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Interciencia ISSN: 0378-1844 [email protected] Asociación Interciencia Venezuela Marin, Andréia Aparecida; Oliveira Torres, Haydée; Comar, Vito A educação ambiental num contexto de complexidade do campo teórico da percepção Interciencia, vol. 28, núm. 10, octubre, 2003, pp. 616-619 Asociación Interciencia Caracas, Venezuela Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=33908510 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

A Educação Ambiental Num Contexto de Complexidade Do Campo Teórico Da Percepção

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  • IntercienciaISSN: [email protected] IntercienciaVenezuela

    Marin, Andria Aparecida; Oliveira Torres, Hayde; Comar, VitoA educao ambiental num contexto de complexidade do campo terico da percepo

    Interciencia, vol. 28, nm. 10, octubre, 2003, pp. 616-619Asociacin Interciencia

    Caracas, Venezuela

    Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=33908510

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    Sistema de Informao CientficaRede de Revistas Cientficas da Amrica Latina, Caribe , Espanha e Portugal

    Projeto acadmico sem fins lucrativos desenvolvido no mbito da iniciativa Acesso Aberto

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    A ecologia tornou-se, aolongo de seu processo de de-senvolvimento, a cincia gera-dora da transio de paradig-mas: da viso cartesiana domundo aos processos energ-ticos complexos; da sujeioaos sistemas dominantes au-tonomia; do individualismo aoesprito altrusta, de participa-o e cidadania; do ecologis-mo ancorado no senso deconservao dos aspectos fsi-cos do meio para a sustenta-bilidade dependente da inclu-so social. No entanto, paraque essas mudanas de para-digmas se reflitam no com-portamento da sociedade, preciso que se provoque, maisque conscientizaes sobre

    riscos iminentes, um resgatedos laos que unem o ser hu-mano natureza.

    Entendemos que esse lao construdo no s dos concei-tos que o ser humano tem so-bre o meio ambiente, mas deoutros inmeros aspectos ine-rentes sua natureza, desdeos mais rudimentares (instinti-vos) at os associados suacomplexa evoluo biolgicae cultural (linguagem, afetivi-dade, imaginao, intuio,arranjo social, etc).

    O entendimento dessa inte-rao do ser humano com oambiente, solidificada em ba-ses to complexas, tem repre-sentado um estmulo parapesquisas de percepo ambi-

    ental. Essa percepo temsido estudada, na maioria doscasos, mediante o levantamen-to de conceitos de meio am-biente e dos referentes a fe-nmenos e problemas ambi-entais.

    Acreditamos que esses as-pectos conceituais so de ex-trema importncia no referidoestudo, mas vislumbramosuma situao em que eles re-presentam apenas um pontona complexidade que direcio-na a percepo ambiental.Essa viso nos leva preocu-pao de que os referidos es-tudos acabem por provocaraes de educao ambientalpuramente embasadas no tra-tamento dos conceitos, ou se-

    0378-1844/03/10/616-04 $ 3.00/0

    PALAVRAS CHAVE / Educao Ambiental / Imaginrio / Percepo Ambiental /Recebido: 29/06/2003. Aceito: 26/09/2003

    Andria Aparecida Marin. Douto-ra em Ecologia e Rec. Natu-rais, Universidade Federal deSo Carlos (UFSCar), Brasil.Bolsista PRODOC/CAPES,Universidade Federal de Gois.Endereo: Av. Dom Pedro II,

    quadra 09, lote 28, 74685-210,Goinia/GO, Brasil e-mail:[email protected]

    Hayde Torres Oliveira. Doutoraem Cincias da Eng. Ambien-tal, Universidade de So Paulo(USP), Brasil. Professora,

    A EDUCAO AMBIENTAL NUM CONTEXTO DE COMPLEXIDADEDO CAMPO TERICO DA PERCEPOAndria Aparecida Marin, Hayde Torres Oliveira e Vito Comar

    Depto. Hidrobiologia e PPGEcologia e Rec. Naturais,UFSCar, e PPG Cincias daEng. Ambiental, USP, Brasil.e-mail: [email protected]

    jam, de carter informacional,baseadas na transmisso deinformaes cientficas sobreos fenmenos e os componen-tes do meio natural.

    Essa reflexo nos levou abuscar em Bachelard a idiade observao dos fenmenosde forma relacional e nosubstancial. Na filosofia ba-chelardiana no existem idiassimples, apenas complexida-des, e cada fenmeno umatrama de relaes somenteapreendida pela sntesesurracionalista (Bachelard,1936; citado em Lechte,1988), na qual a realidade revitalizada pelo sonho. Nessesentido, o pensamento a viade apreenso do mundo por

    RESUMO

    A elaborao de estratgias de educao ambiental tem seembasado em estudos prvios sobre percepo ambiental. Essesestudos tm sido comumente estruturados sobre aspectosconceituais da relao do ser-humano com o ambiente. O pre-

    sente trabalho representa o desenvolvimento de um caminho re-flexivo sobre a complexidade envolvida no conceito de percepoe a anlise crtica sobre seu reflexo nas prticas usuais desensibilizao ambiental.

    SUMMARY

    The design of environmental education strategies has beenbased on studies about environmental perception. These studieshave been structured on conceptual aspects of the relation ofmankind with the environment. The present work represents the

    development of a reflection about the complexity involved in theconcept of perception and the critical analysis about itsconsequence in the usual practices of environmental education.

    Vito Comar. Doutor em Eng. deAlimentos, Universidade deCampinas, Brasil. Professor vi-sitante, Universidade Estadualdo Mato Grosso do Sul, Bra-sil. e-mail: [email protected]

    RESUMEN

    La elaboracin de estrategias de educacin ambiental se habasado en estudios acerca de la percepcin ambiental. Esosestudios han sido estructurados en los aspectos conceptuales dela relacin de la humanidad con el ambiente. El actual trabajo

    representa el desarrollo de una reflexin acerca de lacomplejidad implicada del concepto de la percepcin y delanlisis acerca de su consecuencia en las prcticas usuales dela educacin ambiental.

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    conceitos, que se resume nafinitude e na simplicidade,enquanto que a imaginao a via que revela a complexi-dade.

    Acreditamos, portanto, queapreendemos o mundo, o am-biente, por intermdio de umfenmeno perceptivo to com-plexo quanto a natureza hu-mana, no sendo possvel seuentendimento pelos caminhospuramente conceituais. Dessamaneira, procuramos entendera importncia das imagensconstrudas pelo ser humano apartir da sua relao com omeio, e de outros aspectosque julgamos profundamenteligados a esse fenmeno: abiofilia e a topofilia, signifi-cando a ligao do ser huma-no com as outras formas devida e a atrao por compo-nentes fsicos do ambiente,respectivamente. A primeiracaracteriza-se por ter umabase mais biolgica, instinti-va, enquanto que a segunda visivelmente marcada por as-pectos culturais como afetivi-dade, memria e experinciainterativa.

    A construo do presentecaminho reflexivo inicia-secom um estudo terico sobrea percepo, que inclui anli-se comparativa das vises ma-terialista e espiritualista, anco-rada em obras filosficascomo a bergsoniana e deMerleau-Ponty. Segue com odesenvolvimento do temaimaginrio e, por fim, sofeitas consideraes sobre ocontexto refletido e sua poss-vel conexo com estratgiaseducativas.

    O Conceito de Percepo

    Quando fazemos a assertivade que o fenmeno perceptivono pode ser expresso sim-plesmente por vias racionaisembasas em aspectos concei-tuais, estamos assumindo pre-viamente uma posio queno se ancora no conceitomaterialista de percepo, seagregando mais naturalmentea viso espiritualista.

    A apreenso do mundo pe-los sentidos no poderia resu-mir o ato perceptivo, uma vezque, ao se voltarem para o

    mundo, nossos sentidos j es-to direcionados por muitosoutros fatores intrnsecos dodesenvolvimento complexo danatureza humana. Resumir,alis, no um termo adequa-do em nosso discurso, poisdeclaramos explicitamentenossa tendncia em evitar aapreenso simplista do mun-do, que culmina sempre nafinitude reducionista dos fen-menos. Isso explica o fato deirmos buscar no imaginrio,nas relaes bio/topoflicas ena memria, conexes com ofenmeno perceptivo. Noque esses fatores bastem paraelucidar o fenmeno, masacreditamos que esto intrin-secamente relacionados comele, sendo que sua anlise re-presenta um avano necess-rio no tratamento do conceito,principalmente nos estudos re-ferentes a meio ambiente epercepo ambiental

    Um outro resgate reflexivoque se faz necessrio o quese refere ao papel da mem-ria na percepo, o que emnosso contexto, que se ancorana relao do ser humanocom o ambiente, invoca inevi-tavelmente a topofilia. O ter-mo topofilia foi citado pelaprimeira vez por Bachelardem 1957 na primeira ediode sua obra A Potica do Es-pao (Bachelard , 1993), sig-nificando o espao de nossafelicidade. O termo foi bas-tante utilizado posteriormentepor Tuan, principalmente emsua obra homnoma de 1980,onde empregado como atra-o do ser humano aos aspec-tos fsicos, especialmentepaisagsticos, de um determi-nado ambiente.

    A maneira como so en-contrados os conceitos de in-terao do ser humano com omundo em diferentes anlises,durante toda a evoluo hist-rica do pensamento filosfico,parece sempre reforar duaslinhas norteadoras que, embo-ra distintas, no raro so per-feitamente interconexas: omaterialismo e o espiritualis-mo.

    S a intuio, segundoBergson, permite ao ser hu-mano atingir a durao oumovimento, a substncia, a

    essncia e a existncia dascoisas (Trevisan, 1995). En-tende-se como durao, na fi-losofia bergsoniana, o vir-a-ser, o movimento para a mu-dana, a produo de novasrealidades. A inteligncia, denenhuma forma, capaz deating-la, pois capta somenteo que material. A intuiono possibilitaria o contatoapenas com o irreal subjetivoinspirado na realidade, comopara a maioria dos idealistas,seno com a prpria realida-de. Essa oposio, bem comoa oposio ao materialismo,esto claramente discutidasem sua obra Matria e Me-mria (Bergson, 1999).

    Essa dinamicidade da cons-truo de novas realidadesidentifica tal pensamento coma mobilidade do ser inspiradaem Herclito. A intuio, porsua vez, nico meio de captaressa dinamicidade, tem umfundamento mstico referenci-ado por Bergson como o im-pulso vital. De acordo comTrevisan (1995), a Bergson seopem Sartre, Marcel eMerleau-Ponty, por ser o ab-soluto inobjetivvel, negadopela razo da modernidadeque no reconhece a legitimi-dade do processo supra-inte-lectual. No obstante, o pen-samento bergsoniano continuaa subsidiar o pensamento con-temporneo que rompe com aera cartesiana da cincia ebusca novas reflexes livresdo materialismo estrito e dointelectualismo.

    Intuio e inteligncia re-presentam duas direesopostas do trabalho consci-ente... Uma humanidadecompleta e perfeita seriaaquela em que estas duasformas da atividade consci-ente alcanassem o seu ple-no desenvolvimento. (Berg-son, 1964)

    A idia bergsoniana deapreenso do mundo por in-termdio do instinto remete construo conceitual de per-cepo baseada numa mem-ria que representa um conjun-to fundido de novas leiturasdas coisas. Dessa maneira, apercepo , a todo o mo-

    mento, construda do momen-to presente em adio ao pas-sado que no est absoluta-mente separado do primeiro.

    Meyer (2002) defende amaterialidade do pensamentoe da memria baseado emexames e mapeamentos dasatividades cerebrais. A mnemeest, no entanto, topografica-mente difusa, sendo indevidositu-la em uma nica regiocerebral. O pensamento deBergson contestado clara-mente por Meyer, que v emsuas concluses uma predo-minncia dos postulados pr-vios ao exame dos fatos euma concepo filosficaindevidamente construda semos dados da cincia.

    A percepo em Merleau-Ponty esse movimento deretornar ao mundo que existeindependente de anlises quese possa fazer dele. Distin-gue-se portando do retornoidealista conscincia, exclu-indo a necessidade de anlisereflexiva. Os rgos dos senti-dos esto a todo instante re-cebendo informaes e a per-cepo se incorpora antes dequalquer resgate de referenci-ais simblicos. A reflexo, decerto modo, promove a distin-o do ser e do mundo, dascoisas, afastando at o prpriocorpo que tambm coisa en-tre as demais.

    A cada momento, meucampo perceptivo preen-chido de reflexos, de estali-dos, de impresses tteis fu-gazes que no posso ligarde maneira precisa ao con-texto percebido e que, toda-via, eu situo imediatamenteno mundo, sem confund-loscom minhas divagaes.(Merleau-Ponty, 1999)

    O imaginrio povoadopor imagens j percebidas,mas mantm-se claramentedistinto do real perceptvel:

    A cada instante tambmeu fantasio acerca das coi-sas, imagino objetos oupessoas cuja presena aquino incompatvel com ocontexto, e todavia eles nose misturam ao mundo, elesesto adiante do mundo, no

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    teatro do imaginrio.(Merleau-Ponty, 1999)

    As divergncias entre opensamento bergsoniano e ode Merleau-Ponty so facil-mente detectveis, comeandologicamente pelo fundamentoexistencialista e esttico doprimeiro que contrasta com oespiritualismo e dinamicidadede Bergson. O intelecto temfuno referencial para o serhumano quando organiza ocaos sensvel para Merleau-Ponty, enquanto que a inteli-gncia bergsoniana no ca-paz de apreender o real, oque s possvel pela intui-o. Tambm na temporalida-de do fenmeno perceptivoparece haver ordenaescontrastantes. Enquanto queem Bergson, a lembrana teminfluncia imediata e at pr-via na percepo, podendo in-clusive deslocar as percepesreais, para Merleau-Ponty, suainfluncia inegvel segue apercepo pura, que indepen-de da anlise reflexiva.

    Castoriadis (1999) ope-seao pensamento de Merleau-Ponty, afirmando que a per-cepo no pode ser separvelda imaginao, ainda que nopossa ser reduzida a esta, ha-vendo uma interdependnciaintrnseca na relao do ima-ginrio com a apreenso doreal, de maneira que no mo-mento da leitura dos sentidos,o universo das imagens dire-ciona o ato perceptivo e sediluem nas informaes quechegam puras ao racional hu-mano.

    A ideologia na qual os no-vos paradigmas atrelados aopensamento ecolgico seenraizada contempla a mu-dana da relao ocidentaliza-da do ser humano com omeio ambiente natural. Pelavia descrita acima, encontraum certo conforto conceitualna interpretao do pensamen-to bergsoniano. Ademais, agnese das aes que determi-nam o uso dos bens naturais a pessoa humana e h quese considerar que ela est es-sencial e historicamente imer-sa numa cosmoviso espiritu-alista. O conhecimento popu-lar est profundamente ligado

    religiosidade, ao imaginrio,ao mito. Nesse sentido, oenfoque materialista ou pura-mente instintivo no subsidia-ria nem a anlise da relaoser humano-ambiente, nem aprtica de educao que sequer gerar a partir dela.

    O ser no mundo utiliza-setanto das percepes sensori-ais quanto das fontes da fan-tasia, da imaginao e datemporalidade. So elementosintrnsecos do ser humano,seus mitos e tradies e suahistoricidade. Para Cassirer(2001), a definio dos obje-tos, intimamente ligada aomundo das coisas existentes,carece do conhecimento dasua natureza essencial, suaptria espiritual. A realidadese oferece aos sentidos huma-nos em sua base material, po-rm o olhar se dirigi a ela,repleto de apelos quelas con-figuraes que foram agrega-das identificao da matriaao longo de sua histria deinterao com o mundo. Nes-se sentido, Eliade (1991) afir-ma que o homem integral co-nhece outras situaes, toautnticas e importantes quan-to sua condio histrica,como o estado de sonho, dodevaneio, da melancolia e dacontemplao esttica.

    A agregao de smbolos srealidades percebidas, bemcomo o entendimento de suassignificaes, s se d diantede uma imaginao intuitiva,liberta de seus aprisionamen-tos empricos. Para Eliade, terimaginao ver o mundo nasua totalidade, pois as ima-gens tm o poder e a missode mostrar tudo o que perma-nece refratrio ao conceito,sendo que o homem a quemfalta imaginao desgra-adamente cortado da reali-dade profunda da vida e desua prpria alma.

    Foucault (1999) destaca otnue limite entre o racional eo ideal, associando consti-tuio dos conhecimentos dosculo XVI, uma mistura ins-tvel de saber racional e denoes derivadas das prticasda magia.

    A tradio medieval, carac-terizada por uma apreensoconstante e retilnea do real,

    assim como as culturas rabee crist, se aliou ao mundoclssico povoando o cu deimagens onde se transfiguram,ganham foras novas, as cren-as mitolgicas da antiguida-de (Holanda, 1994). Essemovimento de retorno aoimaginrio culmina em ressur-gimentos temporalmente pon-tuais, porm com expressivafora, na idade moderna enuma reconquista que se fir-ma a cada momento na ps-modernidade.

    Traamos esse caminho re-flexivo com o intuito de, pri-meiramente, solidificarmosnosso conceito de percepo eacabamos por dar ateno es-pecial ao tema imaginrio.Entendemos claramente deonde se originou essa espon-taneidade no direcionamentodas nossas idias.

    Falar de percepo ambien-tal falamos da relao doser humano com o mundo.H diversas formas de perce-ber o mundo, desde aquelarevestida com o manto da sa-cralizao, at aquela ancora-da no arcabouo cientificistadominador. Essas formas serevelaram ao longo da hist-ria do pensamento humano nomeio da diversidade das dife-rentes civilizaes e acabarampor se dicotomizar no idealis-mo e no realismo-materialis-mo. Porm, o que procuramosmostrar que, historicamente,nenhuma delas se restringiuao racional. Milenarmente, ainterao do ser humano como mundo marcada pelo ima-ginrio. Quando falamos empercepo, estaremos falandomais do que os conceitos queas pessoas tm do seu lugar,do seu mundo, mas das ima-gens com que o povoam.

    A Educao AmbientalBaseada no Conceito dePercepo - Reducionismosnos Processos deSensibilizao

    A educao ambiental nas-ceu primeiramente atrelada aotermo conscientizao ambi-ental, que acabou por cair emdesuso devido evocao quefazia da idia de gerao denovos conceitos e conheci-

    mentos, baseada na transmis-so de informaes. A ten-dncia de se empregar o ter-mo sensibilizao reflete jus-tamente a necessidade de seir alm da transmisso de no-vos conceitos atrelados aomeio ambiente, uma vez ob-servada a ineficincia em ge-rar mudanas comportamen-tais a partir desse paradigmadominante.

    A sensibilizao traz, por-tanto, a proposta de transposi-o do enfoque racional naprtica educativa e a busca dese atingir a dimenso emotiva,espiritual da pessoa humanana sua interao com a natu-reza. Ao fazermos uma anli-se das prticas desenvolvidasem vrios contextos onde aeducao ambiental se faz ne-cessria, observamos que re-presentam minoria das aesaquelas que conseguem atin-gir essa complexidade e des-pertar a contemplao, a inte-ratividade nostlgica, a refle-xo e a emoo.

    Ainda muito comum,principalmente em reas pre-servadas que recebem visitan-tes, prticas de educao am-biental enfatizando umcontanto interativo baseado naaventura e muitas vezes redu-zido a momentos que ofere-cem pouca oportunidade dereflexo e contemplao. Nasprprias trilhas interpretativas,freqentemente oferecidoum tempo exguo de interaoe se prioriza a informao so-bre as espcies observveis eparticularidades de sua biolo-gia. As visitas so conduzidasquase sempre em grupos, oque significa a inexistnciados momentos de solido, ge-radores das situaes contem-plativas e interaes nostlgi-cas. Reforamos que no que-remos renegar a importnciadas informaes sobre o am-biente. A sntese reflexiva ,sem dvidas, parte do proces-so de construo de novas ati-tudes interacionistas. Porm, necessrio que ela seja reves-tida da dimenso emotiva dohumano.

    A percepo que se esti-mula com a prtica da obser-vao de detalhes a de mi-nimizao do campo sensiti-

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    vo, na medida em que se res-tringe o campo visual e seminimiza a ateno ao perce-bido pelos outros sentidos,por exemplo, a audio com-prometida pelo barulho pro-vocado pela movimentaode grupos. Ao se restringir ocampo visual, parece-nos quea relao que se privilegia a de domnio sobre o contex-to. Dentro do racionalismocartesiano, s possvel sedominar aquilo que se conhe-ce. Portanto, a transmissode informaes detalhadasganha sentido num modelode interao com a naturezabaseada na necessidade deautoproteo e de domniosobre o ambiente circundan-te. O ser que se destacanuma situao de observaocom o campo visualminimizado e os sentidos de-satentos, o que percebe,nesse caso, o ser humano.Para gerar a sensao de in-terao com o meio, preci-so, ao contrrio, uma situa-o de amplitude do campovisual e uma concentraodos sentidos sinestsicos.

    Outra caracterstica que sedestaca de determinadas pr-ticas de educao ambientalque, embora de extrema im-portncia dentro de necessi-dades emergenciais de sensi-bilizao, ousamos denomi-nar de reducionistas, a ex-cluso do potencial cultural ehistrico dos ambientes emque so realizadas. O ambi-ente resultado da interaodas populaes habitantes oumarginais. Esse reflexo dacultura dos habitantes nas ca-ractersticas ambientais ain-da mais evidente nos espaosconstrudos. O conhecimentosobre o histrico da transfor-mao da paisagem e daconstruo de espaos habita-dos e o contato com as pes-soas representam, portanto,instrumentos valiosos parasensibilizao.

    Imaginao, Contemplaoe Reflexo na EducaoAmbiental

    Iniciamos essa discussocom o relato de uma experi-ncia vivenciada por Capra:

    E agora, voltando a pas-sar por ali naquela estradacheia de curvas e pedras minha direita, o oceanode um azul profundo; mi-nha esquerda, colunas sua-ves e sensuais, cobertas degrama verdejante que logose tornaria dourada, lem-brei-me vividamente damagia daqueles dias. ...su-bindo pelas ravinas estrei-tas e sombreadas com seusmuitos crregos e riachos,nadando nu nas lagoas etomando banho nas cacho-eiras. ...Vislumbrando asestonteantes paisagens des-sa costa recortada, que seofereciam aos meus olhospara logo desapareceremem tons cinzentos no hori-zonte, meu corpo relaxou eminha mente expandiu-se.(Capra, 1995)

    Destacamos desse relato: apotencialidade da imagempaisagstica na induo aoque chamamos estado con-templativo; a magia associadaaos momentos de intensa inte-ratividade com o meio; a lem-brana vvida que guarda aimagem mgica e se ofereceao seu resgate; a nostalgia dosignificado do vislumbre dasestonteantes paisagens. Per-cebe-se, portanto elementosque temos insistido em asso-ciar ao fenmeno perceptivodo ambiente.

    O posicionamento contem-plativo diante de uma paisa-gem qualquer o momentoem que so revividos ou cria-dos os significados que seatribui aos seus elementos eao conjunto. , portanto, umavia interativa que faz o serhumano se desprender de suareferncia dominante, seu pr-prio ser, para perceber omundo ou perceber-se nomundo. esse espao permis-sivo que povoamos com nos-sos fluidos imaginrios e in-cutimos as facetas que nossamemria guarda como seme-lhana ou identidade. Em ou-tras palavras, renovamos nos-sos traos topoflicos, que nosfaz estonteados, ou os cons-trumos a partir das sensaesldicas que esse vislumbrenos traz.

    A imaginao nos permitecolorir as paisagens visveisou at criar ou recriar as im-perceptveis. Atravs dela,nossos mitos e nossas histri-as tradicionais ganham liber-dade e espao. Sem ela, asacralizao da natureza e osmanejos baseados em rituaismgicos jamais teriam sidopossveis. No pensamentobachelardiano, a imaginaotem papel de grande impor-tncia na medida em que esti-mula a composio de ima-gens belas que superam a rea-lidade restrita do percebido(Bachelard, 1993).

    A reflexo, por sua vez, o momento em que o ser hu-mano procura o entendimentodas suas percepes, questio-na e d forma aos significa-dos do percebido e configuraa sua relao com o mundo. nesse contexto que ganhamrelevncia as informaes so-bre a viso sistmica onde seinsere as imagens constitu-das. No instante em que sequestiona sobre o seu lugarna paisagem percebida quetorna-ne possvel a avaliaode sua aes nesse sistema.Mas, nesse instante, j notrata mais puramente de umambiente construdo conceitu-almente a partir de informa-es cientficas precisas, masde um ambiente repleto designificados, de magias, demitos e carregados das nos-talgias que lhe atribumos. Jno falamos do funcionamen-to de um sistema qualquerque garante nossas atividadesde sobrevivncia, mas fala-mos do lugar que nos desper-tou laos topoflicos, ondeestamos inseridos, onde da-mos vazo aos nossos instin-tos bioflicos. Dessa forma, avia racional no se isola, nose contrape e no reprime adimenso emotiva da percep-o, mas abre-lhe espao, so-ma-se a ela, utiliza-a comoterreno frtil s construesde novas vises de mundo.

    No entendemos, portanto,que a sensibilizao ambien-tal que se busca se d, nicae exclusivamente, pela via ra-cional, pelas construesconceituais, mas atravs deum amplo caminho onde se

    cruzam imaginao, contem-plao e reflexo. Os instru-mentos de acesso a essa viacomplexa precisam ser criati-vamente descobertos, masacreditamos que a topofilia, abiofilia, a meditao, a inte-rao nostlgica, o resgatedas tradies, a liberdadeimaginativa sejam alguns de-les.

    REFERNCIAS

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