documentos orientadores da proposta curricular da

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, as tendências teórico-metodológicas da

Educação Física e o ordenamento legal que regulam o jogo na Educação Física escolar.

No quarto capítulo, apresentamos a dimensão subjetiva do trabalho com o jogo na

Educação Física escolar, seus pressupostos teórico-metodológicos a partir das principais

categorias da perspectiva sócio-histórica. Conceituamos a concepção de homem-sociedade

defendida por tal perspectiva, em que sujeito e sociedade se relacionam ativa e dialeticamente,

transformando-se mutuamente nessa relação. Abordamos a atividade de trabalho como

fundamental na humanização e transformação da sociedade e de si próprio, destacando o

processo histórico de constituição homem, afirmando que ele se apropria das aptidões

desenvolvidas pela humanidade, por meio das relações sociais mediadas pela linguagem.

Trazemos a relação entre pensamento/fala como desenvolvimento e expressão histórica da

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consciência humana. Em seguida, a relação entre aprendizagem/desenvolvimento é tratada,

destacando a primeira como impulsionadora do desenvolvimento. Por fim, apresentamos as

categorias sentido e significados e o conceito de dimensão subjetiva que permite e orienta

nosso estudo sobre o jogo na Educação Física escolar.

No quinto capítulo, retomamos o conceito de jogo, agora à luz da produção teórica que

tem fundamentos em abordagens críticas, como os estudos de Elkonin, as teses de Vigotski e

de alguns autores que têm contribuído para pensar o jogo à luz da perspectiva histórico-

cultural. Neste capítulo abordamos os seguintes aspectos: compreensão histórico-cultural de

jogo; o jogo e a criatividade; a relação entre jogo, desenvolvimento e aprendizagem e, por

fim, o jogo e a autonomia – a fim de indicar caminhos para um trabalho mais qualificado e

crítico neste campo.

No sexto capítulo, apresentamos os procedimentos metodológicos da pesquisa, cujo

referencial teórico está pautado na perspectiva sócio-histórica, a partir de autores como

Vigotski (1962/1984 e 2000), Bock (1999), Gonçalves e Bock (2009), Aguiar (2006; 2009 e

2009a); Aguiar e Ozella (2006) e González Rey (2003; 2005 e 2009). Descrevemos os

procedimentos metodológicos que foram utilizados para a produção de informações,

enfatizando que a linguagem é um elemento fundamental para compreender as ações do

sujeito e para nos aproximarmos da dimensão subjetiva e, por fim, trazemos a análise e

discussão dos dados coletados.

O conhecimento das significações sobre o jogo nos permite dar visibilidade à

dimensão subjetiva do uso do jogo na Educação Física escolar; ao final do trabalho, voltamos

às preocupações com a prática e a formação em EF que, como relatado, são a origem deste

estudo.

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Capítulo 1. O jogo na Educação Física escolar como tema de pesquisas

O jogo é um tema constantemente estudado por vários pesquisadores, nas diversas

áreas de conhecimento, nas mais diferentes abordagens teóricas, sobretudo na educação, de

maneira geral, e, em particular, na EF. As pesquisas sobre o jogo na área da Educação Física

não se restringem somente a sua definição pelos professores de Educação Física, mas revelam

uma dimensão subjetiva do trabalho com o jogo, significações sociais que são constituídas

coletivamente e compõem a significação individual de jogo constituída pelo professor. Cabe

ressaltar que a dimensão subjetiva diz respeito às significações que são tanto sociais como

individuais, dimensão composta pelos sentidos e significados que o professor constitui sobre

o jogo. São significações indissociáveis, em que uma está imbricada na constituição da outra.

No entanto, o que percebemos é que nas produções científicas da área da EF a

dimensão subjetiva é pouco evidenciada. É possível notar nas pesquisas que o trabalho do

professor de Educação Física, mais especificamente com o jogo, é historicamente constituído

a partir de concepções dicotômicas, sem considerar que essas dicotomias constituem o

trabalho do professor de Educação Física.

Moreno (1996) estudou a relação entre o esporte hegemônico e a Educação Física.

Para a referida autora, não é possível pensar na constituição da identidade profissional do

professor de Educação Física que atua na Educação Básica e no ensino superior sem

considerar esta relação, uma vez que o ingresso na profissão parece ter sido estimulado pela

passagem com algum êxito por uma modalidade esportiva.

As pesquisas de Borges (1998) e Fernandes (2009) corroboram as ideias postuladas

por Moreno (1996). Borges (1998) investigou o processo de constituição da identidade

docente de dois professores de Educação Física, um que atuava numa escola particular e na

escola pública da rede municipal de ensino e outro que atuava numa escola pública da rede

municipal de ensino e numa escola pública de rede estadual, todas localizadas no município

de Belo Horizonte/MG. Os resultados indicam que os saberes dos professores de Educação

Física e a prática pedagógica estão ligados às experiências pré-profissionais no “desporto”.

Para Borges (1998), os processos de formação pessoal e profissional constituem a

identidade do professor de Educação Física. Segundo ela: “Esses saberes constituem um

saber-fazer ou saberes que (in)formam suas ações e é com base neles que os professores

estabelecem relações com o conhecimento já sistematizado.” (BORGES, 1998, p. 12).

Fernandes (2009) investigou como os professores se manifestaram diante da proposta

pedagógica elaborada pela Secretaria da Educação em 2003, para as primeiras séries do

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ensino fundamental. Para isso, entrevistou seis professores de Educação Física escolar da

Diretoria de Ensino da Regional de Campinas Oeste, sendo 3 que atuam na rede desde o Ciclo

Básico e 3 que ingressaram no ano de 2003. Os resultados apresentados pelo autor indicam

que, para os professores experientes, a prática pedagógica requer, principalmente,

conhecimentos biológicos desenvolvimestistas/esportivistas, no sentido de auxiliar o aluno no

desenvolvimento das modalidades esportivas nos anos subsequentes e contribuir na

construção de conceitos da mesma natureza (biológica). Já para os professores iniciantes, a

prática pedagógica exige conhecimentos apresentados no PCN, nas tendências críticas da

Educação Física, principalmente, conhecimentos sobre jogos cooperativos. Ao mesmo tempo,

os professores experientes consideram a proposta da SEE, conhecimentos e concepções

pessoais. Em face dos resultados, Fernandes (2009) considera que as manifestações dos

professores frente à proposta da SEE encontra-se imbricada entre a formação inicial e os

conhecimentos adquiridos na resolução de problemas surgidos no cotidiano da prática

pedagógica.

As pesquisas apresentam a significação social de que o trabalho do professor de

Educação Física escolar nas primeiras séries do ensino fundamental ainda se baseia no

princípio biologicista, desenvolvimentista e esportivista de educação, o que, conforme as

pesquisas citadas, é característica fundamental para compreender a constituição da identidade

do professor de Educação Física e sua significação social.

Demais pesquisas como as de Stumpf (2000), de Muniz e Fonseca (2000), de Passos

(1995) e Santos (2004), apresentam questões fundamentais para discussão acerca do trabalho

com o jogo na Educação Física escolar.

Stumpf (2000) estudou os significados que os professores de EF escolar atribuem ao

jogo, quando o utilizam como conteúdo pedagógico nas séries iniciais do ensino fundamental,

buscando identificar os conceitos e os valores atribuídos pelos professores ao termo jogo e

analisar como ele (o jogo) é trabalhado nas aulas. Para a autora, é impossível investigar o jogo

no ensino fundamental, sua complexidade, subjetividade e questões relacionadas à EF escolar,

sem considerar as ideias, percepções e ações expressas pelos professores, já que a EF escolar

tem como prática corporal o jogo eleito como conteúdo curricular nesse segmento de ensino.

Stumpf (2000) identificou, nos discursos das professoras entrevistadas, dois enfoques:

um, que destaca como características definidoras do jogo as regras antecipadas, o tempo e o

espaço determinados, além da busca pela vitória e competição. Esse primeiro enfoque

destacado pela autora evidencia características que distanciam o jogo dos seus elementos

fundamentais e revelam uma visão reducionista do jogo nas primeiras séries do ensino

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fundamental. O segundo enfoque evidencia seu aspecto lúdico, criativo e representativo. No

que se refere à contradição, a autora da referida pesquisa destaca que as características

evidenciadas no segundo enfoque não foram identificadas nas ações pedagógicas organizadas

e sistematizadas pelas professoras quando utilizam o jogo nas aulas. As observações

realizadas pela autora, das aulas dos professores de EF escolar, destacam a ênfase no primeiro

enfoque referenciado; “[...] o jogo instrumental, caracterizado pelo controle excessivo das

ações das crianças, excluindo os espaços pedagógicos para suas vivências lúdicas.”

(STUMPF, 2000, p. 152). Essa perspectiva tem como objetivo a aquisição das funções

psicomotoras de base e a preparação para a iniciação esportiva.

No que refere-se à presença da competição no jogo, a autora identifica dois tipos de

concepções na fala das professoras da pesquisa. A primeira compreende a competição como

inerente ao ser humano. A segunda expressa a ideia de que competição é um produto da

sociedade, isto é, uma forma de comportamento determinada pelos valores impostos pela

sociedade. Nesse sentido, a autora destaca que, pelo fato de as professoras compreenderem a

competição no jogo como algo inerente ao ser humano ou como produto da sociedade, elas

não demonstravam consciência da importância da intervenção pedagógica no sentido de evitar

que os valores impostos pela sociedade fossem reproduzidos em suas aulas.

Stumpf (2000) ainda destaca que, apesar de as professoras terem uma visão crítica da

realidade, pois compreendem que a sociedade é competitiva, em seu fazer pedagógico o

trabalho com o jogo segue na mesma direção.

Segundo Stumpf (2000), na concepção das professoras estudadas a competição

implica necessariamente uma cooperação entre os participantes de uma mesma equipe, no

momento em que todos têm que cooperar para a vitória do jogo, principal objetivo do jogo

competitivo.

Esse estudo evidencia que o significado do trabalho com o jogo pelo professor de

Educação Física escolar nas primeiras séries do ensino fundamental está pautado na condição

de ser instrumental e as inúmeras possibilidades educativas associadas ao caráter lúdico do

jogo, tais como autonomia, criatividade, liberdade, imaginação, dentre outras, não são

compreendidas como valorização social num trabalho com o jogo nesse segmento de ensino.

Isto é, as características essenciais não conferem ao jogo “status pedagógico”, apenas a

significação de ser uma atividade não-séria, sem utilidade e destituída de potencial educativo,

conforme evidenciado por Stumpf (2000).

A autora ainda evidencia que os professores, ao associarem a importância do jogo “ ao

seu papel no desenvolvimento da socialização, das funções psicomotoras e para a iniciação

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esportiva”, deixam evidente que “o jogo é valorizado numa perspectiva instrumental, isto é,

como meio para aprendizagem de valores e habilidades exteriores ao próprio ato de jogar”

(STUMPF, 2000, p. 152).

A partir dessas reflexões, a autora infere que, ao manifestarem suas convicções sobre o

valor do jogo, “as professoras acreditam que a socialização durante os jogos acontece de

forma espontânea, e que o jogo por si mesmo, de forma mágica, assumiria o papel a ele

atribuído” (STUMPF, 2000, p. 152).

Para a autora, o jogo por si só não promove a interação social dos alunos, ele é um

caminho facilitador para promover a socialização, mas não acontece sem a intervenção

pedagógica. Para que isso aconteça é essencial à intencionalidade educativa e a promoção da

melhoria das relações inter e intrapessoais, oferecendo, orientando e encaminhando seus

alunos para as aprendizagens desejadas, relacionando o jogo diretamente à diversidade

qualitativa de experiências vivenciadas.

Superar essas dicotomias e contradições tem sido um desafio para a área. Stumpf

(2000, p. 153) destaca que essa contradição só será resolvida quando o professor tiver

“consciência do seu papel para tomar o jogo um espaço educativo que promova a aquisição

de interações sociais” e que no seu fazer pedagógico teoria e prática não sejam indissociáveis.

Além das reflexões acima citadas, a autora evidencia a necessidade que o professor de

EF tem de refletir sobre o seu papel, sobre sua própria prática, bem como a necessidade de

conscientização da importância de buscar novos conhecimentos e atitudes a fim de qualificar

sua ação educativa; caso contrário, a prática pedagógica contribuirá para a “manutenção dos

valores vigentes na sociedade, à medida que, para elas, a socialização através do jogo

significa o ajustamento dos alunos à sociedade, conforme valores e normas existentes”

(STUMPF, 2000, p. 153), resultando numa prática reprodutora dos interesses da ideologia

dominante, individualista e sem intencionalidade pedagógica em prol da coletividade e da

humanização.

A autora aponta que as professoras têm preferência pelos jogos pré-desportivos e

recreativos, os primeiros indicados com a finalidade de preparar o aluno para o esporte e os

segundos indicados com a intenção de promover a liberdade de escolha, a imaginação, a

iniciativa e a criatividade. No entanto, no fazer pedagógico foi observado que estes jogos, em

algumas ocasiões, não assumem as características desejadas; ou seja, os primeiros assumem

as características dos esportes propriamente ditos, no que se refere à cobrança de resultados,

desenvolvimento técnico e tático dos movimentos e os segundos não assumem características

de recreação, ao contrário, impedem a iniciativa, a livre escolha e a criatividade.

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A autora defende o jogo como conteúdo de ensino e como veículo educacional na

promoção de valores e atitudes, tais como o respeito mútuo, a cooperação, a solidariedade, a

afetividade, dentre outros. Compreende que não é possível considerá-lo como um meio para

desenvolver a disciplina, como se fosse uma “pedagogia da obediência”, em que se preconiza

o jogo como a melhor estratégia para incutir padrões e comportamentos morais. Ou, ainda,

com caráter puramente competitivo, pouco contribuindo para a formação humana. A autora

destaca que as professoras ao proporem jogos competitivos e pré-desportivos demonstraram

dificuldades para lidar com situações conflitantes – discriminação, exclusão e rivalidade –

surgidas em decorrência dos jogos propostos.

Além disso, na pesquisa de Stumpf (2000) não foi observado intencionalidade

pedagógica das professoras na promoção de respeito e colaboração dos alunos. A ênfase

recaiu nos jogos competitivos, que privilegiavam valores como a rivalidade, a exclusão e o

preconceito, ou seja, apesar da intencionalidade pedagógica estar centrada na realização dos

jogos competitivos, com o intuito de desenvolver valores tais como, integração, solidariedade,

respeito, entre outros, as ações pedagógicas das professoras estudadas não orientaram os

alunos para tal objetivo; ao contrário, na maioria das vezes, contribuíram para incentivar a

exclusão, o individualismo e a discriminação.

A autora destaca que o problema não é o desenvolvimento de atividades competitivas,

por parte das professoras, mas o saber lidar com as situações conflitantes surgidas no decorrer

dessas atividades. A pesquisadora, ainda, evidencia que o jogo pode desenvolver habilidades

e competências no que se refere à aprendizagem dos alunos, mas é fundamental que não se

perca o caráter lúdico, que se traduz pela presença da diversão, do entretenimento, da

expressão corporal mais livre e criativa.

Em síntese, a autora ressalta que a falta de coerência entre o que as professoras falam

sobre o jogo e o que elas realizam no seu fazer pedagógico decorre da deficitária formação

inicial e continuada dos professores de Educação Física escolar que atuam nas primeiras

séries do ensino fundamental, que não proporciona o repensar sobre o seu papel e a reflexão

sobre sua própria prática pedagógica.

Estas dicotomias e contradições entre o jogo-instrumental e jogo-essencial, entre os

dizeres e fazeres dos professores de Educação Física escolar também estão presentes nas

pesquisas de Muniz e Fonseca (2000) e de Passos (1995). Muniz e Fonseca (2000) reforçam a

afirmação sobre a existência de duas perspectivas diferentes para o jogo presentes nas aulas

de EF escolar: a instrumental e a essencial. Na perspectiva instrumental, o jogo é considerado

como instrumento facilitador da aprendizagem dos conteúdos de outras disciplinas ou como

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esporte institucionalizado com base no rendimento e no desenvolvimento de habilidades

esportivas, em que, na maioria das vezes, as atividades são controladas pelo professor, com

pouca ou nenhuma participação dos alunos, desconsiderado-se sua expressão humana. Na

perspectiva essencial, o jogo é entendido como manifestação cultural e processo de

construção de significados sociais, sem uma finalidade imediata, mas que suscita, por sua

própria essência, aprendizagens educativas, permitindo aos alunos a criatividade, a

participação, a autonomia e a expressão corporal mais livre e espontânea.

As autoras destacam que o jogo tem sido utilizado nas aulas de EF escolar numa

perspectiva instrumental, servindo à instrução e à doutrinação, excluindo o espaço lúdico para

suas vivências. Segundo as autoras, o espaço lúdico é caracterizado pela provocação, pela

curiosidade e pelo desafio, características que nem sempre são encontradas nas aulas de EF.

As autoras não negam o valor instrumental do jogo, mas alertam para o fato de que, ao

utilizar o jogo como instrumento de ensino, a educação e a EF escolar não podem perder as

referências de seus elementos fundamentais.

Por sua vez, Passos (1995) estudou as representações que orientam a prática

pedagógica das professoras de EF de 3ª e 4ª séries do 1º grau, de escolas públicas e privadas

da cidade do Rio de Janeiro, com vistas a verificar as convergências e divergências entre essas

representações e a prática do professor de EF escolar.

A autora destaca que uma análise mais cuidadosa das atividades lúdicas desenvolvidas

pelas professoras de EF escolar só é possível quando observada a conduta pedagógica do

professor e quando os professores envolvidos nas atividades forem escutados.

A autora evidencia que, para que os alunos possam agir em busca da autonomia e da

liberdade “se faz necessário desenvolver a capacidade de jogar, a capacidade de interagir

socialmente e a capacidade comunicativa, já que a educação se constrói também num

processo de ações comunicativas” (PASSOS, 1995, p. 84). No entanto, a autora enfatiza que

em nenhum momento da pesquisa foi possível identificar momentos de crítica, de reflexão e

de tomada de decisões por parte dos alunos.

Além disso, a autora destaca uma “docilização” dos corpos presente na visão dos

professores de EF estudados. Para a autora, a docilização dos corpos diz respeito ao desejo do

professor em disciplinar os corpos de seus alunos, na tentativa de controlar os mínimos

detalhes e movimentos, atrelado ao propósito de socialização. No entendimento da autora, a

docilização dos corpos é “um processo pelo qual o aluno aprende a adaptar-se à sociedade

pela aquisição de comportamentos sociais aprovados pelo professor” (PASSOS, 1995, p. 89).

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Para a autora, a socialização não pode ser entendida de forma limitada. Ela deve ser

compreendida como social e coletiva, na interação entre professor-aluno, entre alunos-alunos

e por meio do debate e compartilhamento de ideias com o grupo, denominados, neste estudo,

num sentido mais amplo, de agentes socializadores, incluindo colegas de bairro, escola, clube

e outros. No entanto, na pesquisa foi identificado somente o agente socializador

escola/professor como parâmetro de padrões sociais, papel que, muitas vezes, não é tido como

consciente pelo professor, mas que, de qualquer forma, na visão da autora, funciona como

“inocentes úteis” ao sistema injusto da sociedade atual.

A autora evidencia que, além do objetivo da EF escolar estar centrado na socialização,

por meio da docilização dos corpos, o que foi possível identificar, por meio das entrevistas

realizadas com os professores, foi a concepção de criança como um ser paradoxal, inocente e

má, perfeita e imperfeita, dependente e independente, sendo a agressividade agravada pela

convivência de crianças mais pobres (e provocada por elas) com crianças de classes sociais

mais elevadas.

Nas entrevistas realizadas com os professores, a autora destaca que o papel do

educador só aparece quando surgem comportamentos indesejáveis, sem, contudo, intervir na

aquisição de conhecimentos e habilidades. Essa observação indica uma forma espontânea de

entender o desenvolvimento infantil, o que reforça o não comprometimento com questões

emancipatórias ou a falta de conhecimento de como ocorre o desenvolvimento da criança.

Segundo a autora, os professores parecem reproduzir a mesma estrutura da sala de aula, ou

seja, “a docilização dos corpos para atender às regras sociais” (PASSOS, 1995, p. 96), o que

acaba por abandonar o corpo como linguagem e como manifestação lúdica.

A partir dessas concepções, a autora evidencia, por meio dos discursos dos

professores, que a maioria deles acredita que o desenvolvimento da criança ocorre de forma

espontânea e que apenas fatores internos são importantes, não necessitando de intervenção e

nem se percebendo como responsáveis pelo processo de desenvolvimento dos alunos. Neste

sentido, segundo a autora, para os professores “não é importante o tipo de atividade,

aparentemente qualquer atividade é adequada à aula, ou até crêem que a atividade age por

si” (PASSOS, 1995, p. 98).

No que se refere à troca de papéis, a autora só identificou a troca entre professor-

aluno, no caso, árbitro-jogador, evidenciando o jogo como esporte institucionalizado, em que

o professor manda e o aluno obedece, diferentemente da troca de papéis identificadas num

jogo popular, por exemplo.

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33

A autora salienta que em nenhum momento foi destacado pelos professores o

desenvolvimento da linguagem nas aulas; assim como, 100% deles concordam com a visão de

que a linguagem é restrita à manifestação oral, excluindo, desta forma, a função do corpo

como comunicação e como possuidor de significados. A autora destaca que as professores não

têm como referência o jogo como função simbólica e/ou expressiva, somente como esporte

institucionalizado. Neste sentido, a autora reafirma que “o jogo é linguagem e, como tal, se

constitui de elementos significativos a serem trabalhados numa escola que busque a

autonomia, a liberdade e a auto-reflexão, condições essenciais ao processo de emancipação

de qualquer ser humano.” (PASSOS, 1995, p. 110).

A autora reforça a possibilidade de compreender a concepção de EF, por meio dos

jogos, uma vez que eles são utilizados pelos professores como motivadores para

aprendizagens de outras atividades e como forma de seduzir as crianças a realizarem o que

elas mais gostam, abandonando, desta forma, sua função educativa emancipatória.

A pesquisa da referida autora indica que o controle foi a ideia mais presente nas falas e

nas práticas pedagógicas dos professores de EF, quando utilizavam o jogo como conteúdo das

suas aulas, visto como instrumental, como uma forma de controlar a disciplina, de

estabelecimento de limites e de obediência.

Por fim, no entendimento da autora, as características principais do jogo não foram

identificadas pelos professores, o que justifica a dificuldade em compreender o jogo essencial

como um elemento indispensável ao ser humano.

Santos (2004) contribui para a discussão entre jogo-instrumental e jogo-essencial, ao

destacar na literatura vários argumentos para justificar o que ele denomina de jogo como

atividade-meio e como atividade-fim. A autora evidencia nos trabalhos completos publicados

em anais do CONBRACE (1991 e 2001) e dos Encontros Fluminenses de Educação Física

escolar (1996, 1997 e 1999 a 2002), que alguns autores defendem que o jogo nas aulas de EF

e na escola deve ser trabalhado dentro de uma perspectiva lúdica, de maneira a tornar o

ambiente de aprendizagem alegre e prazeroso para os alunos.

Em contrapartida, num outro momento, a mesma pesquisadora destaca que, na visão

dos autores, existe uma marginalização do jogo na escola e nas aulas de EF vinculada à ideia

do jogo como uma atividade não-séria, o que desencadeia uma desvalorização da inserção do

jogo na escola.

Outro ponto destacado pela autora é que os autores criticam a falta de clareza no

entendimento do jogo como um fenômeno sociocultural, quando ele é inserido na escola.

Segundo Santos (2004), os trabalhos evidenciam “dificuldade em definir qual a relação do

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jogo com a criança, qual o seu papel e o seu espaço na educação e, especificamente, nas

aulas de Educação Física” (SANTOS, 2004, p. 97).

De acordo com a análise de Santos (2004), os autores dos trabalhos que defendem o

jogo como “atividade-meio” no processo ensino aprendizagem o consideram como “um

recurso facilitador e motivador para a consecução de objetivos relacionados aos aspectos

específicos da própria EF ou de outros traçados pela instituição escola num contexto mais

amplo” (SANTOS, 2004, p. 99). A autora ainda relata que essa concepção é “um reflexo da

tradição que caracteriza a inserção e a „pedagogização do jogo‟ no âmbito da EF escolar – a

concepção de atividade meio” (SANTOS, 2004, p. 100).

A autora aborda que os autores apontam para o trabalho com o jogo nas aulas de EF,

especialmente para ensinar os conteúdos dos esportes, não sendo utilizado na perspectiva de

um conhecimento com objetivos próprios. É interessante destacar das análises de Santos

(2004), no que se refere aos motivos que justificam a inserção do jogo na escola e nas aulas

de Educação Física, quatro aspectos. O primeiro, quando o jogo é utilizado com objetivo de

ensinar os conteúdos dos esportes, o que necessariamente estaria atrelado à área da Educação

Física, caracterizando, assim, como jogo-meio. O segundo, quando o jogo é desenvolvido

com o objetivo de ajudar no desenvolvimento (físico, intelectual, social e moral) da criança, o

que equivale a dizer que seria responsabilidade de todas as áreas de conhecimento e entendido

como jogo-meio. O terceiro, quando o jogo é entendido como elemento de prazer, de alegria e

de satisfação, contribuindo para a manutenção do aluno no desenvolvimento das atividades,

sejam elas da Educação Física ou de outras áreas; visto assim, como jogo meio por estar,

necessariamente, vinculado ao processo ensino-aprendizagem. Por fim, o quarto, quando

prioriza o prazer independente do conhecimento que se espera com o desenvolvimento do

jogo, não sendo considerado como pedagógico.

Santos (2004) destaca que alguns autores relacionam o jogo com o tipo de conteúdo a

ser trabalhado nas aulas. Assim, o jogo pode: a) ser entendido como aprendizado dos esportes;

b) discutir valores morais, éticos e políticos (pode ser atrelado à discussão dos valores do

próprio esporte) e c) contribuir para a formação de um aluno crítico e transformador.

A autora ressalta um aspecto importante nos documentos: os jogos são propícios para

desenvolver os objetivos aqui citados, o que necessariamente implica uma intenção

pedagógica dos professores em desenvolver tais conteúdos em suas aulas, de forma

organizada e sistematizada. Destaca ainda que a principal justificativa para conceber o jogo

como meio é “a possibilidade de tornar as aulas mais atraentes e prazerosas, assim como

facilitar a aprendizagem dos conhecimentos das demais disciplinas curriculares” (SANTOS,

Page 36: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

35

2004, p. 41), que se traduz na busca da liberdade, da criação e do prazer de brincar. Por outro

lado, como atividade-fim, o jogo é justificado por seus próprios objetivos e finalidades, isto é,

“concebido como manifestações ou expressões culturais do movimento humano que tem

sentido, dinâmica própria, justificando o seu conhecimento por si só” (SANTOS, 2004, p.

42).

A referida autora relata a preocupação dos autores em evidenciar as influências que o

jogo recebe quando ele é utilizado como atividade-fim; isto é, quando ele é utilizado dentro

de uma perspectiva romântica, que valoriza o jogo pelas suas qualidades positivas, isentando

a discussão das contradições dos alunos envolvidos nas atividades. Segundo a autora, o jogo

nesta perspectiva é “tratado, na maioria dos casos, como algo puro, sagrado, não alienante e

capaz de propiciar uma adequada formação moral do educando.” (SANTOS, 2004, p. 120).

Entretanto, o jogo nesta perspectiva é desvalorizado por ser considerado não-sério, vinculado

à ideia do “improdutivo”, perante as atividades tidas como sérias na escola, caracterizada,

essencialmente, como local de “trabalho”. Outras vezes, o jogo é utilizado como linguagem

corporal de movimento, que valoriza a formação corporal como expressão do aluno. Nesse

sentido, o jogo é desvalorizado pelo fato de o objeto de estudo da área ser o movimentar-se

humano, e não o conhecimento intelectual - dicotomicamente priorizado, como primazia dos

conhecimentos escolares. E, ainda, o jogo pode ser visto dentro de uma perspectiva

“educativa”, justificado na escola como auxiliar no processo ensino-aprendizagem ou para o

desenvolvimento integral da criança. No entanto, o que se destaca é a perda do prazer, da

alegria e da satisfação, assim como da participação, da autonomia e da cooperação, seja para

alcançar objetivos da EF ou de objetivos de outras áreas.

Entretanto, a autora da referida pesquisa destaca ser incipiente e difuso o entendimento

sobre a relação entre jogo-meio e jogo-fim. Discorda dos argumentos apresentados por Muniz

e Fonseca (2000) e Passos (1995), ao defenderem a ideia de que tanto o jogo-meio como o

jogo-fim devem ser utilizados nas aulas de EF escolar. A referida autora afirma que, ao se

defender a utilização do jogo como atividade-fim nas aulas de EF escolar, desconsideram-se

as “mediações entre as características ditas „essenciais‟ e a sua inevitável „pedagogização‟

ou „curricularização‟, típicas de tudo o que arbítrio educacional elege como objeto de

ensino-aprendizagem da educação escolar” (SANTOS, 2004, p. 55).

A autora destaca a dificuldade de trabalhar os elementos do jogo-essencial na escola,

na medida em que essas características vão de encontro à tradição normativa e formal

priorizada na escola, bem como à necessidade de instrumentalização e sistematização dos

“saberes” e “fazeres”.

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Além disso, a autora destaca ser fundamental tratá-los pedagogicamente, tanto um

como outro, de modo deliberado e adequado, identificando seus objetivos e os resultados a

serem atingidos.

Em síntese, Santos (2004) destaca que nos trabalhos analisados há preocupação dos

autores em “discutir sobre que tipo de conhecimento deve ser sistematizado com os alunos,

que valores e que formação se almeja nessa educação.” (SANTOS, 2004, p. 124). Além

disso, a autora aponta que a tensão entre o sério/não-sério, o educativo/não-educativo e entre

o jogo-meio/jogo-fim começou a existir no momento em que o jogo entrou na escola e se

tentou equilibrar essas duas formas de utilização.

Os estudos de Neira (2009); Gomes (1995); Lüdorf (2005); Moreira (2008);

Figueiredo et al. (2008) também apresentam questões importantes para discutir sobre o

trabalho com o jogo na Educação Física escolar.

Neira (2009) apresenta uma proposta fundamentada nos estudos de Mclaren e

Kincheloe e Steinberg, à luz da perspectiva do multiculturalismo14

. Defende o jogo como

patrimônio e não como um instrumento funcional a ser trabalhado na escola ou nas aulas de

EF escolar, com regras estruturadas, espaço e horários delimitados em função de supostos

objetivos pedagógicos. O autor define o jogo como “atividade espontânea e auto-motivada

[...] parte fundamental da nossa herança cultural, um componente do nosso bem-estar

cotidiano, uma forma de conhecermos e nos relacionarmos com o mundo” (NEIRA, 2009, p.

25). O autor questiona o jogo-educativo e afirma que ele “não é jogo, é material pedagógico,

projetado e construído em função de objetivos educacionais pré-definidos” (NEIRA, 2009, p.

26). O autor concebe o jogo como “artefato cultural pertencente ao homem histórico”

(NEIRA, 2009, p. 26), além de ser “alicerce do divertimento, da criação, do prazer e da

plena expressão do corpo e das vontades humanas” (NEIRA, 2009, p. 28). O autor cita

Huizinga e Callois para quem o jogo é uma atividade espontânea e sem regras sociais

obrigatórias. Nesse sentido, destaca que os jogadores ”jogam por jogar, pelo prazer que

encontram na atividade lúdica. Divertimento e alegria se opõem à seriedade atribuída às

coisas objetivas e [...] produção de materiais ou qualquer outro benefício” (NEIRA, 2009, p.

29). Para o autor, a escola não tem como objetivo ensinar jogos, mas se deve selecionar jogos

a partir do mapeamento inicial da cultura corporal dos alunos e da comunidade. Segundo o

autor “trata-se no limite de valorizar os conhecimentos adquiridos pelos alunos na cultura

paralela à escola” (NEIRA, 2009, p. 37). O autor ressalta que, a partir da incorporação dos

14

Multiculturalismo é entendido como uma variedade de “saberes”, a partir do que existe no patrimônio cultural

de determinados povos, regiões e instituições escolares.

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37

conhecimentos dos jogos que os alunos já dominam, cabe ao professor dar “um novo sentido

aos conteúdos curriculares da Educação Física, proporcionando uma melhor condição para

os alunos compreenderem o mundo em que vivem a discriminação e exclusão de que são

vítimas.” (NEIRA, 2009, p. 38).

Embora o corpo não seja especificamente o foco da nossa pesquisa, ele é suscetível às

manobras do jogo de poder articulado social, política e culturalmente, por meio das práticas

corporais desenvolvidas nas aulas de EF escolar. Nesse sentido, o jogo é uma estratégia a ser

utilizada nas aulas de EF escolar a fim de atingir um objetivo maior. No entanto, dependendo

de sua concepção, ele pode gerar dicotomias e contradições, assim como ser utilizado como

estratégia nas manobras do jogo de poder presente na sociedade; isto é, o jogo pode ser um

instrumento de reprodução ou de transformação social.

Este foi exatamente o objetivo da pesquisa de Gomes (1995), que procurou analisar

textos filosóficos e as relações com a EF, a fim de compreender o uso sociocultural e político

do corpo pelo jogo de poder predominante em cada momento histórico. A autora da referida

pesquisa destaca duas perspectivas para a EF, uma reprodutora e outra emancipatória.

Numa perspectiva reprodutora, a EF tem imposto os interesses da classe dominante,

por meio do esporte moderno, dando sentido ao corpo numa visão reducionista, limitando o

corpo a um único sentido, ao sentido biologizante, na perspectiva da saúde, da técnica, da

eficiência, do rendimento e da performance; ao contrário, numa perspectiva emancipatória,

considera-se o jogo com foco na criatividade, na resolução de problemas, na construção das

regras no coletivo, na valorização do processo, buscando compreender os significados sociais,

culturais históricos e políticos, substituindo “o uso pela vivência lúdica do corpo” (GOMES,

1995, p. 170). Segundo a autora, o corpo lúdico significa

uma experiência revolucionária, uma vez que permite não só consumir

cultura, mas também criá-la e recriá-la, vivenciando valores e papeis

externos a ela. Ao mesmo tempo que o corpo lúdico denuncia os limites

impostos à realidade sociocultural mais ampla onde se constitui, anuncia

alternativas criticas e criativas para ela (GOMES, 1995, p. 166).

Na mesma direção de Gomes (1995), Lüdorf (2005) buscou analisar como os

professores universitários, atuantes no curso de licenciatura em EF de determinada

universidade pública, lidam/tratam os corpos de seus alunos. Para a autora, conhecer como os

professores tratam o corpo num curso de formação de professores de EF pode ser uma

maneira de entender a própria prática do professor de EF num âmbito mais geral. Para isso, a

autora entrevistou 15 professores que ministravam disciplinas relacionadas à Escola, à

Academia, ao Esporte e ao Corpo. Segundo a autora, a partir dos relatos foi possível

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identificara duas tendências. Uma, denominada de corpo-instrumento ou corpo performance,

ou ainda corpo experimento, evidenciando aspectos físicos e motores; outra denominada de

corpo-subjetivo, considerando aspectos como “perceber-se corpo” e “ser corpo”, assim como

descobertas, sensações, revelações, exploração, criação de movimentos e reflexão sobre as

práticas. Além de, considerar o corpo como um “todo” ou “um modo de prepará-lo para o

mercado de trabalho”. Os resultados indicam que, do total de 15 professores entrevistados,

oito se encontram dentro da primeira perspectiva, enfatizando os aspectos objetivos do corpo,

sendo que 5 ministram disciplinas relacionadas ao Esporte e os outros 3 à Escola, à Academia

e ao Corpo. Na segunda perspectiva, enfatizando os aspectos subjetivos do corpo, encontram-

se 7 professores, dos quais 3 ministram disciplinas relacionadas ao Corpo, 2 à Escola e por

fim, outros 2, representantes do grupo Academia.

Interessante ressaltar, do estudo de Lüdorf (2005), dois aspectos: a presença de um

discurso ideológico de corpo, pautado na herança biologizante e tecnicista da EF e outro, que

evidencia um contradiscurso, com a possibilidade de trabalhar o corpo dentro dos cursos de

formação de professores de EF com outras perspectivas, provenientes das ciências humanas e

sociais. Por fim, a autora ainda destaca que não é possível negar o valor instrumental do

corpo, mas não se deve conceber e reduzi-lo a esse simples objetivo, descontextualizado

social e culturalmente.

Moreira (2008) estudou as representações do corpo na sociedade contemporânea. Para

isso, foram realizadas observação participante e discussão em grupo com frequentadores de

duas academias de ginástica, assim como entrevistas com estudantes e professores de duas

universidades particulares; ambas as coletas foram realizadas na cidade de Juiz de Fora/MG.

Do ponto de vista teórico, o estudo revelou duas vertentes. Uma que associa o corpo à

ideia de objeto, como construído e modelado pela cultura, pelos valores vigentes num

determinado momento social, e outro que o apresenta como um processo cultural, mas

também como identidade, denominado de corpo-sujeito. Além disso, os dados empíricos

indicam um paradoxo entre o individual e o coletivo, ao mesmo tempo em que as pessoas

procuram atender a um padrão de corpo imposto pela sociedade elas tendem a se diferenciar.

A autora destaca que essas tensões entre a individualização dos corpos e sua coletivização

aparecem igualmente entre o biológico e o social, entre o corpo-objeto e o corpo-sujeito,

fronteiras que ora destacam um domínio, ora se confundem simultaneamente. Segundo

pontuado pela autora: “O corpo deve ser pensado a um só tempo enquanto agente e objeto:

ele é ao mesmo tempo a ferramenta original com que os humanos moldam o seu mundo e a

substância original a partir da qual o mundo humano é moldado.” (MOREIRA, 2008, p. 78).

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39

Figueiredo et al. (2008) buscaram compreender as ações dos professores de EF de sete

escolas de ensino fundamental de um sistema municipal de ensino, a partir dos modos como

os sujeitos constroem seus significados sobre a EF e contribuem para a produção de uma

cultura que influencia, diretamente, na EF que se vivencia no cotidiano escolar. Para os

autores, não é possível “olhar” somente para a disciplina e entender apenas o professor, de

forma isolada. Ele não é o único responsável pelas significações de hierarquização,

desvalorização ou demais tensões que ocorrem com a EF escolar. A prática pedagógica dos

professores de EF é determinada pela “construção de uma cultura escolar positiva e/ou

negativa junto aos alunos, relacionada às aulas de EF, à profissão e ao ser professor.”

(FIGUEIREDO et al., 2008, p. 212).

O estudo foi composto por duas fases. Uma primeira, em que os autores escutaram os

diretores, corpo técnico-pedagógico, pedagogos, professores de outras disciplinas, alunos e

pais/mães de sete escolas de ensino fundamental, a fim de apreender de que maneira eles

percebem/vivem/praticam a EF no espaço e tempo escolar. Uma segunda, em que os autores

ouviram e observaram as aulas de três professores de EF de duas dessas sete escolas.

Figueiredo et al. (2008) evidenciam uma significação de confusão existente entre EF e

Esportes, tanto para os diretores, como para as pedagogas. Os autores destacam que esta

confusão se justifica pela falta de clareza sobre o objeto de ensino da EF, atribuindo a tal

ensino o controle da disciplina, o alcance de objetivos de outras disciplinas e a manutenção

dos alunos ocupados quando da falta de professores.

Além disso, de acordo com os referidos autores, as pedagogas atribuem valor à aula de

EF como aquela que dá prazer aos alunos, que os tira das drogas, que se preocupa com o ser

humano, que tem maior liberdade de expressão, que trabalha valores e proporciona um

momento de lazer.

Os professores das outras disciplinas revelam falta de participação dos alunos e falta

de diretividade dos professores nas aulas de EF desenvolvidas nas escolas onde eles

trabalham.

Nos depoimentos dos pais e mães, a autora destaca a falta de entendimento quanto ao

aprendizado nas aulas de EF, chegando a expressarem que os filhos não aprendem nada. O

diálogo com os alunos revela que os meninos gostam de praticar esportes, especificamente

futebol; as meninas, vôlei e queimada; os que não gostam de praticar esportes ficam sentados.

A segunda fase da pesquisa constou de depoimentos e observações das aulas de

professores de EF. Na primeira escola investigada, os resultados indicam que a fala dos

professores de EF expressam um desejo de ser ou de fazer e, no entanto, a prática pedagógica

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aproxima-se da imprevisibilidade e improvisação das aulas, com nítida presença do esporte.

De acordo com os professores, essa prática é direcionada à saúde físico-mental,

integração/socialização e não à eficiência. Tal prática foi observada pelos autores como o

ensinamento dos fundamentos dos jogos, pautada no aprendizado parcial e nas correções

constantes, intercalando com aulas livres nas quais os alunos geralmente optavam em jogar

futebol, voleibol ou handebol.

Quanto ao envolvimento dos professores, na primeira escola evidenciou-se dois tipos

diferentes de agir dos professores de EF e de subjetivar a EF, de acordo com suas próprias

histórias de vida, formações e vitórias/fracassos. Um age de forma restrita aos fundamentos

dos esportes, outro age de forma mais dialógica, trabalhando com situação-problema e

colocando os alunos a refletir sobre como resolvê-la. Apesar de os professores

compartilharem do mesmo espaço e tempo na escola, cada um tem um modo específico de

subjetivação, ocorrendo ora a adaptação de um aos modos do outro, ora o embate, sem,

contudo, efetivarem um diálogo.

A autora destaca que para um dos professores o modo de significar a aula de EF ocorre

em prol da inclusão, exclusão e auto-exclusão. Ora ocorre a exclusão por parte do próprio

professor, quando a modalidade proposta não é apreciada por alguns alunos, devido à falta de

habilidade com determinado esporte, ou por não se sentirem aceitos, ou ainda, devido à

separação entre os sexos masculinos e femininos. Ora ocorre a auto-exclusão por parte de

alguns alunos, quando a aula é livre e o jogo é organizado pelos próprios alunos.

Além desses entendimentos, outros foram possíveis, devido à imersão numa segunda

escola de ensino fundamental, em que ações se repetiam e outras foram evidenciadas.

Somente um professor foi investigado. Foi registrada a ausência constante desse professor de

EF, bem como o adiantamento de aulas, unindo duas ou três turmas ao mesmo tempo. Do

número de vezes em que o professor encontrava-se na quadra, na maioria delas ele entregava

a bola aos alunos, posicionava-se distante deles ou então atuava como árbitro. O professor

dividia as modalidades por bimestres e durante o período em que os pesquisadores estiveram

presentes foi desenvolvida a prática do basquete, do handebol, do vôlei e do futebol, embora

houvesse uma preferência, por parte dos alunos, apenas por futebol e vôlei. O professor

esclarecia que não era obrigatório fazer aula; entretanto, os alunos que não faziam aula

entregavam no final do bimestre um trabalho escrito, como forma de avaliação, o que

explicava as notas baixas na disciplina.

Os autores ressaltam que as posições e ações (significações) das pessoas se

materializam, de alguma forma, na EF das escolas quando: a) o aluno se recusa a participar

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das aulas por não gostar ou por não considerar a EF importante dentre as demais disciplinas

da escola; b) o aluno considera que os saberes desenvolvidos em outras disciplinas são

prioritários em relação aos saberes desenvolvidos na EF; c) o saber utilitário é mais

valorizado que outros saberes e; d) o estereotipo de esportista é atribuído ao professor de EF.

A leitura que podemos fazer, a partir desses estudos, é que o jogo na escola, da forma

como é concebido pelos professores, produz uma materialidade e uma representação social

capaz de constituir uma significação social do jogo na sociedade e de responder aos interesses

da sociedade capitalista, de consumo, que coisifica o corpo e mercadoriza as práticas

corporais.

Diante desses estudos foi possível destacar algumas dicotomias e contradições

importantes. São elas: 1) a desvalorização (significado) do jogo numa perspectiva

instrumental, como meio para alcançar objetivos, tais como a aptidão física, a reprodução do

gesto motor, o respeito às regras impostas e, consequentemente, sua valorização (significado)

como capacidade de comunicação, como prática democrática, como desenvolvimento da

autonomia e da reflexão crítica sobre a realidade; 2) a compreensão de que o professor de EF

não é o único responsável pelas significações de jogo dentro da escola, mas que seu papel e

sua prática pedagógica compõem, necessariamente, esta significação; 3) O entendimento de

que a significação do jogo nas aulas de EF justificada não se resume somente à significação

social que se tem sobre ele, prevalecida pela dimensão biológica, física e motora, mas que os

aspectos subjetivos individuais do professor compõem também essa realidade, que é ao

mesmo tempo social, histórica e política; 4) A compreensão de que a significação de jogo, por

meio dos discursos e práticas pedagógicas, constitui um elemento capaz de reproduzir ou

transformar as estruturas de dominação presentes na sociedade.

Enfim, as pesquisas, ao discutirem a concepção de jogo, os argumentos e as

características que o justifiquem na EF escolar, trazem em suas análises significações

dicotomizadas em relação ao jogo, conforme apresentado no quadro a seguir:

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Quadro 1 – Síntese da visão de jogo nas produções científicas analisadas

Classificação da

Área de

Conhecimento da

EF

Ciências Biológicas

Ciências humanas e sociais

Perspectiva

Ideologia dominante - Naturalizante

Utilitarista

Espaço transformador - Não naturalizante

Humanista

Muniz e Fonseca

(2000)

Jogo-instrumental

Jogo-essencial

Stumpf (2000)

Regras pré-definidas, tempo e espaço,

resultado, competição

Lúdico, criativo, representativo

Santos (2004)

Atividade meio

Atividade fim

Neira (2009)

Jogo educativo

Jogo por jogo

Gomes (1995)

EF reprodutora - Docilização dos

corpos

EF emancipatória – Corpo como

linguagem/manifestação lúdica

Lüdorf (2005)

Corpo experimento

Corpo subjetivo

Moreira (2008)

Corpo objeto

Corpo sujeito

As pesquisas aqui citadas apontam a desvalorização do jogo quando ele é utilizado

como instrumento de ensino (jogo-meio), em que a intervenção é intencional e tende a perder

suas características fundamentais. Por outro lado, as mesmas pesquisas demonstram a

valorização do jogo quando ele é utilizado como atividade-fim, defendendo o jogo livre,

deixando que a criança revele suas potencialidades no jogo, tomando a intervenção

pedagógica de forma espontaneísta.

Pelo fato de a escola atribuir caráter pedagógico ao jogo, professores o utilizam para

motivar os alunos no desenvolvimento das atividades, transformando-o, muitas vezes, em

atividade dirigida; ou, de forma contrária, para não perdem seus elementos essenciais, os

professores acabam por não intervir na brincadeira, deixando as crianças livres para brincar

do jeito que quiserem, configurando-se numa prática pedagógica espontaneísta, sem

comprometimento com objetivos sociais e políticos que podem resultar com o

desenvolvimento da brincadeira.

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Scaglia (2004) oferece alguns indicativos para superação destas dicotomias. O autor

propõe o jogo-trabalho, uma abordagem que valoriza tanto o jogo livre/espontâneo quanto o

jogo funcional/instrumental na EF escolar. O autor destaca que o embate entre essas duas

funções do jogo “só pode ser resolvido com uma boa dose de bom senso, que seria a tentativa

de se encontrar um equilíbrio entre a ludicidade – gerando prazer – e o trabalho – gerando

aprendizagem específica” (SCAGLIA, 2004, p. 117). O autor apoia-se em Freinet, para quem

o jogo-trabalho possibilita prazer em ambos os segmentos. Para Scaglia (2004), a tarefa da

pedagogia é

criar uma atmosfera de trabalho produtivo e formativo, e, ao mesmo tempo,

prever e preparar as técnicas que tornam esse trabalho acessível às crianças,

ou seja, um ambiente em que o jogo guarde as suas características essenciais

e concomitantemente com a possibilidade de satisfação das necessidades de

aprendizagem (SCAGLIA, 2004, p.119).

Nesse sentido, o autor enfatiza que o jogo-trabalho seria uma eficiente ação

pedagógica de ensino para que o professor de EF escolar possa atingir os objetivos propostos

pela disciplina, contribuindo para o processo de aprender a aprender.

Para exemplificar, o autor propõe uma sistematização do jogo-trabalho na prática

educativa dos professores de EF escolar, intitulada de jogos tradicionais ou brincadeiras

populares. O plano de trabalho é composto por cerca de quatorze aulas e dividido em quatro

etapas: exploração, adequação, criação e apresentação, sendo que a avaliação dos jogos

inventados é feita pelos próprios alunos. Segundo o autor, ao final do jogo-trabalho “ um

novo jogo (entendido enquanto produto e processo cultural) é inserido à cultura lúdica do

universo social dos alunos” (SCAGLIA, 2004, p. 123).

Nesta proposta, o autor destaca dois tipos de intervenções possíveis que o professor

pode fazer: as ativas e as passivas (ou indiretas). Nas intervenções ativas, o professor traz um

jogo-pronto com algumas regras predeterminadas a priori e solicita aos alunos que eles

incluam novas regras. Já nas intervenções passivas, o professor lança um problema aos alunos

e fica com a responsabilidade de criar um ambiente para que o jogo se desenvolva de forma

autônoma, a partir de motivações e experiências anteriores dos alunos. Esta proposta de

trabalho com o jogo nas aulas de EF escolar evidencia a organização sistemática e intencional

do jogo pelo professor de EF escolar, a participação dos alunos na construção das atividades,

prevendo momentos de avaliação dos jogos criados pelos próprios alunos, o que permite a

conscientização critica sobre tais jogos.

A partir do que foi exposto por estas pesquisas, podemos destacar alguns aspectos da

prática pedagógica importantes para discutir a significação do trabalho do professor de

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Educação Física escolar: a) o trabalho com o jogo pelo professor de Educação Física escolar

baseia-se em princípios biologicistas, desenvolvimentistas e esportivistas; sua prática

pedagógica baseia-se na formação pessoal em detrimento da formação acadêmica; b) a

significação do jogo nas aulas dos professores de Educação Física escolar para as primeiras

séries do ensino fundamental está pautada no jogo-instrumental ou jogo-essencial, ou ainda,

apresenta a dicotomia entre jogo-cooperativo/jogo competitivo, já que nossa sociedade

(capitalista) é constituída socialmente na competição; c) o trabalho com o jogo é peculiar a

cada instituição escolar, assim como é peculiar a cada tipo de relação estabelecida entre

professor-aluno; d) o problema do trabalho com o jogo nas aulas de Educação Física parece

residir no tipo de resultado esperado e na forma como é utilizado para se alcançar tal objetivo;

e) na perspectiva sócio-histórica, o trabalho com o jogo é constituído social e historicamente,

o que implica dizer que estas dicotomias constituem o trabalho com o jogo do professor nas

aulas de Educação Física escolar. Neste sentido, delimitamos nosso problema de pesquisa no

estudo dos sentidos e significados constituídos pelos professores sobre o jogo na EF

escolar.

A dimensão subjetiva é um processo que envolve ao mesmo tempo uma Subjetividade

Coletiva (significações coletivas) e uma Subjetividade Individual (significações individuais)

de cada professor de Educação Física escolar. O professor de EF escolar trabalha com o jogo

de um modo único e particular, apropria-se de significações que são coletivas, mas, ao mesmo

tempo, elabora e reelabora essas significações que são únicas e particulares de cada professor.

O uso do jogo na EF não é só técnico, porque envolve uma dimensão subjetiva,

envolve o jeito como o professor concebe o jogo e como ele atribui sentido ao jogo.

Independente de o jogo ser considerado importante como forma de desenvolvimento das

pessoas, como uma atividade fundamental ou como uma técnica que ele pode usar ou não, o

que queremos demonstrar com este estudo são as significações coletivas. Porque, dependendo

de como o sujeito atua como professor na EF, dos sentidos que ele traz e de que significações

construiu sobre a EF, sobre sua prática ou sobre sua atuação pedagógica e sobre o jogo, este

vai ser desenvolvido de um jeito específico e particular.

De nada adianta definir o jogo é, o jogo pode ser desenvolvido assim ou o jogo se

constitui por determinadas regras, porque esses aspectos não esgotam o objeto, uma vez que o

jogo, na sua existência na EF, está carregado de significações. Cada professor que utiliza o

jogo tem as suas significações constituídas. Existem as significações que são coletivas,

compartilhadas e que fazem parte das significações individuais, mas o modo como cada um e

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como o conjunto social e/ou o coletivo de professores significam o jogo interfere em como ele

aparece na EF.

Estamos estudando a dimensão subjetiva não para afirmar um determinado sentido

para o jogo (apesar de defendermos uma posição crítica para o jogo), mas para dar

visibilidade a este aspecto (das significações) que compõe também o jogo e a prática

pedagógica do professor que o utiliza. Quando pensamos o jogo na EF temos que estar atentos

ao fato de que é um sujeito que vai desenvolver isso e esse sujeito é um sujeito psíquico, que

atribui significados e intenções, que tem motivos e que tem desejos. Estamos dando vida ao

sujeito. O mesmo sujeito que apareceu muitas vezes na pedagogia e nas teorizações como se

fosse uma coisa mecânica, que incorpora regras, incorpora uma significação social e efetiva

àquilo na sua prática. Entretanto, não é isso o que ocorre, porque o sujeito elabora e reelabora.

Os professores de EF lidam com o jogo de maneira muito diferente, porque eles atribuem

sentidos muito diferentes. Com a finalidade de estudar o sujeito psíquico que está nas

atividades, estamos delimitando nosso problema de estudo na dimensão subjetiva presente no

fenômeno.

Vale ressaltar que, ao estudarmos a dimensão subjetiva constituída pelo professor

sobre o jogo na EF escolar, não podemos cair no relativismo, pensando que não existe nada

que se possa fazer coletivamente, uma vez que cada um é um e vai trabalhar com o jogo do

seu jeito, tornando uma prática pedagógica estéril como o jogo em instrumento ideológico.

Nossa intenção é compor o conhecimento que se tem sobre o jogo na EF com mais este

aspecto: o das significações. Nosso interesse é compreender, à luz da perspectiva sócio-

histórica, as significações constituídas sobre o jogo com a hipótese de que elas interferem na

forma como o professor atua em suas aulas.

A visibilidade deste aspecto, a nosso ver, traz novos elementos para a formação dos

professores de EF e permite o ensino e o desenvolvimento dos estudos a respeito do uso do

jogo de modo a trazê-lo acompanhado da importância de sua concepção e significação,

entendendo que este aspecto caracteriza também o jogo. O professor deve ser estimulado a

perceber e lidar com a significação que ele próprio constitui sobre o jogo e o uso deste em sua

prática.

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46

Capítulo 2. O processo de constituição histórica do jogo

Conforme anunciado no capítulo anterior, a dimensão subjetiva sobre o jogo é

composta pelas significações sociais e individuais, refere-se aos sentidos e significados que o

professor de Educação Física escolar constitui sobre o jogo. Cabe ressaltar que as

significações sociais são todas as significações presentes no aparato legal, leis, significações

de jogo nas produções cientificas da área, que em seu conjunto compõem a realidade objetiva

sobre o conceito de jogo e fazem parte do processo de significação do professor. Neste

capítulo iremos apresentar o conceito de jogo na história, destacando que, apesar de ele

atravessar a história da humanidade, isso não faz dele uma atividade natural dos humanos.

Primeiramente, é importante esclarecer que definir jogo não tem sido uma tarefa fácil,

principalmente porque os sentidos sobre o jogo podem se alterar, dependendo dos conceitos

atribuídos a esses termos em cada cultura. Além disso, quando se trata de discutir o jogo na

escola, a tendência é atribuir-lhe um sentido educativo para justificá-lo dentro deste contexto,

o que dificulta ainda mais sua compreensão. E ainda, quando se pretende compreender o

sentido do jogo num determinado contexto sócio-histórico, há de se considerar o que cada um

pensa dele, enfrenta e aproveita sobre ele.

Nesse sentido, enquanto prática social, o jogo, e com ele suas regras, foi inventado

pelo homem. Impossível pensar o jogo como atividade comum a todas as culturas, na medida

em que cada sociedade, cada grupo humano, pensou esta atividade de diferentes formas e se

relaciona com ela também de formas distintas. O jogo pode ser visto em um processo

histórico, em que é criado e se modifica com o passar do tempo, pois os humanos o recriam a

cada momento. O que hoje denominamos jogo existiu na história da humanidade; no entanto,

é difícil designar, de forma precisa, o momento em que ele surgiu.

2.1. A dicotomia jogo-trabalho

O jogo no pensamento da civilização greco-romana era pautado por valores e

fundamentos divinos, voltados ao culto, ao ritual e ao sagrado. O jogo, juntamente com as

festas, as comemorações e os rituais, acontecia com o objetivo de agradecer aos deuses (deus

Sol, deus Lua) pela boa colheita, pela saúde concedida, pela ordem normal das coisas guiadas

pelas leis divinas e da natureza.

O conceito de jogo na Grécia Antiga, do século VII ao II a.C, época em que viveu

Aristóteles (384-322 a.C), era considerado complementar ao trabalho. Kishimoto (1994), ao

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apresentar o percurso histórico deste conceito, afirma que ele não foi definido por Aristóteles,

e por não se chegar a defini-lo, o filósofo o contrapôs ao trabalho e às atividades sérias,

associando-o ao relaxamento da mente em continuidade a estas atividades.

Aristóteles não chegou a conceituar o jogo, no sentido de explicitar o que o jogo é,

mas evidencia em suas obras Política (1966/1997)15

e Ética a Dicômaco (2001) a relação

entre jogo e trabalho, destacando que o jogo é necessário ao mundo do trabalho, para

proporcionar descanso ao ser humano. Nas palavras de Aristóteles (1997),

El hombre que trabaja tiene necessidade de descanso, y el juego no tiene

outro objeto que el procurarlo. El trabajo produce siempre la fatiga y uma

fuerte tensión de nuestras facultades, y es preciso, por lo mismo, saber

emplear oportunamente el juego como um remédio saludable. El

movimiento que el juego proporciona afloja el espíritu y lê procura descanso

mediante el placer que causa (ARISTÓTELES, 1997, p. 74).

Neste trecho, Aristóteles destaca que o jogo possui uma função social de prazer e alívio, sem

fazer nenhuma predileção entre jogo e trabalho. Alias, para Aristóteles, se não houver fadiga,

para que o descanso? Portanto, para Aristóteles, ambos, jogo e trabalho, são importantes para

a constituição da „polis‟, ou seja, para a constituição da cidade grega. O filósofo evidencia as

características do jogo: necessário ao homem que trabalha, descanso diante das forças

despendidas com o trabalho, justificado que tanto o jogo como o trabalho são funções

importantes na vida do homem.

Além da relação entre jogo e trabalho, Aristóteles (1997) faz uma aproximação entre

jogo e música, o primeiro como uma burla, um logro, uma mentira, uma coisa falaciosa e o

segundo, considerado como instrução ou estudo penoso. Novamente, Aristóteles destaca a

importância do jogo, do trabalho e da música na vida do homem que habita a cidade grega.

No pensamento de Aristóteles (1997), o jogo é, ao mesmo tempo, uma atividade por si

só, independente e correlacionável às forças de trabalho. Para Aristóteles (1997), o resultado

que se espera do jogo é o prazer, a contemplação, a distração, o descanso e o relaxamento

gerados com a realização da atividade e, na medida em que proporciona essas finalidades para

o homem que trabalha, acaba por ter finalidade complementar, em decorrência de ser útil e de

se justificar e fazer sentido numa relação entre jogo-trabalho. Por isso, o ambiente de jogo

deve ser agradável e suas atividades devem fazer aflorar o espírito.

No livro “Ética a Nicômaco”, Aristóteles está preocupado com a „eudaimonia‟, ou

seja, a busca da felicidade, do que fosse o melhor para o homem. Um dos sinais deste bem é o

prazer atrelado a esta busca da felicidade. Segundo ele

15

1ª edição/edição consultada

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48

(...) o prazeroso o é de acordo com diversas opiniões: assim, para o amante

da arte teatral (filotheóron), o objeto de sua absorção parece ser o espetáculo

teatral (theóma), como para o amante da justiça (filodíkaion), as coias justas

(ta díkaia). [...] Daí que ele é ordenado pela virtude (arete) atrelada a uma

atividade da qual não se deixa de fazer parte o prazer (ARISTÓTELES,

2001, p. 87).

Com isto, Aristóteles parece não falar das coisas que proporcionam prazer (incluindo o

jogo) como algo compensatório. Pelo contrário, ele valoriza as atividades humanas (physis),

uma vez que o prazer é uma parte da felicidade (eudaimonia) presente nas diversas

manifestações humanas.

No que se refere ao sentido sobre o jogo, Aristóteles não atribui significado

compensatório, uma vez que ele não trata a respeito disto; mas, sim, reconhece que o jogo é

importante no sistema político como parte da busca da felicidade humana na convivência

social da polis. O jogo é complementar ao trabalho e não compensatório, ou seja, da mesma

forma que o trabalho traz prazer e cansaço, o jogo também traz prazer e cansaço. E ambos, em

um contexto social mais amplo se complementam, levando os seres a buscar a virtude (arete),

que é o meio termo entre os vícios (por excesso ou por falta), e fazem parte da ética (ethos),

que mantêm a cidade grega em harmonia social.

Na Idade Média, do século V ao século XV, Santo Tomás de Aquino (1225-1274)

segue na mesma direção de Aristóteles, afirmando o jogo como relaxamento para o espírito,

uma forma de proporcionar repouso ao trabalho intelectual.

Apesar de a filosofia de Santo Tomás de Aquino seguir na mesma direção de

Aristóteles, Aquino foi mais severo do que Aristóteles na questão da recreação. Na Suma

Teológica de Tomás de Aquino, tomo II (2002), destaca a “inutilidade dos jogos”,

diferentemente, de Aristóteles.

Aquino (2002) descreve que as atividades lúdicas não possuem nenhum fim, ou seja,

não servem a nenhuma finalidade importante para o homem; entretanto, ele não nega que o

prazer encontrado nelas possa ser utilizado para o descanso e repouso do espírito, porém com

alguma moderação. Segundo ele “não fomos gerados pela natureza para sermos vistos como

destinados aos divertimentos e jogos; mas, antes, à austeridade e a estudos mais sérios e

mais importantes. Certamente, podemos nos entregar a jogos e brincadeiras, mas, como no

sono e em outros descansos, só depois de satisfeitas as nossas obrigações graves e sérias.”

(AQUINO, 2002, 168, 2).

Desta forma, é possível notar que Tomás de Aquino é quem começa a fazer uma

distinção pejorativa a respeito do jogo, tratando-o como algo sem finalidade e sem

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importância diante de outras atividades mais importantes, como a produção intelectual e o

trabalho humano. Este pensamento tem uma razão específica, pois uma vez que todo o

trabalho humano é atrelado ao trabalho divino, não pode haver espaço para diversões que

descaracterizariam a figura representativa da divindade cristã. A passagem do medieval para o

moderno parece levar este legado sobre o jogo.

Com efeito, esta visão de jogo contribuiu para a concepção de jogo presente na escola

e em nossa sociedade, concebido como atividade sem utilidade e não séria, não o sendo

apenas quando vivenciado em complementação às atividades de trabalho. Podemos perceber,

principalmente, no pensamento de São Tomás de Aquino, a desvalorização em relação ao

jogo, sendo somente valorizado quando relacionada a uma atividade produtiva.

Nos séculos XV, XVI e XVII, ocorre a transição do feudalismo para o capitalismo.

Um dos representantes deste período é Descartes (1596-1650), que apesar de não estar

preocupado com a temática, vem reafirmar esta imagem das atividades lúdicas, que destinadas

ao corpo, têm um poder menos importante do que o intelectual. A dicotomia entre corpo e

mente ainda é muito presente na área da Educação nos dias atuais, principalmente, no âmbito

da Educação Física nos dias atuais – esta que visa a uma formação voltada para o campo da

Saúde, pautada em questões técnicas, de eficiência e excelência de gestos motores, centrada

nos movimentos perfeitos e padronizados.

Nos séculos XVIII e XIX, temos a Revolução Francesa e a Revolução Industrial;

Kant é um dos representantes deste período histórico. A mesma relação encontrada em

Aristóteles e Santo Tomás de Aquino entre jogo e trabalho é encontrada em Immanuel Kant.

No entanto, este, apesar de considerar o jogo uma atividade em contraposição ao trabalho,

avança em relação a Aristóteles, pois é o primeiro a conceituar e a sistematizar o jogo como

uma atividade estreitamente ligada à estética, com fim em si mesma.

Kant (1993, p. 176) conceitua jogo como atividade “livre das sensações (que não vise

a um objetivo), produz prazer porque favorece a sensação de saúde, haja ou não em nosso

juízo racional prazer pelo objeto ou mesmo fruição”.

Nesta perspectiva, o prazer do jogo é definido pela razão, uma vez que o prazer

produzido pelo jogo é, em si, uma ocupação agradável, porque esta sensação prazerosa já está

dada pela razão, prevalecendo independente de qualquer conhecimento sensível, obtido por

meio dos sentidos.

Kant em suas obras Crítica da faculdade do juízo e Antropologia: de um ponto de

vista pragmático faz uma associação entre jogo e arte, considerando ambos contrapostos ao

trabalho produtivo. Ao situar a arte dentro das atividades livres e improdutivas, encontra no

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jogo um espaço propício para veiculação desses conteúdos, uma vez que o jogo está em

oposição ao trabalho, mediante a liberdade e a improdutividade que ele produz em relação à

sociedade. Assim, distingue arte e jogo do trabalho produtivo, da ciência e da faculdade

teórica. Nesse sentido, tanto o prazer proporcionado pela arte como pelo jogo pertencem à

“ocupação que é agradável em si mesma” (KANT, 1993, p. 150), enquanto que o trabalho,

atividade produtiva, é desagradável e penosa, sendo somente agradável pelo fim a que ela se

propõe, ou seja, pela remuneração gerada mediante sua atividade.

Mas ao associar a arte ao jogo, Kant destaca dois tipos de arte, a arte natural e a arte

artística. A primeira equivale às finalidades do jogo e a segunda a uma produção que vai além

do trabalho socialmente útil; com isso coloca o jogo aquém da arte artística nivelando o jogo a

arte natural. Além disso, na obra Antropologia, Kant considera o jogo como função biológica,

capaz de manter desperta e reforçar a energia vital. (KANT, 2006). Desse ponto de vista, o

jogo é entendido como atividade inata ou de instinto vital para o ser humano.

Para Kant, existem duas fontes de conhecimentos: o conhecimento sensível, em que os

objetos são dados pelos sentidos e o conhecimento inteligível, em que os objetos são

pensados, isto é, são conceitos que são captados pelo pensamento e que não derivam do

conhecimento sensível. O conhecimento dado pelos sentidos é denominado por Kant de

“conhecimento sensível” e representa as coisas como elas se manifestam para o sujeito. Já o

conhecimento pensado pelo intelecto (razão) é denominado de “conhecimento inteligível”, e

representa as coisas como elas são em si. Além disso, Kant enfatiza que cada um tem a sua

função, que um não pode ser anteposto ao outro e que ambos constituem os elementos de todo

o nosso conhecimento.

Kant denomina de “estética” a doutrina que estuda o modo como as sensações são

recebidas pelo homem e como o conhecimento sensível funciona e é por ele formado; nesse

sentido, a arte e o belo fazem parte do conhecimento sensível e não do conhecimento do

intelecto. Já o prazer pelo jogo faz parte do conhecimento inteligível, uma vez que é a razão

que o determina.

Kant caracteriza o conhecimento sensível como intuitivo, de natureza inerente ao ser

humano; sendo forma pura de conhecimento sensível, não necessitamos sair de nós mesmos

para conhecer as “formas” sensíveis dos fenômenos, já que existem em nós e nos são

determinadas internamente a priori. Mas, é necessário que o objeto seja apresentado ao sujeito

para que, por meio da sensibilidade, o objeto possa se tornar conhecido. Portanto, o respeito

mútuo e as regras morais são exemplos de experiências captadas pelo conhecimento sensível,

as quais já estão formadas no interior do sujeito e existem em si, a partir da própria natureza

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subjetiva dos sentidos. Segundo Reale e Antisieri (1990, p.871), para Kant “Não é o sujeito

que se adequa ao objeto no conhecimento, mas, ao contrário, é o objeto que se adequa ao

sujeito” Isto significa dizer que, na visão de Kant, é o objeto que deve girar em torno do

sujeito.

A função biológica do jogo destacada em Kant é evidenciada nos estudos de Piaget e

um dos temas que nos interessa são as regras do jogo social. Neste estudo, Piaget fundamenta

que o desenvolvimento moral é uma evolução, na medida em que evolui da sua forma inicial

denominada anomia, ausência de regras, para a sua segunda forma denominada heteronomia,

regras impostas pelos adultos, até chegar a sua forma final e ideal denominada autonomia, em

que as regras são acordadas e discutidas a partir de vários pontos de vista.

A função biológica do jogo destacada em Kant é evidenciada nos estudos de Piaget e

um dos temas que nos interessa são as regras do jogo social. Neste estudo, Piaget fundamenta

que o desenvolvimento moral é uma evolução, na medida em que evolui da sua forma inicial

denominada anomia, ausência de regras, para a sua segunda forma denominada heteronomia,

regras impostas pelos adultos até chegar a sua forma final e ideal denominada autonomia, em

que as regras são acordadas e discutidas a partir de vários pontos de vista.

Cabe ressaltar que o jogo não foi foco de estudos de Piaget, ao buscar construir uma

teoria do conhecimento considerou os jogos com regras uma das dimensões para estudar o

desenvolvimento moral. No entanto, a análise das regras do jogo social realizada por Piaget

(1986), em sua obra A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e

representação, para estudar o juízo moral, traz a concepção de que o jogo é uma sucessão de

estágios e as regras do jogo social evoluem com a idade.

Assim, Piaget classifica o jogo em três diferentes tipos: o jogo de exercício, o jogo

simbólico e o com regras, incluindo o de construção que seria um tipo de jogo intermediário

entre os três tipos de jogos e as atividades não-lúdicas. Estes três tipos de classes do jogo

correspondem às formas sucessivas da inteligência: sensório-motora, representativa e

refletida. Já o jogo de construção se situa a meio caminho entre o jogo e o trabalho.

No entendimento de Piaget, durante os dezoito primeiros meses o bebê está na fase da

regra motora. A regra motora oriunda da inteligência motora pré-verbal é o momento em que

a brincadeira do bebê é um jogo de exercício, uma forma inicial de exercitação sensório-

motora. Nessa espécie de jogos, “a criança interessa-se primeiramente, pelos próprios

movimentos, sem que estes requeiram outras significações além de corresponderem a

esquemas em exercício, isto é, a totalidade sensório-motoras auto-suficientes” (PIAGET, 1986,

p. 32).

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Para Piaget (1986, p. 85), nos primórdios da infância, os jogos são “simples

exercícios, põem em ação um conjunto variado de condutas, mas sem modificar as

respectivas estruturas, tal como se apresentam no estado de adaptação atual”, não tendo

outra finalidade senão o próprio prazer da atividade, semelhante aos jogos dos animais, “sem

intervenção de símbolos ou ficções nem de regras” (PIAGET, 1986, p. 85).

Piaget divide os jogos de exercício em duas categorias: jogos de exercício simples e

jogos de exercício das combinações sem finalidade. Os jogos de exercício simples são

”aqueles que se limitam a reproduzir fielmente uma conduta adaptada, de ordinário, a um

fim utilitário, mas retirando-a do seu contexto e repetindo-a pelo único prazer de se exercer

tal poder” (PIAGET, 1986, p. 89), sendo estes os mais comuns de acontecer nessa fase. Já os

jogos de exercício de combinações sem finalidade se diferem dos jogos de exercício simples,

unicamente, pelo fato de que a criança, “não se limita mais a exercer, simplesmente,

atividades já adquiridas mas passa a construir com elas novas combinações que são lúdicas

desde o início”, no entanto, como “essas combinações não apresentam uma finalidade

prévia, constituem apenas uma ampliação do exercício funcional característico da primeira

classe.” (PIAGET, 1986, p. 89). Quando os jogos de exercício de combinações sem finalidade

passam a ter finalidade, eles se transformam em jogos simbólicos ou com regras. No jogo

simbólico, ainda prevalecem características do jogo de exercício, todavia agora a criança

exercitará sua imaginação.

Para Piaget, é como se no jogo de exercício a criança brincasse com os objetos sem

saber que está brincando, brinca por pura repetição da ação de outrem, sem, contudo, ter

consciência de que está imitando a outra pessoa; sua ação é inconsciente e existe uma certa

confusão em relação a sua própria ação com a ação de outras pessoas. É como se a criança

acreditasse que sua ação advém de sua própria imagem interior, dos sonhos, das tendências

reprimidas e da ficção. Diante dessa definição, o jogo caracteriza-se, nessa fase, como perda

do contato com a realidade, uma vez que sua ação é dirigida pelos sonhos, ou contrário à vida

real, por ser guiado pelas tendências reprimidas ou ainda, por vezes, pela supressão total do

mundo exterior. O “outro” é relegado ao segundo plano, não tem tanta importância nas

relações que a criança estabelece com os objetos a sua volta.

Com o tempo, ocorre uma involução do jogo motor, dando passagem ao jogo

simbólico, quando, então, a criança liberta-se de seu egocentrismo16

simbólico e começa a ter

16

Conceito que implica na capacidade da criança compreender o mundo a partir do seu próprio ponto de vista,

ou da ação das coisas, não diferenciando o seu “eu” dos objetos a sua volta. É como se o pensamento fosse

centrado em si mesmo, no seu próprio esquema corporal (PIAGET, 1986).

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um pensamento mais socializado, voltado para a realidade exterior. Inicia um comportamento

denominado por Piaget de mágico-fenomenista, em que a criança acredita que sua ação move

os objetos do mundo sem, contudo, tocá-los de fato, como é o caso do vento que acredita

mover pelo simples ação das mãos.

Com a socialização, ocorre uma involução do jogo simbólico, dando passagem ao jogo

com regras; ou seja, por volta dos 7 anos de idade, a criança abandona a atividade egocêntrica,

não objetiva, não racional e desabrocha numa atividade racional, objetiva, socializadora e

cooperativa.

Para Piaget (1994), o jogo segue um processo de evolução. Inicia-se com o jogo de

exercício, em que revela ausência de regrais morais, denominado de anomia; no entanto, há a

existência da regra motora proveniente da inteligência motora pré-verbal, que não se constitui

deveres, apenas como regularidades espontâneas. Em seguida, evolui para o jogo simbólico,

em que há uma descontinuidade relativa do processo motor e as regras são impostas pelo

adulto, de maneira coercitiva, assim como são respeitadas incondicionalmente pelas crianças,

denominado de fase da heteronomia. Por fim, evolui para o jogo com regras, em que estas são

racionais e o respeito é mútuo; é a fase em que a criança começa a colocar seu próprio ponto

de vista e a discutir as regras com os adultos. Assim, criança se encontra na fase da

autonomia.

Em síntese, nas ideias de Piaget, o bebê tem necessidade de exercício e por ocasião

dessa necessidade seu comportamento se torna repetitivo. Portanto, o jogo de exercício não é

outra coisa senão o resultado da repetição de uma regra motora.

Por volta dos 2, 3 anos de idade, a criança já compreende a linguagem e já tem

consciência da regularidade do comportamento motor, o que resultará na consciência da regra;

surge, com isso, o caráter obrigatório, sagrado e universal das regras, em que certas

regularidades são impostas pelo adulto, de maneira unilateral e coercitiva17

.

Por outro lado, a criança, ao observar a conduta dos adultos, diverte-se:

mistura/confunde fantasia (o que inventa por conta própria) com as regras universais (o que

lhes é imposto), num jogo individual para si, sem levar em consideração a conduta das outras

crianças brincando.

O jogo simbólico ocorre desta maneira, quando a criança começa a imitar as ações do

adulto, num jogo individual e egocêntrico (age e interpreta os modelos adotados conforme a

17

Piaget alerta que nem toda coerção é pura, assim como nem todo respeito é totalmente unilateral e nem toda

cooperação é absoluta; existe uma dosagem de quantidade e qualidade presente em cada fase de

desenvolvimento.

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própria intervenção do seu eu, porque ainda não consegue diferenciar o eu do mundo social),

marcado pela transposição entre o individual e o social, entre o jogo motor e o jogo racional,

características evidentes do estágio de 2 a 7 anos de idade.

Na medida em que a criança começa a liberar-se internamente das regras impostas

pelo adulto, a associar o seu eu ao mundo físico e social e, consequentemente, a ter

consciência do eu, já está em condições de cooperar.

Nesse sentido, ao tomar consciência das regras e praticá-las, as crianças formam uma

concepção de que podem mudá-las, segundo seu próprio ponto de vista, o que leva a

compreender o ponto de vista do outro e a descobrir a fronteira entre seu eu e o outro. Logo,

esses comportamentos fazem a criança respeitar as normas de reciprocidade e da discussão

objetiva, em que as regras deixam de ser impostas e passam a ser fatores e produtos da

personalidade. Nesse momento, a heteronomia dá passagem à autonomia.

Por fim, para Piaget, a evolução das regras é uma progressão genética, segue uma

lógica interna da criança, em que a racionalidade das regras, o respeito mútuo e a consciência

autônoma encontram-se presentes desde a inteligência motora inicial, recebendo uma

reestruturação com o declínio do pensamento egocêntrico e chegando a sua estrutura potencial

e crítica por volta dos 12, 14 anos de idade.

Segundo Piaget (1994, p. 85), o jogo e o desenvolvimento seguem na mesma direção,

pois “se há inteligência nos esquemas de adaptação motora, há também jogo”. Portanto, o

jogo com regras racionais e de respeito mútuo está potencialmente presente desde o estágio

motor, reestruturando e avançando até chegar a sua forma ideal.

Piaget, segundo Kishimoto (1994, p.122), segue, em parte, princípios escalonavistas,

ao considerar o jogo restrito à assimilação, servindo para “revelar mecanismos cognitivos da

criança”. A nosso ver, Piaget incorpora princípios fundamentais de Kant – além de reafirmar

a função biológica do jogo, considera seu caráter evolutivo, uma vez que compreende o jogo

como ocupação que é agradável em si, necessária, inata e vital à sobrevivência humana, assim

como o respeito mútuo e as regras morais como inerentes ao ser humano, seguindo uma

lógica interna da criança, características já encontradas em Kant.

A problemática em conceituar o jogo parece estar relacionada ao problema da relação

entre sujeito e objeto. Para Aristóteles, o fator determinante do conhecimento é o objeto e

para conhecê-lo é necessário constatar os dados empiricamente e classificá-los; ou seja, é o

sujeito que conhece tanto quanto mais ele se aproxima da verdade dos objetos, configurando-

se um objetivismo, diante de uma visão idealista de objeto.

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Para Kant, existe uma sobreposição da subjetividade à objetividade no ato do

conhecimento; portanto, embora pressuponha uma relação dialética entre sujeito-objeto no ato

do conhecimento, é o sujeito quem determina o conhecimento sobre as coisas e não o

contrário. Segundo Kant, o conhecimento sobre os objetos é regulado pela razão, o que

legitima a razão como um poder superior e a priori de conhecer os objetos.

Kant associa a arte ao jogo e fundamenta que o belo é sempre uma sensação subjetiva

e desinteressada, assim como o sentimento de prazer gerado com o jogo. Segundo Kant, o

jogo produz prazer porque favorece a sensação de saúde, propriedade subjetiva que nasce da

relação entre sujeito e objeto. Assim, Kant considera o sentimento de prazer gerado no jogo

como uma necessidade biológica a todos os homens, e o belo uma reflexão subjetiva sobre um

objeto observado. Portanto, o belo e o prazer gerados com o jogo são universalidades

subjetivas, necessárias e desinteressadas, no sentido de que são próprias a todas as pessoas em

qualquer situação.

Para Piaget, o fator determinante do conhecimento é o objeto, o que contribui para

uma perspectiva objetivista, idealista e abstrata de jogo. No entendimento de Piaget, a ação

moral e as regras do jogo social (a definição do que é certo ou errado) dependem de uma ação

autônoma do sujeito, pressupondo que o sujeito tem a possibilidade de desenvolvê-las a partir

das interações sociais diretas.

Ambos, Kant e Piaget, contribuem para uma visão a-histórica, subjetivista,

individualista e abstrata de ser humano, na compreensão de que o desenvolvimento humano é

determinado pela potencialidade do próprio indivíduo e que a motivação do brincar parte da

própria criança, determinada por necessidades biológicas. De acordo com estas concepções, a

atividade lúdica implica um processo psicológico natural que é dado à criança ao nascer,

independente das condições históricas que determinam e compõem todo fenômeno, em

particular, o jogo.

Nesta breve reconstrução histórica sobre o conceito de jogo, podemos destacar o quão

suas características foram consideradas subjetivas, individuais e inatas do sujeito, como se a

origem e desenvolvimento do jogo estivessem pautados por características biológicas do

próprio individuo, desconsiderando-se seus determinantes sociais, políticos e históricos.

Além disso, é possível notar que a concepção de jogo, as contradições e dicotomias

presentes nas ideias destes pensadores ainda fazem parte das significações de jogo

constituídas na pedagogia e nas teorizações presentes nos dias atuais.

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56

2.2. Um dilema entre competir/cooperar

A ideia de jogo sempre esteve relacionada ao competir/cooperar; mesmo que estes

termos recebam significados diferentes, eles acabam por promover uma relação. Algumas

vezes muito próximas, outras, muito distantes, mas o que podemos perceber é que essa

relação sempre esteve presente, o que gera conflito, dicotomia e contradição; por outro lado,

estes aspectos constituem a identidade do jogo.

Na obra de Huizinga (2001)18

, considerada uma das referências obrigatórias sobre o

tema jogo, o autor aponta que a vida social da civilização grega esteve marcada pela noção de

competição. Competir é uma ação sempre presente já no inicio da civilização. Inclusive,

Huizinga (2001, p. 53) afirma que o jogo é anterior à civilização, que “mesmo as atividades

que visam à satisfação imediata das necessidades vitais, como, por exemplo, a caça, tende a

assumir nas sociedades primitivas uma forma lúdica”. No entanto, para Huizinga, a relação

entre jogo e cultura só é possível se considerado o jogo como uma atividade ordenada de um

grupo ou dois grupos opostos e não de um jogo solitário, que, segundo ele, não possui uma

capacidade criadora de cultura. Além disso, o autor destaca que o jogo tal como ele existiu na

sociedade primitiva foi declinando, deixando de caracterizar-se como um “instinto” lúdico,

em que prevaleciam o “espírito lúdico”, o divertimento, a alegria, o fator sorte como critério

de definição do jogo e configurando-se num não-jogo, em decorrência do “espírito

profissional”, ou seja, da falta de espontaneidade e despreocupação atribuída aos jogos na

cultura contemporânea do século XIX.

Segundo Huizinga (2001), a relação entre jogo-ritual e jogo-divertimento, seja sob a

influência da igreja ou sob a influência biológica sempre ocupou um lugar de destaque em

todas as culturas. A sociedade feudal priorizava os torneios (associados à ideia de jogo e não

de esporte, o qual era praticado pela alta sociedade da época) e o resto era simplesmente

considerado como divertimento popular. Sob a influência da igreja, o jogo não era uma

prática social organizada, com vistas ao cultivo de exercícios físicos, a não ser sob medida, de

maneira a contribuir para a educação aristocrática. No Renascimento, a mesma ideia se

perpetua, não existia a prática de exercícios físicos sistematizados por um grupo ou classe,

apenas por iniciativa de indivíduos isolados. Este fato se deve à ideia do enobrecimento do

saber intelectual e desprezo pelo corpo. Somente no final do século XVIII é que os jogos e os

exercícios físicos corporais foram culturalmente aceitos como importantes. Huizinga destaca

18

Data da 5ª edição brasileira, publicada, originalmente, na Holanda, em 1938.

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que apesar de que as habilidades físicas como a força e a velocidade sempre existiram como

essência da competição, no inicio essas habilidades não assumiam a forma de jogos

organizados. Além disso, ressalta que não é por este fato que o jogo era considerado como

não-sério. A verdade é que Huizinga considera que o jogo na sociedade contemporânea

passou a não-jogo em decorrência da transição do divertimento ocasional para a existência

dos clubes e da competição organizada, sistematizada e regulamentada. Destaca ainda a

seriedade dos jogos em forma de esportes, em que as regras são rigorosas e complexas, sendo

determinados recordes inalcançáveis. Para Huizinga, o jogo em sua versão moderna perdeu as

características lúdicas mais puras, denominadas por ele de “espírito lúdico”.

O trabalho de Elkonin (1998)19

vem contrapor a ideia de Huizinga (2001) de que o

jogo é anterior à cultura. Para Elkonin (1998), a princípio o que existia era o trabalho, como

atividade de sobrevivência do grupo, em busca de alimentação, de proteção contra as

intempéries e os animais predadores. Nos primórdios da civilização, adultos e crianças

conviviam num mesmo espaço social, dividindo tarefas e afazeres domésticos; diante da

necessidade de produzir a sobrevivência, não existia jogo, o que prevalecia eram as atividades

atreladas ao trabalho produtivo. O jogo só veio a desenvolver-se posteriormente, com as

primeiras formas de industrialização. Elkonin baseia suas pesquisas em observações

realizadas por seus auxiliares (Frádkina e Slávina), e nas noções teóricas desenvolvidas nos

trabalhos de Vigotski, Leontiev e por ele próprio. Assim, Elkonin, Leontiev e Vigotski

postulam que a base da cultura humana é o trabalho. Portanto, os dados obtidos em suas

pesquisas realizadas com crianças pequenas evidenciam que o desenvolvimento do jogo vai

desde a ação com objetos, passando pela ação lúdica sintetizada, até chegar à ação lúdica

protagonizada.

Conforme exemplificado por Elkonin (1998), antes da possibilidade de uma atitude

lúdica, a criança tem que dominar seus atos motores e sensoriais, possibilitando manipular e

atuar com os objetos. A visão é o primeiro sistema sensorial a ser desenvolvido no primeiro

ano de vida, constituindo-se a premissa para que os primeiros movimentos na direção do

objeto apareçam, sendo o movimento de agarrar um objeto decorrente do desenvolvimento da

coordenação visomotora (olho-mão). Elkonin (1998, p. 208) observou que “o

desenvolvimento dos aparelhos sensoriais está implícito desde o começo na interação da

criança com os adultos que dela cuidam e transcorre em função de um processo de

aprendizagem”.

19

Data da 1ª edição brasileira da obra, publicada, originalmente, em russo, em 1978, e em espanhol, em 1980.

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Desde cedo é o adulto que introduz a criança na forma como ela vai manipular os

objetos, no desenvolvimento dos seus movimentos e de suas ações. Escreve Elkonin (1998, p.

208), “O adulto inclina-se sobre a criança, aproxima e afasta seu rosto, acerca-se e

distancia-se, estende para ela um objeto de cor viva e, com isso, dá motivo para que a

criança fixe a vista no rosto do adulto ou no brinquedo.”.

É de suma importância, por parte dos adultos, ter conhecimento de que da direção e da

qualidade das intervenções ocorridas na interação entre ele e a criança vai depender todo o

desenvolvimento subsequente das ações dela, que podem se antecipar ou deter em outras

atividades de mera satisfação do prazer biológico, como é caso de permanecer por um longo

período de tempo chupando o dedo ou balançando monotonamente o corpo, tornando o

desenvolvimento da criança e consequentemente do jogo de maneira espontânea, não se

eximindo a necessidade de orientação e de direção pedagógica do adulto no que se refere aos

progressos nas ações infantis.20

No que se refere à formação primeira da preensão e seu ulterior aperfeiçoamento,

Elkonin (1998, p. 209) afirma que “é precisamente o adulto quem cria as diferentes situações

em que se aperfeiçoa a direção psíquica dos movimentos das mãos baseados na percepção

visual do objeto e em sua distância.”.

Depois de formado o ato de preensão, a criança passa a desenvolver os movimentos

reiterativos que consistem em dar palmadas cada vez mais variadas no objeto para que este

produza movimentos diferentes a cada apalpada. Segundo Elkonin (1998, p. 211), “O nível de

desenvolvimento dessa manipulação em crianças no primeiro ano de vida depende da

atenção pedagógica que se lhes tenha prestado”.

A criança nessa fase também se interessa por objetos novos, os quais podem provocar

novas ações devido à diversidade das qualidades que lhe são inerentes. Portanto, “um

importante papel cabe ao trabalho orientador e investigador relacionado com a novidade dos

objetos” (ELKONIN, 1998, p. 212), oferecendo estimulação e motivação para novas

manipulações da criança pequena.

Esse fato parece indicar como os brinquedos são criados, ou seja, a partir da

observação da ação manipuladora e exploratória da criança. A indústria do brinquedo projeta

objetos que vão ao encontro de suas capacidades em determinado período de

desenvolvimento, correndo o risco de ocorrer o contrário: por saber que as crianças se

20

Nas pesquisas realizadas por Elkonin existem fatos reais de trabalho com crianças deficientes, confirmando a

necessidade, tanto nas crianças “normais” quanto nas com deficiências, de direção dos adultos para que a criança

aprenda a brincar. Conclui-se que ensina-se a criança a jogar. (p. 265)

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encontram em determinada fase projetam brinquedos para mantê-las nessa fase. Além disso,

submete-se as manifestações motoras das crianças às propriedades dos objetos, sem, contudo,

possibilitar outras ações da criança na superação desta fase. Com relação a este assunto,

Elkonin (1998, p. 214) lamenta que “a ordem pela qual esses brinquedos devem ser entregues

às crianças ainda não é suficientemente estudada”. A esse respeito, Benjamim destaca que os

brinquedos de antigamente não eram criados pelos fabricantes especializados, “podiam ser

encontrados no carpinteiro, os soldadinhos de chumbo no caldeireiro, as figuras de doce nos

confeiteiros, as bonecas de cera no fabricante de velas” (BENJAMIM, 1984, p. 245),

configurados a partir da criança e para a criança, com ampla possibilidade de manipulação.

No entanto, as primeiras manipulações feitas pela criança pequena com os objetos não

são chamadas de jogo. Elkonin (1998, 215) denomina de “exercícios elementares para operar

com as coisas, nas quais o caráter das operações é dado pela construção especial do

objeto.”. No entanto, essas manipulações constituem a premissa para o desenvolvimento do

jogo na fase seguinte.

Pouco a pouco, as ações realizadas em conjunto com os adultos vão-se ampliando,

acumulando cada vez mais experiências e formas diferentes de manipular os objetos,

impulsionando as ações da criança de forma a começar a substituir um objeto por outro.

Paralelamente a estes fatos, por volta de um ano de idade a relação adulto-criança

avança em termos de comunicação, agora “a comunicação emocional direta „criança-adulto‟

cede lugar à indireta „criança-ações com objetos-adulto‟” (ELKONIN, 1998, p. 215).

Tanto as ações com os objetos (xícara, colher etc), quanto as ações lúdicas (com

brinquedos) se formam de acordo com as significações sociais constituídas ao longo da

história, por meio de um processo de aprendizagem sob a direção dos adultos que ”vão

transmitindo pouco a pouco à criança o processo de execução do ato, que começa a realizar-

se com autonomia” (ELKONIN, 1998, p. 220). Esse processo de aprendizagem é prolongado

e ocorre concomitantemente por dois lados, um relacionado à visão geral em relação ao

significado social do objeto e outro pelo lado operacional que deve ter presentes as

propriedades físicas do objeto.

No começo as crianças utilizam os objetos desprovidos de ação lúdica, só depois os

objetos são substituídos por outros denominados de brinquedo. Segundo Elkonin (1998, p.

226), os objetos são substituídos por brinquedos com a condição de que estes “se insiram no

jogo como material complementar dos brinquedos temáticos (bonecas, figuras de animais

etc.) e atuem como meios de execução de tal ou tal ato com os brinquedos temáticos

fundamentais”.

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É nesse ínterim que se origina o jogo protagonizado, também denominado de Jogos de

Papéis. Elkonin (1998, p. 216) menciona que “a origem do jogo protagonizado possui uma

relação genética com a formação, orientada pelos adultos, das ações com os objetos da

primeira infância”.

Diferentemente dos jogos protagonizados, os jogos com regras são compostos por

regras explícitas e dependem necessariamente da presença de um companheiro de jogo e dos

acordos estabelecidos entre eles.

Além disso, o autor questiona a diferença entre o desenvolvimento do jogo pesquisado

por ele e o exame da gênese do jogo proposto por Piaget. Segundo ele, essa diferença “reside,

sobretudo, em que se estuda o desenvolvimento das ações lúdicas da criança com os objetos

vinculados de forma indissolúvel às suas inter-relações com os adultos” (ELKONIN, 1998,

p. 221).

Ainda, sobre o estudo de Elkonin (1998, p.30), o autor destaca que o tema da

brincadeira é influenciado pela “realidade que circunda a criança” e que as relações

estabelecidas entre as pessoas na realidade que circunda a criança são o principal fator que

determina o conteúdo do jogo e o papel que a criança exerce nele. Segundo Elkonin (1998, p.

34), as crianças, quando brincam, baseiam-se nas ações das pessoas, no trabalho que realizam

e nas relações estabelecidas por elas no processo de produção, fundamentalmente, na relação

homem-homem. De acordo com Elkonin (1998), a temática do jogo é variada e depende das

condições sócio-históricas das crianças, ou seja, da classe social, das condições de poder

exercidas sobre a criança, das diferentes culturas, povos regiões e profissão dos pais;

inclusive, mudam os temas de acordo com as condições concretas temporárias em que ela se

encontra. No entanto, Elkonin evidencia que o tema pode mudar, mas o conteúdo se mantém

impulsionado pela atividade do homem e pelas relações sociais entre as pessoas. Por fim, ao

afirmar que o conteúdo do jogo depende das relações sociais entre as pessoas, o jogo pode

“ser de cooperação, de ajuda mútua, de divisão de trabalho e de solicitude e atenção de uns

com outros; mas também podem ser de autoritarismo, até de despotismo, hostilidade, rudeza

etc.” (ELKONIN, 1998, p. 35).

De qualquer forma, é interessante destacar, dos estudos destes três autores, o outro

(objeto, adulto, cultura e sociedade) como responsável pelo desenvolvimento do jogo no bebê,

na criança pequena, na criança pré-escolar e escolar. Nesse sentido, quando se pensa na

relação entre jogo e educação, há de se considerar a ação educativa do adulto no

desenvolvimento e função do jogo. Segundo Brougère (1995), no início do século XIX houve

uma mudança de perspectiva sobre a concepção da criança, e consequentemente, do jogo. De

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visão negativa, considerado como “fútil, ou melhor, tendo como única utilidade a distração, o

recreio (daí o papel delegado à recreação) e, na pior das hipóteses, julgavam-na nefasta”, à

visão positiva, vigente no Romantismo, que via o jogo como “uma atividade lúdica

espontânea na criança, como fonte de aprendizagem” (BROUGÈRE, 1995, p.90). Portanto,

conforme afirma Brougère (1995, p. 91), “essa valorização da espontaneidade natural só

pode conduzir a uma reavaliação da brincadeira, que aparece como o comportamento por

excelência dessa criança rica de potencialidades interiores.”.

Froebel (1782-1852) foi precursor no desenvolvimento da ideia de brincadeira como

natureza humana criticada por Brougère. Froebel baseia-se nesse principio, da brincadeira

como condição natural da criança em seu sistema de educação. Segundo Arce (2004), Froebel

concebe o jogo como uma atividade espontânea, pautada na lei eterna e divina, cabendo ao

homem buscar essa essência no interior de si mesmo, em função da fadiga física absorvida

por meio da brincadeira.

Froebel viveu na época do romantismo, em que os brinquedos eram criados como

auxiliares na brincadeira infantil, respeitando seu desenvolvimento, denominados de “dons”,

“porque eles seriam uma espécie de „presentes‟ dados às crianças, ferramentas para ajudá-

las a descobrir os seus próprios dons, isto é, descobrir os presentes que Deus teria dado a

cada uma delas” (ARCE, 2004, p. 15).

Nesse sentido, a intervenção do adulto era “guiar, orientar e cultivar nas crianças

suas tendências divinas, sua essência humana por meio do jogo, das ocupações e das

atividades livres, tal como Deus faz com as plantas da Natureza” (ARCE, 2004, p. 16),

respeitando o estágio de desenvolvimento no qual a criança se encontra.

Conforme abordado por Arce (ARCE, 2004, p. 11) “aprender fazendo” é o lema

proposto por Froebel, em que “A atividade e a reflexão são os instrumentos de mediação

desse processo não-diretivo, o que garante que os conhecimentos brotem, sejam descobertos

pela criança da forma mais natural possível.”. Nessa perspectiva de educação, o educador

teria o papel de um observador atento, que respeita a metodologia natural da criança, que é

capaz de conhecer e entender sua dinâmica interna e de descobrir sua essência humana, seu

potencial, seu talento.

Ao questionar os fundamentos de Froebel, Arce (2004) destaca que muitos educadores

foram influenciados por essa teoria e assumiram princípios semelhantes, os quais, em sua

opinião, estão muito próximos ao Movimento Escolanovista.

A análise de Arce questiona a criança pensada como um ser abstrato e evidencia que o

jogo, embora presente na educação das crianças desde muito cedo, inseria-se de forma

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romântica, pautado em princípios naturalizantes, místicos, subjetivos e alienados, que

mascaram a realidade da sociedade concreta. Além dos seus fundamentos serem pautados na

lei divina e universal, a instrução do professor tinha que respeitar a curso normal de

desenvolvimento do aluno, o que gerava uma prática espontaneísta, “disseminando

qualidades e aniquilando defeitos, por meio do desenvolvimento pleno da harmonia entre

Homem, Deus e Natureza.” (ARCE, 2004, p. 12), impedindo que a criança participasse da

sociedade com uma consciência crítica.

Depois disso, Claparède (1873-1940) foi quem buscou fundamentar que a brincadeira

proporciona aprendizagem natural à criança. Segundo Arce e Simão (2007), Claparède

acreditava que o desenvolvimento humano ocorria segundo leis internas, num processo

endógeno autônomo, que é próprio e particular de cada pessoa. Segundo Claparède, a criança

se exercita de acordo com suas necessidades natas, sendo que o professor não deve ir contra a

própria natureza da criança.

Assim como Froebel, as ideias de Claparède em relação ao jogo e ao desenvolvimento

humano se aproximavam da alegação da natureza como boa educadora da criança, um modelo

proposto pela natureza, um meio pelo qual a criança desenvolve suas necessidades e aptidões

próprias e natas.

No Brasil, um dos autores que têm buscado sistematizar o jogo na educação é João

Batista Freire. Seu trabalho teve início com a publicação do livro “Educação de corpo

inteiro”, em 1989, pela editora Scipione. Nesta obra, o autor baseia-se em princípios de

Piaget, princípios estes já mencionados anteriormente, no capítulo sobre a ideia de jogo nos

filósofos. Para Freire (1990, p. 75), o jogo é um recurso pedagógico vinculado a um projeto

educativo, cujo objetivo é “criar atividades que facilitem à criança tomar consciência de seu

próprio corpo e de suas ações” e contém como elemento de motivação o prazer da atividade

lúdica. No capítulo 2, defende a ideia de uma educação integral e discute de quem deve ser a

responsabilidade em ministrar aulas de Educação Física para as primeiras séries do ensino

fundamental, se é o professor de sala ou o professor especialista. Segundo Freire (1990, p.

78), não se trata de “ampliação do mercado de trabalho (por sinal restrito) para os

profissionais de Educação Física”, ou do “contato com um único professor”, ou ainda, da

“ideia romântica e ingênua de se preservar a criança do contato com outros professores que

não os da sala de aula”, mas de que “a criança não seja privada da Educação Física a que

tem direito” e para tal, o autor ressalta que o profissional melhor indicado para esta função é

aquele que for melhor preparado para desenvolver o movimento corporal do aluno e afirma

que este problema será resolvido se: “houver maior seriedade neste país no que se refere à

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63

Educação [...] e o espaço de trabalho deverá ser daquele que tiver mais preparo para

ocupá-lo, ou daquele que se encaixar melhor na estrutura que vier a ser organizada.”

(FREIRE, 1990, p. 80). No capítulo referente à competição, destaca os mesmos princípios já

mencionados por Huizinga em relação a tal atividade e à origem do jogo. Apesar de

considerar o jogo competitivo como um aspecto importante a ser trabalhado nas aulas, no

sentido de valorizar as relações advindas com o seu desenvolvimento, ao propor uma vivência

em que esse processo se efetiva, destaca a corrida de revezamento (jogo de estafetas, em que

os alunos dividem-se em duas ou mais colunas, o primeiro de cada coluna realiza a vivência e

outros aguardam até que estes cumpram a tarefa). Segundo Stumpf (2000), este tipo de

organização de jogo motiva a competição de um contra o outro, além de desmotivar os alunos

na espera da vivência. Freire (1990, p.153) afirma que os professores “ao invés de tentar

eliminar o caráter competitivo dos jogos, deveriam procurar compreendê-lo e utilizá-lo para

valorizar as relações”. Apesar de afirmar que “a competição exige a presença do outro”,

apresenta a dicotomia entre competir/cooperar, ao ressaltar que “não vemos aí a competição

sendo tratada como um monstro apavorante da conduta humana, mas como um elemento

constitutivo da atividade lúdica da criança, cumprindo, entre outros, uma papel fundamental:

o de encaminhar para a cooperação.” (FREIRE, 1990, p. 157).

Apesar da sua formação em Educação Física, suas contribuições sobre o jogo não se

limitam ao objeto de estudo da área – o movimentar-se humano, propõe jogos para alcance de

objetivos de outros conteúdos escolares. Segundo Freire (1990, p. 192), as atividades

propostas no livro “trabalham com a inteligência corporal, na medida em que, através do

arranjo que faz de suas coordenações motoras, o sujeito dá conta dos problemas surgidos

nas diversas situações, tanto quanto em sala de aula daria conta dos problemas através da

atividade mental” e completa: “a criança, quando age com liberdade e autonomia suficientes

para manter os êxitos da ação ou corrigir os erros, volta a atenção pra o que fez, produzindo

assim tomadas de consciências e elevando o seu nível de compreensão das ações realizadas.”

(FREIRE, 1990, p. 192-193).

No ano de 2003, publica juntamente com Scaglia “Educação como prática corporal”.

Embora não traga especificamente uma proposta de sistematização metodológica do jogo para

a Educação Física, esta obra representa um marco importante para a área, principalmente,

para as primeiras séries do ensino fundamental. No capítulo 7, refere-se à autonomia como

uma tomada de consciência intrínseca ao sujeito, cujos princípios estão baseados nos

pressupostos de Piaget, já comentados anteriormente.

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No livro intitulado “O jogo: entre o riso e o choro” (FREIRE, 2005), o autor questiona

os princípios postulados por alguns autores (Domenico de Masi e Brougère) e continua a

defender outros (tais como Huizinga, Freinet, Piaget). No capítulo intitulado “Jogo e

educação”, o autor destaca alguns critérios para pensar o jogo na educação, já anteriormente

desenvolvidos no livro “Educação como prática corporal” (FREIRE e SCAGLIA, 2003).

Entre outros aspectos, o autor destaca a possibilidade de “decidir” e a diversidade de opções,

procedimentos da prática pedagógica docente que favorecem a autonomia nas ações e a

constituição da identidade do individuo. Para tal, propõe o jogo intitulado como “Dia/noite”.

Segundo o autor, com este tipo de jogo “Dá para ensinar matemática, português, história,

desde que os alunos possam brincar.” (FREIRE e SCAGLIA, 2003, p. 111). Outro jogo

destacado pelo autor é intitulado “nunca três”. Segundo o autor este jogo se propõe a

“provocar a consciência daqueles que o praticam, sobre suas próprias ações” Além disso,

destaca que “se bem planejados, até os conteúdos escolares podem ser ensinados na forma de

jogo, desde que a professora de sala tenha formação para tanto ou desde que ela planeje

junto com o professor de Educação Física.” (FREIRE e SCAGLIA, 2003, p. 110).

Outra pesquisadora brasileira que tem contribuído para a discussão sobre o trabalho

com o jogo nas aulas de Educação Física, é Peters (2000). A pesquisa de Peters (2000), que é

uma dentre os poucos trabalhos que considera as significações produzidas nas práticas de

Educação Física escolar21

, buscou analisar, à luz da perspectiva histórico-cultural, como uma

professora de EF organiza uma atividade em pequenos grupos em uma sala de aula com 36

alunos, com idade entre 10 anos, regularmente matriculados na 4ª série do ensino

fundamental, em uma escola da rede municipal de educação da cidade de Florianópolis/SC,

com a finalidade de investigar as relações interpessoais e as significações decorrentes do

desenvolvimento da atividade proposta pela professora, no caso, a elaboração coletiva de um

jogo.

A professora propõe atividades em pequenos grupos, uma forma de instrumentalização

pedagógica que afeta os modos de pensar, de agir, de falar e de sentir dos indivíduos,

privilegiando as relações dialógicas como lugar de análise e de produção de significações no

espaço interativo intencional organizado por ela.

A referida pesquisa contou com a observação direta e entrevista semiestruturada antes

e depois da atividade em pequenos grupos. As falas e expressões gestuais dos sujeitos foram

21

Existem outros trabalhos como o de Piccolo (2009 e 2010) e Viotto Filho (2009) na área da Educação Física,

que tem assumido a perspectiva histórico-cultural como referencial teórico-metodológico de seus trabalhos e o

jogo como tema de estudo, no entanto, trata-se de pesquisas teóricas.

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transcritas e descritas conjuntamente, seguidas pela análise de como a professora organiza as

atividades em pequenos grupos nas aulas de Educação Física Escolar e pela identificação de

quais as significações produzidas na elaboração coletiva de um jogo.

No que tange à prática pedagógica da professora, sujeito da pesquisa, a autora destaca

que valorizou e estimulou a participação de todos os alunos, na medida em que organizou

suas aulas a partir do planejamento participativo, que tem como intenção a valorização dos

conhecimentos com que os alunos chegam à escola e afirma: “Trata-se de um recurso

importante na medida em que, além de verificar o quanto se apropriaram do conteúdo

trabalhado, também os chama a se fazerem presentes na atividade que se inicia.” (PETERS,

2000, p. 89). A autora afirma que a professora fez “um levantamento do que eles conseguiram

captar do futebol e do vôlei, o que tinha ficado para eles com relação à experiência que

tinham tido naqueles dois jogos.” e, ainda, que possibilitou a participação dos alunos na

escolha dos conteúdos a serem trabalhados durante o ano letivo. Estes aspectos evidenciam o

objetivo da professora de respeitar os conhecimentos prévios dos alunos. Ressalta que, apesar

de a busca por estes objetivos ser evidenciada em todas as etapas da vivência proposta pela

professora – elaboração, apresentação, execução e avaliação do jogo – houve momentos em

que a participação dos alunos no processo de explicação do jogo passou despercebida ou as

respostas dadas pelos alunos quando questionados não foram exploradas pela professora.

Outro objetivo que esteve presente na prática pedagógica da professora foi trabalhar as

relações sociais entre os alunos, isto é, dar oportunidade ao grupo de tomada de decisões e de

responsabilidade pelas questões coletivas em detrimento de interesses individuais, o que não

aconteceu de forma harmoniosa, mas marcada por momentos de tensão, conflito,

argumentação e negociação.

Num outro trabalho, Peters (2009), baseada em Brougère (2005), para quem a decisão

é um dos principais critérios para definir o jogo e diferenciá-lo de outras atividades, afirma

“jogar/brincar é decidir” entrar ou não na brincadeira, permanecer ou não nela, aceitar ou

não as regras propostas, o que implica necessariamente participação, discussão,

questionamentos, argumentação, negociação e conflito. Neste trabalho Peters (2009, p. 36),

ainda, ressalta que a “regra não tem força de lei, mas está ligada à aceitação coletiva que vai

estabelecer o acordo sobre como fazer, uma vez que as regras são negociáveis e modificáveis

pela comunidade de jogadores.”.

Outra questão abordada no trabalho anterior de Peters (2000) é a importância da

intervenção pedagógica na organização dos grupos, bem como a importância na mediação das

relações sociais ali estabelecidas. A problematização destas duas questões é uma preocupação

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que a perspectiva histórico-cultural procura estabelecer, porque para conscientização crítica

da realidade circundante, no que se refere à criação de jogos, torna-se necessário que os

alunos reconheçam o movimento de tese, antítese e síntese do jogo, isto é, tenham consciência

de que os jogos e suas regras podem ser criados e não só reproduzidos a partir de jogos já

existentes.

Por fim, a autora aponta que a professora permitiu que os alunos compreendessem que

eles também podem criar jogos, e não apenas reproduzir os já estabelecidos. Nesse sentido,

nota-se o compromisso da professora em conscientizar os alunos sobre a mudança das regras

e que essas podem ser invertidas e recriadas por eles, a partir de suas próprias necessidades.

Mas, a autora questiona: “Se operar com o significado das coisas leva a capacidade

de fazer escolhas e tomar decisões, será que houve intenção deliberada de burlar a regra do

jogo com o objetivo de alcançar um resultado positivo?”. (PETERS, 2000, p. 96-97).

Cabe ressaltar que, apesar desse compromisso, a autora destaca que a professora

reelaborou a organização do jogo feita pelos alunos e encaminhou a execução como se fosse

um campeonato, “um jogo contra o outro, num processo eliminatório onde quem perdesse

demoraria mais tempo para jogar e a rapidez na execução da atividade garantia a

possibilidade de jogar novamente” (PETERS, 2000, p. 97). Completa afirmando que, de

certo modo, este encaminhamento da professora “parece justificar o ato de burlar as regras,

já que a motivação fundamental era ganhar o jogo de qualquer jeito para poder executá-lo

novamente e não o processo de execução dos seus movimentos” (PETERS, 2000, p. 97). Por

outro lado, a autora identifica que a necessidade de ganhar que motivou a ação dos alunos é

uma significação constituída socialmente, no momento em que a sociedade capitalista

“estimula valores como a rivalidade, a concorrência e a competição, sobretudo se utilizando

da imagem do atleta campeão e da vitória como uma conquista de poucos e que deve ser

vista com respeito e admiração”, e questiona: “como não tentar compreender que os alunos

buscassem tal posição para garantir um lugar social de destaque no grupo?” (PETERS,

2000, p. 97). No momento da avaliação, a autora destaca “um novo encaminhamento ao jogo

e na reformulação de sentidos em circulação frente a este”. Os alunos e a professora

reformulam o sentido da competição, em face às sugestões das crianças e suas intervenções

durante a avaliação do jogo. Segundo Peters destaca (2000, p. 110), tal movimento expressa a

possibilidade de “uma nova significação em relação a este – de que é possível jogar com o

outro, e não somente contra o outro, revertendo, de certa forma, essa lógica e motivação

implícita que perpassou o jogar.”.

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Em suma, a perspectiva histórico-cultural busca na prática pedagógica concretizar a

concepção de homem, de mundo e de sociedade pautada no materialismo histórico dialético,

cujo objetivo é passar de um conhecimento de senso comum para um conhecimento mais

elaborado, permitindo ao aluno a apropriação da cultura de movimento, por meios dos

conteúdos da EF escolar, buscando questionar seus valores, no sentido de poder transformá-

los.

Outro autor a estudar o jogo foi Brotto (2002). Ele apresenta uma perspectiva dos

jogos cooperativos baseado na solidariedade, em detrimento da competição, uma

possibilidade de utilização deste recurso tanto na Educação Física como em outro espaço fora

da escola. Segundo Correia (2006, p. 161), a perspectiva dos jogos cooperativos apresentada

por Brotto “extrapola a ênfase espiritual, transcendental e delimitada ao espaço de

convivência indivíduo-indivíduo.”.

Por fim, trazemos as ideias de Charlot (1979) para afirmar que a educação é política.

Charlot (1979) destaca 4 aspectos para justificar tal afirmação: a) transmite modelos sociais,

por meio de sua prática pedagógica, sob forma de normas de comportamentos e de ideais; b)

forma a personalidade, a exemplo do jogo nas aulas de Educação Física: um modo de

transmitir estes modelos, normalmente atrelados ao ganhar acima de tudo, em que a dicotomia

competir/cooperar não foi superada como constituinte de um mesmo processo. Segundo

Charlot (1979, p. 17), “um ser civilizado coloca seus desejos depois do seu dever e todo o

mundo, rico ou pobre, obedece a essa moral da renuncia.”; c) transmite ideias mistificadoras,

notadamente as da classe dominante, no momento em que camuflam a realidade ao

desconsiderar questões econômicas, sociais e políticas, como é o caso do uso ideológico da

ideia de liberdade que consiste em “tratar a Liberdade como uma ideia autônoma e justificar,

pela ideia de Liberdade, a ausência de liberdade efetiva nas condições concretas de

existência.” (CHARLOT, 1979, p. 18-19). d) Transmite modelos esquematizados de

comportamento, cuja responsabilidade política está em superar a reprodução dos interesses da

classe dominante e deixar de ser vítima e fonte de propagação da ideologia dominante, para

assumir uma educação humanizadora.

Diante do exposto, algumas considerações merecem destaque. A origem ideológica de

jogo esteve ligada à concepção de criança. Até o século XVIII, o jogo era concebido como

atividade útil à distração. Sua mudança ocorreu no início do século XIX, em decorrência da

concepção romântica; pela necessidade de justificar o jogo na escola, ele foi considerado

como atividade natural da criança, útil para seu desenvolvimento nato.

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Com a inserção do jogo na educação, muitos foram os estudiosos a se debruçarem

sobre o tema. Froebel e Claparède foram alguns desses pesquisadores, assim como Piaget,

embora seu foco tenha sido estudar a teoria do conhecimento. No entanto, os princípios em

que se baseavam estes pesquisadores não faziam do jogo uma atividade distanciada da sua

condição natural, própria da criança. Elkonin, colaborador de Vigotski, traz na “Psicologia do

jogo” importantes fundamentos teórico-metodológicos para discutir o jogo na educação,

principalmente no que refere-se a sua origem e desenvolvimento. Brougère é outro estudioso

do jogo que contribui para esta discussão. No Brasil, um estudioso que tem investido seus

estudos na relação entre jogo e educação é Freire, baseado nos princípios de Piaget. Apesar da

sua formação em Educação Física, não restringe seus estudos sobre o jogo dentro desta área

de conhecimento. Além disso, embora incorpore critérios para o jogo, tais como tomada de

decisão, opção de escolha, liberdade nas ações, ao propor vivências para alcançar

determinados objetivos seus princípios não se efetivam de fato.

A pesquisa de Peters (2000) nos ajuda a pensar em alguns elementos que fazem parte

do trabalho com o jogo, numa visão sócio-histórica, quando pensamos no seu sentido social e

político, em que as regras do jogo não são vistas como resultado de evolução biológica, mas

de um processo dinâmico de constituição de tais regras que depende das relações sociais

estabelecidas entre os sujeitos. São eles:

1) O adversário: na perspectiva da esportivização, o adversário (ou a equipe

adversária) é considerado como alguém que se deve sobrepujar a qualquer

custo, buscando vencer o adversário pela burla, pelo logro e pela trapaça,

como se pode observar nos casos de doping. A perspectiva sócio-histórica

nos permite compreender e significar o adversário; ele é muito mais que o

outro a ser vencido e eliminado, é o parceiro que permite questionar e criar

regras contra as formas hegemônicas do pensar da classe dominante na

sociedade capitalista. Há um redimensionamento do adversário, em que

sujeito e adversário compartilham o mesmo objetivo, pautados em valores

que possibilitam a construção de uma sociedade mais humana e

democrática, porque compartilham em igualdade de condições, defendem as

mesmas regras e trabalham em equipe.

2) As regras: no esporte de rendimento, as regras são universalizadas, sem que

haja a possibilidade de mudança por parte dos jogadores. Na perspectiva

esportivista, as regras devem ser compreendidas e cumpridas sem

questionamento, para o bom andamento do jogo. A psicologia sócio-

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histórica nos permite compreender que o sujeito é ativo no processo de

construção das regras, porque a forma como o professor organiza e

sistematiza as aulas possibilita aos alunos o questionamento e a modificação

das regras, de acordo com os motivos e necessidades do grupo, assim como

permite refletir e avaliar sobre as regras criadas, a fim de melhorá-las num

jogo posterior. As regras existem para dar condições igualitárias dentro de

um grupo de convivência; e se o jogo é um espaço de convivência, as regras

devem ser respeitadas, inclusive quando elas são criadas pelos participantes.

Mas, para isso é preciso entender o significado das regras do jogo e

particularmente que elas são fundamentais para um convívio harmonioso

nos diversos espaços sociais. No entanto, o problema não reside em cumprir

as regras do jogo, mas no tipo de jogo que é jogado. Se o objetivo do jogo

for ganhar a qualquer custo, as regras podem ser burladas, mas se o objetivo

for o processo do jogo, as regras devem ser criadas pelos participantes,

compreendidas e seguidas, porque o interesse em cumprir as regras do jogo

é coletivo e não em prol de um interesse individual.

3) Coletivo: na visão esportivista há a valorização do individual, em que dois

indivíduos competem separadamente, cada um com seus limites e

potencialidades. A psicologia sócio-histórica nos ensina a valorização do

trabalho coletivo, sendo que coletivo e individual são um ponto de tensão; o

trabalho em equipe permite a participação de todos e a tomada de decisões

coletivas em direção a um mesmo objetivo; a comunicação permite

aprender, compartilhar e defender regras; a linguagem é valorizada como

um processo de produção e significação social. No trabalho em equipe os

alunos compartilham atividades diferentes; no entanto, buscam um mesmo

objetivo. O individual tem uma valorização enorme para o coletivo, em

decorrência das trocas e da soma de esforços diferentes.

4) O prazer: numa perspectiva do jogo competitivo, o prazer é determinado

pelo resultado. Já na perspectiva do jogo numa visão sócio-histórica, o

prazer de brincar está no próprio processo da ação e não no resultado. Nesta

perspectiva, o prazer de brincar é considerado quando a criança age

contráriamente ao que gostaria de fazer, simplesmente porque tem prazer

em agir de uma forma diferente da que normalmente agiria na realidade.

Agir diferente das regras impostas pela sociedade dá prazer e isso é melhor

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possibilitado numa situação de brincadeira. O prazer de brincar envolve o

que é engraçado, divertido, o que provoca riso, excitação e relaxamento,

elementos que na maioria das vezes estão ausentes numa perspectiva

esportivista.

5) O projeto educativo: o jogo é um recurso que faz parte de um projeto

educativo. Na perspectiva esportivista, o projeto educativo segue o modelo

tecnicista e militarista dos movimentos: treinar para competir e ganhar. Para

a visão sócio-histórica, o jogo atende a uma visão de homem-sociedade

condizente com os pressupostos do materialismo histórico dialético, em que

o professor possibilita aos alunos um amplo conjunto de experiências do

como se movimentar, não só valorizando o próprio movimento, mas

destacando o que o corpo expressa e comunica com seu movimento,

mostrando sua maneira diversa e criativa, num movimento emocionado e de

reflexão sobre ele. Ao mesmo tempo em que se expressa, revela sentidos e

significados. Nesta perspectiva, o professor rompe com o tecnicismo, com a

eficiência e padrões de movimentos, assim como as avaliações são pautadas

no processo de participação com liberdade, criatividade e a conscientização

crítica da realidade, para que os alunos possam agir conhecendo,

identificando e apropriando da cultura, para poder transformá-la. Educar

para ser um cidadão reflexivo e crítico da nossa sociedade.

Em todas as pesquisas citadas, competir/cooperar é um tema discutido, mas a depender

de sua raiz etimológica, sua dicotomia e contradição dificultam tal compreensão.

Outra questão importante que merece ser destacada refere-se ao profissional que deve

atuar na Educação Física escolar para as primeiras séries do ensino fundamental. Freire (1990,

p. 170) destaca a importância da competência profissional em saber “Lidar com corpos em

movimento”.

A partir destas breves considerações, é possível afirmar que o jogo não é algo em si;

pode e é significado de diferentes maneiras no decorrer da história da humanidade e em um

mesmo tempo histórico por diferentes grupos sociais. São diferentes significados relacionados

a diversos interesses e diferentes inserções no mundo social. O que se pretende, neste estudo,

é conhecer as significações constituídas por professores de EF, de uma rede de ensino no

interior paulista, e relacioná-las às formas de trabalho e visões de trabalho em EF,

contribuindo para a compreensão mais complexa das questões da EF, em especial do trabalho

com o jogo. As significações constituídas sobre o jogo são aspectos constitutivos do trabalho

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que se realiza e, portanto, seu conhecimento é importante, principalmente quando se pretende

a crítica e o avanço neste trabalho e na formação destes profissionais. Dando continuidade a

estas concepções sociais e históricas, em seguida, iremos discutir o atual ordenamento legal

que orienta o trabalho com o jogo na Educação Física escolar.

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Capítulo 3. O jogo na EF escolar: concepções no ordenamento legal

Como nosso objetivo é compreender as significações do trabalho com o jogo para os

professores de EF escolar que atuam na rede pública estadual paulista, após apresentarmos o

conceito de jogo na história da humanidade, destacando alguns autores para referenciar cada

período histórico, é fundamental compreender as mudanças pelas quais passou a Educação

Física escolar. Desta forma, este capítulo traz uma breve retomada histórica das significações

de jogo na EF escolar, nas concepções no ordenamento legal, a partir de Leis e das LDB, e

nas tendências que orientam ou orientaram a prática pedagógica do professor de Educação

Física escolar, as quais, de alguma forma, orientaram o trabalho com o jogo, trazendo um

panorama de sua realidade objetiva.

3.1. LDB – Lei Federal nº 4024/61

Os anos que sucederam a primeira Lei de Diretrizes e Base da Educação – Lei Federal

nº 4024/61 foram anos em que a Educação Física escolar brasileira seguia códigos e interesses

sociais provindos de instituições militares (Escola Militar, Colégio Militar e Escola Naval).

Evidenciavam-se as ideias positivistas, como a importância do êxito, da eficiência, a menor

probabilidade de erro, o corpo disciplinado, indivíduos aptos, hábeis e fortes fisicamente para

defender a nação, associados aos princípios higiênicos provenientes das instituições médicas

que priorizavam “o corpo saudável, robusto e harmonioso” em detrimento “ao corpo

relapso, flácido e doentio” (CASTELLANI FILHO, 1994). Segundo destaca Oliveira (1997),

historicamente a EF assumiu (e tem assumido) códigos e interesses sociais de instituições

médica, militar e desportiva, perdendo seu potencial critico e descaracterizando a área com

compromissos que não são os dela. O autor evidencia que, ao assumir os códigos sociais das

instituições militar e esportiva, a EF orienta-se pelos mesmos princípios e fundamentos

epistemológicos advindos das ciências naturais. De acordo com essa perspectiva, o autor

destaca que a EF exclui a possibilidade de transformação social e construção de um projeto de

sociedade coerente com seus próprios princípios, que deve (ou deveria) ser orientado pelas

ciências sociais e humanas.

Assim, a origem da Educação Física escolar está intimamente vinculada a estes

pressupostos e ideais, os quais continuam a ser reconhecidos como contextualização da área,

constituindo a prática pedagógica dos professores de Educação Física escolar, nos dias atuais.

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73

É neste contexto que é promulgada a LDB de 1961 e garantida sua obrigatoriedade nas

quatro séries do curso primário e nos dois ciclos do ensino médio. No entanto, segundo

Castellani Filho (1998), no momento em que a Educação Física teve sua obrigatoriedade

contemplada na LDB de 1961 (p.6) “(...) não se cogitava de uma Educação Física que não se

subordinasse ao eixo paradigmático da aptidão física e que não centrasse sua ação

pedagógica, na atividade física”.

Assim, a LDB de 1961 reconhece no Art. 22 a obrigatoriedade da prática da Educação

Física “nos cursos primário (quatro séries anuais, no mínimo) e médio (dois ciclos: ginasial

de 4 séries anuais e colegial, de no mínimo 3 anos), até a idade de 18 anos”. No capítulo IV,

traz, em seu Art. 53, a formação de docente para o ensino primário “em escola normal de

grau ginasial” e “em escola normal de grau colegial”, além da “preparação pedagógica”.

No capítulo II, em seu Art. 25, expressa comofinalidade do ensino primário “o

desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração

no meio físico e social”. Assim, a LDB de 1961 reconhece a obrigatoriedade da Educação

Fìsica nos cursos primário e médio e, apesar de destacar a expressão como importante no

desenvolvimento integral da criança, não explicita a expressão corporal.

A dois anos do término da 1ª LDB, o Decreto 705 de 25 de julho de 1969 alterou o

artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 e com isso a Educação Física

passava a ser obrigatória em todos os níveis de ensino, incluindo, assim, a Educação Física no

ensino superior22

, com predominância do esporte. Segundo Castellani Filho (1998), apesar de

não mais fazer referência ao limite de idade de obrigatoriedade “continuava presa ao seu

velho paradigma”. Além disso, apesar da alteração do artigo 22 da LDB/61, no capítulo Dos

professores e especialistas, a formação exigida para o exercício do magistério no ensino de 1º

grau, da 1ª a 4ª séries era “habilitação especifica de 2º grau". Assim, é possível notar que,

apesar de a expressão ser reconhecida como necessidade de desenvolvimento integral da

criança, a corporal não é necessariamente contemplada. Outro ponto a destacar diz respeito ao

fato de que mesmo que as atividades de expressão corporal fossem desenvolvidas pelo

professor de Educação Física em outros níveis de ensino (médio e ensino superior), seu

objetivo estava atrelado ao eixo paradigmático da aptidão física.

22

A obrigatoriedade da Educação Física no ensino superior não ocorreu de fato, em decorrência dos mecanismos

que facultavam o aluno a prática da Educação Física. (Decreto nº 69.450)

Page 75: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

74

3.2. Lei 5692/7 – Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus

A partir da década de 70, a Educação Física brasileira era contextualizada dentro da

escola por meio do esporte, em que prevalecia a ênfase no rendimento, na técnica, na

disciplina e na aptidão física. A esportivização, aliada aos pressupostos militares e médicos,

norteava a prática pedagógica do professor de Educação Física escolar, conforme já

anunciado anteriormente por Castellani Filho (1998). Este denominava tal modelo de

“paradigma da aptidão física”.

É neste período histórico, em 11 de agosto de 1971, que é promulgada a Lei Federal nº

5.692/71. Além de reafirmar, em seu artigo 7º a obrigatoriedade da Educação Física escolar

nos três níveis de ensino, ela avança em relação a LDB de 1961, no sentido de estabelecer

diretrizes para o desenvolvimento da Educação Física para estes níveis de ensino, por meio do

Decreto nº 69.450, de 1 de novembro de 1971. No título Do Relacionamento com a

Sistemática da Educação Nacional, o Decreto traz, em seu Art. 1º, a Educação Física como

“atividade23

que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora

forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando.”. Em seu Art. 2º, traz a

Educação Física escolar com duas finalidades, a desportiva e a recreativa. Ainda, no título Da

Caracterização dos Objetivos, traz, em seu Art. 3º, a Educação Física recreativa no ensino

primário, caracterizada por atividade física “de preferência as que favoreçam a consolidação

de hábitos higiênicos, o desenvolvimento corporal e mental harmônico, a melhoria da

aptidão física, o despertar do espírito comunitário da criatividade, do senso moral e cívico”.

Ainda, no mesmo artigo, inciso 1º, o Decreto afirma que “A aptidão física constitui a

referência fundamental para orientar o planejamento, controle e avaliação da educação

física, desportiva e recreativa, no nível dos estabelecimentos de ensino” e, logo em seguida,

no inciso 2º, alerta que apenas “A partir da quinta série de escolarização, deverá ser incluída

na programação de atividades a iniciação desportiva.”. Apesar de a Lei reconhecer a

Educação Física como “atividade” curricular em todos os níveis de ensino, incita a escola a

trabalhá-la como “atividades recreativas e desportivas”, destacando a aptidão física como

referência fundamental das aulas. Nesse sentido, o binômio desportiva/recreativa induz a um

desenvolvimento multifacetado das atividades a serem desenvolvidas na Educação Física

escolar, incluindo nesse cenário o jogo, o qual exigia um certo grau de competitividade em

sua concepção “desportiva”.

23

Cabe ressaltar que a referência dada à Educação Física como atividade é criticada por alguns autores, dentre

eles, Castellani Filho (1994).

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75

Importante destacar que, neste mesmo período, os Guias Curriculares Nacionais,

implementados pela SEE/CENP, em 1975, também estiveram presentes no discurso dos

professores de Educação Física escolar. Estes guias podem ser considerados como a primeira

intenção de implantação de uma proposta curricular na rede estadual paulista. Nesse

documento, a Educação Física, a Língua Portuguesa e a Educação Artística compunham uma

mesma área, denominada de “comunicação e expressão”. Segundo Fernandes (2009), este

documento vem reafirmar os objetivos da Educação Física escolar, já mencionados no

Decreto nº 69.450, de 1 de novembro de 1971.

Outro marco na trajetória da história da Educação Física escolar foram as tendências

teórico-metodológicas, com o objetivo de contrapor aos pressupostos e ideais anteriormente

expressos na área. A primeira tendência sistematizada de trabalho que surgiu foi denominada

de Psicomotricidade; colocou-se no final da década de 70 como o primeiro movimento em

contraposição ao modelo biologizante e de rendimento corporal enfatizado nos modelos

anteriores. O principal articulista dessa concepção no Brasil foi Le Boulch, no inicio da

década de 80, inspirado pelas ideias de Piaget. Segundo destaca Bracht (1999, p. 79), além de

esta tendência não conferir uma especificidade à Educação Física, por subordinar seu papel a

outras áreas de conhecimento, “o movimento é mero instrumento, não sendo as formas

culturais do movimentar-se humano consideradas um saber a ser transmitido pela escola.”

A partir dos anos de 1980, surgem outras abordagens, na tentativa de superar

perspectivas e práticas pedagógicas dicotômicas, limitadas e dualistas do homem, visto que o

esporte de alto rendimento era fenômeno predominante nas aulas de Educação Física, as quais

centravam a atenção na melhoria da aptidão física e no aprimoramento e rendimento das

capacidades físicas dos alunos.24

A abordagem desenvolvimentista é uma das tendências veiculadas a partir da década

de 80; tinha como principais autores os professores Tani et al. (1988), Edison de Jesus

Manoel (1994), da USP, e Ruy Jornada Krebs, da UFSM; como ciência, seu foco era

investigar o curso normal de desenvolvimento fisiológico e motor da criança, com respeito às

suas próprias necessidades e maturação. Esta perspectiva defende a aprendizagem das

habilidades motoras, partindo das habilidades motoras básicas para as específicas, classifica

os movimentos em três conceitos (locomoção, manipulação e estabilização) e abre espaço

para “padronização de movimentos”.

24

Entretanto, nos dias atuais, estas abordagens permanecem muito presentes na prática pedagógica do professor

de EF escolar.

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76

De forma breve, podemos perceber que, na visão desenvolvimentista, o jogo é

proposto como atividade para desenvolver habilidades motoras, abrindo espaço para padrões

de movimentos, performance e eficiência, acabando por não focalizar o caráter histórico do

jogo.

A proposta Construtivista é outra perspectiva apresentada na década de 80; também

denominada de piagetiana, por ser apoiada nos estudos de Piaget. João Batista Freire

(1989/199025

) é o principal articulista dessa concepção na área da Educação Física escolar,

principalmente, no que se refere ao jogo. Este autor defende o movimento espontâneo e

respeita o curso normal de desenvolvimento físico e biológico, recusa padrões de movimentos

e propõe o resgate da “cultura infantil”, propondo a vivência de jogos e brincadeiras.

Em meio a todas estas tendências e aos objetivos da escola pública brasileira no ano de

1984, a SEE implantou o Ciclo Básico, por meio do Decreto nº 21.833/1983 e em sua

Proposta Curricular de Educação Física para o 1º grau faz sua opção teórico-metodológica,

A nossa Proposta apresenta como opção a metodologia da Educação Física

sob uma visão construtivista-interacionista. No Construtivismo, a intenção é

a construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo,

numa relação que extrapola o simples exercício de ensinar e aprender. [...]

Conhecer é sempre uma ação que implica em esquemas de assimilação e

acomodação num processo de constante reorganização. Portanto, construir o

conhecimento significa reorganizar estruturas mentais, e essa reorganização

é fruto da atividade do sujeito que interage com o mundo (SÃO PAULO,

1986/1991).

Pautada no construtivismo piagetiano, a SEE elabora sua Proposta Curricular de

Educação Física para o 1º grau (SÃO PAULO, 1986/1991). Recebe críticas no meio

acadêmico, em sua versão preliminar editada em 1986, sendo reeditadas em 1990 e 1991 e

continua vigente, não existindo nenhuma outra mais atual para substituí-la.26

.

O construtivismo é o referencial teórico assumido pela Secretaria da Educação e tem

como seu maior mentor e colaborador para o desenvolvimento da proposta João Batista

Freire, por meio de seu livro Educação de corpo inteiro.

O jogo, neste documento da SEE, é evidenciado como atividade responsável pela

aquisição de habilidades motoras e capacidades físicas, defendendo a construção do

conhecimento por meio da interação entre professor-aluno, em que o papel do professor é

respeitar os níveis de desenvolvimento da criança, seus momentos motores e esquemas

mentais.

25

1ª edição/edição consultada. 26

Inclusive com a implementação do currículo da rede estadual paulista em 2008 para o Ciclo II (5ª a 8ª séries) e

com as novas diretrizes curriculares no ano de 2010, o currículo para as séries iniciais do ensino fundamental

(Ciclo I) fica para segundo plano, ou, talvez, até mesmo esquecido.

Page 78: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

77

Apesar da proposta apoiada no construtivismo piagetiano superar concepções

tradicionais anteriores, revela uma concepção eclética27

, em termos teórico-metodológicos, ao

incorporar à sua proposta os estudos de Tani et. al. (1988). No entanto, ambas as abordagens

parecem não focar o jogo em suas relações com a realidade circundante, ao assumir visões

desenvolvimentistas e biologizantes de homem e de sociedade. Cabe ressaltar que os

conceitos destacados pela abordagem desenvolvimentista, isto é, Habilidades Motoras:

locomoção, não locomoção e manipulação e Capacidades Físicas: condição física e condição

motora (SÃO PAULO, 1986/1991, p. 18) deram origem ao Organograma de Conceitos,

quadro esquematizado e veiculado no site da CENP, com a intenção de melhor orientar a

prática pedagógica do professor de EF escolar, conforme apresentação no anexo I.

Duas outras propostas foram gestadas neste período, denominadas de tendências

criticas e históricas: a crítico-emancipatória (KUNZ, 1991) e a crítico-superadora

(COLETIVO DE AUTORES, 1992), com o desafio de compreender o movimento humano

como prática social política e histórica articulada com a realidade circundante.

A perspectiva crítico-emancipatória apoia-se nos estudos de autores da escola de

Frankfurt, principalmente no paradigma da ação comunicativa de Habermas. Já a aulas

abertas fundamenta-se no princípio de co-participação entre professores e alunos na forma

como os conteúdos são desenvolvidos. Esta perspectiva foi inserida na EF escolar brasileira

por meio dos estudos de Hilderbrandt e Langing (1986) e depois sistematizada por membros

do Grupo de Trabalho Pedagógico (1991) pertencentes à Universidade Federal de

Pernambuco (UFPE) e à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Esta concepção não apresenta uma proposta de jogo, parte da proposta de

sistematização metodológica do ensino dos Esportes, a fim de transformar a realidade social

concreta, o que acaba por utilizar o jogo como preparatório para os esportes modernos,

denominando-o de pré-desportivo.

A perspectiva crítico-superadora, elaborada pelo Coletivo de Autores (1992),

considera o aluno como sujeito no processo ensino-aprendizagem, defende a intervenção do

adulto/professor como mediador desse processo e permite a análise crítica da realidade social,

a partir da fundamentação teórico-metodológica no materialismo-histórico dialético e na

pedagogia histórico-crítica de Saviani. Dentro desta perspectiva, o jogo assume um dos temas

da EF escolar, concebido como prática social histórica e política, pautada no processo e não

27

Crítica semelhante é feita por Ferreira (1995, p. 203) à Freire (1989) ao “[...] fundamentar-se em autores

diversos como Piaget, Vigotsky, Wallon e Benjamim que, [...] foram inseridos de maneira „artificializada,

tentando demonstrar uma compatibilidade não existente.”.

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78

no alcance de resultados, com vistas a contribuir para a transformação social. No entanto, esta

concepção ainda não apresenta uma proposta de sistematização metodológica com o jogo,

apenas propõe distribuição de uma série de tematizações de jogos pelos diversos ciclos de

ensino.

Uma terceira abordagem, porém mais recente, surge a partir dos meados dos anos 90,

denominada de saúde renovada, referenciada por alguns autores, tais como nos estudos de

Guedes e Guedes (1997) e Nahas (1992). Segundo Bracht (1999, p. 79) é “[...] um movimento

de atualização ou renovação do paradigma da aptidão física, levado a efeito com base no

mote da promoção da saúde.”. Esta perspectiva propõe, por meio da atividade física,

considerada objeto de estudo da EF, a promoção de indivíduos saudáveis, fundamentada nos

avanços do conhecimento biológico no que se refere às repercussões advindas da prática

regular de atividade física que contribuem para a melhoria da qualidade de vida, frente à

mudança de postura com padrões sedentários de vida.

Importante ressaltar estas tendências para mostrar o período de grandes discussões

teóricas presentes na área da EF e que incluem certa concepção de jogo em cada tendência;

um cenário de superação, mas ao mesmo tempo de indefinição de uma diretriz sistematizada,

que apontasse uma identidade epistemológica no que se refere ao jogo como uma atividade

fundamental no desenvolvimento das pessoas e de elaboração de objetivos claros e

específicos, em particular, no trabalho com o jogo para os alunos que frequentam as primeiras

séries do ensino fundamental da rede estadual paulista.

Nesse sentido, apesar de a trajetória da Educação Física na instituição escolar

brasileira apontar avanços no seu aparato legal no que se refere a sua obrigatoriedade em

todos os níveis de ensino e as tendências mostrarem sua contextualização contrapondo o

modelo biologizante e de rendimento corporal enfatizado nos modelos anteriores, a área (e

com ela o jogo), ainda não é sistematizada e reconhecida como prática social transformadora.

Segundo Castellani Filho, aqueles que recusam a Educação Física dentro desta perspectiva

negam a necessidade de se refletir sobre a prática, sobre a realidade social

complexa na qual agem e se encontram inseridos, produzem aquilo que mais

acreditam abominar, qual seja, uma EF abstrata, desvinculada da realidade,

desconexa, irreal, fictícia (CASTELLANI FILHO, 1998, p. 77).

Considerar estas concepções histórico-sociais da Educação Física escolar, seus

objetivos e especificidades postuladas no aparato legal, é dar visibilidade à dimensão

subjetiva presente nesse processo, valorizando a presença do sujeito na construção e

realização do trabalho com o jogo na Educação Física escolar. Desta forma, mesmo existindo

uma significação social do trabalho com o jogo pelo aparato legal e pelas tendências teórico-

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79

metodológicas da EF, ele será ressignificado e reelaborado pelo professor de Educação Física

escolar de maneira única e particular.

Voltando a discutir sobre as aulas de Educação Física nas primeiras séries do ensino

fundamental no sistema público paulista, é possível notar que no período de 1987 a 1995, há

uma vertiginosa diminuição do número de aulas de EF com o professor especialista para este

nível de ensino, até chegar a extingui-las. Primeiramente, com a Resolução SE nº 19 de 28 de

janeiro de 1987, as aulas de EF de 3ª. e 4ª. séries foram oferecidas, prioritariamente, para o

professor regente de classe, e na impossibilidade deste assumi-las, as aulas seriam ministradas

pelo professor especialista. Fato inusitado, uma vez que o professor regente era obrigado a

assumir as aulas, em decorrência do cumprimento da sua carga horária. Além disso, com o

Decreto 28.170 de 21 de janeiro de 1988, as aulas de EF para a 3ª e 4ª séries, ministradas pelo

professor regente de classe, foram reduzidas de 3 para 2 aulas/semanais, ficando sob a

responsabilidade do professor especialista somente as aulas de EF de 1ª e 2ª séries. Por fim,

com a Resolução nº 265 de 4 de dezembro de 1995, as aulas de EF de 1ª a 4ª séries ficaram

sob a responsabilidade dos professores regentes de classes, o que consequentemente gerou a

retirada do professor especialista deste nível de ensino, sob a justificativa de que o professor

regente de classe possui em sua formação inicial saberes necessários a sua prática docente, no

que se refere a esta área de conhecimento (Educação Física).

Assim, após esta breve retomada histórica da Educação Física, em que a concepção de

jogo está implicitamente presente, é possível notar que as perspectivas denominadas de

crítico-emancipatória (KUNZ, 1991) e a crítico-superadora (COLETIVO DE AUTORES,

1992) são as que demonstram contextualizar a Educação Física escolar de forma crítica e

reflexiva, com possibilidades de apresentar uma proposta de sistematização metodológica

com o jogo para as primeiras séries do ensino fundamental com vistas à transformação social.

Outro fato importante a ser destacado é que, apesar dos avanços no aparato legal e da busca

pela superação do paradigma da aptidão física pelas tendências teórico-metodológicas criticas

da Educação Física, o paradigma da aptidão física continua presente no aparato legal para as

primeiras séries do ensino fundamental e o professor regente não tem em sua formação inicial

reflexão sobre o que cabe à Educação Física escolar.

3.3. LDB - 9394/96

Em 20 de dezembro de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL,

1996), em seu Art. 26, inciso 3º, é garantida a obrigatoriedade da Educação Física escolar

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80

como componente curricular na Educação Básica. “A educação física, integrada à proposta

pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas

etárias e as condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.”

A Resolução SE nº 4, de 15 de janeiro de 1998, que dispõe sobre a progressão

continuada, a reorganização curricular e a distribuição do tempo escolar na Rede Estadual,

vem reafirmar que as aulas de Educação Física de 1ª e 2ª séries são de responsabilidade do

professor regente de classe e, em seu Art. 62, reafirma a formação de docentes para atuar nas

quatro primeiras séries do ensino fundamental, “far-se-á em nível superior, em curso de

licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,

admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas

quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade

Normal.” e o Decreto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999, em seu Art. 3º, inciso 3º, vem

reafirmar a formação do professor regente de classe, “Os cursos normais superiores deverão

necessariamente contemplar áreas de conteúdo metodológico, adequado à faixa etária dos

alunos da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, incluindo

metodologias de alfabetização e áreas de conteúdo disciplinar, qualquer que tenha sido a

formação prévia do aluno no ensino médio.”

Na rede pública estadual, as aulas de Educação Física de 1ª a 4ª séries voltaram a ser

ministradas pelo professor especialista no ano de 2003, por meio da Resolução SE nº 184, de

27 de dezembro de 2002, e da Lei nº 11.361, de 17 de março de 200. O professor regente de

classe seria um co-participante das aulas, sendo que, na ausência do professor especialista, as

aulas deveriam ser ministradas pelo professor regente de classe.

Ora, se a carga horária mínima exigida num curso de formação em Educação Física é

de 2.880 horas (BRASIL, 2002) e a carga horária mínima de formação para atuar na Educação

Básica é de 2.800 (BRASIL, 2004), como um professor de sala, com formação nos cursos de

pedagogia, vai dar conta de se apropriar desse conhecimento tão específico, que leva 2.880

para um professor de Educação Física se apropriar, e que, muitas vezes o próprio professor de

Educação Física encontra dificuldades em sua atuação pedagógica, no que se refere,

especificamente, ao trabalho com o jogo?

Por outro lado, além da necessidade de esta discussão levar em conta a carga horária

dos cursos de formação, os objetivos e interesses estabelecidos pela Secretaria de Educação

devem ser necessariamente considerados, a exemplo da valorização da “competência leitora e

escritora” como única linguagem, e, consequentemente, a desvalorização da expressão

corporal como linguagem.

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81

Em 1997, o MEC publica os Parâmetros Curriculares Nacionais, outro documento

orientador da prática pedagógica do professor de Educação Física escolar. Este documento

avança, no sentido de assumir que a cultura corporal é o movimento, no entanto, a proposta da

Educação Física é, ainda, centrada na ideia do movimento a partir das Ciências Biológicas.

Cabe ressaltar que ela propõe, mas não sistematiza. É possível perceber este movimento,

quando o referencial teórico que embasa a proposta é piagetiano. Traz a referência de

Vigotski, a partir da obra A formação social da mente, mas de uma forma muito superficial.

A pergunta que se faz é: com a incorporação dos estudos de Vigotski, como os professores

compreenderam a proposta? Nosso estudo não se propõe a responder esta questão, mas é

motivo de pesquisa muito pertinente para a área. Conforme destaca Silva (2002), os

professores não entenderam com profundidade a teoria construtivista que respaldava a

proposta curricular; faltou orientação adequada para a sua efetiva implantação por parte da

Secretaria Estadual de Educação e os professores pareciam atuar de forma inatista, o que não

efetivou de fato a proposta.

No entanto, o que podemos observar é que, novamente, há um ecletismo presente na

proposta. Num primeiro momento, a proposta traz em sua configuração o construtivismo,

segundo os estudos de Piaget, por meio de João Batista Freire, um referencial da concepção

de jogo para o professor de Educação Física para as primeiras séries do ensino fundamental

(Ciclo I) e, num segundo momento, com a publicação dos Parâmetros Curriculares pelo

Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Fundamental, por meio do MEC, incorpora

à sua proposta os estudos de Vigotski. Tal crítica nos leva a outros questionamentos: Qual o

teórico que é referencial do trabalho do professor? Piaget ou Vigotski? Como conciliar o jogo

nas aulas de Educação Física embasado pelo referencial teórico construtivista de João Batista

Freire ao método materialismo histórico dialético de Vigotski? De que forma os estudos de

Vigotski estariam sendo incorporados a uma possível prática diferenciada? Será que o jogo

presente na Educação Física tem no construtivismo sua base mais forte? Embora, este

trabalho não pretenda responder a estas questões, elas refletem certa significação na área, isto

é, há dificuldade de definição clara de objetivos, de uma diretriz no trabalho com o jogo nas

propostas curriculares de EF escolar para as primeiras séries do ensino fundamental, por parte

do aparato legal.

Outro fato a ser destacado é que, apesar de a proposta curricular construtivista

demonstrar um avanço para a Educação Física escolar, por tentar romper com “[...] os

conceitos de corpo e movimento – fundamentos de seu trabalho – aos seus aspectos

fisiológicos e técnicos.” (p. 25), ao incorporar, por meio dos estudos de Vigotski, “[...] as

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82

dimensões cultural, social, política e afetiva, presente no corpo vivo [...]” (p. 25), continua a

considerar as atividades lúdicas como “[...] subsídios para o cultivo de bons hábitos de

alimentação, higiene, e atividade corporal e para o desenvolvimento das potencialidades

corporais do individuo [...]” (p. 29-30), ou seja, continua presa aos mesmos pressupostos

anteriores.

Trata-se de uma tentativa de superação; no entanto, gera certa indefinição. Isso pode

ser exemplificado quando a proposta destaca que “O lazer e a disponibilidade de espaços

para atividades lúdicas são necessidades básicas e, por isso, direitos do cidadão.". Vigotski

segue os pressupostos teóricos do materialismo histórico e dialético postulado por Marx

(1818-1883) e Friederich Engles (1820-1895) e, segundo estes autores, os animais agem por

necessidades básicas e o ser humano, a partir do trabalho, age para produzir os meios de

satisfação de suas necessidades. Portanto, não há como conciliar uma teoria que contemple

que as atividades lúdicas são necessidades básicas e outra que contemple que nas brincadeiras

o ser humano age em função de produzir os meios para satisfação de suas necessidades.

O tópico intitulado “A Educação física como cultura corporal” explicita que os

instrumentos são gerados em função da fragilidade dos recursos biológicos e naturais e pela

escassez dos recursos biológicos os seres humanos produzem instrumentos para suprir essas

fragilidades, “[...] seja por razões “militares”, relativas ao domínio e uso de espaço, seja por

razões econômicas, que dizem respeito às tecnologias de caça, pesca e agricultura, seja por

razoes religiosas, que tangem aos rituais e festas ou por razões apenas lúdicas.” (p.26). Ao

explicitar que a criação desses instrumentos é apenas para “[...] tornarem os movimentos mais

eficazes [...]”, independente da razão que se busca, deixa de considerar que foi o próprio

processo da atividade de trabalho que fez com os seres humanos produzissem instrumentos e

meios de produção para satisfação de suas necessidades. A atividade de trabalho é uma

categoria importante nos estudos de Vigotski e fundamental para entender a diferença entre as

necessidades naturais dos animais e as necessidades dos seres humanos. Ao incorporar os

estudos de Vigotski, torna-se necessário reportar aos instrumentos como função mediadora

das relações sociais e neste sentido a categoria atividade deve ser explicitada e

consequentemente compreendida.

Para entender a concepção de respeito mútuo, por meio dos jogos, o documento segue

o caminho piagetiano:

No primeiro ciclo, em função da transição que se processa entre as

brincadeiras de caráter simbólico e individual para as brincadeiras sociais e

regradas, os jogos e as brincadeiras privilegiados serão aqueles cujas regras

forem mais simples. (BRASIL, 1997, p. 63)

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83

Como a evolução da atividade lúdica depende da experiência individual e natural do

próprio sujeito,

No segundo ciclo é de se esperar que os alunos já tenham incorporados a

rotina escolar, atuem com maior independência [...] já têm uma gama de

conhecimentos comum a todos, podem compreender as regras dos jogos com

mais clareza e têm mais autonomia para se organizar.” (BRASIL, 1997, p.

69)

No que se refere ao prazer gerado pela brincadeira, o documento limita-se a expor os

aspectos biológicos da brincadeira, aproximando-se das características da brincadeira dos

animais, em que eles agem por instinto e pelo simples prazer funcional de repetição do

exercício, sem levar em consideração a compreensão social e histórica da brincadeira. Essa

análise biológica foi feita primeiramente por Groos e depois por Piaget; os Parâmetros

Curriculares parecem seguir na mesma direção, quando defendem que

Elas (as situações lúdicas) incluem, simultaneamente, a possibilidade de

repetição para manutenção e por prazer funcional [...] Além disso, [...] as

questões de sociabilidade constituem motivação suficiente para que interesse

pela atividade seja mantido. (BRASIL, 1997, p. 36).

Nesse sentido, as brincadeiras tornam-se desinteressantes para as crianças quando não

representam “[...] nenhuma possibilidade funcional pela repetição e nenhuma motivação

relacionada à interação social.” (p. 36).

Ainda em relação ao prazer, o documento traz em seu tópico “Afetividade e estilo

pessoal” que os jogos e brincadeiras têm como características “[...] grau elevado de

excitação somática que o próprio movimento produz no corpo, [...] elevação de batimentos

cardíacos e de tônus muscular, a expectativa de prazer e satisfação, e a possibilidade de

gritar e comemorar [...”] (p. 37-38). Estas características evidenciam que as atividades

lúdicas são formas de extravasar sentimentos recalcados e não satisfeitos na vida real,

podendo ser repetidos e/ou resolvidos durante as brincadeiras. Elkonin (1998), defensor das

teses da Vigotski de que a brincadeira tem origem e desenvolvimento nas condições sociais e

históricas, segue em outra direção explicitando que homem e sociedade não são antagônicos,

um está em completa ligação com o outro, e que o jogo é uma das formas de mediar as

proibições impostas pela sociedade que impedem que sentimentos intensos sejam expressos

de forma direta. Com isso, enfatiza que a relação homem-sociedade é mediada.

Em relação à diferenciação entre os termos esporte, jogo e brincadeira, o documento

considera esporte como “[...] práticas em que são adotadas regras de caráter oficial e

competitivo, organizadas em federações regionais, nacionais e internacionais que

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84

regulamentam a atuação amadora e profissional.” (p. 48). Já em relação aos termos jogos e

brincadeiras, os PCN não fazem uma diferenciação entre os termos. Destaca a adaptação de

regras, materiais e espaços para sua realização e conceitua ambos como “[...] exercícios com

um caráter competitivo, cooperativo ou recreativo em situações festivas, comemorativas, de

confraternização ou ainda no cotidiano, como simples passatempo e diversão.” (p. 49).

Além disso, o documento define a brincadeira como estratégia, como um meio para

desenvolver o conteúdo “lutas”, a exemplo da brincadeira de cabo-de-guerra, que tanto pode

fazer parte do conteúdo jogo, como pode ser uma estratégia lúdica para desenvolver o

conteúdo “lutas”. Assim como o “esporte”, que pode ser considerado um jogo quando é

praticado na praia aos finais de semana, ou como luta, quando é, por exemplo, um jogo de

futebol praticado entre times cuja rivalidade é histórica. Com isso, as brincadeiras e jogos

podem ser considerados tanto como conteúdo quanto como estratégia de ensino.

No que se refere à formação de conceitos, o documento traz uma relação direta entre

os movimentos realizados com o corpo e a aprendizagem dos conceitos leve/pesado,

forte/fraco, rápido/lento, fluido/interrompido, intensidade, duração/direção, sendo

fundamental a discussão sobre a mediação social e pedagógica realizada para tal. O

documento em nenhum momento explicita o conceito de mediação, categoria fundamental

nos estudos de Vigotski.

O documento deixa claro em seus objetivos, conteúdos e avaliação, o

compartilhamento dentro da escola do repertório cultural trazido pelas crianças de fora da

escola, a adoção de atitudes cooperativas e de respeito mútuo, o estabelecimento de metas

corporais e a organização autônoma de jogos e brincadeiras, sem esclarecer o que se entende

por autonomia. Todos esses aspectos estão voltados à formação corporal do indivíduo e

somente no final do documento e de forma muito breve faz considerações sobre padrões de

beleza, saúde, estética e aspectos éticos trazidos pelos meios de comunicação, ponto

fundamental para a discussão e conscientização dos determinantes sociais e históricos que

permeiam a EF e o contexto social do qual os alunos fazem parte.

O que pretendemos, nesta breve descrição, é chamar a atenção para o fato de que o

trabalho com o jogo por parte do professor de Educação Física não se limita a seguir os

documentos oficiais e/ou as produções científicas produzidas e veiculadas na área sobre este

assunto, mas reúne múltiplas significações. Isto é, os professores de EF escolar trabalham

com o jogo de um modo único e particular, apropriam-se de significações que são coletivas,

mas, ao mesmo tempo, elaboram e reelaboram essas significações que são únicas e

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85

particulares de cada professor. Portanto, a dimensão subjetiva que envolve o trabalho com o

jogo na EF escolar vai além do simples aparato legal.

Diante deste quadro, é preciso investigar as significações coletivas e as significações

individuais, porque não basta apenas compreender a definição do jogo, seja para o professor

de classe ou para o professor de Educação Física, ou compreender a definição presente nos

documentos legais elaborados pela SEE/CENP/MEC, mas torna-se importante compreender

as significações de jogo que cada professor leva para sua prática profissional. Cada professor

carrega consigo as influências de teorias estudadas durante a formação, carrega o

conhecimento das Leis e documentos legais que regem sua prática, inclui suas experiências

pessoais, desde os motivos de escolha da profissão até suas vivências com o jogo e a EF e,

sem dúvida, muito outros aspectos que constituem sua individualidade. Quais elementos

estariam constituindo os sentidos dos professores sobre o jogo em EF? Como (re) elaboram as

significações “oficiais”, presentes em documentos e leis? E, por fim, que resultado estas

significações têm em suas práticas profissionais? Sabemos que as realidades individuais são

inúmeras e não se formulará aqui uma lei sobre os aspectos que constituem os sentidos, mas o

importante é dar visibilidade a esta dimensão; uma dimensão do sujeito. As práticas em EF e

a inserção do jogo nelas estão constituídas também pelas significações que os profissionais (e

outros agentes, mas aqui nos interessa o professor) trazem para a aula. A equipe gestora, o

legislador, o teórico, o pesquisador e o formador precisam considerar esta importante

dimensão: a dimensão subjetiva da realidade.

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86

Capítulo 4. A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo na Educação Física

escolar: pressupostos teórico-metodológicos da psicologia Sócio-histórica

Denominamos de Sócio-histórica a perspectiva da psicologia advinda das ciências

sociais e humanas que defende todas as formas de desenvolvimento como dependentes das

condições sociais e históricas. É uma abordagem recente e ao mesmo tempo revolucionária,

desenvolvida a partir dos princípios do materialismo histórico e dialético postulados por Marx

e Engels e dos estudos da psicologia histórico-cultural de Vigotski e seus colaboradores

(LEONTIEV, 2004, LURIA, 1978/199128

e ELKONIN, 1998). Esta perspectiva conta com os

estudos de um grupo de pesquisadores brasileiros (AGUIAR E OZELLA, 2006;

GONÇALVES e BOCK, 2009; GONZÁLEZ REY, 2005 e PINO, 1995, entre outros); tem

como sua maior mentora a professora Silvia Lane, que partindo das ideias desses pensadores

russos procurou desenvolvê-las de acordo com as exigências e condições de nossa realidade

brasileira. Portanto, este trabalho, além de contar com as ideias dos pensadores russos, da

psicologia soviética histórico-cultural, também conta com os estudos de autores da psicologia

sócio-histórica (AGUIAR E OZELLA, 2006; GONÇALVES e BOCK, 2009) e, ainda, traz

alguns estudiosos do jogo que têm contribuído para pensar este fenômeno no âmbito

educacional (a exemplo de Broguère, 2005) e no âmbito da Educação Física (PETERS, 2000),

a partir de uma perspectiva crítica e transformadora.

Segundo Wertsch (1988), Vygotsky defende que estudar certo fenômeno implica

considerar as transformações que este tem sofrido ao longo dos anos, assim como os

diferentes fatores que afetam seu desenvolvimento. Assim, a historicidade, que tem como

base a contradição, a unidade dos contrários e a negação pela negação, são aspectos

fundamentais a serem considerados, pois representam a ideia de que “(...) o homem é um ser

de natureza social, que tudo o que tem de humano nele provém da sua vida em sociedade, no

seio da cultura criada pela humanidade.” (LEONTIEV, 2004, p. 261). Nas palavras de Marx

e Engels (1980, p. 26), “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina

a consciência.”. Está é a hipótese mais importante deixada por Vigotski aos seus seguidores,

“[...] o histórico e o sistêmico na investigação dos problemas da psicologia, conforme os

princípios estão estruturados em quase todas as investigações teóricas e experimentais.”.

(ELKONIN, 1998, p. 387).

28

1ª edição/edição consultada.

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87

A grande superação de Vigotski, que apesar de ter vivido num país diferente do nosso,

num momento histórico peculiar, residia em lutar por uma sociedade igualitária e humanista,

contra as relações burguesas e de opressão.

Esta superação no âmbito da Educação Física pode ser traduzida na luta e recusa a

qualquer tipo de opressão, seja em relação ao corpo, por meio de práticas corporais destinadas

à mecanização e racionalização dos movimentos, ou pela prática descontextualizada que

privilegia o “fazer por fazer”, sem levar em consideração “para que fazer”.

A preocupação com o papel social da Educação Física Escolar, no sentido de

contribuir para a transformação da sociedade e recusa a qualquer tipo de opressão, foi o que

nos levou a buscar perspectivas mais críticas para compreender a EF escolar dentro de um

projeto amplo de sociedade. É fundamental compreender a concepção de homem-sociedade, e

algumas categorias29

que contribuem para superar visões dicotômicas e naturalizantes e que,

portanto, ajudam-nos a compreender o fenômeno estudado, situando-o historicamente, no

nosso caso, o trabalho com o jogo na Educação Física escolar.

Assim, partimos de algumas teorizações que nos pareceram compatíveis com os

pressupostos da Psicologia Sócio-histórica e caminhamos para a realidade, dialogando com

professores de EF de uma rede estadual de ensino, relacionando estes campos como fontes de

informação capazes de nos permitir atingir o objetivo da pesquisa. Neste sentido, este capítulo

propõe a reflexão sobre alguns pressupostos básicos da psicologia Sócio-histórica. São eles: a

concepção de homem-sociedade; a origem da consciência se dá na e pela atividade; as

relações sociais são mediadas; a concepção pensamento/fala; a concepção

aprendizagem/desenvolvimento; além das discussões a respeito de Significados e sentidos,

Subjetividade e Dimensão subjetiva.

4.1. Concepção de homem-sociedade

Vygotsky (1996), em O significado histórico da Crise da Psicologia, critica as

perspectivas reducionistas e idealistas que vigoravam em meados do século XIX, que

polarizavam a relação entre sujeito-objeto e entre interno-externo. De um lado a perspectiva

subjetivista e, de outro, a perspectiva objetivista.

29

Segundo Aguiar (2009ª, p. 95), as categorias “São construções ideais (no plano das ideias) que representam a

realidade concreta e, como tais, carregam o movimento do fenômeno estudado, suas contradições e sua

historicidade.”, o que permite estudar o fenômeno em sua totalidade.

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88

Na perspectiva filosófica objetivista – que tem como exemplos o empirismo, o

materialismo e o positivismo, referências que destacam que a verdade está na experiência ou

no objeto, cujo método para conhecimento da verdade está baseado nos órgãos dos sentidos –

o homem é considerado reflexo da sociedade e se ignora que esse sujeito tenha a possibilidade

de produzir o novo no social; isto é, concebe o ser humano como determinado pelos

condicionantes advindos do social.

Na perspectiva filosófica subjetivista – cujos exemplos são o racionalismo, idealismo e

inatismo, referências que destacam que a verdade está no mundo das ideias – o homem é

entendido a partir da estrutura pré-determinada; isto é, o homem é dotado de ideias inatas e já

traz consigo marcas e características que vão se desenvolvendo ao longo do tempo,

independente das relações humanas.

Ambas as perspectivas polarizam o externo-interno, o objeto-sujeito, o individual-

social e a consciência-realidade; desconsideram a natureza social do sujeito e reconhecem a

limitação das possibilidades humanas, considerando a relação homem-sociedade de forma

isolada. Estas perspectivas tendem a conceber o sujeito, o mundo e os fenômenos sociais de

forma individualista e pragmática, desvinculando-os dos determinantes sociais, históricos e

políticos que constituem o ser humano como sujeito.

Vigotski (1962/1984) supera essas perspectivas reducionistas, dicotômicas e idealistas,

que são baseadas na ideia de natureza humana30

, ao abordar a importância de um método

materialista histórico e dialético, com o objetivo de compreender a complexidade do ser

humano e como essas relações são entrelaçadas e constituídas. Segundo Wertsch (1988),

Vygotsky defende que estudar certo fenômeno implica considerar as transformações que este

tem sofrido ao longo dos anos, assim como os diferentes fatores que afetam seu

desenvolvimento. Assim, a historicidade, que tem como base a contradição, a unidade dos

contrários e a negação pela negação, é um aspecto fundamental a ser considerado, pois

representa a ideia de que “(...) o homem é um ser de natureza social, que tudo o que tem de

humano nele provém da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade.”

(LEONTIEV, 2004, p. 261). Nas palavras de Marx e Engels (1980, p. 26), “Não é a

consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.”. Esta é a

hipótese mais importante deixada por Vigotski aos seus seguidores, “[...] o histórico e o

sistêmico na investigação dos problemas da psicologia, conforme os princípios estão

30

Bock (1999), com base na obra de Vigotski, afirma que não existe natureza humana, destacando que essa ideia

concebe os fenômenos humanos e sociais de forma neutra, explicados por leis objetivas, considerando a vontade

como a única responsável pelo desenvolvimento do homem e da humanidade. A autora defende a ideia de

condição humana, que concebe o homem provido do contexto social e histórico que o rodeia.

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89

estruturados em quase todas as investigações teóricas e experimentais.” (ELKONIN, 1998,

p. 387).

Nesse sentido, o homem, segundo os pressupostos da psicologia sócio-histórica, é um

ser social, que se constitui na relação com o “outro” 31

, por meio de um processo histórico,

processo em que o homem é social e histórico e, ao mesmo tempo, singular. Age sobre o

mundo, transformando-o externamente e apropriando-se da realidade social, e também é por

ela modificado internamente; tal fenômeno é denominado por Vigotski de “Processo de

Revolução”.

Assim, a relação homem-sociedade é complexa e rica; nela o sujeito é determinado

pelo social e, ao mesmo tempo, capaz de produzir o novo; sua atividade psíquica não se

constitui no social, mas estrutura-se a partir dele. O ser humano não é simplesmente social,

mas é, ao mesmo tempo, único, singular e histórico. Além disto, o social é, exatamente, a

construção a partir das relações vividas pelos indivíduos, sócios. Assim, vida coletiva e vida

individual são âmbitos de um mesmo processo e estão relacionadas de modo indissociável.

Além disso, Vigotski (1962/1984) destaca que os processos psicológicos humanos são

complexos e não podem ser explicados por meio de postulações de elementos básicos da

consciência, como são explicados os processos psicológicos simples, tais como os processos

elementares sensoriais e perceptuais, e nem pelas teorias de estímulo-resposta. Além disso,

Vigotski afirma que todo fenômeno tem sua história, caracterizada por mudanças na forma, na

estrutura e nas características básicas, assim como é permeado por mudanças quantitativas.

Portanto, mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças na

consciência e no modo como o sujeito atua na sociedade.

4.2. Atividade

Segundo Vigotski (1962/1984), a apropriação do mundo cultural estabelece-se na e

pela atividade, numa relação dialética entre a dimensão subjetiva e dimensão objetiva do

mundo material.

Luria (1978/1991) afirma que o homem é um ser de natureza social, que tudo o que ele

é parte da sua vida em sociedade, num movimento dinâmico entre a apropriação do social e a

31

A palavra outro tem sentido amplo para Vigotski, podendo ser a própria cultura.

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produção da cultura da humanidade. Além disso, o autor defende a diferença entre o

desenvolvimento do homem e do animal.

Essa diferença entre o homem e o animal não era considerada nos estudos de Darwin.

Por volta de 1860, as perspectivas argumentavam que o homem era a continuidade do

macaco. Darwin defendia a ideia de que o homem é a evolução do animal, tendo no animal a

base do desenvolvimento do homem.

Imediatamente vieram os argumentos que defendem a contradição dessa relação, tanto

no aspecto ontogenético, como no filogenético. Luria (1978/1991) critica os estudos de

Darwin e as teorias que se pautam nas leis divinas, assim como teses pseudobiológicas

reacionárias e racistas que não levam em consideração as determinações sociais e históricas

no desenvolvimento do homem.

O autor contrapõe a ideia de Darwin de que o homem é procedente do animal e postula

que o desenvolvimento humano é diferente do desenvolvimento animal, em função de a vida

em sociedade ser organizada com base no trabalho, não sendo mais possível afirmar que o

homem é subordinado às leis biológicas, afinal, sua atividade é submetida às leis social e

histórica.

Segundo a teoria da evolução de Darwin, o homem passa por estágios, iniciando com

“o homem-animal” denominado australopitecos, não considerado como homem, na acepção

da palavra, por utilizar utensílios disponíveis na natureza, sem fazer qualquer modificação

para seu consumo e comunicar-se por meios rudimentares. O segundo estágio vai do homem

Pitecantropo ao homem Neanderthal, quando inicia a produção de instrumentos para

utilização no trabalho em sociedade, no entanto, ainda, sua formação era submetida segundo

as leis biológicas, ou seja, transmitida por hereditariedade de geração em geração.

Já Leontiev (2004) defende que desde os primórdios da civilização o homem teve

necessidade de formas de organização de trabalho coletivo e de comunicação; apareceram

formas novas de desenvolvimento, a exemplo da linguagem, produzindo reestruturação das

funções psicológicas superiores, dos órgãos dos sentidos. Desta, forma, o desenvolvimento

biológico torna-se submetido ao desenvolvimento da produção. Considerando-se que a

produção exige comunicação e formas de organizar-se em grupo, é possível afirmar que o

desenvolvimento do homem é um processo de dupla determinação, regido pelas leis

biológicas e pelas leis sócio-históricas.

Luria (1978/1991) questiona que o desenvolvimento do homem é determinado pelas

leis biológicas, adaptando-se biologicamente às condições e às necessidades da produção.

Defende que o desenvolvimento do homem liberta-se das leis biológicas determinantes e

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91

limitadas, seguindo um caminho que é diferente do desenvolvimento do animal, podendo

notar as mudanças nas condições de vida dos nossos antepassados. É a necessidade que o

homem tem de se comunicar com o outro para desenvolver atividades produtivas que

impulsiona, inicialmente, o desenvolvimento dos processos superiores. O desenvolvimento

do homem, segundo Luria (1978/1991), é determinado por leis sociais e históricas.

No entanto, isso não significa desconsiderar as leis biológicas que regem o

desenvolvimento humano, mas, sim, dizer que as leis biológicas não determinam o

desenvolvimento sócio-histórico do homem e da humanidade.

Por sua vez, Leontiev (2004) afirma que o trabalho é a atividade humana responsável

pela fixação e transmissão do conhecimento acumulado por gerações, isto é, o

desenvolvimento do homem passa de geração em geração, não transmitida pelas leis

biológicas, mas por meio do trabalho, modificando-se em função das suas necessidades, por

meio das produções de objetos, instrumentos e máquinas complexas. Esses progressos são

acompanhados pelo desenvolvimento da cultura, desenvolvendo e enriquecendo a ciência e a

arte.

O autor destaca que as habilidades dos homens cristalizam-se na cultura e, ao produzir

instrumentos cada vez mais eficientes, o homem produz cultura, transmitindo suas aquisições

de geração em geração, marcando um novo grau do desenvolvimento histórico, encarnado

pelas gerações precedentes, a exemplo das habilidades motoras, da aprendizagem da língua,

do desenvolvimento do pensamento ou da aquisição do saber.

Portanto, o desenvolvimento humano está totalmente atrelado ao contato com outros

humanos, à apropriação da cultura, às formas de organização do trabalho social e coletivo, à

aquisição da linguagem, sem os quais não seria possível a hominização; ou seja, as relações

sociais permitem ao homem o desenvolvimento e a possibilidade de tornar-se humano,

diferenciando-se do nível de desenvolvimento dos animais, o qual é transmitido estritamente

por hereditariedade biológica.

O homem nasce com o aparato biológico potencial para tornar-se humano, mas isso

não é suficiente para viver em sociedade; é necessário adquirir conhecimentos que estão

cristalizados na cultura da sociedade humana, aprendendo a ser homem com outros homens.

Adensando essa discussão, Vigotski (1962/1984) destaca a função mediadora dos

instrumentos que são produzidos pelo homem e revelam traços essenciais da atividade

encarnada e acumulada durante gerações. Destaca que a apropriação desses instrumentos

confere à atividade a maneira como os homens desenvolvem-se historicamente.

Page 93: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

92

O autor destaca que os instrumentos produzidos pelo homem atendem a suas

necessidades durante a organização do trabalho coletivo e são meios pelos quais o homem

transforma a natureza e, ao fazê-lo, transforma a si próprio. Além disso, o autor distingue os

instrumentos humanos dos “instrumentos” dos animais, em função dos primeiros serem

nomeados, empregados em operações futuras e servirem como modelos para a produção de

novos instrumentos, de acordo com suas necessidades, reestruturando suas habilidades, seu

pensamento e suas funções psicológicas superiores, enquanto que os animais adaptam-se ao

desenvolvimento da sua natureza. Portanto, é possível afirmar que o desenvolvimento do

homem se dá na aquisição da cultura, na e pela atividade humana mediada pela linguagem e

não pelas leis da hereditariedade.

Para Pino (1995), a atividade humana é marcada por dois tipos de instrumentos, os

técnicos e os semânticos. Os instrumentos técnicos são aqueles que o homem produz com a

intenção de agir sobre a natureza modificando-a a serviço do seu próprio bem-estar; os

instrumentos semânticos são aqueles considerados como sistema de signos, em que a

linguagem é o principal signo social cujas funções são: organizar o pensamento e comunicar-

se com outras pessoas.

Ao destacar a linguagem como signo social fundamental na constituição do sujeito, os

estudos pautados na abordagem sócio-histórica reafirmam que essa característica não é fruto

de uma estrutura genética que o homem traz consigo ao nascer. É sim um processo que

desenvolve a partir das relações físicas, sociais e históricas que o sujeito terá com o mundo,

sendo um produto da atividade mental da individuo que inicia nos primeiros anos de vida, a

partir do contato com o meio social e se prolonga durante toda a vida.

4.3. Mediação

Mediação é uma das categorias que nos ajudam a compreender o processo de

constituição do sujeito, com seu desenvolvimento mediado pela linguagem, a qual possibilita

ao homem a comunicação entre as pessoas e a interação com o mundo a sua volta. A

mediação assume, juntamente com a aprendizagem, papel fundamental na transmissão dos

conhecimentos social e histórico da humanidade.

Segundo Molon (2003) e Aguiar e Ozella (2006), ao olharmos para a realidade pela

ótica da categoria mediação, podemos explicitar que uma relação que parecia ser direta, a

exemplo da relação professor-aluno, criança-sociedade, na realidade é constituída por uma

multiplicidade de elementos. Não são constituídas por uma relação causal, mas se constituem

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93

mutuamente, sem perderem sua singularidade/identidade. Neste movimento de determinação,

muitos outros elementos surgem como constitutivos e permitem uma visão mais crítica e

menos superficial dos fenômenos.

Para Vigotski (1962/1984), a atividade humana é mediada por dois tipos de

instrumentos: os físicos e os simbólicos. Os instrumentos físicos são aqueles que o homem

produz com a intenção de agir sobre a natureza, modificando-a a serviço do seu próprio bem-

estar. Os instrumentos simbólicos são signos que possuem um significado e remetem “a algo

situado fora de si mesmo” (AGUIAR, 2009, p. 101), representam outros objetos, eventos ou

situações. Cabe ressaltar que os signos são internamente orientados, não mudam a realidade,

são representantes da realidade na consciência. Um dos principais signos sociais é a

linguagem, cujas funções são organizar o pensamento e permitir a comunicação entre as

pessoas.

Ao destacar a linguagem como signo social fundamental na constituição do sujeito, os

estudos pautados na abordagem sócio-histórica reafirmam essa característica como

manifestação de um processo desenvolvido a partir das relações sociais e históricas mediadas.

Portanto, não se desenvolve na interação social direta e imediata com o meio ambiente, como

fruto de uma estrutura genética, que o homem traz consigo ao nascer. Interessante ressaltar

que o processo de constituição do sujeito inicia-se nos primeiros anos de vida, a partir do

contato com o meio social, e prossegue durante toda a vida.

Portanto, o desenvolvimento (VIGOTSKI, 1984) é mediado pelos instrumentos e pelos

signos. Quando se trata de crianças muito pequenas (bebês) o objeto brinquedo (instrumento

físico) orienta o que a criança tem que fazer; já com a situação imaginária (instrumento

simbólico), os objetos perdem sua força determinante e as ações são também orientadas por

novos sentidos. Disso deriva a importância da intervenção do adulto na brincadeira, para que

o processo de desenvolvimento aconteça, dado que não é um processo natural que depende

exclusivamente do desenvolvimento interno da criança, e sim é um processo que depende da

mediação e da intervenção do adulto nesta relação.

Nesse sentido, o brincar é mediado por relações sociais cotidianas estabelecidas no

contexto escolar. É uma atividade fundamental, pois contém instrumentos físicos e

simbólicos, com possibilidades de humanização. Segundo Rocha (1994), na mediação

cotidiana a relação social não é solitária, o outro tem papel fundamental no processo de

apropriação do mundo, da história produzida pela humanidade. Já na mediação pedagógica, o

professor é reconhecido social e oficialmente como “o outro” no processo desta apropriação.

Portanto, há de se considerar os valores, as regras, as atitudes presentes na prática pedagógica

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do professor, uma vez que esta é carregada de significados, faz uso de instrumentos (físicos e

simbólicos) e, a depender da maneira como o professor atua, tanto pode promover o

desenvolvimento como pode inibi-lo.

4.4. Concepção aprendizagem-desenvolvimento

No que se refere à relação entre aprendizagem-desenvolvimento, a perspectiva sócio-

histórica permite olhar para essa relação de uma maneira mais ampla. Ou seja, quando os

sujeitos estão em relação, eles têm a oportunidade de entrar em contato e se apropriarem do

acervo cultural produzido pela humanidade ao longo dos anos, que é disponibilizado na

sociedade e apropriado pelos indivíduos nas atividades.

Os instrumentos e signos, que são partes deste acervo, não são neutros; ou seja,

carregam significações que são transmitidas por meio das relações/atividades que os

indivíduos estabelecem entre si. Eles são nomeados, possuem uma finalidade e é nas relações

entre os sujeitos que esse conhecimento é transmitido e apropriado. Interessante ressaltar que

o conhecimento não se finda com a transmissão e recepção, há um processo dialético, ou seja,

ao mesmo tempo em que ocorre a transmissão, o processo de apropriação não é passivo,

sendo o conteúdo reorganizado pelo sujeito a partir das suas experiências anteriores e de sua

própria subjetividade32

. O sujeito significa, constituindo um sentido pessoal. Há uma

transformação conjunta, ao mesmo tempo em que geram e produzem cultura, constituem-se

como sujeitos no processo dessa apropriação.

Segundo Vigotski (1962/1984), o desenvolvimento das funções psicológicas depende

necessariamente das relações sociais estabelecidas entre os sujeitos, mediadas por

instrumentos e signos, em que a linguagem é o sistema de signos mais importante.

Ao destacar o papel do outro no processo de constituição do sujeito, Vigotski

(1962/1984) destaca a aprendizagem como processo de apropriação da cultura e como

impulsionadora do desenvolvimento.

Diferentemente de outras abordagens, o desenvolvimento para Vigotski (1962/1984)

não é um processo biológico maturacional, que ocorre de maneira natural, gradual e linear,

como se fosse uma evolução das capacidades inatas, dadas desde o nascimento.

Ao contrário, Vigotski (1962/1984, p.83) concebe o desenvolvimento humano como

“um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no

32

Essa capacidade do sujeito em apropriar-se do conhecimento transmitido e de reorganizá-lo a sua própria

maneira é denominado de internalização.

Page 96: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

95

desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma

forma em outra”.

Ao compreender o desenvolvimento como de natureza social, Vigotski (1962/1984)

traz uma nova significação para a relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Para o

pensador russo, a aprendizagem interfere no desenvolvimento; embora sejam processos

diferentes, eles não podem ser entendidos separadamente, pois para a criança aprender não

precisa que ela esteja em seu nível de “maturação ideal”, uma vez que a aprendizagem

impulsiona o desenvolvimento, mudando sua direção.

O autor destaca que as pesquisas educacionais que partem do pressuposto que

aprendizagem e desenvolvimento são processos separados são, por sua vez, abordagens

teórico-metodológicas que concebem o desenvolvimento como um processo psicológico

individual, intrínseco ao sujeito, desconsiderando os determinantes sociais e históricos que o

constituem.

No momento em que essas teorias definem que a aprendizagem deve respeitar o nível

de desenvolvimento do indivíduo, excluem a possibilidade de a criança avançar no seu

desenvolvimento, desacredita da possibilidade de produzir o novo pelo sujeito e da

intervenção pedagógica por parte do professor, enquanto mediador do conhecimento.

Segundo as abordagens inatistas, o professor deve esperar a criança atingir um nível de

maturação ideal de suas funções psíquicas para que possa incluir novos conhecimentos,

evitando que a aprendizagem antecipe ao desenvolvimento, sendo por ele subordinada. Nessa

perspectiva, o papel do professor “naturaliza-se”, respeita o desenvolvimento em que a

criança se encontra e não tem como objetivo intervir em seu curso normal.

Ao superar as perspectivas inatistas, que entendem o desenvolvimento determinante da

aprendizagem e as perspectivas ambientalistas que consideram desenvolvimento e

aprendizagem como sinônimos, a perspectiva sócio-histórica considera a aprendizagem como

elemento necessário no processo de apropriação da cultura e de constituição do sujeito,

gerando, desta forma, desenvolvimento.

O conceito definido por Vigotski (1962/1984) de Zona de Desenvolvimento Próximo

oferece uma outra perspectiva para a compreensão da relação entre aprendizagem-

desenvolvimento. O autor afirma que o nível de desenvolvimento tem completa relação com a

capacidade potencial de aprendizagem.

Vigotski (1962/1984) atribuiu o conceito de zona de desenvolvimento proximal, aos

processos imaturos que estão em vias de se desenvolverem. Em outras palavras, são as tarefas

que a criança consegue realizar com a ajuda do outro. O conceito de nível de desenvolvimento

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96

real são as tarefas que a criança consegue realizar por si mesma, sozinha, de forma autônoma

e independente, sem ajuda de outras pessoas. O conceito de nível de desenvolvimento

potencial se refere às tarefas que a criança será capaz de desenvolver, isto é, a criança será

capaz de apropriar-se da forma prospectiva de desenvolvimento, justamente pela interação

com o adulto. A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de

desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. Um espaço metafórico

designado pela distância entre aquilo que o indivíduo já consegue realizar sozinho e aquilo

que ele tem condições de realizar futuramente sozinho, por estar ainda em construção, mas

que consegue antecipar sua realização sob a orientação de um adulto ou em colaboração com

companheiros mais experientes. Conforme pontuado por Vigotski (1984), a zona de

desenvolvimento próximo

permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de

desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que foi atingido

através do desenvolvimento, como também aquilo que está em processo de

maturação (VIGOTSKI, 1984, p.98).

Em síntese, o conceito de zona de desenvolvimento proximal é um constructo

postulado por Vigotski (1962/1984), criado para explicar a relação entre o individual e o

social, entre o que já está consolidado e o que pode avançar em seu desenvolvimento;

capacidades humanas que estão postas, mas que só serão desenvolvidas quando os sujeitos

estiverem inseridos nas atividades socialmente compartilhadas com o outro.

Vigotski (1962/1984) compreende que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento,

cria a Zona de Desenvolvimento Próximo e desperta vários processos internos de

desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança relaciona-se com

outras pessoas num ambiente interativo.

4.5. Concepção de pensamento/fala

Outra categoria trabalhada na perspectiva sócio-histórica é a relação entre

pensamento-fala. Segundo Vigotski (2000), o pensamento e a fala possuem raízes genéticas

diferentes e independentes; inicialmente se constata um pensamento pré-verbal e uma

linguagem pré-intelectual, em que pensamento e linguagem seguem trajetórias diferentes;

mas, no momento em que elas são unificadas, não se separam jamais, desenvolvendo-se

mutuamente como um processo (mediado) pensamento-linguagem, em que ao mesmo tempo

o pensamento se torna verbal e a linguagem se torna intelectual/racional.

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97

Portanto, inicialmente, o desenvolvimento do pensamento é pré-verbal e as ações da

criança, antes de dominar a linguagem, são direcionadas à manipulação direta, em que há uma

predominância da percepção-visual e a criança utiliza a inteligência prática para resolver

problemas do dia a dia.

Ao desenvolver a fala, a criança consegue pensar nos objetos, designá-los e atribuir-

lhes significados sem necessariamente a presença desses; ela fala sobre eles, momento em

que suas ações podem surgir das ideias e não das coisas, a exemplo de um cabo de vassoura

tornar-se um cavalo. Embora a criança não precise do cavalo real para pensar num cavalo, ela

o faz por meio da função simbólica, em que o cabo de vassoura está no lugar do cavalo real,

agindo como se fosse um pivô, permitindo pensar no objeto real.

A partir disso, suas ações são baseadas em significados, operando por meio do

pensamento abstrato, momento em que a criança vê o cavalo por trás da palavra cabo de

vassoura, sendo a situação imaginária o meio pelo qual a criança desenvolve o pensamento

abstrato.

A relação pensamento/fala se dá a partir da relação sujeito/mundo, mediada por

processos significados. Segundo pontuado por Aguiar e Ozella (2006, p. 226), “ao mesmo

tempo em que um elemento não se confunde com o outro, não poder ser compreendido sem o

outro, onde um constitui o outro.”.

Além disso, a fala possibilita o contato do homem com o mundo e a apropriação da

realidade social, revelando e constituindo seu pensamento. Ao mesmo tempo, a linguagem é

um processo externo, capaz de apropriar-se da realidade social, assim como é um processo

interno, constituindo a própria consciência humana e revelando seu pensamento. Portanto, é a

necessidade de comunicação entre as pessoas durante as atividades de trabalho que

desenvolve a relação entre pensamento/fala, transforma as funções elementares em funções

superiores.

4.6. Significados e sentidos

Os sentidos e significados são categorias que expressam as construções de significação

dos sujeitos e permitem compreender os aspectos que compõem e fazem parte do fenômeno

existente na realidade; no nosso caso, o trabalho com o jogo na Educação Física escolar.

Os significados, seguindo Vigotski, são produzidos pela sociedade e permitem a

comunicação e a socialização das experiências. Segundo Aguiar (2006, p. 14), os significados

são “conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos

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[...] embora sejam mais estáveis, „dicionarizados‟, eles também se transformam no

movimento histórico”.

Portanto, os significados são produções históricas e sociais e, embora mais fixos e

compartilhados pelos sujeitos, possuem dinamicidade. Essa dinamicidade se dá na relação

interior/exterior e na relação pensamento/linguagem, em função da transformação histórica do

pensamento. Nesse sentido, o pensamento é reestruturado e modificado conforme atuação do

sujeito em seus diferentes espaços sociais, em que o ser humano se apropria dos conteúdos

instituídos e veiculados nas relações sociais, e os interpreta a partir dos sentidos.

Os sentidos são expressões subjetivas, que vão além do discurso, que contém mais do

que realmente o sujeito produz diante da realidade. Segundo Vigotski (2000), a categoria

sentido

é uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de

estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas de sentido que

a palavra adquire no contexto do discurso e, ademais, uma zona mais estável,

uniforme e exata (VIGOTSKI, 2000, p. 465).

Conforme pontuado por González Rey (2003), o sentido subverte o significado, em

função da possibilidade de produzir o novo, submetendo a outra lógica, que compõe, mobiliza

e reformula os significados, podendo não ser expresso imediatamente, constituindo-se mesmo

assim em expressão do sujeito – em atividade.

4.7. Dimensão Subjetiva

Dimensão Subjetiva é um construto teórico que tem sido utilizado por vários autores

da Psicologia Sócio-histórica (GONÇALVES e BOCK, 2009) para fazer referência à presença

da subjetividade como aspecto ou característica da realidade objetiva. Os autores baseiam-se

no pressuposto de que a subjetividade não existe somente no âmbito individual, mas existe

também no âmbito das relações sociais, como uma subjetividade coletiva. Entende-se por

dimensão subjetiva os aspectos da realidade que são decorrentes da presença de sujeitos.

A dimensão subjetiva pode ser identificada a partir de aspectos psicológicos já

conhecidos e reconhecidos por outras teorizações e se refere à forma como os sujeitos

registram o mundo que os cerca e no qual atuam e se relacionam. São sentimentos, ideias,

valores, imagens, pensamentos, registros de memória, planos de ação; enfim, são aspectos

psicológicos que estão no âmbito do sujeito e para além dele, no âmbito das relações sociais e

da produção coletiva.

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Desta perspectiva, todos os fenômenos culturais e sociais existentes a partir da

presença e produção dos sujeitos possuem uma dimensão que é dos sujeitos que os

constituem.

A subjetividade deixa de ser um aspecto que se contrapõe à objetividade; deixa de ser

o interno em oposição ao externo que é coletivo, para constituir como uma nova possibilidade

de leitura do mundo.

O termo subjetividade, no campo da Teoria Sócio-histórica, apresentado por Aguiar e

Ozella (2006), é uma categoria que vem romper com a noção dicotômica da relação

social/individual, para ser concebida como fenômeno dialético, que articula os registros

coletivos, constituídos pelos sujeitos no âmbito das relações sociais com os registros e

construções no âmbito individual, do sujeito.

Segundo González Rey (2005, p. 50), a subjetividade não é um fenômeno puramente

intrapsíquico, “tem um status ontológico diferenciado para especificar os fenômenos

psíquicos humanos, status que nos permite marcar a passagem da psique natural para psique

histórico-social”.

Assim, as duas categorias: sentido e significados, citadas acima, são então postas

como ferramentas para analisarmos a dimensão subjetiva (subjetividade) dos fenômenos

sociais.

Assim, quando falamos em estudar a dimensão subjetiva de um fenômeno social,

estamos buscando oferecer visibilidade à presença do sujeito (e, portanto, de subjetividades)

como parte integrante e constituinte dos fenômenos, ou seja, estamos buscando uma

aproximação dos sentidos e significados que compõem um fenômeno social.

Segundo Gonçalves e Bock (2009), podemos falar de dimensão subjetiva

(subjetividade) quando olhamos a realidade e entendemos que a relação entre objetivo-

subjetivo é dialética, despojada de dicotomia. Nas palavras das autoras, dimensão subjetiva da

realidade são “construções individuais e coletivas, que se imbricam, em um processo de

constituição mútua e que resultam em determinados produtos que podem ser reconhecidos

como subjetivos.” (GONÇALVES e BOCK, 2009, p 143). Se quisermos olhar a realidade e os

fenômenos presentes nela, temos que ter uma visão desnaturalizante; sabendo que essa

realidade e esses fenômenos não são naturais, eles estão presentes na realidade e são

complexos, incluem aspectos.

Nosso estudo tomou a Educação Física como disciplina e atividade escolar e buscou

dar visibilidade a aspectos subjetivos que a compõem, ou seja, há sujeitos constituindo e

desenvolvendo o que chamamos, às vezes, tão simplesmente, de disciplina ou atividade de

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Educação Física. Portanto, ela não se constitui apenas de técnicas ou diretrizes que as leis ou

documentos oferecem; ela não é apenas um fazer ou um trabalho; ela não é somente uma

disciplina que compõe o conjunto curricular das escolas. Ela carrega um conjunto de

significações que estão objetivadas em seus textos e, para além disto, há os sentidos que são

constituídos por todos os agentes (professores, alunos e outros) no momento em que é

realizada como EF, disciplina e atividade. Nosso estudo destacou um aspecto das

significações: a significação do jogo.

A compreensão do fenômeno deve se dar pela articulação entre as várias dimensões e

características dele. Importam em nosso estudo as leis, as diretrizes, os parâmetros, enfim os

documentos oficiais que orientam a prática da Educação Física como disciplina escolar. Mas é

importante notar que estamos falando de um único processo; ou seja, o fenômeno da

Educação Física é constituído a partir da construção de regras, orientações oficiais e práticas

coletivas, assim como por significações que vão sendo constituídas pelos sujeitos que o

produzem historicamente.

A noção de dimensão subjetiva aqui apresentada possibilita romper com essa noção

dicotômica da relação social/individual, compreendendo a subjetividade como fenômeno

dialético, que articula todos os aspectos presentes na realidade; ao mesmo tempo em que os

aspectos objetivos são constituídos por aspectos subjetivos coletivos, ocorre dialeticamente o

mesmo ao contrário, um constituindo o outro, fazendo parte de uma mesma unidade.

A visão sócio-histórica critica a dicotomia presente nas formas de apreensão do real

que não consegue ver que a relação entre indivíduo-sociedade é dialética, em que um imbrica

no outro, um tem responsabilidade sobre o outro e é ao mesmo tempo um agente e reagente

do outro. Nesse sentido, é possível afirmar que o trabalho é uma atividade vital humana e

humanizadora, que produz bens para seu uso, que produz necessidades, que produz a vida

social, que faz do homem um ser humano.

No nosso caso, para compreendermos a dimensão subjetiva da EF escolar para as

primeiras séries do ensino fundamental, escolhemos o jogo como elemento de análise. A

nosso ver, há um processo em curso e nele estão presentes muitos elementos sociais e

históricos, que convivem e fazem parte do mesmo processo os elementos de subjetividade

trazidos pelos sujeitos.

Estas questões e perspectiva são defendidas por nós como uma possibilidade de leitura

mais ampla e complexa da realidade, permitindo que toda discussão ou reformulação da

Educação Física seja vista como um trabalho que envolve sujeitos. São professores de EF que

ministram aulas com uma diversidade de alunos que são também sujeitos no processo. Olhar a

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Educação Física desta perspectiva permite compreender que a forma como ela se apresenta

nas escolas é o resultado de um trabalho de sujeitos que trazem para sua atividade as

significações que constituíram; significações estas que se transformarão com a própria

experiência e atuação.

No próximo capítulo, apresentamos os fundamentos teórico-metodológicos

norteadores da concepção de jogo nas abordagens críticas. Partimos dos estudos sobre o jogo

realizados por Elkonin, a partir das teses de Vigotski, e trazemos outros autores que

fundamentam suas pesquisas sobre o jogo na psicologia histórico-cultural com base nesses

pesquisadores russos; além disso, apresentamos autores da Educação e da Educação Física

que pesquisam o jogo numa perspectiva crítica, contribuindo para formar a arcabouço teórico

deste trabalho, no que se refere à compreensão do trabalho com o jogo na Educação Física

escolar.

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Capítulo 5. O conceito de jogo nas abordagens críticas e a contribuição de

Vigotski e Elkonin

Conforme anunciado no capítulo anterior, escolhemos o jogo como elemento de

análise para compreender a dimensão subjetiva da Educação Física escolar nas primeiras

séries do ensino fundamental. Diante desta escolha, neste capítulo, propomo-nos a apresentar

os referenciais teóricos sobre a concepção de jogo que nos orientam no desenvolvimento

desta pesquisa. Para tal, utilizamos como principal referência os princípios de jogo

apresentados pelos estudos de Elkonin (1998).

Elkonin (1904-1984) foi, dentre os colaboradores de Vigotski (1896-1934), o que mais

estudou os problemas do jogo, do desenvolvimento infantil e da educação, sobretudo nas

séries iniciais. Partiu da tese de Vigotski de que todas as formas de desenvolvimento são

dependentes das condições sociais e históricas e deu continuidade aos seus estudos sobre o

jogo. Reconhece que a origem e o desenvolvimento do jogo são sociais e históricos e não

uma atividade inata da criança, portanto necessita de intervenção e mediação para seu

desenvolvimento. Conheceu Vigotski no ano de 1931, quando este dirigia cursos de pós-

graduação e realizava conferências em Leningrado, e logo começou a trabalhar como seu

auxiliar. A brincadeira infantil era um tema que interessava a ambos e foram as ideias de

Vigotski, expostas na palestra intitulada O papel da brincadeira no desenvolvimento psíquico,

realizada em 1933, que embasaram Elkonin em seu arcabouço teórico sobre a psicologia do

jogo. Essa parceria durou apenas quatro anos, pois Vigotski morreu em 1934. No dia do

velório de Vigotski, Elkonin conheceu pessoalmente Leontiev (1903-1979), com quem

continuou os estudos sobre a brincadeira já iniciados com Vigotski. Mas as ideias de Leontiev

e Elkonin confrontavam com o regime dogmático stalinista imposto na época, o que resultou

em profundas retaliações por parte do partido comunista. Diante de tais retaliações, as obras

de Vigotski foram proibidas, voltando a ser reeditadas vinte anos mais tarde. No período em

que as obras de Vigotski foram proibidas, Elkonin dedicou-se a lecionar para crianças das

primeiras séries e seus estudos foram direcionados aos problemas de leitura e escrita,

publicando vários trabalhos dentro desse tema. Somente em 1978o livro Psicologia do jogo

foi publicado, originalmente em russo, depois de longos anos de estudo, sendo traduzido para

o espanhol em 1980 e para o português em 1998. Ao estudar a vida e a história de Elkonin,

Lazaretti (2008, p. 385) destaca que a luta de Vigotski e seus colaboradores era pela

humanização do homem – qualquer homem, com ou sem deficiências – uma luta que era

pautada pela edificação de uma nova sociedade, pelo respeito à liberdade e igualdade, não na

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“possibilidade de „se fazer o que se quer‟, de modo independente, mas se valer da autonomia

pessoal para trabalhar em prol de uma proposta coletiva de sociedade e de

educação”.Embora os pressupostos vigotskianos se apliquem ao âmbito histórico e cultural

em que ele viveu, sendo as condições peculiares e particulares dados naquele período, seus

objetivos são pertinentes aos dias atuais.

5.1. Compreensão histórico-cultural de jogo

Conforme mencionamos anteriormente, na visão sócio-histórica, brincadeira e jogo

são termos utilizados para designar o mesmo fenômeno, seu desenvolvimento não é

determinado por leis biológicas; ao contrário, depende de múltiplas relações estabelecidas na

realidade objetiva.

Segundo Elkonin (1998), nos primórdios da civilização, o que existia era trabalho,

como atividade de sobrevivência do grupo, em busca de alimentação, de proteção contra as

intempéries e de animais predadores. Adultos e crianças conviviam num mesmo espaço

social, dividindo tarefas e afazeres domésticos; diante da necessidade de produzir a

sobrevivência, não existia jogo, o que prevalecia eram as atividades atreladas ao trabalho

produtivo. Segundo o referencial histórico-cultural, a base da cultura humana é o trabalho. O

jogo só veio a desenvolver-se posteriormente, com as primeiras formas de industrialização.

Segundo o autor, a atuação do homem sobre a natureza para permitir a sobrevivência

da espécie e atender às suas necessidades básicas fez com que ele desenvolvesse técnicas,

utensílios e instrumentos de trabalho cada vez mais complexos e sofisticados, o que gerou a

produção de excedentes, ultrapassando as necessidades do grupo. Com isso, as crianças se

distanciaram das atividades produtivas de subsistência dos adultos, por falta de habilidades

para manipular estes instrumentos. Em contrapartida, os adultos criam instrumentos adaptados

e reduzidos no sentido de ensinar as crianças a manipular estes objetos. Pelo fato de as

crianças ficarem isoladas e em alguns momentos livres em suas atividades, elas

desenvolveram formas lúdicas de atividades com estes instrumentos, uma maneira de

reaproximarem da vida do adulto, uma vez que, não podiam fazê-lo na vida cotidiana. O

objeto acaba tendo duas naturezas, uma como representante na vida cotidiana e outra como

objeto dentro de uma situação lúdica (brinquedo). Segundo Elkonin (1998), as atividades

lúdicas têm origem e desenvolvimento históricos e estão atreladas, principalmente, às

atividades dos adultos, diante das mudanças das condições sociais mais concretas e do lugar

que a criança ocupa na sociedade em determinado momento.

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104

A brincadeira do bebê origina-se e desenvolve-se de acordo com as condições de vida

e das relações sociais estabelecidas entre adulto-criança. Segundo Elkonin (1998), a

brincadeira não provém de mecanismos biológicos; mesmo que no início as ações entre bebê-

objeto sejam por instinto e pelo simples prazer funcional de repetição do exercício, esta

relação pode se converter em brincadeira situada historicamente e constituída socialmente na

relação estabelecida entre bebê-objeto-adulto.

A brincadeira do bebê é intencional, orientada e regulada pelos motivos e

necessidades, assim como pelas emoções que a constituem como seus aspectos fundamentais.

Assim, o bebê, por meio da relação que estabelece com o adulto-brinquedo, age em função de

produzir os meios para atender suas necessidades.

Logo após o nascimento, a criança tem uma relação afetiva com quem cuida dela. O

adulto que cuida dela é quem lhe garante a sobrevivência, quem satisfaz suas necessidades

primárias, mas essa necessidade, que a princípio a criança tem, embora seja primária, já vem

carregada de necessidades sociais. A partir desses contatos, a criança desenvolve a

necessidade de comunicação e pronuncia as primeiras palavras.

Posteriormente, o adulto vai ensinando a criança como manipular os objetos, sendo

este o fator que determina suas ações. Entretanto, conforme mencionado, são os motivos e

necessidades sociais que impulsionam suas ações com os objetos, movidas pela relação

criança-objeto-social. Portanto, mesmo que, no inicio, a atividade principal da criança esteja

atrelada à comunicação afetiva e, posteriormente, à manipulação dos objetos, estas atividades

são sempre mediadas pelas relações com os adultos.

Segundo Elkonin (1998), no momento em que a criança sente a necessidade de

substituir um objeto por outro, inicia-se o principio da ação lúdica, e isso só ocorre ao

observar as ações dos adultos com determinados objetos. Da mesma forma ocorre o papel

lúdico, quando a criança assume um papel dentro da brincadeira a partir do que observa das

ações dos adultos. Ou seja, apesar de a brincadeira de papéis ser a primeira atividade com

situação imaginária, é possível afirmar que as atividades que envolvem comunicação afetiva

com o adulto e manipulação de objetos contêm, de alguma forma, elementos da atividade

lúdica futura (situação imaginária presente nos jogos de papéis); portanto, já são sociais.

A brincadeira de papéis é característica do período em que a criança já desenvolveu a

linguagem, momento em que ela tem necessidade de comunicar-se, de relacionar-se com o

mundo mais amplo dos adultos, de agir sobre ele, para poder dominá-lo/apreendê-lo.

Todo este processo cria novas necessidades e consequentemente novas atividades,

como é o caso do período em que a criança ingressa na escola, quando seus motivos e sua

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atividade principal mudam da brincadeira para o estudo sistemático, denominada por Elkonin

(1998) de Atividade de estudo. Nesse período a criança se vê motivada a ir para a escola e

realizar atividades tidas como socialmente importantes e sérias, que serão valorizadas pelo

mundo do adulto. No entanto, a brincadeira não deixa de existir, nem, contudo, deixa de ser

importante no desenvolvimento do psiquismo. Brinca por outros motivos e necessidades,

assim como incorpora novos conteúdos e significados, tornando as experiências mais ricas e

elaboradas.

No período escolar, predominam os jogos do tipo atlético e os jogos em grupos, em

que as relações sociais são a base para as regras. Já, na adolescência, a atividade principal

passa a ser o trabalho produtivo e a brincadeira passa a receber novas configurações e novos

conteúdos. Todo esse processo de desenvolvimento é determinado pelas condições históricas,

sociais e culturais que afetam o modo como a atividade é desenvolvida.

5.2. O jogo e a criatividade

O professor tem a oportunidade de ser um organizador, com intencionalidade, da

apropriação do conhecimento e das aptidões dos sujeitos. Segundo Vigotski (1987), quanto

maior a diversidade de vivências proporcionadas às crianças, maior possibilidade de criação e

diversidade dos jogos.

Vigotski (2009) compreende a imaginação como uma atividade humana que combina

fatos ou impressões vividas, criando novas imagens e ações. Em outras palavras, criatividade

é criar algo novo, a partir da combinação de elementos tomados da realidade, em que aspectos

subjetivos e particulares do sujeito intervêm nessa combinação.

Segundo Vigotski (1987, p. 1), a criatividade é um“tipo de actividad del hombre que

cree algo nuevo, ya sea cualquier cosa del mundo exterior producto de la actividad creadora

o cierta organización del pensamiento o de los sentimientos que actúe”.

A criatividade, de acordo com Vigotski (1987) é a capacidade humana de

reelaboração, de produção de algo novo, a partir de elementos da realidade objetiva e estes

elementos não são escolhidos ao acaso; eles são escolhidos e reelaborados em função da

organização do pensamento e dos sentimentos, o que confere o caráter único, novo e subjetivo

do produto criado.

Entretanto, para Vigotski (1987), existe uma distinção entre atividade reprodutora e

atividade combinatória e criadora. A primeira está em estreita relação com a memória e se

refere a tudo o que é reproduzido a partir de um modelo, de uma situação anteriormente

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106

vivida e que é repetida num determinado momento. Portanto, a atividade reprodutora somente

existe diante da nossa experiência, repetindo-se com maior ou menor exatidão algo que se

viveu no passado. Neste sentido, a conservação da experiência anterior é muito importante

para a vida do sujeito, podendo ele repetir tais situações em momentos que requerem

comportamentos semelhantes para resoluções de problemas similares; ou seja, diante de uma

situação-problema, os indivíduos recorrem à situações anteriormente vividas, às experiências

passadas, repetindo comportamento semelhante para resolução de problemas similares. A

segunda, denominada de atividade combinatória e criadora, está em estreita relação com a

imaginação; parte de uma situação nova para o indivíduo e cria novas ações, a partir de

situações vividas, modificando elementos que foram retirados da realidade. Conforme

denomina Vigotski (1987, p. 4), a atividade combinatória é a “habilidad para organizar los

elementos, combinar lo viejo con lo nuevo constituye la base de la creación”.

Para Vigotski (1987), a criatividade é a habilidade para organizar os elementos de

experiências passadas com elementos de experiências presentes, combinando-os e dando-lhes

uma nova constituição. .

A atividade combinatória e criadora supera a atividade reprodutora, ou seja, “a

possibilidade de criar constitui-se, no desenvolvimento humano, em consonância com a

constituição da consciência, e revela uma relação entre o homem e seu entorno que supera a

simples reprodução do que já é conhecido” (ZANELLA et al, 2003, p. 144).

Conforme pontuado por Vigotski (1987, p. 2), “El cérebro no solo es órgano que

conserva y reproduce nuestra experiencia anterior, sino que también es el órgano que

combina, transforma y crea a partir de los elementos de esa experiência anterior nuevos

ideas y la nueva conducta.”33

.

Para Vigotski (2009), a criatividade é uma realização humana, desde a criação de

objetos mais simples e habituais até níveis mais elevados de criação, seja essa criação

produzida individual ou coletivamente.

A criatividade, segundo Vigotski (2009), não é um estado pronto e final; ela é um

processo dinâmico, que inicia desde a infância, lenta e gradualmente, por formas elementares

e simples, ascendendo para outras mais elaboradas. Portanto, criar algo novo pode levar um

33

Segundo Vigotski “[...] o cérebro não é somente um órgão que conserva e reproduz nossa experiência

anterior, senão é um órgão que também combina, transforma e cria, a partir de elementos dessa experiência

anterior novas ideias e novas condutas.”.

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tempo maior do que o esperado e muitas vezes nem mesmo efetivado de fato, ficando apenas

no campo das ideias.

Cada período do desenvolvimento corresponde a uma forma típica de criação e ocupa

um compartimento em conjunto com outras formas de atividades, especialmente ligada a

experiências vividas.

Segundo Vigotski (2009), a criatividade é constituída desde a infância e prolonga-se

por toda a vida, num processo infindável, a partir das experiências passadas, combinando

elementos tomados da realidade e situações vividas anteriormente. Nesse sentido, a variedade

e riqueza de experiências vividas e acumuladas pelo homem aumentam as chances de

combinar elementos e de produzir novas imagens, objetos e situações. Assim, a criatividade

tem completa ligação com o jogo, principalmente no momento em que a criança ingressa na

escola e a brincadeira deixa de ser atividade principal; mas, conforme mencionado acima, a

criança não deixa de brincar, apenas incorpora outros motivos, necessidades, conteúdos e

significados à brincadeira. . Nesse sentido, propiciar à criança experiências diversificadas,

ricas e elaboradas, contribui para o processo de criação.

Vigotski (1987) explica o desenvolvimento da imaginação, situando-o em dois

períodos. Um período que corresponde à idade da criança pequena e outro que compreende à

idade pré-escolar e escolar até à adolescência. A passagem de um período ao outro é

denominada de período de trânsito, assim, existem dois períodos de trânsito, seguidos por

uma fase crítica.

No período inicial em que se encontra a criança pequena, mesmo que a situação

imaginária não exista e ela esteja presa à percepção direta/imediata dos objetos, tudo o que a

criança vê e escuta constitui os primeiros pontos de apoio para sua futura criação, acumulando

material com o qual depois estrutura toda sua fantasia. Esse material passa por um processo

de dissociação e associação, dividido em partes e cada uma delas se destaca em comparação

com as demais, umas partes se conservam e outras são descartadas, sendo este processo de

dissociação a condição necessária para a atividade futura da fantasia.

Na segunda infância, a criança consegue dissociar/separar características de elementos

reais diferentes (objetos, imagens e características das pessoas) próximos ao seu convívio

pessoal, dividindo-os em partes, e cada uma delas se destaca em comparação com as demais,

umas partes se conservam e outras são descartadas. Este processo é denominado de

dissociação.

Nesse período, a criatividade está em completa movimentação nas atividades das

crianças. Mesmo que ela esteja presa aos seus interesses e vivências pessoais, nos jogos de

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papéis sociais a criança imagina que um cabo de vassoura é um cavalo, que a boneca é sua

filha, que ela é o gato ou o rato, mostrando nesses jogos a mais intensa atividade criativa.

Predominam os jogos de papéis, exemplos clássicos de criação das crianças, ou seja,

quando a criança imagina que está montando num cabo de vassoura como se fosse um

cavaleiro, a menina que imagina que é mãe quando brinca com sua boneca, quando numa

brincadeira a criança imagina-se como um bandido.

Nesses jogos, as crianças reproduzem muito do que observam e veem acontecendo no

mundo mais amplo dos adultos, imitam situações, papéis e ações anteriormente vivenciados,

mas nunca reproduzem de maneira igual à situação real. Conforme afirma Vigotski (1987),

El juego del niño no es el recuerdo simples de lo vivido, sino la

transformación creadora de las impresiones vividas, la combinación y

organización de estas impressiones para la formación de uma nueva realidad

que responda a las exigencias e inclinaciones del propio niño. De igual

forma, el deseo de los niños de crear es tan actividad de imaginación como el

juego (VIGOTSKI, 1987, p. 3).

Segundo Vigotski (1987), o jogo da criança não é a imitação pura de algo vivido,

senão a transformação dessas experiências, as quais são combinadas e organizadas com uma

nova formação, de acordo com o sentido dessas experiências e das preferências da própria

criança, o que confere ao jogo a produção do novo.

Vigotski (1987, p. 4) atribui o surgimento dos produtos da fantasia à experiência

anterior do homem, afirmando que “ toda creación de la imaginación siempre se estructura

con elementos tomados de la realidad”34

Segundo Elkonin (1998), nos jogos de papéis sociais ou protagonizados, as crianças

imitam o mundo dos adultos e reproduzem em suas brincadeiras situações reais, mas a

reprodução nunca é uma cópia fiel, sempre contém um elemento criativo, reelaborando as

experiências vividas de acordo com seus afetos e necessidades.

Nesse sentido, pode-se criar graus de combinação cada vez mais novos e mais

diversificados; por isso, a importância de se adquirir e se apropriar de maior quantidade de

conhecimentos intelectuais e científicos acumulados pela humanidade, em função da

possibilidade de extrair da experiência adquirida elementos da realidade, aumentando, assim,

sua atividade combinatória, permitindo maior grau de combinação, ou seja, “la actividad

34

Segundo Vigotski “[...] toda criação da imaginação sempre se estrutura com elementos tomados da

realidade.”.

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109

creadora de la imaginación depende directamente de la riqueza y la diversidade de la

experiencia anterior”.35

(VIGOTSKI, 1987, p. 5).

A criatividade tem uma relação muito estreita com a imaginação e se processa

dialeticamente; ao mesmo tempo que a imaginação depende da experiência, a experiência

depende da imaginação, como se fosse um vai-vem entre fantasia e realidade. Em outras

palavras, quando se imagina alguma coisa, está se levantando hipóteses e, para isso, a

experiência é muito importante. Da mesma forma, quanto maiores, mais ricas e diversas

forem as experiências, maiores serão as condições de poder imaginar determinada coisa.

De acordo com Vigotski (1987), para desenvolver a imaginação, o trabalho

pedagógico com crianças no período escolar deveria ser orientado para a exercitação da

imaginação, constituindo-se uma das uma das forças principais do processo de realização

desse objetivo.

No que se refere à constituição dos jogos, ao longo da história da humanidade o

homem foi combinando elementos culturais e produzindo novas formas de jogar. Elkonin

(1998) relata a diferença entre os jogos praticados pelos povos primitivos e os atuais, em que

as regras e a forma de jogo são completamente diferentes. Essas mudanças na forma de jogar

ao longo dos anos são devidas às s regras, que foram combinadas e submetidas à imaginação

por parte de seus organizadores e participantes.

Estas mudanças contêm a cultura humana, a mão e o trabalho do homem, que ao longo

dos anos se apropriou de ferramentas e materiais, aperfeiçoando tecnicamente os objetos e

configurando-os em fantasia cristalizada (VIGOTSKI, 2009).

Neste sentido, tudo o que existe no mundo é produzido (criado) pelo homem como

meio para satisfação das suas necessidades humanas, que é significado pelo sujeito, baseado

na imaginação. Nesse sentido, qualquer jogo criado pelas crianças ou pelos adultos foi

pensado, elaborado e planejado, primeiramente nas ideias, antes de serem praticados. A

capacidade de o ser humano antecipar suas ações e planejá-las antes de executá-las é uma

função possibilitada pelo domínio da linguagem, signo social que auxilia o ser humano a

pensar sem necessariamente a presença do objeto, capacidade do ser humano de

representação, do pensamento abstrato.

Os animais também brincam, mas não existe processo de criação nas atividades

lúdicas deles. A atividade lúdica dos animais é um processo inicial que não pode ser

35

Segundo Vigotski “[...] a atividade criadora da imaginação depende diretamente da riqueza e da diversidade

da experiência anterior

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110

considerado com base na realidade social, os animais não possuem as funções psicológicos

superiores e suas atividades são pautadas por instintos biológicos.

A criatividade não é um dom e esta é uma questão fundamental para a psicologia e

para a educação. Ela pode ser ensinada e aprendida, o que sugere que o aprendizado

impulsiona o desenvolvimento da imaginação, cabendo ao papel do professor propor

estratégias para que os alunos obtenham experiências ricas e variadas durante a realização de

suas aulas.

Em decorrência dessas breves exposições, podemos pressupor que se o homem fosse

um ser totalmente adaptável, sem momentos contraditórios, sem crises, ele não teria desejos,

necessidades, aspirações e não poderia criar nada; no entanto, o ser humano vive em constante

procura de superação, de viver intensamente cada minuto da vida de forma dinâmica, disso

deriva o prazer gerado quando se encontra frente a um problema, ou a uma situação

desafiadora, que esteja além de suas possibilidades reais.

Vigotski (1987, p. 13) afirma que “la creación es um processo articulado

historicamente, donde toda forma seguinte está determinada por las precedentes”36

, e que

todo inventor ou gênio é fruto do seu tempo e do seu meio, sendo que a criação parte das

necessidades que estão criadas antes dele e apoia-se nas possibilidades que estão além dele,

ou seja, quanto mais ricas e mais diversas forem essas experiências maiores condições de criar

o indivíduo terá.

Em outras palavras, a imaginação criadora acompanha cada período de

desenvolvimento infantil e é modificada de acordo com as relações sociais que o ser humano

vai constituindo com a sociedade. A imaginação da criança é considerada, por muitas teorias,

como mais rica que a do adulto, porque na medida em que se vai crescendo a imaginação vai

minando. Vigotski (1987) era contrário a tais teorias, destacando que a imaginação da criança

não é mais rica e variada que a do adulto, mas o próprio desenvolvimento que é diferente;

quer dizer, os interesses, a relação com o meio, as particularidades próprias de cada período

de desenvolvimento é que diferem em relação às do adulto. Na concepção de Vigotski, a

imaginação não é uma questão de estágio de desenvolvimento, depende de determinantes e

das condições sociais e históricas nas quais as pessoas se encontram.

Um exemplo destas determinações pode ser exemplificado pelo fato de que a

sociedade aceita como característica da criança a expressão mais livre e espontânea e não

aceita o mesmo do adulto; tal significação social é o que, na maioria das vezes, dificulta a

36

Segundo Vigotski, “ a criação é um processo articulado historicamente, em que toda forma seguinte está

determinada pelas precedentes”.

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expressão da imaginação no adulto. O adulto está constantemente preso a certas normas e

exigências sociais, que acabam por minar a expressão da imaginação; todavia, sem dúvida, a

experiência da criança é menor que a do adulto.

Diante disso, podemos afirmar que os modos de expressão da imaginação são

determinados pelas condições sociais e históricas e dependem necessariamente do lugar que a

criança ou adulto ocupa na sociedade em cada momento histórico e da quantidade e da

qualidade das experiências anteriormente vividas na constituição desse processo, as quais são

constituídas por meio das relações entre adulto-criança e da aprendizagem. Para uma maior

compreensão dessa relação, é necessário um estudo mais aprofundado sobre a situação da

criança na sociedade e nas relações estabelecidas entre adulto-criança, o que no momento não

é foco do nosso estudo.

No entanto, cabe ressaltar que todas as transmissões da cultura são feitas por meio da

atividade mediada pelos seres humanos. Se o professor, teoricamente, é quem deveria deter

experiências mais ricas e variadas, devido ao seu papel dentro da escola e de sua experiência,

se existe a possibilidade de criar o novo, então, acreditamos ser possível criar coletivamente

novos jogos com o caráter de humanização, superando os jogos praticados com ênfase no

rendimento – aqueles que tentam ser cópias fiéis dos jogos tradicionais veiculados na mídia e

que atendem a interesses ideológicos da classe burguesa dominante, ou, ainda, que mascaram

os problemas sociais da humanidade. Entendemos o jogo como uma atividade de

possibilidades, uma condição comum a todos os sujeitos que vivem em sociedade.

Acreditamos também que, embora em nossa sociedade contemporânea seja privilegiado o

individualismo, é na coletividade, por meio do trabalho, que o individuo ao mesmo tempo se

humaniza, transforma-se e transforma a sociedade. Nas palavras de Gonçalves e Bock (2009,

p. 127), refletir entre o individual e o coletivo “traz a possibilidade de uma consciência que

não é individual e autofundante ou autoiluminada, mas constituída a partir da ação, do

trabalho, o que só ocorre coletivamente.”.

Assim, podemos destacar que Vigotski trabalha com a ideia de reelaboração,

reconstrução. O professor de Educação Física, no seu fazer pedagógico com o jogo, pode

trabalhar de forma intencional para que tal objetivo seja alcançado, sendo um mediador do

processo de conhecimentos e de aptidões do sujeito, promovendo seu desenvolvimento.

Page 113: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

112

5.3. Jogo, desenvolvimento e aprendizagem

Para explicitar como a origem e desenvolvimento do jogo se constitui por meio da

intervenção e da aprendizagem, recorremos aos estudos de Elkonin, que se apropriou dos

estudos de Vigotski sobre a Zona de Desenvolvimento Próximo para defender a tese de que o

desenvolvimento da brincadeira não é uma simples evolução de estágios, mas é uma questão

de aprendizagem, e está intimamente relacionado à intervenção do adulto.

As investigações de Elkonin revelam que, antes da possibilidade de uma atitude

lúdica, a criança tem que dominar seus atos motores e sensoriais, possibilitando manipular e

atuar com os objetos. A visão é o primeiro sistema sensorial a ser desenvolvido no primeiro

ano de vida, constituindo-se a premissa para que os primeiros movimentos na direção do

objeto apareçam, sendo o movimento de agarrar um objeto decorrente do desenvolvimento da

coordenação visomotora (olho-mão). Elkonin (1998, p. 208) observou que “desenvolvimento

dos aparelhos sensoriais está implícito desde o começo na interação da criança com os

adultos que dela cuidam e transcorre em função de um processo de aprendizagem.”.

Desde cedo, é o adulto que introduz a criança na forma como ela vai manipular os

objetos, no desenvolvimento dos seus movimentos e de suas ações. Escreve Elkonin, (1998, p.

208), “O adulto inclina-se sobre a criança, aproxima e afasta seu rosto, acerca-se e

distancia-se, estende para ela um objeto de cor viva e, com isso, dá motivo para que a

criança fixe a vista no rosto do adulto ou no brinquedo”.

É de suma importância, por parte dos adultos, ter conhecimento de que da direção e da

qualidade das intervenções ocorridas na interação entre ele e a criança vai depender todo o

desenvolvimento subsequente das ações dela. Dependendo da intervenção, o desenvolvimento

pode antecipar ou deter outras atividades de mera satisfação do prazer biológico, como é caso

de permanecer por um longo período de tempo chupando o dedo ou balançando

monotonamente o corpo, tornando o desenvolvimento da criança e consequentemente do jogo

de maneira espontânea, eximindo a necessidade de orientação e de direção pedagógica do

adulto no que se refere aos progressos nas ações infantis37

.

No que se refere à formação primeira da preensão e seu ulterior aperfeiçoamento,

Elkonin (1998, p. 209) afirma que, “É precisamente o adulto quem cria as diferentes

37

Nas pesquisas realizadas por Elkonin (1998), existem fatos reais de trabalho com crianças deficientes,

confirmando a necessidade, tanto nas crianças “normais” quanto nas com deficiências, de direção dos adultos

para que a criança aprenda a brincar. Conclui-se que ensina-se a criança a jogar.

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113

situações em que se aperfeiçoa a direção psíquica dos movimentos das mãos baseados na

percepção visual do objeto e em sua distância.”.

Depois de formado o ato de preensão, a criança passa a desenvolver os movimentos

reiterativos que consistem em dar palmadas cada vez mais variadas no objeto, para que este

produza movimentos diferentes a cada apalpada. Segundo Elkonin (1998, p. 211), “O nível de

desenvolvimento dessa manipulação em crianças no primeiro ano de vida depende da

atenção pedagógica que se lhes tenha prestado.”.

No entanto, a criança nessa fase também se interessa por objetos novos, os quais

podem provocar novas ações devido à diversidade das qualidades que lhe são inerentes. Cabe

ao adulto um importante papel, no que ser refere, “ao trabalho orientador e investigador

relacionado com a novidade dos objetos” (ELKONIN, 1998, p. 212), oferecendo estimulação

e motivação para novas manipulações da criança pequena.

Essas primeiras manipulações dos objetos feitas pela criança pequena não são

chamadas de jogo. Elkonin (1998, 215) denomina de “exercícios elementares para operar

com as coisas, nas quais o caráter das operações é dado pela construção especial do objeto”.

No entanto, essas manipulações constituem a premissa para o desenvolvimento do jogo na

fase seguinte.

Pouco a pouco, as ações realizadas em conjunto com os adultos vão-se ampliando,

acumulando cada vez mais experiências e formas diferentes de manipular os objetos,

impulsionando as ações da criança de forma a começar a substituir um objeto por outro.

Paralelamente a estes fatos, por volta de um ano de idade a relação adulto-criança

avança em termos de comunicação, agora “A comunicação emocional direta „criança-adulto‟

cede lugar à indireta „criança-ações com objetos-adulto‟” (ELKONIN, 1998, p. 215).

Tanto as ações com os objetos (xícara, colher etc) quanto as ações lúdicas com

brinquedos se formam de acordo com as significações sociais constituídas ao longo da

história, por meio de um processo de aprendizagem sob a direção dos adultos que “vão

transmitindo pouco a pouco à criança o processo de execução do ato, que começa a realizar-

se com autonomia” (ELKONIN, 1998, p. 220). Esse processo de aprendizagem é prolongado

e ocorre concomitantemente por dois lados, um relacionado à visão geral quanto ao

significado social do objeto e outro pelo lado operacional que deve ter presente as

propriedades físicas do objeto.

No começo as crianças utilizam os objetos desprovidos de ação lúdica, só depois, ao

observar as ações dos adultos, é que os objetos são substituídos por outros denominados de

brinquedo. Segundo Elkonin (1998, p. 226), os objetos são substituídos por brinquedos com a

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condição de que estes “se insiram no jogo como material complementar dos brinquedos

temáticos (bonecas, figuras de animais etc.) e atuem como meios de execução de tal ou tal ato

com os brinquedos temáticos fundamentais”.

É nesse ínterim que se origina o jogo protagonizado, também denominado de Jogo de

Papéis. Elkonin (1998, p. 216) menciona que “A origem do jogo protagonizado possui uma

relação genética com a formação, orientada pelos adultos, das ações com os objetos da

primeira infância.”.

Todas as observações feitas por Elkonin são baseadas em pesquisas realizadas por

Frádkina e Slávina, e nas noções teóricas desenvolvidas nos trabalhos de Vigotski, Leontiev e

por ele próprio. Os fatos obtidos em todas essas pesquisas realizadas com crianças pequenas

evidenciam que o desenvolvimento do jogo vai desde a ação com objetos, passando pela ação

lúdica sintetizada até chegar à ação lúdica protagonizada. Conforme exemplificado por

Elkonin (1998, p. 259), o jogo protagonizado segue certo caminho: “há colher38

; dar de

comer com a colher39

; dar de comer com a colher à boneca40

; dar de comer à boneca como a

mamãe41

”. Esse caminho evidencia que as ações com objetos são o ponto de partida para os

jogos protagonizados, sendo constatado que a transição de uma ação para a outra requer a

direção dos adultos, assim como cada uma delas requer modos especiais de direção.

Conforme pontuado por Elkonin (1998, p. 231), “Tudo isso mostra de maneira persuasiva

que o jogo aparece com a ajuda dos adultos e não de maneira espontânea.”.

Nesse sentido, no que ser refere ao jogo na Educação e, especialmente, ao jogo na

Educação Física escolar, fazemos alguns questionamentos: qual a função do trabalho com o

jogo nas aulas? Como o professor organiza e sistematiza o jogo? Em que direção seguem as

suas intervenções? Como os professores entendem a socialização, a participação de todos e a

tomada de decisões dos alunos nas aulas? Estes aspectos estão presentes? Como são

desenvolvidos?

5.4. O jogo e a autonomia

Autonomia não é um conceito fácil de ser definido, ainda mais quando se trata de

relacioná-la dentro do jogo. Além disso, existem várias teorias que tratam deste assunto; no

38

Reconhecimento visual do objeto, um momento anterior à coordenação visomotora. 39

Manipulação com o objeto, a partir de sua significação social, transmitida por meio da interação adulto-

criança. 40

Ação lúdica sintética com o brinquedo, evidenciando os modos de ação com o brinquedo. 41

Jogo protagonizado, em que a criança representa um papel social e subordina a este suas ações.

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115

nosso caso, iremos abordar a autonomia no jogo a partir da perspectiva histórico-cultural de

Vigotski.

Nos estudos de Vigotski (1984), o conceito de autonomia é denominado de

autorregulação e está estritamente atrelado ao conceito de moral. Cabe ressaltar que, na

perspectiva da psicologia histórico-cultural, o conceito de moral não segue o caminho de

Kant42

ou Piaget43

, conforme apresentado no capítulo 2, em que a ação moral é definida como

aquilo que é determinado como universalmente certo ou errado, determinada pela própria

vontade do sujeito, mas é compreendido segundo os pressupostos de Vigotski e de Elkonin,

em que a ação moral não é uma ação autônoma. O sujeito não é responsável pelo seu próprio

processo de desenvolvimento, a autonomia não é uma questão de evolução, uma ação ativada

pela interação direta que o sujeito estabelece com o meio, atingida plenamente na fase adulta,

independente das determinações sociais, históricas e políticas em que os sujeitos estão

inseridos nos diversos períodos da vida.

Diferentemente deste conceito, Vigotski (1984) destaca que o conceito moral é um

processo, desenvolvido por meio das práticas sociais, culturais, nas relações que o sujeito

estabelece com o outro e com o mundo circundante e que depende necessariamente do papel

que a criança ocupa na sociedade em determinado período de sua vida, caracterizado, muitas

vezes, por contradições e indefinições.

Para Vigotski (1984), ter consciência dos determinantes sociais e históricos permite ao

ser humano o desenvolvimento da autonomia, a partir do momento em que a consciência

moral depende de condições materiais e objetivas e não do próprio desenvolvimento

intrínseco do sujeito e de mecanismos biológicos centrados na dinâmica interna do próprio

brincar.

Embora, inicialmente, nos primeiros anos de vida, as ações da criança estejam

voltadas a atender suas necessidades vitais básicas, o contato que estabelece com o adulto

permite a ela a apropriação dos signos sociais de uma determinada cultura, que vai além da

questão meramente evolutiva da dinâmica interna do brincar.

Pesquisa realizada por Zanella e Andrada (2002) mostra que embora a relação entre

um bebê de 8 meses e o objeto seja uma atividade manipulatória, o contato com o adulto

possibilita desenvolver uma brincadeira com o objeto “ fralda” que vai além da simples

relação imediata criança-objeto; no momento em que se estabelece a relação criança-objeto-

42

A ação moral é uma ação autônoma para Kant, depende da própria particularidade e subjetividade do sujeito, é

uma ação subjetiva. 43

Piaget se apropria dos conceitos desenvolvidos por Kant em relação á ação moral e inclui o conceito de ação

heterônoma, em que ação moral autônoma é uma questão de evolução.

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adulto, o objeto é ressignificado, o bebê deixa de utilizar a fralda como um utensílio para

segurar a chupeta e para a própria higiene e se constitui num brinquedo, em que o bebê

decide utilizar a fralda para cobrir e descobrir o rosto, configurando-se numa brincadeira do

“Cadê ... achou!”, semelhante à brincadeira de esconde-esconde.

Portanto, a intervenção do adulto na relação criança-objeto possibilita à criança

avançar em seu processo de desenvolvimento, de inserção, conscientização e transformação

da sociedade. Embora neste período suas atividades estejam restritas à manipulação direta

com os objetos e sua situação imaginária seja limitada44

, a relação social que estabelece com

as pessoas a sua volta nos primeiros anos de vida, por meio da atividade mediada, possibilita à

criança ressignificar o objeto fralda, dar um outro sentido a ele, aprender a brincar e a sorrir, a

detectar nas expressões do adulto o que é um sorriso, o que é engraçado, o que é irônico,

aspectos estes que lhe trazem prazer. Enfim, a criança está em formação, e a relação que

estabelece com o adulto via brinquedo possibilita a ela compreender o mundo circundante,

criar opções de relações com os objetos e com as pessoas a sua volta. Segundo Vigotski

(1987, p. 115), “operar com o significado das coisas leva ao pensamento abstrato,

observamos que o desenvolvimento da vontade, a capacidade de fazer escolhas conscientes

ocorre quando a criança opera com o significado de ações.” (p. 115).

O brincar não se esgota em sua própria dinâmica interna, quando a criança está

manipulando um objeto e estabelece relação com um adulto, configurando-se numa relação

objeto-criança-adulto. Ela brinca com o objeto e explora-o além das características objetivas

deste, ela ressignifica o objeto e atribui novos sentidos a ele, segundo significações coletivas e

subjetivas, ao mesmo tempo. Os modos de vida e a relação que a criança estabelece com o

adulto contribuem para a autorregulação (ação consciente) de suas ações, uma vez que sua

ação deixa prioritariamente de ser subordinada pela satisfação das necessidades básicas e

começa a desenvolver necessidades sociais, que são aprendidas e compartilhadas com os

adultos. As ações do brincar relacionadas aos objetos a sua volta são mediadas pelas relações

sociais que a criança estabelece com os adultos, e, portanto, não é o objeto que motiva as

ações da criança, mas é a relação social, a atividade mediada pela ação do adulto, que motiva

a relação criança-objeto. Assim, a atividade deixa de ser estritamente prática/manipulatória,

com objetivos individuais e converte-se, já, desde o início, em uma atividade social, em

decorrência do fato de ser guiada pelas orientações dos adultos. Embora, num primeiro

44

Segundo Vigotski (1987p. 117), a situação imaginária “é mais memória em ação do que uma ação imaginária

nova”. No inicio de vida, o bebê não tem tanta vivência que possa ser resgatada pela memória e reconstruída em

ação futura. Sua imaginação é limitada.

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117

momento, a situação imaginária seja restrita, estes contatos com o adulto já são origem e

desenvolvimento para a sua ampliação. .

É interessante destacar dos estudos de Vigotski que a relação que a criança estabelece

com o mundo circundante, possibilita o desenvolvimento da situação imaginária e emancipa a

criança da dominação cultural imposta por meio do brinquedo. Porque embora, na maioria das

vezes, os brinquedos sejam fabricados com a intenção de consumo e reprodução da ideologia

dominante, a criança ultrapassa sua simples manipulação. A criança nega e reelabora

conteúdos e significados do objeto brinquedo. Brougère (1995) dá alguns exemplos de como a

boneca Barbie na França e em outros países, representação personalizada de um adulto,

recebeu novos significados a partir da vivência cotidiana da criança. O autor destaca que,

embora algumas características sejam mantidas, outras são reelaboradas pelas crianças; elas

podem optar em manter o baile e a maquiagem, porém há uma troca de papéis, a boneca pode

se tornar faxineira, babá ou mãe de família, dependendo das relações sociais estabelecidas

entre criança-adulto-sociedade. As significações sociais ultrapassam a manipulação direta

com o objeto brinquedo, assim como possibilitam à criança reverter os significados

veiculados pela mídia em uma situação imaginária. Isto é uma ação de autonomia na questão

do brincar, a criança escolhe como e com o que brincar.

Com o passar dos anos, a situação imaginária se amplia para patamares mais

elaborados, pela diversidade das vivências da criança. Nesse sentido, é importante apropriar-

se das regras explícitas da brincadeira, aquelas que são determinadas antes da realização da

brincadeira, que são planejadas e definidas antecipadamente. Apropriar-se das regras

explícitas faz a criança articular-se com a realidade circundante, a partir do momento que

possibilita à criança definir, cumprir e apropriar-se das regras presentes nos diferentes espaços

sociais.

Segundo Leontiev (2006), no jogo de papéis, em que o papel e a situação imaginária

estão explícitos (porém as regras são implícitas), a criança age motivada por uma atividade

generalizada presente na realidade, respeita as regras internas, sem infringi-las, subordinando

suas ações do brincar a elas, o que, em contrapartida, na vida real ela não faz. Segundo

Vygotski (1987, p.113), a criança se apropria das regras implícitas da brincadeira pelo próprio

prazer de brincar, “O maior autocontrole da criança ocorre numa situação de brinquedo. Ela

mostra o máximo de força de vontade quando renuncia a uma atração imediata (...) de agir

sob impulsos imediatos são o meio de atingir o prazer máximo.”. Temos, por exemplo, a

brincadeira entre duas irmãs, em que as crianças agem durante a brincadeira como pensam

que uma irmã deveria agir na vida real. Na vida real elas não fazem isso, pois é a ação que

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impulsiona o significado, isto é, o significado é subordinado pela ação ou ainda a ação

domina o significado. No jogo de papéis característico do período pré-escolar, a criança

desenvolve a ação lúdica sem necessariamente se prender à presença do objeto. Esse avanço

ocorre em função da linguagem e da situação imaginária, em que a criança já consegue

brincar sem estar necessariamente presa às características do objeto e nem à própria presença

dele. .

No jogo com regras explícitas, são possíveis a participação de outras crianças na

construção das regras do jogo e a tomada de decisões de como, onde, com quem e para que

realizar tal brincadeira; e, a partir disso conscientizar-se que as regras são importantes para

construir condições igualitárias e que principalmente elas podem criar regras e não só

reproduzir as já existentes. Além disso, as próprias crianças podem se responsabilizar pela

construção das novas, com diferentes objetivos coletivos. Diferentemente das regras do jogo

de papeis, que se referem às regras de comportamento, no jogo de regras explícitas as regras

podem ser acordadas, mudadas, por meio de um processo de humanização, construído nas

relações dialógicas entre os participantes.

Nesse sentido, a regra é cumprida, não no sentido moral do cumprimento das regras,

como se as regras tivessem que ser compreendidas, aceitas e seguidas por uma determinação

social e universal, mas pelo sentido social e político do cumprimento delas , pela necessidade

de humanização e de exercício da cidadania. Segundo Peters (2009, p. 36), “regra não tem

força de lei, mas está ligada à aceitação coletiva que vai estabelecer o acordo como fazer,

uma vez que as regras são negociáveis e modificáveis pela comunidade de jogadores.”.

Leontiev (2006) destaca a importância de inserir regras explícitas, por meio de

símbolos numa brincadeira, mesmo que a criança ainda não domine o pensamento abstrato.

Foi o caso citado por ele, na brincadeira de “gato e rato”, em que as crianças tinham de 3 a 6

anos de idade e não conseguiam ainda obedecer às regras do jogo, quando elas são

determinadas a priori (regras explícitas, definidas antecipadamente); no entanto, isso foi

possível a partir da introdução de “símbolos”, de um rabo, um chapéu com orelhas, qualquer

dica que pudesse simbolizar para a criança o respectivo animal.

Segundo Leontiev (2006, p. 137), “ foi possível transferir a possibilidade de jogos

com regras para um estágio bem anterior do desenvolvimento”, ou seja, apesar de as crianças

no período pré-escolar ainda não conseguirem brincar com regras explícitas, a inserção de

estímulos artificiais possibilitou a elas subordinarem-se às regras explícitas da brincadeira e

avançar em seu desenvolvimento, uma vez que a criança é motivada pelo processo, pelo ato

de brincar em si, submetendo-se às regras intencionalmente para poder brincar.

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Apropriar-se das regras explícitas contribui para a criança avançar em seu

desenvolvimento, compreender que o objetivo de cumprimento das regras não é só sua

aceitação, mas a possibilidade de conhecê-las e poder reconstruí-las a partir da definição, dos

interesses e necessidades do próprio grupo social do qual faz parte. Portanto, a autonomia é

um processo que se inicia nos primeiros anos de vida e desenvolve durante toda a vida, não

por uma questão subjetiva, individual e intrínseca do sujeito, mas por determinações sociais e

históricas.

Com o ingresso na escola, o que predomina são os jogos esportivos coletivos

(denominado de jogos atléticos ou “desportivos”, nos estudos de Vigotski); no entanto,

novamente, é possível avançar e criar jogos com novas regras e até mesmo invertê-las. Jogos

que as crianças podem criar com base em interesses coletivos em detrimento de interesses

individuais; situações que lhes permitam deixar de agir segundo interesses individuais e

passar a agir em função de uma coletividade, a fim de que a criança desenvolva a

autorregulação de suas ações com base na coletividade. E mesmo que nestes tipos de jogos o

prazer seja determinado pelo resultado, há de se pensar no objetivo coletivo do jogo, o que

necessariamente volta a atenção para o processo do jogo, ou seja, à construção de suas regras.

Interessante destacar dos estudos de Vigotski e seus colaboradores a relatividade das

regras, tanto nos jogos quanto na vida real, como um exercício de humanização e cidadania;

ao mesmo tempo em que as regras são necessárias, elas podem ser questionadas e invertidas,

no momento em que passamos a conhecer seus determinantes sociais e históricos, seus

valores ideológicos e processos de alienação, quando, enfim, há conscientização da

importância de transformá-las em prol de um mundo mais humano e igualitário. O adversário

tem papel fundamental na constituição e discussão das regras do jogo e na convivência nos

diversos espaços sociais. Num jogo o adversário não deve ser desvalorizado, porque sua

desvalorização nega o jogo, sendo que ele é necessário para que o jogo aconteça. Outro fato

de necessária reflexão é que as regras não seguem uma evolução biológica; a ação moral do

brincar se origina e desenvolve a partir das relações sociais.

Nos jogos esportivos coletivos, as regras podem ser invertidas e com isso questionar

elementos que estão produzidos e têm forte presença em nossa sociedade, como por exemplo,

a ideia da competição e da desvalorização do outro. No momento em que estes valores são

compreendidos, podem ser questionados, há a possibilidade de conscientização crítica da

realidade e a criança aprende como se deve agir para se tornar um membro da sociedade, ao

mesmo tempo em que toma “consciência de suas obrigações perante o coletivo, tomando

consciência de seu pertencimento à coletividade” (LAZARETTI, 2008, p. 214). Ter

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consciência, enquanto indivíduo, de fazer parte de uma coletividade é uma questão de

cidadania, a partir do momento em que as ações do brincar são voltadas aos interesses

coletivos e não individuais.

Os fundamentos teórico-metodológicos, acima apresentados, trazem as ideias de

Vigotski no âmbito educacional e evidenciam uma forma crítica de analisar o jogo e a

brincadeira. Superando dicotomias e fundamentando-se em uma perspectiva histórica, as

pesquisas apresentam o jogo e a brincadeira como formas culturais que, quando utilizadas,

contribuem para o desenvolvimento de capacidades humanas que ali se encontram postas. O

brincar aparece como uma atividade importante para a humanização dos sujeitos, candidatos à

humanidade (bebês e crianças). As pesquisas evidenciam ainda diversas significações do jogo

no âmbito educacional e a relação destas significações com as formas de atuação e de

utilização do jogo/brincadeira, em sala de aula, pelos professores.

Desta forma, estudar a questão das regras dos jogos e sua articulação com a realidade

circundante é contribuir para pensar no trabalho de intervenção do professor com o jogo no

cotidiano escolar, pois implica uma prática pedagógica crítica e uma intervenção intencional

no processo ensino-aprendizagem, em que o professor de Educação Física escolar pode criar

estratégias pedagógicas no trabalho com o jogo, no sentido de proporcionar momentos de

tomadas de decisões pelos alunos, discussão das regras do jogo, pertinência delas para o

grupo e, principalmente, conscientização da realidade social na qual os alunos estão inseridos.

Todos estes aspectos são importantes quando se pretende a conscientização do ser humano

como membro de uma coletividade e, acima de tudo, a construção de uma sociedade mais

justa e igualitária.

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121

Capítulo 6. Procedimentos Metodológicos

Conforme anunciado anteriormente, para compreender a dimensão subjetiva da EF

escolar para as primeiras séries do ensino fundamental, escolhemos o jogo como elemento de

análise. Assim, a pergunta que guia este trabalho é: quais as significações constituídas pelos

professores de Educação Física escolar, que atuam nas primeiras séries do ensino

fundamental, sobre o trabalho com o jogo neste nível de ensino.

Com este objetivo partimos para o plano de produção das informações e análise dos

dados.

6.1. Processo de escolha dos sujeitos

A escolha pelo município de São José dos Campos é justificada pela inserção e

interesse da pesquisadora na Diretoria de Ensino desta região; além disso, optamos pela rede

pública estadual paulista pelo fato de os professores de Educação Física atuarem nas

primeiras séries do ensino fundamental, o que não ocorre na rede municipal. Elegemos, como

critério de seleção dos sujeitos, professores de EF escolar efetivos que atuam nas primeiras

séries do ensino fundamental no ano de 2010, pelo caráter de estabilidade com que estes

professores atuam na rede e pela possibilidade de permanência numa mesma escola. Para tal,

entramos em contato com o Departamento de Recursos Humanos da Diretoria de Ensino da

região pesquisada a fim de obter tais informações.

Foi possível registrar que, no ano de 2010, a Diretoria de Ensino da região pesquisada

manteve 128 professores de Educação Física escolar efetivos em seu sistema de cadastro

funcional, com o objetivo de classificar estes professores para atribuição de classe e aulas. A

classificação dos professores na Diretoria de Ensino ocorre em função da somatória dos

pontos obtidos por tempo de serviço no magistério, aprovação em concursos na disciplina

referente ao cargo e titulação de mestre e doutor. Dos 128 professores de Educação Física

efetivos cadastrados no ano de 2010, foram atribuídas aulas das primeiras séries (Ciclo I) a 64

professores. Deste total foram retirados da lista 05 professores que, no ano de 2010, estavam

atuando em outras funções e que, portanto, não estavam atuando como professores de

Educação Física escolar, a exemplo daqueles que estão na função de Professor Coordenador

Pedagógico, Diretor ou Vice-diretor de Escola. . Além disso, retiramos também da lista 07

professores que estão afastados pelo art. 22 da Lei Complementar nº 444, de 27 de dezembro

de 1985, e que conforme critério estipulado não fazem parte do universo a ser considerado,

por não estarem atuando como professor de Educação Física no ano de 2010. Com isso,

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122

totalizamos uma amostra de 52 professores. Assim, de posse dessas informações, preparamos

a documentação, composta de: 1) Carta de Apresentação da pesquisadora, especificando o

objetivo da pesquisa e os procedimentos metodológicos para produção das informações; 2)

Termo de consentimento livre e esclarecido; 3) Questionário a ser apresentado aos professores

de EF. Como esta pesquisa envolveu seres humanos, o projeto de pesquisa e os documentos

acima citados necessitaram da aprovação45

do Comitê de Ética da PUC/SP, antes do

desenvolvimento do estudo.

Tivemos a oportunidade de encaminhar tais documentos aos professores de EF

efetivos, por meio dos Professores Coordenadores (PC) do Ciclo I, numa Orientação Técnica

(OT) realizada na Diretoria de Ensino. Para reforçar o recebimento, protocolamos os

documentos, via escaninho da Diretoria de Ensino, personalizando-os com o nome de cada

professor e escola sede, para serem encaminhados aos professores das devidas escolas, com

prazo de uma semana para devolução desses (respondidos ou não).

Após o encerramento do prazo, verificamos que somente 8 questionários retornaram

respondidos. Entramos em contato com a escola, por meio de telefone, conversamos com a

Coordenadora e verificamos se o documento havia sido entregue ao professor. Muitos foram

as justificativas relatadas, tais como: documentos que não chegaram ao professor, mesmo

constando assinatura de retirada no protocolo da diretoria; professores que não se propuseram

a participar da pesquisa, alegando falta de tempo; professores que responderam, mas a

coordenadora ainda não havia tido tempo de entregar o documento na Oficina Pedagógica46

;

professores que estavam participando da Olimpíada Colegial – Categoria Mirim e Infantil;

professores que tinham intenção de responder, mas por alguma razão ainda não o tinham

feito; professores que responderam, mas não entregaram o , questionário respondido à

coordenadora.

Diante deste quadro, enviamos novamente os documentos aos professores que

alegaram o não recebimento; demos um novo prazo, de uma semana, para o envio das

Durante todo o processo de envio do material até o recebimento dos questionários

(respondidos ou não), mantivemos contato regularmente com a coordenadora e, em muitos

casos, com o próprio professor, com o objetivo de obter o máximo de retorno possível. Após

um mês do envio, resolvemos cessar o recebimento das respostas e iniciar a categorização dos

45

A pesquisa foi avaliada pelo Comitê de Ética da PUC/SP e aprovada em 04/10/2010, sob Protocolo de

pesquisa nº 262/2010, em conformidade com os dispositivos da Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996 e

demais resoluções do Conselho Nacional de Saúde – CNS e Ministério da Saúde. 46

Cabe ressaltar que a pesquisadora encontrava-se afastada na Oficina Pedagógica durante a realização da

pesquisa, conforme Art. 2º, inciso II, do Decreto nº 48.298, de 3 de dezembro de 2003.

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dados dos questionários. Por fim, de um total de 52, pudemos contar com a participação de 36

sujeitos, o que corresponde a 69% da população de professores de Educação Física escolar

efetivos que atuavam nas primeiras séries do ensino fundamental, no ano de 2010.

Cabe ressaltar que a identidade dos professores foi preservada, pois garantimos-lhes o

anonimato, atribuindo números a cada um dos professores que responderam o questionário e

nomes fictícios aos quatro professores selecionados para a entrevista de aprofundamento:

Júlio César (nº 15), Isabel (nº 9), Augusto (nº 18) e Joana (n° 29).

A seguir, estão descritos o contexto da pesquisa.

6.1.1. Contexto de pesquisa

São José dos Campos dos Campos é uma cidade brasileira do interior do estado de São

Paulo, que abrange uma área geográfica de 1.099,60 Km². Localiza-se nas margens da

Rodovia Presidente Dutra (BR – 116), entre o leste do estado de São Paulo e o oeste do estado

do Rio de Janeiro, especificamente na região denominada de vale do Paraíba, por ser banhado

pelo rio Paraíba do Sul (confluência entre o rio Paraitinga e Paraibuna).

6.1.2. Um breve histórico de São José dos Campos

Inicialmente, na metade do século XVI, São José dos Campos era formada por um

aldeamento em uma fazenda de padres jesuítas, localizada no vale do rio Paraíba do Sul, no

bairro do Rio Comprido, a 10 km do atual centro da cidade de São José dos Campos, povoada

por índios, conforme estudos realizados por Silva et al. (2010).

O aldeamento que ocorreu provavelmente no ano de 1564 foi regulamentado com a lei

de 10 de setembro de 1611. Com esta lei, os padres jesuítas e com eles os índios foram

expulsos das terras e o aldeamento migrou para diferentes lugares (SILVA et al. 2010). Mais

tarde, os padres jesuítas voltaram e localizaram-se no que é hoje a Praça do Padre João

Guimarães (igreja matriz), no centro da cidade de São José dos Campos.

A partir de 1692, os índios começaram a deixar a aldeia de São José, devido às

descobertas de ouro nas Minas Gerais dos Goitacases, denominado de período da “corrida do

ouro”. Em 1767, o aldeamento foi elevado à categoria de Vila e recebeu o nome de Vila Nova

de São José e depois em Vila de São José do Parahyba. Nesta época foram construídos o

pelourinho e a Câmara Municipal. Foi somente em 22 de abril de 1864 que a Vila foi elevada

à categoria de cidade, passando a ser denominada como São José dos Campos, em 1871.

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124

No século XIX, com a ajuda dos escravos, São José dos Campos contribuiu para a

produção de café da região, no momento em que o Vale do Paraíba foi considerado a maior

região produtora de café do mundo, contribuindo para o abastecimento de indústrias têxteis

inglesas (STEIN, 1961). Houve também o momento em que São José dos Campos contribuiu,

em decorrência das condições climáticas da região, para o tratamento de tuberculose, quando

no ano de 1924 foi inaugurado o sanatório Vicentina Aranha.

Atualmente, São José é considerada um importante centro tecnológico, reúne

desenvolvimento e pesquisa, com empresas tais como: Embraer, Johnson, General Motors

(GM), Petrobras, Panasonic, entre outras; centros de ensino e pesquisa como: CTA (Centro

Tecnológico Aeroespacial), INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ITA (Instituto

Tecnológico da Aeronáutica); além de universidades como: UNIP (Universidade Paulista),

UNIVAP (Universidade do Vale do Paraíba), UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo),

FATEC (Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo), UNESP (Universidade Estadual

Paulista Júlio de Mesquita Filho) e ETEP (Escola Técnica Everardo Passos) e tem no turismo

sua grande fonte de renda, por seus recursos naturais, artificiais e culturais como: Parque da

Cidade (Parque Municipal Roberto Burle Marx), Horto Florestal, Banhado (área de proteção

ambiental localizado no centro da cidade, com 4,32 milhões de m²), São Francisco Xavier

(distrito do município de São José dos Campos, área de proteção ambiental da Serra da

Mantiqueira, com 322 Km²). O distrito de São Francisco Xavier possui diversas cachoeiras,

trilhas e regiões alpinas, com opções para a vivência de atividades no âmbito do lazer, outra

fonte de renda da cidade.

São José dos Campos apesar de reunir desenvolvimento e pesquisa, também apresenta

alto índice de desigualdade social (BORGES, 2004). De acordo com os estudos de Pochman e

Amorin (2003), a região sudeste é a que apresenta melhores índices de exclusão social e entre

os 5.507 municípios do Brasil São José dos Campos é o município que apresenta um índice

médio de 0,636 de exclusão social, numa escala que varia entre 0 e 1, sendo zero considerado

índice de pior situação e um melhor situação, em termos de exclusão social. Além disso,

apresenta um índice baixo de 0,811 de pobreza, apesar de ter um alto índice de desigualdade

social (0,175). No entanto, os autores reconhecem que estes índices podem apresentar

distorções, em decorrência dos resultados das médias gerais.

Os resultados de Borges (2004) evidenciaram exatamente isto, que apesar do índice de

pobreza baixo (0,811) não é possível afirmar que a riqueza gerada nas indústrias de São José

dos Campos reflete em uma boa condição de vida de sua população, em decorrência do alto

índice de desigualdade social (0,175).

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125

Segundo Borges (2004, p. 2) “para mapear as áreas de pobreza intra-urbana é

necessário que se trabalhe com os dados em um nível de agregação menor que o município,

porque as médias gerais mascaram a realidade”.

Assim, objetivando construir o mapa da pobreza urbana de São José dos Campos, a

pesquisa de Borges (2004) partiu de 12 indicadores sociais agrupados em 4 categorias. A

autora identificou áreas de menor e maior concentração de pobreza, de acordo com as

condições de domicílio, a condição de saneamento, a condição social do responsável pelo

domicilio e a condição de educação dos residentes. Essas carências foram percebidas a partir

da combinação de variáveis disponibilizadas pelo censo do IBGE de 2000.

Para classificar uma área pobre a autora definiu como referência o nível de

desenvolvimento médio de todos os setores urbanos de São José dos Campos em cada um

deles, a partir de quatro posições hierárquicas, (1) muito crítico, (2) crítico, (3) razoável e (4)

bom, apontando os setores de extrema pobreza a dos índices 1 e 2.

Os resultados de Borges (2004) indicam que 31,24% da população urbana de São José

dos Campos vivem em setores com índices muito crítico e crítico de pobreza; isto é, 19.160

pessoas (3,61% da população) vivem em más condições de domicílios, com dificuldades de

acesso ao abastecimento de água e esgotamento sanitário por rede geral e, falta de coleta

domiciliar de lixo, notando-se uma extrema desigualdade de acesso ao saneamento básico,

más condições sociais, no que se refere á renda e ao nível de escolaridade do responsável pelo

domicílio, e, por fim, os residentes da cidade, com idade maior de 10 anos de idade, têm baixa

escolaridade. Barros ainda destaca a importância dos mapas no planejamento de políticas

públicas no sentido de apreender a realidade e de apontar as áreas de pobreza, revelando “a

cidade oculta”, de maneira a contribuir para a compreensão da estrutura social urbana, além

de possibilitar a compreensão de fatores socioeconômicos, revelando suas especificidades.

Esta realidade objetiva faz parte da história da cidade onde localiza-se a Diretoria de

São José dos Campos/SP.

6.1.3. A Diretoria de Ensino de São José dos Campos

No final do ano de 2010, a diretoria de ensino de São José dos Campos contava com

um total de 77 UE – Unidades Escolares, sendo 20 com Ensino Fundamental de 1º ao 4º anos

(Ciclo I); 7 com ensino fundamental de 1º ao 4º anos e de 5ª a 8ª séries (Ciclo II); 19 com

Ensino Fundamental de 1º ao 4º anos; 5ª a 8ª séries e Ensino Médio; 24 com Ensino

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126

Fundamental de 5ª a 8ª séries e Ensino Médio e 7 com Ensino Médio. Assim, a Diretoria de

Ensino de São José dos Campos é organizada da seguinte maneira:

TABELA 1- Quantidade de Escolas por níveis de ensino – Diretoria de Ensino de São José

dos Campos/SP, 2010.

Níveis de ensino das UE

Quantidade

%

1º ano a 4ª série 20 26

1º ano a 8ª série 7 9

1º ano a 8ª série e Ensino Médio 19 25

5ª a 8ª série e Ensino Médio 24 31

Ensino Médio 7 9

Total 77 100

Fonte: Setor de Planejamento da Diretoria de Ensino de São José dos Campos, 2010.

Conforme a fonte PRODESP, no ano de 2010 a Diretoria de Ensino de São José dos

Campos atendeu 18.252 alunos do ciclo I do ensino fundamental, 23742 alunos do ciclo II e

28132 alunos do ensino médio. Além disso, ainda, foram atendidos 325 alunos da suplência

do ensino fundamental II, 2753 da suplência do ensino médio, 371 da telessala do ensino

fundamental e 853 da telessala do ensino médio, totalizando no geral 74428 alunos.

No ano de 2010, a rede estadual de ensino de São José dos Campos contou com 128

professores de Educação Física escolar efetivos (titular de cargo), sendo que, deste total, 52

atuam no ciclo I, como já informado.

O professor de Educação Física escolar, titular de cargo, tem direito a escolher 4 tipos

de jornadas: Básica e Inicial, conforme Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de

1997, e Integral e Reduzida, conforme Lei Complementar nº 1.094, de 16 de julho de 2009.

A jornada Integral corresponde a 40 horas semanais, sendo 33 horas em atividades com

alunos e 7 horas de trabalho pedagógico (HTP), dos quais 3 são cumpridos na escola e 4 em

local de livre escolha. A jornada básica corresponde a 30 horas semanais, sendo 25 horas em

atividades com alunos e 5 HTP, cumpridos 2 na escola e 3 em local de livre escolha. A

jornada inicial corresponde a 24 horas semanais, sendo 20 horas em atividades com alunos e 4

HTP, 2 na escola e 2 em local de livre escolha. Por fim, a jornada reduzida, que corresponde a

12 horas semanais, sendo 10 horas em atividades com alunos e 2 HTP na escola.

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127

O salário base de um professor da rede pública estadual paulista com jornada de 30

horas semanais é ilustrado abaixo, de acordo com a Lei Complementar nº 1.107, de 23 de

abril de 2010.

TABELA 2. – Salário dos professores de Educação Física escolar da rede pública estadual

paulista, 2010.

FAIXA/NÍVEL I II III IV V

1 1.188,37 1.247,79 1.310,17 1.375,68 1.444,46

2 1.485,46 1.559,74 1.637,71 1.719,60 1,805,58

3 1.782,56 1.871,69 1.965,26 2.063,52 2.166,69

4 2.079,65 2.183,63 2.292,80 2.407,44 2.527,81

5 2.376,74 2.495,58 2.620,34 2.751,36 2.888,93

Fonte: Diário Oficial de 24 de abril de 2010.

Segundo a Lei Complementar nº 1.107, o salário do professor da Educação Básica II –

PEB II, portador de curso de nível superior, atuando no ensino fundamental e médio, é

constituído por 5 faixas e 5 níveis de vencimentos. Esta lei foi instituída em decorrência do

sistema de promoção. Anteriormente a LC 1107, vigoravam duas faixas, com 5 níveis de

salários: Faixa I para os professores da Educação Básica I e Faixa II para os professores PEB

II, podendo progredir de nível mediante evolução pela via acadêmica e pela via não-

acadêmica, conforme LC 836. Com a LC 1.107, todos os professores (PEB I e PEB II) foram

reclassificados na Faixa I, mantendo a promoção de nível mediante evolução funcional e a

possibilidade de progredir de faixa, conforme o sistema de promoção. Com isso, um professor

mediante a apresentação do título de mestre, com jornada básica de 30 horas semanais, fica

reclassificado na Faixa I, Nível IV, correspondente a um salário de R$ 1.375,00 e um

professor ingressante no ano de 2011, com a mesma jornada, com um salário de R$ 1.188,37.

Já o professor que progrediu pelo sistema de promoção, fica reclassificado automaticamente

na Faixa II. Segue no quadro abaixo uma ilustração desta situação, com o valor da hora/aula

de cada um desses professores fictícios:

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TABELA 3. – Salário do professor da rede pública estadual paulista com Jornada Básica de

30 horas semanais

Professor

Faixa/Nível Salário Base Hora/Aula

(A) Ingressante 1/1 1.188,37 7,92

(B) Mestre 1/IV 1.375,68 9,17

(C) Promovido pelo sistema de promoção 2/I 1.709,60 11,39

Fonte: LC 836, de 30 de dezembro de 1997, LC 1094, de 16 de julho de 2009, LC 1097, de 27 de outubro de

2009, LC 1.107, de 23 de abril de 2010 e LC 977, de 06 de Outubro de 2005.

Esta realidade objetiva compõe a rede pública estadual paulista, na qual atuam os 36

professores de Educação Física escolar da Diretoria de Ensino da região de São José dos

Campos, sujeitos da pesquisa.

6.2. Procedimentos gerais para a produção das informações

Para produção das informações, foram utilizados dois tipos de fontes, conforme

caracterização feita por Luna (1996): Relatos Verbais Indiretos e Relatos Verbais Diretos,

com o intuito de compreender a dimensão subjetiva que compõe a realidade do trabalho com

o jogo, dando visibilidade ao mesmo.

6.2.1. Processo de produção das informações obtidas por meio de questionário

Para a produção das informações, num primeiro momento, utilizou-se de um

questionário, subdividido em duas partes: uma primeira, destinada à caracterização dos

sujeitos, com identificação do sujeito, descrição em relação ao tempo de atuação na Educação

Física escolar, na rede estadual e na escola que atua no ano de 2010; atuação em outro

segmento da EF; formação acadêmica, instituição de formação e ano de conclusão; séries em

que atua no ano de 2010; carga horária e motivo da escolha pela EF/área. Uma segunda parte,

contendo 3 perguntas abertas e 2 fechadas, destinada ao conhecimento da definição de jogo;

das dificuldades encontradas no trabalho com o jogo; do principal objetivo no trabalho com o

jogo, e, ainda, se o professor trabalha com o jogo em suas aulas e se o professor se dispõe a

participar, posteriormente, de uma entrevista de aprofundamento.

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129

6.2.2. Processo de produção das informações obtidas por meio de entrevista

Os relatos verbais diretos foram obtidos por meio de entrevista, realizada com 4

professores, dentre os 36 que responderam o questionário. A escolha desses quatro

professores foi feita a partir do tipo de resposta dada no questionário e da disponibilidade dos

professores em participar desta segunda etapa; vontade esta expressa ao final do questionário.

O conjunto de sujeitos apresentou uma diversidade de palavras para designar o jogo, as quais

dizem respeito à natureza do jogo, aos elementos que caracterizam e compõem o jogo, à

finalidade, aos processos ou habilidades que o compõem. Algumas respostas continham

aspectos variados e outras poucos aspectos. Portanto, a partir da categorização dos dados,

escolhemos dois dentre os sujeitos que continham na sua resposta uma diversidade muito

grande de aspectos: sujeitos 9 e 29 . Escolhemos mais dois que definiram o jogo de forma

imprecisa, minoritária e com poucos e imprecisos aspectos: sujeitos 15 e 18. Portanto,

entrevistamos os sujeitos 9, 15, 18 e 29. Ainda procuramos escolher dentre os sujeitos dois

homens, sujeitos 15 e 18, e duas mulheres, sujeitos 9 e 29, dentre os 25 que se dispuseram a

participar da entrevista, na qual procuramos explorar e aprofundar os dados do questionário.

Portanto, a partir das categorias construídas por nós como organizadoras das respostas

ao questionário, escolhemos dois professores de cada categoria para proceder com as

entrevistas de aprofundamento, com o objetivo de buscar informações complementares acerca

do sentido subjetivo sobre o jogo, isto é, captar o valor que o jogo tem para estes professores.

Segundo González Rey (2005, p. 111), “Os sujeitos individuais selecionados serão uma via

essencial para o aprofundamento das informações implicadas no desenvolvimento do modelo

teórico em construção”.

Elaboramos um roteiro de entrevista específico para cada professor, buscando

aprofundar as respostas dadas no questionário. Apesar de o roteiro de entrevista ter sido

elaborado de acordo com as respostas dadas no questionário, procuramos explorar aspectos

comuns e importantes de serem aprofundados, na concepção de cada professor, tais como: o

adversário num jogo competitivo e num jogo cooperativo; a construção das regras; o coletivo;

a função do trabalho com o jogo; como as pessoas encaram seu trabalho com o jogo; as

condições (dificuldades) de trabalho com o jogo; sentimentos dos alunos em relação ao

trabalho com o jogo e sentimentos pessoais quando joga.

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130

6.3. Procedimentos para o tratamento e análise das informações

Os dados dos questionários foram organizados em tabelas, a partir da construção de

categorias que englobavam as respostas e permitiam a diferenciação entre elas, informando-

nos sobre as características dos professores e sobre as concepções que expressaram nas

perguntas abertas.

As categorias sobre a escolha profissional, definição de jogo, dificuldades e objetivos

foram construídas com base nas seguintes perguntas:

1) Como foi sua escolha pela Educação Física? Por que escolheu esta área?

2) Defina jogo.

3) Quais as dificuldades que você encontra ao trabalhar com o jogo em suas aulas?

4) Qual o principal objetivo de trabalhar com o jogo nas aulas?

Assim, com base nas respostas a estas questões, construímos as seguintes categorias:

Para a questão 1: A) Porque a área contempla meus gostos; B) A área permite

determinados trabalhos; C) “Pelo acaso”.

Para a questão 2: A) Definem o jogo pela sua natureza; B) Definem o jogo pelos

elementos que o caracterizam e o compõem; C) Definem o jogo pelos objetivos/finalidades e

resultados que ele alcança; D) Definem o jogo pelas habilidades que ele envolve.

Para a questão 3: A) Condições de trabalho; B) Dificuldades apresentadas pelos

alunos; C) Características do jogo que não incluem a todos; D) Não tem dificuldades.

Para a questão 4: A) Aprendizado do convívio social (socialização); B) Habilidades

motoras, cognitivas e criatividade; C) Construção de regras e disciplina; D) Saber ganhar e

perder; E) Prazer de brincar; F) Autoconhecimento e conhecimento do mundo.

Para tratamento e interpretação das informações obtidas pelos relatos verbais diretos

foram seguidos os procedimentos dos “núcleos de significação” da forma como nos propõem

Aguiar e Ozella (2006), que são formas dialogantes de produzir informações. Esta forma de

análise nos permitiu analisar os motivos que impulsionam o professor a utilizar o jogo, o valor

dado a ele e o objetivo a ser alcançado, além de embasar a forma como ele trabalha com o

jogo em suas aulas.

Considerar a linguagem como instrumento de comunicação e organizadora do

pensamento é o elemento fundamental, neste tipo de análise, para compreendermos as ações

do sujeito e para podermos nos aproximar da compreensão da subjetividade, uma vez que a

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131

linguagem contém os sentidos que são carregados de significações coletivas, as quais

buscamos conhecer.

Os “Núcleos de Significação” propostos por Aguiar e Ozella (2006) nos permitem

destacar e analisar, na fala dos sujeitos, as palavras com significados dentro do contexto social

no qual estão inseridas, aproximando-nos da zona de sentidos, revelando o pensamento do

sujeito.

As palavras materializam-se de alguma forma nas significações constituídas no

processo social e histórico da EF escolar quando, por exemplo, o professor utiliza o jogo em

suas aulas como um meio para alcançar objetivos físicos e motores, ou quando o jogo é

desenvolvido para alcançar objetivos prioritários de outras disciplinas, ou ainda quando é

atribuída ao professor de EF a função de desenvolver talentos esportivos.

Portanto, analisamos os relatos verbais diretos dos professores de EF, buscando nos

aproximarmos dos sentidos constituídos em torno do jogo. No entanto, para apreender os

sentidos subjetivos constituídos pelo professor sobre o jogo é preciso ir além da fala,

buscando compreender seu pensamento que é “sempre emocionado, temos que analisar seu

processo, que se expressa na palavra com significado e, ao apreender o significado da

palavra, entendemos o movimento do pensamento” (AGUIAR; OZELLA, 2006, p.226).

Primeiramente, realizamos várias leituras flutuantes das falas obtidas por meio das

entrevistas aplicadas aos professores de EF atuantes na rede estadual da DRE de São José dos

Campos, com o objetivo de nos familiarizarmos com o material. Em seguida, destacamos e

organizamos os pré-indicadores, que são unidades constituídas por expressão do sujeito. Os

pré-indicadores são compostos por várias dimensões, conteúdos presentes nas expressões do

sujeito que indiquem certa frequência, seja por sua repetição ou pela reiteração. Como os pré-

indicadores reúnem uma grande diversidade, os autores propõem aglutiná-los por temática,

seja por similaridade ou semelhança, seja por complementaridade ou contraposição, que

servirão de orientação para estudar a concepção, o valor e a importância do jogo para esses

sujeitos; constrói-se aqui o que Aguiar e Ozella (2006) chamam de indicadores.

Antes do próximo passo, denominado de construção dos Núcleos de Significação, os

autores recomendam que se faça uma releitura do material, aproveitando para selecionar

trechos dos discursos que possam dar nomes aos núcleos.

O núcleo de significação é caracterizado por um processo de articulação dos

indicadores, que resultará num processo de análise intranúcleo e internúcleo entre os vários

núcleos de significação.

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132

Com isto, demos visibilidade às significações do jogo presentes na EF escolar,

permitindo levantar hipóteses sobre as estratégias, que incluem jogos que os professores

utilizam em suas aulas. O estudo pretendeu contribuir com a presença mais forte e coerente do

jogo e com a criação de formas de intervenção que contribuam para a formação desses

profissionais, enriquecendo o processo ensino-aprendizagem do ensino da EF escolar.

Segundo Aguiar (2009b), a linguagem é o instrumento fundamental no processo de

constituição do sujeito, contato consigo mesmo, com os outros e com o meio e para apreensão

dos sentidos e significados. Para tal, toma-se como referência a palavra, que é a menor

unidade de apreensão dos sentidos, e que representa o objeto da consciência, possibilitando

entender o movimento do pensamento. Depois que aplicamos os questionários, selecionamos

os sujeitos para realizarmos as entrevistas de aprofundamento. Para a construção do roteiro de

entrevista, partimos do questionário de cada um dos quatro sujeitos, da discussão teórica e do

próprio objetivo da pesquisa e, então, criamos eixos temáticos organizativos para o debate

junto aos professores.

Após a realização das entrevistas, partimos para a construção dos núcleos de

significação. Realizamos o mesmo procedimento para cada um dos quatro sujeitos.

Primeiramente, transcrevemos na íntegra a entrevista realizada com o professor Júlio César.

Realizamos várias leituras, com o objetivo de compor os eixos temáticos com os discursos do

professor. São eixos que apresentam uma similaridade nos temas, mas para cada um dos

professores indicamos eixos temáticos específicos.

Para o professor Júlio César, construímos os seguintes eixos temáticos: Escolha/não

escolha pela Educação Física/área; Valorização/desvalorização do jogo na formação; A

função do trabalho com o jogo na escola; Como os outros professores e a equipe gestora

encaram o trabalho com o jogo; Condições de trabalho com o jogo e Coerência entre

planejamento e ação.

Segue parte da entrevista sobre o tema: escolha profissional, realizada com o professor

Júlio Cesar. É apenas um exemplo para ilustrar como o processo de tratamento das

informações obtidas por meio da entrevista foi constituído. Logo em seguida, apresentamos os

eixos temáticos organizados a partir da entrevista com o professor Júlio César, a análise,

discussão dos dados e, ao final, a síntese da entrevista. Procedemos da mesma maneira com os

demais professores.

Parte de entrevista

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133

Pesquisadora: Na questão sobre a escolha profissional, você alega, dentre outros motivos,

que a escolha pela Educação Física/área foi porque passou no concurso. Você poderia

explicar melhor sua resposta?

Professor: Assim, eu tive a oportunidade de partir para a área de engenharia. Fiz SENAI, aí

trabalhei quatro anos numa empresa, tava fazendo curso técnico, aí saí para mexer com

esporte, competir com atletismo. Mas aí, assim, não suportava mexer com empresa (risos).

Então, assim, eu tinha uma necessidade muito grande de trabalhar com gente e, justamente,

quando eu comecei a mexer com colônia de férias, eu tive uma identificação muito grande

com a área de Educação Física. Então, assim, eu tenho a vocação pra ser professor de

Educação Física. Então, esta foi minha opção. E, antes, eu só mexia com academia, então,

assim, logo que eu me formei sai, assim, pegando tudo que ... primeiros empregos, aí, eu

consegui mexer com escola e academia. Só que, a escola, a educação sempre foi algo que eu

gostei, mas não era minha atividade principal. E aí, a partir do concurso que se transformou

atividade principal. Aí então... tanto é que eu pegava... tinha poucas aulinhas. Dava aula, acho

que, um dia de natação e futebol numa escola de educação infantil, aí depois fui para esta

escola particular que eu trabalho atualmente, de Educação Física de 1ª a 4ª, e aí eram poucas

aulas, eram 5 ou 6 aulas por semana, o restante era só academia. Aí depois que eu passei no

concurso do estado que eu inverti a carga horária.

Pesquisadora: Você era atleta de atletismo e concomitantemente trabalhava na empresa.

Você não gostava de atletismo?

Professor: Eu não gostava de trabalhar na empresa. Assim, eu já tinha uma carreira mais ou

menos encaminhada, que eu fazia curso técnico na ETEP e trabalhava na área do curso

técnico. Então, era só terminar curso técnico, já entrava... já estava dentro da empresa já e

fazia engenharia.

Pesquisadora: Concomitante você era atleta?

Professor: Isso. E nas horas de lazer, como lazer, eu fazia o atletismo. Só que aí, nossa, ir

trabalhar na empresa pra mim era um desespero. Calçar o botinão, ficar lá, mexer com

desenho, material, organizar as coisas. Nossa!

Pesquisadora: Interessante, algumas vezes, a gente houve depoimentos que a questão de ser

atleta interfere, de alguma forma, na escolha; e você procurou algo diferente. Você pode

falar sobre isso?

Professor: Tanto é que, assim, quando no meu primeiro ano de faculdade, foi em Presidente

Prudente, eu pretendia continuar competindo, fazer a faculdade já... E aí eu tive contato, eu fui

ver, tive a oportunidade de conhecer a vida de atleta mesmo. De que lá, em Presidente

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134

Prudente tem equipe profissional, pessoal que vai para as Olimpíadas. E, assim, eu sabia que

não ia chegar no nível olímpico (risos). Eu sabia das minhas limitações. Poderia ser um atleta

de nível médio, disputar campeonatos brasileiros, estaduais. Quando eu vi a vida que o

pessoal levava, eu falei: “Eu não quero isso pra mim não!” Então, eu vou me dedicar,

justamente, a Educação Física. E, assim, durante a graduação, nossa, eu aproveitei muito a

faculdade. Participava, assim ... logo no primeiro ano participava com o grupo que mexia com

avaliação. Já fui mexer com Stard para dar aula de futebol. Assim, eu tinha vontade de mexer

com Educação Física adaptada. Em Presidente Prudente eu ajudei a criar um grupo de atuação

que trabalhava junto com a sala de recurso, procurei o professor, procurei a sala, e aí eu fui

dar aula na sala de recurso. Aí depois, quando eu fui para Rio Claro, eu fui mexer com a

Psicologia de Esporte, mexer com a parte de aprendizagem motora, fui mexer com a parte de

Educação Física adaptada e aprendizagem motora, porque a professora trabalhava com as

duas áreas. Uma coisa, a professora lançou um livro, lá e estava vendo um livro e utilizou

muito da minha monografia. Não me citou! Eu vou brigar com ela. (risos).

Pesquisadora: A sua monografia foi sobre EF adaptada?

Professor: Foi. Foi sobre a inclusão, como ocorria a inclusão. Uma proposta para a inclusão

brasileira. Como ocorreu na Europa... na Espanha, na Alemanha, Inglaterra, Austrália,

Estados Unidos e como estava ocorrendo no Brasil. Em cima disso eu fiz uma crítica e alguns

indícios. Então, eu acho que toda esta miscelânea de coisas contribuiu pra a minha formação.

E também, assim, sempre fui muito apaixonado pela área de Educação Física. E, depois que

eu me formei nunca perdi o contato com a Educação. Não eram meus planos. Meus planos, de

repente, estar mexendo... Eu tinha uma academia, antes... eu tinha academia de musculação, aí

depois eu acabei tendo que vender... minha ideia era mexer com cardíacos, tudo, com clínica,

mas aí, como surgiu essa oportunidade, principalmente, dentro do concurso, uma estabilidade

financeira, daí, acabou contribuindo pra...

Os trechos destacados foram agrupados e dispostos em quadros, compondo a

construção dos eixos temáticos. O critério realizado para agrupamento dos trechos foi de

similaridade e contraposição. Cada quadro foi organizado com temas, de acordo com o

objetivo da pesquisa. Os trechos destacados e agrupados em quadros correspondem aos eixos

temáticos. Segue abaixo, um exemplo, da construção dos eixos temáticos:

Escolha/ não escolha pela Educação Física/área

“(...) trabalhei quatro anos numa empresa (...) saí para mexer com esporte, competir com atletismo.

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135

(...) não suportava mexer com empresas.”

“(...) eu tinha uma necessidade muito grande de trabalhar com gente e, justamente, quando eu

comecei a mexer com colônia de férias, eu tive uma identificação muito grande com a área de

Educação Física.”

“(...) eu tenho uma vocação pra ser professor de Educação Física. Então, esta foi minha opção.”

“(...) antes, eu só mexia com academia, então, assim, logo que eu me formei sai, assim, pegando

tudo que... primeiros empregos, aí, eu consegui mexer com escola e academia. Só que, a escola (...)

não era minha atividade principal. (...) a partir do concurso que se transformou atividade principal.”

“Eu não gostava de trabalhar na empresa. (...) eu já tinha uma carreira mais ou menos encaminhada

(...) era só terminar o curso técnico (...) já estava dentro da empresa já e fazia engenharia.”

“(...) ir trabalhar na empresa pra mim era um desespero. Calçar o botinão, ficar lá, mexer com

desenho, material, organizar as coisas.”

“(...) tive a oportunidade de conhecer a vida de atleta mesmo. (...) Quando eu vi a vida que o

pessoal levava, eu falei: „Eu não quero isso pra mim não! ‟”.

“(...) sempre fui apaixonado pela área de Educação Física. (...) não eram meus planos. (...) minha

ideia era mexer com cardíacos, tudo, com clínica, mas aí como surgiu essa oportunidade,

principalmente, dentro do concurso, uma estabilidade financeira (...)”

Após a construção e disposição dos eixos temáticos em quadros, realizamos várias

leituras entre os eixos temáticos (intra e inter), com o objetivo de construir os núcleos de

significação. Este procedimento contou, novamente, com o critério de similaridade e

contraposição. O mesmo procedimento foi realizado com as outras três entrevistas. O trabalho

segue com a análise das informações, primeiramente os dados obtidos por meio dos

questionários e, em seguida, os dados obtidos por meio das entrevistas.

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136

Capítulo 7. Análise das informações e conclusões

Foram realizados, conforme anunciado no capítulo anterior, dois tipos de

procedimentos de análise das informações: para os questionários, os dados foram organizados

em tabelas a partir da construção de categorias e, para as entrevistas, foram construídos os

núcleos de significação.

7.1. Análise das informações obtidas por meio de questionários

Em cada questão foram sistematizadas as respostas: agrupamento das respostas de

cada um dos 36 sujeitos, destaque das palavras ou frases que permitiram a construção de

categorias mais abrangentes de respostas e, por fim, a construção das categorias. Cabe

ressaltar que algumas respostas se encaixaram em mais do que uma categoria, atingindo um

total maior que 36.

As palavras ou frases que compõem as categorias estão organizadas em tabelas, sendo

que após a apresentação de cada tabela foi elaborada uma síntese destas. . Após a

apresentação das tabelas, fizemos também um resumo dos significados que o jogo constitui

para os professores de Educação Física escolar.

7.1.1. Caracterização dos sujeitos

Conforme mencionado anteriormente, 36 professores da rede que ministram a

disciplina de Educação Física escolar responderam os questionários. Seguem informações que

permitem a caracterização destes professores: tempo de atuação na EF escolar, na rede

estadual e na atual escola; ano de ingresso na rede estadual; atuação em outro segmento da

Educação Física; tempo de formação acadêmica, ano e instituição; formação continuada;

séries em que atua; carga horária e motivo da escolha profissional.

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TABELA 4. – Tempo de atuação

EF escolar Rede estadual Na atual escola

N % N % N %

(A) 1 ano - - - - 4 11

(B) 2 anos - - - - 8 22

(C) 3 anos - - - - 1 2,5

(D) 4 anos - - - - 1 2,5

(E) 5 anos 10 28 18 50 14 39

(F) De 6 a 10 anos 9 25 6 16,5 5 14

(G) De 11 a 15 anos 7 19,5 6 16,5 1 3

(H) De 16 a 20 anos 7 19,5 3 8,5 1 3

(I) De 21 a 23 anos 2 5,5 2 5,5 - -

(J) 27 anos 1 2,5 1 3,0 - -

(K) Não Respondeu - - - - 1 3

Total 36 100 36 100 36 100

Quanto ao tempo de atuação na Educação Física escolar, os dados indicam que 28%

dos 36 professores atuam há 5 anos na profissão, o que corresponde à atuação na Educação

Física escolar desde o ano de 2006 até 2010; seguidos de 25% que atuam entre 6 a 10 anos, o

que corresponde à atuação entre os anos de 2001 a 2005; de 19,5% de 11 a 15 anos, o que

corresponde aos anos de 2000 a 1996; de 19,5% de 16 a 20 anos, o que corresponde aos anos

de 1995 a 1991, de 5,5% de 21 a 23 anos, o que corresponde aos anos de 1990 a 1988 e, por

último, uma pequena minoria, 2,5%, que atua há 27 anos(um único professor que está atuando

desde o ano de 1984). Estava assim a amostra distribuída entre professores com maior ou

menor tempo de exercício docente.

No que se refere ao tempo de atuação na rede pública estadual paulista, os dados

revelam que 18% atuam até há 5 anos, o que equivale a dizer que ingressaram na rede

estadual paulista entre os anos de 2006 a 2010; 6% têm de 6 a 10 anos de atuação, portanto

ingressaram entre 2001 e 2005; 6% atuam de 11 a 15 anos, o que significa que ingressaram

entre 1996 e 2000; 3% têm de 16 a 20 anos de atuação, o que corresponde ao ingresso de

1991 a 1995; 2% atuam de 21 a 23 anos, o que corresponde aos ingresso entre os anos de

1988 a 1990; por fim, 1% atua na rede estadual há 27 anos, ou seja, desde 1984.

É interessante ainda observar que a quantidade de anos trabalhados na atual escola é

inferior aos anos trabalhados na rede estadual pública paulista, concentrando a maioria destes

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138

professores com atuação há até 5 anos de trabalho na mesma escola. É possível ainda notar

que 77% dos professores atuam na mesma escola de 5 anos a 1 ano – dos 77%, 22% dos

professores atuam na mesma escola há 1 ano; 11% há 2 anos; 2,5% há 3 anos; 2,5% há 4

anos; 39%, há 5 anos. . É possível afirmar que existe uma rotatividade grande entre os

professores da rede estadual paulista.

TABELA 5. Ano de ingresso na rede estadual

Frequência Porcentagem

N %

(A) 2006 19 53,0

(B) 2004 1 3,0

(C) 2003 4 11,0

(D) 2002 2 5,5

(E) 2001 4 11,0

(F) 2000 1 3,0

(G) 1994 3 8,0

(H) 1990 2 5,5

Total 36 100

Referente ao ano de ingresso na rede estadual, os dados indicam que 5,5% dos

professores que responderam ao questionário ingressaram em 1990 como professor efetivo da

rede estadual; 8% ingressaram em 1994; 3% ingressaram em 2000; 11% em 2001; 5,5% em

2002; 11% em 2003; 3% em 2004 e a maioria, 53%, em 2006.

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139

TABELA 6. – Atuação em outro segmento da Educação Física

Segmentos da Educação Física Frequência Porcentagem

N %

(A) Academia, clubes e escolas de esportes 15 33,5

(B) Recreação 4 9,0

(C) Arbitragem 2 4,5

(D) Ginástica Laboral e Personal 1 2,25

(E) Ensino Superior 2 4,5

(F) Educação Infantil 5 11,0

(G) Educação Especial 1 2,25

(H) Terceira idade 2 4,5

(I) EJA 2 4,5

(J) Sim (mas não informou) 3 6,5

(K) Não 3 6,5

(L) Não respondeu 5 11,0

Total 45 100

A maior concentração de professores atua em academias e clubes, recreação,

arbitragem e ginástica laboral e personal, tendo, portanto, 49,25% do total de professores uma

prática profissional mais diversificada.

TABELA 7. – Tempo de Formação Acadêmica

Licenciatura em

Educação Física

N %

(A) De 2005 a 2000 17 47,5

(B) De 1996 a 1994 2 5,5

(C) De 1991 a 1990 7 19,5

(D) 1987 2 5,5

(E) De 1984 a 1980 4 11

Não responderam 4 11

Total 36 100

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140

É possível notar nesta tabela que trata do tempo de formação acadêmica que 47,5%

dos professores são formados entre 2005 a 2000, o que equivale a 5 a 10 anos de formação;

5,5% são formados em 1996 e 1995, o que equivale a 14 a 15 anos de formação; 19,5% entre

1994 a 1990, o que equivale a 16 a 20 anos de formação; 11% graduaram-se em d 1987, o que

equivale a 23 anos de formação ; e, por fim, 11% são formados entre 1984 a 1980, o que

equivale a 26 a 30 anos de graduação.

TABELA 8. – Instituição de formação

Instituição Superior Frequência Porcentagem

N %

(A) UNITAU 12 33,5

(B) Univap 4 11

(C) ESEFIC 5 14

(D) UNESP 2 5,5

(E) USP 1 3,0

(F) OSEC 1 3,0

(G) UFSCAR 1 3,0

(H) UNICAMP 1 3,0

(I) FIG 1 3,0

Não responderam 8 22,0

Total 36 100

Um número expressivo de professores foi formado nas escolas de Educação Física da

região em que eles trabalham hoje: 33,5% na UNITAU; 11% na UNIVAP; 14% na ESEFIC;

22% não responderam a esta questão.

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141

TABELA 9. – Formação continuada

Nível de ensino Especialização Latu Sensu

N %

(A) Treinamento Esportivo 1 3,0

(B) Educação Física escolar 1 3,0

(C) Gestão Escolar 2 5,0

(D) Mestrado em Saúde Coletiva 1 3,0

Graduação (Licenciatura ou Bacharelado) 31 86,0

Total 36 100

A maioria dos professores, 86% deles, não possui curso de pós-graduação em nível de

especialização e em nível de mestrado (Latu Sensu) ou doutorado (Strictu Sensu); 5%

possuem curso de especialização em Gestão Escolar e 3% em Educação Física escolar.

TABELA 10. – Séries de atuação

Nível de ensino Frequência Porcentagem

N %

(A) Ciclo I 2 5,5

(B) Ciclo I e II 6 16,5

(C) Ciclo I, II e EM 23 64,0

(D) Ciclo I e EM 3 8,5

(E) Ciclo I, II, EM e ACD 2 5,5

Total 36 100

Dos 36 professores efetivos que atuam no Ciclo I, no ano de 2010, apenas 5,5% atuam

somente no Ciclo I, sendo que 16,5% atuam no Ciclo I e Ciclo II, 8,5% atuam no Ciclo I e

Ensino Médio; 5,5% atuam no Ciclo I, II, Ensino Médio e turmas de ACD _ Atividades

Curriculares Desportivas e por fim, 64%, atuam no Ciclo I, II e Ensino Médio, concentrando-

se, portanto, a grande maioria dos professores na atuação concomitante no Ciclo I, Ciclo II e

Ensino Médio.

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142

TABELA 11. – Carga Horária

Carga horária semanal com alunos Frequência Porcentagem

N %

(A) Reduzida (10 aulas em atividades com alunos

e 2 HTPC)

0 0

(B) Inicial (20 aulas em atividades com alunos e 4

HTP)

9 25

(C) Básica (25 aulas em atividades com alunos e 5

HTPC )

6 16,5

(D) Integral (33 aulas em atividades com alunos e

7 HTPC)

21 58,5

Total 36 100

No que se refere à carga horária, 58,5% dos professores têm carga horária integral;

25% têm carga inicial; 16,5% carga básica e ninguém tem carga reduzida. É possível afirmar

que a maioria dos professores atua na Educação Física escolar com carga horária máxima de

trabalho, atuando em todos os níveis de ensino.

TABELA12. – Motivo da escolha profissional

Motivos Frequência Porcentagem

N %

(A) Porque a área contempla meus gostos 25 69,5

(B) Área permite determinados trabalhos 6 16,5

(C) “Pelo acaso” 5 14

Total 36 100

Quanto aos motivos da escolha dos professores pela Educação Física, 70% deles

apresentaram motivos relacionados ao fato da Educação Física ser uma área que contempla,

de alguma forma, os seus gostos, as atividades que eles já realizam, atividades que eles fazem

desde pequenos. Aparecem nesta categoria respostas como: gosto do movimento, gosto do

trabalho corporal, sempre gostei de EF, sempre gostei de praticar esporte, gosto porque acho

divertido, sempre fui atleta. Dos professores pesquisados, 16% apresentam motivos

relacionados ao fato de a área permitir trabalhos que eles consideram importantes; aparecem

respostas como: é uma área que permite o trabalho com crianças e pessoas em geral, é uma

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área relacionada à saúde, é uma área que os alunos gostam e se motivam, é uma área que as

crianças gostam porque tem atividade prática, é uma área que permite um determinado tipo

de trabalho. Dos sujeitos da pesquisa, 14% estão na categoria que denominamos “pelo acaso”;

as respostas que apareceram são: porque fiz um teste vocacional, porque fiz um concurso e

passei, porque eu morava em frente da faculdade e porque tive ótimos professores.

7.1.2. Questões que envolvem a definição de jogo; utilização nas aulas,

dificuldades e objetivos

Ao arrolarmos todas as respostas que os 36 sujeitos deram à questão Defina jogo,

percebemos que o conjunto de sujeitos apresentou um rol bastante grande de palavras para

apresentar sua definição. Ao mesmo tempo, toda a variedade de respostas dada pelos sujeitos

acabava nos parecendo pertencentes a uma mesma concepção. Nas categorias que

construímos para dar visibilidade às respostas, no entanto, procuramos não perder a

diversidade de palavras e de aspectos que os sujeitos, em sua homogeneidade, escolheram

para definir o jogo. Quatro diferentes categorias foram então construídas: uma que inclui as

respostas ou partes das respostas que privilegiaram a natureza do jogo; uma que contém as

indicações de elementos que caracterizam e compõem o jogo; uma que inclui os destaques

feitos aos objetivos/finalidade e resultados e, uma última, que contém os processos ou

habilidades que o jogo envolve, isto é, pré-condições/aspectos dos sujeitos envolvidos no

acontecer do jogo. Dentro de cada uma destas categorias indicamos diferentes subcategorias.

Optamos ainda por destacar as respostas que, dentro da categoria “Natureza do jogo”, trazia a

definição de jogo como uma atividade, permitindo visibilidade à diversidade de respostas

nesta direção.

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TABELA 13. – Natureza do jogo

Frequência Porcentagem

N %

(A) Definições pela Natureza do jogo 36 27

(B) Definições pelos elementos que

caracterizam e compõem o jogo

54 40,5

(C) Definições pelos objetivos/

finalidades e resultados do jogo

31 23,5

(D) Definições pelas habilidades que o

jogo envolve

12 9

Total 133 100

TABELA 13a. – Natureza do jogo

Qualidades e aspectos essenciais que o definem Frequência Porcentagem

N %

(A) O jogo é uma estratégia 1 3

(B) O jogo é uma atividade 24 67

(C) O jogo é competição/disputa 4 11

(D) O jogo é ferramenta pedagógica 1 3

(E) O jogo é o lúdico/brincar 2 5,5

(F) O jogo é arte da interação 1 3

(G) O jogo são regras 1 3

(H) Não definiu 2 5,5

Total 36 100

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145

TABELA 13b. – Definem o jogo como Atividade

Definem o jogo como atividade Frequência Porcentagem

N %

(A) Para atingir os objetivos da EF escolar 1 4

(B) Física/motora/mental 3 12,5

(C) Lúdica/divertida/recreativa 9 37,5

(D) Livre 1 4

(E) Com regras 7 30

(F) Em certo tempo e espaço 1 4

(G) Voluntária 1 4

(H) Em que todos participam 1 4

Total 24 100

TABELA 13c. – Definem apresentando elementos que caracterizam o jogo

Elementos que caracterizam o jogo Frequência Porcentagem

N %

(A) Regras (poucas, flexíveis e consentidas) 19 35

(B) Prazer/diversão/lúdico/brincadeira 9 16,5

(C) Competitivo 7 13

(D) Espontâneo 2 4

(E) Motivante 1 2

(F) Individual ou em grupo 5 9

(G) Cooperação 6 11

(H) Participação 1 2

(I) Tempo 3 5,5

(J) Espaço 1 2

Total 54 100

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146

TABELA 13d. – Definem o jogo pela finalidade/objetivo (resultados do jogo)

Finalidade do jogo Frequência Porcentagem

N %

(A) Formativa e educacional 8 26

(B) Estimulação para o esporte 1 3

(C) Desenvolvimento individual ou do grupo 1 3

(D) Autoconhecimento 1 3

(E) Estimulação e desenvolvimento das habilidades

motoras, físicas, mentais e criatividade

14 45,5

(F) Recreação 2 6,5

(G) Aprendizado de valores e normas 4 13

Total 31 100

TABELA 13e. – Definem o jogo pelos processos ou habilidades que o jogo envolve

Definem o jogo pelos processos ou habilidades que o

jogo envolve

Frequência Porcentagem

N %

(A) Habilidades físicas e motoras 2 16,5

(B) Socialização 5 42

(C) Emoção 2 16,5

(D) Tensão 1 8,5

(E) Respeito ao outro 2 16,5

Total 12 100

O maior número de respostas está na categoria dos elementos que caracterizam

o jogo: regras, diversão, competição, cooperação, motivação, poder ser individual ou em

grupo. As maiores porcentagens estão nas regras (35%), seguidas do lúdico (16,5%), do

competitivo (13%) e da cooperação (11%).

A natureza do jogo traz também estes elementos, mas as respostas se concentram na

palavra ATIVIDADE (67%) e na especificação dela; encontramos também a qualidade lúdica

(37,5%) e as regras (30%).

Em seguida, encontramos as palavras e trechos da definição que destacam o objetivo

ou finalidade do jogo: : a maior parte das respostas está concentrada no fato de ser o jogo uma

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147

atividade que estimula o desenvolvimento de habilidades motoras, físicas e mentais, além de

estimular a criatividade (45,5%).

Um número menor de palavras ou trechos das respostas indicou os processos ou

habilidades que o jogo envolve. Aqui a socialização aparece como o processo mais importante

(42%).

O jogo é assim definido como uma atividade caracterizada por vários elementos, tem

uma finalidade relacionada ao desenvolvimento de habilidades e é um processo que envolve

socialização. As regras e o lúdico são fundamentais na definição.

TABELA 14. – Utilização do jogo nas aulas

Trabalho com o jogo Frequência Porcentagem

N %

(A) Resposta afirmativa 36 100

(B) Resposta Negativa 0 -

Total 36 100

Como era de se esperar, 100% dos sujeitos que responderam ao questionário utilizam

o jogo em suas aulas de Educação Física. A partir desta constatação, buscamos, então as

concepções, a finalidade ou objetivo deste uso e as dificuldades. Nossa hipótese de trabalho é

de que os professores utilizam os jogos, como afirmaram, mas o inserem pouco em projetos

mais amplos de educação, concebendo-os de forma simplificada e naturalizada. Seguem os

dados:

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148

TABELA 15. – Dificuldades encontradas no trabalho com o jogo

Fatores que dificultam Frequência Porcentagem Descrição

N %

(A) Condições de trabalho 23 28,5 Número alto de alunos (8)

Falta de material (6)

Estrutura física (5)

Tempo para planejar (2)

Tempo para ler (1)

Tempo de aula (1)

(B) Dificuldades

apresentadas pelos alunos

52 64 Dificuldades do convívio

cooperativo, inclusivo e

harmonioso (21)

Dificuldade de as crianças

se organizarem (2)

Dificuldade de

participação de todos (7)

Dificuldades com regras

(14)

Não gostam de perder (7)

Falta de cultura corporal

(1)

(C) Características do jogo

que não incluem a todos

2 2,5 Números definidos de

participantes (1)

Estimulo à competição

contida no jogo (1)

(D) Não tem dificuldades 4 5

Total 81 100

Quanto às dificuldades no trabalho com o jogo, os resultados apresentam respostas que

foram categorizadas como dificuldades nas condições de trabalho; 28% apresentam respostas

deste tipo e dentro desta categoria vamos encontrar: número de alunos na sala de aula, falta de

material, estrutura física do prédio, tempo que eles têm para planejar, para ler, para se

prepararem e tempo de aula; deste conjunto, a maior parte das respostas está no número de

alunos na sala, seguida pela falta material e pela estrutura física. Uma segunda categoria, é

aquela que os professores apresentam as dificuldades para o trabalho com o jogo atribuindo

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aos alunos, ou seja, a dificuldades que os alunos tem. Nesta categoria encontramos 64% das

respostas, desde dificuldades para um convívio harmonioso, que é a grande maioria das

respostas, até processo de exclusão de alguns, dificuldades de um convívio pacifico, violência

presente na relação entre eles, que representam 40%. Em seguida apresentam dificuldades

com as regras, têm dificuldades de respeitar e de cumprir as regras, inclusive inventam regras.

Depois vamos ter as dificuldades de participação de todos, que se refere às características dos

alunos (não por convívio), mas porque falta motivação, não gostam de determinado jogo por

uma questão de gênero, as meninas gostam mais de um tipo e os meninos de outros,

dificuldades de participação por características dos alunos, motivação, interesse, atenção.

Dificuldade de perder, de se organizar e com a cultura corporal. Depois, as características do

jogo, o jogo dificulta a inclusão de todos, são poucas respostas, apresentando apenas 3% das

respostas e por fim, 5% dizem que não tem dificuldades.

TABELA 16. – Objetivo de trabalhar com o jogo

Objetivo do trabalho com o jogo Frequência Porcentagem

N %

(A) Aprendizado do convívio social (socialização) 24 29,5

(B) Habilidades motoras, cognitivas e criatividade 27 33,5

(C) Construção de regras e disciplina 13 16

(D) Saber ganhar e perder 3 3,5

(E) Prazer de brincar 8 10

(F) Autoconhecimento e conhecimento do mundo 6 7,5

Total 81 100

Ao perguntarmos sobre o objetivo de trabalhar com o jogo, a maior parte das

respostas, 33,5%, localiza-se na possibilidade que eles veem no jogo de desenvolvimento de

habilidades motoras, cognitivas, afetivas, de sociabilidade e de criatividade. Aqui aparecem o

movimento e as habilidades motoras, mas também as noções de espaço, atenção, raciocínio,

capacidade de resoluções rápidas e inovadoras. O rol de aspectos nesta categoria é

significativo. Uma segunda categoria é a possibilidade que o jogo tem de ser um processo de

socialização e, portanto, de ajudar no aprendizado do convívio social. Aqui aparecem

respostas que indicam o jogo como facilitador das relações e da capacidade de conviver em

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grupo. Respeito, cooperação, participação, convivência são palavras trazidas para caracterizar

esta possibilidade e objetivo para o uso do jogo. Depois, com 16%, aparecem as respostas que

valorizam o jogo como uma possibilidade de aprender a lidar com regras, a construí-las e a

ser disciplinado. O uso das regras parece ser considerado algo obrigatório e natural, devendo

o jogo ajudar as crianças e jovens a utilizá-las e obedecê-las. Dos professores pesquisados,

10% indicam o prazer dos alunos em brincar, o aspecto lúdico é destacado nestas respostas.

Consideram que as crianças e jovens se sentem motivados pelo aspecto lúdico dos jogos. Há

para eles um prazer em brincar e o uso do jogo permite esta vivência. Aparecem respostas que

indicam a possibilidade de o jogo ajudar no autoconhecimento e no conhecimento do mundo;

indicam visão de mundo, conscientização do contexto social e cultural, autocrítica e

autoconhecimento como objetivos para o uso do jogo. E 3,5% informam que o objetivo é

aprender a ganhar e perder. No conjunto de respostas, o objetivo de trabalhar com o jogo está

relacionado à potencialidade que percebem na atividade para o desenvolvimento dos sujeitos,

seja para conviver ou para se conhecer ou desenvolver pessoalmente em suas habilidades. O

jogo é uma atividade claramente potente para os professores.

7.1.3. Síntese da significação de jogo obtida por meio dos questionários

Prosseguimos com a análise dos questionários, buscando organizar e sistematizar as

respostas dadas pelos professores de EF escolar da rede estadual da diretoria de São José dos

Campos/SP, que atuam com as primeiras séries do ensino fundamental, a fim de categorizar

os sujeitos e identificar-lhes a concepção de jogo, a utilização ou não nas aulas, as

dificuldades encontradas no trabalho com o jogo e os objetivos.

Tomamos como norte para análise dos questionários as palavras e frases com sentidos

que, de alguma forma, expressassem a visão do professor em relação à escolha profissional, à

definição de jogo, aos objetivos e dificuldades encontradas no trabalho com o jogo. . Após

analisarmos as respostas, pudemos perceber que a ênfase da concepção recai sobre o aspecto

lúdico do jogo, que é apresentado de forma abstrata pelos professores. Muitos reconhecem o

papel educativo, mas não o explicitam e nem relacionam a um projeto educativo específico,

ou seja, não indicam um determinado tipo de educação ou de aluno que desejam formar,

contexto em que o jogo apareceria como ferramenta importante. A educação aparece, como o

lúdico, sem que se explicite qual educação.

Acreditamos que as significações expressas nas definições e caracterizações do jogo

apresentam-no por meio de uma visão naturalizante, ou seja, está concebido como uma

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151

atividade humana, em uma visão evolutiva, com base na dinâmica interna da atividade do

brincar, cujo desenvolvimento é garantido pela simples ação autônoma do sujeito. O jogo é

uma atividade humana (natural) que permite que os sujeitos desenvolvam o que possuem já

como potencialidades.

Quanto aos objetivos do trabalho com o jogo, temos a maioria das definições centrada

na ideia de convívio social/socialização, seguida pela ideia de habilidades motoras, cognitivas

e na criatividade, sendo o trabalho com o jogo visto como um meio para “desenvolver as

habilidades motoras, afetivas, cognitivas e também a socialização”. Esta ideia de que o papel

do jogo é melhorar a aptidão física aparece na questão que aborda a concepção de jogo, em

que a maior parte das definições é centrada nos aspectos biológicos, voltado ao

desenvolvimento das habilidades físicas e mentais. Trata-se de visão “biológica” do trabalho

com o jogo na Educação Física escolar, que se apresenta de forma parcial e funcionalista, na

medida em que é papel do jogo formar fisicamente os indivíduos para a prática social.

As regras são vistas como algo pré-definido, que o individuo deve adaptar, respeitar,

aceitar, compreender, cumprir ou seguir, contribuindo para a disciplina e a interação entre os

participantes.

O fenômeno jogo é concebido de forma abstrata, naturalizante, como característica

própria e universal da espécie humana. Em algumas respostas, os termos lúdico e lúdica são

utilizados aleatoriamente para definir o jogo, como se estes termos dessem conta de definir o

jogo. Na quase totalidade das respostas, o jogo é definido como atividade: atividade para

atingir os objetivos da EF escolar, atividade física/motora/mental, atividade livre, atividade

voluntária, lúdica/divertida/recreativa, atividade com regras, atividade em certo tempo e

espaço e atividade em que todos podem participar. Muitos destes termos podem ser utilizados

para qualquer tipo de atividade, sem, contudo, estar associado às características específicas do

jogo.

O que se observa nas respostas é a referência ao jogo como uma atividade

desvinculada do processo de constituição e de desenvolvimento do aluno enquanto sujeito,

mas relacionada ao desenvolvimento do que é potencial e, de certa forma, inato. Assim, nas

respostas dos professores de EF no que se refere às principais dificuldades encontradas em

trabalhar com o jogo nas aulas, apareceram atribuídas aos alunos as seguintes: dificuldades

do convívio cooperativo, inclusivo e harmonioso; dificuldades de as crianças se organizarem;

dificuldade de participação de todos; dificuldades com regras; dificuldades por não gostarem

de perder; falta de cultura corporal dos alunos; dificuldades relacionadas às condições de

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152

trabalho por causa do número excessivo de alunos e da falta de material, de estrutura física,

de tempo para planejar, de tempo para ler e de tempo de aula.

Em todas as respostas está presente a ideia da existência de regras, sejam elas

definidas individualmente ou pelo grupo, pelos alunos ou pelo professor; implícitas ou

explicitas; poucas/pequenas/simples ou ausentes; consentidas ou alteradas. Regras que estão

associadas ao próprio desenvolvimento do jogo, que não é articulado com as regras existentes

nos diversos espaços sociais. As regras não são pensadas como formas culturais de

organização das relações e não são objeto de questionamentos, seja para problematizar o

modo como foram constituídas pelos alunos, seja para refletir sobre a discriminação, exclusão

e significações presentes nos jogos e nos esportes modernos, contexto em que os alunos têm

participação. Elas devem ser aplicadas, variadas, criadas, respeitadas, compreendidas,

seguidas, construídas, colocadas, introduzidas, claras. As respostas não levam ao um

entendimento de como estas regras devem ser organizadas e sistematizadas.

O jogo não é concebido como uma atividade que se constitui pelas condições sociais e

históricas que a determinam. Não é pensado como uma atividade cuja origem e

desenvolvimento são social e histórico, portanto atrelada a estas condições. O jogo não é algo

natural que depende do próprio desenvolvimento interno do aluno, isto é, que não necessita de

intervenção para seu desenvolvimento, que se desenvolve pela própria dinâmica interna do

brincar.

Ao deixar de pensar que as condições sociais e históricas determinam a origem e

desenvolvimento do jogo, as regras são pensadas para serem compreendidas e cumpridas,

garantindo a realização e harmonia do jogo, sem, contudo, pensar na aprendizagem e no outro

como aspectos importantes no processo de apropriação da cultura e de constituição do aluno

enquanto sujeito.

Muitos termos são utilizados para fazer referência às habilidades que o jogo envolve:

habilidades físicas e motoras; socialização; emoção, tensão e respeito ao outro. Assim como,

as finalidades e resultados advindos com ele: objetivos formativos e educacionais;

estimulação para o esporte; desenvolvimento individual ou do grupo; autoconhecimento;

estimulação e desenvolvimento das habilidades motoras, física, mentais e criatividade;

recreação e aprendizagem de valores e normas.

Como na maioria das respostas não há relação entre jogo e realidade circundante, as

expressões utilizadas pelos professores para referirem as finalidades e resultados advindos

com ele se restringem ao próprio desenvolvimento e dinâmica do jogo nas aulas de EF

escolar: levar o aluno a conviver em grupo; atingir o desenvolvimento social; estimular a

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cooperação com o outro dentro das aulas; reconhecer as necessidades do grupo, dos alunos e

do coletivo; respeitar a individualidade alheia e a organização coletiva. Além disso, a

sociabilização é um termo genérico e se refere, apenas, à relação estabelecida entre os alunos

da classe durante a realização do jogo e não a um processo educativo que analisa criticamente

a relação entre o jogo e os determinantes sociais e históricos em que estes fenômenos se

efetivam, o que necessariamente leva ao entendimento de que jogo e sociedade não são

fenômenos isolados. O jogo se compõe e desenvolve a partir dos valores presentes na

sociedade (capitalista); para superar esta visão instrumental e funcionalista do jogo é preciso

entender a relação entre jogo-sociedade (capitalista) por meio das contradições históricas,

estritamente relacionadas à diferença de classe e à ideologia da classe dominante, contexto em

que o esporte competitivo se desenvolve, para, então, criar jogos que se contraponham aos

valores e interesses da sociedade capitalista.

As principais dificuldades encontradas no trabalho com o jogo se referem às condições

de trabalho: questões relacionadas à falta de materiais, de estrutura física e da própria

dificuldade dos alunos na organização interna do jogo (falta de cooperação para cumprir

regras). Estes aspectos são importantes; no entanto, não há uma preocupação, por parte dos

professores, com as dificuldades encontradas para uma organização, sistematização e

mudança das regras de convivência social por meio do jogo, em que haja participação de

todos, liberdade de escolha, tomada de decisões, conscientização crítica da realidade.

A ideia de que o professor é quem ajuda o aluno a compreender e cumprir as regras do

jogo é muito evidenciada nos discursos. Na quase totalidade das respostas, prevalece o

respeito a elas, como se o professor fosse o principal agente contribuidor de adaptação às

regras do jogo.

Estas ideias e características expressas nas respostas dos professores de EF escolar

efetivos que ministram aulas nas primeiras séries do ensino fundamental da rede estadual

paulista da diretoria de ensino de São José dos Campos são contrárias à visão sócio-histórica

de jogo.

Na visão sócio-histórica, o jogo é constituído como um processo de construção de

significações sociais coletivas, sem uma finalidade imediata, todavia, é entendido como meio

para aprendizagens essenciais. Portanto, a origem e desenvolvimento do jogo são

determinados pelas condições humanas e não pela natureza humana; o jogo é necessário ao

desenvolvimento própria da criança. A concepção de prática pedagógica com o jogo, nesta

perspectiva, defende a intervenção pedagógica adequada, intencional e crítica com vistas ao

desenvolvimento. A sistematização e a organização do trabalho em pequenos grupos são

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fundamentais para o desenvolvimento humano e para o desenvolvimento da autonomia,

permitindo: a valorização dos saberes lúdicos com que os alunos chegam à escola; a

participação de todos (nem sempre harmoniosa, marcada por conflitos e tensões); as tomadas

de decisões voltadas aos interesses coletivos e não individuais, trabalhando a questão do

grupo, em que cada um assume uma tarefa; a discussão sobre pontos de vistas e ocupação de

espaços sociais diferentes, condições favoráveis na constituição dos sujeitos e na promoção de

relações pautadas na coletividade, e principalmente, na conscientização de que podem criar e

não só reproduzir jogos e regras já existentes. As regras, dentro desta visão, são vistas como

possibilidades de serem discutidas, negociadas, refletidas e articuladas com a realidade

circundante, o que é fundamental para a compreensão e reelaboração crítica dessa realidade.

Neste sentido, regras não são para serem compreendidas e seguidas sem questionamentos,

mas para refletir sobre a discriminação, a exclusão e as significações presentes nas regras do

jogo, principalmente dos jogos modernos, contexto de que os alunos fazem parte.

7.2. Análise das informações obtidas por meio de entrevistas

Após a análise dos questionários, foi possível notar que o conjunto de sujeitos

apresentou uma diversidade de palavras para designar o jogo que dizem respeito à natureza do

jogo, aos elementos que caracterizam e compõem o jogo, à finalidade, aos processos ou

habilidades que compõem o jogo. Algumas respostas contêm elementos de todos estes tipos.

Portanto, nós escolhemos quatro dentre os sujeitos que apresentam na sua resposta uma

diversidade muito grande de elementos/aspectos. Escolhemos mais dois que definem o jogo

de forma imprecisa, minoritária e com poucos aspectos. Assim, entrevistamos os sujeitos 9,

15, 18 e 29. Ainda procuramos escolher dentre os sujeitos dois homens e duas mulheres

dentre aqueles que dispuseram a participar da entrevista, na qual iremos explorar e aprofundar

estes dados.

Conforme descrito anteriormente, seguimos o procedimento de análise das

informações obtidas nas entrevistas focando em cada sujeito: transcrevemos a entrevista de

cada sujeito, realizamos várias leituras flutuantes (intra e inter-eixos temáticos), destacamos

frases com o objetivo de construir os eixos temáticos e, por fim, realizamos várias leituras

flutuantes nos quadros construídos com os eixos temáticos, a fim de construir os núcleos de

significação.

Cabe ressaltar que os núcleos de significação nos permitiram destacar e analisar, na fala dos

sujeitos, as palavras com significados dentro do contexto social no qual estão inseridos,

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155

aproximando-nos da zona de sentidos, revelando o pensamento do sujeito, conforme nos

propõem Aguiar e Ozella (2006). Apresentamos aqui os núcleos de cada um dos 4 sujeitos,

havendo, ao final de cada um, uma síntese indicando uma aproximação dos sentidos. Ao final

dos 4 sujeitos, apresentamos as conclusões às quais os dados nos permitiram chegar.

7.2.1. Análise do sujeito I: Professor Júlio Cesar

O professor Júlio César tem 35 anos, é casado e tem filhos. Reside em São José dos

Campos, acumula cargo na rede estadual e na rede municipal. Concluiu o curso de

Licenciatura em Educação Física em 2000, na Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho”, na Unidade de Rio Claro/SP. No ano de 2010 atuou na rede estadual com o

2º ano e a 4ª série do ensino fundamental e na rede particular, com o 1º ao 5º. Já atuou na

Educação Infantil e no Ensino Médio. Atua na rede estadual há quase 5 aos e sua carga

horária no ano de 2010 era de 40 horas/semanais.

A entrevista com o professor Júlio César foi realizada em 18/11/2010, na biblioteca da

escola em que atua na rede estadual. Entramos em contato por telefone e o professor preferiu

ser entrevistado após suas aulas do período da manhã. A entrevista durou cerca de uma hora e

40 minutos. Seguem os núcleos de significação construídos a partir da fala do professor Júlio

César na entrevista realizada com este sujeito:

Núcleo I. Eu tenho a vocação pra ser professor de Educação Física. Surgiu essa

oportunidade dentro do concurso.

O professor Júlio Cesar relatou, na entrevista, como foi o processo de sua escolha

profissional pela área da Educação Física escolar. A partir do seu discurso, pudemos destacar

trechos, agrupados neste núcleo, que apontassem sua história, seus sentimentos, suas ideias e

seus valores, desde seu emprego numa empresa até seu ingresso na rede pública estadual

paulista de educação. São eles:

“(...) trabalhei quatro anos numa empresa (...) sai para mexer com esporte, competir com

atletismo. (...) não suportava mexer com empresas.”

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156

“(...) eu tinha uma necessidade muito grande de trabalhar com gente e, justamente, quando

eu comecei a mexer com colônia de férias, eu tive uma identificação muito grande com a área

de Educação Física.”

“(...) eu tenho uma vocação pra ser professor de Educação Física. Então, esta foi minha

opção.”

“(...) antes, eu só mexia com academia, então, assim, logo que eu me formei sai, assim,

pegando tudo que... primeiros empregos, aí, eu consegui mexer com escola e academia. Só

que, a escola (...) não era minha atividade principal. (...) a partir do concurso que se

transformou atividade principal.”

“Eu não gostava de trabalhar na empresa. (...) eu já tinha uma carreira mais ou menos

encaminhada (...) era só terminar o curso técnico (...) já estava dentro da empresa já e fazia

engenharia.”

“(...) ir trabalhar na empresa pra mim era um desespero. Calçar o botinão, ficar lá, mexer

com desenho, material, organizar as coisas.”

“(...) tive a oportunidade de conhecer a vida de atleta mesmo. (...) Quando eu vi a vida que o

pessoal levava, eu falei: „Eu não quero isso pra mim não! ‟”.

“(...) sempre fui apaixonado pela área de Educação Física. (...) não eram meus planos. (...)

minha ideia era mexer com cardíacos, tudo, com clínica, mas aí como surgiu essa

oportunidade, principalmente, dentro do concurso, uma estabilidade financeira (...)”

Este núcleo evidencia o percurso que o professor Júlio Cesar constituiu para a escolha

da sua profissão de professor de Educação Física escolar. A partir dos depoimentos do

professor, podemos notar que não houve um planejamento constituído com o objetivo de

escolher a Educação Física escolar como profissão. Ele relata que “(...) tinha uma carreira

mais ou menos encaminhada (...) era só terminar o curso técnico, já estava dentro da

empresa e fazia engenharia.” Mas alega que não gostava do trabalho que realizava na

empresa: “Ir trabalhar na empresa pra mim era um desespero. Calçar o botinão, ficar lá,

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mexer com desenho, material, organizar as coisas.”. Mesmo sem suportar o trabalho que

realizava, permaneceu nele durante 4 anos; saiu para competir na modalidade de atletismo e

alega: “Eu tinha uma necessidade muito grande de trabalhar com gente.”.

Antes de entrar na faculdade, trabalhou na área de recreação e alega ter tido: “uma

identificação muito grande com a área de Educação Física”. Durante sua graduação,

trabalhou em academia e logo que se formou começou a atuar, também, como professor de

natação e de futebol numa escola de Educação Infantil; mas com poucas aulas, sua atividade

principal era a academia. Atuar como professor de Educação Física escolar se tornou sua

atividade principal quando passou no concurso público e pode inverter sua carga horária,

trabalhando mais intensamente na escola.

O professor também relata que concomitante ao seu trabalho na empresa e ao curso

técnico, era atleta de atletismo, sendo que no primeiro ano da graduação teve a oportunidade

de observar a vida que levavam os atletas de atletismo de nível profissional e chegou a pensar:

“Eu não quero isso pra mim, não!”.

Júlio Cesar relata que trabalhar como professor de Educação Física escolar não estava

nos seus planos, pois ele pretendia trabalhar com clínica de cardíacos, mas alega que: “surgiu

essa oportunidade, principalmente dentro do concurso público da rede estadual paulista,

uma estabilidade financeira”. Atualmente, Júlio Cesar trabalha como professor de Educação

Física na rede estadual pública paulista e numa escola particular e afirma: “(...) sempre fui

apaixonado pela área de Educação Física”.

Núcleo II. Eu dei a sorte de ter uma formação boa... e nós não fomos preparados para

isto.

Este núcleo agrupa os trechos do discurso do sujeito que evidenciam questões

relacionadas à formação que o preparou para o trabalho profissional de qualidade, mas que

também apresentou limitações.

“Tem 10 anos que eu sou formado. (...) comecei em X (uma faculdade estadual localizada no interior

do estado de São Paulo), e aí eu vim para Y (outra unidade da mesma instituição) que o curso era

melhor. (...) um currículo mais atualizado (...) tinha a possibilidade de mestrado, vários laboratórios

(...) todos os professores eram doutores (...) era uma diferença muito grande. (...) um ano de vôlei,

depois mais um ano de técnico, aprofundamento em vôlei. (...) era muito tecnicista o curso (...). É

porque ela (a faculdade X) foi encampada.”

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158

“Educação Física escolar (...) contextualizava o jogo dentro da prática da escola. Introdução à teoria

da Educação Física (...) situava o aluno em relação às linhas, à história da Educação Física. (...) teve

outra disciplina (...) trabalhava muito a questão da gente começar a perceber o comportamento, a

atitude dos alunos por meio do jogo. (...) Atividades Lúdicas (...) trabalhava toda esta questão da

recreação. Educação Física Adaptada mexia bastante com esta questão do jogo, de estar buscando

novas alternativas, materiais alternativos.”

“ grande parte dos professores eram professores desenvolvimentistas (...) trabalhavam muito esta

questão da atividade apropriada para tal idade, para estar desenvolvendo habilidades. Isto contribuiu

bastante para a formação e para o jogo em si.”.

“(...) eu dei sorte de ter uma formação muito boa. (...) a grande maioria dos professores (...) são

formados antes da LDB, são formados antes de todas essas mudanças. (...) A questão da formação, da

informatização, o acesso que as crianças têm a computadores (...) já teve caso que alunos que não

sabiam ler e escrever, mas a gente ia, ali, na Lan House e está ele lá, jogando GTA, jogando Need for

Speed. (...) o que a gente propõe aqui, muitas vezes, não está de acordo com aquilo que as crianças

esperam.”.

“(...) eu acompanhei a aula, acho que, de três professores, para os alunos de 4ª séries. (...) foram

aulas muito parecidas, aquela estrutura, chegava, formava roda, fazia o aquecimento, aí formava

quatro filas. (...) as crianças tinham condições de estar fazendo atividades mais elaboradas, alguns

jogos mais elaborados (...) mas ao mesmo tempo acabou sendo nivelado por baixo.”

“Eu acho interessante o curso, não a forma como está sendo feito. (...) seria interessante nós estarmos

fazendo o curso (...) acho que está sendo um desperdício de dinheiro muito grande com o curso de

formação. (...) eu acho importantíssimo, sabe, esta formação pros nossos professores. [aqui o

entrevistado se refere ao curso de formação oferecido aos professores como pré-requisito para ingresso

no cargo]. (...) uma grande leva de professores que estão fazendo este curso agora vão desistir,

porque estão tentando só o ponto. (...) eu acredito que possivelmente (...) foi estruturado em cima da

nova proposta (...) com certeza, estes novos professores vão entrar muito mais preparados e têm

condições de desenvolver um trabalho muito mais eficiente.”

“(...) (proposta) do ciclo I (...) pra EF especifica não existe. A gente acaba mesmo elaborando um

planejamento. (...) está como era antes. (...)a Secretaria Estadual está realmente passando mesmo o

Ciclo I pra rede municipal.”

“(...) o estado de São Paulo implementou uma mudança muito grande em relação a EF, uma

estruturação muito grande. Mas ao mesmo tempo, faltou uma formação melhor para os nossos

professores. Então, entrou com uma proposta nova, uma metodologia nova de trabalho, e nós não

fomos preparados para isso.”

Neste núcleo, o professor Júlio Cesar evidencia a preocupação com a “boa” formação

na área da Educação Física. Ele se formou há 10 anos numa universidade estadual no interior

do estado de São Paulo; iniciou o curso em uma unidade e transferiu para outra, em

decorrência da anterior ter sido “encampada” e, principalmente, porque: “o curso era melhor

(...) um currículo mais atualizado (...) tinha a possibilidade de mestrado, vários laboratórios

(...) todos os professores eram doutores”, e enfatiza: “era uma diferença muito grande”,

inclusive porque, na outra unidade, o curso de Educação Física “era bastante tecnicista (...)

um ano de vôlei, depois mais um ano de técnico, aprofundamento em vôlei”.

Page 160: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

159

Além disso, relata que foram várias as disciplinas que trabalharam o jogo, na sua

graduação, em perspectivas bem diferentes: “Educação Física escolar (...) contextualizava o

jogo dentro da prática da escola. Introdução à teoria da Educação Física (...) situava o aluno

em relação às linhas, à história da Educação Física. (...) teve outra disciplina (...) trabalhava

muito a questão da gente começar a perceber o comportamento, a atitude dos alunos por

meio do jogo. (...) Atividades Lúdicas (...) trabalhava toda esta questão da recreação.

Educação Física Adaptada mexia bastante esta questão do jogo, de estar buscando novas

alternativas, materiais alternativos.”

O professor expressa satisfação pela sua formação: “a grande parte dos professores

eram professores desenvolvimentistas (...) trabalhava muito esta questão da atividade

apropriada para tal idade, para estar desenvolvendo habilidades. Isto contribuiu bastante

para a formação e para o jogo em si.”.

Júlio Cesar afirma: “eu dei sorte de ter uma formação muito boa” e critica a formação

que alguns professores tiveram, alegando não estarem em condições de trabalhar com os

alunos que se tem hoje, devido a todas as mudanças que estão acontecendo; a informatização

é um dos exemplos citados por ele: “já teve caso que, alunos que não sabiam ler e escrever,

mas a gente ia, ali, na lan house, e estava ele lá, jogando GTA, jogando Need for speed. (...) o

que a gente propõe aqui, muitas vezes, não está de acordo com aquilo que as crianças

esperam.”.

Relata, ainda, que teve oportunidade de acompanhar algumas aulas de três professores

de Educação Física escolar e pôde observar que eles trabalham o jogo “nivelado por baixo”,

numa estrutura de aula que segue a seguinte sistematização: “chegava, formava roda, fazia o

aquecimento, aí formava quatro filas”.

Quanto ao curso de formação oferecido pela SEE antes do ingresso dos professores de

Educação Física na rede, o professor relata ser muito importante, mas critica a forma como

está sendo desenvolvido: “um desperdício de dinheiro muito grande com este curso de

formação”, e completa: “uma grande leva de professores que estão fazendo este curso agora

vão desistir, porque estão tentando o ponto”. Segundo o professor: “seria interessante nós

estarmos fazendo o curso (...) acho importantíssimo, sabe, esta formação para os nossos

professores”.

Ainda no que se refere ao curso de formação on line da SEE, Júlio Cesar comenta:

“(...) eu acredito que possivelmente (...) foi estruturado em cima da nova proposta (...) teve

uma selecionada melhor para professores, acabou exigindo o perfil de profissional mais

dentro da nova proposta, acho que é uma coisa positiva (...)”, e acrescenta afirmando que,

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com isso, “novos professores vão entrar muito mais preparados e têm condições de

desenvolver um trabalho muito mais eficiente”. Trata-se de curso de formação específica para

o concurso de professores do Ciclo II e Ensino Médio.

Quanto à proposta para as primeiras séries do ensino fundamental, o professor alega

que: “(...) não existe. A gente acaba mesmo elaborando um planejamento. (...) está como era

antes”, e acrescenta; “a Secretaria Estadual está, realmente, passando mesmo o Ciclo I pra

rede municipal”.

Apesar de grande parte do discurso de Júlio Cesar ser de uma avaliação positiva sobre sua

formação básica e complementar, a última frase indica limitações para enfrentar as mudanças

implementadas na rede estadual. O professor, assim, alega: “(...) nós não fomos preparados

para isso”.

Núcleo III. O jogo vai preparando para a vida.

Este núcleo agrupa os trechos do discurso do sujeito que evidenciam o que ele

considera ser a função do jogo na Educação Física escolar: questões relacionadas com tomada

de decisões, participação de todos, respeito pelo adversário, valorização do trabalho coletivo,

busca por um objetivo em grupo, busca por condições igualitárias, autoconhecimento,

autocontrole e busca do prazer. São eles:

“(...) ele (o jogo) acaba revelando, realmente, a nossa personalidade. (...) na situação de jogo você,

primeiro, tem uma liberdade grande de expressão. Segundo, muitas vezes, você é meio que testado (...)

você tem que fazer, senão, nosso time vai perder (...) a gente trabalha muito com o êxito e com a

vitória.”

“(...) são representações da vida. (...) dentro do jogo a gente faz pequenas representações, de

situações que a gente vai ter um êxito grande, de situações que a gente vai lidar com uma frustração

grande, de situações que a gente vai ter que, muitas vezes, aguentar aquela pessoa, lá, que não está

contribuindo tanto. (...) isso que acontece dentro da nossa família, dentro do meio em que nós

vivemos, dentro do nosso trabalho. (...) o jogo tem essa coisa fascinante, que de certa forma, vai

preparando a criança para a vida.”

“(...) as crianças da rede particular, por terem uma condição melhor, têm um acesso a uma cultura

melhor que os nossos alunos da escola pública. (...) essas vivências que as crianças têm fora, além da

escola, com certeza, contribui muita para, principalmente, estar entendendo melhor, dentro do jogo

(...). As crianças transformam uma linguagem oral numa linguagem gestual (...) quando você tem uma

cultura maior, uma bagagem cultural maior, acaba facilitando esse entendimento.”

“(...) eu procuro proporcionar um maior número de vivências possíveis pra eles. (...) eu espero que

eles consigam se organizar. (...) estar implementando os jogos aqui da escola na vida cotidiana

deles.”

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“(...) eu consigo exigir mais dos meus alunos, daqui, do estado, que da rede particular. (...) Mas, acho

que, principalmente, isso depende muito do nosso compromisso. A gente acaba tendo que ter uma

automotivação muito grande (...)”.

“Um grupo ganhou. (...) tem que comemorar só a vitória, não a derrota dele (o adversário). Se não

fosse ele, ali, você não teria ganhado. (...) a partir do momento que começou a comemorar a derrota

dele, quem perdeu foi você. (...) você tem que respeitar o estado, aquilo que o amigo está vivendo

naquele momento.”

“(...) é importante ter a questão da cooperação, do respeito, da participação, de todo mundo

participar de uma forma efetiva. Então, eu costumo aproveitar estes aspectos dos jogos cooperativos.

Mas, ao mesmo tempo (...) a gente não tem tudo que coopera para que a gente participe (...) tem que

trabalhar com as frustrações das crianças, o jogo cooperativo acaba tendo esta limitação.”

“Já, os jogos competitivos (...) é importante a criança ter esta questão da superação, estar superando

as dificuldades, estar superando as limitações, estar superando o adversário, mas ao mesmo tempo, é

não fazer disso tudo, seu principio, ser sua atividade principal, seu principio de vida, ganhar de

qualquer jeito, não respeitando as regras, não respeitando as pessoas.”

“(...) eu costumo variar os tipos de jogo, competitivo, cooperativo. Tem situações que eu faço com que

a criança saia, tem situações que eu deixo a criança mais (...) a nossa vida vai ter situações que eu

não vou poder entrar. (...) posso concluir a vaga (num processo seletivo) mas posso ser eliminado

antes, também. Então, tem que estar preparando para tudo isso.”

“Todo jogo para que ele possa se caracterizar precisa ter algumas regras (...). Não a regra do que

pode, mas sim a orientação do jogo, como ele vai acontecer. (...) que o grupo tem que fazer para

conseguir, qual vai ser a meta dele e as regras que vai orientar, vai dar uma organização pra

criança.”

“(...) as regras definidas pelo grupo, são as variantes que o jogo acaba proporcionando. (...) tem as

regras que mantêm as características do jogo e tem as regras que surgem no decorrer do jogo. Essas

que mantêm eu passo e aquelas que têm possibilidades de mudança é o próprio grupo que define.”

“(...) o esporte tem uma seriedade muito grande (...) tem todas as regras, cerimonial, tem que cumprir

a regra certinho. (...) O jogo tem que ter não, necessariamente, todas as regras, mas ele tem que ter

algumas para ele começar. No jogo pode acontecer algumas mudanças, variações, até mesmo na

forma, ele dá mais liberdade para isso. Já, a brincadeira está muito ligada a liberdade, da criança

estar fazendo aquilo ali para se divertir, não tem nenhum objetivo (...)”

“(...) segundo ano eu acabo trabalhando o jogo com regras mais simples e, principalmente, com

atividades que utilize a imaginação da criança, mexe muito com a fantasia da criança.( ...) jogos

menos complexos, geralmente, jogos individuais, que não têm uma dependência muito grande do

grupo (...). Quarta série eu trabalho com jogos mais elaborados.”

“(...) a sensação de jogar é muito boa, principalmente, quando eu sou desafiado. Gosto muito dessa

sensação de ser desafiado, de ter um desafio grande, de repente, estar superando algum limite, algum

adversário, de estar lidando com várias alternativas (...)”

“Acho que a questão lúdica é essencial. Poderia muito bem passar uma série de conteúdos, uma série

de atividades, de forma sistematizada (...) Mas, não! (...) Eu quero que meus alunos se divirtam,

mesmo ganhando ou perdendo. Eu quero que meus alunos consigam se divertir na minha aula, que

seja uma aula divertida.”

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“(...) eu passo, através do jogo, principalmente, a questão do respeito e da participação. (...) o

respeito em relação ao outro aluno, em relação à turma. Modo de falar, modo de agir, violência e

motivo muito os alunos deles estarem se esforçando (...)”

“(...) através do jogo (...) é o local que as crianças vão estar se relacionando realmente. (...) é o

momento que a criança tem uma liberdade para se expressar, tem uma liberdade para de repente se

movimentar (...) aprende a lidar com a expressão do outro também.”

“(...) eu consigo contextualizar algum jogo em relação com aquilo que alguns alunos vivem. (...) Eu já

montei jogos baseado em filme. (...) eu fiz uma queimada que invés de queimar uma pessoa tinha que

queimar um objeto que cada um tinha (...)”

“Eu pego, passo a brincadeira, explico o que pode, o que funciona. Aí, de repente, surge um

problema, e aí, eu devolvo para eles. E aí, como é que a gente vai fazer? (...) Eu costumo dar esse

espaço para que eles opinem no jogo também, para que eles mudem algumas características.”

“Quarta série, eu já inicio o jogo com eles fazendo com que eles se organizem. (...) primeiro eles

montam as equipes (...) discutindo como vão se organizar enquanto grupo, enquanto turma, as

questões, as identificações, de como eles vão estar equilibrando os times, pra não ficar algo, assim,

desproporcional, de um time pro outro. Costumo atribuir muita responsabilidade pra crianças.”

“(...) eu costumo dividir, de forma igual, meninos e meninas. Geralmente, menino escolhe menina,

menina escolhe menino. Ou, então, eu mando as meninas separem dois times, os meninos separam

dois times e depois eu junto os dois times.”

“(...) final de mês eu costumo deixar a aula liberando para eles (...). Seria um momento que eles

pudessem escolher (...) principalmente, as meninas acabam repetindo o jogo da aula na hora do

recreio.”

“(...) trabalhei com bandeirinha estratégica. Eles têm que ter uma estratégica de jogo, uma

combinação da defesa pro ataque pra estar ganhando o jogo. Então, eles montam o plano,

apresentam o plano, depois tentam executar. (...) antes de começar o jogo, eu vou na cortina, escuto o

plano, ai, depois volto com eles, vejo o que deu certo, o que deu errado.”

Inicialmente, Júlio Cesar expressa sua concepção sobre a função educativa do jogo

para as primeiras séries do ensino fundamental. O professor considera o jogo como revelador

da personalidade. Destaca que o jogo “trabalha muito com o êxito e com a vitória” E, ainda,

com a liberdade de expressão das pessoas; por isso, acaba por expressar sentimentos que,

talvez, não seriam revelados fora de uma situação de jogo. O professor relata que o jogo é

uma representação da vida: “(...) representações de situações que a gente vai ter um êxito (...)

vai lidar com uma frustração grande (...) tem que aguentar pessoas, lá, que não está

contribuindo tanto.”. São situações que acontecem no meio familiar, no meio em que

vivemos e dentro do nosso trabalho. Júlio Cesar afirma: “o jogo (...) vai preparando para a

vida.”

Júlio Cesar tem a expectativa de ampliar as vivências lúdicas dos alunos da rede

estadual. Para ele, os alunos da rede pública, embora tenham maior facilidade motora, têm

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maior dificuldade de abstração do jogo, devido à limitada “bagagem cultural” desses alunos.

O professor considera que “proporcionar um maior número de vivência possível para eles

(...)” pode contribuir para “estar implementando os jogos, daqui da escola na vida cotidiana

deles.”. Ao mesmo tempo, atribui a si a responsabilidade por estar diminuindo as diferenças

no que se refere ao entendimento do jogo na rede estadual e na escola pública. Segundo ele:

“(...) isso depende muito do nosso compromisso, a gente acaba tendo uma... precisa de ter

uma automotivação muito grande (...).

No que se refere ao adversário, Júlio César alega que em suas aulas as crianças têm

que respeitar o adversário, principalmente, quando eles ganham num jogo. Segundo ele: “Um

grupo ganha. Tem que comemorar só a vitória não a derrota dele. Se não fosse ele ali você

não teria ganhado. (...) a partir do momento que começou a comemorar a derrota dele quem

perdeu foi você.”

O professor destaca a importância de respeitar o sentimento do outro, principalmente

de quem perde, e enfatiza: “(...) vai ter dia que você vai estar num time e vai ganhar, vai ter

dia que você vai estar no time e vai perder (...) você tem que respeitar o estado, aquilo que o

amigo está vivendo naquele momento”.

Júlio Cesar afirma que costuma trabalhar com o jogo cooperativo e com o jogo

competitivo, pois acredita que o jogo cooperativo tem suas limitações. Sente a necessidade de

trabalhar com o jogo competitivo, porque na vida não vão existir somente situações

cooperativas; há necessidade de trabalhar a exclusão, mas enfatiza que a competição não deve

ser o princípio de tudo, a exemplo de ganhar a qualquer custo, mas a tensão que existe entre a

cooperação e a competição é fundamental para as crianças estarem lidando com situações

diversas, semelhantes às vivenciadas no cotidiano da vida. O professor relata: “(...) a nossa

vida vai ter situações que eu vou poder entrar. (...) mas posso ser eliminado (...) tem que estar

preparado para tudo (...)”.

O professor afirma que “Todo jogo para que ele possa se caracterizar, precisa de

regras (...)”. No entanto, alerta que “(...) não a regra do que pode (...) mas sim a orientação

do jogo (...)”. O professor destaca que as regras que mantêm as características do jogo são

definidas por ele, antecipadamente, e as regras que surgem no decorrer do jogo são definidas

pelo grupo de alunos.

Júlio Cesar apresenta em seu discurso a concepção entre brincadeira, jogo e esporte e

considera a questão das regras como diferencial na constituição destes conceitos. Ele ressalta

a seriedade no esporte, em que as regras, definidas por um órgão oficial, devem ser cumpridas

enfaticamente. Já no jogo, devem existir algumas regras, para que ele possa iniciar, mas pode

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haver algumas modificações e variações no seu transcorrer. Na brincadeira, o professor alega

que não tem uma meta, a priori, pois sua vivência está ligada à liberdade e à diversão

proporcionada pela própria atividade em si.

O professor, ainda, alega que na 2ª série trabalha com o jogo com regras mais

simples, utiliza a imaginação da criança, jogos individuais que não têm uma dependência

muito grande do grupo. Já na 4ª série ele trabalha com jogos mais complexos e elaborados.

Outro aspecto abordado pelo professor é a questão do prazer. Ele relata que gosta de

jogos de raciocínio, de movimentação e expressa um sentimento de autossuperação: “Gosto

muito dessa sensação de ser desafiado, de ter um desafio grande (...) estar superando algum

limite, algum adversário (...)”.

No que se refere ao prazer do aluno, o professor Júlio César destaca que poderia muito

bem passar uma série de conteúdos, uma série de atividades de forma sistematizada, mas

alega que prefere atingir os objetivos da aula de forma lúdica, fazendo com que as crianças

tenham prazer de estar fazendo a sua aula: “Eu quero que meus alunos se divirtam. Mesmo

ganhando ou perdendo (...) eu quero que meus alunos consigam se divertir na minha aula,

assim, seja uma aula divertida.”

A questão do respeito e da cooperação é outro aspecto destacado no trabalho com o

jogo pelo professor Júlio Cesar. Segundo ele: “(...) eu passo através do jogo (...) a questão do

respeito (...) o respeito em relação ao outro aluno, em relação à turma.”. Além disso, o

professor também respeita a liberdade dos alunos, no que se refere à liberdade de expressão,

fugindo da padronização dos movimentos: “(...) através do jogo (...) as crianças vão estar se

relacionando (...) momento que a criança tem uma liberdade para se expressar (...) aprende a

lidar com a expressão do outro também.”.

O professor Júlio Cesar expressa a preocupação de valorizar os conhecimentos com

que os alunos chegam à escola, ao relatar: “(...) eu consigo contextualizar alguns jogos em

relação com àquilo que alguns alunos vivem.”.

Outra preocupação do professor refere-se à problematização dos jogos: “Eu costumo

dar esse espaço para que eles opinem no jogo também, para que eles mudem algumas

características do jogo.”.

Referente à participação de todos, à tomada de decisões e à valorização do trabalho

coletivo, o professor alega que inicia o jogo fazendo com que os alunos se organizem: “(...)

eles montam as equipes (...) discutindo como vão se organizar enquanto grupo (...)”. O

professor relata que nesses momentos os alunos procuram suas identificações, discutindo

como vão equilibrar os times. Relata, ainda, que ajuda as crianças na composição dos times:

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“(...) costumo dividir de forma igual, meninos e meninas. (...) menino escolhe menina, menina

escolhe menino. Ou (...) as meninas separam dois times, os meninos separam dois times e (...)

junto os dois (...)”.

Ainda, no que se refere à tomada de decisões, o professor Júlio Cesar destaca que “(...)

final de mês, eu costumo deixar a aula liberada para eles (...) um momento que eles pudessem

escolher (...)”. Nesses momentos, o que se percebe é a repetição de alguns jogos que são

desenvolvidos durante a aula. Além disso, a forma como o professor sistematiza o jogo

permite aos alunos criarem estratégias, planejar ações: “Eles têm que ter uma estratégia de

jogo (...) eles montam o plano, apresentam o plano, depois tentam executar (...)”. Por fim, o

professor expressa uma preocupação com a avaliação do planejamento do jogo: “(...) eu

escuto o plano (...) vejo o que deu certo o que deu errado”.

Núcleo IV. Que saudades da sua aula. A quadra está limpinha e bonitinha.

Neste núcleo, reúnem-se as falas que evidenciam a valorização/desvalorização do

espaço de jogo, como os outros professores concebem o trabalho com o jogo, a própria

responsabilidade atribuída pelo trabalho com o jogo e indícios de como o trabalho é

reconhecido socialmente. São elas:

“(...) eu tenho um respaldo muito grande da direção, dos professores; às vezes, eu encontro muitos

professores, eles comentam: „Aí que saudades das suas aulas Vinícius! ‟. (...) isso é muito gostoso

(...)”.

“(...) muitas vezes você trabalha com o material que você tem, com espaço, assim, acho que o

trabalho inicial, quando a gente chega numa escola nova que eu acho que é mais complicado.

Primeiro em relação aos alunos, em relação a sua proposta, até eles pegarem o ritmo. Isso eu acho

que é bastante custoso.”

“em relação às condições, aqui, particularmente não. Ainda mais que meu único grande problema

era a quadra (risos) que cobriu. (...) acho que, atualmente, tem oferecido boas condições. Acho que

em relação... pelo menos com as últimas diretoras eu consegui montar, formar, ter um material bom,

porque quando eu cheguei aqui foi muito complicado.”

“A gente tem que ser muito rigoroso com a utilização do material com as crianças. É, sou muito

exigente, muito chato em relação à quadra com os alunos. Tanto é que se você vê a quadra lá ta

limpinha, bonitinha (...) tem muita escola, você vai ver, está cheio de papel, cheio de coisas. (...)

assim, os alunos acabam valorizando mais o espaço com isso. Eles têm um cuidado.”

“(...) você acaba se adaptando com o material que você tem. Sempre trabalhei com restrições

grandes, então, acho que isso fez com que tivesse uma grande criatividade para estar mexendo com

materiais alternativos, mexendo com coisas diferentes (...)”

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“(...) a exigência aqui (na rede estadual) é menor. (...) eu sei por mais que eu possa muito bem fazer

um excelente trabalho bom ou fazer um trabalho nivelado por baixo que não vai acrescentar muita

coisa. É diferente da escola particular, que de repente se eu começar a fazer um trabalho que ficar

muito aquém, começa a vir as reclamações, posso ser principalmente mandado embora (...)”

“(...) eu percebi isso [que os alunos distinguem o jogo que ele trabalha na sua aula do jogo que os

outros professores trabalham] (...) principalmente, por envolver uma atividade motora. Tudo que

envolve o movimento acaba relacionando com a minha disciplina. Acho que os professores, assim,

não ousam trabalhar as crianças em movimento. Acho que acaba sendo bastante específico mesmo.”

“(...) se valoriza muito a matemática e o português, por causa da escrita. A matemática por causa de

cálculo. Mas, ao mesmo tempo, eu acho, que a gente tem um campo muito grande, que é muito pouco

explorado, ainda, por muitos professores. (...) é a questão das relações interpessoais.”

“(...) para esta faixa etária, não vejo tanta necessidade, de ficarmos na sala. Acho mais interessante

estarmos movimentando, fazendo com que eles possam experimentar. Acho que eu não me preocupo

tanto com essa questão de conceitual. Uma coisa que eu não concordo para esta faixa é o registro.

Acho que eu não consigo ver uma finalidade. Principalmente, da maneira como é proposto,

principalmente aqui, na nossa DE. O que vai resolver a criançada saber que hoje eu fiz uma aula de

flexibilidade?. (...) não consegui ver uma funcionalidade, não consegui ver uma importância (risos)

algo assim, que realmente faça sentido. (...) estar escrevendo aquilo que sentiu, perde-se muito tempo

e nós temos pouquíssimo tempo. (...) e eles estão vivendo um momento único na vida deles.”

Desse núcleo, é possível destacar a concepção dos professores de outras áreas no

trabalho com o jogo desenvolvido pelo professor Júlio Cesar. O professor expressa um

sentimento de valorização e de reconhecimento quando os professores encontram com ele e

comentam: “Ah, que saudades das suas aulas Júlio Cesar.”.

Igualmente, sente reconhecimento quando os alunos cuidam do espaço de jogo,

especificamente da quadra. Júlio Cesar destaca: “(...) sou muito exigente, muito chato em

relação à quadra, com os alunos (...)”. É possível observar também que o professor expressa

um sentimento de valorização quando as pessoas observam como a quadra é cuidada e

mantida limpa, diferentes de muitas outras quadras. O professor evidencia: “(...) se você vê a

quadra lá, está limpimha, bonitinha (...) tem muita escola, você vai ver, está cheio de papel,

cheio de coisas.”. Para ele, cuidar da quadra, mantendo-a limpa é uma questão de valorização

do seu trabalho.

O professor também menciona que na rede pública a exigência é menor; já na escola

particular, se o trabalho com o jogo for muito aquém, vêm às reclamações e ele pode, até, ser

demitido. O professor expressa um sentimento de desvalorização do seu trabalho com o jogo

realizado na rede estadual e relata: “eu sei por mais que eu possa muito bem fazer um

excelente trabalho bom ou fazer um trabalho nivelado por baixo que não vai acrescentar

muita coisa”.

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167

Em outro depoimento, o professor Júlio Cesar relata o trabalho com o jogo em suas

aulas e em outras áreas de conhecimento e destaca o movimento humano como objeto de

estudo da Educação Física escolar: “Tudo que envolve o movimento acaba relacionando com

a minha disciplina. (...) os professores não ousam trabalhar as crianças em movimento. (...)

acaba sendo bastante específico (...) por envolver uma atividade motora.”.

A fala de Júlio Cesar também evidencia a importância do jogo dentro de um projeto

educacional. Para ele, “(...) se valoriza muito a matemática e o português, por causa da

escrita. A matemática por causa de calculo”. Já, de acordo com seu depoimento, na Educação

Física não há necessidade do registro, do relato por escrito do que a criança sentiu, alega ser

“(...) mais interessante, estarmos movimentando, fazendo com que eles possam

experimentar”, e afirma: “(...) eu não me preocupo tanto, com essa questão conceitual,

principalmente, da maneira como é proposto. O que vai resolver a criançada saber que hoje

eu fiz uma aula de flexibilidade?”. Segundo o professor, as crianças estão vivendo um

momento único e se perde muito tempo sentado e escrevendo. Inclusive, o professor relata

que a Educação Física “(...) tem um campo muito grande, que é muito pouco explorado,

ainda, por muitos professores. (...) é a questão das relações interpessoais.”.

Núcleo V. Sempre trabalhei com restrições grandes. A gente acaba ficando

desamparado.

Neste núcleo estão agrupados os trechos da fala do sujeito que se referem às suas

dificuldades no trabalho com o jogo: condições materiais e de estrutura física; relacionamento

com os alunos, com os pais, com a equipe gestora e com os outros professores; abstração do

jogo por parte dos alunos e fatores externos. São eles:

“(...) muitas vezes você trabalha com o material que você tem, com espaço, assim, acho que o

trabalho inicial, quando a gente chega numa escola nova que eu acho que é mais complicado. (...)

você acaba se adaptando com o material que você tem. Sempre trabalhei com restrições grandes,

então, acho que isso fez com que tivesse uma grande criatividade para estar mexendo com materiais

alternativos, mexendo com coisas diferentes (...)”

“em relação às condições, aqui, particularmente não. Ainda mais que meu único grande problema

era a quadra (risos) que cobriu. (...) acho que, atualmente, tem oferecido boas condições. Acho que

em relação... pelo menos com as últimas diretoras eu consegui montar, formar, ter um material bom

(...)”

“A minha aula tem uma certa rotina, eles chegam, sentam, faço chamada e aí eu vou explicar a aula.

(...) normalmente eu costumo contextualizar o jogo. (...) eu vou falar como é que funcionava, de onde

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veio, como é que se brincava, materiais que se usava em alguns anos atrás. (...) É lógico que no ano

que eu entrei aqui eu tive uma dificuldade muito grande. As primeiras turmas, principalmente, os

alunos mais velhos que tiveram vários professores. (...) Os meninos na quadra, as meninas lá jogando

câmbio ou utilizando o pembolim. Então ficava a coisa toda dispersa. Então, minhas aulas eu consigo

centralizar mais, com atividades. (...) acho que a grande dificuldade de aceitação das crianças foi,

justamente, no início.”

“(...) em relação à equipe gestora e o PCOP, eu nunca tive nenhum retorno em relação a esta questão

do jogo. (...) A exigência é justamente em relação a acompanhamento, em relação à documentação e

nota. Assim, não tem uma participação, uma interferência e eventos. (...) Os pais, a princípio, agora

nem tanto. Eu já fui questionado em relação ao futebol. „Ah! Por que você não dá futebol? Meu filho

joga futebol tão bem.‟ Aí eu explico, porque eu tenho todo um conteúdo. Assim, eu tenho uma gama

enorme de atividades; futebol é apenas uma delas. Então, costumo trabalhar algumas épocas do ano

só. (...) Eles (os alunos) sempre pedem (futebol). Aí como nós já temos esse combinado, de estar

liberando uma aula, que a gente chama de aula livre. Aí é tranquilo.”

“(...) em relação ao jogo, à aula propriamente dita. Praticamente, não tem interferência. De uma

certa forma a gente acaba ficando, assim, não digo largado, mas tanto a equipe gestora e os

professores acabam não interferindo (...). Com a equipe gestora a exigência é mais em relação à

documentação, mas em relação a conteúdo, assim, a gente acaba ficando, de uma certa forma,

desamparado. (...) não existe um acompanhamento técnico em relação à disciplina de EF. “(...) o

compromisso é de entregar seu programa no começo, até o mês de março, seu plano anual e a

documentação.”

“(...) na rede particular, as crianças, como eles têm mais possibilidades, viajam mais, tem mais

contato com mais informações, cinema, então, isso aí acaba facilitando um pouquinho. Assim, eles

têm uma limitação motora um pouco maior. Em relação às habilidades, eles sentem um pouquinho

mais, têm uma dificuldade maior, mas em compensação essa assimilação do jogo lá, é assim é, acho

que acaba sendo mais fácil um pouquinho, e também por ser uma escola menor.”

“(...) as crianças da rede particular por terem uma condição social melhor (...) têm um acesso a uma

cultura melhor que os nossos alunos da escola pública. (...) essas vivências que as crianças têm fora,

além da escola, com certeza, contribui muito (...) para estar entendendo melhor (...) transformam uma

linguagem oral numa linguagem gestual, através das regras (...) conseguem fazer essa leitura (...)

abstrair (...) quando você tem uma estrutura cultural maior, uma bagagem cultural maior, acaba

facilitando esse entendimento [do jogo].”

“às vezes tem um ou outro jogo que não dá certo. (...) as crianças estão muito alvoroçadas, acabam

não conseguindo (...) às vezes acabam não entendo o jogo (...)”

“(...) avançar para frente e jogar a bola para trás (...) assimilar isso para eles foi complicado. (...) eu

percebi uma resistência muito grande das crianças. Ah, agora ta ficando legal. Quando eles

conseguiram assimilar esta questão (...) quando o jogo não dá certo, geralmente, se deve a fatores

externos (...) passeios na escola (...) dia do SARESP (...) próximo de datas festivas (...) choveu de

manhã (...) a quadra tava mais ou menos seca, aí a decepção era total, porque eles queriam ir pra

quadra. (...)ao invés de estar ali naquele lugar (na sala) fazendo aquele jogo [jogo do pum]. (...) eles

resistem bastante para ficar na sala.”.

Júlio Cesar alega que o grande problema encontrado no trabalho com o jogo é quando

“chega numa escola nova” e tem que trabalhar com o material e o espaço disponíveis. Alega

que conta com a criatividade para lidar com estas dificuldades. Informa que um dos principais

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problemas enfrentados na escola estadual na qual atua era a quadra descoberta, mas explica

que ela foi coberta. E esclarece: “(...) você acaba se adaptando com o material que você tem.

Sempre trabalhei com restrições grandes (...)”.

O professor aponta dificuldades com os alunos, devido ao seu trabalho com o jogo ser

contextualizado. Isso gerou, no início, uma resistência na aceitação por parte dos alunos, que

ainda não conheciam a sua proposta e nem os combinados que seriam ser feitos entre

professor e eles. Um fato importante relatado por Júlio Cesar foi a questão do futebol.

Segundo o professor: “Eles (os alunos) pedem, né (...) como nós já temos isso combinado, de

estar liberando uma aula, que a gente chama de aula livre, né, aí é tranqüilo.”.

Referente ao relacionamento com os pais, mais uma vez o professor aponta

dificuldades no seu trabalho com o jogo, principalmente com o futebol, alegando ter sido

questionado pelos pais: “ „Ah, porque você não dá futebol? Meu filho joga futebol tão bem‟.”.

O professor explica que ele tem uma gama de conteúdos e o futebol é apenas um deles, sendo

desenvolvido em algumas épocas do ano.

Outra dificuldade refere-se ao relacionamento com a equipe gestora e com os outros

professores. Júlio Cesar alega que não tem nenhuma interferência no seu trabalho com o jogo,

por parte da equipe gestora e dos professores, e que a única exigência é em relação à

documentação e entrega de notas. Quanto ao conteúdo, o professor afirma: “a gente acaba

ficando, de uma certa forma, desamparado. (...) não existe acompanhamento técnico em

relação à disciplina de Educação Física.”.

Outra questão refere-se à dificuldade de entendimento na organização do jogo por

parte das crianças da rede estadual. O professor justifica que esta falta de abstração decorre

das condições sociais e econômicas dos alunos da rede pública, diferentemente das condições

socioeconômicas dos alunos da rede particular.

Além disso, Júlio Cesar destaca dificuldades no que se refere a fatores externos, a

exemplo de dias em que há passeios programados pela escola, ou quando é dia do SARESP,

ou, ainda, dias próximos a datas festivas. Segundo o professor, as crianças ficam agitadas e

não conseguem entender o jogo. Outras vezes, trata-se do tempo chuvoso, quando a quadra

fica molhada e as atividades acontecem na sala. O professor relata que: “(...) aí a decepção

era total, porque eles queriam ir pra quadra. (...)ao invés de estar ali naquele lugar fazendo

aquele jogo. (...) eles resistem bastante para ficar na sala.”.

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170

Núcleo VI. Não consigo dissociar aquilo que eu acredito daquilo que eu expresso na

prática.

Neste núcleo estão agrupados os trechos da fala do sujeito que se referem à coerência

entre o pensar e o fazer na sua prática pedagógica. São eles:

“A nossa prática traz muito aquilo que a gente é. Eu não consigo separar (...) o Júlio César que é pai,

Julio Cesar que vai na igreja e o Júlio César que tem um certo relacionamento, do Júlio César que é

professor. Eu acho que quando a gente está dando aula, aquilo que a gente expressa nas nossas

ideias, aquilo que a gente expressa nos nossos princípios, traz toda esta bagagem aqui. Então, eu não

consigo dissociar aquilo que eu acredito daquilo que eu expresso na prática das crianças.”

Este núcleo evidencia o compromisso de ser professor, a preocupação com a formação

do aluno e a coerência entre seus princípios e ideais e sua função social de professor de

Educação Física escolar, não desvinculando um do outro.

A fala do professor Júlio Cesar expressa um trabalho com o jogo pautado no respeito

e na valorização das relações sociais e essa concepção implica a forma como ele trabalha com

o jogo em sua prática pedagógica. Segundo ele: “A nossa prática traz muito aquilo que a

gente é. Eu não consigo separar (...) o Júlio Cesar que é pai, Júlio Cesar que vai na igreja e

o Júlio Cesar que tem um certo relacionamento, do Júlio Cesar que é professor.”.

Síntese – Professor Júlio César

Conforme informações obtidas por meio de questionário e entrevista, Júlio César é

professor efetivo de Educação Física escolar na rede pública estadual paulista. No ano de

2010, atua em duas escolas, em uma com turmas de 2ª e 4ª séries do ensino fundamental e na

outra completa sua carga horária com uma turma de treinamento (ACD – Atividades

Curriculares Desportivas), na modalidade de voleibol. Também atua em uma escola particular

no mesmo município.

Atua na área da Educação Física há 14 anos. Trabalhou na área de recreação, antes

mesmo da sua graduação. Graduou-se numa universidade estadual localizada no interior do

estado de São Paulo, em 2000, tendo iniciado em uma unidade e concluído em outra. Alega

que a transferência foi em decorrência da estruturação do curso, da qualificação dos

professores, das oportunidades de pesquisas e, principalmente, da ampliação do currículo.

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Seu trabalho com o jogo está colocado por ele na dimensão do respeito e das relações

interpessoais. Disposto a ampliar e diversificar as vivências dos alunos, Júlio César trabalha

numa perspectiva do jogo que busca preparar os alunos para a vida, enfrentando situações de

desafios e de possibilidades, lidando com a vitória e com a derrota, respeitando o adversário,

independente de ganhar ou perder e, principalmente, se autoquestionando e conhecendo o

outro por meio do jogo.

Cabe ressaltar que as significações de jogo constituídas pelo professor Júlio Cesar

reúnem a síntese de múltiplas significações advindas da sua trajetória até chegar a ser

professor de Educação Física escolar; da forma como o jogo foi trabalhado na sua formação;

da sua atuação pedagógica na escola particular, na rede pública e em outros lugares; da sua

experiência como atleta de atletismo; das dificuldades e facilidades encontradas no trabalho

com o jogo na escola; da forma como a equipe gestora, os outros professores, os pais e alunos

encaram seu trabalho com o jogo. Enfim, ao mesmo tempo em que todas estas significações

constituem o sentido que Júlio Cesar tem sobre o jogo, ele reorganiza e reelabora essas

significações, constituindo o sentido sobre o jogo.

O professor Júlio Cesar afirma não ter elaborado um projeto de vida profissional em

que estivesse desde logo incluído o trabalho com a Educação Física escolar; seus planos eram

continuar trabalhando na empresa, terminar o curso técnico e ingressar na faculdade de

engenharia. No entanto, o professor nos conta que não gostava do trabalho que realizava na

empresa, e que “tinha uma necessidade muito grande de trabalhar com gente (...)”, e isso

ficou evidente justamente quando “(...) eu comecei a mexer com colônia de férias. (...) eu

tenho a vocação para ser professor de Educação Física (...)”. Apesar de Júlio César não ter

um plano constituído para ser professor de Educação Física escolar, a possibilidade de

trabalhar com pessoas contribuiu para sua escolha. Na fala do professor, cabe ressaltar duas

questões: uma, que se refere ao fato de o professor reconhecer que para atuar na área da

Educação Física basta querer trabalhar com pessoas e, outra, que se refere à significação

presente na sociedade de que para trabalhar na área da Educação Física não se necessita de

formação especifica para tal.

Podemos notar na fala do professor Júlio Cesar a falta de clareza e adesão a um projeto

educativo, quando da escolha da profissão; entretanto, este projeto vai aparecendo no

decorrer de sua fala. É um projeto que inclui o desenvolvimento de seus alunos almejando a

capacidade de lidar com a diversidade da vida social, de vivenciar relações de forma

respeitosa, de desenvolver a capacidade de expressão e enriquecer vivências, de saber lidar

com as regras sem relacionar-se com elas de forma rígida e conservadora, de assumir

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responsabilidades e viver prazerosamente. Segundo Marx, apesar de as aranhas e abelhas

realizarem um trabalho semelhante ao do tecelão e ao do arquiteto, respectivamente, o que

distingue um do outro não é a qualidade da construção, mas o plano de trabalho que o homem

construiu antes de realizar o trabalho. (MARX, 1982). O autor ressalta que a atividade do ser

humano é intencional e consciente, age em função de um objetivo. Assim, o plano de trabalho

de Júlio Cesar vai surgindo em sua fala permitindo acesso a suas intenções profissionais como

docente. Em geral, os estudantes, antes de ingressarem em um curso de licenciatura, carregam

significações sobre a área da Educação Física advindas de suas vivências escolares, familiares

e da mídia. A Educação Física possui uma tradição pautada no como fazer, deixando de lado

discussões mais críticas do para que fazer. Dessa forma, o curso de formação em Educação

Física se constituiu, por muito tempo, num ensino técnico, cujo papel do professor é o de

mero executor de atividades. Entretanto, ser professor de Educação Física é uma escolha

política e, para tal, deve-se ter claro qual é o objetivo de sua atuação. Portanto, ao focarmos o

trabalho docente como uma atividade objetiva, intencional e consciente, é impossível pensar

no professor de Educação Física sem considerar qual o objetivo que se espera das relações

sociais estabelecidas na escola. O fato de Júlio César ressaltar que via na Educação Física a

possibilidade de trabalhar com pessoas significa que, naquele momento, ele não possuía a

diversidade de aspectos que hoje caracteriza seu projeto como docente. A intenção de

intervenção era ainda constituída de poucos elementos e não indicava uma direção

educacional clara para o trabalho. Mas, no decorrer da vida como docente, este plano vai se

constituindo e o sentido da EF e do jogo vão se enriquecendo com a potencialidade que ele,

hoje, atribui a esta prática escolar. Importante notarmos que, no sentido constituído sobre a

EF e o jogo, por Júlio César, convivem estes dois modos de significação: um que a toma

como algo que exige pouca formação e que está relacionado com o gostar de trabalhar com

pessoas; o outro que a firma como uma prática educacional que compõe a formação dos

alunos para a cidadania, para a vida social e para o desenvolvimento pessoal. Júlio Cesar

percebe estas significações como marcas de momentos distintos de sua vida profissional.

Para Júlio César, o trabalho na Educação Física escolar configurou-se, no momento da

escolha, como possibilidade de atuação com pessoas, sem necessidade de conhecimentos

específicos para tal. Ele relata que: “(...) logo que eu me formei sai, assim, pegando tudo (...)

primeiros empregos. Aí eu consegui mexer com escola e academia.”, e complementa: “(...) a

partir do concurso (a escola) que se transformou atividade principal”. Júlio César destaca

nesses trechos a forte significação presente na história da Educação Física, de que para atuar

como professor de Educação Física, seja na escola ou na academia, não são necessários

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conhecimentos especificos; inclusive, o fato de querer trabalhar com pessoas é uma

justificativa forte para a atuação. No decorrer da fala, vai aparecendo o projeto educacional

que permite que ele vá além da visão simplista que possuía e construa aspectos de sentido que

fazem da EF uma prática educativa.

Júlio César relata que não existe um acompanhamento técnico em relação à disciplina

da Educação Física na rede estadual. Alega que durante vários anos de HTPC (Hora de

Trabalho Pedagógico Coletivo) na escola estadual, não houve nenhuma interferência no seu

trabalho com o jogo. O fato é que as orientações durante os HTPC eram direcionadas

exclusivamente para o desenvolvimento do projeto de leitura e escrita que vigora na rede.

Cabe ressaltar que no presente momento as escolas de Ciclo I estão em vias de serem

municipalizadas e, por essa razão, as escolas que atendem alunos das primeiras séries do

ensino fundamental ficarão sob a responsabilidade da rede municipal. Com isso, os órgãos

governamentais, por meio da Secretaria Estadual da Educação, têm investido em ações,

propostas e cursos de formação de professores preferencialmente direcionados para o Ciclo II

(5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental) e Ensino Médio. Estas intenções são do conhecimento

do professor.

Outro aspecto interessante destacado por Júlio César refere-se à questão da

valorização do seu trabalho com o jogo. Ele expressa um sentimento de satisfação quando os

professores relatam ter saudades das suas aulas, ou quando, de alguma forma, as pessoas

observam o cuidado que ele tem pela limpeza e organização da quadra e dos materiais. Cabe

destacar a discussão trazida por Damazio e Silva (2008) sobre o descaso com a escola pública,

que se reflete diretamente nas más condições materiais e falta de estrutura física, sobre o valor

social atribuído à disciplina e sobre a atuação pedagógica do professor. Segundo os autores:

as condições materiais (instalações, material didático, espaço físico)

interferem de modo significativo nos trabalhos pedagógicos. Os esforços dos

professores, por mais criativos que sejam e diante dos mais belos ideais

educativos, podem fracassar, caso não encontrem espaços e condições

materiais para concretização de seus planos de trabalho (DAMAZIO e

SILVA, 2008, p. 193).

Em outro depoimento, o professor compara o entendimento do jogo entre os alunos da

rede estadual e os alunos da escola particular e destaca: “as crianças da rede particular (...) têm

um acesso a uma cultura melhor que os nossos alunos da escola pública. (...) quando você tem uma

estrutura cultural maior, uma bagagem cultural maior, acaba facilitando esse entendimento [do

jogo].”.

Júlio César evidencia em sua fala o compromisso com a educação, com a formação

dos alunos e, principalmente, a importância do seu papel de professor. Destaca, ainda, que por

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meio do seu trabalho com o jogo é possível ampliar as vivências com que os alunos chegam à

escola. Concordamos com Charlot (1979), ao evidenciar que a luta pedagógica não é pontual,

trata-se de uma luta social global; no entanto, a ação pedagógica não deve ser negligenciada.

Outro fator refere-se às diferenças de entendimento do jogo atribuídas por Júlio César

aos alunos da escola pública e aos alunos da escola privada. Para ele, o fato de as crianças da

escola pública terem maior dificuldade no entendimento da organização do jogo é devido à

“bagagem cultural” dos alunos. Considera, portanto, os determinantes sociais que dificultam

os alunos de classes sociais menos privilegiadas terem acesso aos jogos mais elaborados.

Segundo Júlio César: “(...) na rede particular as crianças (...) tem mais possibilidades,

viajam mais, têm mais contato com mais informações, cinema (...). Em relação às habilidades

[motora] eles têm uma dificuldade maior, mas em compensação essa assimilação do jogo (...)

acaba sendo mais fácil.”

O jogo não é natural para o professor. Ele indica em sua fala que alunos de classes

sociais diferentes se apresentam, encaram e aproveitam diferentemente o jogo e as atividades

da EF escolar. A “bagagem cultural” faz diferença e o professor se prepara para enfrentar isto

com formas distintas de trabalhar.

O professor relata a necessidade de ter uma automotivação para trabalhar com o jogo

de forma mais elaborada na rede estadual, uma vez que os alunos precisam de vivenciar

maiores possibilidades e diversidade de jogos, pois a aula de Educação Física escolar

constitui-se em“(...) um momento único na vida deles”. É possível destacar a

responsabilidade atribuída pelo professor a si mesma, no sentido de diminuir a diferença de

entendimento do jogo entre alunos da escola particular e da rede estadual. Júlio César

considera o acesso a jogos elaborados um direito de todos, independente da classe social. No

entanto, a responsabilidade em diminuir esta diferença de acesso é situada numa discussão

mais ampla, que envolve desigualdades sociais, desempregos e condições sócio-econômicas

precárias; portanto, não é um problema e uma responsabilidade individual do professor, mas

fundamentalmente um dever do estado.

Ao se referir às funções do jogo para as primeiras séries do ensino fundamental, o

professor ressalta a necessidade de trabalhar com o êxito e com a frustração, com a vitória e

com a derrota, com o ganhar e com o perder, com a inclusão e a exclusão, com a cooperação e

com a competição. Evidencia a tensão que é trabalhar com esses dois tipos de jogo. Para ele, o

jogo cooperativo tem certa limitação, no momento, em que o jogo é uma representação da

vida e na vida “não tem tudo que coopera para que a gente participe”. Por isso, afirma a

necessidade dos jogos competitivos também, por proporcionar trabalhar a superação das

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dificuldades, das limitações e do adversário. No entanto, ele alerta que é fundamental “(...)

não fazer disso seu princípio (...) ganhar de qualquer jeito, não respeitando as regras, não

respeitando as pessoas” Assim, é possível notar que o professor atribui ao jogo, tanto o

cooperativo como o competitivo, um sentido educativo (sócio-político), ao afirmar que o jogo

“vai preparando para a vida”. Portanto, cabe destacar que cooperar e competir não são

considerados como dicotômicos pelo professor. O sentido que atribui a estes dois tipos de

jogos é permeado pelo respeito e pela valorização das relações interpessoais vivenciadas.

Mas, ao mesmo tempo, a ideia de que a competição pode ser lúdica conflita com a

ideia de Júlio César sobre a turma de treinamento, quando ele alega não trabalhar com a

questão lúdica no seu treino de vôlei, uma vez que isso não atende às expectativas dos alunos.

É possível notar a contradição entre o jogo competitivo desenvolvido numa aula de Educação

Física escolar e o jogo competitivo realizado numa turma de treinamento. Para Júlio César, o

que faz com que a competição fique tão evidente é a falta da questão lúdica, do prazer de estar

fazendo a aula. Ou seja, não acredita na ideia de que um jogo competitivo ou uma aula de

treinamento possa basear-se no princípio lúdico, no prazer de ser uma aula divertida.

De qualquer forma, ao mencionar que as expectativas dos alunos que participam do

treino de vôlei não vão ao encontro da questão lúdica, Júlio César expressa que ao mesmo

tempo em que a ausência da questão lúdica num trabalho com o jogo nas aulas regulares

evidencia a presença da competição, a presença da questão lúdica numa aula de treinamento

dificulta o trabalho do professor. O significado socialmente constituído acerca do trabalho do

professor de Educação Física e especificamente do jogo são questões importantes de serem

discutidas. A ideia de que o trabalho com o jogo deve permear questões técnicas e táticas é

muito evidente na área. Diferentemente dos professores pesquisados por Stumpf (2000), Júlio

César relata que o trabalho com o jogo em suas aulas é pautado em princípios como o respeito

e a colaboração e alega ser coerente entre o que pensa e o que faz.

No que se refere à visão dos professores em relação ao seu trabalho com o jogo, Júlio

César informa que quando encontra com professores de outras áreas eles expressam

sentimento de saudades, ou seja, sentem falta do seu trabalho com o jogo. Segundo ele,

quando começa o seu trabalho com o jogo numa escola, os alunos têm muitas dificuldades de

aceitação e, consequentemente, o professor sente dificuldade de efetivar sua proposta de

trabalho com o jogo, devido ao trabalho com o jogo realizado anteriormente por outros

professores. Relata, inclusive, que ao observar as aulas de alguns professores de Educação

Física de uma determinada escola, pôde perceber que as aulas seguem uma estrutura em que o

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professor faz a chamada, coloca os alunos em filas e trabalha fundamentos dos jogos

ensinando individualmente os alunos.

Júlio César expressa a ideia de que o tipo de trabalho desenvolvido com o jogo por

parte dos professores de Educação Física acaba por desvalorizar socialmente o trabalho do

professor. A relação dialética constitutiva da dimensão subjetiva dos fenômenos, no nosso

caso, o jogo. O jogo na Educação Física escolar encontra-se em um processo sócio-histórico

de grandes mudanças, que envolve ao mesmo tempo subjetividades coletivas e individuais.

Significações individuais sobre o jogo afetaram o movimento social em prol da Educação

Física e, por sua vez, constituíram mudanças nas significações coletivas, traduzidas em

avanços legais. Esses avanços conferem transformações individuais que explicam, nesse

sentido, a mudança na opinião das pessoas sobre o trabalho com o jogo, conforme relatado

por Júlio César. Quanto ao significado constituído socialmente sobre o jogo, apesar de as

pesquisas revelarem a importância do jogo para o desenvolvimento humano, ele continua

considerado, socialmente, uma atividade sem utilidade, contrária à seriedade das atividades

tidas como produtivas, inclusive, sendo considerado como sem utilidade, relaxamento e uma

atividade de recuperação das forças despendidas com as atividades sérias, conforme descrito

no capítulo sobre o conceito de jogo na história. Este significado social sobre o jogo acaba por

desvalorizar a Educação Física e impulsiona práticas pedagógicas com o jogo considerando-o

como mera atividade. Este aspecto também é presente para Júlio Cesar, mas poderíamos dizer

que a vivência do trabalho tem possibilitado a ele uma visão mais ampla e crítica de jogo.

Júlio César também expressa que se sente desamparado pelo sistema em que atua

como professor e pela equipe gestora: “nunca tive nenhum retorno em relação a esta questão

do jogo”.

Enfim, foi também possível notar um movimento de ressignificação em torno do

cooperar/competir. Ora está dicotomizado, como quando afirma que trabalhar nos treinos de

vôlei com a questão lúdica não vai ao encontro das expectativas dos alunos; ora indissociável,

como quando apresenta a importância do trabalho com o jogo cooperativo e com o jogo

competitivo como função social e política da Educação Física escolar.

7.2.2. Análise do sujeito II: Professora Isabel

A professora Isabel tem 28 anos e é solteira. Reside em São José dos Campos, atua na

rede pública estadual paulista na Diretoria de Ensino da região de São José dos Campos,

numa escola que atende alunos do 1º ao 9º anos e Ensino Médio. Ingressou na rede estadual

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em 2006 e até o ano de 2010 permanece na mesma escola, localizada na região norte de São

José dos Campos; no ano de 2010 foram-lhe atribuídas aulas do ciclo I e do ciclo II do Ensino

Fundamental. Atua na rede estadual há 5 anos e sua carga horária no ano de 2010 foi de 32

horas aulas semanais em atividades com alunos e 5 HTPC, dos quais 3 cumpre na escola e as

outras duas em local de sua livre escolha. Na rede estadual nunca atuou com outras faixas

etárias, mas já atuou na Educação Infantil como estagiária na época em que cursava o

magistério. Concluiu a graduação em 2003, na Universidade do Vale do Paraíba – UNIVAP,

e tem expectativas de cursar a pós-graduação.

Para a professora Isabel construímos os seguintes núcleos de significação:

Núcleo I. Eu sempre soube que ia fazer Educação Física.

A professora Isabel relatou, na entrevista realizada em 19/11/2010, como foi o

processo de sua escolha profissional pela área da Educação Física escolar. A partir da sua fala,

destacamos trechos, agrupados nesse núcleo, que apontassem sua história com o jogo, desde

sua infância, em que alega ter brincado muito na rua, até seu trabalho na escola. São eles:

“A minha infância. Com certeza, eu brinquei na rua demais.”

“Brincava na rua o tempo inteiro. (...) eu sabia que ia fazer Educação Física na 5ª série.”

“Jogava handebol na escola (...) depois eu joguei vôlei no Luso e depois eu fui pro tênis (...)”

“(...) no Luso era uma coisa mais lúdica, mais brincadeira (...) tinha um treinador (...) mas não era

tão sério (...)”

“(...) no Tênis era treino da uma s cinco, aí depois das cinco acabava o treino tático de vôlei (...)

depois a gente tinha que fazer uma hora de academia e depois uma hora com o preparador físico (...)

eu não aguentava, eu tinha 13, 14 anos (...) eu não aguentei, eu fiquei quase um ano assim e parei e

também, desse tempo eu sempre fui reserva, reserva, eu me desestimulei, nunca mias voltei (...)”

“(...) de 5ª a 8ª série (...) eu jogava handebol (...) e desde dessa época, tudo me influenciou (...) me

influenciou o que eu queria fazer e o que eu não queria fazer como professor.”

“(...) eu tive uma experiência com o Zé (professor de Educação Física de 5ª a 8ª série) (...) eu tava

perdendo e ele começou a gritar comigo (...) eu comecei a chorar e saí do jogo.”

“(...) uma outra vez (...) eu não sei o que aconteceu e ele [o mesmo professor] mandou eu correr os

800 (...) eu nunca tinha treinado (...) eu fui na velocidade total cheguei na linha e desmaiei.”

“(...) eu fiz o 1º e 2º ano de magistério e no 3º que teria que mudar de período que eu não quis mais.”

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“Depois, no Ensino Médio eu não tive uma boa professora e nem fazia Educação Física, na escola

(...) eu sempre trabalhei junto, sabe, nunca estudei só estudei. Desde o primeiro colegial, trabalhei em

loja, depois eu fui pra escolinha, depois já me envolvi com colônia de férias (...)”

“(...) eu sempre trabalhei com criança. Eu estagiava na tecelagem (...) não na área, mas já era uma

coisa que envolvia (...)”

“(...) eu sempre soube que ia fazer Educação Física (...) foi uma coisa que já era certa na minha vida.

(...) eu sabia que ia fazer Educação Física na 5ª série.”

“Fui trabalhar em academia. Já dei aula de ginástica, já dei aula de musculação. Mas meu negócio

era escola. Eu queria ensinar criança (...) eu pensei um dia em que eu poderia fazer fisioterapia, mas

a Educação Física era da área da saúde mesmo, de escola, de brincar, de esportes (...). Nunca pensei

em outra profissão.”

“Esse trabalho [Projeto da prefeitura De bem com a vida] era o que eu queria fazer até hoje.”

Nesse núcleo, é possível destacar o sentimento de satisfação expresso pela professora

Isabel de ter trabalhado no projeto da prefeitura municipal e notar que ela não teve um

planejamento para atuar na Educação Física escolar. A professora pensava em graduar-se em

fisioterapia e ressalta que “Esse trabalho [o projeto da prefeitura] era o que eu queria fazer

até hoje”.

Como vimos, Isabel relata que em sua infância brincou muito na rua e que desde a 5ª

série já sabia que iria atuar como professora de Educação Física. Relata que por volta de 13,

14 anos jogava handebol na escola e voleibol num clube de campo localizado numa região

rural da cidade e que depois foi convidada para jogar vôlei em outro clube localizado na

região central. A professora aponta uma diferença entre o treino de vôlei realizado no clube de

campo rural e o realizado no clube de campo do centro da cidade. Segundo ela: “(...) era

treino da uma às cinco (...) acabava o treino tático de vôlei (...) uma hora de academia e

depois uma hora com o preparador físico (...) eu não aguentei, eu fiquei um ano e parei (...)

eu sempre fui reserva (...)”. Ressalta, também, que tinha que ir e voltar de ônibus, o que

contribuiu para sua falta de motivação em continuar no treino.

É possível notar, no depoimento da professora Isabel, um sentimento de humilhação

vivido em aulas de Educação Física de 5ª a 8ª série. A professora relata que seu time estava

perdendo e o professor de Educação Física começou a gritar com ela, o que fez com que ela

chorasse e saísse do jogo. Num outro momento, ele pediu que ela corresse 800 metros numa

competição, mesmo sem ter sido treinada para tal. Segundo o depoimento da professora “(...)

eu fui na velocidade total, cheguei na linha e desmaiei.”.

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A professora afirma não ter frequentado as aulas de Educação Física no Ensino Médio

e alega “(...) eu não tive uma boa professora (...)”; inclusive, relata que durante o Ensino

Médio sempre trabalhou e estudou, dificultando sua participação nas aulas.

Isabel relata que no primeiro ano do Ensino Médio trabalhou em vários locais, em loja,

em escola de Educação Infantil e que depois foi trabalhar na colônia de férias da prefeitura.

Por fim, ela relata que trabalhou como estagiária numa escola de educação infantil da

prefeitura e numa academia, mas que “(...) sempre soube que ia fazer Educação Física”. No

entanto, Isabel relata que “(...) eu pensei um dia em que eu poderia fazer fisioterapia (...)”, e

expressa um sentimento de admiração pelo projeto da prefeitura “De bem com a vida”: “(...)

era o que eu queria fazer até hoje.”.

Núcleo II. O jogo na formação não foi uma coisa muito bem feita.

Neste núcleo, estão agrupados os trechos da fala da Professora Isabel que evidenciam

as questões referentes ao trabalho com o jogo na sua graduação. São eles:

“O jogo, bom, era na aula de Recreação.”

“Ela [professora de Recreação] não era muito boa. Era mais a gente que tinha que fazer.”

“(...) era sempre falado da importância, do jeito que a gente ia trabalhar (...) Mas não foi uma coisa

muito bem feita não.”

“(...) dentro das outras disciplinas que trabalhava os esportes (...) a gente trabalhava alguns jogos

(...) mas não muito bem trabalhado (...) Aliás, não foi quase nada muito bem trabalhado.”

Neste núcleo, é possível destacar o sentimento de desvalorização pelo trabalho com o

jogo desenvolvido em sua graduação. Alega que o jogo em sua graduação era desenvolvido

pela professora de Recreação e que os professores de outras disciplinas desenvolviam alguns

jogos e trabalhavam os esportes. A professora Isabel afirma: “Ela [a professora de recreação]

não era muito bola. Era mais a gente que tinha que fazer.”. No que se refere às outras

disciplinas que trabalhavam alguns jogos, Isabel aponta que não foi muito bem trabalhado e

enfatiza: “(...) não foi quase nada muito bem trabalhado.”

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Núcleo III. Eu sigo o caderninho.

Este núcleo agrupa os trechos da fala do sujeito que evidenciam questões relacionadas

à proposta da Secretaria do Estado da Educação e à formação em serviço. São eles:

“(...) eu trabalho há três anos e (...) nunca tive nenhum curso. (...) antes dele até pensar nas pessoas

que estão começando, deveria pensar na gente.”

“(...) a gente deveria ter se reunido. (...) O que você faz? (...) vamos pensar junto (...). O que a gente

pode fazer? (...) cada um tem uma formação, cada um tem um jeito de trabalhar, tem ideia minha que

alguém não concorda, tem ideias de pessoas que eu também não concordo. Mas que a gente deveria

ter uma base pra trabalhar.”

“Eu não sou contra o caderninho. Eu achei que ficou sistematizado, mas a gente não teve formação

nenhuma.”

“Eu acho que o ciclo I tinha que ser sistematizado. Podia não ser em forma de caderninho, tão

mastigado do jeito que veio, que a gente também tem autonomia do professor, mas que tinha que ser

assim, igual um livro que existe de Português e Matemática.”

“(...) eu acho que devia ter, sim, uma proposta pro Ciclo I parecida com a proposta do Ciclo II de

Educação Física, pra dar uma direção.”

“(...) eu acho que vai sair, porque eles estão fazendo de tudo pra melhoria da educação.”

“Eu acho que vai vir mais ou menos nesse rumo aí do Ler e Escrever, proposta de Educação Física

sistematizada para o Ciclo I. Essa coisa do aluno como foco. Um negócio que nunca aconteceu

antes.”

“Eu sigo o caderninho. (...) eu tento fazer o caderninho por completo. (...) Eu tento terminar tudo (...)

depois que veio o caderninho da 5ª série eu mudei até meu planejamento do ciclo I.”

“(...) depois que veio o caderninho da 5ª eu mudei até meu planejamento do ciclo I. Que quando eles

chegarem lá eles já sabem tudo aquilo. Porque eles até sabiam, mas eles não sabiam sistematizado

(...)”

“(...) eles tentaram fazer um pouco de tudo no caderno. (...) que o aluno tenha um conhecimento

amplo na Educação Física, que antes era só os quatro esportes (...) eles ampliaram a visão do aluno.”

“(...) o objetivo do caderno foi ampliar o conhecimento do aluno e até do professor (...) você fazia a

coisa que mais gostava (...)”

“(...) o objetivo é ampliar todo o conhecimento do aluno e do professor e que o aluno seja inserido

nessa coisa do esporte (...) que existe outros esportes além do futebol (...)”

“(...) eles (alunos) saem do mundinho. E isso é perfeito pra um professor de educação Física. Ele não

é mais um qualquer na escola.”

“(...) se viesse o caderninho pra todas as matérias e pra Educação Física não, eu ia ficar frustrada,

porque isso ia ser a comprovação que não é uma matéria...igual às outras.”

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“(...) é um pouco de culpa do professor, porque ele não se impõe na escola (...) eu tô integrada no

projeto da escola (...)”

“(...) eu sou a favor do caderno.”

“Tem coisas que eu mudaria, mas eles pensaram dessa forma. Tem um por que eles pensaram dessa

forma. (...) tem coisa que daria pra mudar. Que tem coisas que daria pra adaptar.”

“O lado ruim é a falta de material. (...) eu dou uma aula expositiva (...) às vezes nem faz a prática

porque eu não tenho material, eu nem sei fazer tudo perfeito, o movimento. eu não sou nenhuma

capoeirista, eu sei o básico (...) eu tenho um tambor, um pandeiro e um CD de capoeira (...) por mais

que eu ensine o básico pra eles, pra eles é bastante. (...) a gente não tem nada na escola.”

“(...) na LDB (...) é o professor de Educação Física, só que a prefeitura alega que o próprio professor

da sala de aula dá essa aula, mas ele dá uma recreação, ele não é capacitado para dar aula de

Educação Física. (...) eles soltam os alunos e os alunos brincam à vontade (...)”

“(...) tem professor que... tá difícil. A gente pensa: O que está fazendo aqui? Por que você não

procurou outra profissão?”

“(...) eu sou meio bicuda, me meto em tudo, fulano sabe ler, fulano sabe isso, fulano sabe aquilo. Eu

quero saber tudo, porque eu tô integrada no projeto da escola.”

Nesse núcleo, é possível notar que, para Isabel, houve uma mudança no seu plano de

ensino e na sua prática pedagógica enquanto professora de Educação Física depois da

implementação do currículo do Estado de São Paulo, proposta materializada e veiculada em

forma de Cadernos47

do Professor e do Aluno.

A professora destaca que nunca houve nada parecido com a proposta “Essa coisa do

aluno como foco”, e reconhece que “(...) eles estão fazendo de tudo pra melhoria da

educação.”. Segundo a professora Isabel, “(...) o objetivo do caderno foi ampliar o

conhecimento do aluno e até do professor (...) antes era só os quatro esportes (...) você fazia

a coisa que mais gostava (...) existe outros esportes além do futebol”.

Isabel destaca que a implementação do currículo é perfeita “(...) pra um professor de

Educação Física. Ele não é um qualquer na escola.”. Ela expressa, também, um sentimento

de valorização em relação à Educação Física ao relatar que “(...) se viesse o caderninho pra

todas as matérias e pra Educação Física não, eu ia ficar frustrada, porque isso ia ser a

comprovação que não é uma matéria igual às outras.”. Este sentimento de desvalorização da

área é justificado por Isabel, atribuindo a culpa ao professor, pela sua falta de posicionamento

no projeto político pedagógico da escola.

47

O caderno é um material distribuído para as escolas a fim de sistematizar os conteúdos a serem trabalhos pelos

professores de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental e Ensino Médio. São compostos por 76 cadernos (do

professor e do aluno) organizados por bimestre, por série e por disciplina.

Page 183: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

182

A professora afirma ser a favor da proposta e relata que segue o caderninho e tenta

realizar todas as atividades nele presentes: “Eu sigo o caderninho (...) eu tento fazer o

caderninho por completo (...)”; inclusive, destaca que depois que foi implementada a

proposta de 5ª a 8ª séries e Ensino Médio ela alterou todo o seu planejamento para as

primeiras séries do Ensino Fundamental, adequando os conteúdos do ciclo I, de maneira que

ao final do ciclo o aluno esteja preparado para vivenciar os conteúdos exigidos no inicio do

ciclo II.

No entanto, destaca que como professora de Educação Física escolar da rede pública

estadual paulista há três anos nunca teve curso de formação e que os professores que atuam

com as primeiras séries do Ensino Fundamental deveriam ser convocados para uma reunião, a

fim de discutir sobre as experiências vividas nas escolas e sobre o que pode ser melhorado.

Isabel enfatiza a falta de proposta e de uma direção para o trabalho realizado pelos professores

de Educação Física nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Destaca ainda que, de 5ª a 8ª

séries e no Ensino Médio, a proposta existe, mas os professores que estão atuando não

tiveram formação para tal.

Ao relatar um sentimento de esperança quanto à implementação de uma direção para

as primeiras séries do Ensino Fundamental, a professora supõe que a proposta para o Ciclo I

virá semelhante à proposta do projeto Ler e Escrever.

Por fim, a professorarelata que falta material para desenvolver os conteúdos propostos

nos cadernos “(...) eu dou uma aula expositiva (...) às vezes nem faz a prática porque eu não

tenho material (...)”, e destaca a dificuldade em dominar os conteúdos elencados: “(...) eu

nem sei fazer tudo perfeito o movimento. (...) eu não sou nenhuma capoeirista, eu sei o básico

(...) eu tenho um tambor, um pandeiro e um CD de capoeira”.

Núcleo IV. O jogo é igual à vida.

Este núcleo agrupa os trechos da fala do sujeito que evidencia o que este considera ser

a função do jogo na Educação Física escolar. São eles:

“(...) no estado eu trabalho o jogo, desde o 1º ano, pra disciplina, pra regra, pra trabalhar

cooperação, trabalho em equipe (...)”

“(...) eu trabalho o jogo como um conteúdo muito forte da minha aula (...)”

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“(...) eu tenho uma turma que eu sigo desde a 5ª série (...) eu gosto de acompanhar e ver o que

aconteceu com eles.”

“(...) quando vem um aluno transferido (...) eu vejo que tem diferença (...) do jeito que eu trabalhei

com eles (...) às vezes não foi dado a mesma coisa (...)”

“(...) eu preciso dar uma melhoradinha na coordenação, preciso ensinar algumas coisas que são as

regras da minha aula (...).”

“A prefeitura não tinha aula no ciclo I de Educação Física. (...) 1º, 2º, 3º e 4º ano eles só saiam pra

brincar. (...) Cada um faz o que quer.”

“no 5º ano (...) eu tentei colocar, fazer em um ano tudo aquilo que eu fazia em quatro (...) foi um

sufoco para eu dar conta daquela turma, pra eles conseguirem trabalhar em equipe, realizar um jogo,

pra eles terem a própria coordenação, lateralidade, equilíbrio (...)”

“(...) jogo é tudo aquilo que vai ter regra, que tem um objetivo, esse objetivo pode ser da minha aula,

pode ser objetivo só do prazer, pode ser objetivo de trabalhar só uma coordenação, um trabalho em

equipe, qualquer coisa da esportivização (...).”

“Disciplina. Eles aprendem a respeitar as regras, eles aprendem a respeitar o outro, eles aprendem a

esperar a vez deles, concentração, a ganhar e a perder.”

“Se você for numa aula minha um dia eu falo: nós vamos fazer esse jogo. Importa quem vai ganhar?

Não, importa que nós vamos participar. (risos). Então, às vezes, eu faço uma competição, porque

competição estimula, né. Todo mundo gosta, né. Mas, eles tem claro isso, que na vida a gente ganha

que na vida a gente perde.”

“O jogo é igual à vida, o que você faz no jogo você faz na vida. Se você rouba aqui no jogo pra

ganhar a qualquer custo, ah, você é capaz de fazer isso na vida. Se você não é honesto aqui no jogo

você não vai ser honesto com você na sua vida, com os amigos. Você tem que respeitar as regras do

jogo. (...) no intervalo também tem as regras, igual a regras do jogo (...)”

“(...) eu explico pra eles lá, no primeiro dia de aula. Esquece a queimada da rua. A nossa queimada

tem um objetivo. Tem um objetivo de trabalhar em equipe. Vocês vão passar a bola um pro outro. (...)

quando chega na 4ª série eu tenho que falar: Vai, tenta queimar logo. Por que você não queimou?

Porque eu tinha que passar.”

“(...) ninguém vai dar aula de futebol, vai ensinar passe, vai ensinar regra, vai ensinar o que que pode

melhorar (...) eles só vão jogar.”

“Futebol ele vai aprender na rua. Ah, outras coisas não. (...) se eu estou trabalhando a lateralidade,

aquele jogo vai ter alguma coisa de lateralidade, se eu to trabalhando mira, manipulação, então,

sempre tem o objetivo físico (...)”

“Quando a criança joga ela está envolvendo com o outro, ela está socializando, tá fazendo amizade,

tá conversando, tá interagindo, (...) é supersocial (...)”

“(...) meu jogo pode ter esse objetivo brincar (...)”

“(...) se o objetivo é que ele aprenda a socialização, então, eu terminei o jogo eles estão fazendo,

conversarem e tal. (...) eu alcancei meu objetivo, eles se socializaram.”

“Todos eles participaram, eles não brigaram, eles aprenderam o jogo, aí, esse é o objetivo

educacional.”

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“(...) ele se desenvolve fisicamente, né. Tá lá praticando atividade física, tá melhorando o corpo, tá

melhorando a circulação sanguínea, tá trabalhando os ossos. Toda essa parte de benefícios físicos,

porque ele tá praticando uma atividade física, tá queimando gordura, tá gastando energia. Toda essa

parte física mesmo, fisiologicamente falando, anatomicamente falando (...), fisicamente ele está sendo

trabalhado.”

“E do cognitivo, do raciocínio, ele tem que pensar pra ele agir. Ele tem que mandar estímulo lá pro

cérebro (...)”

“Meu objetivo é que eles se desenvolvessem, que eles pensassem, que eles fossem capazes de ter

autonomia de mudar um jogo (...)”

“(...) eu falo de autonomia deles conseguirem eles sozinhos fazerem um jogo (...) a autonomia deles é

conversar entre si.”

Desse tópico é possível destacar algumas questões: diferença do trabalho com o jogo

desenvolvido por ela e pelos outros professores de Educação Física, diferença entre o trabalho

com o jogo desenvolvido por ela e pelos professores de classe, diferenças entre o jogo da rua

e o jogo da aula de Educação Física, diferença entre o pensar e o fazer.

Quando a professora Isabel se refere ao seu trabalho com jogo nas primeiras séries do

Ensino Fundamental, ela alega que segue uma organização e sistematização: “No 1º e 2º anos

sempre regras menores. (...) Eu começo com jogos simbólicos, com os jogos lúdicos,

colocando aos poucos e depois (...) vou aumentando gradativamente de acordo com o

amadurecimento dos alunos, do corpo, da idade, de tudo, da série” e que, quando vem um

aluno de outra escola transferido, ela observa que o jogo não foi trabalhado da mesma

maneira como ela trabalha. Segundo a professora: “(...) eu olho pra eles, parece que eles já

sabem que que é; (...) já sabem que que têm que fazer (...) já estão bem regrados. (...) são

meus desde a 1ª (...) já têm uma carinha minha já.”

Quando se refere ao seu trabalho com o jogo na rede estadual e o trabalho com o jogo

desenvolvido pelos professores de classe, a professora Isabel afirma: “(...) eu trabalho o jogo,

desde o 1º ano, pra disciplina, pra regra, pra trabalhar cooperação, trabalho em equipe

(...)”, e ressalta que o objetivo do seu trabalho com o jogo “(...) pode ser objetivo só do

prazer, pode ser objetivo de trabalhar só uma coordenação, um trabalho em equipe, qualquer

coisa da esportivização (...)”.

Isabel esclarece que trabalha com competição porque estimula o aluno, pois acredita

que na vida se ganha e se perde, mas destaca que a participação é o que importa. Segundo ela:

“Se você for numa aula minha um dia, eu falo: nós vamos fazer esse jogo. Importa quem vai

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185

ganhar? Não, importa que nós vamos participar. Então, às vezes, eu faço uma competição,

porque competição estimula. Todo mundo gosta.”.

Isabel ressalta que as professoras de classe não têm formação para dar aula de

Educação Física e que elas trabalham com o jogo somente como recreação: “(...) elas soltam

os alunos e os alunos brincam à vontade (...)”.

No que se refere à diferença entre o jogo da rua e o jogo na aula de Educação Física, a

professora Isabel destaca que o jogo na aula de Educação Física tem como objetivo o trabalho

em equipe e que no jogo da rua as regras não são sistematizadas. Isabel pede aos alunos para

esquecerem o jogo da rua e se concentrarem no jogo da aula de Educação Física.

Por fim, Isabel também ressalta que o jogo desenvolve fisicamente e mentalmente,

porque, quando o aluno joga, ele está: “(...) praticando uma atividade física, melhorando o

corpo, melhorando a circulação sanguínea, trabalhando os ossos. (...) queimando gordura,

gastando energia”. No que se refere ao cognitivo, o jogo permite desenvolver o raciocínio,

porque o aluno “(...) tem que pensar para ele agir. Ele tem que mandar estímulo lá para o

cérebro (...)".

Núcleo V. Eles jogam por prazer. A regra dá limite.

Neste núcleo, reúnem-se as frases que evidenciam a tensão entre a regra e o prazer.

São elas:

“No ciclo I eles aprendem, eles querem jogar, eles gostam de jogar, eles aceitam qualquer regra, eles

não querem ficar mudando a regra do jogo (...)”

“(...) eles têm a regra, quando eles vão pra 5ª série eles já sabem (...) o que que eles podem fazer ou

não.”

“(...) tem a regra pré-estabelecida, que aquele jogo é jogado assim. (...) Então, tá lá, no papel, a

regra do jogo, aí eu leio pras crianças, ensino eles a jogarem, mas oh, vamos mudar isso, pra ficar

mais fácil. (...) eu tenho que mudar, porque fica difícil de jogar.”

“A regra dá limite. Regra impõe o que vai fazer o que não vai. Regra faz com que ele aprenda saber

até onde ele pode ir até onde ele não pode ir (...)”

“(...) eles já aprendem que a regra é, existe e pronto. (...) não tem como mudar aquilo.”

“(...) o jogo até tem como você mudar, mas tem que existir, não dá pra ficar sem. E isso que eles vão

levar pra vida. Que é, existe a regras, pra tudo.”

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“No ciclo I eles aprendem, eles querem jogar, eles gostam de jogar, eles aceitam qualquer regra. Eles

não querem ficar mudando a regra do jogo e tal. E eles jogam por prazer, assim. Eles gostam

mesmo.”

“Eles sempre querem um jogo. Eles não querem mais tipo uma aula coordenação, não sei que.”

“Eu só não jogo futebol.”

“Eu não gosto muito de jogos de raciocínio (...) Eu sou mais corpo. Eu não gosto de ficar lá sentada

pensando. E também jogos eletrônicos eu não gosto de nada. Eu gosto de jogo de corpo.”

“Eu nunca gostei de jogo de internet, computador, videogame nunca tive.”

“Toda vez que eu jogo eu nem vou pra academia (...)”

“Eu gosto de hande, eu gosto de jogar vôlei, eu gosto de jogar basquete. Eu jogo os três, mas o

futebol eu nunca gostei de jogar, não gosto de dar na aula. (...) ele só está inserido na minha aula

quando eles vão jogar sozinhos (...)”

“(...) a aula de futebol é difícil eu dar. Eu acho que ainda eu não gostar, de ser mulher e tal (...) “

“(...) quando eu estou lá dando uma aula livre, porque uma vez por mês eu sento e meus alunos jogam

bola (...) eles estão jogando o que eles mais gostam. Tão lá se divertindo, mas eu nunca joguei com

eles, nunca me envolvi. (...) não apito (...) Só eles. Eles têm que dar conta do jogo deles lá.”

“Vamos trabalhar? Ai eles gritam: em equipe!”

“eles não gostam de sentar junto. (...) eu falo pras professoras, pode colocar junto, eles têm que

trabalhar em equipe. (...) nós somos um grupo, que a escola é um grupo, que a gente tem que

trabalhar junto de qualquer maneira.”

“Esse trabalho de equipe, também, tipo, divide os grupos e tal, um tem que ajudar o outro, um tem

que dá dica, ou só vale fazer o ponto, um do grupo e tal e depois eu sempre mudo os grupos, pra eles

não ficarem viciadinhos, ficarem nesse negócio de amizade.”

Desse núcleo, é possível destacar a forte presença da regra no trabalho com o jogo

desenvolvido pela professora Isabel. A professora expressa um sentimento de valorização

quando os alunos aceitam e não mudam as regras do jogo. No entanto, o que se nota pelo

depoimento da professora é que os alunos respeitam a regra (qualquer regra), porque querem

jogar: “(...) No ciclo I eles aprendem, eles querem jogar, eles gostam de jogar, eles aceitam

qualquer regra, eles não querem ficar mudando a regra do jogo”.

Igualmente, sente valorização pelas regras do jogo quando os alunos vão para a 5ª

série e “(...) já sabem (...) o que que eles podem fazer ou não”. Isabel destaca que só muda

as regras do jogo para tornar o jogo mais fácil e enfatiza: “Regra impõe o que vai fazer, o que

não vai. Regra faz com que ele aprenda saber onde ele pode ir onde não pode ir (...)”. É

possível notar que a professora considera as regras do jogo como imutáveis “(...) existe e

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pronto (...) não tem como mudar”. Ao considerar que as regras do jogo não podem ser

mudadas, acaba por desvalorizar a inversão e alteração das regras; inclusive, atribui à regra

um valor sem importância, como se elas fossem sempre assim, do jeito como são

apresentadas aos alunos.

Isabel expressa um sentimento de conformismo no que se refere às vivências lúdicas

dos alunos da rede estadual. Relata que, por falta de material e de formação para desenvolver

os conteúdos do “caderninho”, ensina o básico: “Mas eles, os meus alunos, por mais que eu

ensinei o básico pra eles, pra eles já é bastante.”.

A professora valoriza os jogos cooperativos como forma de desenvolver o trabalho em

equipe e enfatiza: “(...) a gente tem que trabalhar junto de qualquer maneira”, e acrescenta:

“(...) eu sempre mudo os grupos, pra eles não ficarem viciadinhos, ficarem nesse negócio de

amizade.”. No entanto, trabalha com os jogos competitivos e justifica afirmando que os

alunos gostam e a competição estimula.

Isabel apresenta em sua fala a concepção entre brincadeira, jogo e esporte e considera

o amadurecimento dos alunos, da idade e da série em que eles se encontram. Ele considera a

brincadeira como um jogo simbólico, em que as regras são simples, e trabalha com ele na 1ª e

2ª séries. Depois trabalha com o jogo pré-desportivo, que tem quase todas as regras do

esporte, mas é jogado com algumas adaptações, com a intenção de preparar para o esporte.

Paralelamente aos jogos pré-desportivos, a professora Isabel trabalha com os jogos

cooperativos. Somente na 5ª série é que ela introduz o esporte por meio dos jogos de vôlei,

basquete e handebol. A professora, ainda, alega que não gosta de futebol, que não dá futebol

para os alunos, mas quando é final do mês ela permite que os alunos joguem à vontade;

chama de aula-livre o momento que os alunos jogam futebol. Segundo a professora, quando é

aula-livre e os alunos jogam bola: “(...) eles estão jogando o que eles mais gostam. Tão lá se

divertindo, mas eu nunca joguei com eles, nunca me envolvi. (...) não apito (...) Só eles. Eles

têm que dar conta do jogo deles.”.

Núcleo VI. Eu nunca saí do limite.

Esse núcleo reúne as frases que indicam o que a professora Isabel considera serem as

opiniões e as concepções dos professores das outras áreas, da equipe gestora e dos pais sobre

seu trabalho com o jogo. São elas:

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“As professoras acham importantíssimo pros alunos, pro desenvolvimento.”

“(...) tem algum jogo lá no Ler e Escrever e eles pedem para que eu faça com os alunos, pro alunos

transcreverem as regras (...) pro alunos melhorarem a disciplina.”

“(...) não tem o conhecimento especifico (...) mas que sempre me elogia. Fala que os alunos

melhoraram (...)”

“A direção não, nunca interferiu em nada. Nunca perguntou nada sobre a aula (...) ela nunca teve

nenhuma interferência, porque eu acho que nunca precisou fazer alguma coisa que eu tivesse feito

errado. (...) se eu der um jogo de truco ela vai interferir. (...) eu nunca saí do limite (...) Sempre pra

melhorar o ensino.”

“A minha coordenadora, ela entende bastante, assim. A gente sempre conversa sobre o jogo.”

“O meu planejamento é lido pela minha coordenadora do ciclo I e, aí, ela me faz algumas perguntas

(...) Você terminou seu conteúdo? Falta alguma coisa?”

“(...) os pais não interferem muito na aula em si.”

No que se refere ao trabalho com o jogo nas aulas de Educação Física, Isabel alega

que “A maioria [dos outros professores] não tem conhecimento especifico.” Isabel relata que

os professores das outras áreas elogiam o trabalho com o jogo realizado por ela e acrescenta

que consideram-no importantíssimo para o desenvolvimento dos alunos; a professora relata

também que as professoras de classe pedem para ela desenvolver um trabalho com o jogo do

projeto Ler e Escrever, em que os alunos transcrevem as regras do jogo, com o objetivo de

melhorar a disciplina.

Referente ao relacionamento com a equipe gestora, a professora aponta que a direção

nunca interferiu no seu trabalho com o jogo, mas relata que a Coordenadora Pedagógica

entende sobre o seu trabalho com o jogo e que sempre pergunta se o conteúdo foi dado ou se

falta algum conteúdo a ser cumprido.

Quanto ao relacionamento com os pais de alunos, a professora Isabel alega que eles

não interferem na aula: “(...) os pais não interferem muito na aula em si.”.

Núcleo VII. Eu faço o jogo rolar.

Neste núcleo estão agrupados os trechos da fala do sujeito que se referem às

dificuldades encontradas no trabalho com o jogo e à avaliação da atuação pedagógica. São

eles:

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“(...) eu já peguei a 5ª série que nunca tinha sido minha (...) eu não sabia do jeito que eles tinham

trabalhado. Foi mais difícil pra eu tentar trabalhar.”

“(...) quando vem um aluno transferido, assim, de 1ª série, de 2ª série, eu vejo que tem diferença (...)

do jeito que eu trabalhei com eles (...) às vezes não foi dado a mesma coisa (...) os meus alunos eu

olho pra eles parece que eles já sabem que que é. (...) já sabem que que têm pra fazer, já sabe tudo

(...) já estão bem regrados. (...) já tem uma carinha minha já.”

“A prefeitura não tinha aula no ciclo I de Educação Física. (...) quando chegou no 5º ano (...) eu

peguei e fiz como se fosse um resumo (...) eu fiz como se fosse um catadão (...) eu tentei colocar em

um ano tudo aquilo que eu fazia em quatro (...) foi um sufoco para eu dar conta daquela turma (...)”

“Eles chegavam no último ano do ciclo I (...) com 10 anos e nunca tinham feito (...) nada

sistematizado (...) nada de coordenação motora organizada (...)”

“Na quinta série (...) eu tive que pegar o primeiro bimestre e colocar tudo, o trabalho de coordenação

motora, de equilíbrio, lateralidade, trabalho de respeito, porque eles não sabiam isso, um

alongamento, concentração.”

“(...) com os pequenos não teve problema nenhum. (...) eu introduzo o que eu quiser. O problema foi o

ciclo II, porque a cultura do bairro, a cultura do Brasil futebol (...) eu tinha que fazer um esquema de

ganhar eles. (...) depois que a gente terminar em três aulas eu dou uma aula de futebol (...) eles

acostumaram do meu jeito (...) mas antes era base de troca”

“No ciclo I eles ainda não têm esse ganhar e perder tão forte quanto no ciclo II (...) eles aceitam

qualquer regra. Eles não querem ficar mudando a regra do jogo (...) No ciclo II (...) eles querem mais

o esporte mesmo. (...) no ciclo I que o jogo é mais evidente. (...) O jogo no ciclo II fica um pouco

distante.”

“(...) o jogo lúdico não é trabalhado no ciclo II, mas é só no ciclo I. (...) o jogo no caderninho ele vai

entrar na 5ª série.”

“(...) quando eles chegarem lá eles já sabem tudo (...) ele vai ter ali na 5ª série um resumo do ciclo I

(...) porque pra trabalhar com o caderninho da 5ª série fica muito mais fácil (...)”

“Eu não tenho muito conhecimento de luta. (...) a princípio todo mundo ficou meio assim (...) por que

a gente tem que buscar o que a gente não sabe? Então, dá trabalho (...)”

“(...) falta material. O primeiro ano que eu tinha que dar capoeira, ginástica, rítmica, judô, caratê, eu

não sabia o que eu fazia. (...) coloquei atletismo no primeiro bimestre (...) improvisava algumas

coisas. (...) veio no caderninho salto com vara. O que é que eu vou fazer? (...) eu dou uma aula

expositiva (..) um DVD da internet (...) nem faz a prática porque eu não tenho material (...)”

“(...) eu não sou nenhuma capoeirista, eu sei ensinar o básico (...) por mais que eu ensinei o básico

pra eles, pra eles já é bastante. (...) a gente não tem nada na escola.”

“(...) quando chegou o caderninho da 5ª série, eu falei: ah, eu penso certo. (...) toda vez que eu lia o

caderninho, que era uma coisa que eu já fazia eu falava: Mãe, eu faço isso demais.”

“A dificuldade é sempre quando você vai ensinar pela primeira vez. (...) você tem que ensinar,

explicar, fazer. Então, ele não vai dar certo, por umas três semanas. (...) eles ficam eufóricos (...) eles

ficam fominhas (...) Mas, devagarzinho (...) eu expliquei, eles ouviram, aí, eu meio que fiz uma vez,

mostrei assim, meio que visualizaram, depois eles praticaram, aí depois dessas três fases, aí eles vão

aos poucos adaptando e ficando perfeito (...) demora um pouco e dá trabalho.”

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“(...) no começo do ano, nós fizemos um jogo contra e aí uma 4ª série ficou debochando da outra (...)

eu tive um trabalhão. (...) Você fez o jogo e agora você resolve [interferência da equipe gestora].”

“(...) quando o Ronaldinho termina o jogo, o que ele faz? Ele dá a mão pro outro jogador. Então, dá

mão pro seu amigo (...) eu dou exemplo da mídia (...) quando eu tava passando o jogo de vôlei (...)

Quem assistiu? As meninas brigaram quando elas perderam? Elas choraram, mas elas não brigaram.

Elas deram a mão pras outras meninas.”

“O que eu penso é o que eu faço e o que falo (...) a minha prática, eu vou, ensino, falo, explico, tudo

do jeito que eu penso. Eu faço o jogo rolar (...), eu sempre falo que levar o jogo como leva a vida (...)

sempre igual, não mudo não.”

“Eles querem ditar o meu planejamento. Eles sempre querem um jogo. Eles não querem mais, tipo

uma aula, coordenação (...)”.

“(...) tem aluno que não sabe trabalhar em equipe. Ele não sabe jogar, assim, ele não tem

habilidades. (...) só fazendo que você aprende.”

“Os gordinhos não querem jogar, porque o outro vai acabar falando alguma coisa. (...) eles têm que

aprender, eu não deixo de fora. Não senta ou então vai subir, que não vai ficar lá sentado vendo, tem

que participar, de alguma forma tem que participar.”

“(...) o futebol eu nunca gostei de jogar, não gosto de dar na aula. Não gosto. É uma dificuldade,

porque ele só está inserido na minha aula quando eles vão jogar sozinhos. (...) abaixo o futebol.

Vamos trabalhar direito.”

“(...) ninguém vai dar aula de futebol, vai ensinar passe, vai ensinar regra (...) Eles vão só jogar. (...)

é jogado de qualquer jeito, qualquer lugar (...) Eu acho que tem que ter, mas na medida certa. (...)

Futebol ele vai aprender na rua (...) outras coisas não.”

“(...) as regras (...) eu tenho que mudar, porque fica difícil de jogar (...)”

Três momentos podem ser destacados nesse núcleo sobre a avaliação do trabalho com

o jogo da professora Isabel: trabalho com o jogo no ciclo I, passagem do ciclo I para o ciclo II

e trabalho com o jogo no ciclo II.

A professora Isabel relata que seus alunos de 1ª a 4ª séries já são conhecedores das

suas regras, já sabem o que têm e o que não têm para fazer. Segundo ela: “(...) os meus alunos

eu olho pra eles parece que eles já sabem que que é. (...) já sabem que que tem pra fazer, já

sabem tudo (...) já estão bem regrados. (...) já têm uma carinha minha já.”.

A professora alega não ter problema nenhum quanto ao trabalho com o jogo

desenvolvido com os alunos do ciclo I. Afirma: “(...) eu introduzo o que eu quiser. No ciclo I

eles ainda não têm esse ganhar e perder (...) eles aceitam qualquer regra. Eles não querem

ficar mudando a regra do jogo (...) no ciclo I que o jogo é mais evidente.”.

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No entanto, a professora aponta diferença entre seu trabalho com o jogo desenvolvido

no ciclo I e o de outros professores da mesma área. Relata que tem dificuldade no trabalho

com o jogo quando vem um aluno transferido de outra escola, pois ela não sabe se foi dado o

mesmo conteúdo.

Com relação à passagem do ciclo I para o ciclo II, Isabel expressa preocupações: alega

que na 5ª série é mais difícil de trabalhar com o jogo, em decorrência de não saber o que foi

trabalhado durante o ciclo I. A professora afirma que esta dificuldade é mais enfatizada na

prefeitura, pois não há aula de Educação Física escolar de 1ª a 4ª série. Na tentativa de

resolver esse problema, Isabel menciona que fez um “catadão” para a 5ª série, um resumo

de todos os conteúdos que deveriam ser trabalhados no ciclo I.

A professora expressa satisfação em adequar o que o caderninho preconiza na 5ª série

ao trabalho com o jogo desenvolvido no ciclo I. É possível notar valorização na fala da

professora quando ela relata para sua mãe que segue os princípios do caderninho e que vem

fazendo o que é certo, há algum tempo: “(...) quando chegou o caderninho da 5ª série, eu

falei: Ah, eu penso certo. (...) toda vez que eu lia o caderninho, que era uma coisa que eu já

fazia eu falava: Mãe, eu faço isso demais.”.

Isabel afirma que tem dificuldades de trabalhar com o jogo no ciclo II, Primeiro,

porque não é valorizado, já que “a cultura do bairro, a cultura do Brasil futebol (...) eu tinha

que fazer um esquema de ganhar eles. (...) era base de troca (...) em três aulas eu dou uma

aula e futebol (...)”; segundo pela falta de material “(...) veio no caderninho salto com vara.

(...) eu dou uma aula expositiva (...) um DVD da internet (...) nem faz a prática (...)”; e, por

fim, alega não ter formação para desenvolver os conteúdos estipulados no caderno: “Eu não

tenho muito conhecimento de luta. (...) eu não sou nenhuma capoeirista (...)”.

Síntese – Professora Isabel

Conforme informações obtidas por meio de questionário e entrevista, Isabel é

professora efetiva de Educação Física escolar na rede pública estadual paulista. No ano de

2010, atuava em uma escola de Ensino Fundamental (2º ao 9º ano) e Ensino Médio, com

turmas de 2º ao 8º ano.

Isabel não planejava atuar na Educação Física escolar; chegou a pensar em cursar

fisioterapia. Nos últimos anos da graduação trabalhou no projeto da prefeitura denominado

“De bem com a vida” e afirma: “Esse trabalho era o que eu queria fazer até hoje.”. No

entanto, a professora alega que não era um trabalho garantido, porque “(...) chegava

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dezembro, a gente era mandado embora. (...) tinha que trabalhar na colônia de férias se

quisesse ter dinheiro em janeiro (...) fevereiro ficava tranquilo e aí só voltava em março ou

abril.”. Além de destacar a falta de estabilidade financeira associada a este projeto, também

expressa: “(...) não dava para ficar só nisso. Não é só por amor que você faz as coisas.

Infelizmente.”. Isso significa que, apesar de a professora Isabel não ter um plano para atuar na

Educação Física escolar, viu no projeto “De bem com a vida” uma possibilidade de atuação

na área.

A partir da fala da professora, duas questões cabem ser discutidas: a possibilidade de

trabalho no projeto da prefeitura era a oportunidade da professora de trabalhar na área e o fato

de querer continuar trabalhando no projeto não significa aceitar a ideia de que o trabalho

docente deve ser por vocação ou por amor à profissão.

É possível notar, a partir da fala da professora Isabel, um contato muito próximo com

as professoras da educação Infantil. Ela relata que fez o magistério e que foi estagiária na

Tecelagem (local em que são instaladas escolas de Educação Infantil da prefeitura da cidade).

No entanto, é contrária à ideia de que o trabalho deve ser realizado por amor à profissão.

A professora, apesar de afirmar: “(...) eu sigo o caderninho (...) eu tento fazer o

caderninho por completo (...) Eu tento terminar tudo.”, também expressa: “(...) tem coisas

que daria pra mudar. Que tem coisas que daria pra adaptar.”. Mas, valoriza a proposta pela

significação social de seus idealizadores: “Tem coisas que eu mudaria, mas eles pensaram

dessa forma. Tem um por que eles pensaram dessa forma.”. Além disso, relata a falta de

preparação dos professores que já estão atuando: “a gente não teve formação nenhuma.”.

Cabe destacar algumas questões: a professora segue a proposta de implementação do

currículo do estado de São Paulo para o ciclo II do Ensino Fundamental e afirma que “(...)

depois que veio o caderninho da 5ª, eu mudei até meu planejamento do ciclo I.”; enfatizando

a importância para os alunos dos conteúdos das primeiras séries serem sistematizados: “Eles

sabem correr, nada sistematizada, nada de coordenação motora, organizada, assim.”, e

reafirma: “Eu não sou contra o caderninho, eu achei que ficou sistematizado”; mas, ao

mesmo tempo, expressa a valorização da autonomia48

do professor, alguém que pode mudar e

adaptar conforme suas condições de trabalho e realidade objetiva. Segundo ela, a proposta

para o ciclo I: “Podia não ser em forma de caderninho tão mastigado do jeito que veio (...)

48

Sobre autonomia, vale destacar o trabalho de Paulo Freire Pedagogia da autonomia, que considera a

autonomia como um processo, permanente, dinâmico e presente durante toda a vida. Segundo o autor, a

autonomia não é um processo evolutivo, em que se atinge seu ponto ideal num determinado estágio da vida, mas

está necessariamente associada à conscientização dos determinantes sociais e políticos presentes na sociedade.

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193

você vai trabalhar do seu jeito, se vai usar bola, se vai usar material adaptado, se você vai

usar sucata, aí, você que vai fazer a sua aula.”.

Além disso, é também importante considerar o trecho no qual a professora se refere à

sistematização dos jogos no ciclo I. Isabel afirma que se preocupa em introduzir as regras aos

poucos, aumentando gradativamente a complexidade de acordo com a idade, a série e o

amadurecimento dos alunos. A professora ressalta que na 1ª e 2ª séries trabalha com jogos

simbólicos, jogos lúdicos, jogos de imaginação, jogos de construção, que sempre têm regras

menores, simples e fáceis de as crianças entenderem. Já na 3ª e 4ª séries, ela afirma que

trabalha com jogos de mesa, jogos pré-desportivos e jogos cooperativos, que são jogos que

têm quase todas as regras do esporte. Destaca, ainda, que só trabalha o esporte em si a partir

da 5ª série e que na 8ª série trabalha a diferença entre jogo e o esporte e a articulação com a

mídia. É possível notar que, para a professora, as regras seguem uma evolução e estão

associadas à faixa etária, à série e ao amadurecimento das crianças. Além disso, é possível

notar que no ciclo I o objetivo é ampliar o repertório do aluno, proporcionando aos alunos o

máximo possível de brincadeiras e jogos. No ciclo II, o objetivo é proporcionar ao aluno um

conhecimento amplo dos conteúdos da cultura de movimento. Nesse sentido, Isabel, ao relatar

que segue o caderninho, apropria-se do significado socialmente compartilhado acerca do jogo

na Educação Física escolar: a Educação Física escolar, por meio do jogo, tem como objetivo

trabalhar a lateralidade, a manipulação, o equilíbrio e a locomoção. Aqui, é também

importante destacar o que a professora aponta como objetivo do jogo na Educação Física

escolar: “Está lá praticando atividade física, tá melhorando o corpo, tá melhorando a

circulação sanguínea, tá trabalhando os ossos. Toda essa parte de benefícios físicos, porque

ele tá praticando atividade física, tá queimando gordura, tá gastando energia (...)”. Em

seguida, afirma: “(...) do cognitivo, assim, do raciocínio, ele tem que pensar pra ele agir. Ele

tem que mandar o estímulo lá para o cérebro, o que ele vai fazer naquela hora. Alguns jogos

de coisa rápida, pensar rápido, mudar de posição rápido. (...) tem que ter esse raciocínio

lógico, tem que ter raciocínio rápido (...)”. E por fim, a professora complementa que, além de

o jogo desenvolver fisicamente, ele desenvolve mentalmente: “Coopera com o outro,

aprendendo valores, normas e atitudes.”.

Apesar de apontar que o jogo na Educação Física escolar desenvolve habilidades

físicas e mentais, pautado por uma dualidade, Isabel alega que o jogo pode ter como objetivo

a recreação, a brincadeira, o divertimento. Além disso, a professora aponta o objetivo

educacional atrelado ao jogo:“(...) o objetivo é que ele aprenda a socialização, então, eu

terminei o jogo eles estão fazendo, conversando e tal. Então, a hora que eu terminei eu

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194

alcancei meu objetivo, eles se socializaram. Todos eles participarem, eles não brigaram, eles

aprenderam o jogo, aí, esse é o objetivo educacional.”

Segundo ela, ter um objetivo para melhorar a educação dos alunos associado ao jogo é

sua função enquanto educadora: “(...) esse objetivo pode ser da minha aula, pode ser objetivo

só do prazer, pode ser um objetivo de trabalhar só uma coordenação, um trabalho em equipe,

qualquer coisa da esportivização”, e completa: “(...) recreação também é objetivo pra mim.”.

É possível notar que Isabel preocupa-se em assumir sua função de educadora e atribuir

objetivos educacionais ao jogo; define, com isso, sua compreensão de homem, de mundo e de

sociedade, os quais são objetivados na sua prática pedagógica. A professora define o jogo

como um instrumento educacional que desenvolve o físico e a mente, a cooperação e o

aprendizado de valores, normas e atitudes, mas ao mesmo tempo, assume que o jogo

proporciona diversão e entretenimento. Da mesma forma, associa a ideia de “jogo evolutivo”

às diretrizes do caderninho; relata que o jogo deve ser sistematizado no ciclo I de acordo com

a faixa etária, série e maturação dos alunos. Isabel, apesar de reconhecer o jogo como

instrumento educacional, considera o prazer como componentes desse processo. É como se

os objetivos do jogo em sua visão dicotomizante, conforme evidenciado nas pesquisas

cientificas da área (MUNIZ e FONSECA, 2000; STUMPF, 2000; SANTOS, 2004), não

fossem objetivos suficientes para caracterizar o jogo nas aulas de Educação Física escolar.

Isabel evidencia em sua fala o conflito anunciado por Santos (2004): os autores, ao

defenderem o jogo-fim como atividade essencial nas aulas de Educação Física escolar,

apresentam funções relacionadas ao que consideram “prazer de brincar”; já os que defendem

o jogo-meio como instrumento nas aulas de Educação Física escolar, apresentam funções

relacionadas ao que consideram “função educativa”, em que predomina o aprendizado de

valores morais, sociais e éticos, além do caráter facilitador da aprendizagem. Além disso, a

fala de Isabel vai ao encontro do destacado por Stumpf (2000): o “status pedagógico”

atribuído ao jogo na Educação Física escolar leva a associá-lo como tarefa, a ordens a serem

cumpridas e a obrigações e resultados a serem alcançados.

No que se refere à função do jogo na Educação Física escolar, Isabel ressalta o prazer,

a coordenação, o trabalho em equipe, a esportivização, mas justifica: “(...) jogo pré-

desportivo é um jogo que tem quase as regras do esporte (...) é um jogo pra eles chegarem lá

com um base boa pra ser introduzido o esporte.”. A respeito disso, é possível notar que a

professora expressa notável incômodo com o jogo esportivo e competitivo antes da 5ª série.

Ela afirma: “(...) eles sabem que eles vão trabalhar o esporte a partir da 5ª série. (...) tudo

que a gente fizer na 4ª é jogo pré-desportivo (...)”. No entanto, contraditoriamente, num outro

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195

momento da sua fala, a professora afirma trabalhar a competição, justificando que competição

estimula e todo mundo gosta.

Nota-se que Isabel ao mesmo tempo em que evidencia a presença de um sentimento

de desvalorização ao ter como função de seu trabalho o jogo esportivo, sobretudo o futebol,

afirma sentir-se valorizada ao participar junto com a professora de classe e a professora de

Arte no projeto Ler e escrever: “(...) eu que faço a parte prática, a Marina faz o brinquedo

(...). Com o projeto Ler e Escrever (...) a gente sempre está trabalhando junto.”. A professora

justifica-se afirmando que é necessário estar integrada no projeto da escola, saber qual o aluno

que sabe ler, qual o aluno que não sabe, e mostrar que Educação Física escolar não é só os

quatro esportes ou só futebol; que futebol se aprende na rua e que nas aulas de Educação

Física escolar o objetivo é ampliar o conhecimento do aluno, mesmo que ele nunca venha a

vivenciar, mas é importante saber algumas regras do jogo.

Pode-se notar que Isabel considera o esporte, sobretudo o futebol, como uma das

funções do jogo; no entanto, admite não desenvolver esse conteúdo em suas aulas. Ela afirma:

“(...) o futebol eu nunca gostei de jogar, não gosto de dar na aula. É uma dificuldade, porque

ele só está inserido na minha aula quando eles vão jogar sozinhos (...)”. Observa-se, nessa

fala da professora, o significado social do futebol constituído nas aulas de Educação Física

escolar. Na concepção da professora, muitos professores desenvolvem o futebol sem nenhuma

sistematização: “(...) ninguém vai dar aula de futebol, vai ensinar passe, vai ensinar regra,

vai ensinar o que que pode melhorar alguma coisa nesse sentido. Eles vão só jogar.”

Além disso, Isabel considera muitas de suas ações pedagógicas com o jogo como

corretas. Valoriza a interferência que a coordenadora pedagógica faz em relação ao seu

trabalho com o jogo: “Às vezes ela olha minha caderneta, assiste minha aula (...) ela me faz

algumas perguntas no começo do ano (...). Você terminou seu conteúdo? Falta alguma

coisa?”. Apesar de considerar importante a intervenção da coordenadora pedagógica, afirma

que o único momento que a diretora tem contato com sua aula é quando estaciona o carro e

passa pela quadra. A falta de entendimento no que diz respeito ao aprendizado nas aulas de

Educação Física pela equipe gestora vai ao encontro do anunciado pelos estudos de

Figueiredo et. al. (2008): o professor de Educação Física não é o único responsável pela

significação de desvalorização dentro da área. Figueiredo et. al. (2008) evidenciam a confusão

existente entre EF e Esportes, tanto para os diretores, como para as pedagogas. Os autores

destacam que esta confusão se justifica pela falta de clareza sobre o objeto de ensino da EF,

atribuindo-se a mesma o controle da disciplina, o alcance de objetivos de outras áreas e a

manutenção dos alunos ocupados diante da falta de professores.

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196

É possível ainda notar que Isabel considera o caderninho como a melhor forma de

valorizar o trabalho do professor de Educação Física na escola. Expressa um sentimento de

satisfação no momento em que a Secretaria da Educação implementa seu currículo e não

esquece de sistematizar os conteúdos da área. Segundo ela, a existência do caderninho para a

área da Educação Física comprova que a disciplina é igual às outras, conforme estabelecido

no aparato legal, e justifica: “(...) se viesse o caderninho pra todas as matérias e pra

Educação Física não, eu ia ficar frustrada, porque isso ia ser a comprovação que não é uma

matéria igual às outras.”.

Por fim, cabe destacar que o sentido do trabalho com o jogo constituído por Isabel é

permeado pelas significações sociais acerca da função do jogo na escola e pelas relações

estabelecidas com a equipe gestora e as professoras das outras áreas.

Embora Isabel não expresse um sentimento de desvalorização pelo seu trabalho com o

jogo, reconhece que o trabalho com o jogo nas aulas de Educação Física é desvalorizado

socialmente. Alguns fatores indicam esta desvalorização, a exemplo da sua concepção sobre o

trabalho com o jogo desenvolvido por alguns professores da área que não seguem a proposta

da Secretaria da Educação, a falta de conhecimento por parte da equipe gestora e a própria

concepção dos professores de outras áreas no que se refere ao trabalho com o jogo voltado

para a alfabetização, distanciando-se do seu real objeto de estudo. Segundo ela, o jogo lê, o

corpo escreve. No entanto, a própria professora expressa contradições envolvendo o objeto de

estudo da Educação Física. Apesar de considerar o corpo como linguagem de expressão da

cultura, cita a importância do jogo para desenvolver os objetivos das outras disciplinas,

buscando, dessa forma, justificar o jogo para fins de alfabetização. Nesse sentido, a professora

acaba por reproduzir a significação social de que o jogo não justifica sua presença na

Educação Física pelos seus próprios objetivos, mas que ele pode ser desenvolvido para

alcançar objetivos de outras disciplinas.

7.2.3. Análise do sujeito III: Professor Augusto

O professor Augusto tem 45 anos e é efetivo na rede estadual de educação desde 2001.

Acumula carga na rede municipal e concluiu o curso de Licenciatura em Educação Física em

1992, na Escola Superior de Ensino de Cruzeiro – ESEFIC. Atua com Educação Física

escolar há 18 anos e já atuou na Liga Paulista de Futebol como árbitro. No ano de 2010 atuou

na rede estadual com aulas em todas as séries do Ciclo I (de 1º ano a 4ª série). Em outros

anos, atuou em creches, na prefeitura de Ubatuba e no Ciclo II e Ensino Médio da rede

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pública estadual paulista. Atua na rede estadual há 10 anos e sua carga horária no ano de 2010

foi de 22 horas semanais.

A entrevista com o professor Augusto foi realizada em 21/11/2010, em uma sala de

materiais da escola municipal onde atua. Entramos em contato, antecipadamente, por telefone,

e o professor optou por ser entrevistado no horário do seu almoço. A entrevista durou cerca de

uma hora e 15 minutos. Seguem os núcleos de significação que construímos para o professor

Augusto:

Núcleo I. Eu queria estar empregado em algum lugar. Não é só o destino, é a

necessidade.

O professor Augusto relatou, na entrevista realizada em 21/11/2010, como foi sua

trajetória profissional, desde sua atuação na liga de futebol até chegar a ser professor de

Educação Física escolar. A partir de sua fala, pudemos destacar trechos, agrupados neste

núcleo, que apontam sua história, seus sentimentos, suas ideias e seus valores envolvidos

nessa trajetória. São eles:

“(...) se eu tivesse uma renda melhor, uma outra estrutura familiar, ah, eu ia falar assim, eu quero

fazer USP, eu quero fazer engenharia não sei do quê. Mas, além de tudo, é o que eles deixaram suas

marcas e também é o que a minha comunidade me oferecia. Então, hoje em dia também tem isso. A

gente ... não é só o destino, é a necessidade, é o que tem, é o que você pode fazer, é o que você pode

pagar, horário, você tem que trabalhar ao mesmo tempo.”

“(...) quando eu atuei na liga de futebol, eu era ainda estudante (...) era uma maneira de eu ganhar

um dinheiro e fazer um estágio.”

“No meu tempo não tinha essa gama de opções, sabe. Então... e também eu já ... a minha pretensão

era escola, eu queria estar empregado em algum lugar, também, né, e sabia que por aí seria mais

fácil. Então, foi tudo isso.”

“Eu acho que quem ensina... você deixa marcas quando você ensina. Então, eu acho que eu deixo

marcas nos meus alunos; você pode deixar boas marcas ou marcas ruins, mas quem ensina deixa

marca. E talvez, talvez não, eles deixaram marcas em mim e eu não era um aluno assim, não era o

melhor dos alunos, era um aluno como outro qualquer, normalzinho, normalzinho, bagunceiro,

falador, tudo, mas eles deixaram marcas em mim, tanto de cunho pedagógico como de cunho de afeto,

de tudo mais.”

“Eu nunca fui um bom jogador. Joguei handebol, joguei voleibol; eu era mediano, do mediano pra

baixo, entendeu? E, era importante, mas os meus professores davam muita ênfase na competição e eu

acho que eu não era um bom competidor, então não era pra mim. O meu professor não proporciona

pra mim o que eu proporciono pro meu aluno hoje, o jogo cooperativo, por exemplo.”

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198

“Hoje em dia você já... ela [a área Educação Física] já te oferece um campo onde você pode ser um

empresário do ramo da Educação Física, você pode ser um personal trainer, você pode estar atuando

em outras áreas. O magistério era a única área. Você fazia uma coisa para o magistério, depois você

ia trabalhar com esportes ou outra coisa parecida. Hoje em dia não, hoje em dia existe uma área de

magistério e existe uma área pra outros segmentos da Educação Física. Ela é rentável hoje

dependendo de como você trabalha.”

“(...) eu já tenho uma experiência grande com crianças pequenas, porque em Ubatuba eu trabalhava

com 0 a 6. Então, tem mais isso. (...) Então, eu trabalhava em creches. As creches em Ubatuba têm

Educação Física. Eu não escolhi não. Nesse ano foi a escola que me escolheu. Eu entrei no processo

de remoção e cai lá, mas como eu trabalho de 0 a 6, pra mim normal, eu não tenho distinção assim;

eu não gosto mais disso do que aquilo, eu dou melhor aqui do que ali. Eu consigo dar relativamente

da mesma forma assim, eu consigo trabalhar no mesmo nível, no mesmo padrão em qualquer série.

Não que eu seja muito bom, mas eu passei por todos os estágios, fui aprendendo.”

“Eu acho que o ensino é universal, não tem jeito da gente trabalhar muito diferente. Até mesmo na

escola particular, que eu já trabalhei uma vez. (...)quando eu tô trabalhando no estado ou na

prefeitura, a resposta desse aluno é a mesma, porque é o mesmo cliente. Ele vem da mesma

comunidade, ele só está numa sigla diferente, mas de resto, eu acho que é bem igual.”

“Eu não saí da educação, mas eu trabalhei dois anos pra uma ONG inglesa (...) eu trabalhava com

Educação Ambiental (...) capacitando outros professores pra que a Educação Ambiental não se

tornasse mais uma disciplina e que ela fosse uma coisa mais transversal.”

“Educação Física eu aproveitei bastante a parte da sensibilização, da dinâmica de grupo (...) eu cai

pra uma questão muito mais biológica, não tinha muito a ver com a minha área, mas de certa forma o

que eu emprestava de mim pra essa ONG era a estrutura pedagógica, porque quando você conhece a

estrutura você consegue trabalhar com qualquer disciplina.”

Desses trechos da fala do professor Augusto, é possível notar que ele não tem um

projeto para atuar na Educação Física escolar. Segundo ele, atuar na área foi uma necessidade,

porque precisava trabalhar em algum lugar, e viu na Educação Física escolar a oportunidade

de estar empregado e afirma: “(...) eu queria estar empregado em algum lugar também e

sabia que por aí seria mais fácil”. O professor Augusto alega que devido a sua situação

financeira, às condições familiares precárias, era a coisa mais fácil que tinha naquele

momento. No entanto destaca: “(...) se eu tivesse uma renda melhor, uma outra estrutura

familiar, ah, eu ia falar assim: Eu quero fazer USP, eu quero fazer engenharia (...)”.

O professor também relata que por influência dos professores da graduação optou pela

escolha da profissão. Segundo ele, os professores deixam marcas,, como ele em seus alunos,

marcas boas e ruins, e destaca: “(...) quem ensina deixa marcas (...) tanto de cunho

pedagógico como de cunho afetivo”. No entanto, alega que os professores da graduação

trabalhavam muito com o jogo competitivo e ele não gostava muito desse tipo de jogo;

portanto, Augusto considera que eles não proporcionavam para ele a oportunidade de

participar das aulas. Afirma:“Eu nunca fui um bom jogador. Joguei handebol, joguei voleibol,

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199

eu era mediano, do mediano pra baixo. (...) os meus professores dava muita ênfase na

competição e eu acho que eu não era um bom competidor, então, não era pra mim. O meu

professor não proporcionava pra mim o que eu proporciono pro meu aluno hoje, o jogo

cooperativo, por exemplo.”. Apesar de sua escolha pela Educação Física escolar estar atrelada

à necessidade de trabalhar e à facilidade encontrada na área para estar empregado, Augusto

destaca que na época em que fazia faculdade não havia tantas opções como existem hoje na

área: “(...) você pode ser um empresário do ramo da Educação Física, você pode ser um

Personal Trainer, você pode estar atuando em outras áreas. (...) Ela [a Educação Física] é

rentável hoje dependendo de como você trabalha”. Além disso, pode-se notar, a partir da fala

de Augusto, que apesar de expressar sentimento de insatisfação em relação ao salário na

Educação Física escolar, ele não se sente desvalorizado pela atuação, pelo fato de a área

oferecer outras opções de atuação profissional.

Por fim, Augusto relata que já trabalhou com crianças de creches na Prefeitura

Municipal de Ubatuba, na escola particular, na rede estadual com alunos das primeiras séries

do ensino fundamental na época do Ciclo Básico e por dois anos numa ONG inglesa com

Educação Ambiental, contribuindo com a parte de sensibilização, a dinâmica de grupo e a

estrutura pedagógica adquiridos com sua experiência na área da Educação Física. Augusto

acredita que “(...) quando você conhece a estrutura (pedagógica) você consegue trabalhar

com qualquer disciplina”, e acrescenta que: “O ensino é universal, não tem jeito de trabalhar

muito diferente. (...) a resposta desse aluno é a mesma (...)”.

Núcleo II. Eu tive professores que davam a bola e liam jornal. A gente trabalha aos

olhos da comunidade.

Este núcleo agrupa os trechos da fala do sujeito que evidenciam questões relacionadas

ao trabalho com o jogo na sua formação, as dificuldades encontradas no trabalho com o jogo e

a opinião das pessoas acerca de tal trabalho com ele. São eles:

“Foi pobre [o jogo na formação]. (...) eu fui procurando depois (...) através de cursos e encontros e

trocas de experiências com outros profissionais, mas na faculdade (...)”.

“Apesar de eu trabalhar esporte onde as pessoas não se tocam, mas isso é por uma questão de

segurança, de oferecer oportunidade, mas o jogo é pegar na mão, é encostar de costas, de frente.”

“Eu estou trabalhando agora (...) com um esporte chamado Korfeball, é um esporte holandês, que

você tem umas características que é bem semicooperativo. (...) Você tem que jogar muito mais com

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200

estratégia do que com força e habilidade física. (....) Eu estou pra começar, o ano que vem, um outro,

o Tchoucball (...).Geralmente são jogos onde as pessoas não podem se tocar. Sempre preservando a

integridade física e também dando oportunidade.”

“Eu pesquiso coisas novas (...). É o caso, no estado lá, das danças circulares que é uma coisa que eu

estou iniciando com eles agora, porque isso é energético, aquela coisa do círculo, da dança, do sol,

de todo o ritual. Então, é, dança circular não deixa de ser um jogo. Eu pesquiso mesmo. Hoje em dia

a gente vai no google.”

“(...) você não tem uma sala homogênea. Você tem que administrar diferentes posturas, diferentes

ânimos, diferentes culturas, ainda mais num lugar que tem um fluxo migratório muito grande (...)”.

“Os pais são, às vezes... em muitos lugares a cultura é bem machista. Então, o aluno tende a ser

machista, ele não respeita as meninas; acha que mulher é inferior. O aluno, na verdade, ele é produto

da comunidade dele, da cidade, de tudo mais.”

“(...) você trabalha com pessoas de diferentes culturas, migração. Então, você tem que estar sempre

conhecendo e fazendo mais uma vez a mediação. Porque são culturas diferentes, lugares diferentes,

costumes diferentes, religiões diferentes.”

“Eu estou trabalhando no estado ou na prefeitura, a resposta desse aluno é a mesma, porque é o

mesmo cliente. Ele vem da mesma comunidade, ele só está numa sigla diferente, mas de resto, eu acho

que é bem igual.”

“(...) antes do jogo começar você tem que administrar quem puxou o cabelo do outro, quem estava

olhando feio, quem estava mostrando a língua, quem estava com vontade de ir no banheiro fazer xixi,

tudo mais; então, vamos esperar ele voltar, porque a gente tem que começar junto. Os detalhes de

uma aula. Uma aula é cheia de detalhes. (...) se tem quadra coberta, se não tem, se tem sol e como

está o humor hoje dessa turma e assim vai. (...) você tem que ter quase que uma estratégia pra cada

um e dentro de tudouma estratégia geral pra todos. Cinquenta por cento é pra todos e os outros

cinquenta por cento você divide meio que no individual.”

“Você trabalha com o aluno que, muitas vezes, ele traz os problemas que ele tem em casa, acaba

trazendo pra escola. (...) Pai ausente. Então, a carência dele, em relação ao professor de Educação

Física que é quase que um pai. Ele quer que eu dê aquela atenção pra ele, que ele não tem na casa

dele. O afetivo. Então, tudo isso faz parte de uma aula. Não dá pra trabalhar simplesmente o jogo da

maneira que eu penso aqui. Eu tenho que tentar trabalhar o jogo e também eu tenho que estar fazendo

o papel de mediador.”

“Eu não dou futebol, mas raramente, um dia lá, outro, eu dou. Oh, ele é muito difícil, eu não gosto de

dar futebol.”

“É muito bom [relacionamento com os professores de outras áreas], porque eu troco muito, procuro

trabalhar transversalmente falando. Então, dentro da minha disciplina, eu trabalho matemática, eu

trabalho ciências, trabalho consciência, no caso aqui, né. Lá no Jardim Americano, a matemática, o

sensorial, estão todos presentes no meu trabalho. Então, melhor impossível.”

“(...) eu não estimulo o aluno a me entregar trabalho impresso, porque trabalho impresso você está

derrubando umas árvores. Eu estou recebendo por e-mail. Eu estou atingindo na prefeitura uns 75%

de trabalhos entregues por e-mail. O estado eu estou experimentando ainda (...) Aqui [escola da

prefeitura] eu trabalho com o fundamental de ciclo II e lá [escola do estado] eu trabalho com 1ª a 4ª.

(...) a faixa dele diferencia a relação que ele tem com a informática (...).”

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201

“(...) eles [alunos da rede municipal] têm um acesso maior à sala de informativa, mais aqui do que lá.

Lá na escola é difícil o aluno frequentar a sala de informática, por alguns motivos assim estruturais

eu acho, né, de aula, de tamanho, de aproveitar o momento.”

“Esse que você está vendo aqui é o meu discurso, agora ele se manifesta na aula, mas ele não se

manifesta como ele é comigo. Eu estou colocando pra você tudo que eu sei, até mais um pouquinho

que eu estou buscando agora. Você está dando uma chance de eu, até, me esmerando pra poder falar

de tudo, está gostoso, mas nem sempre a aula é assim. A aula tem outros elementos, outras

dificuldades, mas o objetivo é chegar no melhor dela, através de todo esse pensamento, de todo esse

discurso, é chegar na melhor aula possível.”

Neste núcleo, o professor Augusto afirma que o jogo na sua formação foi “pobre”. Ele

se formou em 1992, numa universidade particular de uma cidade do interior do estado de São

Paulo. O professor afirma: “(...) na faculdade, eu não sei hoje, mas no meu tempo, o jogo, a

dinâmica que é sempre uma coisa que foi difícil de se trabalhar.”.

Augusto afirma que o conhecimento que tem sobre o jogo é em decorrência de cursos,

leitura de livros, trocas de experiências com outros profissionais e, principalmente, pela

pesquisa por meio de um dos sítios de busca da internet, o “Google”.

Augusto diz que uma das suas principais dificuldades no trabalho com o jogo é

administrar a diversidade cultural presente na sala de aula, seja pela diferenças de posturas, de

ânimos, de culturas e de lugar de procedência. Alega que a cultura é machista e que em

decorrência disso os alunos tendem a ser machistas, “(...) ele [o aluno] não respeita as

meninas, acha que mulher é inferior.”. No entanto, destaca: “O aluno, na verdade, ele é

produto da comunidade dele, da cidade, de tudo mais.”.

Augusto conta que por trabalhar com diferentes culturas, aprendeu a investigar a

história do aluno: “(...) conhecer de onde ele vem, conversar com o aluno, saber das

dificuldades, de como ele vê, de como ele te vê. Então, é investigar mesmo o seu público alvo

e quem são os progenitores desse público alvo.”

O professor aponta com detalhes as dificuldades no trabalho com o jogo antes dele

começar“(...) você tem que administrar quem puxou o cabelo do outro, quem estava olhando

feio, quem estava mostrando a língua, quem estava com vontade de ir no banheiro fazer xixi,

tudo mais, então vamos esperar ele voltar, porque a gente tem que começar junto.”.

Outra dificuldade apontada pelo professor no trabalho com o jogo é referente à

carência do aluno, devido à ausência do pai; o aluno, segundo o entrevistado, vê no professor

“quase que um pai.”. Tal carência afetiva faz parte de uma aula com o jogo. Segundo o

professor. “Não dá pra trabalhar simplesmente o jogo de maneira que eu penso aqui. Eu

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202

tenho que tentar trabalhar o jogo e também eu tenho que estar fazendo o papel de

mediador.”.

O professor, ainda, afirma que não gosta de trabalhar com o futebol, alegando ser

difícil: “Eu não dou futebol, mas raramente, um dia lá, outro, eu dou. Oh, ele é muito difícil,

eu não gosto de dar futebol.”. O professor Augusto justifica que o futebol: “(...) o aluno joga

direto em casa, ele tem espaço fora da escola pra isso, eu acho que você tem que valorizar o

espaço da escola pra você ensinar coisas das quais ele não vai ter acesso lá fora.”.

Augusto esclarece que tem um bom relacionamento com os professores das outras

áreas. Afirma: “(...) eu troco muito, procuro trabalhar transversalmente falando. Então,

dentro da minha disciplina, eu trabalho matemática, eu trabalho ciências, trabalho

consciência (...) o sensorial (...). Então, melhor impossível.”.

Outra questão refere-se ao acesso à sala de informática por parte das crianças da rede

estadual. O professor justifica esta falta de acesso “(...) por alguns motivos, assim, estruturais

eu acho, né, de aula, de tamanho, de aproveitar o momento (...)”, diferentemente das

condições de acesso dos alunos da prefeitura. No entanto, relata: “(...) no estado ou na

prefeitura, a resposta desse aluno é a mesma, porque é o mesmo cliente. Ele vem da mesma

comunidade, ele só está numa sigla diferente, mas de resto, eu acho que é bem igual.”.

Núcleo III. Através do jogo você forma bons cidadãos. Ele é um elemento de paz.

Este núcleo agrupa os trechos da fala do sujeito que evidenciam o que este considera

ser a função do jogo na Educação Física escolar nas primeiras séries do ensino fundamental.

São eles:

“Jogo é uma atitude. Então, jogo ele está muito centrado, muitas vezes, em sensibilizar, em mudar, em

transformar. Então, o jogo é dramático. Então, eu penso na dramaticidade desse jogo e não somente

no ganhar ou perder. (...) o jogo é dramático. (...) ele [o jogo] é um psicodrama.”

“Então, você tem que trazer o aluno pra você, o aluno vai mudar, você vai mudar com essa questão

do jogo. Mas também você pode levar um pouco desse jogo, um pouco dessa dramaticidade pra

partida, que seria o esporte em si. Seria de você estar buscando ali naquela partida analisar o

comportamento do aluno, o grau de sociabilidade dele, como ele socializa ali fora, o que aquilo está

ajudando ele, no que atrapalha.”

"(...) ela [a brincadeira] é meramente recreativa, que não deixa de ser uma coisa especial. Ela é

também, faz parte de um resgate. Ele [o jogo] é um psicodrama, o jogo é psicológico, atua muito mais

dentro, atua muito mais na mente do que no corpo em si. (...) ele [o esporte] é extremamente

importante pra você estar trabalhando a cidadania, estar trabalhando comportamento, sociabilidade

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203

e você estar mexendo com uma parte do teu corpo que ela é importante pra você mantenha a outra

que é o virtual. Eu diria que o esporte é o hardware do computador e o jogo seria o software.”

“No jogo é que você coloca suas emoções pra fora. É ali que você vai se conhecer, saber quem você

realmente é. (...) no jogo que ele vai descobrir quanto ele é competitivo, quanto ele é nervoso, o

quanto ele tem que trabalhar pra poder mudar o tipo de comportamento que ele tem dentro do jogo

(...)”

“(...) ele vai aprender a dividir. Crianças, por exemplo, que elas são egocêntricos demais até, pela

própria natureza humana. Ele vai aprender a dividir, a dar o passe, a receber, a compartilhar dentro

do jogo.”

“Autoestima, ambiente da saúde saudável, no caso, autocrítica, porque é ali que ele realmente mostra

quem ele é, ali que ele discute, que ele aceita e mais importante que tudo isso é o prazer e o

aprendizado... a transversalidade que isso dá, porque quando o aluno aprende regras, ele aprende

matemática, geografia.”

“Quando ele está jogando ele se orienta no espaço e no tempo... são coisas que o aluno aprende que

ele não sabe que ele está aprendendo. Que é uma simbiose, o jogo, o aprendizado e o

desenvolvimento, um depende do outro. (...) coisas que você só estimula e elas vão acontecendo por

si.”

“Eu acho que através do jogo você forma bons cidadãos.”

“(...) eu sei que a minha aula, também, serve de válvula de escape pro meu aluno; além da aula, ela é

também prazer, é ali que ele solta as emoções, é ali que ele alivia a tensão (...)”

“(...) eu sei que a Educação Física foi feita não só pra ensinar, mas também pra ser prazerosa, como

qualquer coisa na vida.”

“Então é isso [a Educação Física] deixa a pessoa mais articulada. Não que as outras disciplinas não

deixem, mas a gente trabalha com mente e corpo. (...) é muito mais completo. (...) a mais completa de

todas as disciplinas (...) e a mais transversal, porque não há algo que você diga que não exista dentro

de uma disciplina, de uma área de conhecimento que eu não posso trabalhar na Educação Física.”

“O articulado é quando o aluno libera, a Educação Física deixa o aluno menos tímido, ele é obrigado

a falar, ele é obrigado a trombar, a tocar, a criticar, a ouvir críticas do professor, do oponente, do

adversário, do próprio companheiro de equipe ou, no jogo cooperativo, ele é obrigado a direcionar:

oh, você tem que ir por ali. Então, ele tem que se articular [aluno articulador], ele tem que começar a

ser liderado, a liderar, a pensar, a expor o que ele está pensando.”

“(...) tem um jogo mais comum que todo mundo vê, que é jogar, competir; e tem o jogo cooperativo,

que é a grande bandeira hoje do professor de Educação Física, que é o jogo onde todos ganham,

todos podem jogar, o gordinho, o baixinho, o grandão, o cadeirante, o que seja portador de

necessidades especiais, são jogos cooperativos e adaptados.”

“O jogo acaba até guerras (...) ele é um elemento de paz. (...) é o único lugar que as ideologias

abaixam as armas pra que o jogo aconteça.”

“(...) eu trabalho um conceito (...) o jogo, ele, às vezes, precisa de ter velocidade, agilidade,

equilíbrio, coordenação motora, parada rápida, deslocamento em velocidade com parada rápida. (...)

eu estou trabalhando dentro do que eu propus, assim, no meu planejamento.”

Page 205: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

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“(...) com o jogo cooperativo, eu estou ensinando pro aluno que nessa vida nem tudo é só competir.

(...) eu trabalho com o jogo competitivo e o aluno também aprende que pra ele chegar lá ele tem que

cooperar; mesmo quando numa competição ele tem que passar a bola e ele tem que tocar pra alguém.

Então, eu estou simplesmente colocando uma situação de mundo pra ele. (...) ele vai sair preparado

pra enfrentar o macro que seria o universo, a sociedade, suas regras lá fora.”

“(...) os pais têm colocado o filho na escola e acha que você que tem que ensinar o que vem de berço,

né. Seria: com licença, por favor, muito obrigado, me desculpe. Essas coisas elas teriam que vir,

trazer de casa e a gente acaba ensinando aqui.”

“(...) eu gosto de jogar algumas coisas de acampamento, assim. Eu gosto de jogar coisas que, da

percepção (...). O jogo é legal isso, você é, é desafiante, né. Eu gosto de jogos assim. No esporte eu

gosto de voleibol, é Tchoukball, é Korfeball, apesar de eu mais ensinar do que jogar e tem... futebol

eu não sou muito chegado não.”

“(...) o jogo em si é um fragmento da comunidade lá fora, assim como a comunidade lá fora é a

extensão daquilo que acontece dentro da minha aula.”

Augusto apresenta em sua fala o que considera ser função do jogo nas primeiras séries

do ensino fundamental. O professor ressalta que o jogo é dramático e destaca: “(...) eu penso

na dramaticidade desse jogo e não somente no ganhar ou perder”.

O professor trabalha com o jogo na escola estadual e na escola municipal e, para ele, a

função do jogo é universal: “(...) não tem jeito da gente trabalhar muito diferente. (...) a

resposta desse aluno é a mesma, porque é o mesmo cliente. Ele vem da mesma comunidade,

ele só está numa sigla diferente, mas de resto, eu acho que é bem igual.”. No entanto, em

outro momento o professor afirma: “(...) você está lidando com indivíduos diferentes (...). Na

verdade você tem que ter quase que uma estratégia pra cada um, né, e dentro de toda uma

estratégia geral pra todos.”

Para o professor, o que torna difícil desenvolver um trabalho com o jogo em uma aula

são os detalhes desta, pois “você não tem uma sala homogênea”, tem que administrar

diferentes posturas, diferentes ânimos, diferentes culturas, ainda mais num lugar que tem um

fluxo migratório muito grande, como São José. Além disso, também cita que a carência

afetiva das crianças em relação aos pais é suprida pelo vínculo afetivo com o professor de

Educação Física escolar.

Em outro momento da sua fala, Augusto destaca que a função do jogo é trabalhar com

“a mente e o corpo”, com o íntimo de cada um, para que o aluno se torne mais articulado,

menos tímido e libere suas emoções, “coloca suas emoções pra fora”. O professor afirma que

se não fosse o jogo na Educação Física escolar “(...) a gente perderia o aluno articulado e o

bom humor. Você teria um aluno mais estressado dentro da escola.”.

Page 206: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

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A fala do professor Augusto também evidencia que no jogo o aluno “(...) vai

descobrir quanto ele é competitivo, quanto ele é nervoso, o quanto ele tem que trabalhar pra

poder mudar o tipo de comportamento que ele tem dentro do jogo (...)”. Além disso, destaca

que “Crianças, por exemplo, que elas são egocêntricas demais até, pela própria natureza

humana. Ele vai aprender a dividir, a dar o passe, a receber, a compartilhar dentro do

jogo.”.

Outro fato evidenciado na fala do professor é que no jogo cooperativo não há

competição. No entanto, destaca: “pra você atingir o objetivo todos têm que estar se

ajudando.”

O professor destaca a importância de respeitar as regras, uma vez que “os pais têm

colocado o filho na escola e acha que você que tem que ensinar o que vem de berço. Seria:

com licença, por favor, muito obrigado, me desculpe. Essas coisas elas teriam que vir, trazer

de casa e a gente acaba ensinando aqui. (...) já que a gente está fazendo esse papel , nada

melhor do que a regra e o aluno respeitar a regra (...)”.

O professor Augusto destaca a responsabilidade da família na educação dos filhos,

principalmente no que se refere aos valores morais concebidos como corretos pela sociedade.

Augusto relata que “Elas [as regras] existem e a gente cumpre”; que não adianta

trabalhar com jogo nas aulas de Educação Física escolar numa situação em que tudo pode, em

que não há limites, pois na sociedade isso não acontece. E alerta: “Sociedade cria regras e a

regra não sou eu que crio, a regra está aí. (...) Se ele [o aluno] não aprende a respeitar [as

regras] dentro da quadra ele vai achar que a sociedade, a comunidade vai ser, vai pegar leve

com ele, ele vai se dar mal.”. Afirma: “(...) tudo nesse mundo está calcado, pautado em

regras (...)”. Além disso, dá um exemplo: “Preso dentro de uma cela tem regra, não existe...

a regra, ela não foge a nada, então, não vai fugir do jogo também.”. Por fim, o professor

afirma que a própria cooperação é uma regra a seguir.

Augusto diferencia o jogo cooperativo do jogo competitivo, pois acredita que no jogo

cooperativo todos ganham e no competitivo somente um sai vencedor. Destaca que trabalha

com o jogo semicooperativo em que o competitivo e o cooperativo estão juntos numa

atividade só. Cita exemplos como o jogo Korfeball e o Tchoukball, jogos que mesclam dois

esportes coletivos, o primeiro é a mistura de elementos do basquete e handebol e o segundo,

voleibol e handebol. No que se refere a esses jogos, o professor destaca: “são jogos onde as

pessoas não podem se tocar. Sempre preservando a integridade física e também dando

oportunidade.”.

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Outro aspecto abordado pelo professor é a questão do prazer. Ele relata que gosta de

jogos de acampamento, jogos de percepção, do voleibol, do Tchoukball, do Korfeball, apesar

de alegar que “mais ensina do que joga.”. Já em relação ao futebol, afirma: “eu não sou

muito chegado”.

No que se refere ao sentimento quando joga, o professor Augusto destaca que: “(...)

eu gosto de ganhar (...) eu brigo, eu reclamo, eu não aceito, eu sou igual meu aluno quando

eu estou jogando. Mas eu sei que aquele espaço ali permite isso, é só você não machucar

ninguém, não ofender ninguém.” .

Augusto destaca que no jogo o aluno aprende sem saber que está aprendendo, pois “é

uma simbiose, o jogo, o aprendizado e o desenvolvimento (...) coisas que você só estimula e

elas vão acontecendo por si”.

Por fim, o professor afirma: “(...) através do jogo você forma bons cidadãos. (...) O

jogo acaba até guerras (...) ele é um elemento de paz. (...) é o único lugar que as ideologias

abaixam as armas pra que o jogo aconteça.”. Para o professor Augusto: “o que é legal do

jogo é isso, ele morre numa quadra, num campo e lá fora você vai continuar sua amizade. Ele

pode fortalecer uma amizade, dificilmente ele vai destruir uma que já exista.”.

Núcleo IV. A Educação Física é rentável hoje dependendo de como você trabalha.

Neste núcleo, reúnem-se as frases que evidenciam a valorização/desvalorização do

trabalho com o jogo e os indícios de como o trabalho é reconhecido socialmente. São elas:

“Hoje em dia ela [a área da Educação Física] já te oferece um campo onde você pode ser um

empresário do ramo da Educação Física, você pode ser um personal trainner, você pode estar

atuando em outras áreas.”

“O magistério era a única área. Você fazia uma coisa para o magistério, depois você ia trabalhar

com esportes ou outra coisa parecida. Hoje em dia não, hoje em dia existe uma área de magistério e

existe uma área pra outros segmentos da Educação Física. Ela é rentável hoje dependendo de como

você trabalha.”

“(...) a disciplina é querida, não vou falar o professor (...) se eu fosse de matemática e (o professor)

de matemática fosse de Educação Física vocês estariam aplaudindo ele. Nem tanto, que também a

gente tem o ladinho também legalzinho ali, assim, também sou um bom professor, mas eu sei que a

disciplina ajuda muito (...) por ser a disciplina que eles mais gostam (...) é o lugar onde ele tem, o

contrário. Aquele aluno que é considerado o aluno mais crítico dentro da sala, crítica assim de

relacionamento e tudo mais, lá fora ele pode ser, talvez, o melhor, porque ele está num ambiente que

ele ama, adora.”

Page 208: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

207

“A diferença é só como você sedimenta depois o seu material. No caso da rotina de portfólio, como eu

cobro aqui, como eu cobro lá, mas eu tô sempre unindo as mesmas coisas. Eu acho que o ensino é

universal, não tem jeito da gente trabalhar muito diferente. (...) Eu estou trabalhando no estado ou na

prefeitura, a resposta desse aluno é a mesma, porque é o mesmo cliente. Ele vem da mesma

comunidade, ele só está numa sigla diferente, mas de resto, eu acho que é bem igual.”

“(...) eu troco muito, procuro trabalhar transversalmente falando. Dentro da minha disciplina eu

trabalho matemática, eu trabalho ciências (...) a matemática, o sensorial, estão todos presentes no

meu trabalho (...) eu não deixo de trabalhar com o texto e com o cálculo.”

“(...) a mais completa de todas as disciplinas [a Educação Física] (...) e a mais transversal, porque

não há algo que você diga que não exista dentro de uma disciplina, de uma área de conhecimento que

eu não posso trabalhar na Educação Física.”

“(...) o jogo, a dinâmica que é sempre uma coisa que foi assim difícil de se trabalhar. Talvez isso no

Brasil seja até cultural. Você percebe que o jogo é muito mais bem vindo assim num Kilombola, numa

roça, e ele trava quando ele chega no ambiente urbano, porque as pessoas estão preocupadas com

outras coisas (...) não se tocam e existe toda uma barreira.”

“A própria sociedade, às vezes, monitora. (...) Então, depende de como as pessoas encaram isso. A

gente pisa em ovos, tem que trabalhar sempre visando essa...tendo esse cuidado. O que é pedagógico

para mim, para alguém que vê de fora pode não ser.”

“(...) negativo é a gente ficar meio com pé atrás na hora de estar trabalhando algo que os alunos têm

que se tocar, porque a gente trabalha aos olhos da comunidade e nunca se sabe como a comunidade

vai ver aquela atividade.”

Nesse núcleo, o professor expressa um sentimento de valorização pela atuação em

outros segmentos da Educação Física: “(...) você pode ser um empresário do ramo da

Educação Física, você pode ser um Personal Trainer, você pode estar atuando em outras

áreas. (...) Ele é rentável hoje dependendo de como você trabalha.”.

O professor também afirma que os alunos gostam da Educação Física por ser uma

disciplina divertida e dinâmica e nem tanto pelo professor. Mas ressalta: “Nem tanto, que

também a gente tem o ladinho também legalzinho ali, assim, também sou um bom professor

(...)”

O professor também cita que na rede estadual e na rede municipal o sistema de

trabalho com o jogo é o mesmo, não difere em nada, porque é o mesmo “cliente”, só difere a

forma como ele organiza seu material. “No caso da rotina de portfólio, como eu cobro aqui,

como eu cobro lá”. Para ele, o ensino é universal.

Em outro momento da fala, o professor Augusto relata que trabalha transversalmente

com o jogo na escola, trabalha texto, matemática, ciências, geografia, sensibilização,

conceitos: velocidade, agilidade, equilíbrio, coordenação motora, parada rápida, deslocamento

em velocidade com parada rápida, jogo cooperativo, jogo competitivo. Afirma: “(...) porque

Page 209: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

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não há algo que você me diga que não exista dentro de uma disciplina, de uma área de

conhecimento que eu não possa trabalhar na Educação Física.”.

Além disso, esclarece que o jogo é mais aceito numa comunidade como o Kilombola

e numa região rural, do que num ambiente urbano e justifica: “(...) as pessoas estão

preocupadas com outras coisas, as pessoas não se dão, não se tocam e existe toda uma

barreira.”.

O professor expressa preocupação pela opinião das pessoas sobre seu trabalho com o

jogo, principalmente quando é um jogo no qual os alunos se tocam, e justifica: “(...) porque a

gente trabalha aos olhos da comunidade e nunca se sabe como a comunidade vai ver aquela

atividade.”.

A fala de Augusto evidencia a desvalorização no trabalho com o jogo quando os

alunos se tocam e afirma: “A gente, hoje, pisa em ovos, tem que trabalhar sempre visando

essa ... tendo esse cuidado. O que é pedagógico para mim, pra alguém que vê de fora pode

não ser.” O fato é que Augusto vai ao encontro dos valores que a sociedade impõe como

pedagógico e seguro.

Síntese – Professor Augusto

Conforme citado anteriormente, este trabalho é norteado pela perspectiva da

psicologia sócio-histórica que vem romper com a dicotomia corpo e mente, teoria e prática,

externo e interno, social e individual, homem e sociedade, movimento e pensamento,

considerando o homem como ativo no seu meio. Não sendo só produto ou reprodução deste,

ele pode e é capaz de produzir o novo, de (re)elaborar e (res)significar sua prática pedagógica.

A partir da fala do professor Augusto, pudemos notar que sua trajetória até chegar a atuar

como professor de Educação Física escolar, o trabalho com o jogo na sua formação, as

dificuldades e facilidades no trabalho com o jogo, a forma como as pessoas encaram seu

trabalho com o jogo, e seus sentimentos e receios constituem a dimensão subjetiva do

trabalho com o jogo nas primeiras séries do ensino fundamental. Esses elementos compõem e

fazem parte das condições existentes dessa realidade. Nesse sentido, ao expressar o que pensa,

o que quer, o que sente, o que enfrenta e aproveita sobre o trabalho com o jogo, o professor

Augusto revela sua historicidade e, portanto, reconhece que seu discurso é difícil de se

concretizar em seu fazer pedagógico, em decorrência da diversidade e particularidade dos

alunos e da própria dinâmica da aula. No entanto, expressa sentimento de esperança ao relatar

Page 210: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

209

que há possibilidade de melhoria em função da concepção que tem sobre o seu trabalho com o

jogo.

Ao revelar sua trajetória até chegar a atuar com a Educação Física escolar, podemos

notar o não-projeto para trabalhar com o jogo nas primeiras séries do ensino fundamental. Ele

relata que se tivesse uma situação financeira melhor, na época, teria feito engenharia na USP,

mas cursar Educação Física foi uma maneira fácil de graduar-se e iniciar-se, com mais

facilidade, no mercado de trabalho. Afinal, ele precisava estar empregado, em algum lugar, e

viu na Educação Física a realização de seus anseios. Enfatiza, ainda, que, na época, atuar na

área de Educação Física não era uma profissão rentável, diferentemente dos dias de hoje,

quando a área oferece opções mais promissoras em termos financeiros, como ser empresário

do ramo da Educação Física, atuar como personal trainer ou atuar com a Educação Física

“transversalmente” em qualquer outra área. Para Augusto, não existe disciplina que não possa

ser articulada com a Educação Física e justifica que é devido à estrutura pedagógica que a

área proporciona. Essa informação nos leva a retomar a questão da intencionalidade do

trabalho docente. Vásquez (1968) aponta que nenhuma práxis, individual ou coletiva, é

desprovida de um objetivo. Segundo o autor, não existe uma práxis cega, uma prática sem

sujeito consciente, portanto, o sujeito está carregado de intenções e de qualquer forma ele

realiza e objetiva suas intenções na sua prática. Ou seja, em maior ou menor grau, o trabalho

docente tem certa intenção original. Daí a importância de investigarmos a dimensão subjetiva

(GONÇALVES e BOCK, 2009), porque as significações sociais, aquelas mais compartilhadas

socialmente, são entrelaçadas com as significações individuais, próprias e particulares de cada

sujeito. Embora sejam significações diferentes, elas não são indissociáveis; pelo contrário,

imbricam-se mutuamente.

O fato de Augusto relatar que se tivesse melhores condições familiares e financeiras

teria feito engenharia na USP não significa que, no momento em que ele optou pela não-

escolha da Educação Física, tenha pensado em realizar uma prática pedagógica cega,

inconsciente e sem intencionalidade. O fato é que Augusto, ao atuar com a Educação Física,

viu na área uma possibilidade de trabalhá-la “transversalmente”, atravessando as outras

disciplinas e a Educação Ambiental.

Augusto formou-se em 1992 e trabalhou na rede estadual na época do Ciclo Básico,

em que o professor de Educação Física era responsável pelas aulas de 1ª e 2ª séries do Ensino

Fundamental. No entanto, a formação dos professores de Educação Física, desde os inícios

dos anos 80, vinha recebendo críticas de um campo acadêmico que privilegiava questões

técnicas e de rendimento, pautado no paradigma da aptidão física. Na época, os cursos de

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graduação em Educação Física receberam novas reformulações, por meio da resolução CFE

03/87, que veio consolidar e ampliar a formação de dois cursos distintos: licenciatura e

bacharelado, objetivando preparar para o mercado de trabalho (capitalista) professores de

Educação Física para atuar em escolas e professores de Educação Física para atuar em

academias, clubes condomínios, centros comunitários ( a estrutura do conhecimento na

formação destes tinha como base os conhecimentos da biologia e da prática esportiva). No

entanto, conforme evidenciam Benites, Souza Neto e Hunger (2008, p. 347), o mercado de

trabalho não fazia a distinção entre os dois profissionais: “(...) mantendo-se uma forte

concepção biológica e a sua atenção no „saber fazer‟”. Com a implementação da nova LDB

(1996), os caminhos da educação começam a ser trilhados segundo parâmetros instrumentais

e técnicos, demarcando oficialmente a nova ordem econômica internacional. Augusto, que

graduou-se em 1992, alega que queria cursar uma área que tivesse uma estrutura pedagógica

que conseguisse trabalhar transversalmente com qualquer disciplina, e a Educação Física,

enquanto habilitação, significava um curso “instrumental”, da área biológica. Por isso, optou

pela não-escolha pela Educação Física.

O professor relata que trabalhou por dois anos com a Educação Ambiental, “uma área

voltada mais para a questão biológica, não tinha muito a ver com a minha área”, e afirma:

“Educação Física eu aproveitei bastante a parte da sensibilização, a dinâmica de grupo”. O

fato de os cursos de graduação em Educação Física focarem o conhecimento no saber fazer

possibilita ao professor de Educação Física a inserção no mercado de trabalho em qualquer

área de conhecimento, utilizando as dinâmicas de grupo como um trabalho transversal mais

amplo. Augusto, ciente disso e da necessidade de trabalhar, viu na Educação Física uma

maneira fácil de inserir no mercado de trabalho. Nesse sentido, concordamos com Benites,

Souza Neto e Hunger (2008) ao destacarem que o mercado de trabalho não fazia distinção

entre os dois profissionais, o graduado em licenciatura para atuar na escola e o graduado em

bacharelado para atuar em clubes e academias. Com isso, os cursos de graduação em

Educação Física foram historicamente desvalorizados ao serem reestruturados numa

concepção biológica e com atenção no saber-fazer. Esta significação social faz parte e

compõe o sentido de Augusto pela escolha/não-escolha pela Educação Física escolar.

É interessante destacar que Augusto considera que o trabalho com o jogo tem, ao

mesmo tempo, função de aprendizagem e de prazer; isto é, no jogo o aluno “realmente

mostra quem ele é (...) discute, aceita e mais importante que tudo isso é o prazer e o

aprendizado (...) é uma simbiose, o jogo, o aprendizado e o desenvolvimento, um depende do

outro.”. Como vimos, Vigotski (1984) destaca que o prazer produzido pelo jogo está no

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próprio processo e não no resultado que ele possa gerar; é um processo que envolve opções,

escolhas, decisões, responsabilidades pelas ações e conscientização das regras do jogo. Ao

mesmo tempo este processo é de desenvolvimento e de aprendizagem.

Dentre as funções do trabalho com o jogo expressas por Augusto, cabe ressaltar as

questões que envolvem o jogo competitivo/jogo cooperativo. O professor relata que trabalha

com o jogo semicooperativo, em que prevalece a estratégia em detrimento da força e da

habilidade física. Segundo ele, o jogo semicooperativo é “inclusivo”, trabalha o competir e o

cooperar numa única atividade, um jogo em que todos participam com mais oportunidades,

um ajudando o outro, em prol de um objetivo; todos ganham e não há um único vencedor.

Ao considerar o jogo semicooperativo inclusivo, Augusto vai de encontro ao apontado

por Stumpf (2000), pois a autora ressalta que as professoras de Educação Física escolar com

as quais realizou sua pesquisa compreendem a competição como um produto imposto pela

sociedade e pela cultura, e que, portanto, não reconhecem a importância da intervenção

pedagógica intencional para reverter valores presentes no jogo competitivo, tais como a

exclusão, a rivalidade e a concorrência.

Por outro lado, Augusto afirma que, quando era aluno na Educação Básica, seuss

professores proporcionavam somente o jogo competitivo, diferente do que, hoje, ele

proporciona aos seus alunos: o jogo semicooperativo. Esta dicotomia entre o

competir/cooperar também é apontada por Stumpf (2000): as professoras estudadas pela

autora trazem a ideia de que a cooperação se encontra presente na competição, na medida em

que a cooperação entre os jogadores de uma mesma equipe levaria à vitória do time, sendo

este o principal objetivo do jogo competitivo.

Atualmente, Augusto como professor de Educação Física escolar da rede estadual e da

municipal, evidencia que competir/cooperar podem estar presentes numa mesma atividade: o

jogo semicooperativo, em que “todos ganham”; já que, por outro lado, no competitivo

somente “um ganha”.

É possível afirmar que o professor Augusto se encontra num momento em que busca

ressignificar o cooperar e o competir. O jogo semicooperativo, ao mesmo tempo em que

“todos ganham”, também é sinônimo de “vitória”, portanto, impossível de ser dissociado do

jogo competitivo. Por este fato, é considerado por Augusto como um jogo inclusivo. Nota-se

o esforço do professor Augusto em ressignificar o jogo competitivo dentro das aulas de

Educação Física, quando afirma trabalhar com esportes como “Korfeball” e o “Tchoukball”,

em que mistura elementos de dois esportes tradicionais.

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212

O professor Augusto explicita que os professores da graduação “davam a bola”

(davam o futebol) e justifica: “o meu professor não proporciona para mim o que eu

proporciono pro meu aluno, hoje, o jogo cooperativo.”. Cabe aqui ressaltar que os sentidos

de jogo constituídos por Augusto estão ressignificados a partir da experiência que teve com

acampamentos e com a Educação Ambiental; para ele, o jogo não é um objetivo de estudo

exclusivo da Educação Física escolar, mas uma ferramenta pedagógica, que contribui para o

Português, Matemática, Ciências: “ele funciona bem em qualquer disciplina”.

O relacionamento com os alunos, com os professores de outras áreas e a equipe

gestora também constituem os sentidos de Augusto. Ele relata que os alunos gostam da

Educação Física escolar, diferentemente do que acontece com as outras disciplinas da escola.

Destaca que os alunos veem a Educação Física, não tanto pelo professor, mas pelo que a

disciplina de Educação Física proporciona. Considera, ainda, que se ele trocasse sua

disciplina pela do professor de Matemática, eles iriam adorar o professor de Matemática.

Assim, considera que qualquer pessoa poderia trabalhar com o jogo, independente do objeto

de estudo de cada área. Inclusive, ele mesmo afirma: “(...) dentro da minha disciplina eu

trabalho matemática, eu trabalho ciências (...) o sensorial, estão todos presentes no meu

trabalho.”.

O professor acredita que os professores das outras áreas consideram seu trabalho bom,

pelo fato de ele realizar muitas trocas e trabalhar transversalmente. Para Augusto, trabalhar

com o jogo “transversalmente” de maneira a contribuir com o conteúdo das outras áreas faz

com que os professores de outras áreas valorizem o seu trabalho com o jogo. É possível

afirmar que a formação diversificada que obteve, por meio de cursos, livros, trocas com

outros profissionais e da Educação Ambiental, contribuiu no processo de ressignificação de

seus sentidos sobre o trabalho com o jogo, sendo assim, uma forma de valorização do seu

trabalho pelos outros professores.

Augusto também revela dificuldades de associar planejamento e ação no que considera

ser a função do seu trabalho com o jogo na Educação Física escolar. O professor afirma que:

“Nem sempre eu consigo ter coerência, porque essa complexidade toda ela existe aqui

comigo. Eu me baseio nisso pra eu trabalhar as coisas dentro da minha aula, mas eu não

consigo passar essa complexidade para o meu aluno.”. Esta dificuldade também foi apontada

nos estudos de Stumpf (2000): o distanciamento entre o discurso sobre o trabalho com o jogo

e o tratamento pedagógico dado a ele. A autora ressalta que a formação inicial e continuada

dos professores de Educação Física escolar que atuarão ou atuam, principalmente, nas

primeiras séries do Ensino Fundamental, deveria estar pautada na possibilidade de repensar o

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213

seu papel, de refletir sobre a sua própria prática, de buscar novos conhecimentos para

melhorar sua atuação pedagógica, além de considerar suas experiências, seus sentimentos e

suas necessidades. A falta desta formação dificulta um trabalho coerente com o jogo pelo

professor de Educação Física escolar, ou seja, esta dificuldade de conciliar planejamento e

ação no trabalho com o jogo não é exclusiva do professor Augusto.

Apesar de Augusto considerar algumas dificuldades no trabalho com o jogo, dentre

elas, a diversidade cultural dos alunos e o preconceito em trabalhar com o jogo em todas as

áreas, não há indícios de que ele considere um deles como desvalorização de seu trabalho.

Inclusive, na entrevista, revela insatisfação com o salário, no entanto, não reconhece este fator

como desvalorização da sua profissão. .

Enfim, é interessante ressaltar que a atuação do professor Augusto, na creche, na

escola municipal, na rede estadual, na escola particular e na ONG, contribuiu para que ele

trabalhasse com o jogo de maneira diversificada e que essa maneira de trabalhar com o jogo

permitiu que os professores de outras áreas valorizassem seu trabalho. . Em contrapartida,

trabalhar com o jogo “transversalmente” auxiliou no processo de ressignificação de seu

trabalho com o jogo, principalmente no que se refere às ações de cooperar/competir.

7.2.4. Análise do sujeito I: Professora Joana

A professora Joana tem 31 anos, é casada e no mês em que foi realizada a entrevista

ela estava no oitavo mês de gravidez do seu primeiro filho. Reside em São José dos Campos,

acumula cargo na rede estadual e no ensino superior privado. Concluiu o Bacharelado em

2000, na faculdade de Educação Física da Unicamp; depois, em 2005, formou-se em

Licenciatura em Educação Física e, em 2007, defendeu a dissertação de mestrado na mesma

Universidade, na área da Saúde Coletiva. Atua na rede estadual há 5 anos e no ano de 2010

ministrou aulas de 1º ano a 4ª série, com carga horária de 26 horas aulas/semanais. Já atuou de

5ª a 8ª séries. Ingressou na rede estadual em 2006, como professora efetiva da Diretoria de

Ensino de Campinas; removeu-se para São José dos Campos no ano de 2007 e, no ano de

2011, estará assumindo seu segundo cargo na rede.

A entrevista com a professora Joana foi realizada em 21/12/2010, no pátio da escola

em que atua na rede estadual. Entramos em contato, antecipadamente, por telefone.

Inicialmente, foi difícil conciliar uma data para a realização da entrevista, mas, depois de

algumas tentativas, conseguimos agendar uma data favorável. A entrevista durou cerca de 2

horas e 10 minutos.

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Seguem os núcleos de significação construídos para a professora Joana, a partir da

entrevista realizada com este sujeito.

Núcleo I. Eu tive muita sorte em escolher uma profissão que foi dando frutos.

Na entrevista realizada, a professora Joana relatou sua trajetória até chegar a atuar

como professora de Educação Física escolar na rede estadual pública paulista. Destacamos de

sua fala trechos, agrupados nesse núcleo, que evidenciam questões referentes à sua história e

aos sentimentos envolvidos nesse processo. São eles:

“(...) desde que eu me mudei pra Campinas, com 17 anos eu já trabalhava com Educação Física. Era

educação, era uma creche da Unicamp, se chama PRODECAD – Projeto de desenvolvimento a

criança e ao adolescente. (...). Eu entrei lá, então, em março de 97 e lá no PRODECAD eu comecei

em maio ou junho de 97. Já é um programa já direcionado, que nem, pessoas de Educação Física

estavam procurando emprego, era o meu caso, e eu já queria ajuda pra eu me sustentar lá em

Campinas, eu me insscrevi, rapidinho eu fui chamada.”

“(...) durante a seleção, eles selecionam várias pessoas que são interessadas e durante a entrevista

(...) ela falou: Nossa, você gosta de dar aula e eu dava aula, assim, na igreja, de catecismo, de

crisma; então, eu gostava de ensinar, ela via já uma certa segurança, assim, não seria uma pessoa

totalmente da área de exatas, engenheiro trabalhando numa creche, que é muito discrepante, tem que

ter alguém que tem uma vivência de lidar com o outro (...) facilitou muito isso na minha seleção, a

minha adolescência de eu gostar de fazer trabalho comunitário, ajudar na igreja, participar de time

de vôlei, que eu participava, campeonato. Então, eu tenho um esquema de estar sempre em grupo,

saber liderar, daí facilitou, nossa, eu tive muita sorte, eu acho, de escolher uma profissão que foi

dando frutos, os frutos foram aparecendo e eu fui colhendo e até hoje está assim, bacana.”

“(...) trabalhei dois anos e meio no PRODECAD, parei mais ou menos um ano, depois a minha

experiência começou com natação e lazer, porque tem empresa Júnior na faculdade. Então, esses

programas de lazer em hotel. Nos hotéis, lá de Campinas, fazia hidroginástica, caminhada com

crianças (...) no último ano eu voltei a me envolver mais com natação, hidroginástica, tanto na

Unicamp dava aula como dava aula em academia (...).”

“Então, experiência com Educação Física escolar começou em 2006, tirando os estágios, que lá eles

cobravam bastante estágio. A gente faz estágio um ano e meio e no estágio das escolas (...) a gente já

dava aula. Então, a gente fazia estágio em dupla ou em trios. Ah, semana que vem vocês querem dar

aula? Então, na quinta vocês vão dar as três aulas. A gente montava a aula, mostrava pro professor,

então. A gente foi muito bem acompanhado nisso, por isso que eu não fiquei, não tive tanto receio,

não, fui perdendo a insegurança, já tinha professor ali; fiz, os alunos gostavam, aí, tem tudo pra dar

certo.”

“(...) me formei em 2000, (...) minha monografia, mesmo, foi sobre resistência aeróbica de alunos de

6ª série de uma escola muito boa, lá de Campinas. E aí, apesar do professor de Educação Física ter

as duas aulas semanais num programa muito bom, praticarem esportes, estarem desenvolvendo

capacidades físicas, a maioria dos alunos tinha o MMC abaixo do normal (...) e a resistência deles

estava muito baixa. (...) o professor de Educação Física vai orientar, mas (...) o aluno vai ter as

opções que o pai oferecer, que as condições de vida oferecer e que ele tiver vontade (...).”

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“Depois eu fui pra São Paulo fazer o curso de aprimoramento em Saúde Coletiva. (...) Terminei a

faculdade já fui pra lá, dois meses depois, e nesse aprimoramento em Saúde Coletiva eu fui pra

aprofundar isso na minha monografia.”

“(...) quando eu me formei em 2000, eu me formei em bacharel. Então, eu tinha essa visão de corpo e

falei, ah, não, vou trabalhar na área da saúde, diferentes grupos, quero entender essa coisa da

autoimagem que tanto o pessoal quer emagrecer, não está se desenvolvendo fisicamente, ficando

forte, lá, lá. Fui pra São Paulo. Quando eu saí, então, a experiência minha em Francisco Morato foi

tão forte que eu voltei pra fazer o mestrado [em Saúde Coletiva] e fazer licenciatura (...). Então, eu já

estava nisso, nossa, eu quero lidar, sim, com comunidades mais carentes; eu quero fazer esse trabalho

e fui estudando a licenciatura, que eu gosto. Nossa, eu não sabia que gostava tanto, eu só desconfiava

(...)”

“Terminei o mestrado em 2006. Em 2007 a gente continuou levando os trabalhos, eu tenho capítulos

de livros (...) o professor se afastou e fiquei com a disciplina, de outras vezes eu fiz disciplina junto

com outro monitor; aí em 2007 saiu uma remoção ([ingressou em 2006 na rede estadual na Diretoria

de Ensino da região de Campinas] e eu vim pra cá [São José dos Campos] em 2008. Aí foi quando eu

falei: agora acabou o vínculo, agora eu vou trabalhar. Quando você está na faculdade nesse esquema

você fica muito no esquema de bolsa, aquela coisa, ser aproveitada, vai sugar o sangue dos jovens,

então, eu também não estava mais a fim disso, não, agora eu tenho que me libertar e ir atrás, mesmo,

da minha vaga e vim.”

“(...) chegou em 2007, não dá, agora está na hora de dedicar a minha vida pessoal, ir atrás da minha

vida profissional (...) surgiu essa oportunidade de dar aula, que eu sempre gostei e eu falei, não, eu

vou dar aula. (...) eu vou fazer uma coisa que eu gosto e pra organizar os meus pensamentos,

profissionais e os pessoais de plano de vida. (...) eu vi que eu posso conciliar a vida, o trabalho de

formação universitária com o de criança, que na realidade, um acaba fundamentando o outro. E eu

pretendo voltar mais tarde e fazer o doutorado (...)”.

Nesse núcleo, é possível destacar nos trechos agrupados que a professora Joana não

teve um projeto para atuar na Educação Física escolar. Ela relata que precisava trabalhar para

se sustentar na cidade em que cursava a faculdade e, por gostar de ensinar e ter experiência

em dar aula na igreja, foi selecionada para trabalhar num projeto de desenvolvimento da

criança e do adolescente dentro da Unicamp. A professora ressalta que, enquanto graduanda,

atuou como professora de natação e como recreadora em hotéis na cidade de Campinas, pelo

fato de estar inserida na empresa Júnior na faculdade. Além disso, a professora também relata

que no último ano da graduação atuou como professora de natação e hidroginástica, tanto na

faculdade como em academias. Destaca ainda que durante os estágios do curso de graduação

atuava como professora de Educação Física escolar: “no estágio das escolas... a gente já dava

aula. Então, a gente fazia estágio em dupla ou em trios. Ah, semana que vem vocês querem

dar aula? Então, na quinta vocês vão dar as três aulas.”. Segundo a professora, sua atuação

durante o estágio foi muito bem acompanhada; por isso relata: “não tive receio, não, fui

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perdendo a insegurança, já tinha professor ali, fiz, os alunos gostavam, aí, tem tudo pra dar

certo.”.

A professora afirma que, com exceção das aulas que ministrava durante os estágios,

sua experiência com Educação Física escolar começou em 2006, quando ingressou na rede

pública estadual paulista na Diretoria de Ensino da região de Campinas, após sua formação

em bacharel, licenciatura e mestrado. Ela destaca: “agora acabou o vínculo, agora eu vou

trabalhar. Quando você está na faculdade... você fica muito no esquema de bolsa... então, eu

também não estava mais a fim disso, não, agora eu tenho que me libertar e ir atrás, mesmo,

da minha vaga (...)”. Joana afirma gostar do que faz e destaca: “tive muita sorte... de escolher

uma profissão que foi dando frutos, os frutos foram aparecendo e eu fui colhendo e até hoje

está assim (...)”.

Atualmente, a professora Joana, no final da sua primeira gravidez, atua numa escola da

rede estadual de ciclo I na cidade de São José dos Campos, está ingressando num segundo

cargo, e no ensino superior no curso de Educação Física como professora de Didática e de

lazer, numa faculdade da mesma cidade. Ela ainda afirma: “eu vi que eu posso conciliar a

vida, o trabalho de formação universitária com o de criança, que na realidade, um acaba

fundamentando o outro (...)”

É possível notar que, apesar do seu não-projeto para atuar na Educação Física escolar,

Joana gosta de atuar como professora de Educação Física na escola. Inclusive, ressalta que

pode conciliar a vida (família e filho), o trabalho na Educação Básica (rede estadual) e a

atuação no ensino superior.

Núcleo II. É patrimônio cultural da humanidade. É como se fosse uma ligação direta de

conhecimento entre professor e aluno.

Este núcleo agrupa os trechos da professora Joana que evidenciam o que ela considera

ser função do trabalho com jogo na Educação Física escolar nas primeiras séries do ensino

fundamental. São eles:

“Nos jogos sempre está a cidadania junto (...) é inevitável. É o meu jeito de trabalhar mesmo, com os

valores; entender que a Educação Física não é a gente ficar, fazer 10 flexões e depois ficar dolorido e

sentir dor e achar que sentiu dor porque fez efeito, não. Tem que entender sobre o corpo.”

“(...) é uma forma de, o lúdico, nossa, a ludicidade vir, ir no mundo da fantasia, viajar nesse mundo

de explorar, a gente acaba sendo muito nós mesmos. Eu acho que é um momento muito bom e rico pra

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conhecer o próprio aluno. Porque você fala, ah, então, se solta e faça o que você tem vontade. É, eu

acho, é como se fosse uma ligação direta de conhecimento entre professor e aluno. (...) uma atividade

prazerosa, isso é o que faz muitas vezes a atividade ser prazerosa.”

“(...) eu vou lidando com conceitos mais concretos de força, agilidade, flexibilidade (...) e eles vão

inventando essas brincadeiras.”

“(...) desprendimento (...) autonomia de saber que, autonomia e se sentem seguros, eu estou

exercendo e é gostoso exercer a regra, se sentem recompensados e o expressar também. (...) liberdade

pra falar. (...) eles se sentem, acho que uma palavra boa é segurança, mesmo, de ter um lugar, de

saber que são ouvidos, de saber que ele pode ser ele mesmo. (...) durante o jogo é isso, que se

respeitem uns aos outros e montem os limites de suas regras.”

“(...) eles vão aprofundando as regras conforme dificuldades pessoais ou até dificuldades afetivas ou

dificuldades físicas mesmo. Ah, a minha é mais fácil desse jeito, quero desse, o seu jogo é chato eu

vou no outro e isso é, isso faz parte da aula e não há problema nisso, do achar um mais fácil, ah, isso

pra mim isso é chato. É chato tudo bem eu vou no outro. Aí, de repente, o outro ensina.”

“(...) desenvolvimento da cultura corporal, vivencia ginástica, vivencia jogo, vivencia um pouquinho

de esportes, que aqui é menor o espaço de esporte, danças também, os ritmos, canta, eu falo, eu gosto

que cante, gente eu tenho uma voz tão feia, mas a gente vai cantar, porque é bom, faz bem, a gente

começa a dançar, a gente se desestressa (...) a nossa aula agora é sobre ritmos. Então, vamos

aproveitar. Pode assoviar, vamos cantar, vamos inventar uma música.”

“(...) é uma forma de conhecer os alunos, você não tem que ficar perguntando. É, levanta a mão quem

já fez isso. É, quem já fez tal coisa, me conta, às vezes, eles não estão a fim de falar, mas quando está

no lúdico um quer mostrar sua experiência. Ah, porque eu já fiz assim, ah, eu vou inventar aquilo. Há

prazer em se expressar, mesmo quando são ideias ruins.”

“(...) é uma ferramenta, tanto é que tem a psicopedagogia, os pedagogos que utilizam os jogos pra

ensinar, porque é muito bom.”

“É patrimônio cultural da humanidade, cultural, corporal da humanidade, não tem como a gente

desfazer desse patrimônio, não vivenciar. Seria uma perda muito grande em níveis muito grandes

também. Não vai se perder um recurso didático, um recurso metodológico, vai se perder cultura pra

sociedade, de valorização, do que todos os outros que moraram, famílias que foram construindo e

transformaram os jogos e até hoje eles vão sendo transformados, há um processo (...).”

“(...) ele [o jogo] oportuniza que os alunos construam regras, sejam eles mesmos (...) inventem

histórias e se expressem, expressem suas ideias (...) eles vão se afirmando quem eles são, é, e se

sentindo integradas ao grupo, isso melhora também a autoestima do aluno, sabendo que ele pode se

expressar, construindo regras do jogo (...)”

“(...) é importante participar das construções das regras. Então, daí que vem a socialização e a

humanização. Ele [o aluno] sente que tem o seu lugar, sente que ele vai ser escutado e eles sentem

satisfeitos, né; todos acabam se unindo com o mesmo objetivo, que é criar regras para o bem-estar

dos participantes (...). E isso também é importante que é a flexibilidade do jogo, como as coisas

podem ser vistas de outro jeito (...)”

“(...) a criança sem medo de ser ela mesma, segura para expressar o que ela sente, o que ela pensa ou

sem se apegar a estereótipos. Ah, eu vou fazer aquilo que a outra fez, porque é mais cômodo, porque

eu já sei que vai dar certo e de justiça. Todo mundo vai ter espaço pra falar. Todo mundo vai votar.

Por que que a gente vai mudar a regra? Por que que tem que mudar a regra? Isso é legal, não é?

Então, é isso, justiça, honestidade também. Então, quero que eles sejam quem eles realmente são, sem

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medo de serem pré-julgados e até na comunicação das ideias, fale sua ideia não tenha medo e a sua

ideia pode dar um fruto de uma ideia legal como foi a ideia do pano, de fazer o tacopano.”

“(...) quando eu me formei em 2000, eu me formei em bacharel. Então, eu tinha essa outra visão de

corpo e falei, ah, não, vou trabalhar na área da saúde, diferentes grupos, quero entender essa coisa

da autoimagem que tanto o pessoal quer emagrecer, não está se desenvolvendo fisicamente, ficando

forte (...). Fui pra São Paulo. Quando eu sai, então, a experiência minha em Francisco Morato foi tão

que eu voltei pra fazer o mestrado e fazer licenciatura (...)”.

“(...) Saúde Coletiva e Educação Física, é uma abordagem diferenciada de saúde, que não é aquela

saúde ligada só em aptidão física, está ligada à aptidão física, mas têm várias outras coisas. (...) Ela,

também, vem de um pressuposto marxista, né, de movimentos de classes sociais, buscas de direitos.

(...) O jogo... Eu fiz rapidinho essa ligação direta, principalmente, com o tema violência.”

“(...) eu sempre era chamada para dar palestra, porque eu era muito boa, o pessoal gosta. Por que

ela não vem pra dar aula. Dar aula é outros quinhentos, mexe com outras coisas, né. E ai, eu falei,

não, eu já estou no lugar que eu vou fazer a saúde coletiva. Aí, foi a hora que eu comecei, então, a

direcionar mesmo os conhecimentos pra cá, de construir cidadania, de conhecer direitos, de saber

respeito e que de novo reavivou toda essa experiência que eu tenho com jogos, com brincadeiras (...).

“(...) o jogo [no ensino superior] é um principal exemplo que eu pego pra diferenciar vários autores

da Educação Física. (...) como que é o jogo em cada um deles (...) aprende mais sobre o jogo,

principalmente, o lado científico do jogo, relacionando com as diversas teorias, com as principais

teorias da Educação Física e aliado, já, ao lado didático. Então, você está seguindo tal teoria, vai ter

ênfase nisso, o seu olhar, a direção é uma, com outro autor é outra e já, então, na prática como que é

isso. Eles (os alunos) apresentam, também, aula prática. O jogo baseado naquele autor e como que

seria pra entender do autor e como que é na prática (...).”

“Eu penso nas competências do Ler e Escrever, ele vem com jogos no final (...) eu juntei as

competências que cabe à Educação Física pra eu desenvolver, então, que são pertinentes ao

currículo, junto com esses princípios que eu tenho de Saúde Coletiva.”.

“Eu não necessariamente defendo uma das correntes. Eu tenho respeito, acho que tem espaço pra

todo mundo (...). A questão é você defender uma coisa, apoiar um autor que não defende o que você

quer e achar que está sendo embasado. E esse é o meu foco, esse é o principal, que o aluno entenda

com que, o que o autor realmente quer dizer, a teoria quer dizer e se ele está aplicando a teoria. (...)

Esse exercício para mim é mais importante do que eu defender a minha postura profissional que eu

tenho na escola. (...) desde o começo eu falo pra eles que o objetivo que eu tenho, vocês são avaliados

pelo que vocês entenderam daquela teoria e aplicaram e eu estou aqui pra ajudar nisso.”

Neste núcleo é possível destacar que Joana considera o trabalho com o jogo na

Educação Física escolar para esse nível de ensino como um trabalho que visa à construção da

cidadania e da autonomia, ao autoconhecimento corporal, à não-violência, à participação de

todos, à inclusão social, ao não-preconceito, ao desenvolvimento da criatividade e das cinco

capacidades físicas (resistência, força, coordenação motora, velocidade e flexibilidade). Num

trecho da sua fala a professora destaca: “Nos jogos sempre está à cidadania... é o meu jeito de

trabalhar... com os valores, entender que a Educação Física não é... fazer dez flexões e... achar que

sentiu dor porque fez efeito.”. Em outro trecho da fala, ela complementa: “é um momento muito bom e

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rico para conhecer o próprio aluno.”. Além disso, destaca que o jogo proporciona prazer de

expressar, prazer de ajudar o outro e prazer em exercer as regras.

A concepção de jogo pela professora Joana foi constituída ao longo de sua atuação

profissional. Destaca que, quando graduou-se em Bacharel em Educação Física, em 2000,

tinha outra visão de corpo e que só depois voltou para cursar a licenciatura, juntamente com o

curso de mestrado em Saúde Coletiva. Ela relata que Saúde Coletiva “é uma abordagem

diferenciada de saúde, que não é aquela saúde ligada só em aptidão física, está ligada à

aptidão física, mas têm várias outras coisas.”. Ainda acrescenta: “Ela [Saúde Coletiva],

também, vem de um pressuposto marxista, de movimentos de classes sociais, buscas de

direitos. (...) Eu fiz rapidinho essa ligação direta [Jogo e Saúde Coletiva], principalmente

com o tema violência.”. E foi quando tomou posse e começou a atuar nesse nível de ensino na

rede pública estadual paulista que pensou: “eu já estou no lugar que eu vou fazer a Saúde

Coletiva. Aí, foi a hora que eu comecei, então, a direcionar mesmo os conhecimentos pra cá,

de construir cidadania, de conhecer direitos, de saber respeito (...).”

Atualmente, a professora trabalha no ensino superior e, para ela, o trabalho com o jogo

na formação de professores de Educação Física “é um principal exemplo que eu pego pra

diferenciar vários autores da Educação Física. (...) como que é o jogo em cada um deles.”.

Ela ressalta que, tanto na aula de Didática como na aula de Lazer, sua preocupação é ensinar

“o lado cientifico do jogo, relacionando com as diversas teorias, com as principais teorias da

Educação Física e aliado, já, ao lado didático.”.

Já em sua atuação nas primeiras séries do ensino fundamental da rede estadual, ela

alega: “Eu penso nas competências do Ler e Escrever, ele vem com jogos no final (...) eu

juntei as competências que cabe a Educação Física pra eu desenvolver, então, que são

pertinentes ao currículo, junto com esses princípios que eu tenho de Saúde Coletiva.”. É

interessante destacar que quando a professora relata a direção que segue e que assume nas

aulas de Educação Física escolar nas primeiras séries do ensino fundamental da rede estadual

pública paulista, apesar de referir-se ao Ler e Escrever, um programa implementado pela

Secretaria da Educação que considera a competência da leitura e da escrita como única

linguagem e não tem uma proposta específica para a área de Educação Física, ela busca

reelaborar a proposta em decorrência de incorporar conhecimentos da Saúde Coletiva.

A fala de Joana também evidencia a relação entre teoria e prática no seu trabalho com

o jogo no Ensino Superior. Para ela, por exemplo, no ensino superior, nas aulas de didática

“você está seguindo tal teoria, vai ter ênfase nisso, o seu olhar, a direção é uma, com outro

autor é outra e já, então, na prática como que isso, eles, apresentam também, aula prática.”.

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Joana destaca que seu objetivo como professora no ensino superior é “que o aluno

entenda o que o autor realmente quer dizer, a teoria quer dizer e se ele está aplicando a

teoria”, e completa: “(...) desde o começo eu falo pra eles que o objetivo que eu tenho: vocês

são avaliados pelo que vocês entenderam daquela teoria e aplicaram e eu estou aqui pra

ajudar nisso.”.

Apesar de defender a perspectiva crítico-superadora, do Coletivo de Autores, na sua

atuação na escola, Joana respeita as demais: “acho que tem espaço pra todo mundo”.

Evidencia que seu objetivo como professora no ensino superior não é necessariamente

defender uma das correntes e, sim, “que o aluno entenda (...) o que o autor realmente quer

dizer, a teoria quer dizer e se ele está aplicando a teoria”, e justifica: “Esse exercício para

mim é mais importante, do que eu defender a minha postura profissional que eu tenho na

escola.”. Completa: “(...) desde o começo eu falo pra eles que o objetivo que eu tenho: vocês

são avaliados pelo que vocês entenderam daquela teoria e aplicaram e eu estou aqui pra

ajudar nisso.”.

Núcleo III. Educação Física é pra eles praticarem esportes, saírem e ela está dentro.

Seus alunos ficam juntos.

Este núcleo reúne as frases nas quais a professora Joana refere-se à sua relação com os

professores de outras áreas e com a equipe gestora com os quais trabalha e, ainda, como eles

encaram seu trabalho com o jogo. São elas:

“(...) a maioria [dos professores de outras áreas] gosta, mas alguns que têm uma visão, assim, de

Educação Física, ainda, muito biologizada, que é uma visão da sociedade, não é nem deles, isso foi

construído na sociedade: Ah! a Educação Física é sarada, você é forte, você aguenta. Eles acham,

assim, nossa, mas essas crianças precisam de uma atividade de mais força, correr.”

“(...) eles pensam assim, mas verbalizam muito pouco, porque já sabem que o próprio espaço

também seria um limitador de fazer este tipo de atividade, tipo, esportes competitivos. É isso, uma

visão biologizada ou de esportes competitivos pra eles.”

“(...) a maioria gosta é, principalmente, por ver que os alunos ficam juntos e até os outros professores

de Educação Física, aqui, mesmo, que passaram aqui, falam, nossa os seus alunos são juntos.”

“(....) eles [a equipe gestora] não falam muito, é isso, não tem um retorno direto (...) Ela [a diretora]

sabe que quando eu estou dando aula os meu alunos estão comigo. Aí, então, eles [a equipe gestora]

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se sentem seguros, mas acho que falta, isso, espaço de conversar, pra contar a proposta, seja pra

professores como pra equipe gestora, o professor, o que eu de Educação Física é isso, é, no decorrer

do ano eu vou dar ênfase a alguns temas, no primeiro esse, no segundo esse, no terceiro esse, no

quarto aquele. Coisas mais gerais, que isso já muda um pouco a forma deles verem, deles apoiar.”

“(...) sente, sim, uma segurança, porque nunca precisou recorrer de: Olha, está acontecendo tal coisa

na sua aula. Olha, hoje tem que ser assim. Nunca precisou. (...) acho que ela percebeu, eu que

também já percebo o que precisa ser feito. É isso. Não tem um, não é um apoio, mas consente. Não há

interferência.”

“(...) as professoras pediam: ah, não Educação Física é pra eles praticarem esportes, mas elas não

falavam isso, porque não tinha condições; mas Educação Física é pra eles saírem e ela está dentro.

Isso porque era duas vezes por bimestre que acontecia essa aula, na sala de aula mesmo. (...) não

tinha muito apoio não. Daí eu explico pra ela: Poxa, está aqui no PCN (...)”

Neste núcleo, é possível destacar que, para Joana a maioria dos professores de outras

áreas “gosta” do trabalho que ela desenvolve com o jogo, principalmente porque “os alunos

ficam juntos”. Joana destaca que os professores têm “uma visão biologizada ou de esportes

competitivos”. Para ela, na outra escola em que ela atuava, os professores pensavam que “(...)

Educação Física é sarada, você é forte, você aguenta. Eles acham assim: Nossa! mas essas crianças

precisam de uma atividade de mais força, correr”. Já na escola atual, os professores têm a mesma

opinião sobre o trabalho com o jogo “Educação Física é pra eles praticarem esportes”; mas,

para ela, eles verbalizam pouco, em decorrência da limitação do espaço existente na escola

que não permite que ela desenvolva esportes competitivos.

Outra questão também apontada por Joana refere-se à falta de conhecimento da

proposta de trabalho com o jogo, tanto por parte dos professores quanto por parte da equipe

gestora. Segundo ela, “falta isso, espaço de conversar, pra contar a proposta. (...)” e enfatiza

a importância de os professores e a equipe gestora saberem “o que eu, de Educação Física

(...) no decorrer do ano, eu vou dar ênfase a alguns temas, no primeiro esse, no segundo esse,

no terceiro esse, no quarto aquele. Coisas mais gerais, que isso já muda um pouco a forma

deles verem, deles apoiar.”.

Joana justifica o fato dos professores e da equipe gestora gostarem do trabalho com o

jogo que ela desenvolve na escola pelo sentimento de segurança que ela transmite. Segundo

Joana “Ela [a diretora] sabe que quando eu estou dando aula os meus alunos estão comigo.

Aí, então, eles [a equipe gestora] se sentem seguros (...) porque nunca precisou recorrer, de,

olha, está acontecendo tal coisa na sua aula, olha, hoje tem que ser assim, nunca precisou.”.

É também possível notar que Joana sente falta de apoio em relação ao seu trabalho

com o jogo. Primeiro, porque eles não conhecem a proposta e segundo que, por falta do

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entendimento da proposta, acabam por não entenderem o trabalho com o jogo que ela realiza,

havendo necessidade de ela explicar e mostrar em quais referenciais ela se apoia para

desenvolver o seu trabalho. Joana afirma: “(...) não é um apoio, mas consente. Não há

interferência. (...) Daí, eu explico pra ela: Poxa, está aqui no PCN (...)”.

Núcleo IV. Vocês acham que eu faço o que eu quero? Vocês acham que vão fazer o

querem na minha aula?

Neste núcleo estão agrupados os trechos da fala da professora Joana que se referem às

suas condições de trabalho com o jogo e o que considera como dificuldades para

desenvolvimento deste. São eles:

“(...) falta de entendimento do que é a proposta da Educação Física do estado, que é legal; na hora

de implementar é isso que você está vendo [mostra o pátio com materiais da reforma onde,

normalmente, ministra suas aulas] e, às vezes, dividir o pátio com essas coisas, era fazer roda,

improviso total, assim, dois anos de improviso. Eu quero fazer tal coisa, nossa, mas está muito alto

[refere-se ao barulho da máquina de cimento], eles não estão me escutando (...)”

“(...) atingir o objetivo com todos os alunos. (...) espaço delimitado por causa do sol. (...) não tinha

quadra (...) ficou monótono o jogo. (...) até todo mundo passar pelos obstáculos e o próximo, dar um

espaço, seguir e seguir (...) não ficou tão divertido. (...) fizeram, mas não tiveram muita, assim, depois

que fez, ah, não quero esperar ou ah, o sol, aperto (...) ficaram desanimados. (...) um jogo que não foi

muito legal, tinha que ser jogo mais apropriado para aquele clima, pra aquele espaço e pro Marcelo

também que tinha essa outra coisa de não ficar com os outros.”

“(...) se entre vocês, vocês não conseguirem se acertar se dirige a algum adulto, porque isso é ser

criança. Ser criança é quando você depende de um adulto. Então, aqui na, então, eu tenho todo um

planejamento que eu faço com a coordenadora porque a diretora aprova. Vocês acham que eu faço o

que eu quero? Ou, vocês acham que vão fazer o que querem na minha aula? Não. E tudo isso é pro

melhor de vocês e é porque também eu estudei. Então, eles vão sentindo mais responsabilidade, mais,

é, dando mais valor mesmo ao trabalho do professor. Isso conta pra caramba. Se o aluno não

valoriza... acho que é isso também, eu, nas minhas palavras eu sempre quero que eles incentivem esse

trabalho, valorizem porque que é bom, então, algumas salas, são poucas, que são mais críticas, e aí

eles fazem aquele monte, monte de perguntas, que quando você vê já está passando 20 minutos da

aula; é ótimo, mas a maioria não. Nessas salas que fazem mais perguntas é muito bom. A crítica já

vem deles e eles já vêm com essa bagagem que já vem da família, de casa (...).”

Três questões podem ser destacadas neste núcleo sobre as condições de trabalho com o

jogo e as dificuldades encontradas no desenvolvimento dele: falta de entendimento da

proposta, falta de estrutura física e a não participação de todos no trabalho com o jogo.

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Joana alega “(...) falta de entendimento do que é a proposta da Educação Física do

estado” e completa: “que é legal”; mas ressalta a dificuldade de desenvolvê-la, uma vez que

o pátio onde necessariamente ministra suas aulas está com materiais de reforma e o barulho da

máquina de cimento dificulta aos alunos escutarem o que ela está explicando. Segundo a

professora, “(...) dividir o pátio com essas coisas, era fazer roda, improviso total, assim, dois

anos de improviso. Eu quero fazer tal coisa, nossa, mas está muito alto, eles não estão me

escutando (...)”.

Joana aponta dificuldade em desenvolver uma atividade prazerosa em que todos

participem, quando falta estrutura física e quando existe na sala aluno com “comportamento

antissocial”. A professora expressa insatisfação por não atingir o objetivo com todos os

alunos: “(...) espaço estava meio delimitado por causa do sol. (...) não tinha quadra (...) até

todo mundo passar pelos obstáculos (...) ficou monótono o jogo. (...) ficaram desanimados”.

E justifica: “(...) um jogo que não foi muito legal, tinha que ser jogo mais apropriado para

aquele clima, pra aquele espaço e pro Marcelo também que tinha essa coisa de não ficar com

os outros.”.

Núcleo V. Eu não defendo uma das correntes, acho que tem espaço pra todo mundo.

Este núcleo agrupa os trechos da fala do sujeito que evidenciam questões relacionadas ao jogo

no ensino superior. São eles:

“(...) aula de Lazer os diferentes tipos de jogos. (...) jogos gigantes e eles vivenciam e a gente estuda.

E, na aula de Didática, principalmente, o jogo é um principal exemplo que eu pego pra diferenciar

vários autores da Educação Física. (...) aprende mais sobre o jogo, principalmente, o lado científico

do jogo, relacionando com as diversas teorias, com as principais teorias da Educação Física e aliado,

já, ao lado didático. Então, você está seguindo tal teoria, vai ter ênfase nisso, o seu olhar, a direção é

uma, com outro autor é outra e já, então, na prática como que isso, eles, apresentam também, aula

prática. O jogo baseado naquele autor e como que seria pra entender do autor e como que é na

prática, então, uma aula desse jeito, custo-benefício, o que é bom o que não é.”

“Eu não necessariamente defendo uma das correntes. Eu tenho respeito, acho que tem espaço pra

todo mundo (...). A questão é você defender uma coisa, apoiar um autor que não defende o que você

quer e achar que está sendo embasado. Eu prefiro deixar mais pro final (...). E esse é o meu foco, esse

é o principal, que o aluno entenda com que, o que o autor realmente quer dizer, a teoria quer dizer e

se ele está aplicando a teoria. (...) Esse exercício para mim é mais importante, do que eu defender a

minha postura profissional que eu tenho na escola. Mas eles perguntam. Isso é inevitável. (...) Eu

prefiro deixar mais pro final, pra não, até pra não levar pro lado de, ah, ela me avaliou assim, porque

ela pensa daquele jeito. Não, então (...) desde o começo eu falo pra eles que o objetivo que eu tenho,

vocês são avaliados pelo que vocês entenderam daquela teoria e aplicaram e eu estou aqui pra ajudar

nisso.”

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“Eu gosto da crítico-superadora, do Coletivo de Autores, tem a ver com cidadania (...) tem um pouco

de embasamento do marxismo, nos movimentos sociais (...) valoriza a construção, histórica, trata do

presente, se perceba e veja o que você está indo atrás, seja crítico. (...) É uma oportunidade de

trabalhar a cidadania, valores sociais, diminuir a violência, ensinar a compartilhar, que são regras

que a criança vai levar, regras da nossa sociedade e que a criança vai exercer em todo o decorrer da

vida.”

“(...) o jogo (na perspectiva crítico-superadora) é só o começo desse exercício e esse exercício de

ceder e de, às vezes, perder e de não ter o que queria o que almejava, da frustração, da alegria, de

descobrir o prazer de ajudar o outro. Então, vai construindo personalidade, mas principalmente, o

cidadão, esse ir e vir, saber que tem direitos e deveres, saber o dever de cumprir a regra senão ele

não está dentro do jogo.”

Neste núcleo, a professora Joana evidencia a preocupação em relacionar o jogo com as

várias teorias da Educação Física. Para ela o importante é que o aluno aprenda “O jogo

baseado naquele autor (...) e como que é na prática (...) uma aula desse jeito (...) o que é bom

o que não é.”.

A professora Joana relata que trabalha com o jogo no ensino superior na disciplina de

Didática e de Lazer, mas afirma “Eu não, necessariamente, defendo uma das correntes”. E

justifica: “Eu tenho respeito, acho que tem espaço pra todo mundo (...)”, completando que o

importante é avaliar se “(...) vocês entenderam daquela teoria e aplicaram e eu estou aqui pra

ajudar nisso. (...) do que eu defender a minha postura profissional que eu tenho na escola

(...).”.

Apesar de a professora alegar que não defende nenhuma teoria da Educação Física no

seu trabalho com o jogo no ensino superior, relata “(...) eles perguntam. Isso é inevitável. Eu

prefiro deixar mais pro final (...) até pra não levar pro lado de, ah, ela me avaliou assim,

porque ela pensa daquele jeito.”. Nesse sentido, Joana afirma gostar da crítico-superadora, do

Coletivo de Autores: “É uma oportunidade de trabalhar a cidadania, valores sociais,

diminuir a violência, ensinar a compartilhar, que são regras da nossa sociedade e que a

criança vai exercer em todo o decorrer da vida.”. Especificamente, sobre o trabalho com o

jogo dentro desta perspectiva, a professora destaca: “(...) o jogo é só o começo desse exercício

(...) esse ir e vir, saber que tem direitos e deveres, saber o dever de cumprir a regra, senão

ele não está dentro do jogo.”.

Joana afirma seguir os princípios da perspectiva crítico-superadora em suas aulas de

Educação Física escolar nas primeiras séries do Ensino Fundamental da rede estadual pública

paulista e em contrapartida prefere não defendê-la no seu trabalho com o ensino superior.

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Além disso, no questionário, critica a falta de aprofundamento sobre o jogo nos cursos de

graduação.

Núcleo VI. Eu aderi às competências do Ler e Escrever.

Este núcleo agrupa os trechos da fala do sujeito que evidenciam questões relacionadas

ao jogo e à proposta da Secretaria do Estado da Educação. São eles:

“Eu penso nas competências, nas competências do Ler e Escrever. O Ler e Escrever, ele vem com

jogos no final da folha, no final do livro ele vem com jogos. (...) eu me aderi a isso, então, eu juntei as

competências que cabe a Educação Física pra eu desenvolver, então que são pertinentes ao currículo,

junto com esses princípios que eu tenho de Saúde Coletiva. (...) as competências da DCN lá de 97.”

“(...)a proposta da Educação Física do estado, que é legal, na hora de implementar é isso que você

está vendo [mostra o pátio com materiais da reforma onde, normalmente, ministra suas aulas] e, às

vezes, dividir o pátio com essas coisas, era fazer roda, improviso total, assim, dois anos de improviso.

Eu quero fazer tal coisa, nossa, mais está muito alto [refere-se ao barulho da máquina de cimento],

eles não estão me escutando (...)”

“Eu acho legal a proposta, mas é difícil. Eu acho que é delicadíssimo, porque como ele, apesar das

regras serem universais (...) eles não se sentem iguais. (...) vou dar um exemplo, (...) eu passei o Circo

de Soleil. (...) Então, pra eles entenderem que (...) não é uma ginástica competitiva (...) mas que ela é

tão de alta qualidade quanto a competitiva (...) tem muito técnica, mas ainda tem um teatro, tem uma

história (...) Quando eles assistiram o vídeo do Circo de Soleil, ah, eles falaram, eu não acredito

nisso. (...) Isso é efeito especial. (...) eu tenho certeza, que aqui na sala tem gente que consegue virar

um mortal e ele conseguiu virar um mortal, eu tenho certeza que ninguém ensinou não, ele foi

tentando. Se ele tiver um professor tão bom quantos os que tem lá no Circo de Soleil, ele vai fazer até

mais bonito do que isso. (...). Então, vamos fazer os exercícios (...) mostrar que é possível (...). Mas,

tinha um sentimento muito grande de baixa-estima, ah, eu estou vendo esse povo fazendo sucesso,

ganha bem e, então, era uns outros problemas, de outras áreas se refletindo na minha e no conceito

que ele tem de ginástica. (...) eu adoro vivenciar os elementos da Educação Física. Tem os que eu

mais gosto, mas eu vivencio todos. (...) Aqui é dever de vocês vivenciarem. Aí ele foi abaixando a bola

(...) deve estar achando ainda que é efeito especial, mas se sentiu, não, que ele consegue fazer, que

tem os seus limites. Você não vai ser nota 10 em Educação Física se você não fizer um mortal com

carpado ou uma pirueta, mas você tem que dominar algumas coisas, expressar.”

“Então, pra eles entenderem que não é, que o Circo de Soleil não é uma ginástica competitiva, mas

como era necessário a postura, o visualizar disso e que muitos ginastas trabalham, hoje em dia, no

Circo de Soleil, porque a vida de atleta, ela é uma vida muito curta, é uma vida profissional muito

curta. Você deve realmente colher os seus louros rápido, mas você tem o exemplo daquele tenista o

Guga e tal.”

Neste núcleo, é possível notar que a professora Joana segue as competências do

programa Ler e Escrever. Segundo a professora “(...) eu me aderi a isso, (...) juntei as

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competências que cabe a Educação Física pra eu desenvolver, então, que são pertinentes ao

currículo, junto com esses princípios que eu tenho de Saúde Coletiva.”.

A professora relata “Eu acho legal a proposta (...)”, mas considera ser difícil trabalhar

com ela, porque “(...) na hora de implementar, é isso que você está vendo (...) e às vezes,

dividir pátio com essas coisas (...) improviso total (...)”.

Quanto ao trabalho com o jogo nas primeiras séries do ensino fundamental da rede

estadual pública paulista, a professora afirma que trabalha com os jogos do programa do Ler e

Escrever e que levou para os alunos um vídeo do Circo de Soleil para “ampliar o repertório

artístico” dos alunos e para eles “entenderem que (...) não é uma ginástica competitiva (...)

mas que ela é tão de alta qualidade quanto a competitiva (...) tem muito técnica, mas, ainda,

tem um teatro, tem uma história (...)”. No entanto, destaca “Quando eles assistiram o vídeo

do Circo de Soleil, ah, eles falaram, eu não acredito nisso. (...) Isso é efeito especial.”. Joana

ainda afirma que, mesmo explicando que “(...) na sala tem gente que consegue virar um

mortal (...) eu tenho certeza que ninguém ensinou não, ele foi tentando. Se ele tiver um

professor tão bom quanto os que têm lá no Circo de Soleil, ele vai fazer até mais bonito do

que isso.”, as crianças continuaram pensando que “é efeito especial”. Joana justifica a

descrença das crianças afirmando que “tinha um sentimento muito grande de baixo-estima

(...) que ele consegue fazer, que tem os seus limites”.

É interessante ressaltar que apesare a professora ter levado o vídeo do Circo de Soleil

para as crianças com o objetivo de ampliar-lhes o repertório artístico, também utilizou o vídeo

para demonstrar que a ginástica competitiva, além da técnica, tem outras coisas importantes

de serem vistas, como, por exemplo, a força de vontade. “Você não vai ser nota 10 em

Educação Física se você não fizer um mortal com carpado ou uma pirueta, mas você tem que

dominar algumas coisas, expressar.”

Ao relatar um sentimento de baixa-estima dos alunos, a professora supõe que os

alunos se sentiram inferiores quanto aos movimentos executados pelos integrantes do Circo

de Soleil.

Por fim, a professora revela: “Eu adoro o Circo de Soleil.” e afirma que considera

importante que os alunos entendam “a postura, o visualizar disso (...) porque a vida de atleta,

ela é uma vida muito curta, é uma vida profissional muito curta. Você deve realmente colher

os louros rápido, mas você tem o exemplo do, daquele tenista o Guga e tal.”

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Síntese – Professora Joana

A fala da professora Joana revela, ao mesmo tempo, como o trabalho com o jogo é

constituído socialmente e como o trabalho com o jogo é constituído por ela, revelando a

subjetividade e a história de vida da professora.

Os núcleos de significação nos permitiram aproximar dos sentidos constituídos pela

professora Joana. No núcleo sobre a escolha profissional, é possível notar a falta de um

projeto para atuar na Educação Física escolar. Ela justifica que escolheu ser professora de

Educação Física por “sorte”, porque a “(...) profissão foi dando frutos, os frutos foram

aparecendo e eu fui colhendo e até hoje está assim (...)”. No entanto, é necessário analisar as

questões que levaram a professora Joana pela não-escolha profissional.

Joana relata que foi selecionada para trabalhar com Educação Física numa creche da

Unicamp por “(...) gostar de dar aula e eu dava aula, assim, na igreja, de catecismo, de

crisma, então, eu gostava de ensinar (...)”. E, em outro momento da fala, completa: “facilitou

muito isso na minha seleção, a minha adolescência, de eu gostar de fazer trabalho

comunitário, ajudar na igreja, participar de time de vôlei (...) campeonato. (...) eu tenho um

esquema de estar sempre em grupo, saber liderar (...)”.

A professora Joana terminou o curso de bacharel em Educação Física em 2000 e

devido a sua experiência na cidade de Francisco Morato voltou para cursar a licenciatura e o

mestrado em Saúde Coletiva. Graduou-se em licenciatura em 2005 e defendeu sua dissertação

em 2006. Afirma que tinha outra visão de corpo quando formou-se bacharel, mas com a

licenciatura e com o curso de mestrado almejava trabalhar com comunidades carentes e viu na

escola pública a possibilidade de desenvolver esse trabalho. Para a professora Joana, trabalhar

com Saúde Coletiva na escola é quando o professor de Educação Física vai “(...) lidar com

condições diferenciadas de violência, de vida dos alunos (...)”. Segundo a professora, Saúde

Coletiva “(...) vem de um pressuposto marxista, de movimentos de classes sociais, buscas de

direitos. (...) é uma abordagem diferenciada de saúde, que não é aquela ligada só ligada à

aptidão física (...) ”. Além disso, Joana afirma “(...) saúde coletiva trata disso, as

dificuldades populacionais de condições de vida. E em que remete a Educação Física, né?

Não é só o biológico, também as brincadeiras, o quanto a formação, saber se expressar na

Educação Física.”.

O fato é que Joana ressignificou sua concepção de corpo, de movimento, de jogo e de

Educação Física escolar, ao longo de sua trajetória profissional; sua não-escolha pela

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Educação Física escolar não foi por “sorte”, houve um processo histórico constituído, até

chegar a atuar como professora de Educação Física escolar.

Joana, também alega que começou a trabalhar com Educação Física escolar durante

sua graduação, porque precisava trabalhar para se sustentar em Campinas. Aproveitou a

oportunidade que o PRODECAD oferecia para alunos da Unicamp e inscreveu-se no

programa. Nesse sentido, concordamos novamente com os estudos de Marx, que ressalta ser

inconcebível um trabalho humano não-intencional, não-consciente e sem um objetivo a

priori.

Joana ainda afirma que mesmo que no começo não tenha sido bem pensada sua

escolha pela Educação Física escolar, decidiu trabalhar na área, assumir o cargo na rede

estadual pública paulista e depois, de um ano, escolheu São José dos Campos para trabalhar e

morar, conciliando vida, família e trabalho, tanto com crianças como na formação de

professores de Educação Física no ensino superior.

É interessante notar que, ao mesmo tempo, Joana considera sua escolha profissional

“sorte”, naturalizando a condição de ser professora de Educação Física escolar e reconhece a

historicidade constituída na área.

Dentre as mudanças na função do jogo na Educação Física, expressas por Joana, vale

destacar as questões que envolvem a saúde ligada à aptidão física; a Saúde Coletiva ligada à

qualidade de vida e à construção de cidadania e a Educação Física ligada ao Programa Ler e

Escrever implementado pela Secretaria da Educação. A professora relata que, quando

terminou o bacharel em Educação Física, tinha outra visão de corpo, queria trabalhar na área

da saúde e justifica: “(...) quero entender essa coisa da autoimagem que tanto o pessoal quer

emagrecer, não está se desenvolvendo fisicamente, ficando forte (...)”. Segundo ela, sua

preocupação era melhorar as condições de vida das comunidades carentes e cita um exemplo

da experiência obtida na cidade de Francisco Morato junto ao PSF – Programa de Saúde da

Família, implementado pelo governo Serra: “(...) a maioria é dona de casa, trabalha o dia

inteiro com pé na rua, sobe, desce morro (...). Você vai falar pra uma pessoa fazer meia hora

dessa atividade física, não é o que vai mudar, ela precisa fazer exercício de força, exercícios

localizados, de resistência, muscular.”.

Ao afirmar que a Educação Física dentro do PSF era fazer a avaliação física e orientar

a comunidade carente, com condições de vida precárias, com Atividade Física adequada,

Joana revela a preocupação com a aptidão física e com o desenvolvimento das capacidades

físicas. No entanto, este programa é ligado ao Centro de Saúde e o jogo parece não merecer

um lugar de destaque nesse programa, nem ao menos é mencionado por ela. Já na escola, a

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professora revela uma preocupação com a violência, com padrões de beleza estereotipados,

com inclusão social, com preconceito, enfim, com valores e com a construção da cidadania

associados aos princípios da Saúde Coletiva desenvolvido num Centro de Saúde, com uma

equipe multidisciplinar. É possível notar um avanço no trabalho com Saúde Coletiva quando a

professora traz esses princípios para dentro da escola. “Não é só o biológico, também as

brincadeiras, o quanto a formação, saber se expressar na Educação Física”.

Atualmente, Joana evidencia o que considera ser a função do jogo na escola associada

a sua perspectiva de Saúde Coletiva: “os jogos são pra dividir, compartilhar, todo mundo

apresenta”, “trabalhar com inclusão social, diminuir a violência, aumentar a autoestima de

querer aprender, de exercitar”, “você tem direitos e deveres”. Cabe ressaltar que, ao

terminar o bacharel em Educação Física, a professora tinha outra visão de corpo e isso afeta

na forma de pensar o jogo na Educação Física escolar e destaca sua preocupação com as

capacidades físicas (resistência, força, coordenação motora, velocidade e flexibilidade); em

seguida, com o curso de licenciatura e o mestrado em Saúde Coletiva, afirma que o jogo

envolve direitos e deveres, construção da cidadania, trabalha o autoconhecimento corporal, a

não-violência, a inclusão social e a participação de todos. No entanto, quando questionada

sobre seu trabalho com o jogo no ciclo I, contraditoriamente, expressa: “Eu penso nas

competências do Ler e Escrever. (...) no final do livro ele vem com jogos. (...) o objetivo de eu

levar o vídeo [Circo de Soleil], objetivo artístico, é, mostrar, então, a ginástica não-

competitiva, mas que ela é tão de alta qualidade quanto a competitiva, os elementos de

cenário, porque na competição o cenário não conta muito, conta a roupa da menina, que

nem, no masculino, uma roupa básica branca, com o símbolo da bandeira do país e vai, que

vale é a técnica. Ali não, tem muita técnica, mas ainda tem um teatro, tem uma história, olha,

eles estão imitando larvas, eles estão imitando larvas, a roupa tem listas, porque tem listas?

Ah, porque parece que está se movimentando mais, oh, que sacada, que bom, dá ilusão,

então, tem ilusão, olha como fazer de conta está na ginástica, é bonito e faz ficar mais legal,

... é isso, ampliar esse repertório artístico (...)”.

É possível afirmar que a professora Joana segue os jogos do programa Ler e Escrever

e, apesar de não considerar a leitura e a escrita como única linguagem, cita como objetivo

ampliar o repertório artístico, ao levar o vídeo do Circo de Soleil aos alunos, mas o reduz à

técnica, equivalendo, assim, a ginástica competitiva à ginástica não-competitiva.

Ainda, sobre o competitivo, especificamente sobre o jogo competitivo e o jogo

cooperativo, a professora afirma que “(...) o adversário é o que vai fazer você analisar a

tática.”, reduzindo o adversário a “ajudá-lo a fazer ponto ou não... saber qual a estratégia do

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outro”. Para Joana, o professor de Educação Física escolar deve promover jogos em que os

alunos têm que estudar as estratégias. A professora cita um exemplo do jogo de ping-pong de

garrafa: “vocês têm um espaço limitado, você vai deixar a bola difícil pra eles? (...) você tem

que ser mais fraco e jogar uma bolinha fraca, uma bolinha forte (...)”. Em outro momento da

fala, Joana cita um exemplo de jogo competitivo realizado em sua prática pedagógica, o jogo

de estafetas e completa “a competição de estafetas... é bem mais tranquilo... eles aprendem

com o adversário, é mais dinâmico... quem é bom vai aparecer mesmo, quem realmente tem

habilidade... aquele que parece ter menos, uma hora consegue e todo mundo aplaude.”.

Esses exemplos de jogos realizados por Joana vão ao encontro dos postulados por Stumpf

(2000), que aponta ausência de intencionalidade pedagógica e sistematizada no que se refere

ao trabalho com o jogo competitivo (a competição): embora as professoras que atuam nas

primeiras séries do Ensino Fundamental tenham uma visão crítica da realidade, não

demonstram em sua prática pedagógica caminhos diferentes de vivenciar o jogo em outra

dimensão. Cabe ressaltar que, além da entrevista, Stumpf (2000) utilizou como instrumento

de coleta de dados a observação da prática pedagógica com o jogo das professoras de

Educação Física escolar que atuam nas primeiras séries do Ensino Fundamental e a análise

dos documentos técnico-pedagógicos e não, somente, analisou as falas das professoras,

conforme realizado em nosso estudo.

O fato é que Joana revela mais do que a dicotomia entre cooperar/competir; traz em

seu sentido subjetivo contradição entre jogo cooperativo/ jogo competitivo, ao considerar a

tática, a técnica, as habilidades físicas e a dimensão competitiva nos jogos. Segundo ela, por

exemplo, nos jogos pré-desportivos “(...) eles competem sim, tem um pouco de frustração

(...)”. Esses dados vão ao encontrado do ressaltado por Stumpf (2000): os jogos pré-

desportivos realizados nas aulas das professoras de Educação Física escolar com o objetivo de

preparar para iniciação ao esporte apresentam características do esporte propriamente dito. O

cooperar/competir está e esteve sempre presente nas discussões acadêmicas e documentos

oficiais referentes à Educação Física escolar, além de ser considerado conceito fundamental

nos cursos de formação. Esse fato não passa despercebido por Joana, que ao responder o

questionário expressa no final da folha: “O tema da sua pesquisa tem muito a ser explorado,

principalmente, porque durante a graduação são poucas oportunidades para aprofundar e os

professores da rede não têm formação continuada.”.

É possível afirmar que a professora vive um momento no qual busca ressignificar,

tanto os resultados que se espera do jogo competitivo/jogo não-competitivo, como sua prática

pedagógica no trabalho com o jogo intencional, sistematizada para esse nível de ensino. O

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adversário no jogo cooperativo ou competitivo, ao mesmo tempo em que é aquele que faz

analisar a tática, desenvolver as habilidades, competir gerando frustração (portanto,

impossível de ser dissociado das características do jogo competitivo), também trabalha a

construção da cidadania, os valores sociais, o autoconhecimento, a diminuição da violência e

ensina a compartilhar. Por tudo isso, é considerado por ela diferente do esporte competitivo.

Para diferenciar o jogo competitivo do esporte competitivo, Joana utiliza o seguinte recurso:

“Você não vai já fazer a melhor técnica e ser um campeão exemplar, você vai se lapidar para

virar um ótimo atleta e pra isso vem a experiência de jogos”. O jogo pré-desportivo utilizado

por Joana, ao mesmo tempo em que é reduzido à preparação para os esportes e considerado

melhor para a criança de 3ª e 4ª séries, é um patrimônio cultural da humanidade, acompanha o

processo de humanização, pois foi construído pela sociedade e se transforma ao longo dos

anos.

É possível notar o esforço da professora, no sentido de reverter o significado

socialmente constituído do jogo competitivo, quando afirma: “Eu não vejo muita maldade ou

coisa ruim no jogo competitivo não. Eu acho que a questão é o esporte mesmo.”.

A professora Joana explicita que a função do trabalho com o jogo nas escolas carentes

é trabalhar “conceito de saúde e anorexia, bulimia, principalmente força (...)”, e justifica:

“esse conceito do ser forte e sarado, do não envelhecer, eles estão incorporando muito isso,

já, desde pequeno e do corpo, esse modelo de corpo imposto (...).”. Em outra fala, ela relata

que: “aqui na sala tem gente que consegue virar um mortal (...) eu tenho certeza que ninguém

ensinou não, ele foi tentando. Se ele tiver um professor tão bom quantos os que têm lá no

Circo de Soleil, ele vai fazer até mais bonito do que isso.”. Cabe questionar se Joana atribui

às mudanças de concepção de saúde, de força, de competição e de corpo na Educação Física

escolar, por meio dos jogos, a fatores sócio-culturais ou se considera estes conceitos inerentes

à natureza do ser humano.

Conforme discutido por Stumpf (2000), principalmente sobre a competição, os valores

do cotidiano são transferidos para as aulas de Educação Física na medida em que os

professores entendem a competição desvinculada das contradições da realidade social.

Nesse sentido, podemos afirmar que os valores da ideologia neoliberal, tais como

competição, individualismo, técnica, tática e municipalização afetam a constituição dos

sentidos e significados dos professores de Educação Física que trabalham com o jogo nas

primeiras séries do Ensino Fundamental, principalmente, da professora Joana.

Para Joana, os professores de outras áreas e a equipe gestora gostam do trabalho que

ela desenvolve com o jogo pelo fato de ela manter seus alunos todos juntos. A entrevistada

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afirma que na escola anterior eles queriam “uma atividade de mais força, correr” e que tinham

uma visão biologizada ou de esportes competitivos. Na escola atual, eles têm a mesma visão,

pois encaram a Educação Física como prática de esportes competitivos. Essa visão também

aparece na pesquisa de Figueiredo et. al. (2008), na qual as professoras e a equipe gestora

confundem Educação Física com Esporte e alegam que isso mantém os alunos ocupados. Ou

seja, a opinião dos professores de outras áreas e da equipe gestora sobre o trabalho com o jogo

constitui o significado socialmente compartilhado sobre ele e afeta o sentido subjetivo do

professor de Educação Física no trabalho com o jogo. .

De qualquer forma, como seria de esperar, as professoras das outras áreas e a equipe

gestora não conhecem a proposta de trabalho com o jogo da Educação Física escolar para as

séries iniciais do Ensino Fundamental e esse falta de entendimento contribui para a

desvalorização do trabalho com o jogo para esse nível de ensino. Joana relata que não há

apoio ou interferência por parte das professoras e da equipe gestora com as quais trabalha na

escola. Apesar de expressar insatisfação pelo fato de as professoras e equipe gestora não

conhecerem sua proposta, ela afirma que a explicita, justificando sua importância com base

nos referencias dos PCN e esclarece que se não há apoio, também não há interferência, apenas

consentimento. A professora acredita que o seu trabalho com o jogo será valorizado se as

professoras de outras áreas, a equipe gestora e os alunos conhecerem sua proposta. Ela ainda

expressa que o fato de ter estudado e querer o melhor para seus alunos justifica os alunos

valorizarem o trabalho com o jogo realizado por ela. Afirma: “falta isso, espaço de

conversar, pra contar a proposta. (...) dando mais valor mesmo ao trabalho do professor. (...)

nas minhas palavras eu sempre quero que eles incentivem esse trabalho, valorize porque que

é bom (...)”.

Apesar de aparecerem na fala de Joana três questões relacionadas às condições de seu

trabalho com o jogo, dentre elas, falta de entendimento da proposta, falta de estruturafísica e

dificuldade de participação de todos no trabalho com o jogo, há indícios suficientes para

acreditarmos que a falta de entendimento da proposta no trabalho com o jogo é o fator mais

evidente considerado por ela como valorização/desvalorização. Joana está ingressando no seu

segundo cargo e leciona no ensino superior; sabe que a opinião das professoras, alunos e

equipe gestora sobre o entendimento da sua proposta de trabalho com o jogo é permeada de

desvalorização social. Reúne em sua fala frases que nos indicam isso. São elas: “mas essas

crianças precisam de uma atividade de mais força, correr.”; “Nossa, os seus alunos são

juntos!”; “Educação Física é pra eles praticarem esportes”; “Educação Física é pra eles

saírem e ela está dentro.”.

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Conclusão

Conforme já esclarecido, o objetivo deste estudo foi compreender as significações

constituídas pelos professores de Educação Física escolar sobre o trabalho que realizam com

o jogo nas primeiras séries do ensino fundamental da Diretoria de Ensino da região de São

José dos Campos/SP. Nesse sentido, os 36 sujeitos da pesquisa permitiram acesso às

significações e quatro desses sujeitos, Júlio César, Isabel, Augusto e Joana, permitiram-nos

uma aproximação dos sentidos subjetivos, compondo um conjunto de informações que dá

visibilidade à dimensão subjetiva do trabalho com o jogo na EF escolar.

Conforme será discutido a seguir, é possível destacar, a título de conclusão, três

questões: a função do trabalho com o jogo nas primeiras séries do ensino fundamental, a

forma como os professores de outras áreas e a equipe gestora encaram o trabalho com o jogo

nesse nível de ensino e as dificuldades e condições de trabalho com o jogo.

I. A função do trabalho com o jogo

No início deste estudo, apresentamos o conceito de jogo na história e discutimos

questões sobre sua função; apresentamos também as significações de jogo nas produções

científicas da área e as concepções de jogo na Educação Física escolar a partir de seu

ordenamento legal. Ao darmos visibilidade às significações do trabalho com o jogo na

realidade objetiva, buscamos compreender os sentidos subjetivos do trabalho com o jogo

pelos professores.

Foi possível notar que, para os professores de Educação Física escolar entrevistados, a

função do trabalho com o jogo se encontra diante da tensão de cooperar/competir. O professor

Júlio César, por exemplo, afirma que o jogo cooperativo tem suas limitações, porque na vida

não existem somente situações cooperativas, há necessidade de se trabalhar a exclusão; já,

Isabel, que trabalha com o jogo cooperativo para que os alunos se ajudem mutuamente,

evidencia que trabalha jogo competitivo porque ele estimula e porque todo mundo gosta de

competição. O professor Augusto trabalha com o jogo semicooperativo, no qual o cooperar e

o competir estão juntos numa única atividade. Joana não vê “nenhuma maldade” ou “coisa

ruim” no jogo competitivo, pois tanto no jogo cooperativo como no jogo competitivo o

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234

adversário ajuda no desenvolvimento das habilidades, na análise da técnica e na “construção

da cidadania”; portanto, para a entrevistada, jogar é impossível de ser dissociado do competir.

Assim, é possível afirmar que há mais do que uma dicotomia entre o

cooperar/competir; entretanto, existe uma contradição que demonstra que os professores

vivem um momento de ressignificação desse conceito em seu trabalho com o jogo para as

primeiras séries do ensino fundamental.

O competir incentivado pelos professores de Educação Física escolar é um recurso

utilizado com o objetivo de desenvolver a cidadania, no entanto, na verdade, competir

desenvolve as habilidades, a técnica e a tática, características do esporte propriamente dito. Os

professores evidenciam em suas falas que competir possibilita a cooperação, porém não

apresentam uma intencionalidade pedagógica quando citam exemplos de trabalho com jogos

competitivos vivenciados em suas práticas pedagógicas e estratégias para desenvolver a

socialização, o respeito mútuo e a participação de todos, evitando a exclusão e o sentimento

de desânimo dos alunos. Além disso, o prazer proporcionado pelo jogo é um objetivo a ser

alcançado em suas aulas, que, todavia, vincula-se ao tipo de proposta e à maneira como os

professores organizam o jogo, no sentido competitivo, de um contra o outro, o que evidencia

o objetivo no resultado e não no processo do jogo.

De acordo com os pressupostos da perspectiva da psicologia sócio-histórica, a

participação, o respeito mútuo, a solidariedade e a socialização, dentre outros valores

essenciais à formação humana, são constituídos por meio das relações entre as pessoas; não

acontecem espontaneamente, havendo necessidade da intervenção pedagógica objetiva,

intencional e consciente.

Nesse sentido, o trabalho com o jogo na Educação Física escolar propicia aos alunos

desde o prazer em chutar uma bola até o desprazer diante de um resultado de um jogo

(VIOTTO FILHO, 2009). No entanto, a intervenção pedagógica com objetivos

sistematicamente claros e definidos é fundamental para a construção de valores sociais

desejados. Para tal, torna-se necessário criar condições concretas para que as necessidades

humanas sejam atendidas em decorrência do trabalho com o jogo, a fim de que se efetive o

processo, denominado de humanização, tanto do homem quanto da sociedade, e para que o

competir necessariamente configure-se na formação de um cidadão reflexivo e critico da sua

realidade. Este processo não está dado, precisa ser desenvolvido. Notamos que essa ideia de

trabalho com o jogo numa perspectiva crítica da realidade encontra-se distante dos sentidos

subjetivos constituídos pelos professores de educação física escolar. Inclusive, é possível

notar a ausência de finalidade intencional e sistematizada na prática pedagógica no trabalho

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com o jogo no que se refere ao competir/cooperar. Nota-se que a tensão entre

competir/cooperar dificulta significar o trabalho com o jogo numa dimensão diferente do

significado socialmente constituído, que privilegia o individualismo, a exclusão, a

discriminação e o preconceito; em que o trabalho com o jogo perde seu sentido educativo de

humanização e de conhecimento crítico da nossa realidade.

Nota-se, ainda, que ao mesmo tempo em que os professores esforçam-se para

ressignificar o cooperar como parte de um projeto educacional, considerando valores além da

técnica e da tática, essa ideia arraigada, por muito tempo, na área da Educação Física escolar,

dificulta significá-lo numa dimensão humana e de reflexão crítica da realidade.

Ao analisar as falas dos professores, é possível notar o sentimento de desvalorização

do trabalho que desenvolvem com o jogo, quando ele é direcionado para cooperar, sem levar

em consideração a técnica e a tática. Júlio César, por exemplo, evidencia que se sente

desvalorizado, principalmente na escola da rede estadual em que atua com as primeiras séries

do ensino fundamental; lá desenvolve o trabalho com o jogo quando trabalha com o futebol,

permitindo que os alunos joguem somente na aula livre e no recreio, no entanto, em suas aulas

trabalha com o futebol americano e suas variações. Alega que os pais dos alunos reclamam e

pedem que ele desenvolva o futebol em suas aulas, assim como destaca que os alunos sempre

pedem para jogar futebol. O questionamento que se faz é: será que na aula de Educação Física

escolar não é pra jogar futebol? Segundo a fala do professor Júlio César, futebol é cultural e

as pessoas “jogam do mesmo jeito” em qualquer lugar. No entanto, afirma gostar de jogar

futebol. Já Isabel afirma, enfaticamente, não gostar de jogar futebol e nem de desenvolvê-lo

em suas aulas de ciclo I. Alega que os alunos já têm esse conhecimento sobre o futebol

construído e, portanto, não há necessidade de desenvolvê-lo em suas aulas de Educação Física

escolar. Isabel esclarece que preferem ensinar outros jogos. Assim como Júlio César, Isabel

aborda que futebol é cultural, inclusive que faz parte da cultura do bairro e que a cultura do

Brasil é futebol. Só permite que o futebol seja jogado em sua aula se for num esquema de

“troca”, a cada três aulas “normais” uma aula pode ser de futebol. Outras vezes ela permite

que os alunos joguem futebol somente depois dos fundamentos de qualquer outro esporte, que

não seja o futebol. Destaca, ainda, que os alunos só jogam futebol quando eles jogam

sozinhos. É possível notar que Isabel percebe uma desvalorização pelo trabalho com o jogo

quando é enfatizado o futebol, principalmente porque não se ensina os fundamentos, joga-se

por jogar, não há o que ensinar para eles, uma vez que eles já sabem as regras e como jogar.

Apesar de alegar trabalhar o corpo e buscar a diversão, a professora passa a ideia de que o

futebol só tem valor se for praticado poucas vezes; uma vez que os alunos aprendem futebol

Page 237: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

236

na rua e na escola ela não vê sentido de desenvolvê-lo. Augusto, assim como Isabel, assume

não gostar de jogar futebol e não o desenvolve em suas aulas. Destaca que raramente, um dia

ou outro, permite que os alunos joguem. Evidencia, também, que os alunos gostam e pedem

para jogar futebol e afirma: “o Brasil é o país do futebol”, mas acredita na ideia de que “um

dia ele vai ser um país de todos os esportes”. Novamente, assim como Isabel, o professor

Augusto relata que o futebol os alunos jogam fora da escola e que dentro da escola “ensina

outras coisas que o aluno não vai ter acesso”. Por fim, Joana afirma que não se satisfaz com o

fato de que o aluno está jogando, divertindo-se, correndo e exercitando; diferentemente disso,

trabalha objetivando o compartilhar, o dividir, a participação de todos nas decisões (regras,

por exemplo). Afirma também que é preciso distanciar das atividades agressivas, porque

quando a criança entra no lúdico, ela é ela mesma. Destaca que trabalha com os jogos pré-

desportivos nas primeiras séries do ensino fundamental da rede estadual, com o objetivo de

ampliar o repertório dos alunos. É possível notar que Joana evita o futebol, na tentativa de

evitar conflitos entre os alunos, mesmo porque acredita que no futebol não são todos os

alunos que participam da atividade. No entanto, desenvolve jogos pré-desportivos com

características de esporte competitivo, embora permita a participação de todos nas decisões,

na mudança das regras (muda o tamanho da bola, o espaço de jogo), continua a manter a

disputa entre as equipes, prevalecendo entre os alunos o vencer e o resultado. Nota-se, ainda,

que Joana evidencia que o futebol pode ser desenvolvido se for bem orientado pelos

professores, especialmente quanto aos valores do referido esporte. Nesse sentido, a professora

parece evitar trabalhar com o futebol em decorrência da polêmica gerada em torno dele,

quando questionados os valores presentes no esporte de rendimento e que de certa forma os

alunos reproduzem ao jogar futebol na escola. É possível notar que Joana, ao destacar que o

futebol é cultural e não acreditando na mudança de seus valores perpetuados, acaba por ter a

ideia naturalizada dos valores postos no futebol, tais como o individualismo e a exclusão.

Para ela, uma vez que as pessoas acreditam não ter como mudar, não cabe a ela, enquanto

professora de Educação Física escolar, desenvolvê-lo em suas aulas. Essa ideia é encontrada

nos quatro sujeitos entrevistados; isto é, o futebol é um jogo considerado por eles como um

jogo competitivo, que pode ser cooperativo. Entretanto, quando se trabalha valores, a

exemplo cooperação, compartilhamento, divisão, participação dos alunos nas decisões, o

futebol pode perder suas características de esporte. Portanto, os professores continuam a

desenvolver a técnica e a tática nos jogos ditos não-esportivos, porque precisam dessas

características para significar socialmente o jogo na escola e para que este tenha o

reconhecimento do seu “status pedagógico”. O fato é que os professores se sentem

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desvalorizados pelo trabalho com o jogo cooperativo e não têm intencionalidade pedagógica

organizada e sistematizada para trabalhar o competir de forma reflexiva e crítica. Reconhecem

o cooperar/competir como função do trabalho com o jogo na Educação Física escolar,

entretanto, buscam sua ressignificação. Inclusive, justificam sua presença com os seguintes

recursos: trabalham com o jogo semicooperativo (cita como exemplos, o Korfball que mistura

elementos do basquete e do handebol, o Tchoukball que mistura elementos do voleibol e do

handebol), em que o competitivo e o cooperativo estão presentes numa única atividade,

trabalham com os jogos pré-desportivos lapidando o aluno para o esporte, trabalham com o

futebol americano, que é uma variação do futebol, mudando as regras no sentido de evitar o

contato-físico, da mesma forma que trabalha com o Dodge Ball, variação da queimada.

A presença do competir pode ser justificada, por exemplo, no observado por Peters

(2000) em sua pesquisa. Segundo ela, apesar de a professora de Educação Física escolar saber

da importância da organização metodológica na organização do seu trabalho, de forma a

promover o agir cooperativo, no momento da execução do jogo evidenciou-se a competição,

em decorrência da forma como a professora encaminhou a organização do jogo, sistema de

disputa, de um contra o outro, com foco no resultado. Por outro lado, é interessante

compreender que a presença da competição no jogo, a tensão entre o competir/cooperar são

significações presentes e constituídas socialmente na nossa sociedade (capitalista) que

privilegia a competição, a vitória do melhor, a concorrência, a naturalização dos valores

postos no jogo (com destaque no futebol), dentre outros. São expressões reproduzidas na

nossa sociedade e que estão presentes em determinadas aulas de Educação Física escolar;

apesar da busca de sua ressignificação, negação, nem sempre seus atores conseguem

transformar seus valores ideológicos e acabam por reproduzi-los em sua prática pedagógica.

Em contrapartida, a ressignificação e a negação podem impulsionar novas ideias e

concepções “[...] se pensarem como ativos, sociais e históricos, responsáveis pelo seu tempo

e pelas condições de vida.” (GONÇALVES e BOCK, 2009, p. 153), em que há possibilidade

de mudança, cuja responsabilidade está no modo como pensamos, agimos e nos posicionamos

frente aos problemas do mundo, ao pensar que este mundo não está pronto e pode ser

modificado, somos co-construtores e podemos reconstruir um mundo mais justo e igualitário

a cada dia.

II. Como os professores de outras áreas e a equipe gestora encaram o trabalho

com o jogo

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Conforme anunciado, a desvalorização do trabalho com o jogo nas aulas de Educação

Física escolar é afetada pela forma como as pessoas pensam sobre o jogo, que

necessariamente está relacionada à forma como ele aparece na escola. Outra questão a ser

destacada é a de que o professor não é o único responsável por essa desvalorização do

trabalho com o jogo na escola.

Os professores entrevistados evidenciam as opiniões das professoras de outras áreas,

da equipe gestora e dos pais sobre o trabalho com o jogo. São opiniões expressas em frases ou

trechos como “Por que você não dá futebol? Meu filho joga futebol tão bem.”, “eles

[coordenadora pedagógica e os professores] pedem para que eu faça com os alunos [jogos do

Ler e Escrever], pros alunos transcreverem as regras, para essa disciplina, pros alunos

melhorarem a disciplina.”, “Professor de Educação Física dá uma bola pros alunos jogarem

e vai ler o jornal.”, “Educação Física é pra eles praticarem esportes”, “Educação Física é

pra eles saírem [ir para quadra] e ela está dentro [da sala].”, “essas crianças precisam de uma

atividade de mais força, correr.”. Concomitantemente a estas opiniões, outras evidenciam

como “a exigência é mais em relação à documentação ... em relação a conteúdo a gente fica

desamparado.”, “ não tem uma participação, uma interferência.”, “Nunca interferiu em

nada. Nunca perguntou nada sobre a aula [a direção].”, “Você terminou seu conteúdo? Falta

alguma coisa? [tipo de interferência feita pela coordenadora]”, “Você fez o jogo e agora você

resolve.”, “se sentem seguros, mas falta entendimento do que é a proposta da Educação

Física”.

É interessante notar nas falas dos professores o sentimento de desvalorização do

trabalho com o jogo, quando os outros professores e a equipe gestora expressam opiniões

sobre a necessidade de trabalhar o futebol em suas aulas e quando eles mostram falta de

entendimento quanto à proposta com o jogo em suas aulas de Educação Física. Outro fato

interessante é que apenas Isabel reconhece que se sente valorizada com o entendimento do seu

trabalho com o jogo pela coordenadora pedagógica, inclusive e também quando desenvolve

trabalho com o jogo com a professora de classe e de artes, dentro da perspectiva da leitura e

escrita, mesmo alegando que “às vezes um ou outro vem perguntar pra mim o que eu faço na

escola”. É possível notar que a professora Joana também desenvolve seu trabalho com o jogo

se valendo dessa mesma perspectiva, ao destacar que trabalha com os jogos do programa Ler

e Escrever. Júlio César expressa a falta de um trabalho direcionado para a área de Educação

Física durante o tempo em que atua na rede e ressalta a prioridade que é dada à leitura e

escrita nas formações em serviço nas primeiras séries do Ensino Fundamental.

Page 240: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

239

Cabe relatar que nossa hipótese, ao pesquisar os sentidos que os professores atribuem

ao seu trabalho com o jogo na Educação Física escolar nas primeiras séries do Ensino

Fundamental da rede estadual pública paulista, foi de que o professor concebe o trabalho a

partir de perspectivas naturalizantes e esta visão tem implicações na sua forma de trabalhar

com o jogo nas aulas. No entanto, apesar dos sentidos expressos pelos professores irem ao

encontro dessa ideia, a visão é reconstituída pelos professores de EF escolar e a forma como

cada um trabalha com o jogo em sua prática pedagógica é constituída de forma única e

particular. Júlio César, que atua numa escola da rede estadual e numa escola da rede

particular, sente-se desvalorizado pelo seu trabalho diferenciado com o jogo desenvolvido na

escola da rede estadual. Isto é, apesar de Júlio César expressar que o trabalho com o jogo

realizado por alguns professores de EF escolar é “nivelado por baixo”, devido à estrutura de

aula desenvolvida por eles (em que evidencia o fazer por fazer, a falta de reflexão crítica, a

organização dos alunos em filas, a ênfase na aprendizagem dos fundamentos dos esportes e a

espera dos alunos enfileirados para realizar o solicitado pelo professor) e alegar a falta

dotrabalho com “jogos mais elaborados” com os alunos, o professor expressa a falta de

reconhecimento dos professores de outras áreas e da equipe gestora: “eu sei por mais que eu

possa muito bem fazer um excelente trabalho bom ou fazer um trabalho nivelado por baixo

que não vai acrescentar muita coisa.”. É interessante ressaltar que atualmente os professores

da rede estadual pública paulista têm seu reconhecimento por meio de “prova de promoção

por merecimento” e não pela importância social do seu trabalho desenvolvido na escola.

Segundo o professor, na escola particular é diferente, “se eu começar a fazer um trabalho que

ficar muito aquém, começa a vir às reclamações, posso ser, principalmente, mandado

embora.”.

Apesar de Isabel não assumir que é desvalorizada no trabalho com o jogo que

desenvolve na rede estadual, evidencia dificuldades na relação com os alunos. Segundo ela,

tem dificuldade de trabalhar com o jogo, principalmente com a 5ª série, quando não pode

acompanhar a turma desde a 1ª série, por não saber o que o professor anterior trabalhou com

os alunos. Da mesma maneira também alega dificuldades quando recebe um aluno

transferido de 1ª ou 2ª séries, quando o professor da outra escola trabalhou com o jogo de

forma diferente: “Porque os meus alunos, eu olho pra eles parece que eles já sabem o que

que é. Dá até dó. Porque eles chegam na quadra já sabem que que tem que fazer, já sabe

tudo, assim, já estão bem regrados. Já tem uma carinha minha.”. Nesse sentido, Júlio César e

Isabel valorizam seu trabalho com o jogo quando expressam que fazem um trabalho diferente

em relação aos outros professores da mesma área. Ainda, sobre o significado social

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constituído sobre o trabalho com o jogo, seja ele atribuído pelos professores de outras áreas e,

principalmente, pelos professores da mesma área, Isabel e Augusto evidenciam o sentimento

de desvalorização quando expressam que, para muitos, o “Professor de Educação Física dá

uma bola pros alunos jogarem e vai ler o jornal.”, ou quando os próprios professores da área

pensam que Educação Física não “tem um objetivo, assim, de chegar na escola, de saber o

respeito... a gente pensa: o que que tá fazendo aqui, por que você não procurou outra

profissão?”. Novamente, passam a valorizar seu trabalho com o jogo quando este não é

desprovido de objetivo, assim como fazem comparações entre o trabalho com o jogo realizado

por eles e pelos outros professores da área. Por fim, segundo os professores, o trabalho com o

jogo é valorizado quando os professores de outras áreas e a equipe gestora valorizam o

competir, principalmente quando o futebol está presente nas aulas. Por outro lado, o competir,

o jogo de futebol por si só, segundo falas dos professores entrevistados, é o que desvaloriza o

trabalho com o jogo nas aulas de Educação Física. O fato é que o jogo, especificamente o

futebol, tanto é motivo de valorização quanto de desvalorização do trabalho com o jogo nas

aulas de Educação Física escolar; é uma relação de trocas: para os quatro professores de

Educação Física escolar, ao mesmo tempo em que o jogo é considerado pelos professores de

outras áreas e pela equipe gestora com as quais atuam um trabalho diferente dos

desenvolvidos pelos outros professores, constitui-se como ausente nas aulas de Educação

Física escolar.

É possível notar que os professores de Educação Física entrevistados consideram a

presença do futebol nas primeiras séries do ensino fundamental como um incômodo,

chegando a evitá-lo ou até mesmo a negá-lo; entretanto, ao mesmo tempo, responsabilizam a

cultura (individual e educacional), o bairro, o Brasil, a mídia e a própria natureza humana

pelas significações constituídas sobre o trabalho com o jogo na Educação Física escolar.

Os professores de outras áreas e a equipe gestora esperam que sereconheça o trabalho

com o jogo dentro de um projeto educacional; no entanto, este processo não está claro nem

para os professores de Educação Física, já que para incluí-lo dentro de um projeto educativo

pautam seu trabalho na competição, na técnica, na tática e nas capacidades físicas. Conforme

mencionado por Oliveira (1997), a história da Educação Física foi constituída pautada por

valores advindos das instituições médica, militar e esportiva, em que o trabalho com o jogo

parece ter seguido os mesmos princípios, assim como os cursos de formação mantém “uma

forte concepção biológica e a sua atenção no „saber fazer‟” (BENITES, SOUZA NETO E

HUNGER, 2008, p. 347). Estas significações estão muito presentes, ainda, no sentido

subjetivo constituído pelos professores de Educação Física e afetam as relações que estes têm

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com os alunos, com os professores de outras áreas, com os pais e com a equipe gestora. No

momento em que a significação da Educação Física teve origem nessas instituições, exige-se

do professor de Educação Física forma “perfeita”, corpos esbeltos, sempre “em forma”,

excelente performance e além disso serem esportistas/atleta (GOMES, 1995). Diante desses

dados, é possível afirmar que a desvalorização do trabalho com o jogo pelos professores de

outros áreas e pela equipe gestora é constituído historicamente.

III. Condições de trabalho com o jogo

Conforme vimos, a valorização social do trabalho com o jogo é entendida como

prática esportiva acrítica, com ênfase na competição. No entanto, as condições adequadas de

trabalho com o jogo, salário e formação também foram evidenciadas, afetando a maneira

como o professor de Educação Física escolar trabalha com o jogo em suas aulas.

Ao levantarmos dados referentes ao trabalho com o jogo pelos professores de

Educação Física escolar, notamos que ele é desvalorizado na rede estadual pública paulista.

Há professores de Educação Física escolar que atuam nas primeiras séries do Ensino

Fundamental da rede estadual pública paulista e não foram formados para atuar com a nova

proposta da Educação Física escolar –somente os professores de Educação Física escolar que

foram classificados no concurso realizado em 2010 é que participaram de curso de formação

específica, denominado de “Curso de Formação Específica do Concurso Público para

Provimento de Cargos de PEB II; maioria dos professores não foi preparada para trabalhar

com a nova proposta. Além disso, o trabalho com o jogo na formação é deficitário. Por fim, o

salário do professor da rede estadual pública paulista é baseado no sistema de bônus, não

existindo um plano de carreira que permita ao professor um salário digno. Diante destes

dados, evidenciamos, nos sentidos constituídos pelos professores de Educação Física escolar,

se e como está configurada esta desvalorização do seu trabalho com o jogo nesse nível de

ensino.

É possível notar que Isabel, que atua na escola pública, revela sentimento de

desvalorização, mesmo sem expressá-lo. A professora destaca a insatisfação com o trabalho

com o jogo desenvolvido por alguns professores e o entendimento de que o trabalho com o

jogo deve ser voltado à leitura e escrita. Augusto, que também atua na escola pública, revela

sentimento de desvalorização quando “Professor de Educação Física dá uma bola pros

alunos jogarem e vai ler o jornal.”. Nesse sentido, ambos, revelam sentimento de

desvalorização, mas não estabelecem relações entre o trabalho com o jogo desenvolvido na

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rede estadual e as condições adequadas de trabalho. Isabel destaca também a dificuldade em

trabalhar com o jogo quando é a primeira vez que vai ensinar o jogo aos alunos, quando estes

não respeitam e mudam as regras do jogo e quando falta cooperação entre eles. Augusto, por

sua vez, destaca a diversidade cultural presente entre os alunos como um dificultador no

desenvolvimento do seu trabalho com o jogo. Isabel, especificamente, relata que, como

professora de Educação Física escola da rede estadual desde 2006, sente-se insatisfeita por

não ter tido um curso de formação para a implementação da proposta. Além disso, evidencia a

falta de formação para desenvolver os conteúdos implementados no currículo do ciclo II. O

fato é que não existe proposta específica implementada pela SEE para as primeiras séries do

Ensino Fundamental e isso é do conhecimento de todos os professores entrevistados. No

entanto, cada um parece adequar seu trabalho com o jogo de uma maneira peculiar e

particular. É possível notar que apenas Augusto considera que seu “Salário é meio...”, sem,

contudo, terminar a frase e reconhecer como fator de desvalorização do seu trabalho.

Júlio César, que acumula cargos na rede pública e na rede privada, expressa que na

rede estadual sente necessidade de uma automotivação para desenvolver seu trabalho com o

jogo; afirma que tanto ele pode realizar um trabalho “nivelado por baixo” ou “nivelado por

cima” que “não vai acrescentar muita coisa”. Joana, que também acumula cargos, atua na rede

pública e na universidade privada, assim como Júlio César, não se refere às dificuldades

apresentadas pelos alunos. Ele alega que o seu trabalho com o jogo no ensino superior

fundamenta o seu trabalho com o jogo na rede estadual com crianças das primeiras séries dos

ensino fundamental e vice-versa, permitindo conciliar os dois com sua vida pessoal;

entretanto, considera o espaço como forte limitador do seu trabalho com o jogo na rede

estadual.

É fundamental enfatizar que os professores entrevistados não reconhecem que o baixo

salário compõe e faz parte da desvalorização do seu trabalho com o jogo na rede estadual

pública paulista, juntamente com as condições físicas e materiais. Este fato vai de encontro ao

alertado por Krug (2008), o “mal-estar docente”, expresso nas limitadas condições de trabalho

e na precária remuneração que afetam a qualidade do trabalho dos professores de Educação

física. Corroborando esta ideia, Gatti (2000) destaca que a desvalorização/valorização social

da área profissional afeta a maneira como o professor estrutura sua carreira, assim como

dificulta que o professor reconheça que sua carreira possa ser bem remunerada. Referindo-se

à Educação física escolar, Krug (2008) questiona: “Vale a pena ser professor de Educação

Física escolar?”. Sobre isso, além da falta de um plano de carreira para os profissionais da

rede estadual publica paulista, nota-se que a Secretaria do Estado da Educação responsabiliza

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os professores pelo fracasso dos alunos, no momento em que promove o aumento do salário,

com base na prova de promoção por mérito e coloca a formação em serviço on line como

avaliadora da “competência técnica” do professor, deixando para segundo plano as discussões

sociais, políticas e econômicas. É possível notar que os professores utilizam a formação

oferecida pela SEE/SP para ressignificar o seu trabalho com o jogo na rede estadual pública

nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a

formação pode significar um novo sentido do cooperar/competir, para eles pode também

tornar o seu trabalho com o jogo mais eficiente, tornando-os competentes e merecedores do

aumento de salário. Este sentimento é expresso por Júlio César ao relatar que os “novos

professores vão entrar muito mais preparados e têm condições de desenvolver um trabalho

muito mais eficiente.”. No entanto, ele mesmo não participou do curso de formação online

oferecido somente aos professores que foram classificados no concurso de 2010. Incomodado

com a falta de preparo, o professor Júlio César afirma: “eu dei a sorte de ter uma formação

muito boa.”.

Para Fernandes (2009), a adesão à proposta e a preocupação com a formação é, para os

professores de Educação Física escolar, um motivo de valorização social da área. Entretanto,

alerta:

os professores mudaram algo quando foram fazer uso da orientação vinda da SEE-

SP/CENP. (....) o modo como todos os professores entrevistados estabeleceram

relação com a proposta não foi o de meros executores e reprodutores, já que a

aplicação não se deu de maneira mecânica e esquemática. Mesmo cada um

alegando os seus motivos, todos os professores mudaram alguma coisa

(FERNANDES, 2009, p. 119).

Por fim, é possível notara desvalorização expressa nas dificuldades e condições de

trabalho, tais como falta de material, grande quantidade de alunos em sala, dificuldades

apresentadas pelos alunos, baixo salário, falta de entendimento da proposta da Educação

Física escolar, dentre outros aspectos apontados por esta pesquisa. A reflexão crítica da

realidade encontra-se ausente nos sentidos constituídos pelos professores no trabalho com o

jogo. Os maiores incômodos dos professores de Educação Física encontram-se centrados no

objetivo a ser alcançado no trabalho com o jogo e no como fazer para alcançar este objetivo.

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244

Considerações finais

Só os homens podem destruir o que eles mesmos criaram para abrir caminho

a uma nova criação. Só eles fazem sua própria história, ainda que, como

adverte Marx, em determinadas condições. (...) Assim, pois, a história só

existe como história feita pelos homens, e estes só existem produzindo uma

nova realidade com sua práxis produtiva e produzindo-se a si mesmos num

processo que não tem fim, ou seja, os homens transformam e se transformam

a si mesmos, e essa história de suas transformações é propriamente sua

verdadeira história.

Vázquez (1968)

O objetivo deste estudo foi compreender a dimensão subjetiva constituída sobre o

trabalho com o jogo pelos professores de Educação Física escolar que atuam nas primeiras

séries do Ensino Fundamental, da rede estadual pública paulista de uma diretoria de ensino,

localizada no interior do estado de São Paulo/SP. De acordo com Vázquez (1968), a história

é dinâmica e o homem é sujeito de sua própria história; cria, recria, dicotomiza e contradiz,

por meio das relações que estabelece com as pessoas com quem convive. Diante deste

objetivo, este estudo permitiu chegar a algumas conclusões, responder a algumas perguntas e

formular novas questões diante dos dados analisados neste trabalho.

Os documentos legais que orientam a prática pedagógica do professor de Educação

Física no trabalho com o jogo evidenciam concepções diferentes ao longo de sua constituição

histórica, não deixando claro o objetivo a ser alcançado pelo professor especialista e pelo

professor regente de classe, quando o trabalho com o jogo é desenvolvido nas primeiras séries

do Ensino Fundamental. Apresenta no transcorrer dos documentos uma abordagem confusa e

contraditória, ora privilegiando o desenvolvimento de atividades “recreativas”, ora

“desportivas”, sem, contudo, apontar os determinantes sociais e históricos presentes nesta

atividade, o que contribui para manter e atender aos interesses do sistema (capitalista). A

diferença está no objeto de estudo: para a professora de classe o objeto de estudo é a

alfabetização (competência leitora e escritora) e para o professor de Educação Física o objeto

de estudo é a expressão corporal como linguagem.

Os dados dos questionários apontam para uma prática pedagógica com o jogo centrada

na ideia de uma atividade ora desenvolvida como diversão, recreação, livre e inerente ao

desenvolvimento da própria dinâmica do brincar, ora desenvolvida como uma atividade

esportiva, como se fosse um ato de disputa ou de competição, contribuindo para os

fundamentos das modalidades esportivas tradicionais da EF escolar. As concepções sobre o

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jogo nos textos científicos produzidos na área de EF demonstram claramente esta divisão: ora

o jogo é “instrumental” utilizado para atingir aspectos motores, num tempo e espaço que é

desvinculado da realidade circundante, ora é “essencial”, centrado na ideia de uma atividade

livre, com regras flexíveis, menos rígidas ou nenhuma regra, desenvolvida espontaneamente,

como se fosse uma atividade inerente a própria dinâmica do brincar, próxima à ideia de que a

criança brinca para gastar as energias excedentes.

Esta ideia de jogo é contrária à ideia de jogo numa visão mais crítica, em que os

jogadores são tomados como sujeitos da atividade; esta, por ser uma construção dos sujeitos,

possui as características e aspectos da sociedade e das relações sociais onde o jogo se insere e

se desenvolve. Os jogadores participam da elaboração, da execução e da avaliação das regras

do jogo, articulando com as práticas sociais cotidianas e refletindo sobre a discriminação,

exclusão e significações presentes nos jogos e nos esportes modernos, contexto de que os

participantes fazem parte.

Segundo Elkonin (1998), não existia jogo nas sociedades primitivas; ele só veio a se

configurar como tal depois do trabalho e com a industrialização, quando as crianças foram

afastadas dos trabalhos dos adultos e, com isso, criaram atividades lúdicas como uma forma

de aproximar-se do mundo anteriormente vivido por elas em conjunto com os adultos.

Portanto, desde o início, o jogo não é separado da realidade circundante, nem concebido como

uma atividade de natureza humana própria do individuo; ele é determinado pelas condições

sociais e históricas vigentes em cada época, assim como é determinado pelo lugar que a

criança ocupa nesta sociedade.

A EF escolar vem trabalhando com o jogo desde muito tempo. No entanto, observa-se

uma falta de sistematização e direcionamento em seu desenvolvimento, com concepções

dicotômicas e contraditórias, permanecendo ainda uma concepção naturalizante. Num

primeiro momento, observa-se o jogo numa visão mecanicista, atendendo objetivos

estritamente motores e biológicos – desvaloriza-se o jogo como linguagem de expressão

corporal e prioriza-se a atividade de livre expressão. Num segundo momento, observa-se o

jogo numa visão interacionista, em que o desenvolvimento das regras do jogo depende de

uma ação autônoma do sujeito, baseado na hipótese de que o sujeito já traz consigo

potencialidades e basta a interação social direta para desenvolvê-las. Num terceiro momento,

há claramente uma visão indefinida, confusa e eclética na concepção de jogo, novamente na

tentativa de superação de ideias mecanicistas e fragmentadas. Portanto, observa-se que o jogo

caminha na história a partir de uma visão dicotômica para uma visão naturalizante, sendo o

ponto de partida de nossas reflexões.

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246

Na visão naturalizante de jogo, os jogadores conhecem, aprendem e respeitam as

regras do jogo, de forma harmoniosa, contribuindo para a própria dinâmica da atividade em

si, cabendo ao professor explicá-las, organizá-las e sistematizá-las, para o desenvolvimento de

uma atividade física saudável. Segundo Bracht (1986), a criança que “respeita as regras do

jogo” contribui para o desenvolvimento da sociedade (capitalista), na medida em que não há

questionamento das regras. O jogo é apenas uma estratégia (qualquer uma) que pode

impulsionar (ou não) o desenvolvimento das capacidades dos sujeitos. As potencialidades

existem e são inerentes a cada criança, basta a interação direta com o ambiente para que elas

sejam desenvolvidas. Na concepção crítica apresentada como referência neste trabalho, a

criança, ao contrário, é pensada como constituída no e pelo social. A definição das regras do

jogo depende das condições sociais e dos valores que são construídos pelo conjunto social; a

criança faz parte desta construção histórica da sociedade. Assim, os valores e regras do jogo,

produzidos e veiculados nas aulas de EF, fazem parte dessa mesma realidade e estão

necessariamente relacionadas à vida social. Os sujeitos, sócios neste coletivo, constroem e

reproduzem estas noções. São indivíduos e coletivo que em um processo único constroem os

valores e as atividades, as regras e o jogo.

As significações expressas no questionário pelos professores de EF escolar estão, em

sua maioria, mais próximas da visão naturalizante e parecem não encontrar possibilidades de

superação desta visão nos documentos legais que orientam a sua prática.

Podemos afirmar, a título de conclusão, que os dados dos questionários revelam uma

visão de jogo abstrata, a-histórica e subjetivista, em que seu desenvolvimento depende da

própria potencialidade do sujeito, um processo psicológico natural que é dado à criança desde

seu nascimento, bastando a interação direta com o ambiente, por parte do professor, para que

as potencialidades existentes em cada sujeito sejam desencadeadas.

A concepção contida nos documentos legais que orientam a prática pedagógica

avançou em relação à superação de tendências teórico-metodológicas tradicionais da

Educação Física escolar, em busca de aulas significativas e, embora afirme sua superação,

ainda revela deficiência em relação à sistematização do trabalho com o jogo nas primeiras

séries do ensino fundamental.

A rotatividade, no ordenamento legal, quanto à responsabilidade pelo

desenvolvimento do conteúdo jogo, talvez justifique esta falta de superação, na medida em

que o professor regente de classe não possui formação específica para o desenvolvimento

deste conteúdo.

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247

As significações (sentidos) evidenciadas pelos nossos sujeitos, professores de

Educação Física escolar da rede estadual pública paulista, expressam um processo histórico.

Atuam em uma instituição, cujos valores se originaram em instituições: médicas, militares e

esportivas; em que a técnica e a tática no trabalho com o jogo foram “necessárias” à sociedade

e cujos valores somente começaram a ser questionados pela área no início dos anos 80. A

Educação Física escolar, e com ela o jogo, vive em um processo de busca pela sua

valorização, o que significa um confronto infindável entre o “velho” e o “novo”, que orienta a

prática pedagógica, por meio de suas “novas” leis, referenciais e princípios, mas que,

independente do aparato-legal, os professores tentam, muitas vezes solitariamente,

ressignificar, transformando sua prática pedagógica de uma maneira única e particular. Sem

respaldo ou apoio em um projeto coletivo, ficam isolados e suas práticas inovadoras tendem

ao fracasso ou à pequenez das experiências isoladas.

Não queremos apregoar o relativismo, ao afirmar que cada professor de Educação

Física escolar constitui seu trabalho com o jogo de maneira única e particular ou deixando de

considerar o sentido que acreditamos que o trabalho com o jogo deve constituir numa

formação de professores de Educação Física. Sabemos que o aparato legal que orienta a

prática pedagógica do professor de Educação Física compõe a significação coletiva sobre o

trabalho com o jogo e faz parte do sentido que cada professor de Educação Física constitui

sobre este, mas o professor elabora, reelabora, recria e transforma. Nesse sentido, estamos

dando vida, vez e voz aos sujeitos e reforçando a ideia de que cada um faz parte da construção

da história e de que podemos mudá-la. “Somos responsáveis pelo mundo que temos e

podemos querer que seja diferente.” (GONÇALVES e BOCK, 2009, p. 154).

Portanto, num curso de formação em Educação Física escolar para as primeiras séries

do ensino fundamental, não basta apenas abordar conceitos e estratégias do trabalho com o

jogo, tornando a questão meramente de aquisição de competência técnica. Insistimos que esse

olhar social e histórico para o sujeito e suas atividades deve ser considerado, porque é ele que

vai desenvolver o trabalho com o jogo nas aulas de Educação Física escolar. Este sujeito

équem atribui significação, intenções, tem motivos e desejos e, principalmente, é este sujeito

historicizado que constitui a atual realidade da Educação Física escolar. Estas questões não

podem passar despercebidas na concepção de propostas pedagógicas, na elaboração de

estratégias de formação de professores de EF escolar e no delineamento de alternativas

metodológicas para o trabalho com jogo aos professores e estudantes de Educação Física que

pretendem atuar nas primeiras séries do ensino fundamental.

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248

Além disso, conforme anunciado anteriormente, o estudo aqui apresentado permite

formular questões que podem ser respondidas em pesquisas futuras. Por exemplo, se

consideramos que o professor elabora e reelabora as significações expressas nas leis e no

aparato legal sobre o trabalho com o jogo nas aulas de Educação Física escolar para as

primeiras séries do ensino fundamental, cabe o questionamento: quais condições de formação

podem ser propiciadoras deste movimento?

Outra questão a ser aprofundada em pesquisas futuras são os sentidos constituídos

pelos professores de outras áreas que atuam conjuntamente com o professor de Educação

Física escolar, sobre o trabalho com o jogo nas primeiras séries do Ensino Fundamental; ou

mesmo sobre os sentidos constituídos pelos alunos sobre o trabalho com o jogo. Como

incentivar que o jogo seja levado a sério e não se contraponha a atividades tomadas como

trabalho ou como aprendizado importante?

Este trabalho pretende contribuir para o delineamento de políticas públicas no âmbito

da Educação e propostas de formação de professores para este nível de ensino. Assim,

finalizamos, com a expectativa de que um dia a sociedade considere as ações do

cooperar/competir como constitutivas do trabalho com o jogo realizado pelo professor de EF

escolar. Na perspectiva da psicologia Sócio-histórica, a prática pedagógica do professor de

Educação Física escolar, nas primeiras séries do ensino fundamental, é um trabalho de

inserção e desenvolvimento da cultura e do humano, sendo o jogo uma ferramenta potente,

pois permite a presença forte do lúdico na educação.

Para a psicologia Sócio-histórica, o jogo é coisa séria!

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problematizando a constituição do sujeito. Psicologia em estudo, Maringá, v. 7, n. 2, p. 127-

133, jul./dez.2002.

Page 257: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

256

ZANELLA, A. V. et al. Concepções de criatividade: movimentos de um contexto de

escolarização formal. In: Psicologia em estudo, v. 8, n. 1, p. 143-150, 2003.

Page 258: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

257

Apêndices

Apêndice 1 – Carta a Diretoria de Ensino

Ref.: Informação a Dirigente Regional de Ensino sobre a realização da pesquisa.

A Dirigente Regional de Ensino

Eu, Marília Freire, informo a Vossa Senhoria que, como aluna do curso de pós-

graduação em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo – PUC/SP, estou realizando um estudo intitulado “O jogo na Educação Física escolar:

um estudo sobre sua Dimensão Subjetiva”, com o objetivo de identificar, nas falas dos

professores de Educação Física escolar que atuam nas primeiras séries do ensino fundamental

(Ciclo I), elementos de sentido que permitam conhecer o que pensam os professores sobre o

trabalho com o jogo. Para tanto, iremos, inicialmente, aplicar um questionário com os

professores de Educação Física escolar do Ciclo I, da Diretoria de Ensino da região de São

José dos Campos/SP, assim como realizar entrevista de aprofundamento com alguns

professores, dependendo das categorias surgidas com a aplicação do questionário.

O questionário será aplicado somente com o consentimento dos professores. Para

realização das entrevistas, iremos marcar, antecipadamente, local e horário. Caso haja

concordância, iremos apresentar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para que os

professores possam assinar concordando com a realização do estudo.

Atenciosamente,

Marília Freire (Pesquisadora)

Dra. Ana Mercês Bahia Bock (Orientadora)

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Apêndice 2 – Carta de apresentação

Ref.: Carta de apresentação da pesquisadora para solicitação de realização do

questionário.

EE:

Professor(a) de Educação Física:

Meu nome é Marília Freire, sou aluna do curso de pós-graduação em Educação:

Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP. Estamos

realizando um estudo intitulado “O jogo na Educação Física escolar: um estudo sobre a

dimensão subjetiva”, com o objetivo de compreender as significações de jogo constituídas

pelos professores de Educação Física (EF) escolar. Para tanto, iremos, inicialmente, coletar

informações, por meio de questionário, dos professores de Educação Física escolar efetivos

que atuam nas primeiras séries do ensino fundamental da Diretoria de Ensino da região de

São José dos Campos/SP.

Eu só irei coletar estas informações se você quiser. Caso você não queira não precisa

participar do estudo e mesmo que, em algum momento, decida participar, também poderá

desistir a qualquer instante. Além disso, é importante ressaltar que o conteúdo deste estudo

poderá ser comentado por você com qualquer pessoa.

Faremos alguns questionamentos a vocês. Primeiramente sobre questões pessoais,

como nome, tempo de atuação na Educação Física escolar, na rede estadual e na escola que

atua no ano de 2010; tempo de formação, ano e instituição; séries em que atua; carga horária

etc. e, em seguida, perguntas sobre o que você pensa e faz sobre o jogo em suas aulas.

Cabe ressaltar que a identidade dos professores, participantes da pesquisa, será

mantida em sigilo.

Esperamos contar com sua colaboração.

Atenciosamente,

Marília Freire (Pesquisadora)

Dra. Ana Mercês Bahia Bock (Orientadora)

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Apêndice 3 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Questionário

Eu, __________________________________________________, concordo de livre e

espontânea vontade em participar como voluntário(a) da pesquisa “O jogo na Educação

Física escolar: um estudo sobre a dimensão subjetiva”. Entendi que a pesquisa a ser realizada

é sobre o que os professores de EF escolar que ministram aulas nas primeiras séries do ensino

fundamental, da diretoria de ensino (DE) de São José dos Campos/SP, pensam e fazem sobre

o jogo em suas aulas. Afirmo ter sido esclarecido que este estudo será conduzido por meio de

um questionário, garantido o sigilo dos dados e sem eventuais despesas. Concordo em ter os

resultados deste estudo divulgados em publicações científicas, desde que meus dados pessoais

não sejam mencionados. Declaro que obtive todas as informações e esclarecimentos

necessários quanto às dúvidas por mim apresentadas para a participação nesta pesquisa.

Estou ciente de que:

1) Tenho a liberdade de desistir ou interromper a colaboração neste estudo no momento

em que eu desejar, sem necessidade de qualquer explicação;

2) A desistência não causa nenhum prejuízo a minha saúde física ou mental;

3) Tenho a garantia de tomar conhecimento e obter informações, a qualquer tempo, dos

procedimentos e métodos utilizados neste estudo, bem como dos resultados, parciais e finais,

desta pesquisa, pelo contato com o pesquisador responsável, abaixo identificado.

São Paulo, ___ de __________ de 2010.

Nome do professor:______________________________

Assinatura: __________________________

Dia/ mês/ ano: ____________________________________

Orientadora da pesquisa: Prof. Dr. Ana Mercês Bahia Bock

Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação- PUCSP.

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Apêndice 4 – Questionário

Parte I

1. Nome: ___________________________________________________________________

2. Há quantos anos atua na Educação Física escolar? Atua ou atuou em outro segmento da

EF?

___________________________________________________________________________

3. Há quanto tempo atua na rede estadual? E nesta escola?

___________________________________________________________________________

4. Qual a formação acadêmica? Em qual ano e instituição concluiu a formação?

___________________________________________________________________________

5. Quais as séries em que atua neste ano?

___________________________________________________________________________

6. Já atuou com outras faixas etárias? Quais?

___________________________________________________________________________

7. Qual a sua carga horária atual?

___________________________________________________________________________

8. Como foi sua escolha pela EF? Por que escolheu esta área?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Parte II

1. Defina jogo.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2. Você utiliza o jogo em suas aulas? ( ) sim ( ) não

Se não, por quê?

___________________________________________________________________________

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261

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3. Quais as dificuldades que você encontra ao trabalhar com o jogo em suas aulas?

a)__________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

b)_________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

c)__________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4. Qual o principal objetivo de trabalhar com o jogo nas aulas?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5. Você se disporia a participar de uma entrevista, a fim de ser analisado o que você pensa

sobre o jogo, tema de minha tese de doutorado? ( ) sim ( ) não

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Apêndice 5 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Entrevista

Eu, __________________________________________________, concordo de livre e

espontânea vontade em participar como voluntário(a) da pesquisa “O jogo na Educação

Física escolar: um estudo sobre a dimensão subjetiva”. Entendi que a pesquisa a ser realizada

é sobre o que os professores de EF escolar que ministram aulas nas primeiras séries do ensino

fundamental, da diretoria de ensino (DE) de São José dos Campos/SP, pensam e fazem sobre

o jogo em suas aulas. Afirmo ter sido esclarecido que este estudo será conduzido por meio de

uma entrevista de aprofundamento, garantido o sigilo dos dados e sem eventuais despesas.

Concordo em ter os resultados deste estudo divulgados em publicações científicas, desde que

meus dados pessoais não sejam mencionados. Declaro que obtive todas as informações e

esclarecimentos necessários quanto às dúvidas por mim apresentadas para a participação nesta

pesquisa.

Estou ciente de que:

1) Tenho a liberdade de desistir ou interromper a colaboração neste estudo no momento

em que eu desejar, sem necessidade de qualquer explicação;

2) A desistência não causa nenhum prejuízo a minha saúde física ou mental;

3) Tenho a garantia de tomar conhecimento e obter informações, a qualquer tempo, dos

procedimentos e métodos utilizados neste estudo, bem como dos resultados, parciais e finais,

desta pesquisa, pelo contato com o pesquisador responsável, abaixo identificado.

São Paulo, ___ de __________ de 2010.

Nome do professor:______________________________

Assinatura: __________________________

Dia/ mês/ ano: ____________________________________

Orientadora da pesquisa: Prof. Dr. Ana Mercês Bahia Bock

Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação- PUCSP.

Page 264: A dimensão subjetiva do trabalho com o jogo: um estudo com ... Freire.pdf · dimensão subjetiva do trabalho dos professores; as condições de trabalho são lidas a partir desta

263

Apêndice 6 – Roteiro de Entrevista com o Professor 29.

1. Você atua na Educação Física escolar há 4 anos. Há quanto tempo está no ensino superior?

2. Você trabalha com o jogo no ensino superior? Como?

3. Sua formação em EF foi na UNICAMP em 2000. Por que decidiu estudar lá, sendo que

aqui na região há universidades que oferecem cursos de graduação em EF? Como o jogo foi

trabalhado nela? E no mestrado?

4. Você atua na 1ª e 3ª séries. Qual a diferença do trabalho com o jogo em uma e outra série?

O que você espera alcançar com o jogo ao final do ciclo I?

5. Na questão sobre a escolha profissional, você alega, dentre outros motivos, que a escolha

pela EF/área foi porque passou no concurso. Você poderia explicar melhor sua resposta?

6. Você atua na rede estadual há quase 5 anos. É efetivo. Participou de concurso público. O

que você pensa sobre o curso de formação que a SEE está oferecendo antes do ingresso dos

professores de EF na rede? E quanto à formação em serviço no que se refere ao trabalho com

o jogo no ciclo I?

7. Na questão “Definição de jogo”, você o fez segundo Huizinga. Você poderia explicar

melhor por que utilizou a definição deste autor ?

8. Além disso, segundo esse autor, você elencou algumas características como “atividade

voluntária” e “com determinados limites de tempo e espaço”. Como as regras são consentidas

e alteradas pelos jogadores? Como isso acontece? Você poderia dar um exemplo? Também

acrescenta que o jogo é dotado de um fim em si mesmo e quase sempre é diferente da vida

cotidiana. Você poderia explicar melhor essa questão?

9. Na questão sobre as dificuldades encontradas no trabalho com o jogo nas suas aulas, você

elenca a falta de espaço e falta de espaço apropriado (coberto, com linhas demarcatórias,

arejado). Eu gostaria que você falasse mais sobre as condições de trabalho com o jogo na

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escola, no que se refere a fatores pessoais e hierárquicos (relacionamento com a equipe

gestora, o relacionamento com o professor regente de classe, de Arte e de outras disciplinas,

poder de decisão sobre diferentes dimensões do processo educativo e valorização do seu

trabalho com o jogo – exemplo que somente serão mencionados caso ele não cite nenhuma

dificuldade).

10. Na questão sobre o objetivo de trabalhar com o jogo nas aulas, você alega que o jogo

desenvolve competências como patrimônio cultural da humanidade, seu entendimento e sua

compreensão das regras, plasticidade do jogo, habilidades físicas. Você poderia dar exemplos

de sua prática pedagógica com o jogo de como isso acontece?

11. Para você, quais são as características que definem o jogo?

12. O que você acha que os alunos conquistam com o jogo?

13. Nessa relação de cooperação e competição, como você vê o adversário?

14. Você consegue ter coerência entre o que pensa sobre o jogo e o que realiza em suas aulas?

Quais as principais dificuldades para isto? Exemplifique.

15. Quais as dificuldades que você encontra ao trabalhar com o jogo em suas aulas? Como

lida com elas? Que consequências elas têm?

16. Por que estes aspectos são tidos como dificuldades? Quais os fatores que explicam estas

dificuldades?

17. Os alunos gostam do jogo que você propõe? Como demonstram isto?

18. Os alunos distinguem o jogo que você dá na sua aula do jogo que é dado em outras

disciplinas? O que faz esta distinção?

19. Conte alguma experiência positiva e uma negativa com o jogo em sua prática como

docente de EF.

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20. Como gestores, outros professores, pais, e mesmo os alunos, encaram os jogos como

prática pedagógica?

21. Quais os princípios e referenciais que norteiam seu trabalho com o jogo?

22. Você gosta de jogar? Que tipo de jogo? Como você se sente quando joga?

23. O jogo é atividade importante de socialização (relações sociais) e humanização de novas

gerações. Como você entende esta afirmação?

24. Como você organiza e sistematiza o jogo ao longo das séries iniciais do ensino

fundamental? Você tem algum critério para isso?

25. Qual a relação que você faz entre brincadeira, jogo e esporte?

26. Como você trabalha com a questão das regras? Elas são trazidas por você? São definidas

pelo grupo? Como você faz? Dê alguns exemplos de como isso acontece.

27. Dê exemplos de sua prática pedagógica, de como a socialização acontece num trabalho

com o jogo.

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266

Anexo

Organograma de Conceitos da Educação Física escolar

OBJETO DE ESTUDO: MOVIMENTO HUMANO

UNIDADE TEMÁTICA: CONHECENDO O MOVIMENTO

CONTEXTO DO

MOVIMENTO

FORMAS DE

MOVIMENTO SITUAÇÕES DE MOVIMENTO HABILIDADES MOTORAS

1-

ATIVIDADE

FÍSICA

2-

EXERCÍCIO

FÍSICO

3-

MOVIMENTOS

GLOBAIS

4-

MOVIMENTOS

SEGMENTARES

ORIENTAÇÃO

TEMPORAL

5-

MOVIMENTO

RÁPIDO/

LENTO

6-

MOVIMENTO

ACELERADO /

DESACELERA-

DO

ORIENTAÇÃO

ESPACIAL

7-

LATERA -

LIDADE

ESQUERDA/

DIREITA

8-

NÍVEL

ALTO /

MÉDIO/

BAIXO

ESFORÇO

9-

INTENSIDADE

FORTE/

FRACO

10-

LOCOMOÇÃO

11-

NÃO LOCOMOÇÃO

12-MANIPULAÇÃO

ANDAR,

CORRER,

SALTAR,

SALTITAR,

GALOPAR,

ROLAR,

RASTEJAR,

TREPAR.

FLEXIONAR

ESTENDER

TORCER

GIRAR

LEVANTAR

LANÇAR

RECEBER

ARREMESSAR

BATER

REBATER

VOLEAR

CHUTAR

QUICAR

AMASSAR