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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião Joelma Aparecida dos Santos Xavier A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: ASPECTOS FENOMENOLÓGICOS E ÉTICOS COMO TÓPOS PRIVILEGIADO DO DIÁLOGO Belo Horizonte 2013

A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

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Page 1: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Joelma Aparecida dos Santos Xavier

A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: ASPECTOS FENOMENOLÓGICOS E ÉTICOS COMO TÓPOS PRIVILEGIADO DO DIÁLOGO

Belo Horizonte 2013

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Joelma Aparecida dos Santos Xavier

A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: ASPECTOS FENOMENOLÓGICOS E ÉTICOS COMO TÓPOS PRIVILEGIADO DO DIÁLOGO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Antônio de Paiva

Belo Horizonte 2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Xavier, Joelma Aparecida dos Santos

X3d A disciplina de Cultura Religiosa na PUC Minas: aspectos fenomenológicos

e éticos como tópos privilegiado do diálogo / Joelma Aparecida dos Santos

Xavier. Belo Horizonte, 2013.

96f.

Orientador: Márcio Antônio de Paiva

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião.

1. Ensino religioso – Minas Gerais. 2. Ensino superior – Aspectos religiosos.

3. Fenomenologia. 4. Ética. I. Paiva, Márcio Antônio de. II. Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências

da Religião. III. Título.

CDU: 291

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Joelma Aparecida dos Santos Xavier

A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: ASPECTOS FENOMENOLÓGICOS E ÉTICOS COMO TÓPOS PRIVILEGIADO DO DIÁLOGO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

___________________________________________________ Prof. Dr. Márcio Antônio de Paiva (Orientador) – PUC Minas

___________________________________________________ Prof. Dr. Sergio Rogério Azevedo Junqueira – PUC PR

___________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Frederico Barboza de Souza– PUC Minas

Belo Horizonte, 22 de março de 2013

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por estar sempre em meu caminho iluminando meus passos, dando

força para enfrentar os desafios da vida.

À minha família, pelas orações e pela torcida para que eu nunca desista dos

meus sonhos.

Ao meu esposo Anderson por me incentivar na continuação dos estudos e por

encurtar a distância entre Ouro Preto e Belo Horizonte quando me levava de carro

para a PUC. Neste momento de agradecimento, peço a ele desculpas pelos

momentos que fiquei ausente, em passeios com amigos, momentos familiares,

dentre outros momentos importantes.

Ao meu orientador padre Márcio, pelo carinho da leitura atenta desta

dissertação, pelo contato enriquecedor nos encontros e pelas palavras de conforto

quando precisava.

A todos os professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em

Ciências da Religião, sobretudo a Dênia, pelo carinho e dedicação aos pós-

graduandos.

Aos professores Flávio Senra, Roberlei Panasiewicz, Antônio Cantarela e Nilza

Bernardes, que desde a graduação trocaram ideias, tiveram cuidado comigo não

apenas em sala de aula, mas nas conversas nos corredores, na troca de e-mail,

entusiasmando-me para o mestrado.

Aos meus amigos, especialmente os moradores de Belo Horizonte, que me

acolheram nas diversas vezes que precisei dormir em BH.

Agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização

desta pesquisa.

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Esta pesquisa teve apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior – CAPES

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RESUMO

Diante das várias tendências relevantes que pretendem esclarecer se é possível

uma relação entre Teologia e Ciências da Religião, intensificadas pelo desejo

pessoal de compreender o papel das disciplinas de Cultura Religiosa I e II na

formação pessoal, profissional e religiosa dos universitários da PUC Minas, esta

dissertação tem por objetivo pesquisar, na história da PUC Minas, a relevância e o

papel dessa disciplina, rediscutindo conceitos fenomenológicos e éticos que

propiciem o diálogo. Desse modo, as devidas respostas para a importância ou não

da Cultura Religiosa encontram-se na leitura dos documentos da Igreja Católica que

normatizam uma Universidade Católica, na leitura dos documentos de

parametrização da Cultura Religiosa, bem como nas entrevistas a professores que

ministram as disciplinas. Nesse sentido, busca-se analisar como os temas

fenomenológicos e éticos são trabalhados nos cursos, se são determinantes ou não

para uma plena formação do aluno pautada no diálogo.

Palavras-chave: Cultura Religiosa. Aspectos Fenomenológicos. Aspectos Éticos. Diálogo.

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ABSTRACT

Taking into consideration the new relevant tendencies that intend to clarify if it is

possible a connection between Theology and Religion’s Science intensified by

personal desire to understand the function of the subjects Cultura Religiosa I and II in

personal, vocational and religious education of PUC Minas’ students, this thesis aims

at the study of one of these tendencies in particular: research in PUC Minas history,

the Cultura Religiosa importance and its function, rediscussing phenomenologyc and

ethics concepts that lead us to the dialogue. The way to find the answers is in the

Catholic´s church documents reading that say how a Catholic University have to be.

The anwers can be found in Cultura Religiosa documents too as well as in the

teacher’s interview. In that sense, this work intends to analyze how phenomenologyc

and ethics aspects have been worked in PUC Minas as a dialogue tópos.

Keywords: Cultura Religiosa. Phenomenologyc Aspects. Ethics Aspects. Dialogue.

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LISTA DE SIGLAS

ABESC - Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas

ATA - Antropologia Teológica

CCHSA - Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CR - Cultura Religiosa

FDC - Fundação Dom Cabral

FUMARC - Fundação Mariana Resende Costa

PDI - Plano de Desenvolvimento Institucional

PUC MINAS - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

PUC PR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná

SMC - Sociedade Mineira de Cultura

U.C - Universidade Católica

UCMG - Universidade Católica de Minas Gerais

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 BASE HISTÓRICA E FUNDAMENTAÇÃO ECLESIAL .......................................... 13

2.1 Contexto social, cultural e religioso da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas ........................ 25

3 CARACTERIZAÇÃO DA DISCIPLINA CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS ... 34

3.1 Perfil dos docentes de Cultura Religiosa na PUC Minas .............................. 38

3.2 Cultura Religiosa: dispositivo institucional – a multiplicidade de formas de expressão em outras instituições católicas ......................................................... 45

4 O DESVENDAR DA “CULTURA RELIGIOSA” ....................................................... 51

4.1 Emergência fenomenológica ......................................................................... 53

4.2 Emergência ética .......................................................................................... 58

4.3 Relevância do diálogo ................................................................................... 66

5 HORIZONTES DE ARTICULAÇÃO ....................................................................... 75

5.1 O “valor” existencial da Cultura Religiosa ..................................................... 77

5.2 A contribuição acadêmica da Cultura Religiosa ............................................ 82

5.3 Cultura em diálogo na contemporaneidade: entre Teologia e Ciências da Religião ................................................................ 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 91

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 94

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1 INTRODUÇÃO

Do contato com a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, ao longo

de quatro anos de vida acadêmica, a atração pela história dessa Universidade e a

curiosidade em saber o porquê da existência de uma disciplina comum a todos os

cursos da Universidade me vieram por intermédio das disciplinas de Cultura

Religiosa I e II.

Neste sentido, foi fundamental estudar os fundamentos da disciplina Cultura

Religiosa, bem como mostrar a experiência, a linguagem, as categorias

fundamentais de interpretação do fenômeno religioso, os desafios do diálogo inter-

religioso em uma síntese da história da PUC Minas. Nosso foco neste trabalho é: A

disciplina de Cultura Religiosa na PUC Minas: aspectos fenomenológicos e éticos

como um tópos privilegiado do diálogo. É um estudo sobre a legalização da Cultura

Religiosa na PUC Minas e sua relação conflitiva como disciplina no interior da

Universidade, analisadas pelos dois aspectos: fenomenológico, em que se propõe a

descrição da experiência vivida da consciência considerada no plano da

generalidade essencial, e ético, que reflete a respeito da essência das normas,

valores e prescrições presentes em qualquer realidade social. Aspectos que ocupam

lugar importante em qualquer diálogo.

A procura da justificativa da existência da Cultura Religiosa I e II em suas

respectivas ementas levou-me a situar, ainda que prematuramente, a preocupação

da Universidade com o diálogo fé e ciência, com a formação qualificada e com o

testemunho cristão em meio ao mundo acadêmico – influência da abertura

ecumênica e do espírito de diálogo alavancada desde o Concílio Vaticano II. Dessa

primeira impressão, nasceu o desejo de pesquisar mais profundamente sobre as

disciplinas, o que foi intensificado com a apresentação e análise de pressupostos

teóricos e ideológicos dos docentes que lecionam a Cultura Religiosa. As ementas

de Cultura Religiosa I e II foram estudadas e professores foram questionados sobre

quais seriam os objetivos da disciplina Cultura Religiosa na Universidade, se os

conteúdos dessa disciplina são lecionados de maneira confessional, qual a

importância da Cultura Religiosa, do ponto de vista dos professores, na formação

acadêmica, na vida profissional e pessoal dos alunos.

A procura pela explicação sobre a existência da Cultura Religiosa com

professores que ministram tal disciplina pretendeu fornecer informações sobre a

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importância ou não da Cultura Religiosa, a fim de responder se os planos de ensino,

as ementas e a prática desses professores contemplam as aspirações e as

necessidades da atual sociedade brasileira, no que diz respeito a essa disciplina,

conferindo-lhe status de área do conhecimento, garantindo a igualdade de acesso

aos conhecimentos religiosos. Além disso, propõe-se a discussão de até que ponto

a Cultura Religiosa contribui para manter a identidade de uma Universidade

Católica.

As disciplinas de Cultura Religiosa I e II são obrigatórias em todos os cursos

de graduação da PUC Minas. A problematização sobre o tema proposto partiu das

seguintes questões norteadoras:

Quais são os aspectos fenomenológicos e éticos da Cultura Religiosa I e II

importantes para o diálogo?

Com base em que o ensino dessas disciplinas é ministrado?

Como os professores de Cultura Religiosa inserem a disciplina no

currículo em uma perspectiva de formação plena do cidadão, no contexto

de uma sociedade cultural e religiosamente diversa, na qual todas as

crenças e expressões religiosas devem ser respeitadas?

Será que os professores ratificam a importância e a necessidade de

disponibilizar aos universitários, no conjunto dos conhecimentos

acadêmicos, conteúdos sobre a diversidade cultural religiosa, como uma

das formas de promover e exercitar a liberdade de concepções e a

construção da autonomia e da cidadania através do diálogo?

Nesse sentido, a primeira intenção foi fornecer dados sobre a disciplina em

questão, analisá-la do ponto de vista de professores que ministram a disciplina,

consciente, no entanto, que a análise da Cultura Religiosa seria um trabalho

complexo e extenso para ser realizado em apenas dois anos de mestrado. Optou-se

ainda por delimitar o corpus da pesquisa a partir de professores e não de alunos,

tendo em vista que, caso fossem considerados os alunos, esse corpus seria muito

amplo.

Desse modo, considerando pertinente a escolha de professores para os

limites desta dissertação, a pesquisa limitou-se à análise da questão fundamental

sobre o estudo do fenômeno religioso em um estado laico, a partir de pressupostos

científicos, que visam a formação de cidadãos críticos e responsáveis, capazes de

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discernir a dinâmica dos fenômenos religiosos, que perpassam a vida em âmbito

pessoal, local e mundial.

O objetivo geral desta pesquisa, portanto, foi analisar o papel da disciplina

Cultura Religiosa da PUC Minas, valorizando o estudo fenomenológico e ético da

mesma, enfatizando as diversas expressões e crenças definidas como religiosas na

perspectiva do diálogo.

Para a seleção do corpus, a disponibilidade dos professores que atualmente

ministram a Cultura Religiosa em participar da pesquisa foi utilizada como critério.

Não houve o objetivo de definir rigorosamente quem participaria da pesquisa, se

homem ou mulher, teólogo ou não, se é professor em quais cursos da PUC Minas,

uma vez que apenas uma pequena parcela de professores se dispôs a participar da

pesquisa. Procurou-se em geral deter-se nos dados desses professores que

participaram, cujas contribuições representam significativos dados relevantes.

Quanto à análise dos dados apresentados pelos professores e quanto à

pesquisa teórica, foram explorados os mecanismos que fazem compreender que as

diferentes crenças, grupos e tradições religiosas, bem como a ausência delas, são

aspectos da realidade que devem ser socializados e abordados como dados

fenomenológicos e éticos, capazes de contribuir para o diálogo, na interpretação e

na fundamentação das ações humanas.

Assim considerando, esta dissertação subdivide-se em quatro capítulos: o

primeiro capítulo trata da base histórica de uma universidade e a sua

fundamentação eclesial, bem como o contexto social, cultural e religioso em que foi

criada a PUC Minas. Para a fundamentação eclesial, documentos como a

Constituição Apostólica Sapientia Christiana, a Declaração Gravissimum Educationis

e a Ex Corde Ecclesiae foram utilizados.

O segundo trata dos aspectos históricos para entender a existência da Cultura

Religiosa em uma Universidade Católica. Em seguida, tem-se a caracterização da

disciplina Cultura Religiosa, seus aspectos históricos, destacando a relevância da

disciplina na história atual da PUC Minas. Realizou-se um grupo focal e entrevistas

com professores e coordenadores para compreender elementos da importância da

disciplina, bem como conhecer o perfil dos docentes de Cultura Religiosa. Duas

instituições, também católicas, foram utilizadas para mostrar outras formas de

expressão da Cultura Religiosa: a PUC Campinas e a PUC Paraná.

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O terceiro capítulo trata de considerações sobre a distinção entre as várias

perspectivas constituídas na Cultura Religiosa, quais três foram escolhidas para

análise: perspectiva fenomenológica, perspectiva ética e perspectiva do diálogo.

Através da análise dos documentos de parametrização da Cultura Religiosa, espera-

se chegar à contribuição da mesma para o respeito e diálogo entre as religiões,

dando destaque para os autores que se realçam por seu movimento de busca do

diálogo. A análise se detém tanto no histórico e definição dessas três perspectivas,

quanto no caminho pelo qual essas perspectivas se tornaram amplamente

produzidas na Cultura Religiosa. Dessa maneira, discorre-se sobre a aplicabilidade

da Cultura Religiosa na vida do aluno.

O quarto capítulo concentra-se em alguns dos planos de ensino e ementas

das disciplinas de Cultura Religiosa I e II, escolhidos por amostragem, para

compreender como as disciplinas são trabalhadas. A partir disso, analisa-se a

abordagem comparativa que envolve os paradigmas da Teologia e das Ciências da

Religião. Com a compreensão de como a Cultura Religiosa constituiu sua

importância existencial atualmente, sua contribuição acadêmica, pretende-se

entender como professores trabalham com a Cultura Religiosa nos diversos cursos

da PUC Minas e influenciam ou não no imaginário religioso dos universitários. Essa

etapa é finalizada procurando apresentar a aproximação da Teologia e das Ciências

da Religião, a partir do horizonte do diálogo na contemporaneidade. Para tal, foram

escolhidos os planos de ensino dos cursos de Engenharia Mecânica, do curso de

Letras e do curso de Enfermagem. No final desse capítulo, ainda há uma

apresentação, sucinta, do papel da Cultura Religiosa no debate: aspectos

fenomenológicos e éticos como tópos privilegiado do diálogo.

Desse modo, esses capítulos dialogam entre si a partir de uma análise que

busca traçar características comuns entre as perspectivas selecionadas, tentando

pontuar o que serve de modelo para se trabalhar com a Cultura Religiosa, o que

pode servir de motivação para futuros professores de Cultura Religiosa, no sentido

de oferecer uma reflexão sobre o diálogo inter-religioso e sua relação com a

contemporaneidade.

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2 BASE HISTÓRICA E FUNDAMENTAÇÃO ECLESIAL

Ter o título de Universidade sugere adotar a história, a variedade de modelos

que uma Universidade pode ter. A Universidade moderna tem como característica

especial a relação com a sociedade industrial e a liberdade acadêmica de pesquisa.

Uma Universidade deve ser uma comunidade de alunos e professores que

investigam a verdade, a transmitem, e tudo isso com a devida autonomia

administrativa e liberdade acadêmica. Tem a missão de investigação, docência e

projeção social.

A educação superior tem por finalidade: I estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; [...] III. Incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive. (Ministério da Educação, 1996).

A Universidade não é uma instituição estática e acabada. Está sujeita a

constante adaptabilidade para alcançar o melhor desempenho. Uma boa

Universidade deve preocupar-se, desde logo, com o estabelecimento das

características que a identificam como tal, adotando uma opção específica para

determinado tipo de formação profissional a ser ministrada. Ao conceituar

Universidade, a ideia de universalidade não pode deixar de prescindir.

Universalidade na conceituação do ser humano, do conhecimento e de suas

conquistas.

Pensar a Universidade como lugar de formação é também pensá-la como

espaço público. Ela não pode estar separada da sociedade se quiser desempenhar

seu papel. Em sua ação educativa, precisa inserir-se no mundo da cultura, a partir

de um tempo-espaço da historicidade da humanidade, sempre estabelecida pelos

sujeitos que integram a sociedade. Cabe-lhe a responsabilidade de entender o

processo de formação humana, objetivando que o ser humano torne-se um ser ético,

responsável, solidário e participante das decisões do seu grupo social. Considerar o

ser humano em suas dimensões política, social, econômica e espiritual é o desafio

que deve estar presente no horizonte das Universidades, principalmente daquelas

que trazem a denominação de Católicas ou de inspirações cristãs.

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De acordo com o decreto 5.773/06, as instituições de educação superior

podem ser credenciadas como faculdades, centros universitários e Universidades.

Originalmente são credenciadas como faculdades e, dependendo do funcionamento

regular com padrão de qualidade, a faculdade pode vir a se tornar uma

Universidade. Depende também da organização e das prerrogativas acadêmicas.

As Universidades caracterizam-se pela indissociabilidade das atividades de

ensino, pesquisa e extensão. Além disso, domínio do saber humano que se

caracteriza pela:

I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral.

A identidade de uma Universidade é constituída no cotidiano, procurando

estabelecer uma identidade própria, mas que com certeza não satisfará a todos, pois

lida com aspectos contínuos do conhecimento, ou seja, a produção, sistematização

e difusão do mesmo, que por sua vez ocorre de forma dinâmica, em contínuo

movimento.

De acordo com Alberto Antoniazzi (1975), um estudante ou professor entra

em uma Universidade Católica procurando um curso, um título, um emprego, mas

depois toma consciência de que não está em uma Universidade comum, que está

em uma Universidade Católica.

Uma Universidade Católica deveria contribuir para a volta ou entrada da Igreja

na ciência. Podem existir atitudes dogmáticas tanto quanto à ciência quanto à

religião. Atitudes que querem expressar verdades absolutas e autoridade sobre o

outro para o exercício do domínio. Seja da ciência ou da religião, é preciso evitar a

desvalorização ou descaracterização da concepção que vem do outro, do que nos é

diferente.

A primeira Universidade Católica dotada de todas as Faculdades, inclusive a

de Teologia, foi a Universidade de Lovain (1834). Bispos belgas resolveram fundar

uma Universidade desvinculada do estado e escolheram Lovain, que já tinha sido

sede de uma Universidade. Essa Universidade tornou-se centro de pesquisa

científica de alto nível e de elaboração de um pensamento teológico, filosófico e

social, que tem influente relevância no campo da ética social e da sociologia

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religiosa. A Universidade Católica pressupõe a secularização do estado e a

laicização da Universidade pública.

De 1854 até 1858, houve uma tentativa de Jonh Henry Newman em fundar a

Universidade Católica de Dublin, que mostrasse quais as exigências de uma

verdadeira Universidade, mas a história tomou outros rumos e a efetiva existência

dessa Universidade nunca se concretizou. Pareceu mais um seminário leigo para a

juventude.

Em Paris, em 1875, o arcebispo com o apoio de 28 bispos resolveu criar a

Universidade Católica, que hoje leva o nome de Instituto Católico de Paris. Em 1889,

consegue-se a fundação da Universidade de Friburgo, que conta com fundadores

leigos.

Ainda em 1889, os Estados Unidos iniciaram a criação da Universidade

Católica da América, que a princípio parecia um seminário avançado, com cursos

para eclesiásticos apenas, e só após a Primeira Guerra Mundial tomou a magnitude

de uma Universidade.

Há ainda Universidades Católicas abertas na China desde 1903, em Xangai,

e em Pequim desde 1924, e no Japão desde 1913. Mas as Universidades ditas

“catolicíssimas” foram fundadas na Itália e na Espanha. Em 1921, com a ajuda do

Episcopado e de leigos, fundou-se a Universidade Católica de Milão. Em 1923, foi

fundada a Universidade Católica de Nimega (Holanda), e em 1924 o reitor dessa

Universidade de Nimega, junto com os reitores de Lovain e o de Milão, criaram a

Federação Internacional das Universidades Católicas.

As Universidades nos países ocidentais evoluíram de pequenos suplementos

da Igreja, para se constituírem na principal instituição para o processamento do

conhecimento do mundo moderno. As primeiras se consagravam ao ensino das

ocupações da área de teologia, direito canônico, medicina e posteriormente pela

gramática, retórica, lógica, geometria, aritmética, música e astronomia. Disciplinas

das artes liberais geralmente assumiam mais importância que o ensino profissional,

o que levava ao desenvolvimento cultural e intelectual dentro das Universidades.

Lovain, Paris, Washington e Friburgo tinham a Faculdade de Teologia.

Possuíam a presença prolongada de um primeiro fundador (ou reitor) cuja

personalidade marcava a própria Instituição. Fenômenos como esses podem ser

explicados considerando que as Universidades Católicas nasceram no meio de

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muitas divergências. Divergências estas que podem ser explicadas por três

aspirações fundamentais de acordo com Antoniazzi:

1 – a primeira é a de ter, na U.C, uma instituição voltada, principalmente, para a formação dos professores das escolas secundárias; é, evidentemente, a aspiração mais limitada e ligada a uma situação particular, que predominou nas primeiras tentativas de U.C; 2 – a segunda aspiração é a de demonstrar que os católicos sabem fazer uma Universidade, e, sobretudo, uma ciência, tão boa quanto a dos racionalistas ou dos positivistas; essa é uma aspiração mais fecunda, pois obriga os católicos a se entrosarem positivamente com a cultura contemporânea; é porém, algo muito marcado pelo “clima” do momento, que perde seu interesse com a crise do positivismo e o pleno reingresso dos católicos na vida científica, cultural e política; sobretudo, é discutível se a Universidade Católica (em lugar, por ex., da presença dos católicos nas Universidades públicas) é o meio eficaz para o objetivo pretendido; 3 – a terceira aspiração é a de formar uma elite capaz de atuar no campo econômico, jurídico, social, político – em suma, capaz de assumir a liderança da sociedade civil e a direção do estado – dentro de uma perspectiva que é aquela da “doutrina social da Igreja”. (1975, p. 53)

Entre tais aspirações, nota-se ainda o desejo da U.C em contribuir para a

elaboração da cultura cristã, que é uma tendência de desenvolver à cultura

contemporânea uma dimensão de abertura à religião e ao sobrenatural, ou de obter

a consideração da não incompatibilidade, senão da harmonia entre ciência e

religião.

Na contemporaneidade, a ciência é como uma peneira que minimiza

influências de origem pessoal dentro da própria ciência ao exigir coerência constante

com o mundo natural. O conhecimento científico está constantemente em

construção. Quanto à religião, entende-se que todas as posturas devem ser

respeitadas a fim de evitar intolerâncias pela concepção do outro sobre deuses ou

sobre a natureza. Pode-se falar em complementaridade entre ciência e religião.

Aquela trata de assuntos naturais, empíricos, enquanto esta trata de problemas

existenciais.

Segundo Bertrand Russel (2010), a ciência é uma tentativa de entender o

mundo de experiências através das leis invioláveis, e religião é um fenômeno

complexo com uma crença sobre os supostos princípios definitivos. O diálogo é

importantíssimo para a construção do conhecimento do indivíduo e da sociedade,

bem como imprescindível para evitar conflitos entre pessoas.

Uma Universidade Católica deve entender seu papel e se relacionar com os

assuntos que lhe são postos. A leitura atenta de documentos oficiais da

compreensão eclesial explica o verdadeiro papel das Universidades Católicas. O

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documento que fala sobre as Universidades e faculdades eclesiásticas é a

Constituição Apostólica Sapientia Christiana do papa João Paulo II. No proêmio

dessa constituição ordena-se que:

Efectivamente, a missão de evangelizar, que é próprio da Igreja, exige não apenas que o Evangelho seja pregado em espaços geográficos cada vez mais vastos e a multidões de homens sempre maiores, mas que sejam também impregnados pela virtude do mesmo Evangelho os modos de pensar, os critérios de julgar e as normas de agir; numa palavra, é necessário que toda a cultura do homem seja penetrada pelo Evangelho. (Sapientia Christiana, 1979, p. 1).

O homem é influenciado pelo ambiente cultural em que vive, e, em uma

cultura que caminha juntamente com a fé, a evangelização é favorecida. Não se

refere a ligar exclusivamente o Evangelho de Cristo a uma cultura específica e sim

revelar em Cristo os costumes dos homens a todas as classes da humanidade,

convertendo as consciências pessoais e coletivas de todos.

A sabedoria cristã ensina aos fiéis que se esforcem nos valores religiosos

para o aperfeiçoamento integral do homem, o qual compreende os bens do corpo e

do espírito. Tem o objetivo de orientar moralmente o ser humano, religando-o com o

transcendente. Apesar de parecer que na modernidade, no mundo atual,

globalizado, não há espaço para a religião, é impossível dissociar o ser humano do

divino, já que a ciência e a racionalidade não conseguem responder plenamente as

aspirações humanas. De acordo com Bertrand Russel: “O medo é a base de todo o

problema: medo do misterioso, medo da derrota, medo da morte. O medo é

progenitor da crueldade e, portanto, não é nada surpreendente o fato de a crueldade

e a religião andarem lado a lado” (2010, p.40).

Desse modo, a religião se mostra essencial para as pessoas. A diversidade

religiosa deve ser respeitada, já que todas as formas de manifestação nesse sentido

visam o bem do ser humano e procuram a paz espiritual. A busca do sagrado

através da religião deve conduzir à paz e à felicidade.

A Igreja empenha-se em promover as faculdades e Universidades

eclesiásticas que se preocupam com a Revelação Cristã e com tudo relacionado à

missão de evangelizar. De acordo com o artigo 2º da Sapientia Christiana,

Por Universidades e Faculdades eclesiásticas, na presente Constituição, são designadas aquelas que, canonicamente erigidas ou aprovadas pela Sé Apostólica, cultivam e ensinam a doutrina sagrada e as ciências que com

Page 20: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

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ela estão correlacionadas, com o direito de conferir graus acadêmicos por autoridade da Santa Sé. (1979, p. 6)

Faculdades eclesiásticas têm a intenção de promover as próprias disciplinas

apresentando-as ao homem contemporâneo de forma adequada às diversas

culturas. Além disso, educa alunos, a nível superior, segundo doutrinas Católicas,

com o intuito de alcançar objetivos particulares. Faculdades Eclesiásticas como as

de Arqueologia Cristã, Ciências da Educação ou de Pedagogia, Ciências Religiosas,

Letras Cristãs e Clássicas, Faculdade de História Eclesiástica entre outras são

arquitetadas canonicamente ou podem vir a ser.

Em um estatuto de uma Universidade ou Faculdade devem estar presentes o

nome, a natureza, o fim, com informações históricas na introdução, além das

atribuições sucintas do Grão Chanceler, as autoridades acadêmicas, pessoais e

colegiais, bem como a descrição e o tempo do cargo. Devem constar também: os

direitos e deveres de alunos, o pessoal auxiliar, as disciplinas que serão ministradas,

os seminários de estudos, as provas a fazer, os graus acadêmicos atribuídos a cada

Universidade ou faculdade, a descrição dos subsídios didáticos como biblioteca e

laboratórios. Além disso, os aspectos econômicos como o patrimônio da

Universidade ou faculdade, sua administração, suas normas e a relação com outras

faculdades e institutos.

Uma Universidade Católica, mediante o encontro que realiza em meio à

riqueza da mensagem salvífica do Evangelho e a multiplicidade dos campos do

conhecimento em que aquela encarna, permite à Igreja estabelecer um diálogo de

fecundidade admirável com todos os homens de qualquer cultura. A Universidade é

uma instituição milenar, que desempenhou e desempenha uma função social. Foi

constituída na Europa, e com a institucionalização do trabalho de copistas e

tradutores passou a ser lugar privilegiado do saber. Recebeu impactos

renascentistas caracterizados pelas transformações que ocorreram nos campos das

artes, literatura e economia.

Tanto universidades como igrejas dividem algumas características

importantes. Essas duas instituições podem ser consideradas formas mais

superiores do conhecimento. O conhecimento que não é somente prático e útil, mas

que consiste no acesso às verdades consideradas mais profundas e fundamentais.

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19

Nos séculos XI e XII, a Universidade Católica foi praticamente única, para ser

depois assimilada pelo poder público. Teve influência decisiva na configuração da

Igreja até o Concílio Vaticano II. A partir desse concílio, a Igreja e o Estado

garantiram amplo debate das ideias, sendo que mesmo sem ter Universidades

próprias, a Igreja tinha espaço para a pesquisa teológica. O Vaticano mantém sua

própria Academia de Ciências, e universidades católicas existem em todo o mundo.

As religiões protestantes, de uma maneira geral, aceitaram a supremacia do

conhecimento leigo.

Desde o renascimento, há um humanismo não centrado na figura de Cristo,

portanto racionalista, condicionando o ser humano como senhor absoluto da

natureza. A fé, anulada, foi considerada empecilho para o desenvolvimento da

razão, e o pragmatismo da modernidade considerava que o homem, dominado pela

natureza, teria condições de conhecer a verdade em sentido absoluto, tendo assim

condições para alcançar a felicidade.

No Brasil, as Universidades Católicas surgem a partir de março de 1941, no

Rio de Janeiro como Faculdade Católica, sendo reconhecida como Universidade

Católica em 1946 e passando ao título de Pontifícia em 1947.

Ainda em 1946, em agosto, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo é

fundada e reconhecida. Após isso, a Universidade Católica do Rio Grande do Sul em

1948, que se torna Pontifícia em 1950. Em seguida, a Universidade Católica de

Pernambuco (1952) e a de Campinas (1955). A Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais foi fundada em 1955. Entre 1959 e 1961 surgiram as Universidades

Católicas de Goiás, Paraná, Pelotas e Salvador.

A Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC) tem 50

anos de tradição e defesa do ensino católico superior no Brasil. Ela contabiliza 17

universidades, 15 Centros Universitários e cerca de 120 faculdades presentes em

123 municípios. O interesse não é de fundar Universidades Católicas e sim

proporcionar oportunidade de estudo a quem deseja participar de um mercado

tecnológico e cada vez mais competitivo, assim como promover a educação cristã

evangélico-libertadora, entendida como aquela que visa a formação integral da

pessoa humana.

A Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae do papa João Paulo II é um

documento que serve para pensar como é possível uma identidade da Universidade

Católica no plano intelectual e científico. Ela pretende que a Universidade se

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20

consagre sem reserva à causa da verdade sobre a natureza, do homem e de Deus e

se empenhe em todos os caminhos do saber. Propõe que, na exploração das

riquezas da revelação Divina e da natureza, em um esforço da inteligência e da Fé,

se processe o significado da tecnologia e crescimento industrial, a fim de garantir o

bem autêntico das pessoas e da sociedade.

O papa deixa claro nesse documento que deseja que estudantes se tornem

homens e mulheres admiráveis no saber, prontos a realizar tarefas responsáveis na

sociedade. A inspiração cristã, que leva o diálogo entre fé e razão e a preocupação

ética, sob uma perspectiva transcendente, deve abranger não só as pessoas, mas a

comunidade universitária como um todo. Acentua a Constituição Apostólica Ex

Corde Ecclesiae que:

É essencial convencermo-nos da prioridade da ética sobre a técnica, do primado da pessoa sobre as coisas, da superioridade do espírito sobre a matéria. A causa do homem só será servida se o conhecimento estiver unido à consciência. Os homens da ciência só ajudarão realmente a humanidade se conservarem o sentido da transcendência do homem sobre o mundo e de Deus sobre o homem. (1990, p. 6).

Os princípios éticos são universalizáveis, uma vez que tendem a valer para

todos. Entretanto percebe-se distância dos princípios éticos fundamentais que

orientam, esclarecem, fundamentam e questionam os códigos morais e os

ordenamentos jurídicos. Se alguém é cristão, deve seguir valores e princípios que

essa religião prescreve. Todavia, ao partilhar a mesma coletividade, seguir a própria

religião não pode impedir de avaliar racionalmente determinadas condutas como

negativas, se elas são obstáculos para a igualdade dos direitos e obrigações

fundamentais e reforçam a exclusão.

A Ex Corde Ecclesiae fundamenta diretrizes e normas para as Universidades

Católicas. Nessa Constituição, a Universidade Católica é tida como comunidade

acadêmica que, inspirada na mensagem de Jesus Cristo e fiel à Igreja, trabalha com

o ensino, a pesquisa e a extensão, dedicando-se à evangelização e formação

integral de seus membros (alunos, professores, funcionários), assim como para o

aumento da cultura, ética da solidariedade e promoção da dignidade transcendente

da pessoa humana.

Ao falar de interdisciplinaridade, tão discutida em todas as Universidades do

mundo, é explícita na Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae que, nas

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21

disciplinas de Teologia e Filosofia, deve ser feita reflexão sobre o homem, sobre a

realidade e sobre Deus. Faz-se plenamente a abertura da visão do estudante para o

mundo e para o sentido da vida, no uso de todos os recursos da ciência, da arte e

da cultura. Certifica-se a liberdade para outras religiões entre mestres e alunos,

exigindo-se o respeito pela identidade e propósitos da Universidade Católica. A

Constituição inclui estímulo à convivência universitária solidária, ao diálogo interno e

ao diálogo voltado para outras Universidades, ao espírito de cooperação e à

preocupação com a promoção da justiça social. Princípios que revelam uma

Universidade peculiar em que não predominem o tecnicismo ou o cientificismo, a

discriminação, a imposição social de uma pessoa sobre a outra.

O caráter da Universidade Católica é confessional, de espírito comunitário e

filantrópico. Ultrapassa a ideia de condicionamento ao mercado de trabalho e

assume compromissos com princípios relativos à promoção de respeito entre os

povos e outras manifestações de cidadania. De acordo ainda com a Ex Corde

Ecclesiae,

Toda a Universidade Católica, enquanto Universidade é uma comunidade acadêmica que, dum modo rigoroso e crítico, contribui para a defesa e desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural mediante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às comunidades locais, nacionais e internacionais. Ela goza daquela autonomia institucional que é necessária para cumprir as suas funções com eficácia, e garante aos seus membros a liberdade acadêmica na salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade no âmbito das exigências da verdade e do bem comum (1990, p.4).

A Igreja confia uma missão de esperança às Universidades Católicas quando

reveste um significado cultural e religioso de importância fundamental, porque diz

respeito ao futuro da humanidade. Em uma Universidade Católica, há de se

perseguir uma integração do conhecimento, o diálogo fé e razão, a preocupação

ética e a perspectiva teológica.

Cabe salientar que a perspectiva teológica de uma Universidade permite um

caráter ecumênico e sua recolocação no âmbito da esfera pública e da

Universidade, fecundada por métodos das ciências modernas e aberta ao diálogo

com as diversas pesquisas sobre religiosidade e religiões elaboradas a partir delas.

É importante neste momento falar um pouco sobre os Concílios Católicos que

têm nomes de acordo com o local onde ocorreram, e a numeração deve-se à

Page 24: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

22

quantidade de vezes em que foram realizados nesta localidade. São reuniões

eclesiásticas em um esforço comum da Igreja para reaver sua doutrina. Entre tantos

outros Concílios, cabe mencionar o Concílio Vaticano II (1962–1965), que aconteceu

porque situações contemporâneas abalaram a Igreja, o que fez com que o Papa

João XXIII convocasse esse Concílio. Teve como objetivo promover o incremento da

fé católica e uma saudável renovação dos costumes do povo cristão, a fim de

adaptar a disciplina eclesiástica às condições do tempo e do mundo moderno. Na

verdade, esse Concílio quis dar nova orientação pastoral para a Igreja, além de

novas formas de apresentar dogmas católicos ao mundo moderno, mas fiel à

tradição.

O Concílio propõe-se fomentar a vida cristã entre fiéis, adaptar melhor as necessidades do nosso tempo às instituições susceptíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja. (1963, p.1.)

O Concílio considerou importante o ensino na vida do homem e sua influência

cada vez maior no avanço social. Considerou que a educação, nas circunstâncias

atuais, torna-se cada vez mais urgente. O desejo do papa João XXIII, desde o início

do Concílio, era que o mesmo fosse pastoral, ecumênico e não de condenações,

evitando reproduzir fatos já alegados em outros momentos. A Palavra de Deus

ocupou lugar de destaque, mostrando que o Cristo da fé não é outro que o Jesus,

filho de Maria, que vive entre os pobres. Esse Concílio afirmou a base laical da

Igreja e a considerou na perspectiva colegial e não na perspectiva do poder

pontifício ou episcopal, além disso, opta pela qualidade científica das Universidades

Católicas, e não pela quantidade. Foi uma reação ao fenômeno de multiplicação das

Universidades e Faculdades Católicas evidente no início dos anos 60, que refletia

uma massificação do ensino superior em que a explosão do número de estudantes

universitários afetou todas as Universidades do mundo.

O assunto da educação cristã foi publicado no decreto Gravissimum

Educationis. Esse texto começa por manifestação de apreço e do interesse da Igreja

para com as Universidades, reconhecendo a autonomia das disciplinas e liberdade

de pesquisa científica. Na Gravissimum Educationis, fica claro que, com o aumento

de alunos, aumentam-se as escolas, fundam-se outros centros de educação,

aparece a necessidade de outros métodos de educação e instrução. O Concílio

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enunciou alguns princípios fundamentais sobre a Educação Cristã. O primeiro

desses princípios diz respeito ao direito universal à educação:

1. Todos os homens, de qualquer estirpe, condição e idade, visto gozarem da dignidade de pessoa, têm direito inalienável a uma educação correspondente ao próprio fim, acomodada à própria índole, sexo, cultura e tradições pátrias, e, ao mesmo tempo, aberta ao consórcio fraterno com os outros povos para favorecer a verdadeira unidade e paz na terra. A verdadeira educação, porém, pretende a formação da pessoa humana em ordem ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem das sociedades de que o homem é membro e em cujas responsabilidades, uma vez adulto, tomará parte. (Declaração Gravissimum Educationis, 1965, p. 1).

Formação que seja capaz de inserir os estudantes nos agrupamentos da

comunidade humana, de fazê-los aptos ao diálogo com os outros e forçados por

cooperar no bem comum. A Educação Cristã procura introduzir, no conhecimento do

mistério da salvação, os dons da fé que ajudem a conformação cristã do mundo,

mediante a qual os valores naturais assumidos na importância total do homem

redimido por Cristo colaborem no bem de toda a sociedade.

O dever de educar, ainda segundo essa declaração, pertence à Igreja, já que

a mesma tem o dever de anunciar a todos os homens o caminho da salvação, ao

mesmo tempo em que deve promover a perfeição integral da pessoa humana. Essa

declaração a respeito da Educação Cristã explica sobre as escolas que:

Entre todos os meios de educação, tem especial importância a escola, que, em virtude da sua missão, enquanto cultiva atentamente as faculdades intelectuais, desenvolve a capacidade de julgar rectamente, introduz no patrimônio cultural adquirido pelas gerações passadas, promove o sentido dos valores, prepara a vida profissional, e criando entre alunos de índole e condição diferentes um convívio amigável, favorece a disposição à compreensão mútua; além disso, constitui como que um centro em cuja operosidade e progresso devem tomar parte, juntamente, as famílias, os professores, os vários agrupamentos que promovem a vida cultural, cívica e religiosa, a sociedade civil e toda a comunidade humana (1965, p. 3).

Uma escola Católica pode servir como diálogo entre a Igreja e comunidade

humana. A Igreja tem o direito de fundar e dirigir escolas de qualquer espécie e

grau, concorrendo para a liberdade de consciência e defesa dos direitos próprios de

uma cultura. O Concílio Vaticano II proclamou o direito da Igreja de constituir,

conduzir escolas de qualquer natureza e nível, lembrando que o exercício desse

direito compete para a liberdade de consciência e progresso da própria cultura.

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24

A pressão da modernidade fez com que a Igreja percebesse a necessidade

de modificar o seu discurso para se adequar às novas realidades sociais e culturais.

Surgiu uma nova autocompreensão da Igreja. A partir do Concílio Vaticano II, temas

como o da liberdade religiosa, a relação da Igreja Católica com os fiéis e a relação

da mesma com outras Igrejas cristãs foram pensados e discutidos. Mudou-se a

compreensão da Igreja sobre sua presença no mundo moderno. A partir desse

Concílio, compreende-se Deus revelado misteriosamente também em outras

tradições religiosas.

Além disso, ao terminar o Concílio, em 8 de dezembro de 1965, todas as

instituições católicas foram chamadas a se reformar ou se renovar, e a concepção

orgânica da U.C passou a ser a de escolha da integração de fé e saber nas diversas

áreas de atuação da Universidade: pesquisa, ensino, extensão, promoção do

desenvolvimento.

Explicitar investigações éticas presentes em todos os campos de ensino e

investigação sob o ponto de vista cristão é uma das prioridades das Universidades

Católicas, além de examinar valores e normas dominantes na sociedade e na cultura

modernas, assim como comunicar-lhes os princípios e valores éticos e religiosos

significados à vida humana.

A Universidade Católica tem uma proposta pedagógica que é buscar integrar

avanço acadêmico e profissional dos alunos com maturidade na dimensão humana,

na dimensão religiosa, na dimensão moral e na dimensão social. De modo que,

considerada a convicção religiosa de cada um, os alunos tornem-se competentes

em sua área específica, a serviço da sociedade, mas também líderes qualificados,

que vivam e testemunhem a fé na Igreja e no mundo. Os cursos de uma

Universidade Católica devem ser constituídos de disciplinas teológicas ou de outras

disciplinas afins. De acordo com o Ex Corde Ecclesiae,

A teologia desempenha um papel particularmente importante na investigação duma síntese do saber, bem como no diálogo entre fé e razão. Além disso, ela dá um contributo a todas as outras disciplinas na sua investigação de significado, ajudando-as não só a examinar o modo como as suas descobertas influirão sobre as pessoas e sobre a sociedade, mas também fornecendo uma perspectiva e uma orientação que não estão contidas nas suas metodologias. Por seu lado, a interação com as outras disciplinas e as suas descobertas enriquece a teologia, oferecendo-lhe uma melhor compreensão do mundo de hoje e tornando a investigação teológica mais adaptada às exigências de hoje. Dada a importância específica da teologia entre as disciplinas acadêmicas, cada Universidade deverá ter uma Faculdade ou, ao menos, uma cátedra de teologia (1990, p. 6).

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25

A Teologia transforma o olhar. Sua base não é a experiência religiosa, nem a

religião como instituição, mas a fé no Deus que se revela. Olha o fato supondo a

possibilidade e realidade da experiência de Deus. Sem ela, não há Teologia. Ela é

possível e acompanha toda a existência humana como intenção última. Como o

objetivo de uma Universidade Católica é garantir em forma institucional uma

presença cristã no mundo universitário, características essenciais devem estar

presentes como: inspiração cristã, reflexão incessante à luz da fé Católica sobre o

conhecimento humano, fidelidade à mensagem cristã e empenho institucional ao

serviço do povo de Deus e da família humana.

A Teologia tem valor na busca de uma síntese superior do saber e no diálogo

entre fé e razão, a qual fornece a outras disciplinas de uma Universidade Católica

uma perspectiva e uma orientação transcendentes em que uma formação mais

sólida garante lugar no mundo da ciência e da cultura.

Segundo o decreto geral das diretrizes e normas para as Universidades

Católicas, de número 64, uma formação moral apropriada com o estudo da ética

cristã, particularmente a profissional, deve estar presente em todos os institutos e

departamentos da Universidade Católica. As disciplinas devem ter a

responsabilidade de promover a justiça social, o progresso do povo e fazer com que

a Universidade empenhe-se em tornar a educação superior acessível às minorias

sociais, bem como disposta a colocar o saber cristão e humano à disposição de um

público que perpassa o âmbito acadêmico.

2.1 Contexto social, cultural e religioso da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais – PUC Minas

No Vaticano, em 1922, um ato emanado da Santa Sé reuniu o Papa Bento XV

e o Consistório para nomear o Bispo de Natal, Dom Antônio dos Santos Cabral

(1884-1967), para a Diocese de Belo Horizonte.

Por força de um ato emanado da Santa Sé, facultando-lhe o ensejo de desenvolver em outro Estado as qualidades criadoras das mais úteis iniciativas, com que o dotou a natureza. S. S. o Papa Benedito XV, conhecedor das revelações do seu amor ao trabalho e eminente espírito

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organizador, reunido o Consistório em Roma a 21 de novembro de 1921, o transferiu para a nova diocese de Belo Horizonte [...].

A diocese de Belo Horizonte foi elevada às honras de província Eclesiástica,

ascendendo Dom Cabral à condição de Arcebispo Metropolitano. Ele residiu em

vários lugares na cidade e graças a seus esforços e à herança do pai comprou parte

do terreno no bairro Coração Eucarístico onde, aos poucos, foi se instalando a

estrutura da atual PUC Minas.

A Igreja, após a segunda Guerra Mundial (1945), assumiu uma dimensão

humana e universal de afirmação de uma cultura de paz e de solidariedade. A Igreja

latino-americana descobriu a missão defensora dos oprimidos no novo mundo. É um

tempo de expansão da Ação Católica, sob a liderança do Papa Pio XII.

Uma onda de entusiasmo com grande mobilização dos educadores latino-

americanos permitiu a fundação das Universidades Católicas de Medelín, São

Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Campinas, México, Santo Domingo, Quito, entre

outras. Belo Horizonte era uma cidade vocacionada para a vida universitária, afinal

Afonso Pena, o primeiro ministro a chegar à Presidência, já havia dotado Minas

Gerais de uma base educacional que geraria muitos projetos inovadores de impacto

na cultura brasileira.

Em 1948 surgiu a Sociedade Mineira de Cultura, mantenedora da futura

Universidade Católica, com a assinatura dos estatutos no Salão Nobre do

Conservatório Mineiro de Música. As primeiras escolas a serem coligadas pela

Sociedade foram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santa Maria (1943), a

Escola de Enfermagem Hugo Werneck (1945), a Escola de Serviço Social de Minas

Gerais (1946), a Faculdade Mineira de Direito (1949) e o Instituto de Psicologia

Aplicada (1959).

No caso das instituições confessionais, o artigo 20 da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação diz que as Universidades, além de se ocuparem da legislação

nacional, devem se ocupar com as orientações do Magistério Eclesial, exigindo do

reitor bom senso para saber integrar diferentes situações, a fim de estabelecer a

identidade da instituição de que é responsável. Trabalho que exige contínuas

iniciativas, já que a Universidade é um espaço em movimento, com inúmeros

departamentos e áreas do conhecimento em constante atividade.

O humanismo é o vetor fundamental da PUC Minas, que motiva projetos

acadêmicos dos cursos e demais atividades de acordo com os valores que norteiam

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27

as atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade. A intenção é que os

saberes produzidos na instituição contribuam para a compreensão dos problemas da

sociedade em suas dimensões éticas. Esses princípios valorizam a igualdade, a

liberdade, autonomia, a pluralidade, a solidariedade e a justiça.

Com as contribuições do passado, é possível fazer uma adequada reflexão

sobre esses valores que permaneceram e que fundamentam as atividades da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Essa instituição, anteriormente

chamada de Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG), completou em 2012,

54 anos de história.

O Diário Oficial da União, no dia 12 de dezembro de 1958, trouxe o decreto

presidencial de número 45.046, assinado por Juscelino Kubitschek e pelo ministro

da Educação e Cultura, Clóvis Salgado, em que estava reconhecida a Universidade

Católica de Minas Gerais.

Dom Antônio dos Santos Cabral e um grupo de professores discutiram a

necessidade para Belo Horizonte de um espaço para debate de ordem política,

cultural e religiosa, oferecendo à juventude que saía dos colégios, quase todos

religiosos, uma opção de Universidade comprometida com a saúde física e mental

das pessoas.

O primeiro reitor foi o padre José Lourenço da Costa Aguiar em 1959. Em

seguida, em 1960, Dom Serafim Fernandes de Araújo assumiu o cargo de reitor,

permanecendo por 21 anos. Sua atuação na Universidade foi marcada pelo

atropelamento do regime autoritário contra a Igreja Católica e a Universidade. No

período em que foi reitor, o idealizador Dom Cabral morreu (1967), foi elaborada a

carta de princípios com a finalidade de definir os objetivos da Universidade no século

XX (1968), A UCMG assumiu a direção do colégio Santa Maria (1968), a sede da

Universidade transferiu-se para o antigo seminário do bairro Coração Eucarístico,

criou-se a Faculdade de Comunicação Social (1970), aprovou-se e implantou-se o

novo Estatuto da UCMG (1978), e a estrutura administrativa passou para 20

departamentos, reunidos em quatro centros em Belo Horizonte, além disso, a

Sociedade Mineira de Cultura criou a Fundação Dom Cabral (FDC) e a Fundação

Mariana Resende Costa (FUMARC).

A FDC é uma instituição sem fins lucrativos, considerada de utilidade pública,

que surgiu por meio de desdobramento do centro de extensão da PUC Minas. Ela

tem conexão entre teoria e prática, na formação acadêmica de executivos, gestores,

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empresários, empresas e organizações em diversos segmentos. A FUMARC foi

instituída a fim de contribuir para o trabalho de pesquisa a cargo da PUC Minas e

para a realização do serviço de assistência prestado a seus estudantes e servidores.

Oferta produtos e serviços de qualidade, publicando livros e trabalhos de natureza

científica, além de realizar projetos de pesquisa de interesse de administração

pública e privada, bem como realizar concursos e vestibulares, artes gráficas em

geral.

Essa trajetória de trabalho e fé, que marcaram os acontecimentos que traçam

o perfil de um dos maiores centros de produção de conhecimento do Brasil, que é a

PUC Minas, ainda estava começando. Em 1981, o prof. Gamaliel Herval assumiu a

reitoria da UCMG. Sua gestão, no plano administrativo, foi marcada pela expansão e

construção de inúmeros prédios. Gamaliel Herval teve sua caminhada marcada pela

influência do pai, fazendeiro, amigo de Tancredo Neves, pela mãe, uma senhora

tranquila e amiga, pelo professor Lídio Bandeira, que foi um dos examinadores da

banca de avaliação dos candidatos ao exame vestibular da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais. Ele obteve nota zero na avaliação oral feita

por Lídio Bandeira, o que fez com que Gamaliel cursasse direito na Faculdade de

Direito da Universidade Católica de Minas Gerias. Ele foi presidente do Diretório

Acadêmico da Faculdade Mineira de Direito, foi presidente do Diretório Central dos

Estudantes e reitor da UCMG de 1981 até 1984.

A UCMG recebeu em 2 de julho de 1983 o título de Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, outorgado pelo papa João Paulo II. O termo Pontifícia, de

acordo com a Igreja Católica, é utilizado para quem determina o melhor em ensino

superior acrescentado a valores religiosos. É um termo outorgado pelo Pontificado,

ou seja, o papa. De acordo com o art. 1º do Estatuto da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais (p. 4):

A Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), com sede em Belo Horizonte, reconhecida pelo Decreto Federal n. 45.046, de 12 de dezembro de 1958, é uma entidade particular, confessional, criada e mantida pela Sociedade Mineira de Cultura, associação de fins não econômicos, criada em 24 de junho de 1948, e declarada entidade de utilidade pública estadual pela Lei n. 2.278, de 22 de dezembro de 1960, e de utilidade pública federal pelo Decreto n. 61.690, de 13 de novembro de 1967.

A PUC Minas entende que a educação universitária inclui a formação

profissional, mas abarca também as dimensões científicas, éticas e de inserção

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29

responsável na sociedade. Propõe garantir presença cristã no mundo universitário

com fidelidade aos princípios da doutrina cristã e da Igreja Católica. Seu empenho

institucional está ao serviço da família humana, na busca do desenvolvimento

cultural e social, na formação de uma comunidade acadêmica pautada nos valores e

ensinamentos do Evangelho. A PUC Minas é uma instituição pluridisciplinar de

formação, que garante aos seus membros liberdade de estudo, pesquisa, ensino,

extensão, que satisfaz as condições de otimização e racionalização da gestão de

recursos e adaptação dos meios administrativos aos fins institucionais. A

Universidade é regida:

I - pelo Direito Canônico; II - pelos documentos pontifícios relativos à educação superior; III - pela legislação aplicável; IV - pelo Estatuto da Entidade Mantenedora, na esfera de suas atribuições; V - por este Estatuto; VI - pelo Regimento Geral; VII - pelas Resoluções do Conselho Universitário e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão; VIII - pelo Estatuto da Carreira Docente; IX - pelos Regimentos e Regulamentos dos órgãos que a integram; X - por atos do Reitor. (Estatuto da PUC Minas, 2010, p. 8).

Ela possui autonomia institucional, bem como liberdade acadêmica, e por

meio de órgãos próprios pode extinguir, criar, alterar ou fundir órgãos e serviços que

considerar necessários às suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. A

Universidade constitui-se de campi, núcleos universitários, unidades acadêmicas

especiais, sendo que o campus Coração Eucarístico é a unidade sede.

A expansão da Universidade inicia-se em 1991 com o Núcleo Universitário de

Contagem. Em 1994 é criado o Instituto de Educação Continuada, em 1995 é

implantada a unidade da PUC Minas em Betim, em 1997 é implantado o campus de

Poços de Caldas. Em 1998 dá-se a implantação do programa de pós-graduação

stricto sensu da Faculdade Mineira de Direito e em seguida o campus nas cidades

de Arcos (1999), a unidade PUC Minas São Gabriel em 2000, a unidade PUC Minas

Barreiro em 2002 e em 2003 é inaugurado o campus do Serro. Tem-se ainda a

unidade da PUC Minas de Guanhães e Praça da Liberdade em Belo Horizonte.1

1 § 2.º - Os campi, os núcleos universitários, as unidades acadêmicas e as unidades acadêmicas

especiais serão criados, aglutinados, desmembrados ou extintos pelo Conselho Universitário.

Art. 10 – A Universidade se estrutura em departamentos constituídos por campos de conhecimento e agrupados, ou não, em institutos ou em faculdades. (Artigo com redação alterada pela Resolução n.º 12/2010, do Conselho Universitário)

Art. 11 – A Universidade poderá vir a constituir novos campi, unidades acadêmicas e unidades acadêmicas especiais, e ainda desenvolver outras atividades, inclusive cursos experimentais,

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30

Nesse mesmo ano de 2003, o professor Eustáquio Afonso Araújo é nomeado

vice-reitor, assumindo interinamente a reitoria da PUC Minas no lugar do Padre

Geraldo Magela Teixeira em 2004. Eustáquio Afonso Araújo foi um reitor da

transição. Transição porque trouxe para a Universidade um clima de democracia

constituída com respeito e confiança entre todos. Foi uma busca de nova

institucionalidade da PUC Minas, que tem como princípios orientadores a

descentralização e delegação de competências, sendo que o estatuto passa a ser a

principal referência adequada à realidade da educação. A PUC, ainda nesse

período, com a presença de Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães na vice-reitoria,

saiu de um período de inquietações para uma fase de realizações, evidenciando que

a Igreja se faz presente em toda a Universidade. Uma Universidade Pontifícia

destinada a ser ponto entre fé e conhecimento com qualidade de ensino, valores

éticos e liberdade para construir uma vida mais digna para todos. Ainda em março

de 2004, outro momento importante é a nomeação de Dom Walmor Oliveira de

Azevedo como Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

O professor Eustáquio Afonso Araújo permaneceu na reitoria de forma definitiva de

2004 até 2006.

Em 2007, o professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães é nomeado

reitor. Ele tem, em 2010, o mandato prorrogado por mais três anos. Foi no Palácio

Cristo Rei que o arcebispo de Belo Horizonte e Grão-chanceler da PUC Minas, Dom

Walmor Oliveira de Azevedo, assinou, no início de agosto de 2010, o ato de

nomeação para novo mandato de três anos do reitor e da vice-reitora Patrícia

Bernardes da PUC Minas. Ao reitor cabe a responsabilidade de acompanhar

globalmente a PUC Minas, o colégio Santa Maria e o Instituto Dom João Resende

Costa. Também coordenar, orientar e acompanhar a ação evangelizadora e pastoral

em parte da cidade de Belo Horizonte e de Contagem. Trabalha acompanhando

reuniões, informando-se, fazendo indicações e responsabilizando-se pelas questões

que envolvem orçamentos, metas, acompanhamento e execução que dizem respeito

à Universidade. Graças a todo seu esforço e de seus colaboradores, a PUC Minas

atualmente tem o título de melhor Universidade privada do Brasil. Prêmio dado à

instituição pela premiação: Melhores Universidades Do Guia do Estudante Abril e

observadas as prescrições legais e os seus próprios ordenamentos. (Artigo com redação alterada pela Resolução n.º 12/2010, do Conselho Universitário)

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31

Banco ABN Real. Esse reconhecimento também se deu oficialmente pela Comissão

de Educação Católica do Vaticano.

Para garantir a identidade e demandar a definição de focos de trabalho exige-

se estabelecer um Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), que explicita uma

programação das atividades da instituição de ensino, ou seja, é uma forma de bem

articular todo esse processo.

O PDI consiste em capacitar a própria comunidade acadêmica, a fim de levá-

la a ter real compreensão do contexto regional e institucional, vislumbrando a curto,

médio e longo prazo o desenvolvimento da Universidade. Dessa forma haverá

preparo para responder às diferentes situações de avaliação interna e externa,

possibilitando discutir as diferentes tendências no mundo da educação. Segundo o

Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) (2007-2011),

a Sociedade Mineira de Cultura (SMC) é uma “associação de fins não econômicos”, tendo como uma de suas finalidades, definida estatutariamente, a de “manter a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e, subsidiariamente, outras instituições de ensino e pesquisa”. Está ainda assegurado no referido estatuto que os “bens que constituem o patrimônio da Sociedade, assim como suas rendas, só poderão ser aplicados no país e na realização de seus fins” (2007-2011, p. 36).

Ainda de acordo com o PDI (2007-2011), outra particularidade é que a PUC

Minas está apta a receber recursos federais. Cabe ressaltar também que o caráter

confessional e comunitário da PUC Minas, além de revelar princípios filosóficos,

epistemológicos e operacionais, está marcado pelo comprometimento

sociocomunitário. Por isso, tem seu referencial estabelecido pela comunidade

interna e externa, e o compromisso social como parte da sua identidade institucional

e da sua finalidade educacional. A identidade da Universidade de acordo com o PDI

é:

A Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais é uma comunidade acadêmica inspirada na mensagem de Jesus Cristo e fiel à Igreja, que se dedica ao ensino, pesquisa e extensão nos variados ramos do conhecimento, de modo sistemático e crítico. A PUC Minas cuida da evangelização e formação integral de seus membros – alunos, professores e funcionários – e se empenha no serviço qualificado ao povo, contribuindo para o aumento da cultura, a afirmação da ética e da solidariedade, a promoção da dignidade transcendente da pessoa humana, o serviço da Igreja ao Reino de Deus. (2007-2011, p. 18)

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32

O humanismo é o vetor fundamental da PUC Minas que motiva projetos

acadêmicos dos cursos e demais atividades de acordo com os valores que norteiam

as atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade. A intenção é que os

saberes produzidos na instituição contribuam para a compreensão dos problemas da

sociedade em suas dimensões éticas. Esses princípios valorizam a igualdade, a

liberdade, autonomia, a pluralidade, a solidariedade e a justiça

No Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da PUC Minas delineiam-se

as vocações específicas da Universidade como Instituição de Ensino Superior,

confessional, de caráter comunitário.

A identidade da PUC Minas, de acordo com o PDI, desempenha papel

fundante em toda a área de atuação da Universidade como perspectivas e

finalidades plurais. A Universidade pretende ser um agente de busca de

conhecimento que se alicerça no exercício da autonomia da ciência e liberdade do

pensamento acadêmico, na participação ativa na transformação ética da sociedade,

no acompanhamento crítico das mudanças na sociedade e nos indivíduos.

A missão da PUC Minas de acordo com o PDI é:

A Universidade tem como missão promover o desenvolvimento humano e social de alunos, professores, funcionários e comunidade, contribuindo para a formação ética e solidária de profissionais competentes, humana e cientificamente, mediante produção e disseminação do conhecimento, da arte e da cultura, a integração entre Universidade e a sociedade, a interdisciplinaridade e a articulação do ensino, pesquisa e extensão (2007, p.18).

Missão que nasce da busca pela qualidade de formação humana, profissional

e científica articulada entre ensino, pesquisa e extensão, em todos os seus níveis.

Uma busca pelo saber em si e um saber do mundo. Percebe-se assim que a

Universidade busca os seguintes valores e princípios:

A PUC Minas, tendo o humanismo como vetor básico, fundamenta os projetos acadêmicos dos cursos e as demais atividades nos princípios e valores que lhe conferem marca singular e norteiam suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Os saberes internamente produzidos devem estar a serviço da dignidade dos homens e a Universidade tem o dever de contribuir para a compreensão dos problemas da sociedade, com especial atenção às suas dimensões éticas. (PDI, 2007, p. 18).

A PUC Minas tem qualidade de sua atividade-fim: o ensino. Tem

compromisso com a realidade social brasileira em suas relações com o contexto

internacional e formação humanista para o exercício profissional como dimensão da

Page 35: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

33

cidadania. Grande destaque tem sido dado pela instituição aos desafios da

implementação do espírito acadêmico de ensino, pesquisa e extensão.

O raciocínio metódico é a base do crescimento em torno dos conjuntos que

compõem os domínios do conhecimento. A função da Universidade está ligada à

reflexão e não pode dar lugar apenas para a razão instrumental que coloca a técnica

como elemento de ensino, sem embasamento filosófico e científico. Isso pode levar

a uma aprendizagem acrítica e apassivadora. A PUC Minas, além ter como principal

objetivo o de aprimorar a qualidade de ensino, não deixa de cumprir sua missão

educadora e transformadora, levando o conhecimento a outras pessoas. A

instituição reconhece que é fundamental propor políticas e estratégias de

relacionamento e de acompanhamento de seus estudantes, já que essa é uma

maneira eficaz de avaliar a instituição formadora, a qualidade dos cursos, além de

ser uma maneira de estabelecer vínculos com o aluno mediante os programas de

pesquisa, ensino, extensão, os seminários temáticos, a participação em projetos

pedagógicos, entre outros.

Page 36: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

34

3 CARACTERIZAÇÃO DA DISCIPLINA CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS

Tratar da obrigatoriedade das disciplinas de Cultura Religiosa I e II na

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais nos leva a refletir sobre a base em

que o ensino dessa disciplina é ministrado. Embora a Cultura Religiosa, que já

esteve alocada no departamento de Filosofia e Teologia, esteja alocada atualmente

no departamento de Ciências da Religião, é relevante entender como os professores

da disciplina a inserem no currículo em uma perspectiva de formação plena do

cidadão, no contexto de uma sociedade cultural e religiosamente plural, na qual

todas as crenças e expressões religiosas devem ser respeitadas.

A CR na maioria dos cursos da PUC Minas tem como carga horária básica:

CR I 64 h/a e CR II 32 h/a. Entretanto, os cursos de Tecnologia têm apenas 64 h/a.

O que é certo é que todos os cursos da PUC Minas têm a disciplina de Cultura

Religiosa. Há ainda outros cursos que dispõem a CRI e CR II de maneira diferente, o

que leva as disciplinas a serem chamadas de Fenômeno Religioso (CR1) e Homem

e Sociedade (CR2).

A Universidade Católica não quer formar o ser humano apenas para o

mercado de trabalho. O diálogo da ciência contemporânea e religião é o principal

desafio que se apresenta. A disciplina de Cultura Religiosa não quer evidenciar o

aspecto confessional da teologia, mas sim seu caráter humanizador, público,

interconfessional e dialógico.

Segundo o decreto Geral das Diretrizes e Normas para as Universidades

Católicas da CNBB de número 64, a reflexão teológica e a reflexão filosófica

configuram-se como patrimônios constitutivos dessa Universidade e devem

contribuir para a formação integral do ser humano. A Cultura Religiosa, estando

presente em todos os cursos, oferece à Pró-reitoria de graduação condições para

articulação e execução de projetos comuns e em qualquer situação, o que garante

lugar epistemológico dessas disciplinas. A Cultura Religiosa I tem basicamente

como ementa:

O fenômeno religioso: experiência e Linguagem. O fenômeno religioso com a experiência específica: limites e possibilidades da experiência de Deus; as categorias fundamentais de interpretação e de linguagem do fenômeno religioso. A Bíblia em sua formação histórica, cultural, literária. Os critérios de interpretação, os temas e as perspectivas de estudo da bíblia e a abertura à experiência. O Cristianismo, sua origem e fundamentos e a

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35

pessoa de Jesus. Os desafios do diálogo ecumênico e inter-religioso no contexto de um mundo globalizado. (Plano de Ensino da Pedagogia, 2011).

Já se entende que, embora a Universidade seja uma instituição Católica, há

uma diversidade cultural religiosa presente, e a Cultura Religiosa não deve ser

entendida como ensino de uma religião ou das religiões, mas sim uma disciplina

embasada nas Ciências da Religião, visando proporcionar o conhecimento dos

elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências

religiosas percebidas no contexto dos universitários. Deve buscar disponibilizar

esclarecimentos sobre o direito à diferença, valorizando a diversidade cultural

religiosa presente na sociedade, no constante propósito ético de promoção dos

direitos humanos. A Cultura Religiosa II tem essencialmente como ementa:

Fundamentos para a práxis cristã, a partir do Ensino Social da Igreja. A categoria pessoa, fundamento antropológico do Ensino Social da Igreja, em diálogo com as categorias antropológicas contemporâneas. Análise de temas atuais à luz do Ensino Social: a família e a dimensão afetivo-social, o mundo do trabalho e a situação da propriedade, o sentido da economia; a origem social e política, a consciência de cidadania, o compromisso com o cuidado e a defesa da vida e as perspectivas de construção de uma nova ordem mundial centrada no Amor e na Paz. (Plano de Ensino da Pedagogia, 2011).

Acredita-se que a discussão de temas como ética e moral sejam importantes

para quem está se formando, porque sensibiliza para a importância das questões

sociais e a responsabilidade dos profissionais com relação à sua área. A discussão

que a Cultura Religiosa pode promover sobre relacionamento interpessoal é de

extrema importância para a formação integral de uma pessoa. Defende-se a reflexão

sobre a pessoa humana e o fenômeno religioso em suas diversas expressões, bem

como o desenvolvimento de um compromisso ético em relação ao exercício das

próprias atividades e engajamentos profissionais. Procura-se ver o fenômeno

religioso tal como ele se mostra em termos de significados relacionais, na dinâmica

da vida da pessoa e em seu mundo existencial.

As disciplinas de Cultura Religiosa devem rever e adequar as ementas e

conteúdos das mesmas para o contexto pedagógico de cada curso, bem como dar

visibilidade para a função da disciplina, que precisa assumir a perspectiva do diálogo

e respeito com todas as ciências e áreas do saber presentes na Universidade.

Devem também mostrar os valores humanos e comunitários que contribuem para a

formação de profissionais com responsabilidades sociais e éticas.

Page 38: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

36

Tendo em vista dados da pesquisa do Instituto LUMEN, realizada em agosto

de 2000, sobre a Cultura Religiosa I e II, evidencia-se uma avaliação positiva da

Cultura Religiosa. Entretanto, houve um comum acordo de uma maioria de alunos

que considerava a carga horária da disciplina excessiva. Nessa pesquisa, os alunos

avaliaram que 90 horas/aula de carga horária das disciplinas de Cultura Religiosa I e

II são demasiadas frente ao pouco tempo dispensado para as disciplinas de

formação profissional de cada curso. Além disso, às disciplinas técnicas é atribuída

mais importância do que às disciplinas humanísticas. Isso se deve ao fato de muitos

alunos não enxergarem função prática nas disciplinas humanísticas para sua

profissão, as quais deveriam ser entendidas como parte indispensável de uma

formação integral tanto em termos de possibilidade do exercício da reflexão quanto

de melhora do relacionamento interpessoal.

Ainda que a PUC Minas seja uma Universidade confessional, percebe-se,

pelos dados dessa pesquisa do Instituto LUMEN, que a escolha pela instituição não

estava ligada ao fator religioso e sim à qualidade de ensino da mesma. Havia uma

preocupação dos alunos com a formação para o mercado de trabalho. Ainda de

acordo com essa pesquisa qualitativa: “A pressa em se profissionalizar faz com que

os alunos não dêem a importância devida às disciplinas de conteúdo reflexivo,

consideradas por eles indispensáveis enquanto base, alicerce do conhecimento”

(LUMEN, 2000, p. 13). Há pressa de profissionalização, o que de acordo com os

alunos só se baseia em um ensino prático.

A escolha de qual período as disciplinas devem estar e o horário das mesmas

fica a critério de cada coordenação de curso. Ainda de acordo com a pesquisa do

Instituto LUMEN, em que se perguntou ao coordenador da disciplina qual seria o

melhor período e horário para dispô-la, o mesmo respondeu que: “Tanto no primeiro

semestre quanto no último não é bom. No primeiro, os alunos não estão preparados

e, no último, estão mais preocupados em se formar. O ideal é no 2º, 3º ou 4º

períodos, é onde a avaliação é mais positiva” (LUMEN, 2000, p. 42).

Com dados dessa mesma pesquisa, percebeu-se que a carga horária total

distribuída em CR I e CR II é de 96 horas/aula. Geralmente, CR I com 64 horas/aula

e CR II com 32 horas/aula. Essa carga horária provocou, de acordo com a pesquisa

do Instituto LUMEN, divergências de ideias entre alguns professores. Uns chegaram

a dizer que consideravam 64 horas/aula suficiente, enquanto outros professores

Page 39: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

37

consideravam 32 horas/aula inadequado. Quer dizer que, para a maioria

entrevistada, o ideal é que CR I e CR II tivessem a mesma carga horária.

Dentro dos objetivos propostos da CR I e da CR II, para trabalhar com essa

disciplina, os professores utilizavam materiais como: textos xerocados, propondo

leitura, reflexão, debates e seminários. Não havia um livro ou material didático

próprio, entretanto, ainda segundo dados dessa pesquisa, o material trazido pelo

professor atendia às necessidades das disciplinas.

A disciplina Cultura Religiosa reflete as diretrizes e normas da Universidade.

A Cultura I tem a intenção de promover a compreensão da dimensão religiosa e da

existência humana, sensibilizando os alunos para sua importância, por ser a

dimensão fundamental que abre a pessoa ao sentido global e transcendente da vida,

apresentando a experiência cristã como sentido profundo e desafiante para a

sociedade contemporânea.

A Cultura II quer apresentar os elementos fundamentais da visão

antropológica cristã, fundamentar a ética cristã diante dos desafios atuais e suas

exigências nas diversas relações entre homem, sociedade e natureza, bem como

levar à compreensão e avaliação crítica e ética da sociedade contemporânea,

buscando sua superação em uma nova ética da solidariedade.

A Cultura Religiosa deve ser uma práxis de descoberta daquilo que existe em

cada um, adotando uma postura crítica a esse respeito. O intuito em formar

profissionais reflexivos é muito importante, é formar profissionais com consciência

crítica, conhecedores da realidade onde estão inseridos e abertos a uma nova visão

de sociedade. É formar profissionais que sejam capazes de pautar suas ações pela

ética, considerando os seres humanos como iguais portadores de direitos e sujeitos

de um processo de construção de novas relações.

A atual pesquisa não traça dados de alunos, mas procura, através de

conversas com professores de CR, coordenador da CR e chefe do departamento de

Ciências da Religião, traçar a realidade da CR dentro da PUC Minas. Pode ser útil

para os docentes envolvidos no sentido de reverem sua prática educacional, além

de oferecer assistência no planejamento e organização das ementas da disciplina de

CR. Além disso, poderá se constituir como oportunidade de apontar caminhos que

estejam em concordância com a realidade dos universitários. Do ponto de vista

social, tomando como referência a concepção de que a CR engloba aspectos

fenomenológicos e éticos que se destinam a auxiliar o diálogo religioso entre as

Page 40: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

38

pessoas, esta pesquisa pode ser útil na medida em que contribuir para que a CR

realize esse objetivo, sobretudo levando-se em conta que o cidadão deve ter

oportunidades de conhecer e respeitar a diversidade religiosa que se verifica no

mundo.

3.1 Perfil dos docentes de Cultura Religiosa na PUC Minas

É preciso entender que os docentes de Cultura Religiosa trazem consigo a

marca de uma trajetória existencial que os identifica.

Apresentar essas características é reconhecer que elas configuram a ação do

docente. A vida é repleta de diversas escolhas, e para esses professores uma

dessas escolhas é a opção em serem docentes na área de formação de cidadãos

críticos e responsáveis quanto ao discernimento da dinâmica dos fenômenos

religiosos, que perpassam a vida em âmbito pessoal, local e mundial.

Dos dados levantados para a pesquisa, constam 54 professores de Cultura

Religiosa. São 41 professores e 13 professoras. Deste total de professores, apenas

10 são religiosos (frei, padres ou irmãs). O gráfico abaixo traz esta relação e

acrescenta outros dados que podem ser considerados importantes nesta pesquisa.

Page 41: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

39

Através da realização de um grupo focal com três professores e da realização

de entrevistas com outros docentes, registra-se que: um dos professores que

participaram do grupo focal leciona a Cultura Religiosa nos cursos de Direito,

Ciências Contábeis, Administração, Engenharia de Controle e Automação,

Publicidade e Propaganda. Outro docente que também participou do grupo focal

ministra a Cultura Religiosa nos cursos de Engenharia de Controle e Automação,

Direito, Administração e Enfermagem. O terceiro docente envolvido é professor de

Cultura Religiosa nos cursos de Psicologia, Biologia, Comunicação Assistida, Letras

e Pedagogia. Quanto aos professores entrevistados, lecionam a Cultura Religiosa

para os cursos de Filosofia, Direito, Ciências Contábeis, Relações Internacionais,

Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Tecnologia em Gestão Financeira,

Administração, Sistemas de Informação, Enfermagem, Ciências Sociais, Arquitetura,

Fisioterapia, Odontologia e Engenharia Civil. São professores que ressignificam sua

atuação profissional no sentido de realizar uma docência de acordo com o projeto

pedagógico de cada curso em questão.

Quanto ao gênero, o grupo pesquisado compõe-se por uma mulher apenas e

oito homens. Dos cinquenta e quatro professores que trabalham com a Cultura

Religiosa na PUC Minas, percebe-se uma composição significativa do sexo

masculino.

Com relação à formação acadêmica dos pesquisados, há basicamente

teólogos, filósofos, psicólogos, historiadores, pedagogos, alguns com

especialização, mestrado ou doutorado em Ciências da Religião ou Teologia.

Não é exigido um pré-requisito confessional católico para se trabalhar com a

Cultura Religiosa na PUC Minas. O tempo de experiência dos professores

pesquisados como docentes dessa disciplina é variável e representa uma

caminhada construída ao longo de anos. Maurice Tardif (2002), em seu livro

Saberes docentes e formação profissional, explica que com o passar dos anos o

professor com sua cultura, seu estilo, suas ideias, suas funções, seus interesses e

outras características vai incorporando aspectos de sua atividade pessoal

construídos no transcorrer da prática em sala de aula.

Em relação aos campi em que os docentes envolvidos na pesquisa

trabalham, a maioria atua no campus do Coração Eucarístico, mas há entrevistados

que trabalham no campus do Barreiro e no campus de Betim.

Page 42: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

40

Quando questionados sobre quais seriam os objetivos da disciplina Cultura

Religiosa, a maioria disse que os objetivos são os que estão definidos pelos cursos

nas ementas de CR I e CR II. Estes seriam os objetivos formais. No entanto, outros

objetivos seriam o de abrir os horizontes de compreensão da cultura, sociedade e

ciência a partir da dinâmica da religião em seu interior e oferecer elementos para o

enriquecimento da própria formação humana pessoal. Além disso, de acordo com os

relatos colhidos, a disciplina de CR busca viabilizar aos alunos o estudo e,

consequentemente, a compreensão da dimensão religiosa em sua formação pessoal

e institucional. A relevância da CR se vincula ao fato de indicar ao ser humano

possibilidades de abertura ao sentido mais global da vida.

Cabe salientar então a importância da discussão do papel do fenômeno

religioso na vida das pessoas, na sociedade, bem como mostrar que a religião é um

componente cultural e que a CR deseja formar alunos em uma perspectiva ético-

solidária.

Quanto à tradição religiosa dos participantes, não se preocupou em saber

quantos são católicos, evangélicos, espíritas e demais crenças religiosas, mas se

preocupou se a CR é ministrada com conteúdos confessionais ou não.

Verificou-se, então, que a maioria dos pesquisados respondeu que não

ministra a disciplina com conteúdos confessionais. A perspectiva de ensino da

maioria dos professores pesquisados segue as orientações presentes no plano de

curso e explicitadas nas ementas, nos objetivos e nas respectivas unidades de

ensino. Tais orientações priorizam o estudo da religião como fenômeno social e

antropológico com sua especificidade de linguagem. Apresenta-se o caráter

universal do fenômeno religioso, presente na busca humana pelo sentido da vida. A

institucionalização das experiências religiosas é concebida como construção

humana no intuito de formalizar os processos de experiências transcendentes.

Entretanto, a conclusão que se pode chegar quanto a esse assunto é que os

conteúdos confessionais são o ponto de partida para um diálogo mais profundo e

aberto com os alunos sobre o fenômeno religioso como um todo. Segundo um

docente, é impossível não ter uma ideologia, uma convicção, uma ideia de

referência pessoal que supõe uma opção pessoal de vida e de critérios de

comportamento. A proximidade com o catolicismo levou certo docente a procurar

aulas de Cultura Religiosa na PUC. Considera não ser católico por dar aulas de

Cultura Religiosa na PUC Minas, mas considera-se professor de Cultura Religiosa

Page 43: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

41

na PUC Minas por ser católico. Esse professor considera que dentro da grande

diversidade de mediações católicas, afina-se com um catolicismo latino-americano

de libertação, de tradição de engajamento social e transformador. Opção religiosa

que deixa claro no primeiro dia de aula com os alunos e também deixa claro que não

existe neutralidade ideológica em ninguém. Tem sua fé, professa o Credo de uma

religião histórica, tem suas opções pessoais, deixa-as claramente definidas e aceita

outras mediações de alunos e colegas.

Neste momento, é importante explicar que, de acordo com Antoniazzi (1975,

p. 47) há duas principais concepções de confessionalidade que podem ser

concretizadas em uma Universidade Católica. Uma caracterizada pela justaposição

dos termos Universidade e Católica, no plano do conhecimento concebida segundo

a epistemologia positivista, e no plano da fé, que considera como pertencente a

outra ordem do conhecimento e, portanto, sem conflito com a ciência. Ainda nessa

primeira concepção, no plano do ensino ou extensão há disciplinas religiosas

(Iniciação à Teologia ou Cultura Religiosa), ao lado de disciplinas científicas e

técnicas. Nessa concepção de confessionalidade fica evidente que pouco importa o

tipo de Universidade efetivamente implantada. A catolicidade não é determinada por

ela, mas apenas se acrescenta.

Já a segunda concepção de confessionalidade é a chamada concepção

orgânica. Supõe uma determinada concepção da Universidade que se diferencia e

mesmo se opõe à concepção dominante. Seria a Universidade que se satisfaz em

praticar lealmente o método científico, deixando de lado todo problema do sentido

com disciplinas justapostas (podendo incluir a Teologia), em que há interação entre

as disciplinas, com questionamentos recíprocos sobre o sentido global da prática

científica. Nesse caso, a ciência sai da neutralidade e se confronta com outras

dimensões da cultura e sociedade em busca de um projeto que tenha sentido para o

homem. Apenas uma Universidade desse tipo pode ser organicamente católica

quando busca a dimensão da fé cristã.

Os docentes, em sua maioria, afirmam que a CR tem importância na

formação acadêmica, profissional e pessoal dos alunos. A disciplina favorece o

conhecimento dos conteúdos humanísticos presentes na estrutura teórica e prática

das diversas expressões religiosas do mundo. O conhecimento da diversidade de

opções religiosas e de suas fundamentações e contribuições para o processo de

humanização pode ajudar os alunos a assimilarem uma postura de tolerância e de

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42

diálogo com as diversas manifestações religiosas presentes no mundo

contemporâneo. Da mesma forma, A CR desenvolve o pensamento crítico e

complexo, estimulando uma existência mais aberta e dialogal. É uma matéria de

formação geral básica. Trata de questões humanas, na sua dimensão antropológica,

social, espiritual, ética. É uma proposta ampla e basicamente humanista. Toda

formação acadêmica, humana, profissional necessita dessa vertente humanista. Não

adianta formar um engenheiro, é necessário formar um ser humano com capacidade

técnica que saiba relacionar-se bem com os outros e com a vida mesma, que pense

não somente a engenharia, mas também qual é o tipo de engenharia que se precisa

hoje e o tipo de engenheiro adequado ao momento em que se vive. A fim de refletir

sobre a realidade de cada ser humano, a CR sai do aspecto definido e parcial do

estudo concreto para pensar no global. A importância acadêmica e profissional da

matéria é fundamental por fazer referência direta ao ser humano.

Quanto à receptividade e expectativa com relação à CR que os professores

notam nos alunos, todos sem exceção explicaram que o primeiro contato,

geralmente em CR 1, é de rejeição e de incompreensão da matéria. Nas primeiras

aulas, um dos professores pesquisados disse que convida os alunos a partilharem

suas expectativas e curiosidades a respeito da disciplina. Percebe que a maioria dos

alunos não vê razões para o estudo da CR e que preferiria outra disciplina de caráter

mais pragmático. Por outro lado, após questionamentos e reflexões, possibilitados

nas primeiras aulas em que se apresentam a ementa e os objetivos da disciplina,

emerge nos alunos uma postura de maior acolhimento das propostas de estudo,

especialmente daqueles conteúdos relacionados com a diversidade cultural e

religiosa, como a importância do diálogo inter-religioso e do conhecimento dos

valores humanos presentes nas diversas expressões religiosas. É necessário muito

trabalho para explicar bem a proposta da disciplina, fazer sentir as carências

humanas que podem ser refletidas na universidade. A universidade não pode opor-

se ao universal. Ela não pode deixar de ser humana. Não pode deixar de refletir a

sociedade. Uma vez que a proposta fica bem entendida, há uma boa aceitação

pelas turmas, mas não chega a ser unânime.

Os alunos desejam o pragmatismo no curso que escolheram, entendem que

necessitam estudar as disciplinas metodológicas e não se importam com disciplinas

reflexivas, como é o caso de CR. Entretanto, as propostas de reflexão, silêncio e

análise devem ser bem vistas em uma sociedade que pensa que “tempo é dinheiro”

Page 45: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

43

e que coloca seu critério de ação principal no EU. Para os professores há uma

preocupação maior com os cursos que são mais pragmáticos e menos reflexivos.

Questionou-se ainda se há adequação e ligação das temáticas trabalhadas na

CR às demais disciplinas dos cursos. É importante salientar que temas que

envolvem a religião são transversais. Em alguns cursos é mais fácil dialogar a CR

com as disciplinas específicas. As temáticas da CR podem discordar em relação às

temáticas técnicas de cada curso. Em Comunicação, por exemplo, pode ser que se

entre em conflito entre a defesa da verdade e o marketing; em Administração pode

ser que não se entenda bem a ideia do Bem Comum por cima do lucro da empresa,

ou a solidariedade versus o lucro empresarial. A adequação exige conhecer muito

bem o projeto pedagógico de cada curso e entrar nas propostas sociais e humanas

que, de fato, existem nas propostas curriculares, na missão da PUC e nos projetos

pedagógicos. Enfim, a ligação da CR com as temáticas dos cursos são feitas de um

modo mais privilegiado quando há a inserção da CR nos trabalhos interdisciplinares.

Registra-se ainda que os professores notam uma modificação da religiosidade

nos alunos após cursarem as disciplinas de CR. Há uma alteração na forma de

compreender a religiosidade e a religião. Há um novo interesse e uma nova forma

de enxergar a religião dentro da realidade. Há alunos que mudam atitudes de vida e

se tornam mais críticos. Os professores falam que há retornos animadores e

importantes. Não se dá com unanimidade, nem chega a ser maioria, mas se sabe

que a CR é bem aproveitada por uma minoria. De acordo com os docentes

pesquisados, o interessante é que há alunos que chegam a declarar diminuição na

sua intolerância e no seu preconceito em relação a outras expressões religiosas.

Avaliar constantemente os conteúdos e métodos da matéria foi a principal

sugestão citada pelos professores para melhor aproveitamento da CR. Sugeriu-se

também dialogar constantemente com os alunos, incorporar-se às atividades

pastorais e de extensão da PUC, montar material bem específico, bem como ter

mais tempo para poder dedicar tempo pessoal ao estudo e aos alunos. Além disso,

sugeriu-se a inserção ainda maior do professor em cada um dos cursos em que

leciona, a fim de que o mesmo se envolva nos projetos interdisciplinares e participe

das reuniões e fóruns de discussão e seminários.

Entrevistas também foram realizadas com o coordenador da disciplina de

Cultura Religiosa, bem como com o responsável pelo departamento onde a CR está

alocada. A disciplina já esteve alocada no Departamento de Teologia, mas

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44

atualmente pertence ao Departamento de Ciências da Religião, Instituto de Filosofia

e Teologia Dom João Resende Costa.

As disciplinas de CR I e II são obrigatórias em todos os cursos da PUC Minas,

nos cursos presenciais e nos cursos de educação à distância. Os cursos de

Tecnologia têm uma carga horária menor (64 h/a) em razão de terem também uma

carga horária total reduzida.

De acordo com o coordenador, os programas das disciplinas estão em

sintonia com as diretrizes e normas da Universidade, uma vez que obedecem às

normas que regem as universidades e faculdades católicas. Normas de número 13,

expressas na Ex Corde Ecclesiae, que dizem:

13. Uma vez que o objectivo de uma Universidade católica é garantir em forma institucional uma presença cristã no mundo universitário perante os grandes problemas da sociedade e da cultura, ela deve possuir, enquanto católica, as seguintes características essenciais: 1. uma inspiração cristã não só dos indivíduos, mas também da Comunidade universitária enquanto tal; 2. uma reflexão incessante, à luz da fé católica, sobre o tesouro crescente do conhecimento humano, ao qual procura dar um contributo mediante as próprias investigações; 3. a fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja; 4. o empenho institucional ao serviço do povo de Deus e da família humana no seu itinerário rumo àquele objectivo transcendente que dá significado à vida. (1990, p. 4)

Cabe ressaltar que cada curso apresenta seu Projeto Pedagógico com sua

estrutura própria, atendendo às exigências do MEC quanto à carga horária, núcleos

gerais e específicos, tendo a liberdade de alocar as disciplinas de CR 1 e CR 2 de

acordo com esses critérios. A carga horária básica é CR I 64 h/a e CR II 32 h/a. Os

cursos de Tecnologia têm apenas 64 h/a como mencionado anteriormente. Sobre os

materiais didáticos, cada professor tem autonomia de utilizar data show, vídeos,

dinâmicas, visitas, debates, seminários etc. Sobre os horários em que as disciplinas

são ministradas, eles variam muito. Há grande concentração, hoje menor, na 6ª.

feira e sábado. Geralmente, as disciplinas são oferecidas nos primeiros períodos (2º.

ao 5º.), mas há muitas exceções.

A integração da CR com as demais disciplinas dos cursos depende de cada

curso, depende da gestão do período. Há coordenadores de curso que geram

grande articulação entre as disciplinas. Outros não se preocupam com isso. Não há

uniformidade nesse processo. Nas Unidades fora do Coração Eucarístico também

Page 47: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

45

acontece maior articulação entre as disciplinas e as outras do curso; entre as

disciplinas e professores de CR e também a Pastoral.

Ainda de acordo com o coordenador da CR, que também é professor,

inicialmente, parte dos alunos tem alguma resistência com a disciplina. Entretanto,

nas avaliações de final de curso, a escolha de professores de CR como

homenageados e paraninfos demonstram que há boa receptividade e

aproveitamento na disciplina. Como um dos objetivos da Universidade Católica é

garantir em forma institucional os valores cristãos, pensando na aspiração da atual

sociedade brasileira por conhecimento crítico, humanístico e ético, a disciplina, as

ementas e a prática docente contemplam tal objetivo.

Em razão da especialização da sociedade, fruto da complexa divisão social

do trabalho, a maioria dos alunos não conhece quase nada de religião, nem sobre a

sua própria comunidade de fé. Há inúmeros preconceitos, ignorância sobre questões

fundamentais, como, por exemplo, critérios básicos de interpretação de um texto

sagrado. Nesse sentido, a CR propicia conhecimento acadêmico, crítico e pessoal

que qualifica o estudante para aprofundar seu sentido de vida para se relacionar e

atuar na sociedade, inclusive profissionalmente. Todos têm que conviver com

pessoas diferentes, com diferente concepção de vida e da religião. Conhecer e

aprofundar sobre os temas fundamentais da religião ajuda o aluno a ampliar seu

horizonte de vida.

3.2 Cultura Religiosa: dispositivo institucional – a multiplicidade de formas de

expressão em outras instituições católicas

Com o intuito de ampliar os horizontes de análise da investigação, uma

pesquisa de campo foi realizada em duas Universidades Católicas: a Pontifícia

Universidade Católica de Campinas e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná,

a fim de observar e conhecer outras realidades em que a CR é ministrada.

Embora a presente pesquisa seja sobre aspectos éticos e fenomenológicos

da Cultura Religiosa na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e ainda

que a mesma não se paute em dados estatísticos específicos, é relevante apontar

outros exemplos de instituições que trabalham com a CR a fim de observar se são

moldadas dentro de seus padrões religiosos.

Page 48: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

46

A escolha da Pontifícia Universidade Católica de Campinas deve-se ao fato

de que nessa instituição a disciplina correspondente à Cultura Religiosa é a

disciplina de Antropologia Teológica. A escolha da PUC Campinas deve-se ainda ao

fato de a mesma possuir um Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

(CCHSA), em que a Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas faz parte.

Na PUC Campinas, a disciplina surgiu com o nome de Cultura Religiosa, de

1941 até meados de 1960. Depois recebeu o nome de Teologia, e a partir de 1978

aconteceu uma reflexão teológica, sendo que a CR (Teologia) passou a ser

chamada de Antropologia Teológica, que sofreu um processo de avaliação e

reestruturação desde 2004. No início, era uma disciplina a parte dos currículos, mas

Antoniazzi trouxe a ideia de inserção e autonomia com a ABESC. Reuniu-se um

conselho da Faculdade que se propôs ao objetivo de promover a avaliação das

disciplinas de AT, procurando detectar as dificuldades e os impasses frente aos

novos desafios que surgiram no ensino universitário nos últimos anos, a fim de

repensar a estrutura epistemológica, ou seja, os fundamentos, o valor, a

especificidade e os objetivos dessa disciplina no contexto da PUC Campinas.

AT é dividida em Antropologia Teológica A (pessoa), Antropologia Teológica B

(mundo) e Antropologia Teológica C (ética e ciência). Existem em todos os cursos da

Universidade. É uma determinação da Igreja Católica e existe pouca tendência de

diminuir a carga horária da disciplina. Há ainda uma determinação da Pró-reitoria em

colocar a AT no 1º, 2º, 3º ou 4º horário dos cursos. Aos sábados não há AT há 10

anos. É uma disciplina reflexiva, confessional, mas não catequética.

Todas as AT`s são pensadas como 3 momentos de uma reflexão sobre o ser

humano à luz da Teologia, denominado de ATA: Momento Antropológico, ATB:

Momento Teológico e ATC: Momento Ético. Os professores tentam ao máximo

mostrar a relação entre teologia e o curso, mostrar o porquê de se estudar a fim de

formar seres com valores humanos. Mostrar, por exemplo, que a dimensão religiosa

não pode ficar fora da formação acadêmica do aluno e que tudo que é

profundamente cristão é profundamente humano.

ATA é a reflexão que ressalta a realidade histórica em que o universitário está

inserido. Não partir do fenômeno religioso como algo dado, mas procurar mostrar

como o religioso se apresenta diluído nos diferentes segmentos da sociedade.

ATB é a reflexão que se propõe a interpretar a relação da realidade (abordada

em ATA) com o saber teológico, especialmente a partir da chave de leitura da fé

Page 49: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

47

cristã, e também pensar quais alternativas o cristianismo pode oferecer à sociedade

considerando o ambiente e o saber científico de onde o curso é desenvolvido.

Consideram-se as contribuições de outras religiões e não se restringe a uma

abordagem confessional.

ATC é a reflexão e a proposta de um agir, enfatizando o diálogo com o saber

específico de cada ciência. Corresponde à contribuição da Universidade inspirada

em sua missão, para que o universitário compreenda o alcance histórico, ético e

cultural de suas ações na sociedade.

As ementas de cada AT são: ATA – a partir de conceitos teológicos, estimula

o aluno a problematizar e analisar criticamente a construção do ser humano na

complexa sociedade atual, de massa e de consumo, em que vive, e a cultura nela

produzida. ATB – com os conceitos fundamentados pela Antropologia Teológica,

reflete sobre a degradação da vida, do ser humano, da sociedade e da natureza e

aponta horizontes de defesa, promoção e afirmação da vida. ATC – fundamentada

na ética teológica e na perspectiva do diálogo com as diversas tradições religiosas, e

com as várias áreas do conhecimento humano, oferece ao aluno condições para a

elaboração de respostas aos desafios contemporâneos.

Na PUC Campinas, são 28 professores de Antropologia Teológica. É

aconselhado, de acordo com a entrevista realizada com o coordenador dessa

disciplina, que todos os professores de AT sejam formados em Teologia, que os

mesmos se envolvam em grupos de pesquisa e que se qualifiquem com uma pós-

graduação stricto sensu em Ciências Humanas e que ainda se envolvam com

projetos da Universidade, como Práticas de Formação e Cursos de extensão

interdisciplinares.

Em conversa com alguns professores de AT, eles reconhecem o desafio que

é ministrar a disciplina, mas praticamente todos os entrevistados consideram que a

mesma vem ganhando mais respeito. AT recebe muito apoio da reitoria. Cabe

salientar que a reitora é uma mulher, leiga, mas que se preocupa com um

compromisso cada vez maior da PUC Campinas, que é a formação humana.

Já a escolha da Pontifícia Universidade Católica do Paraná foi devido ao fato

de essa instituição ser uma das maiores Universidades privadas do Paraná, e antes

de ser Católica ou Marista, é uma organização humana. E, como tal, é basicamente

um conjunto de pessoas com objetivos comuns. Assim, a Instituição deixa de ser

uma mera abstração. Na prática, ela é um projeto comum, uma empreitada coletiva

Page 50: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

48

de um grupo de pessoas. É uma instituição com 52 anos de história. A PUC Minas

tem 53 anos. Como existe uma proximidade entre o tempo de existência de cada

instituição e devido ao fato de o nome da disciplina Cultura Religiosa ser o mesmo

da PUC Minas, seria relevante fazer uma visita orientada a tal instituição. O intuito

foi observar os trabalhos em outra instituição católica para que servissem como

subsídio para a presente pesquisa.

Na PUC Paraná, alguns dados relevantes foram: há cerca de 40 anos foi

fundado o departamento de Teologia que criou a disciplina de Teologia I e Teologia

II, com 72 horas em todos os cursos da Universidade, com um enfoque praticamente

catequético. A maioria dos professores eram padres e passavam para os alunos os

fundamentos cristãos. Após uma reforma universitária, criou-se o eixo humanístico

que corresponde a 4 disciplinas: Filosofia, Ética, Processos do Conhecer e Cultura

Religiosa, com conteúdo acadêmico, que agrega valor à formação do aluno. Ponto

positivo, já que a disciplina passa a fazer parte de um eixo maior, institucional. O

ponto negativo é que antes, como Teologia, a disciplina tinha 72 horas, e agora a

Cultura Religiosa tem apenas 36 horas. A Cultura Religiosa, nessa instituição, é

alocada no departamento de Teologia.

Há um coordenador do eixo e há um coordenador do departamento. Essa

divisão é nova, mas é para mais uma vez provar o valor acadêmico da Cultura

Religiosa na Universidade. Foi relatado, por exemplo, que o curso de Engenharia

Química acha que a Cultura Religiosa atrapalha a formação do aluno. Prefeririam

colocar uma disciplina técnica no lugar da CR, e se o coordenador de curso não

entende o porquê da CR, os alunos também não entendem. Um coordenador de

curso que não entende o real valor da CR aloca a disciplina nos piores horários e

dias. Entretanto, percebe-se nessa instituição uma preocupação constante dos

professores em adequar a CR ao curso em que trabalham. Preocupação que não

parece vir da reitoria. O reitor é um administrador, leigo e talvez não compreenda a

importância da CR. Há uma insistência do departamento de Teologia, no qual a CR

está alocada, em provar a academicidade da disciplina.

Para exemplificar sobre como um professor de CR trabalha suas temáticas na

PUC PR, no curso de Letras a temática da religião e literatura é aproximada,

tentando-se, por exemplo, cogitar a questão do sagrado na obra de Raquel Prado,

Carlos Drumond de Andrade e Castro Alves. No curso de Jornalismo, trabalham-se

as questões atuais da sociedade, comportamentos éticos, crise palestina dos

Page 51: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

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judeus, o porquê de uma emissora de TV só ter um repórter em um país em crise. A

explicação seria o fato de esse repórter ser uma pessoa que entende a cultura

daqueles dois povos, porque sabe o que perguntar e como perguntar. No curso de

Administração, busca-se entender como impera o neoliberalismo; temas de Paulo

Freire, Leonardo Boff devem ser levados para mostrar um outro mundo que não é

apenas o do dinheiro. Questões de ecologia também são abordadas em todos os

cursos e em todas as disciplinas do eixo.

A aceitação dos alunos depende muito de como o coordenador do curso

conduz e depende também do professor de CR. Alguns se dão muito bem na área

de exatas e não se dão bem na área de biológicas. Há uma ementa geral: cultura

religiosa e os fundamentos antropológicos do fenômeno religioso. A abertura ao

transcendente e a relação com o sagrado, na história, nas diversas culturas e no agir

pessoal e social. As aptidões são: compreender que a religiosidade é um dos

caminhos de busca da verdade; analisar a significação das ações humanas à luz do

fenômeno religioso; respeitar as diferentes manifestações religiosas, enfatizando o

espírito pluralista e o questionamento dos preconceitos; reconhecer a contribuição

das manifestações religiosas no subsídio das culturas e sociedades; assim como

identificar nas tradições religiosas os processos de autoconhecimento geradores de

emancipação e solidariedade humanas.

As aulas são expositivas, com discussões em grupo, debates em sala de

aula, pesquisas bibliográficas, trabalhos individuais e em equipe, leitura de textos

complementares. Os temas de estudo são: fundamentos antropológicos do

Fenômeno Religioso e as respostas norteadoras dadas pelas Tradições Religiosas:

para o sentido da vida; para o sentido das relações; para a morte.

O Fenômeno Religioso na atual crise da modernidade mostra que a religião

busca sentido último; busca a dimensão social da Religião; busca a relação entre

religião e ciência; religião e política; religião e ética.

Apesar da dificuldade de manter a CR na Universidade, há material didático

produzido pelos próprios professores. Livros que são utilizados em suas aulas.

Esses professores são todos formados em Teologia. O reitor, a fim de compreender

melhor o trabalho com a CR, promoveu um evento chamado PUC – Identidade,

explicando o que são as quatro disciplinas do eixo. Chamou todos os professores do

eixo, coordenadores de curso e explicou que essas disciplinas levam a identidade da

PUC aos alunos. Foi um trabalho de formação sobre qual a importância dos

Page 52: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

50

mesmos, para mostrar que a CR não é apenas um agregado às disciplinas técnicas

dos cursos. O intuito foi demonstrar que a essência da PUC PR é orientada por

princípios que estão na missão da Instituição e a CR é uma disciplina que dá

identidade à Universidade.

A partir de análise das conversas com professores nessas outras

Universidades, percebem-se algumas conclusões preliminares. Um projeto

realmente eficaz depende não apenas da boa vontade dos professores em questão,

mas de uma vontade política da Instituição que tenha a consciência de reposicionar

as disciplinas em bom contexto da Universidade. Além disso, evidenciar que a

reflexão da CR ou disciplina equivalente, no diálogo com as outras ciências, pode

enriquecer o conhecimento científico, o que é próprio de toda Universidade e

particularmente de uma Universidade Católica.

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51

4 O DESVENDAR DA “CULTURA RELIGIOSA”

A Universidade Católica não pode formar o ser humano apenas para o mercado

de trabalho. É preciso formar a pessoa humana e o profissional. O diálogo com as

ciências contemporâneas é o principal desafio que se apresenta. É preciso, portanto,

que professores se empenhem para alcançar qualidade nesse diálogo sem, contudo,

perder o foco de evidenciar o caráter humanizador, público e dialógico, que é o

propósito da CR.

As experiências positivas em torno da disciplina não se encontram isoladas,

com pouca relevância, desarticuladas dos Projetos Pedagógicos dos cursos, em que

cada professor tenta sobreviver segundo experiências pessoais. A fim de viabilizar o

trabalho com a CR, algumas perspectivas analisam e confrontam os pressupostos

teóricos e ideológicos de temas que podem ser trabalhados em CR.

Essa disciplina tem historicamente caráter polêmico nos currículos da PUC

Minas, sendo que a história não se apresenta tão óbvia como pode parecer à

primeira vista, ela dialoga com as culturas e contribui para seu aperfeiçoamento. O

estudo acadêmico das religiões é de grande importância para o contexto intelectual

e social da humanidade.

A perspectiva fenomenológica para se trabalhar com a CR é a que mais

caracteriza um cientista da religião. Trata-se de uma abordagem integral que

associa sabedorias de grandes tradições religiosas, princípios culturais, científicos

modernos e pós-modernos, além de buscar um lugar para a religião em conexão

com uma ciência transdisciplinar. É apresentada como possibilidade de

fundamentação do religioso assim como método para a compreensão das formas da

religião. Além disso, o aspecto da cidadania revelado cotidianamente no interior da

PUC Minas é trabalhado de acordo com os professores entrevistados quando os

mesmos mostram aos alunos que devem ter realizadas suas necessidades pessoais

e profissionais, bem como expressar opiniões próprias e respeitar os direitos do

próximo.

A CR preocupa-se em mostrar que a religião deseja manter a harmonia da

vida, legitimando as situações marginais, tornando-as sagradas e aceitas pelo

universo. Assim, o indivíduo continua a existir na sociedade, no seu “antigo mundo”,

sabendo que seus questionamentos têm sentido e significado para si e para os

outros.

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52

Além disso, a CR em uma perspectiva ética busca disponibilizar

esclarecimentos sobre o direito à diferença, valorizando a diversidade cultural

religiosa presente na sociedade, no constante propósito ético de promoção dos

direitos humanos. Essa emergência é considerada a mais importante, de acordo

com dados desta pesquisa, no sentido de discutir a sua aplicabilidade. Os dois

pontos observados de acordo com essa perspectiva ética dentro da PUC Minas

foram: 1) a preocupação que professores de CR têm no processo de formação dos

seus alunos, já que em algumas profissões existem profissionais sem

comprometimento com o interesse de seus clientes; e 2) a observância, durante as

perguntas realizadas com os professores, aos direitos dos outros, a preocupação em

se trabalhar o respeito mútuo.

Já em uma perspectiva do diálogo, a verdade não pode ser compreendida

como absoluta. Ela não pode pertencer a uma cultura ou religião, mas pode sim ser

revelada no encontro entre as várias culturas e religiões que poderão descobrir uma

verdade até então nunca percebida. O professor de CR compreende o diálogo e a

capacidade de escutar e entender o outro como atitude indispensável de convivência

na diversidade cultural e religiosa. É proposto aos alunos de CR que façam uma

visita técnica em outros grupos religiosos, diferentes do seu. Neste momento a CR é

vista como lugar de diálogo.

Nos capítulos anteriores, procurou-se definir a identidade de uma

Universidade Católica, bem como perceber como se deu o surgimento da PUC

Minas para daí partir para a caracterização da disciplina Cultura Religiosa e o perfil

dos docentes que ministram as aulas de Cultura Religiosa.

Neste momento específico, após a análise do grupo focal e entrevistas

realizadas com professores e coordenadores de CR na PUC Minas, dá-se uma

ênfase a três perspectivas citadas pelos professores ao trabalhar com a disciplina,

escolhidas por serem determinantes neste campo de conhecimento reflexivo. Este

capítulo abordará, primeiramente, portanto, cada uma destas três perspectivas:

fenomenológica, ética e do diálogo, para finalmente chegar ao tópos privilegiado do

diálogo inter-religioso.

Page 55: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

53

4.1 Emergência fenomenológica

Sabe-se que a fenomenologia surgiu como uma reação ao idealismo, ao

positivismo e ao psicologismo vigentes no final do século XIX e que seus principais

teóricos são Edmund Husserl, Martin Heidegger, Merleau-Ponty, Alfred Schultz e

Sartre.

A fenomenologia significa deixar ver por si mesmo aquilo que se manifesta e

como se manifesta no interior de um mundo (cf. HEIDEGGER, 1976). Assim, a

fenomenologia se propõe descrever o fenômeno, voltando-se para as coisas como

elas se manifestam. Busca compreender o ser humano e se volta para experiências

vividas, cujo pano de fundo é o mundo.

Não basta ter somente a concepção do que é fenomenologia, é também

importante a compreensão concretizada dos aspectos fenomenológicos. Nesta

pesquisa, esses aspectos vieram à tona na análise dos Planos de Ensino, nas

entrevistas e no grupo focal realizado na PUC Minas, além, é claro, da vivência

intramundana em outras PUC’s.

A fenomenologia tem por ideia fundamental, básica, a intencionalidade da

consciência, entendida como a direção da consciência para compreender o mundo,

e mediante a intencionalidade da consciência todos os atos, gestos, hábitos e

qualquer ação humana têm um significado. Ao pesquisador não cabe formular

hipóteses sobre o que busca, mas procurar ver o fenômeno tal como ele se mostra

em termos de significados relacionais.

A trajetória metodológica é constituída de três partes: descrição

fenomenológica (momento resultante da relação dos sujeitos pesquisados com o

pesquisador), a redução fenomenológica (momento em que são captadas as partes

da descrição que são consideradas essenciais e aquelas que não o são, por meio da

variação imaginativa) e compreensão fenomenológica (trata-se de interpretar o que

foi descrito, de descobrir o sentido da existência).

No ensaio “Memória: Fenomenologia e experiência religiosa”, de Antônio

Gonçalves Mendonça, publicado no livro Teologia e ciências da religião: a caminho

da maioridade acadêmica no Brasil, Mendonça explica que a fenomenologia é

apresentada como possibilidade de fundamentação do religioso, assim como

método para a compreensão das formas da religião. O autor ao analisar a

experiência religiosa com o método fenomenológico constata que este estudo

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fenomenológico da experiência religiosa pode ajudar a diferenciar o que é emoção

do que é a experiência do sagrado. Ele esclarece ainda que é importante buscar nas

formas religiosas o sentido de suas estruturas essenciais.

Pela entrevista2 com os professores de CR, sobretudo CR I, a fim de formar

um aluno consciente, crítico, participante e responsável, a CR trabalha no mistério

da abertura à transcendência, que se manifesta nos sinais do sagrado presentes na

diversidade cultural e religiosa. Cabe ressaltar que a CR, longe de excluir ou

desprezar qualquer experiência religiosa, valoriza os diferentes conhecimentos

presentes em sala de aula, além das vivências e modos de crer de cada um. Leva-

se em consideração que algumas experiências são difíceis de analisar. Entretanto,

mesmo existindo experiências difíceis de analisar, educar para o fenômeno religioso

é apenas o pano de fundo para mostrar que cultivar na Universidade a convivência

com a diversidade é um dos principais objetivos da CR

Diante disso, percebe-se que dos professores entrevistados, 3% prefere

trabalhar com a perspectiva fenomenológica, uma vez que a religiosidade está cada

vez mais presente na vida das pessoas. A busca pelo sagrado é latente, e percebe-

se que durante as aulas de CR o método fenomenológico para explicar a busca pelo

sagrado é utilizado, uma vez que pode ser capaz de fazer o aluno compreender a

religiosidade de qualquer pessoa.

A CR como perspectiva fenomenológica busca suspender conceitos e

explicações a respeito da religiosidade para ser capaz de compreender a

religiosidade dos alunos. Essa perspectiva parece a mais indicada para falar de

temáticas religiosas, uma vez que a religiosidade, para maioria das pessoas,

pressupõe uma instituição religiosa, composta por dogmas que devem ser acatados

sem que sejam abertos à discussão, o que não é o objetivo da CR.

A CR se destaca por não se aprofundar nas crenças religiosas de seus

alunos, realçando e compondo uma visão de mundo. Ela não se interessa em saber

se o aluno está pensando e fazendo coisas coerentes com sua religião, mas

possibilita que os questionamentos de seus alunos em relação à religião possam ser

relatados, pois talvez este seja o único espaço em que o aluno tenha essa liberdade

Tal aspecto foi revelado tanto na análise dos planos de ensino dos cursos de

Pedagogia, Letras, Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica, História, Teologia,

2 20% dos professores de CR da PUC Minas participaram da entrevista e relataram que a perspectiva

que mais trabalham durante as aulas de CR é a perspectiva ética.

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55

Psicologia, Biologia e Administração, quanto na entrevista com os 20% de

professores de CR.

O trabalho com o tema da liberdade, por exemplo, é feito ao se questionar

aos alunos o motivo pelo qual mudam de tradição religiosa. Em uma conclusão

sucinta, esse exercício de liberdade de escolha que constrói uma história está

abaixo dos dogmas e doutrinas que servem de apoio para sua fé. Outro aspecto

relevante que a CR trabalha é a condição de mutabilidade que as pessoas têm.

Cada etapa da vida pode ser reformulada no entendimento do sagrado e na relação

que estabelece com ele, visto que no conhecimento religioso há várias

interpretações e vivências. Em cada etapa da vida, uma pessoa pode reformular

uma imagem de sagrado, esquecer outras e dar novos sentidos ao sagrado, sendo

que o consentimento absoluto do que é divino é um processo complexo.

Rubem Alves (1981, p. 121) diz que a religião fala sobre o sentido da vida,

vem de encontro com a existência e afirma que vale a pena viver. Desse modo, a

religião se mostra fundamental para os seres humanos e todas as formas de

manifestação, e nesse sentido visam o bem do ser humano e buscam a paz

espiritual. A busca do sagrado através da religião deve conduzir à paz e à felicidade.

Eis a razão para o fascínio pela religião. Nessa perspectiva, foi interessante

constatar que na pesquisa do instituto LUMEN a maioria dos participantes associa o

princípio da religiosidade a um sentimento individual, sendo que a grande maioria

dos alunos entrevistados nessa mesma pesquisa expressa dificuldade em definir ou

discutir religião. (LUMEN, 2000, p. 22)

Já a ciência coloca as pessoas em um mundo mecânico e conciso, vazio de

sentidos humanos. O professor de CR leva o aluno a pensar a sua vida, pensar o

sentido da existência e se ele está de encontro a esse sentido. O desejo pelo

sagrado é um imperativo humano, pois busca a compreensão do sentido da vida. O

professor de CR mostra que o aluno não pode estar preparado apenas para o

mercado de trabalho. A sua formação deve ser integral, e entender aspectos

religiosos, entender a diversidade que se encontra pelo mundo é fundamental.

A experiência religiosa aceita a possibilidade de uma transformação da

consciência, na medida em que os valores envolvidos nela são constantemente

submetidos à revisão com significação coletiva, única e pessoal.

Assim, para falar em experiência religiosa em uma perspectiva

fenomenológica é preciso que essa experiência se estabeleça em cada aluno; e não

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é uma instituição, nem um professor que levará essa experiência adiante em seu

sentido mais íntimo, através de repetição dogmática de atos.

Outro aspecto importante observado na pesquisa do instituto LUMEN é que

ao aluno cabe o questionamento, reflexões sobre a religiosidade que leva ao

crescimento, para que a religião não seja uma forma de insanidade do ser, mas que

seja sinônimo de crescimento. Os alunos questionam, por exemplo, que disciplinas

humanísticas não possuem função prática para sua profissão e são desnecessárias.

Já o professor de CR defende a importância incontestável da CR como parte

indispensável de uma formação integral que possibilite o exercício da reflexão e que

melhore o relacionamento interpessoal dos alunos.

O professor de CR, por exemplo, já no início do curso, compreende que o

sagrado faz parte da vida de seu aluno. Faz com que o mesmo se aproxime de seu

sentido de vida em uma religião ou fora dela e a partir daí desenvolve a temática

sobre os vários sentidos da vida.

A partir de um conceito mais amplo de vida, o professor faz com que o aluno

compreenda o que significa o sentido da vida e discute sobre a crise de sentido que

a sociedade habita. Passa pelo conceito biológico de vida, o espaço de tempo que

vai do nascimento até a morte, um determinado período da vida, uma biografia, um

modo de viver, uma força entre outros conceitos.

O intuito é mostrar que a vida é mais complexa do que o desenvolvimento

celular e que para caracterizá-la é preciso considerar as várias definições que se

completam e interdependem. A partir dos conceitos, passa para a tentativa em

responder o que se entende por sentido da vida, questionamento que o ser humano

vem tentando responder ao longo da história.

Afirma-se que é um conceito difícil de se definir, já que cada ser humano dá

um sentido diferente para a vida. Esse conceito pode ser baseado em referências

como religião, filosofia, ciência, família. O que de fato chama a atenção é a busca

incessante pelo sentido da vida, mostrando como o ser humano é um ser de

relacionamentos e que, de alguma maneira, o ser humano, em certo momento de

sua vida, procurará por esse sentido para responder a alguma questão existencial.

A atual pesquisa revelou ainda que a maioria dos professores de CR segue

tentando extrair dos alunos se existe uma finalidade para a vida, utilizando como

exemplo a própria Universidade. Há alunos que quando entram na Universidade têm

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por finalidade apenas concluir o curso superior, não acompanhado de sentido.

Finalidade que nem sempre é alcançada por faltar algo que os motiva e os leva a

realizar algo. Por isso, é necessário ter finalidades bem definidas, sem perder de

vista o sentido do todo, senão se corre o risco de não atingir a finalidade desejada,

mesmo conhecendo-a.

Definir sentido ou finalidade de vida não é algo fácil. É preciso muita reflexão

sobre a vida e sobre o que se quer dela, o que demanda tempo. Isso se refere a um

investimento e é sempre individual, particular. Cada indivíduo é responsável para dar

sentido à vida, e na CR o aluno é convidado a refletir sobre que tipo de vida vive e

que tipo de vida quer viver. De acordo com Sérgio Barbosa Rodrigues,

Em última análise, a sociedade apresenta-se cada vez mais individualista e menos preocupada com o próximo. Espero que possamos construir o sentido de nossas vidas de uma maneira mais humana, que as sociedades sejam mais humanizadas, e os indivíduos genuinamente preocupados com os que mais necessitam de ajuda. (2010, p. 46)

Notadamente, percebe-se que cada um defronta-se com a necessidade de

reflexão, e mesmo as pessoas com sentido de vida bem definido terão problemas ao

enfrentar as questões como a de consumo, que a sociedade atual atravessa. A

intenção do professor de CR neste momento é de provocar um ponto de

interrogação que acende condições de avançar em outras questões.

Outra questão trabalhada nessa perspectiva fenomenológica é a expressão

da experiência religiosa, que desde criança é apresentada graças à influência dos

pais e da família. A experiência de abertura exige resposta e desperta no ser

humano a consciência de que não é satisfatória a compreensão da existência.

Em CR, é possível que o aluno reflita a possibilidade de uma experiência

religiosa no mundo contemporâneo nas várias modalidades de abertura do ser

humano para o sagrado que se manifesta na própria realidade humana. A

compreensão da experiência religiosa como abertura a algo superior pode dá

sentido à existência humana.

A Universidade pretende mostrar que não só a experiência empírica,

quantificável, é importante para o aluno e sim levar a reflexão sobre o

Transcendente, sobre a religiosidade, sobre o mistério e a plenitude da existência.

Dando aporte a isso, o desafio da dimensão religiosa do ser humano passa a ser

respondida gerando “bem-estar” para todos.

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58

As aulas de CR mostram aos alunos que há experiências religiosas que

podem ser extremistas, consumistas, esotéricas, que passam pelo mundo das

drogas, que possuem violência e que essas experiências levantam o

questionamento sobre como ficam o papel das igrejas históricas, das religiões

histórico-proféticas que já não conseguem mais situar o ser-humano dentro da

transcendência.

O indivíduo necessita de transcendência libertadora. Se as religiões não

cumprem sua função, buscam-se outros lugares e outros modos de se dar respostas

para a ânsia da vida. Como pano de fundo a CR percorre caminhos em toda a

Universidade, sem perder o que lhe é próprio. Ela é de grande ajuda na obtenção de

respostas que favoreçam as relações humanas, que fortaleçam a dignidade

humana, que mostrem um sentido transcendente para a vida humana.

São questões que quando trabalhadas dentro da Universidade, de maneira

acadêmica, mostram compromisso de levar o conhecimento produzido para a

comunidade.

4.2 Emergência ética

Ao se sugerir uma definição de ética que não pretende ser unívoca,

apresenta-se um conceito em sua razoabilidade, que é uma reflexão filosófica sobre

os princípios que orientam e fundamentam as ações morais. Aristóteles foi quem

primeiro classificou a ética como disciplina filosófica, esclarecendo que os

conhecimentos podem ser divididos em teóricos ou científicos, poiéticos e práticos.

Conhecimentos científicos investigam as coisas e suas causas, preocupam-se

com o mundo. Os conhecimentos poiéticos e práticos pertencem à classe variável,

dizem respeito a coisas produzidas quando praticadas.

Ao definir ética deve-se levar em consideração que a mesma se relaciona a

princípios que fundamentam as ações morais. Princípios que se distanciam de

códigos absolutos que preceituam condutas incondicionalmente. Princípios éticos

são universalizáveis, já que devem valer para todos. Entretanto, essa validade é

determinada em função do caráter histórico-social do ser humano.

Conclui-se que há princípios éticos que norteiam, explanam, fundamentam e

questionam códigos morais, e em uma sociedade de caráter pluralista, onde regras

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59

e princípios culturais são bem diferentes, é preciso transcender esses princípios

quando se trata da ética.

A grande constatação é que ao se olhar o quadro mundial dos dias de hoje, é

possível afirmar que existem conflitos em número equivalente ao das religiões e

pontos de vista religiosos diferentes. O fato de que a religião possa ter precedido

qualquer código legal formal, ou sistema moral separado, na história da raça

humana, ou porque possa ter fornecido sanções poderosas e efetivas, para um

comportamento moral, não prova de modo algum que a moralidade deva ter,

necessariamente, uma base religiosa. Por várias razões a moralidade não necessita

e de fato não deve ser baseada somente na religião.

A religião visa dar sentido transcendente à vida e à ação humana. Procura

religar o ser humano à sua origem e encaminhá-lo ao seu fim, a comunhão com o

divino. A teologia, reflexão sobre a fé de um povo, atenta para a adequada

interpretação do corpo doutrinário e das normas morais da religião e ainda ajuda a

prevenir os perigos que envolvem as leituras ambíguas a respeito da fé e da conduta

contrárias às normas vinculadas pelas instituições religiosas.

Repetidas vezes, a reflexão sobre as verdades da fé está acompanhada da

moral, encarregada de normatizar a respeito das atitudes e condutas

correspondentes. A ética é uma disciplina filosófica. Considera princípios e valores

que orientam escolhas e condutas morais da coletividade.

O éthos para o consenso mínimo já está presente nas diferentes tradições

religiosas. Hans Küng percebe que, apesar de diferenças no seu sistema de dogmas

e símbolos, as tradições religiosas apresentam seis perspectivas éticas comuns:

a. O bem-estar das pessoas. As religiões apontam para a vida concreta das pessoas, a integridade, a liberdade, a solidariedade, fundamentando religiosamente os direitos humanos. b. As máximas elementares da humanidade. Coloca cinco grandes mandamentos da humanidade válidos em todas as grandes religiões mundiais: não matar, não mentir, não roubar, não praticar imoralidade e respeitar pai e mãe e amar filhos e filhas. c. O sensato caminho do meio. A busca do equilíbrio entre o libertinismo e o legalismo. d. A regra áurea: não faças ao outro o que tu não queres que te façam. e. Motivações éticas. Ir além das normas e oferecer e fazer realidade uma nova postura e estilo de vida. f. Horizonte de sentido e determinação de objetivos. Oferta de sentido que vai além da frustração e da morte. (KÜNG, 1988, p. 84-90)

É importante destacar neste momento que, nessa perspectiva ética, a

intenção é mostrar a ética prática e não apenas filosófica. É entender como o

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60

professor de CR trabalha, por exemplo, questões ético-profissionais em cada curso

que contribuam para a formação plena daquele aluno de engenharia, enfermagem,

licenciatura, administração, etc.

Cabe salientar ainda que de acordo com a análise dos planos de ensino3,

grupo focal entre professores, entrevista com professores e entrevista com

coordenadores, a maior parte dos dados obtidos segue uma mesma linha de

pensamento, o que contribui para a análise. Entretanto, a maneira como cada

professor desenvolve a sua temática em sala de aula é muito particular. Ou seja,

concluir que todos trabalham da mesma maneira é praticamente impossível. Um

bom desempenho depende muito do professor de CR, em qual curso ele está

trabalhando e qual tema.

Tendo listado até aqui alguns dos critérios que levam a um bom resultado no

trabalho com a CR, percebe-se que cerca de 80% dos professores de CR preferem

trabalhar com a perspectiva ética. Estes professores buscam, pela ação moral, a

procura pelo bem maior ao qual estão dependentes outros bens. Esse bem maior é

o bem-viver, que significa atuar de maneira racional. Mostra aos alunos como

compreender que a religião, ao valorizar a dignidade e o respeito à consciência,

opera como um dos interesses que mais ocorrem no ser ético que caracteriza uma

das dimensões fundamentais do humano. É mostrar a um biólogo, por exemplo, o

valor que a religião tem no mundo e que ele não pode sair da Universidade alheio às

guerras religiosas que acontecem a todo momento.

Pode-se falar neste momento em Tomás de Aquino, que segue Aristóteles

mostrando que o bem é aquilo para o qual as coisas tendem. Segundo Tomás de

Aquino, para tudo aquilo a que o ser humano possui uma inclinação natural,

entende-se pela razão como fim da conduta. Já Rousseau e Kant relacionam a ética

ao conceito de autonomia, básico para a noção de sujeito observável nos sistemas

éticos norteados pelo conceito de dever. A autonomia é condição para a realização

de uma ética laica.4

Em se tratando de termos éticos e morais, quando o homem se pergunta

como deve agir, não pode mais satisfazer-se com a resposta que manda agir de

acordo com a natureza, mas deve adotar uma nova posição que manda agir de

3 Todos os Planos de Ensino pesquisados mantêm uma mesma ementa de CR I e CR 2. A maioria

dos professores adapta a ementa à realidade do curso. 4 As ideias de Tomás de Aquino, Rousseau e Kant encontram-se comentadas no livro de ensaios

organizado por Cesar Candiotto, Ética: abordagens e perspectivas (2011).

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61

acordo com a vontade do Deus pessoal. Para que isso seja viável, é preciso

conhecer a vontade desse Deus pessoal, e a filosofia tem necessidade de uma

ajuda fora dela: os homens procuram a revelação de Deus, que não é uma

exposição teórica e sim uma orientação voltada para a educação e aperfeiçoamento

do homem.

A CR leva os alunos a refletirem sobre várias perspectivas que ignoram a

liberdade humana como sendo uma ilusão5. Mostra ainda uma concepção

racionalista que procura deduzir da natureza humana as formas corretas da ação

moral. Concepção de linha Kantiana que universaliza a ação moral de modo que os

princípios que uma pessoa segue sirvam para todos.

Pode ser notado nessa perspectiva o utilitarismo, ou seja, bem é o que traz

vantagens para muitos. Tendência pragmatista que apela para resultados práticos e

imediatos. Além disso, nessa tendência pragmatista há um esquecer-se de si,

esquecer-se que se é sujeito existente, que se tem que decidir eticamente sobre

suas ações e que não se pode passar a vida toda estudando a linguagem ética, sem

viver a ética.

O pensamento ético que as pessoas conhecem geralmente está ligado à

religião, à interpretação da bíblia e à teologia. Por um lado há uma busca de uma

ética laica, racional, baseada em uma estrutura transcendente da subjetividade

humana, e por outro há novas formas de síntese entre o pensamento ético-filosófico

e a doutrina da Revelação.

O homem se revela como ser da possibilidade: possibilidade determinada por

sua alteridade possível. O homem sabe que é levado a decidir-se não só em relação

a seu mundo, se ele o deixa como está ou se adapta a ele ou se transforma. Há uma

exigência ética de mudança de paradigmas nas sociedades contemporâneas.

Ao trabalhar com essa perspectiva, o professor de CR articula a vida comum

do aluno, que não é só capaz de confrontar-se com as crises da sociedade, mas,

sobretudo, abre alternativas para a construção de novas considerações, tornando-se

processo de produção autônomo e construindo a sociabilidade de ideias a partir de

um novo fundamento: reconhecimento do ser pessoal.

5 Através das entrevistas aos professores de CR, percebe-se que os temas trabalhados na CR são:

cultura, religião e sociedade; religião, religiosidade e espiritualidade; ecumenismo, diálogo inter-religioso e pluralismo religioso, o sentido da vida, tradições religiosas; religião e ciência, ética e religião; temas da bioética.

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62

Alguns aspectos éticos observados ora nos planos de ensino de CR, ora na

conversa com os professores são:

- a CR abre espaço para desenvolver pensamentos, teorias e discussões

sobre a conduta ética do ser humano na vida profissional, tema indispensável na

percepção do ideal comportamental pelos alunos. Nestes debates, a CR sensibiliza

os alunos para a dimensão religiosa, para os valores éticos, gerando uma

consciência de compromisso com a Universidade, com a profissão e com a família.

- a CR desperta a consciência crítica do aluno para uma atuação profissional

ética, levando em consideração a cultura da diferença que existe no mundo.

Sensibiliza o aluno para o respeito ao outro, valorizando a capacidade de lidar com

conflitos, com realidades diferentes da dele.

- a CR segue com rigor o que a identidade, a missão e os valores prescritos

no PDI quando trabalha com os alunos a promoção da dignidade da pessoa

humana. Mostra aos alunos, por exemplo, que todos na Universidade – professores,

funcionários, colegas – devem ser respeitados nas suas diferenças. A CR trabalha a

afirmação da ética e da solidariedade promovendo o desenvolvimento humano e

social, contribuindo para a formação ética e solidária de profissionais competentes.

- outro aspecto ético relevante é o de formação para o respeito quando a CR

trabalha os valores de igualdade (de valor dos seres humanos e garantia de

igualdade de direitos entre eles), liberdade (de criação, de expressão do

pensamento e de produção de conhecimento), de autonomia (capacidade de

formular leis em liberdade e se reger por elas), de pluralidade (expressão da

igualdade e diferença entre os homens, iguais porque humanos e diferentes porque

singulares), de solidariedade (adesão à causa do outro, fundada no respeito mútuo),

de justiça (orientada pela igualdade de direitos e pelo respeito às diferenças). São

valores que pressupõem o desenvolvimento da responsabilidade ética consigo

mesmo e com seus semelhantes, pressupõem o acolhimento e o respeito às

diversidades, além do cuidado com a vida na Terra.

Entre os vários aspectos trabalhados pela CR, além dos já citados acima há

ainda o pluralismo e diálogo, o relativismo, a cultura da solidariedade e a abertura ao

Transcendente – todos esses exemplos citados pelos professores durante as

entrevistas e percebidos nas ementas das disciplinas.

Falar em ética significa falar em liberdade. Apesar de a ética lembrar normas

e responsabilidade, não faz sentido falar em norma e responsabilidade se não se

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63

considerar que o homem é realmente livre ou que pode ser livre. Segundo Lima Vaz

(1988), ética é utilizada para designar o comportamento que resulta de um constante

repetir-se dos mesmos atos, através do qual só têm um valor moral os atos que

denotam um esforço pessoal do agente em fazer o que tem de ser feito, opondo-se

à sua vontade natural que teima em não fazê-lo. São aspectos que a CR traz para

dentro da sala de aula.

Ainda segundo Lima Vaz (1988), a ética transcende a simples descrição ou

registro de dados. Ela almeja à racionalidade e à objetividade mais completa,

proporcionando conhecimentos sistemáticos e, na medida do possível,

comprováveis, através de um diálogo constante com as outras ciências, inclusive a

Teologia.

Com relação ao mundo tão individualista, o trabalho que se faz em uma

perspectiva ética é o de explicitar que o homem contemporâneo anseia por uma vida

melhor aqui e agora, e às vezes o discurso religioso aponta para uma vida que virá

depois. Ninguém quer viver sofrendo, com dificuldades, o tempo todo. A busca pela

realização pessoal, pela felicidade é algo que todos procuram, e buscar levar uma

vida moral é uma das maneiras de ser feliz neste mundo.

Mas nem sempre as pessoas alcançam a felicidade de maneira ética, isso vai

contra a moral e pode-se dizer também contra os ensinamentos da religião, pois o

próprio evangelho não cita bem aventurados os espertos, bem aventurados os que

enganam, etc.

A norma diz como se deve agir, e, se o condicionamento ou determinismo é

imposto, a resposta é mecânica e automática. Quando as doutrinas éticas se

articulam no determinismo não há ética, uma vez que a mesma se refere às ações

humanas. Se elas forem determinadas de fora para dentro, não há espaço para a

liberdade, como autodeterminação e logicamente não há espaço para a ética.

Cabe ao aluno entender que, sem a dimensão ética que exige uma resposta à

sua liberdade, o indivíduo não transpõe a verdade profunda de si mesmo e isto

implica crescimento. Como outro exemplo, toma-se o tema do bem e do mal para

trabalhar nas aulas de CR.

A tendência é fazer o bem e evitar o mal. Quando se conhece o bem, o

desejo geralmente é de praticá-lo e disso emana a aversão contra o mal. Isso tudo

muito genericamente, já que a consciência moral é formada pela cultura, pela

reflexão pessoal e pela própria experiência moral. Depara-se então com um

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problema da formação moral: se ela foi ruim, provavelmente a consciência cometerá

erros e não perceberá o que é bom. Frequentemente é o ambiente que estabelece

como bom algo objetivamente ruim. O professor de CR, nesse caso, explica ao

aluno as várias formas de diversidade cultural correspondentes aos vários critérios

de valor.

Ressalta-se que essa perspectiva da CR mostra ao aluno que a consciência

certa é aquela que admite juízo prático e que seu contrário é a consciência duvidosa

que vacila em seu juízo. Discernimento é a palavra chave trabalhada nessa

perspectiva, a fim de determinar se uma conduta leva à humanização. Quando se

age conforme a consciência desenvolve-se sensibilidade ética, o que forma a

maturidade e supõe diálogo com outros níveis de consciência.

Outro trabalho percebido nos relatos dos professores de CR na PUC Minas é

o de trabalho crítico da cultura ocidental e da religião ocidental: Nietzsche, por

exemplo, crítico da moral socrático-platônica-cristã, considera o Cristianismo como

uma das religiões da decadência, religião que deseja profundamente atingir o nada,

cujos valores dissolveram durante a história. Critica o idealismo metafísico e os

valores morais que o condicionam, propondo uma nova abordagem: a genealogia

dos valores.

Aqui, trabalha-se a questão do relativismo, a questão do niilismo, que é

concebido como experiência da perda de sentido e valor por parte dos valores

supremos, sendo sintoma de decadência. Trabalha-se, então, o niilismo como

principal dilema ético da contemporaneidade. O niilismo é o nome que se dá à crise

ética de valores. Também é um estado psicológico em que ocorre primeiramente a

crise de sentido, o tomar consciência. É estado de ilusão, desesperança, sem

finalidade e sem sentido. Em segundo momento, ocorre quando se pensa que existe

uma organização que articula todas as coisas. Em terceiro momento, ocorre ao notar

que aquilo que foi acreditado passa a ser desacreditado. E em uma quarta etapa, na

criação de outro mundo.

O aluno percebe, depois de tratado esse tema, que o niilismo é a raiz dos

males do homem de hoje. A sua essência diz respeito à desvalorização dos valores

que até então eram considerados como verdades únicas, provocando assim o

choque de valores individuais. O aluno nota que o niilismo pressupõe que não existe

uma verdade, a constituição absoluta de alguma coisa. Essa essência é resumida na

forma de um Deus morto. A CR, ao explicar o tema do relativismo citando essa

Page 67: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

65

passagem, deixa claro ao aluno o que de fato significa.

“Deus está morto” é uma passagem que pode ser mal interpretada, se

pensar-se literalmente na morte de Deus como se Deus pudesse estar fisicamente

morto. Pode-se pensar ainda no ateísmo de Nietzsche, ao analisar a sentença

“morte de Deus” de maneira descontextualizada. Na verdade, ele faz referência ao

fim dos fundamentos transcendentais da existência de Deus como justificativa e

fonte de valoração para o mundo. Nietzsche enfatiza um acontecimento cultural

quando diz que se matou Deus. É uma constatação em forma de metáfora do fato

de os homens não mais crerem em uma ordenação transcendente, o que os levaria

a uma rejeição dos valores absolutos e descrença em quaisquer valores. Isso

conduz ao niilismo. Nietzsche procura com seu projeto de transvaloração reformular

fundamentais valores em bases bem profundas.

Cabe ressaltar ainda que o intuito desse tema nas aulas de CR é mostrar que

os valores não se baseiam no ser e no verdadeiro. São pontos de vista que se

impõem como condição de progresso na vida. O fluxo permanente e a vida são

“vontade de potência” que é a vontade de ultrapassamento, a vontade dos criadores.

Os valores estão ligados a tal vontade de potência que se impõe como fonte de

todos os valores transvalorados. O que se nota é que a “vontade de potência” é uma

característica inerente a todo ser humano. Todos têm o desejo de alcançar sempre

mais. Ir além do que é dado por sua natureza. Todos tendem a transcender seus

limites.

Mostra-se aos alunos que inclusive a vida é vontade de potência. Vontade

que está sempre criando novas máscaras para se esconder da vida. As máscaras

tornam a vida mais suportável, ao mesmo tempo em que a deformam e a mortificam.

O homem pode ser, além de um destruidor, um criador de valores. E os valores a

serem destruídos um dia serão substituídos por outros.

A vida como “vontade de potência” no sentido de autossuperação é o

princípio pelo qual ela se projeta para além de si mesma. Ela se autossupera. A

“vontade de potência” ou vontade de poder é a busca da superação da catástrofe. É

a vontade de alcançar o possível, é a vontade de ser e de consciência.

Toda esta lógica do ocidente, mostrada nas aulas de CR em um aspecto

ético, tem a ver com o niilismo passivo ou niilismo incompleto, que pode ser

considerado uma evolução do indivíduo, mas jamais uma transvaloração de valores.

É a negação de que a vida deva ser regida por qualquer tipo de padrão moral tendo

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66

em vista um mundo superior, pois isso faz com que o homem minta para si próprio

enquanto vive a vida fixado numa mentira. Assim, no niilismo não se promove a

criação de qualquer tipo de valores, já que ela é considerada uma atitude negativa.

Essa lógica tem a ver também com o niilismo ativo ou niilismo-completo, que

propõe uma atitude mais ativa, renegando os valores metafísicos e redirecionando

sua força vital para a destruição da moral. Fato presente em muitos profissionais que

saem da Universidade sem uma formação plena, de acordo com os professores

entrevistados. No entanto, após essa destruição da moral, tudo cai no vazio: a vida é

desprovida de qualquer sentido, reina o absurdo e o niilista não pode ver outra

alternativa senão esperar pela morte. A CR mostra que o homem deve aprender a

ver-se como criador de valores, e no momento em que entende que não há nada de

eterno após a vida, deve aprender a ver a vida como um eterno retorno.

A CR trata ainda de falar do homem ascético. O ideal ascético é necessário

para o homem do conhecimento e para o homem religioso. É preciso alienar-se dos

pormenores da vida comum tanto quanto o religioso precisa alienar-se dos prazeres

do mundo terreno. Não pensemos que o menos religioso é algo pesaroso. O ideal

ascético é um modo de vida, ou modo de não vida para quem tem valores mais

padronizados.

Assim, responder a questão da crise ética da contemporaneidade seria como

transformar Nietzsche em um ídolo, já que o filósofo quis com o niilismo sintetizar a

profunda crise dos valores. Quis terminar de destruir antigas estruturas e abrir

caminho para novas formas de pensar, de valorar a vida plenamente.

A intenção nestas aulas é expor que a crise de valores da modernidade está

ligada à banalização do mundo. O que se encontra em declínio são justamente os

valores e precisa-se voltar a afirmar a vida, adotar a vontade de potência como

princípio valorativo, experimentar o mundo como ele o é. Um lugar de alegrias, de

prazer, mas também de dor, de sofrimento.

4.3 Relevância do diálogo

Ao analisar planos de ensino da CR I e II, percebe-se que a relação entre

religião e sociedade é abordada sob diferentes enfoques. A partir dessa perspectiva,

a CR focaliza a questão da existência produzida na contemporaneidade articulada à

experiência religiosa de cada pessoa. Para isso, o diálogo inter-religioso é visto

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67

como uma oportunidade positiva de aproximar as religiões. Esse tipo de diálogo

manifesta a afirmação de novas relações construtivas entre as várias tradições

religiosas, visando um conhecimento mútuo.

Essa talvez seja a perspectiva mais relevante para os professores ao

trabalhar com a CR. Como dito anteriormente, essa disciplina é reflexiva e perante

cursos como Computação, por exemplo, em que boa parte dos alunos está

preocupada com o retorno financeiro, é preciso uma reflexão no contexto

contemporâneo.

A proposta de felicidade plena, em muitos dos cursos universitários, é

baseada na posse de dinheiro e bem-estar que o mesmo pode produzir. A CR em

uma perspectiva do diálogo inter-religioso apresenta-se com a missão de propor a

ajudar o sujeito em sua dimensão individual a alcançar ideias criadas pela

contemporaneidade. Ainda de acordo com os planos de ensino estudados, a CR

trabalhada em uma perspectiva do diálogo inter-religioso mostra como existem

distintas formas de expressão religiosa e que as mesmas são reveladoras de várias

maneiras. De acordo com Maria Rute Gomes Esperandio (p. 150, 2010), existem

três dimensões que constituem as formas de expressão religiosa e que definem a

singularidade de suas relações com a sociedade:

1) a própria configuração social de onde emerge uma ampla variedade de formas religiosas; 2) os modos de ser do humano que se constituem em um dado momento histórico; 3) as diferentes maneiras como as religiões afetam e são afetadas pelas demandas subjetivas de seu tempo.

Percebe-se então que a relação entre religião e sociedade nem sempre é a

mesma, o que leva a concluir que, à medida que distintas religiosidades expressam

formas singulares de relação, o diálogo inter-religioso precisa ser fortalecido.

A percepção da proposta de um diálogo inter-religioso entre civilizações

mostra a necessidade de um novo modelo político, econômico, social, que envolve

diversas tradições religiosas. Hans Küng (1988) defende que não há paz entre as

nações sem paz entre as religiões. Não há paz entre as religiões sem diálogo entre

as religiões. Não há diálogo entre as religiões sem uma busca dos fundamentos das

religiões.

Em um diálogo extrapolam-se fronteiras, descobrem-se novos horizontes. O

diálogo é uma assimilação de novas possibilidades, que não pretende ser modelo de

conversão para nenhuma religião. Tem um valor próprio e quando adequado

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68

respeita a existência das diferenças, das contradições, da livre decisão das pessoas.

Envolve respeito às identidades e é uma atitude essencial de busca profunda.

O professor de CR utiliza-se dos temas trabalhados anteriormente como

perspectiva fenomenológica e ética como motivo para o diálogo. Supõe-se uma

consciência mística que ajuda a manter intenso na consciência o caráter

inexprimível da realidade. A CR mostra as visões teológicas que sustentam o

mistério das tradições religiosas como se apenas nelas estivesse a resposta para os

desejos humanos mais profundos, mas também amplia o olhar dos estudantes que

requer abertura e acolhimento. Na CR, o professor cria atitudes que são essenciais

para a interação entre tradições religiosas distintas.

Cabe ressaltar que o diálogo inter-religioso se pauta na escuta e na prontidão

de aprendizado, ou seja, leva a sério o outro e sua alteridade sem esquecer a

integralidade da fé de cada um. Há traços impossíveis ao diálogo nas várias

religiões. Isso é óbvio, já que o diálogo não destrói as diferenças, mas insinua

respeito mútuo e demanda profunda abertura a um mistério maior, que abre caminho

espiritual singular.

A CR faz com que alunos percebam que o que realmente torna as pessoas

diferentes é a sua própria história de vida e a leitura que cada uma faz do mundo.

Nessa perspectiva, pode perceber que ser diferente não é privilégio, mas sim uma

característica que compõe a estrutura de cada ser humano.

O que compõe a humanidade é a pluralidade e a diversidade que marcam

comportamentos religiosos ou não das tradições religiosas e da sociedade como um

todo. Essas diferenças que distinguem, que são únicas, são muitas vezes pretexto

de intolerância entre as religiões, uma vez que algumas se consideram como donas

da verdade e impossibilitam um espaço para um diálogo inter-religioso. A verdade é

algo que se busca constantemente em relação com o outro.

Durante as conversas com professores de CR, percebeu-se que há uma

tentativa de mostrar aos alunos que o momento é o de buscar a tolerância,

reconhecendo que cada cultura tem sua própria maneira de buscar o

Transcendente, tem seu próprio modo de cultuar divindades e tem seu próprio jeito

de possuir uma crença.

A partir do momento que pessoas e líderes religiosos compreenderem que a

verdade para um pode não ser a verdade para outro e que ninguém tem o direito de

impor qualquer religião, o diálogo inter-religioso acontecerá. É claro que não se pode

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69

ignorar a própria identidade, mas conhecer a possibilidade de mudar ideias e

concepções em relação ao diferente.

Assim, o diálogo inter-religioso entre as religiões é possível de acontecer se

os envolvidos reconhecerem o valor da convicção e da singularidade do outro.

Através dessa discussão, podem-se obter respostas que propiciem o diálogo

maduro inter-religioso entre as religiões, bem como responder os questionamentos

da sociedade.

A CR na Universidade, por meio de discussões fenomenológicas e éticas,

propicia o diálogo, “humaniza” o humano para a construção de uma sociedade

saudável. É importante esse diálogo entre diferentes saberes para resgatar as

riquezas de uma história construída pela humanidade. A vida em um mundo plural

em que a tendência é singularizá-lo à experiência individual faz as pessoas

perderem a capacidade de ver o diferente e dialogar com ele.

Em se tratando de diálogo inter-religioso, a CR possibilita abertura ao outro

sem anular o indivíduo único que se é. A questão da identidade é elemento

fundamental para o diálogo inter-religioso, uma vez que isso possibilita encontro com

o outro.

Para exemplificar, mostra-se aos alunos de CR que o diálogo pode existir

entre cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, hinduístas. Religiões milenares, com

histórias carregadas e culturalmente sustentadas por verdades. O objetivo da CR é

utilizar princípios universais contidos nessas religiões e aplicá-los ao bem comum da

humanidade. A importância de um diálogo vem do princípio de que as tradições

religiosas estão inseridas no mundo e são responsáveis por ele.

Cabe salientar que existem também razões para o diálogo entre ciência e

religião, por mais complexa que pareça ser essa relação. As duas devem se colocar

em atitude de escuta mútua. Devem levar a uma dimensão ética, e a ciência

dialogando com a religião compreenderá que o desejo da religião é ou deveria ser o

de aliviar o sofrimento humano.

O diálogo reconhece de início a importância de cada indivíduo insistindo que

nele deve conter respeito, não deve conter arrogância, além de compreender que

religião e ciência são complementares.

Outro bom exemplo que mostra como a CR é um tópos privilegiado de diálogo

é quando o tema do Cristianismo, que tem mudado nos últimos tempos da história, é

trabalhado. Mário de França (1998), em seu livro O Cristianismo em face das

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religiões, fala de diálogo inter-religioso no Cristianismo, levantando a questão da

verdade sobre o valor salvífico a respeito das religiões. A religião vista como a

orientadora da revelação e da mediação salvífica. Como cada religião apresenta

elementos bem diferentes de origem e alcance da revelação, esse é um ponto

considerado ao se elaborar uma teologia a uma certa religião.

Além disso, Mário de França (1998) explica que uma independência salvífica

é negada às outras religiões pelo exclusivismo devido à universalidade de Cristo,

entretanto o exclusivismo aceita a salvação em todas as religiões e a posição

pluralista tira do Cristianismo qualquer pretensão de exclusividade ou superioridade

com relação às outras religiões. Embora tenha sido sugerido aqui o tema do

Cristianismo, trabalha-se a diversidade de experiências e expressões salvíficas em

algumas religiões como, por exemplo: o Budismo, que tem deus como alma imortal e

salvação eterna; o Hinduísmo, que apresenta sua soteriologia a partir do mal e do

sofrimento; o Islamismo, que não requer um mediador salvífico; e a religião Africana,

que tem como elemento central a força vital.

Parte-se para o trabalho da verdade de uma doutrina, que provoca mudança

na vida humana, resultando na salvação. O diálogo inter-religioso é visto como uma

oportunidade positiva de aproximar as religiões, fazendo com que todas, também o

Cristianismo, troquem experiências.

Como cristãos, tem-se a visão de certo e errado, bem e mal, céu e inferno.

Ideias que muitas vezes são distorcidas mesmo em outras religiões, ficando preso

entre conceitos e ideologias estreitas e antagônicas, cegos para as possibilidades do

caminho do meio ao invés de apreciar a vida e o que há de bom nos outros. Na

maioria das vezes passa-se o tempo julgando e comparando. Fato presente também

não só no Cristianismo.

O diálogo revela e soma a experiência e a intuição das pessoas num

processo de respiração de ideias. Na construção da Cultura de Paz é vital que o

conceito de diálogo e comunicação humana seja revisitado e impregnado com novas

experiências. Essa ruptura é extremamente necessária no mundo globalizado. É

preciso sabedoria acumulada por todos os povos para garantir a superação dos

problemas sérios que se criam e que ameaçam toda a vida no planeta. A CR mostra

que o diálogo ensina a lógica extraordinária de que as religiões podem ser

mediações salvíficas para seus membros, sendo mediações autônomas e não

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71

apenas a de Jesus Cristo. O diálogo também não é simplesmente um processo de

união de conceitos ou de busca constante por entendimento.

Os tempos em que se vive são marcados profunda e essencialmente pela

convivência entre diferenças. Não há mais uma visão homogênea e dominante

sobre o mundo, sobre o ser humano, sobre Deus, sobre a religião. Pelo contrário, há

visões diferentes que se cruzam e se interligam, procurando e desejando conviver. E

quando esse convívio não acontece, tem-se o triste panorama da violência ou das

guerras religiosas ou a intolerância, que acontece no mundo inteiro sob todas as

suas formas, desde a mais elementar até a mais sofisticada.

A CR trabalha também o tema do pluralismo, que está presente na história do

Cristianismo desde o início da sua história. Já desde os primeiros séculos, tenta

encontrar maneiras de comunicar-se com outras religiões. Para tal, é obrigado a

dialogar com os diferentes deuses presentes neste mundo, a fim de poder fazer

visível e audível a experiência de seu Deus.

O professor de CR esclarece que cada um compõe sua própria concepção

religiosa e que o campo religioso passa a se assemelhar a uma terapia, assim como

também a um lugar de trânsito onde se entra e se sai. A modernidade não liquidou

com a religião, mas esta ressurge com nova força e nova forma, não mais

institucionalizada como antes, mas sim plural e multiforme, selvagem e mesmo

bagunçada, sem condições de voltar ao pré-moderno.

A questão religiosa apresentada durante as conversas com os professores e

coordenadores de CR é a da pluralidade. Face esta que, por sua vez, implica

igualmente na existência de uma interface: a das diferentes tentativas do diálogo

inter-religioso, da prática plurirreligiosa e da religião do outro como condição de

possibilidade de viver mais profunda e radicalmente a própria fé. Não só as antigas e

tradicionais religiões parecem crescer de importância a se tornarem interlocutoras de

peso para o Cristianismo histórico como também novos movimentos religiosos

surgem de todos os lados, trazendo perplexidade e interpelações diversas. A partir

dessa face plural, geradora de uma interface plurirreligiosa, a experiência do

sagrado realizada dentro do Cristianismo hoje é chamada a apreender as

experiências místicas e espirituais de outras religiões. E isto não para deixar de ser

cristã ou algo parecido, mas para que a experiência de Deus que está no coração

mesmo de sua identidade dê e alcance toda a sua medida.

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72

As religiões do mundo inteiro parecem estar sendo convocadas, no entender

de importantes pensadores da atualidade, para contribuir na elaboração de uma

nova ética mundial. Também não podem entrar nela abrindo mão daquilo que

constitui o fundo mais profundo de sua identidade.

A questão de experiência do sagrado é igualmente trabalhada em CR como

uma experiência de sedução irresistível, que hoje deve ser buscada e encontrada

em meio ao mundo, às realidades terrestres, à pluralidade religiosa e ao diálogo com

as outras tradições.

Assim, a sacralidade hoje pode ser encontrada por aquele ou aquela que está

em busca de uma interface experiencial. Experimentar o sagrado é tocar naquilo que

não passa e que dá sentido e estrutura à vida humana. Ao mesmo tempo é ser

constituído para sempre como peregrino, permanentemente em busca, sempre a

caminho, nunca fixado em nenhum solo ou nenhuma paisagem. A velocidade com

que mudam os tempos e as coisas na sociedade onde se vive, nesse sentido, é um

alerta permanente para toda tentação de fixismo que quiser rondar e cercar o desejo

pelo sagrado que se propõe como possibilidade.

Nesse sentido, as aulas de CR fazem com que a pertença religiosa neste

milênio obrigue os alunos a repensarem categorias tão fundamentais da vida quanto

tempo e espaço, conteúdo e forma, razão e imaginação. Obriga igualmente a

repensar a maneira de fazer Teologia. Esta não pode fazer-se senão em contínuo

trabalho com a ciência da religião e a espiritualidade, ainda que incluindo,

humildemente, a razão que durante tantos séculos foi a garantia maior da segurança

e da veracidade da Teologia.

A ementa de CR I permite falar além de diálogo inter-religioso, falar em

ecumenismo, que é um termo com o significado de responsabilidade, de

comprometimento com a própria casa. Seria respeito, comprometimento para a boa

sobrevivência de todos. É um termo que faz parte do mundo cristão, uma vez que

um dos fundamentos do Cristianismo é colocar os bens à disposição da

comunidade, sem anular-se, respeitando o outro em suas diferenças e dialogando

no que é comum.

Há momentos de encontros e desencontros no Ecumenismo, que se encontra

diante de um mundo onde a própria verdade exige uma aproximação. O

fundamentalismo muitas vezes provoca situações de crise que impedem uma ação

conjunta entre as religiões.

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73

Alguns princípios relativos ao fundamentalismo, que impedem o diálogo,

trabalhados pelos professores de CR de acordo com os relatos são: o princípio da

inerrância, que postula que o livro sagrado deve ser assumido em sua totalidade de

sentido e significado e que, portanto, não se podem selecionar algumas partes e

desprezar outras, pois esse livro não contém erros; o princípio da superioridade, que

estabelece que a lei divina é muito superior à lei terrena e que por isso se deve

deduzir do livro sagrado um modelo de sociedade perfeita para conduzir a sociedade

humana nesta edificação.

Assim, a maneira de um fundamentalista ler a ‘letra da doutrina’ é que deve

ser preservada. Nessa perspectiva, se sua forma de apreender a verdade é

absoluta, significa que ninguém mais poderá chegar à verdade, a não ser através da

sua forma de apreendê-la. Essa compreensão gera intolerância e desprezo do outro

e das outras maneiras de compreender a verdade, provocando, inclusive, práticas

violentas.

As aulas de CR servem para mostrar também que a origem do movimento

fundamentalista encontra-se na modernidade. A modernidade foi o emergir da

consciência autônoma, da consciência histórica e do espírito crítico ante um mundo

centrado no poder da autoridade religiosa. Esse cenário, construído pelos diversos

saberes, possibilitou desenvolvimento de novos métodos para a compreensão do

texto bíblico.

A forma mais atual de fundamentalismo é o neofundamentalismo, que se

apresenta não só como movimento de tipo religioso, mas também como verdadeiro

sujeito político cuja intenção é reagir contra a presumível perda de valores da

sociedade e contra a degeneração da democracia.

No universo islâmico, por exemplo, o fenômeno do fundamentalismo pode ser

percebido a partir da palavra árabe nahda, que significa renascimento. Após uma

crise política, cultural, religiosa e de colonização europeia, aparecem movimentos

que procuram traçar uma identidade fundamental.

No universo religioso judaico, o fundamentalismo também se encontra

presente. Nesse fundamentalismo há a crença na inerrância do texto sagrado, a

superioridade da lei religiosa e a necessidade de fundar a legitimidade do Estado

sobre a lei de Deus.

A CR aponta ainda que há um grande medo de se perder a fé com a entrada

da hermenêutica. Por isso, a percepção de que as convicções nascem da

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74

experiência, se alojam no interior humano, e que a reflexão articulada entre uma

convicção e outra possibilita novas interpretações sobre o fato, é negado pela mente

fundamentalista, sobretudo em se tratando de textos sagrados.

Com relação à modernidade cultural, a CR trata “o fundamentalismo como

anti-hermenêutico”. Portanto, possui um “olhar hermético”. Ele não aceita que o texto

possa ter mais de um sentido, mesmo que seu entendimento não seja claro ou que

contenha aparentes contradições.

É apontado em CR, por exemplo, que o fundamentalismo é uma via de “mão

dupla”. De um lado, ele é resultado de uma modernidade crítica, secularizada,

individualizante e pluralizada. De outro lado, é uma reação à modernidade ocidental,

liberal e tecnocrática. Se para dialogar é necessária a abertura hermenêutica ante as

narrativas sagradas, ante a tradição e a realidade, cultural e religiosa, um

fundamentalista está, de antemão, desqualificado para o diálogo inter-religioso.

Page 77: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

75

5 HORIZONTES DE ARTICULAÇÃO

Na contemporaneidade, a ciência é como uma peneira que minimiza

influências de origem pessoal dentro da própria ciência ao exigir coerência constante

com o mundo natural. O conhecimento científico está constantemente em

construção. Quanto à religião, entende-se que todas as posturas devem ser

respeitadas pela concepção do outro sobre deuses ou sobre a natureza. Pode-se

falar em complementaridade entre ciência e religião. Aquela trata de assuntos

naturais, empíricos, enquanto esta trata de problemas existenciais.

A religião também pode ser considerada como estimuladora do

desenvolvimento da ciência, uma vez que provocou uma divisão na área intelectual.

Grandes físicos eram religiosos, o que não impediu que chegassem a grandes

conclusões científicas. Por outro lado, a religião é responsável pela dificuldade que a

sociedade tem de acietar as ideias que a ciência propõe, uma vez que instâncias

religiosas desempenham um papel fundamental na discussão de assuntos

relacionados aos avanços científicos, lembrando os limites do ser humano.

A história não se apresenta tão óbvia ou linear como pode parecer à primeira

vista. Dialoga com as culturas e contribui para seu aperfeiçoamento. O estudo

acadêmico das religiões é de grande importância para o contexto intelectual e social

da humanidade.

Cabe salientar que, segundo Bertrand Russel (2010), a ciência é uma

tentativa de entender o mundo de experiências através das leis invioláveis, e religião

é um fenômeno complexo com uma crença sobre os supostos princípios definitivos.

Ao cientista da religião resta ser um proponente crítico para essa posição de Russel.

Quer dizer que é preciso tentar entender e julgar a tese do conflito que Russel

propõe. Tentar entender a opinião de que religião e ciência estejam em guerra pelo

mesmo território, mesmas ideias e fidelidades.

O conceito de religião é cercado de ambiguidade. Ao cientista da religião cabe

criticar toda forma estreita de classificação das religiões, que muitas vezes é uma

leitura ocidental, europeia, encarada do ponto de vista cristão. O cientista da religião

deve conhecer bem seu objeto de estudo, embora esse objeto seja polissêmico até

mesmo para os cientistas da religião. Já dizia Hans-Jürgen Greschat (2005), o

cientista da religião é o que tem um olhar profissional sobre as religiões. É um crítico

metodológico. O falar de religião implica esse mundo conhecido do que se fala.

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76

Compete ao cientista da religião pensar o papel da relação entre Teologia e

Ciências da Religião, legitimando o exercício do pensar tais assuntos na sociedade.

Seria mesmo estranho se não se pusessem algumas perguntas sobre os desafios

que essa relação gera e as chances que ela proporciona.

Em tempos atuais, apesar de notar um esforço para o diálogo, ainda fica a

sensação que para muitos parece sábio distinguir se é a Teologia ou a Ciência da

Religião que se apresenta como a mais legítima diante dos desafios culturais que se

colocam na sociedade ocidental. Pode-se afirmar, sem medo, que a fé cristã não foi

sufocada pelos tsunamis da história e que é preciso pensar na presença da Ciência

da Religião na Universidade e na sociedade. O universo de ideias que o ambiente

universitário faz acontecer, e no qual estamos imersos, irrompe como uma

imensidão muito maior do que nós. Até porque parece que a saída não se encontra

na oposição, mas na acolhida da diferença e na complementaridade.

O diálogo é importantíssimo para a construção do conhecimento do indivíduo

e da sociedade, bem como imprescindível para evitar conflitos entre pessoas.

Um dos grandes desafios constituídos na PUC Minas em relação a CR é a

superação da discriminação da disciplina pelos alunos. A Universidade é local de

diálogo, local de aprender a conviver, onde alunos vivenciam a própria cultura e

aprendem a respeitar outras pessoas.

Uma Universidade Católica possibilita ao aluno desenvolver atitudes

coerentes com os valores que ele mesmo elegeu como seus. O esclarecimento e a

problematização de questões que favoreçam a reflexão e ressignificação de

informações, emoções e valores recebidos e vividos no decorrer da história de cada

um são fatores importantes ao se trabalhar com a CR.

Uma das questões a ser levantada quando se trabalha com a CR é a de como

adaptar os subsídios teóricos aos vários cursos da Universidade. O mesmo

professor que trabalha no curso de Letras trabalha no curso de Engenharia, por

exemplo. Mesmo existindo a mesma ementa para todos os cursos, como adaptá-las

à realidade do curso em questão, visando a conscientização de que existem muitas

diferenças entre os indivíduos em suas formas de pensar, de agir, de olhar a vida, e

a reprovação social gera dificuldades muitas vezes profissionais.

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77

Este capítulo pretende, a partir da compreensão da CR, fornecer subsídios

teóricos da importância existencial da disciplina e da sua contribuição acadêmica.

Esta etapa será finalizada procurando apresentar alguns planos de ensino: planos

do curso de Engenharia Mecânica, do curso de Letras e do curso de Enfermagem, a

fim de confrontar a perspectiva de trabalho de alguns professores de CR, bem como

mostrar como a emergência fenomenológica e ética ocupa lugar de destaque no

diálogo e na relação entre Teologia e Ciências da Religião.

5.1 O “valor” existencial da Cultura Religiosa

Para exemplificar, toma-se o plano de ensino do curso de Engenharia

Mecânica. A Cultura Religiosa I tem como ementa: o fenômeno religioso –

experiência e linguagem. Trata-se do fenômeno religioso como experiência

específica, limites e possibilidades fundamentais de interpretação e de linguagem do

fenômeno religioso. Além disso, os critérios de interpretação da bíblia e da

experiência mística, bem como o Cristianismo e seus desafios do diálogo ecumênico

inter-religioso. Ainda de acordo com o plano de ensino, a CR I tem como objetivo

geral: promover a compreensão da dimensão religiosa da existência humana,

sensibilizando os alunos para a sua importância, por ser a dimensão fundamental

que abre a pessoa ao sentido global e transcendente da vida, apresentando a

experiência cristã como sentido profundo e desafiante para a sociedade

contemporânea.

Os objetivos específicos são: 1. Levar à compreensão do fenômeno religioso

em seus aspectos antropológicos, culturais, históricos e sociais. 2. Discernir a

compreensão da experiência religiosa na realidade pessoal e como processo de

institucionalização. 3. Sintetizar e reconhecer a compreensão dos valores essenciais

do Cristianismo, apresentando sua realidade atual e seus desafios.

Em uma perspectiva fenomenológica, o professor de CR I apresenta ao futuro

engenheiro mecânico a realidade atual e seus desafios, trabalhar os vários conceitos

de religião, que de acordo com as teorias contemporâneas cada vez mais a ideia de

conhecer é construir significados. Cada aula parte de um ponto introdutório capaz de

proporcionar motivação, organização do espaço interior e exterior, bem como

apresentar de maneira interessante a temática que será desenvolvida. É um

momento de sensibilização.

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78

A partir daí, sugere-se a realização da observação-reflexão-informação.

Momentos que se interligam em um movimento constante. Desse modo, busca-se

interpretar e ponderar os elementos principais que compõem o fenômeno religioso,

enfocando os conteúdos em uma rede de relações de forma progressiva,

propiciando ao aluno a ampliação de sua visão de mundo. O exercício do diálogo

inter-religioso e a valorização das diferentes expressões religiosas e místicas a partir

da sua situação sociocultural representam a perspectiva do diálogo.

A síntese seria o resultado do processo de ensino/aprendizagem que se

estabelece por meio de uma proposta de comportamentos éticos. A alteridade

compreende e reconhece a existência do diferente, tratando-a com respeito e

cuidado. No próprio agir humano livre, ético, há um apelo radical à

transcendência/imanência. A ética religiosa abre-se para o mistério e converge para

a religião, ditando aí um conjunto de princípios, padrões de conduta, que os adeptos

devem assimilar e cumprir. Princípios que se repetem em quase todas as tradições

religiosas do mundo, como, por exemplo, não roubar, socorrer os necessitados,

amar o semelhante e promover a paz.

No caso do trabalho em uma perspectiva ética, as aulas de CR são

permeadas dos valores por ela apontados, já que através da ética as religiões se

aproximam umas das outras. O professor de CR nesse momento busca pontos

comuns nas tradições religiosas, mostrando aos alunos as diferenças dogmáticas e

a necessidade comum de todas as tradições religiosas, que é a busca da felicidade.

O professor de CR ao lecionar a disciplina para o curso de Engenharia propõe

o estudo das culturas e tradições religiosas com o intuito de analisar a raiz das

manifestações religiosas, buscando compreender o modo de ser, pensar e agir das

pessoas. Um engenheiro que viva em um país que é potencialmente cristão deve

saber como receber em sua empresa um islâmico por exemplo.

Ao estudar as manifestações culturais e religiosas dos muçulmanos, é

possível a compreensão do que é cultura, do que é fenômeno religioso e qual é a

importância e influência da religião na existência cotidiana das pessoas.

Se buscar-se um nível maior de consciência, a compreensão da realidade se

dá de forma prática e não teórica. O desafio constante é o de trabalhar uma reflexão

sobre o fenômeno religioso, abordando o conhecimento das manifestações

religiosas a fim de que o trabalho do professor de CR seja o de conduzir o aluno ao

Page 81: A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA NA PUC MINAS: …

79

caminho do diálogo sempre, possibilitando a vivência intercultural em uma cultura de

paz, na mediação de conflitos.

Ainda quanto à CR, considera-se que essa disciplina trata da criação de

condições para que o estudo do fenômeno religioso seja realizado em parâmetros

grupais de construção de conhecimento, a fim de que atue no aprendizado coletivo

dos indivíduos, convertendo a realidade em possibilidade de vivenciar o respeito à

alteridade, por meio da compreensão do mundo religioso que compõe a diversidade

cultural.

Voltando à ementa de CR I para o curso de Engenharia Mecânica, a questão

do Cristianismo pode ser trabalhada na tarefa de repensar o mesmo em uma cultura

plural, situando o futuro engenheiro diante do caminho da reflexão.

Em CR II, o curso de Engenharia Mecânica tem como ementa: fundamentos

para a práxis cristã, a partir do Ensino Social da Igreja. A categoria pessoa,

fundamento antropológico do Ensino Social da Igreja, em diálogo com as categorias

antropológicas contemporâneas. Análise de temáticas atuais à luz do Ensino Social:

a família e a dimensão afetivo-sexual, o mundo do trabalho e a situação da

propriedade, o sentido da economia; a ordem social e política, a consciência de

cidadania, o compromisso com o cuidado, a defesa da vida e as perspectivas de

construção de uma nova ordem mundial centrada no Amor e na Paz.

O objetivo geral de CR II para esse curso é: promover a compreensão da

dimensão religiosa da existência humana, sensibilizando os educandos para a

importância e presença universal, por ser a dimensão fundamental que abre a

pessoa ao sentido global e transcendente da vida, apresentando a experiência cristã

com o sentido profundo e desafiante para a sociedade contemporânea. Os objetivos

específicos são: 1. Apresentar os elementos fundamentais da visão antropológica

cristã. 2. Fundamentar a ética cristã diante dos desafios atuais e suas exigências

nas diversas relações entre o ser humano, a sociedade e a natureza. 3. Levar a

compreensão e avaliação crítica da crise ética da sociedade contemporânea,

buscando sua superação em uma nova ética da solidariedade, baseada em

princípios universais e motivada particularmente pela vida cristã.

Todos esses objetivos só podem ser compreendidos se trabalhados

pensando na realidade do Cristianismo como resposta ao desafio de evangelização

que o mesmo tem perante as exigências do imediato futuro. A CR é trabalhada na

mensagem que o Cristianismo pode passar no meio da crise religiosa e cultural de

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valores e de ideais, que são características dos atuais dias. Um engenheiro também

deve ter em mente que lutar pela vida dos pobres e excluídos da sociedade passa

pela urgente reforma na estrutura econômica, social e política, restabelecendo um

bom-senso na dinâmica social.

Pode-se priorizar a diferenciação de conceitos como o de necessidade e

desejo. O Cristianismo com relevância histórica pode contribuir para a construção de

uma sociedade mais justa, estabelecendo um novo projeto de sociedade e de

civilização.

O trabalho do professor de CR II é o de partir de conceitos teológicos para

estimular o engenheiro a problematizar e analisar o ser humano na sociedade atual,

de massa, de consumo, de modo que ele compreenda a vocação humana à vida e

se abra à perspectiva de construção de novas relações sociais e humanas. Dessa

forma, o engenheiro, a partir das motivações da fé cristã, poderá elaborar respostas

aos desafios contemporâneos.

Tomando-se o plano de ensino do curso de Letras, a CR I também tem

também como ementa: o fenômeno religioso como experiência específica – limites e

possibilidades da experiência de Deus. As categorias fundamentais de interpretação

e de linguagem do fenômeno religioso. A Bíblia – livro de formação histórica, cultural

e literária. Os critérios de interpretação, os temas e as perspectivas de estudo da

Bíblia e a experiência mística e de abertura que o livro sagrado propicia. O

Cristianismo e os desafios do diálogo ecumênico e inter-religioso no contexto de um

mundo globalizado.

O objetivo geral é: promover a compreensão da dimensão religiosa da

existência humana, sensibilizando os alunos para sua importância, por ser a

dimensão fundamental que abre a pessoa aos principais valores e, especialmente,

ao sentido global transcendente da vida, apresentando a experiência cristã com o

sentido profundo e desafiante para a sociedade contemporânea.

Os objetivos específicos são: 1. Levar à compreensão do fenômeno religioso

enquanto experiência pessoal de abertura ao transcendente, bem como o processo

de institucionalização e de representação simbólica da fé coletiva, expressão de

sentido da vida, de produção e promoção de valores morais e éticos. 2. Sensibilizar

o educando para a importância do conhecimento da bíblia, livro formador de valores

culturais do ocidente, apresentando-o como fonte de estudo, de experiência

espiritual e de abertura e encontro entre pessoas e instituições religiosas. 3. Levar à

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81

compreensão da história e dos fundamentos essenciais do Cristianismo, da vida e

do projeto de Jesus Cristo, apresentando a realização atual e os desafios do mundo

globalizado, que convocam o Cristianismo ao diálogo ecumênico inter-religioso.

Em CR II, a ementa para o curso de Letras é: fundamentos para a práxis

cristã, a partir do Ensino Social da Igreja. A categoria pessoa, fundamento

antropológico do Ensino Social da Igreja, em diálogo com as categorias

antropológicas contemporâneas. Análise de temáticas atuais à luz do Ensino Social:

a família e a dimensão afetivo-sexual, o mundo do trabalho e a situação da

propriedade, o sentido da economia; a ordem social e política, a consciência de

cidadania, o compromisso com o cuidado, a defesa da vida e as perspectivas de

construção de uma nova ordem mundial centrada no Amor e na Paz.

Os objetivos são: apresentar os elementos fundamentais da visão cristã de

homem, fundamentar a ética cristã diante dos desafios atuais e suas exigências nas

diversas relações entre o homem, a sociedade e a natureza; levar à compreensão e

avaliação crítica a crise ética da sociedade contemporânea, buscando sua

superação em uma ética da solidariedade, baseada em princípios universais e

motivada particularmente pela visão cristã.

As aulas são expositivas, dialogadas. Com estudos dirigidos, vídeos para

análise e debate. Há seminários sobre pesquisa de temas e textos, assim como

pesquisas orientadas. Em CR I, o trabalho é o de aproximar a CR do campo de

interesse da turma, do curso em questão, o que implica uma perspectiva

humanística de formação para o exercício ético-cidadão. Ainda através da leitura de

alguns textos bíblicos, é feito seminários sobre a hermenêutica desses textos, bem

como resenhas críticas.

Em CR II, além de seminários, estudos dirigidos sobre a categoria

antropológica fundamental, sobre o conceito de pessoa, sobre a dimensão afetivo-

sexual da família, é realizada uma atividade sobre Edgard Morin e os novos

paradigmas, a fim de que o tema da sociedade inclusiva, que é o novo e exigente

desafio do mercado, seja colocado em discussão.

Ao tomar o plano de ensino de CR I e de CR II do curso de Enfermagem, as

ementas e objetivos se repetem como os do curso de Engenharia e do curso de

Letras. O que muda é a maneira como cada professor trabalha as temáticas

relacionadas ao curso em questão.

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Uma das propostas é trabalhar o corpo físico como dimensão constitutiva do

ser humano. A corporalidade é uma questão da história das culturas, das

civilizações, das religiões, das filosofias e das ciências humanas. É interessante

trabalhar a presença do homem no mundo que se faz pelo corpo em uma totalidade

físico-orgânica e possui intencionalidade.

Se for trabalhada a totalidade físico-orgânica, o tempo é cronológico e se

trabalha os sistemas do corpo como: neurológico, reprodutivo, circulatório,

independente da vontade. Já se for trabalhada a totalidade intencional, o corpo

passa a possuir intenção dada pelo indivíduo, ocorrendo níveis de reestruturação no

corpo em que se é capaz de alterar o corpo físico dando sentido diferente.

Permite-se, assim, a abertura do homem à realidade sobre a qual não existe

resposta imediata. Ainda é trabalhado o tema da religião e saúde, bem como o tema

da religião com o cuidado. Trabalha-se o que é cuidado, o modo-de-ser cuidado, as

concretizações do cuidado e as figuras exemplares de cuidado. Questões acerca da

defesa da vida e da terra, a bioética, o compromisso de transformação social são

levantadas para compreender a crise ético-moral da sociedade.

O processo de ensino-aprendizagem tem por finalidade ser um ato dialogal

entre professores e alunos. Esse processo abre-se a possibilidades de reavaliação

de métodos adotados no decorrer do curso, levando-se em consideração o interesse

dos alunos, desde que fundados em legítimas proposições.

5.2 A contribuição acadêmica da Cultura Religiosa

A partir da compreensão de como a CR se constituiu, sua importância

existencial atualmente, para pensar sobre a contribuição acadêmica dessa

disciplina, a ideia de identidade como valor central para a organização da sociedade

deve ser lembrada.

A identidade pode ser considerada como uma história estruturada e adequado

para fornecer o mínimo de segurança ontológica indispensável para enfrentar o

contexto de risco que caracteriza o mundo atual. É um conceito que vem sendo

questionado por diversas áreas de conhecimento.

Para Berger e Luckmann(1985), a identidade é objetivamente definida como

localização em um certo mundo e só pode ser subjetivamente apropriada juntamente

com este mundo. O indivíduo assimila a realidade e reproduz sua experiência social.

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Muitas vezes, alunos não completam o curso de graduação que pretendem

cursar, ou ainda desistem quase no último período, porque se deparam em uma

crise existencial que a CR I bem no 1º período pode ajudar a resolver. Logo no início

do curso, pode orientar o aluno quanto às dúvidas, quanto à decisão de tornar

oportunos meios de clarificar e compreender as implicações de uma escolha. Seria o

princípio de resgatar a identidade vocacional e profissional do aluno em crise de

decisão. Identidade estabelecida pela tomada de consciência de um indivíduo em

crise.

Para a Universidade, a CR contribui academicamente reconhecendo a

importância de determinação de escolhas que o aluno faz, habilitando o mesmo na

organização de projetos de vida de maneira coerente. A disciplina intervém no

processo de evasão, quando estimula o aluno à reflexão sobre a questão da escolha

de um curso e propicia condições para a Universidade cumprir seu papel social de

agente formador.

Geralmente, a fase em que a maior parte do alunado se encontra na

Universidade é o de querer ser, que deve ser conquistado aos poucos, dia após dia.

O querer ser é importante e o como ser é mais importante ainda. É um momento de

colocar o que estava planejado em prática no momento presente. É ter um projeto

de vida que pode fazer uma pessoa se sentir segura, confiante na hora de fazer as

escolhas, na hora de fazer pensar até como será o mundo que se ajuda a construir

dia-a-dia. Projetos que podem sofrer alterações. É preciso preparar os alunos para

essa realidade e mostrar como boas decisões elevam as pessoas em todos os

sentidos.

Cabe salientar que a CR também contribui academicamente no estudo da

vida em todas as suas formas. Algumas tradições religiosas têm ecologistas que

compartilham a ideia de que somos um e que a natureza é vida que se manifesta

criativamente nas mais diferentes formas. Entende-se a vida de forma ampla,

permitindo que ela seja respeitada em seu direito de ser.

Caso se concorde que tudo aquilo que exista deve viver plenamente sua vida

e sua singularidade, pode-se sentir parte ativa do movimento da vida no universo.

Compreendendo que as pessoas das diferentes religiões são o próximo, tanto

quanto as pessoas que possuem a mesma religião de um indivíduo, têm-se laços de

fraternidade e de defesa do direito de crer de cada um, ou até mesmo do direito de

não crer.

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As pessoas são seres vivos com sentimentos, capacidade de ação no mundo,

e por serem diversas possuem ou não crenças religiosas, o que não deve ser motivo

para causar afastamento e discriminação de qualquer forma, sendo que o exercício

de uma profissão tem tudo a ver com a experiência religiosa.

A vida do graduando é muito mais do que o objeto do curso em que ele se

matricula. A vida pessoal extrapola as disciplinas técnicas dos cursos e estudar

religião tem a ver com a variação do preço da gasolina, tem a ver com a moral. A

concepção religiosa permeia tudo, e questões religiosas determinam a ética.

Entender academicamente a religião é uma questão fenomenológica. O primeiro

contato que o aluno tem com a CR é fundamental para desfazer preconceitos para

com a disciplina.

Outra contribuição acadêmica que a CR tem é o estudo comparado das

religiões, que possui três vertentes: a fenomenológica, a social e a cultural. Em uma

abordagem histórica, são analisados os fatores históricos, políticos, econômicos e

sociais do fenômeno religioso.

Outro fator importante ao se estudar a historia das religiões é que se

esclarece que a história religiosa não possui métodos específicos para o estudo do

fenômeno religioso. Os conflitos teológicos e políticos que se processaram na Igreja

Católica brasileira, por exemplo, no período da ditadura militar, correspondem a um

contexto histórico de transformações políticas, econômicas e sociais de toda a

América Latina. A fim de compreender a história das religiões, procura-se promover

uma reflexão sobre o estatuto da memória histórica, biografias e relatos de

formação, através da leitura de alguns autores.

Além disso, a Igreja Católica teve um idealismo que durante muitos séculos

negligenciou objetos que tinham muito valor para os indígenas, por exemplo.

Objetos que ocupavam papel importante na comunicação com a divindade indígena,

como plantas, colares, rituais ou mesmo objetos que faziam parte de rituais

religiosos dos índios antes de lhe introduzirem a religião cristã. O índio acabou por

adaptar-se à religião imposta pelo europeu, desenvolvendo uma espécie de

aculturação, ou seja, transformando sua cultura para mantê-la viva e não deixando

de lado suas raízes. Até santos indígenas eram pontos de sustentação, dando nova

definição ao mundo real. As imagens cristãs cumpriam seu papel e deixavam de ser

meras representações e transformaram-se em objeto de culto, ligando assim o

mundo indígena ao mundo ocidental europeu.

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Segundo William Paden (2001), o sagrado é aquele conjunto de coisas que

qualquer ser humano, em qualquer época ou lugar sempre considerou inviolável e

digno de estima. Conceito que permite maior compreensão dos fatores essenciais à

realidade social e cultural, como um poder experimentado como real, divino e

misterioso. O autor explica ainda que a religião e suas expressões podem ser

caracterizadas como forma universal de cultura que precisa ser entendida antes de

ser explicada e que entendê-las significa conhecer os padrões variantes culturais. A

religião não é só uma expressão da sociedade, mas uma criadora de sociedades.

A disciplina de CR tem valor acadêmico quando busca fundamentar valores e

critérios para uma atuação e pensamento crítico diante do pluralismo científico e

ideológico e dos desafios presentes em uma sociedade globalizada, marcada por

crises plurirreligiosas. A disciplina em questão faz com que se compreendam os

desafios contemporâneos das religiões, de maneira sensível, crítica e

transformadora.

Tendo em vista a diversidade cultural religiosa existente no mundo, é

necessário que não se estude apenas uma religião, mas sim os elementos básicos

que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas

no contexto cultural, histórico e mundial. Deve-se valorizar a diversidade cultural

religiosa presente na sociedade, no constante propósito de promoção dos direitos

humanos. Diferentes crenças, grupos e tradições religiosas, bem como a ausência

delas, são aspectos da realidade que devem ser socializados e abordados como

dados antropológicos e socioculturais, capazes de contribuir na interpretação e na

fundamentação das ações humanas.

Grande parte dos conflitos mundiais é acompanhada pela referência étnico-

religiosa. Tem-se justificado tudo em nome de Deus, inclusive chacinas e outros

crimes. Há uma ambiguidade na história religiosa da humanidade, que de um lado

com a presença da vitalidade religiosa favorece o crescimento da afirmação do

humano com solidariedade e compaixão, e de outro há a justificativa da violência,

opressão em nome de Deus ou do sagrado. A religião se instrumentalizou.

Uma reflexão sobre o pluralismo religioso é necessária como desafio à

teologia Cristã. O pluralismo está presente na história do Cristianismo desde o início

da sua história. Já desde os primeiros séculos, tenta encontrar maneiras de

comunicar-se com outras religiões. Para tal, é compelida a dialogar com os

diferentes deuses presentes neste mundo, a fim de poder fazer visível e audível a

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experiência de seu Deus. Cada um compõe sua própria concepção religiosa, e o

campo religioso passa a se assemelhar a uma terapia, assim como também a um

lugar de trânsito onde se entra e se sai.

A questão religiosa apresenta, pois, uma outra face: a da pluralidade. Face

esta que, por sua vez, implicará igualmente na existência de uma interface: a das

diferentes tentativas do diálogo inter-religioso, da prática plurirreligiosa e da religião

do outro como condição de possibilidade de viver mais profunda e radicalmente a

própria fé. Não só as antigas e tradicionais religiões parecem crescer de importância

e se tornarem interlocutoras de peso para o Cristianismo histórico, como também

novos movimentos religiosos surgem de todos os lados, trazendo perplexidade e

interpelações diversas. A partir dessa face plural, geradora de uma interface

plurirreligiosa, a experiência do Sagrado realizada dentro do Cristianismo hoje é

interpelada e chamada a aprender sobre experiências místicas e espirituais de

outras religiões. E isso não para deixar de ser cristão ou algo parecido, mas para

que a experiência de Deus que está no coração mesmo de sua identidade dê e

alcance toda a sua medida.

A questão de experiência do Sagrado é igualmente uma experiência de

sedução irresistível, que hoje deve ser buscada e encontrada em meio ao mundo, às

realidades terrestres, à pluralidade religiosa e ao diálogo com as outras tradições.

Assim, a sacralidade hoje poderá ser encontrada por aquele ou aquela que

está em busca de uma interface experiencial. Experimentar o sagrado é tocar

naquilo que não passa e que dá sentido e estrutura à vida humana. Ao mesmo

tempo é ser constituído para sempre como peregrino, permanentemente em busca,

sempre a caminho, nunca fixado em nenhum solo ou nenhuma paisagem. A

velocidade com que mudam os tempos e as coisas na sociedade onde se vive,

nesse sentido, é um alerta permanente para toda tentação de fixismo que quiser

rondar e cercar o desejo pelo Sagrado que se propõe como possibilidade. Nesse

sentido, a pertença religiosa no início deste novo milênio nos obriga a repensar

categorias tão fundamentais da vida quanto tempo e espaço, conteúdo e forma,

razão e imaginação. Obriga igualmente a repensar a maneira de fazer Teologia.

Esta não pode fazer-se senão em contínuo trabalho com a ciência da religião e a

espiritualidade, ainda que incluindo, humildemente, a razão que durante tantos

séculos foi a garantia maior da segurança e da veracidade da Teologia.

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87

5.3 Cultura em diálogo na contemporaneidade: entre Teologia e Ciências da Religião

É de suma importância a existência “oficial” da Teologia e das Ciências da

Religião na Universidade, já que as duas são importantes para o aprofundamento da

especificidade do fenômeno religioso e para a construção de uma área acadêmica

voltada ao seu estudo.

Percebe-se a dificuldade de trabalhar com a disciplina de CR. Essa disciplina

é um espaço de reflexão dos valores humanos, entretanto os temas trabalhados em

CR, sobretudo CR II, não são apenas de responsabilidade dessa disciplina em cada

curso e sim de todas as disciplinas. Um trabalho interdisciplinar há de ser feito nos

cursos. Não é possível pensar em educação de qualidade que não atinja a dimensão

religiosa do ser humano. A formação humana deve ser integral, contemplando a

religiosidade. Porém se deve ter muito cuidado para evitar preconceitos e

fundamentalismos, pois o fenômeno religioso deve ter a sua diversidade respeitada.

O problema do diálogo na contemporaneidade entre Teologia e Ciências da

Religião trata das possibilidades e necessidades de cada área de conhecimento, ao

contrário do que apenas o representante de uma instituição religiosa fala que parte

de princípios teológicos de um projeto de evangelização.

Percebe-se que há muitas questões em aberto seja por causa do objeto de

estudo, que é a Teologia e as Ciências da Religião, seja por causa dos caminhos

para tentar entender esse objeto de estudo: Teologia ou Ciências. Aparentemente,

campos distintos que têm muito o que dialogar e que são disciplinas desafiadas

pelas expectativas da sociedade a fornecer informações significados relevantes para

a solução de problemas.

Não significa fechar em uma versão estreita do estudo das religiões pelo

aspecto cognitivo ou dialógico. O estudo academicamente convincente das religiões

é de grande importância para o contexto intelectual e social de qualquer pessoa.

Deve-se buscar integração entre as disciplinas: Teologia e demais Ciências da

Religião, a fim de lidar com as complexidades de cada campo.

Às Ciências da Religião não cabe nenhuma ideologia antirreligiosa, sendo

que existem paradigmas na construção de identidade cultural e social que refletem

nas Teologias de cada lugar. Identidades que não são estáveis e que se convergem

com a globalização.

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A globalização é um dos fenômenos que produz impactos decisivos sobre a

religião, já que ela transforma contextos locais pessoais e sociais. Como influencia

estilos de vida, influencia as crenças que, por sua vez, ao não perceberem o sentido

de sua identidade, perdem seu sentido. As mudanças fazem com que a fé enrijecida

ou cristalizada seja questionada e deve, portanto, ser reinterpretada. A nova

vitalidade da religião tem destruído as raízes autênticas da existência. Cabe

salientar que não se sugere um desaparecimento da tradição religiosa e sim uma

mudança de seu status para uma nova fisionomia da tradição. O elemento de

continuidade entre passado e presente deve ser sempre dinamizado pela

incorporação das inovações e reinterpretações em função dos dados do presente.

As Ciências da Religião estudam o sagrado na forma da experiência ou de

instituição. Experiência do sagrado que pode acontecer de diversas maneiras, em

vários lugares e em diferentes tempos.

A Teologia abre-se em relação ao objeto de sua reflexão. Pode não possuir

limite quanto ao tipo de objeto e pode ser Teologia do trabalho, Teologia do lazer,

Teologia da vida, Teologia da esperança, entre outras, mostrando que não é

caracterizada pelo objeto de sua reflexão. Qualquer realidade à luz da palavra

revelada é entendida, transmitida, vivida por uma comunidade de fé.

A ciência de outras religiões que se fundam em experiências humanas, em

tradições culturais, não seria Teologia. Em um sentido restrito, Teologia existe nas

religiões reveladas. As Ciências da Religião trabalham com um vasto campo de

conhecimento, fazendo com que o fenômeno religioso seja interpretado pelo

cientista da religião tanto sob a forma de experiência quanto de instituição. O que

interessa é esclarecer dados que explicam determinada experiência religiosa ou

determinada religião.

Há um historiador das religiões, um sociólogo das religiões, um antropólogo

das religiões, um psicólogo das religiões, um filósofo das religiões que não

trabalham com a dimensão da fé, que sabem também que não possuem a total

compreensão dos fatos e que abordam coerentemente a questão do fenômeno

religioso a partir de sua área de conhecimento.

A Teologia acolhe a totalidade dos ensinamentos de fé, reflete sobre a fonte

única da revelação que cada tradição, que cada comunidade vive. Trabalha com a

dimensão da experiência religiosa e da religião.

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É fato que no momento atual o fenômeno religioso tornou-se importante, que

as Ciências da Religião ocupam papel fundamental na tentativa de esclarecer tais

fenômenos, já que são diversas ciências tentando explicar a complexidade do que é

real. Como a Teologia considera apenas a questão da palavra revelada, ela perde

um pouco de espaço.

Entretanto, o diálogo entre Teologia e as Ciências da Religião é possível e

incide na complementaridade das perspectivas para que o concreto se torne

compreensível e claro à inteligência. Quando se trata de verdade, não compete

impossibilidades entre os aspectos dados. Caso ocorra, constitui um erro do olhar,

sendo que o diálogo se estabelece para explicar a confusão da oposição.

Através do diálogo, as pessoas têm maior concepção do fenômeno religioso,

da religião como instituição e como experiência de fé. O olhar hermenêutico do

religioso a partir da fenomenologia, das Ciências da Religião, da Teologia, é muito

importante na história da Teologia e das Ciências da Religião. A hermenêutica no

sentido teológico é humana, é linguagem, introduzida em um conhecimento que

precisa ser feito sob o ponto de vista intercultural, ecumênico e inter-religioso.

Há um eterno debate entre ciências cognitivas, Teologia e Ciências da

Religião, e se necessita de mais espaço para os questionamentos levantados pelas

ciências cognitivas. A presença de estudiosos nesse campo teria o que acrescentar

ao enriquecimento dos estudos da Teologia e das Ciências da Religião. Defende-se

aqui a tese da Teologia como ciência, o que de fato permite sua ecumene e sua

recolocação no âmbito da esfera pública e da Universidade.

Ainda para as Ciências da Religião, a fenomenologia é tida como

possibilidade de fundamentação do religioso, assim como método para a

compreensão das formas da religião. Cabe ressaltar que, para o diálogo entre

Teologia e Ciências da Religião na contemporaneidade, é preciso cuidado para

distinguir essência e as formas da religião, além de ter em mente que algumas

experiências religiosas são difíceis de analisar.

O debate entre Teologia e Ciências da Religião deve-se manter em aberto. As

duas áreas podem-se enriquecer mutuamente. Existem desafios para essas duas

áreas de conhecimento, e cabe aos interessados em trabalhar nessa área em

continuar seu trabalho em defesa dos interesses da Teologia e das Ciências da

Religião enquanto cientificidade das disciplinas e respeitabilidade acadêmica.

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A Cultura Religiosa tem importância no debate dos aspectos fenomenológicos

e éticos como tópos privilegiado do diálogo, já que, quando os professores

trabalham temas pertinentes a esses aspectos, cumprem a importante tarefa de

formação plena do estudante, de formação profissional e humanística,

desenvolvendo valores e atitudes relevantes em qualquer profissão. Além disso,

quando o professor trabalha questões éticas, sensibiliza os alunos para a

importância das questões sociais. Quando trabalha questões fenomenológicas,

promove melhorias no relacionamento interpessoal. O trabalho com temas atuais

aperfeiçoa os desdobramentos da CR na vida dos alunos. A disciplina tem a função

de contribuir com as outras disciplinas pragmáticas de cada curso, no sentido de

questionar a maneira como as descobertas implicarão sobre as pessoas e sobre a

sociedade, fornecendo uma perspectiva e uma orientação.

Pensando ainda na inter-relação fenomenológica e ética como tópos

privilegiado do diálogo, a CR tem, de acordo com os professores, impacto em

diversas dimensões da vida dos alunos, especialmente quando os professores

trabalham o despertar da consciência crítica e moral, a formação de valores e

conceitos, a atitude de reflexão contínua e a interpretação de ideologias.

Para os professores, a CR faz com que os alunos obtenham maior

conhecimento sobre religião e cultura; tenham mais respeito pelas mesmas;

melhorem o senso crítico; fiquem mais tranquilos para a vida social e para a

convivência, possibilitando crescimento pessoal e profissional.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do objetivo de analisar o papel da disciplina CR da PUC Minas,

valorizando o estudo fenomenológico e ético da mesma, enfatizando as diversas

expressões e crenças definidas como religiosas na perspectiva do diálogo, esta

pesquisa percorreu um caminho através do qual se pôde observar a trajetória dos

professores ao trabalharem com a disciplina nos cursos, considerando-se os temas

trabalhados, a confessionalidade ou não da disciplina e o caráter obrigatório da CR

na Universidade.

A CR evoluiu paulatinamente no sentido de os professores compreenderem

que, embora essa disciplina tenha um caráter de obrigatoriedade pelo fato de a

instituição ser uma instituição católica, ela é de grande relevância, já que as aulas de

CR são um espaço de diálogo em que as questões sociais, pessoais e de

responsabilidade profissional podem ser debatidas. Além disso, é uma disciplina que

contribui para manter a identidade de uma Universidade Católica.

O estatuto da PUC Minas consolida essa tendência quando fala dos fins da

Universidade em incentivar o diálogo interdisciplinar, a integração entre os diversos

ramos do saber e o encontro entre a ciência e a fé católica, na investigação da

verdade e na reflexão dos problemas humanos, com especial atenção às

implicações ética e moral, bem como quando orienta suas ações na fidelidade à

doutrina cristã e respeito aos princípios da Igreja Católica.

Constatou-se que, na maioria das vezes, a CR cumpre seus objetivos em

consonância com as diretrizes e normas da Universidade de maneira satisfatória,

sendo importante na formação humanística dos alunos. Nesse sentido, os

ensinamentos ministrados nos cursos influenciam comportamentos e atitudes dos

estudantes.

Dentre as diversas tendências para se trabalhar a CR, as perspectivas

fenomenológicas e éticas se destacam nesta pesquisa, não só pela considerada

relevância, mas pelo exercício minucioso e extenso, ou seja, ao longo de toda a vida

do aluno, seja pessoal ou profissional, independente do curso.

Optou-se, nesta pesquisa, delimitar a entrevista em professores e

coordenadores da CR para fazer uma explanação geral sobre como a CR possibilita

o diálogo com a sociedade. A opinião dos alunos seria muito importante, mas a

questão tempo foi um empecilho para entrevistar alunos.

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A análise da perspectiva fenomenológica serviu de modelo para mostrar como

a CR orienta outras áreas de conhecimento no sentido de se assumir uma atitude

diante dos desafios contemporâneos das religiões, de maneira sensível, crítica e

transformadora. A questão religiosa é marcada pela investigação teórica na interface

dos discursos éticos, discursos religiosos, discursos do sentido da história e os

campos de diálogo próprios da religião.

A perspectiva ética é a mais trabalhada pelos professores de CR. O tema

ganha maior visibilidade quando os professores trabalham com a questão da ética

profissional de seus alunos, mas esse tema se destaca também quando professores

abordam temas mais universais, como os de bioética, por exemplo.

O diálogo, por sua vez, por ser considerado um lugar privilegiado foi

amplamente apreciado ao longo de toda a pesquisa, seja nas entrevistas, seja na

pesquisa teórica, já que a intenção final era a de que temas fenomenológicos e

éticos promovessem a cultura da paz e da tolerância. O objeto de estudo dessa

pesquisa foi a importância institucional da CR na formação integral do aluno da PUC

Minas, seja no meio acadêmico bem como na formação pessoal, fundamento ético

em diálogo com as categorias éticas contemporâneas.

Outro dado interessante é que esta pesquisa mostrou de modo comparativo

os paradigmas da Teologia e das Ciências da Religião. A CR é uma disciplina

obrigatória na PUC Minas. Nos documentos de parametrização da PUC Minas,

encontram-se as disciplinas que devem estar presentes em uma Universidade

Católica, como explicado no primeiro capítulo, entretanto, agora, pensando nas

características gerais da CR, constatou-se que é uma disciplina que traz impactos e

contribuições para a vida pessoal e profissional dos alunos.

Constatou-se, ainda nesta análise, que planos de ensino e ementas das

disciplinas Cultura Religiosa I e II são iguais para todos os cursos. O que muda de

fato é a maneira como cada professor vai conduzir sua aula e seus temas, sendo

que essa prática docente é o que aponta caminhos que estão em concordância com

a realidade dos universitários.

Assim, a tendência da CR é a de tratar de questões humanas, na sua

dimensão antropológica, social, espiritual e ética, em uma proposta ampla e

basicamente humanista. A formação acadêmica, humana, profissional, necessita

dessa vertente humanista. É formar um biólogo que saiba se relacionar bem com os

outros. Os conteúdos partem do ponto de partida para um diálogo mais profundo e

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aberto com os alunos sobre o fenômeno religioso como um todo, desenvolvendo o

pensamento crítico e complexo, que estimula uma vivência mais aberta e dialogal.

É esta a importância vital da disciplina, sair do aspecto definido pela

obrigatoriedade de existir em uma Universidade Católica, sair do aspecto apenas

teórico que a CR tem e partir para a emergência prática, do diálogo, sobretudo

pensando no ser cidadão e na realidade. A importância acadêmica, pessoal e

profissional da CR é essencial por fazer referência direta ao ser humano. Os

professores se propõem ainda a abrir os horizontes de concepção da cultura, da

sociedade e da ciência a partir da dinâmica da religião em particular, e apresentam

subsídios para a evolução da própria formação humana pessoal.

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