A Efetividade Dos Direitos Fundamentais

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    Artigos Doutrinrios Felipe Silva Noya

    Sumrio

    Introduo; 2 Questes terminolgicas; 3

    Princpios, regras e postulados; 4 A estrutura normativa

    dos direitos fundamentais; 5 Os direitos fundamentais

    como direitos subjetivos; 6 Eccia e exigibilidade dos

    direitos fundamentais; Concluso; Referncias.

    Introduo

    A presente pesquisa busca tecer algumasconsideraes acerca da estrutura e da eccia das

    normas de direitos fundamentais.

    Para cumprir tal desiderato, buscamos, em

    primeiro lugar, esclarecer questes terminolgicas

    que envolvem grande confuso na denominao

    desses direitos, mas que vem sendo claricada pela

    doutrina que busca uma sistematizao no uso dos

    termos comumente utilizados para designar os direitos

    fundamentais.

    A partir desse ponto, passamos ao estudo da sua

    estrutura normativa formulando breves comentriossobre a distino entre regras, princpios e postulados,

    em especial aquela trazida por Robert Alexy e Humberto

    vila para s ento adentrarmos na estrutura normativa

    das normas objeto da pesquisa.

    Com essas premissas examinamos a natureza

    dos direitos fundamentais como direitos subjetivos e a

    essencialidade ou no de se considerar a existncia de

    um dever que lhe intrinsecamente correlato seguindo,

    como consequncia, para os questionamentos sobre a

    sua eccia, em especial face escassez de recursos.Que o esclarecimento sobre esses temas agura-

    se de grande importncia despiciendo raticar tanto

    pelos constantes equvocos na interpretao/aplicao

    na praxis forense das normas de direitos fundamentais

    como pela ausncia de uma apreenso harmnica pela

    doutrina.

    O contedo dos direitos fundamentais: consideraesacerca da estrutura e da eficcia normativa

    Felipe Silva Noya*

    *Bacharel em Direito laureado pela Universidade Salvador UNIFACS,especialista em Direito Processual Civil, mestrando em Direito

    pblico pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente analistana Defensoria Pblica da Unio em So Paulo, exercendo a funode assessor do defensor chefe.

    Atento a isto, buscamos, no texto que se segue,

    xar algumas concluses sobre o problema proposto.

    2 Questes terminolgicasJuntamente expresso direitos fundamentais, a

    doutrina vem se utilizando de outros vocbulos para

    indicar as mesmas espcies normativas, tais quais

    direito naturais e direitos humanos.

    No obstante a confuso terminolgica, formou-

    se certo consenso ao se atribuir diferena entre asexpresses direitos fundamentais e direitos humanos.Nesse sentido leciona Ingo Wolfgang Sarlet:

    Em que pese sejam ambos os termos (direitos

    humanos e direitos fundamentais) comumente

    utilizados como sinnimos, a explicao corriqueira

    e, diga-se de passagem, procedente para a distino de que o termo direitos fundamentais se aplica

    para aqueles direitos do ser humano reconhecidos

    e positivados na esfera do direito constitucionalpositivo de determinado Estado, ao passo que a

    expresso direitos humanos guardaria relao com

    os documentos de direito internacional, por referir-se quelas posies jurdicas que se reconhecem ao

    ser humano como tal, independentemente de sua

    vinculao com determinada ordem constitucional,e que, portanto, aspiram validade universal, para

    todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um

    inequvoco carter supranacional (internacional)1.

    Para alm dessa distino em relao ao

    mbito de positivao, Ingo Sarlet aponta que ograu de efetivao dos direitos fundamentais, por

    incidirem dentro de uma ordem jurdica especca,

    consideravelmente maior do que o grau de efetivao

    dos direitos humanos, at mesmo porque dentro destaordem jurdica existem instncias (especialmenteas judicirias) dotadas do poder de fazer respeitar e

    realizar estes direitos2.

    Por outro lado, expresses como liberdadespblicas3 e direitos pblicos subjetivos pecam pela

    1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eccia dos direitos fundamentais. 6. ed.,Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 35-36.

    2 Ibidem, p. 40.

    3 A expresso liberdade pblica aparece na Frana no nal do sculoXVIII, sendo expressamente empregada no art. 9 da Constituio de

    Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 23, n. 11, nov. 2011

    Sumrio

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    reduzida margem qual se referem. que se a

    primeira expresso ca circunscrita a uma ideia de

    no interveno na esfera individual, a segunda limita-

    se a uma noo individualista que, por certo, afasta

    aqueles direitos ditos transindividuais, os quais, muitomesmo por tal caracterstica, so considerados direitos

    fundamentais.

    Tambm a ideia de direitos naturais traz uma

    noo equivocada de um direito pr-existente

    que seria meramente descoberto e declarado pelo

    ordenamento jurdico; nesse sentido, Prez Luo

    arma que o conceito dos direitos humanos tem como

    antecedente imediato a noo dos direitos naturais

    em sua elaborao doutrinal pelo iusracionalismonaturalista4.

    Essa ideia dos direitos naturais, conforme aponta

    Andr Ramos Tavares:

    Compreende o processo de positivao dos

    direitos humanos como a consagrao normativa

    de exigncias que so prvias prpria positivao,

    ou seja, o reconhecimento, no plano das normas

    jurdicas, de faculdades que correspondem ao

    Homem pelo simples fato de s-lo, vale dizer, emvirtude de sua prpria natureza5.

    Esse vnculo entre a expresso direitos naturais e

    o jusnaturalismo a relegou ao desuso, em especial pela

    superao da referida linha juslosca, de forma que

    a expresso preferida neste trabalho, em especial por

    ter seu mbito de estudo circunscrito ao ordenamento

    brasileiro, a dos direitos fundamentais.

    1.793 daquele pas. Neste se proclamava: la loi doit protger la libertepublique et individuelle contre loppresion de ceux qui gouvernent. Otermo, empregado no singular, ainda utilizado, da mesma forma,na exposio de motivos da Constituio de 1.814. A primeira vezem que apareceu o termo liberte publiques (plural) em TextoConstitucional foi precisamente no art. 25 da Constituio do IIImprio de 1.852. Atualmente, o Decreto ministerial de 30 de abrilde 1.997 qualica o tema como o emprego da expresso Droit dsLiberts Fondamentales (TAVARES, Andr Ramos. Curso de DireitoConstitucional.3.ed. So Paulo: Saraiva, 2006, p .406).

    4 PREZ LUO, Antonio Enrique. Delimitacin conceptual delos derechos humanos. In: _____ (et al). Los derechos humanos:Signicacin, estatuto rdico y sistema. Sevilla: Publicaciones

    Universidad de Sevilla, 1979. p. 17.

    5 TAVARES, op. cit, p. 400.

    3 Princpios, regras e postuladosTanto a doutrina de Karl Larenz6 quanto a de

    Hans Kelsen7 traziam a ideia de que norma jurdica

    era apenas aquela formulada em estrutura de regra

    devido ausncia de carter vinculativo dos princpiosjurdicos.

    A Teoria Pura acarretou a equiparao dos

    conceitos de Direito e lei ocupando-se da anlise

    apenas do direito positivado8; visava, assim, afastar o

    valor de justia, de forma que ao jurista s interessa a

    aplicao daquela norma, conhecendo-a e afastando

    todo o carter axiolgico no se julga o direito

    positivo9.

    Tal posio, conforme aponta Eros Roberto Grau,

    pode ser vista na crtica de Kelsen a Esser ao tecer

    comentrios acerca da positivao dos princpiosquando aquele arma que princpios morais, polticos

    ou dos costumes no podem ser chamados de

    jurdicos seno na medida em que inuenciam a criao

    de normas jurdicas individuais pelas autoridades

    competentes10, e assim o pois o direito isento de

    valores.

    Nesse sentido, Friedrich Muller arma que:

    De acordo com a inteno da teoria pura

    do direito, a norma jurdica como juzo hipottico

    no deve mais apresentar nenhuma semelhana

    ideolgica com a norma moral imperativa. O deverser do direito positivo remanesce apenas como

    expresso do nexo de condio e conseqncia no

    enunciado jurdico. Na nova verso dessa teoria da

    norma jurdica, o carter jurdico-cientco tambm

    de uma autossucincia extremamente formalista;

    ca excluda outrossim, junto com tudo o que

    6 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa:Fundao Calouste Gulbenkian, 1997.

    7 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. So Paulo: Martins Fontes.

    1999.8 Como bem aponta Friedrich Muller A denominao usual da teoria

    kelseniana de normativismo excessivamente otimista; ordensisoladas sem referncia material carecem de acesso normatividade. verdade que Kelsen concebe somente na segunda edio dasua Teoria Pura do Direito a norma jurdica, agora distinguida doenunciado jurdico, como um imperativo maneira de um quadroreferencial; na primeira edio ela fora igualada ao enunciado

    jurdico (que apresenta a forma fundamental da lei) e caracterizadacomo juzo hipottico. Mas em ambos os casos est expurgada danorma jurdica a pergunta pela correo do seu contedo ( in Teoriaestruturante do Direito. 2. ed. So Paulo: RT, 2009, p. 25).

    9 GOMES, Orlando. Razes histricas e sociolgicas do Cdigo Civilbrasileiro. So Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 47.

    10 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do Direito. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 46.

    Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 23, n. 11, nov. 2011

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    metajurdico, toda e qualquer normatividade

    concreta; resulta extremada a medida da

    objetividade, de acordo com um ideal extrajurdico

    de lgica formal. A distino entre interpretao

    autntica e no-autntica corresponde distino

    entre norma jurdica e enunciado jurdico. Elaborados

    em interpretao no-autntica pela cincia jurdica

    na forma de juzos hipotticos, os enunciados

    jurdicos descrevem as relaes constitudas pelas

    normas jurdicas entre os suportes fticos por elas

    determinados sem vistas a valores ou valoraes,

    que podem ser considerados metajurdicos. Com

    isso a cincia jurdica fornece enunciados, que

    devem conter assim como as leis da natureza

    das cincias naturais - uma descrio do seu objeto,

    isenta de valores11.

    No obstante, o desenvolvimento da cincia

    jurdica acabou afastando essa falsa percepo de que

    o Direito se dava de modo isento de valores.

    Assim, vemos em Karl Larenz a importncia dos

    princpios na identicao dos valores subjacentes

    norma permitindo o preenchimento de lacunas e at

    mesmo o desenvolvimento judicial do Direito. Nesse

    sentido, embora no compreenda os princpios como

    normas jurdicas lhes atribui carter jurdico, permitindo

    que a ponderao levada a cabo luz desses princpios

    possua, por sua vez, natureza jurdica. Assim:

    Por valorar ou avaliar deve entender-se,

    em primeiro lugar, um acto de tomada de posio.

    O objecto a avaliar ser julgado como apetecvel ou

    despiciendo, meritrio ou no meritrio, prefervel a

    outro ou secundrio em relao a ele. Algo que todas

    as pessoas ou uma pessoa de so entendimento

    considera apetecvel chama-se um bem, por

    exemplo, a paz, a sade, a independncia, a ausncia

    de coaco e a necessidade. Uma actuao que

    fomenta ou contm este e outros bens aprovamo-

    la; uma actuao contrria desaprovamo-la. A

    aprovao ou desaprovao encontram a sua

    expresso num juzo de valor, que pode ser de

    natureza moral ou, se se orienta por princpiosespecicamente jurdicos, de natureza jurdica12.

    J em Robert Alexy13 as normas jurdicas so

    divididas em duas espcies: as regras e os princpios.

    Destarte, os princpios jurdicos integram a estrutura

    da norma jurdica dos direitos fundamentais e a sua

    11 MULLER, Friedrich. Teoria estruturante do Direito. 2. ed. So Paulo:RT, 2009, p. 26.

    12 LARENZ, op. cit., p. 410.

    13 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. So Paulo:Malheiros, 2008.

    distino das regras torna-se uma das colunas-mestras

    do edifcio da teoria dos direitos fundamentais14.

    Partindo dessa premissa Alexy traz dois critrios

    de distino: umprima facie e outro referente coliso

    das regras e dos princpios. Pelo critrioprima facie,

    Princpios so, por conseguinte, mandamen-

    tos de otimizao, que so caracterizados por pode-

    rem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de

    que a medida devida de sua satisfao no depende

    somente das possibilidades fticas, mas tambm

    das possibilidades jurdicas. O mbito das possibi-

    lidades jurdicas determinado pelos princpios e

    regras colidentes.

    J as regras so normas que so sempre ou

    satisfeitas ou no satisfeitas. Se uma regra vale,

    ento deve se fazer exatamente aquilo que ela exige;

    nem mais, nem menos. Regras contm, portanto,determinaes no mbito daquilo que ftica e

    juridicamente possvel. Isso signica que a distino

    entre regas e princpios uma distino qualitativa e

    no uma distino de grau15.

    Por tais consideraes, percebe-se que os

    princpios so mandados de otimizao devendo

    ser realizados na maior medida possvel dentro das

    possibilidades jurdicas e fticas existentes enquanto

    que as regras seriam mandados de determinao de

    forma que ou so cumpridas ou no na exata medida

    de sua disposio.

    O segundo critrio utilizado aquele referente ao

    da coliso das normas, sendo que a soluo do conito

    entre regras se d com a introduo em uma das regras

    de uma clusula de exceo ou com a declarao de

    invalidade de uma das normas para a eliminao do

    conito16.

    J em relao aos princpios, a sua coliso

    resolvida de modo completamente diverso, por

    meio do critrio do peso no caso concreto, dizer,

    sob determinadas condies, um dos princpios irprevalecer o que no implica a retirada do que ceder

    do ordenamento jurdico, tendo em vista que sob

    outras condies este poder ter precedncia.

    Assim, para Alexy, conitos entre regras ocorrem

    na dimenso da validade, enquanto as colises entre

    princpios visto que s princpios vlidos podem

    14 Ibidem, p. 85.

    15 Ibidem, p. 90-91.

    16 Ibidem, p. 92.

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    colidir ocorrem, para alm dessa dimenso, na

    dimenso do peso17.

    Criticando esses critrios, Humberto vila

    arma a possibilidade de reformulao parcial do

    critrio do modo nal de aplicao na medida em

    que tambm as regras poderiam ser ponderadasmediante consideraes sobre aspectos concretos e

    individuais18, enquanto os princpios tambm seriam

    ou no aplicados: ou o comportamento necessrio

    realizao ou preservao do estado de coisas

    adotado, ou no adotado. Por isso, defender que os

    princpios sejam aplicados de forma gradual baralhar

    a norma com os aspectos exteriores, necessrios a sua

    aplicao19.

    A proposta de Humberto vila, por conseguinte,

    produz uma reformulao parcial dos conceitos de

    regras e princpios na medida em que arma que:

    As regras so normas imediatamente descriti-

    vas, primariamente retrospectivas e com pretenso

    de decidibilidade e abrangncia, para cuja aplicao

    se exige a avaliao da correspondncia, sempre

    centrada na nalidade que lhes d suporte ou nos

    princpios que lhes so axiologicamente sobrejacen-

    tes, entre a construo conceitual da descrio nor-

    mativa e a construo conceitual dos fatos.

    Os princpios so normas imediatamente

    nalisticas, primariamente prospectivas e com

    pretenso de complementaridade e de parcialidade,

    para cuja aplicao se demanda uma avaliao da

    correlao entre o estado de coisas a ser promovido

    e os efeitos decorrentes da conduta havida como

    necessria sua promoo20.

    Agregados s regras e aos princpios encontra-

    mos na doutrina de vila os chamados postulados

    normativos que integram a estrutura das normas ju-

    rdicas. Assim, ao contrrio de Alexy que arma cate-

    goricamente que toda norma ou uma regra ou um

    princpio21, Humberto vila fundamenta uma cons-

    truo tricotmica da norma jurdica dividindo-a em

    regras, princpios e postulados.

    A categoria dos postulados normativos, por sua

    vez, pode ser dividida em duas espcies: os postulados

    hermenuticos destinados a compreenso em geral

    17 ALEXY, op.cit., p. 94.

    18 VILA, Humberto. Teoria dos Princpios: da denio aplicao dosprincpios jurdicos. 10. ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 48.

    19 Ibidem, p. 50.

    20 Ibidem, p. 78.

    21 ALEXY, op. cit. p. 91.

    do Direito e os postulados aplicativos, cuja funo

    estruturar a sua aplicao concreta22, sendo

    caracterizados, portanto, como normas secundrias.

    No obstante a doutrina de vila, parece-nos que

    a distino entre regras e princpios so bem delineadas

    j com Alexy no podendo ser aceita a ideia de queas regras so ponderveis. Quando Humberto vila

    arma tal possibilidade, acaba por considerar como

    pondervel a regra, quando em verdade a ponderao

    do prprio princpio que lhe subjacente. Tal confuso

    percebida na seguinte passagem:

    Os casos acima enumerados, aos quais outros

    poderiam ser somados, indicam que a consequncia

    estabelecida prima facie pela norma pode deixar

    de ser aplicada em face de razes substanciais

    consideradas pelo aplicador, mediante condizente

    fundamentao, como superiores aquelas quejusticam a prpria regra. Ou se examina a razo

    que fundamenta a prpria regra (rules purpose)

    para compreender, restringindo ou ampliando, o

    contedo de sentido da hiptese normativa, ou

    se recorre a outras razes, baseadas em outras

    normas, para justicar o descumprimento daquela

    regra (overruling). Essas consideraes bastam para

    demonstrar que no adequado armar que as

    regras possuem um modo absoluto tudo ou nada

    de aplicao. Tambm as normas que aparentam

    indicar um modo incondicional de aplicao podem

    ser objeto de superao por razes no imaginadas

    pelo legislador para os casos normais. A consideraode circunstncias concretas e individuais no diz

    respeito a estrutura das normas, mas a sua aplicao;

    tanto os princpios como as regras podem envolver a

    considerao a aspectos especcos, abstratamente

    desconsiderados23.

    Percebe-se que Humberto vila, ao justicar a

    inaplicabilidade do tudo ou nada na coliso de regras,

    a justica por meio da ponderao no desta mesma

    regra, mas sim dos bens jurdicos e dos princpios

    que lhes so subjacentes. Deste modo, a ponderao

    continua situada no mbito dos princpios embora sua

    consequncia possa ser a no aplicao de uma regra.

    O que ocorre aqui, no entanto, nada mais do

    que ou a declarao de invalidade de uma das normas,

    devido aos valores impregnados no ordenamento, ou

    a criao de uma regra de exceo para a no aplicao

    da regra, o que, como j dito, defendido por Alexy.

    Ademais, seguimos a crtica feita por Lus Virglio

    Afonso da Silva ao armar que:

    22 VILA, op. cit., p. 124.

    23 Ibidem, p. 47.

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    Tambm as redenies que vila sugere

    para os conceitos de regra e princpios mais confun-

    dem do que esclarecem. Confundem sobretudo porinserir um sem nmero de elementos nas denies

    que, alm de dicultar sobremaneira sua inteleco,

    no so elementos imprescindveis correra e su-

    ciente distino entre os dois conceitos24.

    Observando esse panorama, a questo a se

    saber a do enquadramento das normas de direitos

    fundamentais nessas categorias. Anal, ao aplicar umatal norma estaramos diante de princpios, regras ou

    postulados?

    o que se passa a analisar.

    4 A estrutura normativa dos direitos

    fundamentaisRobert Alexy alterca o fracasso dos modelos pu-

    ros de regras e princpios no estabelecimento estru-

    tural das normas de direitos fundamentais. O referidoautor arma que:

    O modelo puro de regras fracassa em todasas trs formas de regulamentao dos direitos

    fundamentais consideradas acima. possvel

    supor que esse modelo insuciente tambmpara as outras forma de regulao encontrada na

    Constituio Alem. O modelo puro de princpios foi

    rejeitado porque ele no leva a srio as regulaes

    adotadas pela Constituio. Quando duas formaspuras e antagnicas no so aceitveis, deve-se

    considerar a possibilidade de uma forma mista oucombinada, ou seja, de um modelo combinado. Um

    tal modelo o modelo de regras e princpios, que

    surge da ligao entre um nvel de princpios e umnvel de regras25.

    Com tal crtica, o autor aponta que a apreensodas normas de direitos fundamentais sob o prisma

    exclusivo de uma das categorias seria insucientepara a sua adequada compreenso, sendo necessria

    a amlgama entre os modelos baseado em princpios

    e em regras constituindo-se, portanto, de um sistemaconstitucional de carter dplice.

    Humberto vila26, por seu turno, arma que anorma jurdica no se confunde com o dispositivo

    normativo tendo a interpretao um carterconstitutivo do Direito. Partindo de tal ponto tem-

    24 SILVA, Lus Virglio Afondo da. O contedo essencial dos direitosfundamentais e a eccia das normas constitucionais. So Paulo:Malheiros, 2005, p. 76.

    25 ALEXY, op. cit., p. 135.

    26 VILA, op. cit., p. 34

    se a compreenso de que a formulao lingustica

    do dispositivo no deve, a priori, estabelecer se umadeterminada norma ser considerada como regra ou

    como princpio. Assim:

    [...] justamente porque as normas soconstrudas pelo intrprete a partir dos dispositivos

    que no se pode chegar a concluso de que esteou aquele dispositivo contm uma regra ou um

    princpio. Essa qualicao normativa depende deconexes axiolgicas que no esto incorporadas

    ao texto nem a ele pertencem, mas so, antes,construdas pelo prprio intrprete. Isso no quer

    dizer, como j armado, que o intrprete livrepara fazer as conexes entre as normas e os ns a

    cuja realizao elas servem. O ordenamento jurdicoestabelece a realizao de ns, a preservao de

    valores e a manuteno ou a busca de determinadosbens jurdicos essenciais a realizao daqueles ns e

    preservao desses valores. O intrprete no podedesprezar esses pontos de partida. Exatamente por

    isso a atividade de interpretao traduz melhoruma atividade de reconstruo: o intrprete deve

    interpretar os dispositivos constitucionais de modo aexplicitar suas verses de signicado de acordo com

    os ns e os valores entremostrados na linguagemconstitucional.

    O decisivo, por enquanto, saber que

    a qualicao de determinadas normas comoprincpios ou como regras depende da colaborao

    constitutiva do intrprete.

    Essa posio parece ser parcialmente condizen-te com os ensinamentos de Alexy, eis que para este as

    disposies de direitos fundamentais possui um carterduplo podendo estatuir tanto uma regra quanto um

    princpio, mas arma que tal caracterstica meramen-te contingente nas normas de direitos fundamentaisque sero ou regra ou princpio, podendo ter carter

    dplice apenas quando formuladas com o intuito deenglobar ambos os nveis.

    Vale destacar, ademais, que a categoria

    dos postulados posta como autnoma27 na obra

    de Humberto vila deve ser aqui indicada comointegrante tambm da estrutura normativa dos direitos

    fundamentais, dizer, alm de serem formulados comoprincpios ou regras, essa gama normativa tambm

    pode ser construdo como um postulado hermenuticoou aplicativo.

    27 Uma noo aproximada dos direitos fundamentais como postulado,embora no o diga expressamente, pode ser abstrado tambm em

    Robert Alexy quando este analisa o efeito irradiante dos DireitosFundamentais, em especial em sua face objetiva (ALEXY, op. cit., p.524 e ss).

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    Nestes termos apreendida a norma de direito

    fundamental polivalente e, a depender de como

    extrada do texto normativo, pode ter uma estrutura

    de regra, de princpio ou de postulado.

    Verique-se, destarte, que se a norma de direito

    fundamental possuir um estrutura de regra, ela

    conduzir a um princpio que lhe subjacente e a

    um postulado que guie a aplicao dessa regra para a

    consecuo do objetivo traado pelo princpio. Desta

    forma, a regra se mostra como um instrumento de

    concretizao do mandado de otimizao traado pela

    regra cuja aplicao ser conduzida por um postulado.

    Exemplicativamente vemos o art. 5, II, da

    Constituio Federal que preconiza que ningum ser

    obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno

    em virtude de lei. Assim formulada pode-se extrairuma regra que arma que apenas a lei pode obrigar

    um indivduo a agir de determinada forma. Isto um

    mandado de determinao que reserva legislao a

    restrio da liberdade individual.

    A partir dessa regra pode-se buscar um princpio

    que lhe subjacente e que determina que, na maior

    medida possvel, ser assegurado ao indivduo a

    liberdade de autodeterminao e autoconduo

    ao mesmo tempo em que se extra um postulado

    normativo que orienta tanto a criao quanto a

    aplicao da norma ao se determinar, v.g., que as leisdevam limitar em menor escala possvel esta liberdade

    individual respeitando outros ns constitucionalmente

    previstos, p.ex., limita-se a liberdade de contratar para

    assegurar a isonomia material como o ocorre nas

    relaes consumeiristas.

    Essa natureza polivalente dos direitos

    fundamentais permite uma maior conscincia

    na denio, aplicao e efetivao dos direitos

    fundamentais evitando argumentos que esvaziem o

    seu contedo, tal como comumente procedido com a

    dignidade da pessoa humana.

    5 Os direitos fundamentais como direito

    subjetivo

    A expresso direitos subjetivos, como j apontava

    Alf Ross28, utilizada para descrever uma situao

    jurdica sendo composto pelos seguintes elementos:

    sujeito, contedo, objeto e proteo.

    28 ROSS, Alf. Direito e Justia. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007.

    Para a presente pesquisa merecem anlise tanto

    o contedo quanto a proteo do direito subjetivo

    bastando indicar, para o elemento sujeito que

    [...] mister fazer distines relativamente

    posio do sujeito em relaes diversas, em

    particular aquela do sujeito do interessem dos

    processos e da alienao. Em situaes tpicas esses

    sujeitos coincidem num sujeito geral simples. Em

    situaes atpicas, esto separados29.

    Ao se referir ao objeto, Alf Ross aponta

    que este indica o objeto fsico que est incluso para

    a determinao do contedo do prprio direito

    subjetivo, mas que tal elemento prprio dos direitos

    subjetivos reais sendo dicilmente aplicvel aos direitos

    in personam30.

    Gozando de maior importncia, temos

    os elementos do contedo do direito subjetivo e de

    sua proteo, sendo que em relao ao primeiro o

    autor escandinavo arma que:

    Em sentido mais amplo o contedo do

    direito subjetivo inclui tanto a faculdade (claim)

    que o titular do direito (right) dispe contra outros

    quanto seu poder para fazer valer essa faculdade

    mediante a instaurao de processos, e o poder

    para alienar o direito. Visto que, entretanto o poder

    de instaurar processos e o poder de alienar so

    acessrios da faculdade principal e, portanto,

    elementos constantes que a aprecem nos diferentesdireitos subjetivos prefervel restringir a idia do

    contedo faculdade especca em virtude da qual

    um direito se distingue do outro31.

    Dessa forma, o contedo do direito subjetivo

    ca restrito faculdade que conferida ao seu titular,

    faculdade esta especca e que o diferencia dos demais

    direitos subjetivos.

    No obstante, esta faculdade, conforme o

    prprio Alf Ross aduz, nada sem a tutela do aparato

    jurdico32, isto porque a mera positivao sem uma

    instrumentalizao que a torne ecaz se reduz merademagogia aplacando as vontades, mas concretamente

    nada concedendo.

    Com base neste fato, a proteo ao direito torna-

    se elemento essencial para a caracterizao do direito

    subjetivo visto que,

    29 Ibidem, p. 218.

    30 Ibidem, p. 218.

    31 Ibidem, p. 218.

    32 Ibidem, p. 219.

    Revista do Tribunal Regional Federal da 1 Regio, v. 23, n. 11, nov. 2011

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    41

    Artigos Doutrinrios Felipe Silva Noya

    [...] uma faculdade equivale, quanto sua

    funo jurdica, possibilidade de obter umasentena contra a pessoa obrigada, a proteo

    processual (ou esttica) de um direito apenasum outro aspecto do contedo do mesmo. Uma

    faculdade nada sem a tutela do aparato jurdico.

    Ao mesmo tempo, a prpria faculdade pode receberproteo atravs de diferentes reaes jurdicas

    (aplicao de uma pena, condenao a realizar oato devido, restituio, indenizao por danos e

    prejuzos)33.

    Em linha semelhante de inteleco, Hans Kelsenarma que o direito subjetivo nada mais do que

    um reexo do dever exigvel, dizer, a visualizaodo contedo de um direito somente poder ocorrermediante anlise do dever que posto ao outro, uma

    vez que por meio dele que se d a circunscrio doprprio contedo do direito subjetivo.

    Nesses termos leciona Kelsen que:

    Esta situao, designada como direito ou

    pretenso de um indivduo, no porm, outra coisaseno o dever do outro ou dos outros. Se, neste

    caso, se fala de um direito subjetivo ou de umapretenso de um indivduo, como se este direito ou

    esta pretenso fosse algo de diverso do dever do

    outro (ou dos outros), cria-se a aparncia de duassituaes juridicamente relevantes onde s uma

    existe. A situao em questo esgotantementedescrita com o dever jurdico do indivduo (ou dos

    indivduos) de se conduzir por determinada maneira

    em face de um outro indivduo. Dizer que umindivduo obrigado a uma determinada condutasignica que, no caso da conduta oposta, se deve

    vericar uma sano; o seu dever a norma que

    prescreve esta conduta enquanto liga uma sano conduta oposta. Quando um indivduo obrigado

    em face de outro a uma determinada prestao, aprestao a receber pelo outro que forma o contedo

    do dever; apenas se pode prestar a outrem algoque esse outrem receba. E, quando um indivduo

    est obrigado em face de outrem a suportar umadeterminada conduta deste, a tolerncia desta

    mesma conduta que constitui o contedo do dever.

    Quer dizer: a conduta do indivduo em face do qualo dever existe, correlativa da conduta devida, est

    j conotada na conduta que forma o contedo dodever. Se se designa a relao do indivduo, em face

    do qual uma determinada conduta devida, como indivduo obrigado a essa conduta como direito,

    este direito apenas um reexo daquele dever34.

    Essa correlao entre direito e dever tambmpode ser abstrada de Karl Larenz quando este,

    ao caracterizar uma norma jurdica, arma que a

    33 Ibidem, p. 219.

    34 KELSEN, op. cit, p. 89-90.

    congurao de uma proposio jurdica se d com a

    pretenso de validade no sentido de uma exigncia

    vinculante de comportamento35.

    Essa exigncia vinculante de comportamento

    inclui no apenas a consequncia jurdica, dadas as

    circunstncias fticas, mas tambm a percepo de umdever correlato que assegure tal consequncia.

    A partir dessa premissa pode-se dizer que se um

    direito subjetivo fosse mera descrio de uma situao

    ns estaramos diante de uma proposio enunciativa

    e no normativa de forma que tal disposio encontrar-

    se-ia fora do ordenamento jurdico36. Tal posio seria

    dicilmente defendida pela doutrina atual.

    No obstante, em Alexy que encontramos posi-

    o doutrinria pela qual mesmo sendo considerados

    direitos subjetivos, os direitos fundamentais no pos-

    suem um dever correlato exigvel, at mesmo porque a

    exigibilidade, para o autor, no integra essencialmente

    o seu contedo. Assim,

    No parece ser imprescindvel que se fale em

    direito somente se estiver presente a capacidade

    jurdica para a sua exigibilidade, por exemplo,

    por meio de uma demanda judicial. Embora seja

    possvel denir o conceito de direito subjetivo dessa

    maneira, uma tal denio estipulativa no apenas

    no reete o uso corrente da linguagem, como

    tambm no seria frutfera para o conhecimento dos

    sistemas jurdicos37.

    Em sentido semelhante, Gustavo Amaral defende

    uma natureza de direitos sem deveres correlatos,

    baseando-se no fato de que a equivalncia binominal

    direito-dever decorre de postulados do Direito Civil

    38 que seria incompatvel com a estrutura dos direitos

    fundamentais.

    Arma o autor que a ideia de dever como

    elemento do prprio direito est baseada, no Direito

    35 caracterstico de uma regra, no sentido aqui pensado, em primei-ro lugar, a sua pretenso de validade, quer dizer, ser o sentido a elacorrespondente uma exigncia vinculante de comportamento ouser uma pauta vinculante de julgamento o seu caracter normati-vo; em segundo lugar, a sua pretenso de possuir validade, no sprecisamente para um determinado caso, mas para todos os casosde tal espcie, dentro do seu mbito espacial e temporal de valida-de o seu caracter geral (LARENZ, 1997, p. 349).

    36 Regra do Direito tem a forma lingustica de uma proposio, apro-posio jurdica. dela que se vai tratar em seguida. A proposiojurdica deve distinguir-se, em virtude do sentido normativo quelhe correspondente, de uma proposio enunciativa, que contmuma armao de factos ou uma constatao (Idem, Ibidem, p.350).

    37 ALEXY, op. cit., p. 189.

    38 AMARAL, op. cit., p. 58.

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    Artigos Doutrinrios Felipe Silva Noya

    Civil, na autonomia da vontade ou de alguma forma

    de responsabilidade causal39, caracterstica ausente

    nos direitos humanos que decorriam do mero fato de

    pertencer humanidade, ou da aliao a uma dada

    sociedade40.

    Que tal premissa equivocada parece-nos

    bastante claro, tendo em vista que o binmio direito-

    dever parte no do estudo do Direito Civil, em especial

    do obrigacional, mas sim da prpria Teoria Geral do

    Direito e se assenta na noo de que direito inexigvel

    no direito, mas apenas paliativo para as vontades

    populares.

    Note-se, nessa senda, que Kelsen, embora

    confundindo os planos de validade, eccia e

    existncia41, arma peremptoriamente que norma

    integralmente inecaz no pode ser vlida, sendo,nesse sentido, inexistente no ordenamento jurdico.

    Em que pese no concordamos com a vinculao

    realizada por Kelsen entre os planos de eccia,

    validade e existncia da norma jurdica, devemos

    armar que a norma no precisa ser ecaz para ser

    vlida ou existente, mas deve gozar de pretenso de

    ser vinculativa, caso contrrio, seguindo a doutrina

    de Larenz, no estamos diante de uma proposio

    jurdica, mas apenas de uma proposio enunciativa

    onde ir se descrever uma situao ftica ideal sem que

    haja qualquer inteno poltica ou meios de coao

    jurdicos idneos para forar a sua consecuo.

    39 Ibidem, p. 58.

    40 Ibidem, p. 59.

    41 Embora o autor trace distino entre a eccia e a validade dasnormas arma que A soluo proposta pela Teoria Pura do Direitopara o problema : assim como a norma de dever-ser, como sentidodo ato de ser que a pe, se no identica com este ato, assim avalidade de dever-ser de uma norma jurdica se no identica

    com a sua eccia da ordem do ser; a eccia da ordem jurdicacomo um todo e a eccia de uma norma jurdica singular so -tal como o ato que estabelece a norma - condio da validade. Taleccia condio no sentido de que uma ordem jurdica comoum todo e uma norma jurdica singular j no so consideradascomo vlidas quando cessam de ser ecazes. Mas tambm aeccia de uma ordem jurdica no , tampouco como o fato que aestabelece, fundamento da validade. Fundamento da validade, isto, a resposta questo de saber por que devem as normas destaordem jurdica ser observadas e aplicadas, a norma fundamentalpressuposta segundo a qual devemos agir de harmonia com umaConstituio efetivamente posta, globalmente ecaz, e, portanto,de harmonia com as normas efetivamente postas de conformidadecom esta Constituio e globalmente ecazes. A xao positivae a eccia so pela norma fundamental tornadas condio davalidade. A eccia -o no sentido de que deve acrescer ao ato de

    xao para que a ordem jurdica como um todo, e bem assim anorma jurdica singular, no percam a sua validade (KELSEN, Hans,op cit. p. 148).

    Talvez por isso, de forma um tanto contraditria,

    Gustavo Amaral arme que os direitos humanos so

    direitos sem deveres correlatos, mas que ao mesmotempo h um dever estatal contraposto de atender

    as exigncias formuladas ou justicar o porqu no o

    fez42.Verica-se, destarte, que a compreenso dos

    direitos fundamentais como direitos subjetivos sem

    deveres correlatos ou sem exigibilidade redundam

    na criao de uma legislao simblica impregnadaapenas de uma face negativa.

    Em verdade, se assim entendidos, esta

    caracterstica normativa acabaria formando uma

    legislao-libi que, conforme expes Marcelo Neves,

    [...] decorre da tentativa de dar a aparnciade uma soluo dos respectivos problemas sociaisou, no mnimo, da pretenso de convencer opblico das boas intenes do legislador. Como setem observado, ela no apenas deixa os problemassem soluo, mas alm disso obstrui o caminhopara que eles sejam resolvidos. A essa formulaodo problema subjaz unia crena instrumentalistanos efeitos das leis, conforme a qual se atribui legislao a funo de solucionar os problemas dasociedade. Entretanto, evidente que as leis no soinstrumentos capazes de modicar a realidade deforma direta, eis que as variveis normativo-jurdicasse defrontam com outras variveis orientadaspor outros cdigos e critrios sistmicos [...]. Aresoluo dos problemas da sociedade dependeriaento da interferncia de variveis no normativo-jurdicas. Parece, portanto, mais adequado armarque a legislao-libi destina-se a criar a imagemde um Estado que responde normativamenteaos problemas reais da sociedade, sem, contudo,normalizar as respectivas relaes sociais.

    Nesse sentido, pode-se armar que alegislao-libi constitui uma forma de manipulaoou de iluso que imuniza o sistema poltico [...]desempenhando uma funo ideolgica. Masparece muito limitada e simplista a concepo queconsidera, no caso da legislao-libi, o legisladorcomo quem ilude e o cidado como o iludido. Emprimeiro lugar, deve-se observar que, face perdade realidade da legislao em um mundo que setransforma aceleradamente, confundem-se o real ea encenao, desaparecem tambm os contornosentre desejo e realidade, iluso e autoilusotornam-se indiferenciveis, de tal maneira quelderes polticos no so apenas produtores, mastambm vtimas de interpretaes simblicas. Alegislao-libi implica uma tomada de papis sociaistanto pelas elites que encenam, quanto por parte dopblico-espectador, no podendo ser restringida aatividades conscientes das elites para alcanar seusns; eis que tentativas de manipulao desse tipo

    42 AMARAL, op. cit., p. 55, nota 34.

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    tornam-se usualmente conhecidas e tendem aofracasso. Entretanto, embora seja de relativizar-seos conceitos de manipulao e de iluso, evidenteque a legislao-libi pode induzir um sentimentode bem-estar (resoluo de tenso), portanto,servir lealdade das massas43.

    Em concluso, que todos os direitos fundamentaisso direitos que possuem um dever exigvel correlatono nos parece ser equivocado, mas em quais termose em que extenso eles o so algo a ser analisado naprxima seo.

    6 Eccia e exigibilidade dos direitos

    fundamentaisA fora vinculativa das normas constitucionais

    defendida desde Konrad Hesse

    44

    parece ter sidoremoldurada com a festejada classicao trazida porJos Afonso da Silva45 quando este trata das normas deeccia plena, contida e limitada.

    Em breve resumo, as normas de eccia plenaseriam aquelas que

    desde a entrada em vigor da constituio,produzem, ou tm possibilidade de produzir, todosos efeitos essenciais, relativamente aos interesses,comportamentos e situaes, que o legisladorconstituinte, direta e normativamente, quisregular46.

    De forma semelhante, as normas de ecciacontida possuem aplicabilidade direta, masso potencialmente restringveis por normasinfraconstitucionais. No obstante, sua eccia noca condicionada existncia de norma inferior comoocorre nas normas de eccia limitada.

    Para esta ltima categoria, o autor defende ummnimo de eccia, mas condiciona a sua aplicaointegral nas situaes concretas ao do legisladorinfraconstitucional ou de outros rgos estatais,aceitando que elas

    regem, at onde possam [...] situaes,comportamentos e atividades na esfera de alcancedo princpio ou esquema que contm, especialmentecondicionando a atividade dos rgos do Poder

    43 NEVES, Marcelo. Constitucionalizao simblica. So Paulo:Acadmica, 1994. p. 49-50.

    44 HESSE, Konrad. A fora normativa da constituio. Porto Alegre:Sergio Antnio Fabris, 1991.

    45 SILVA, Jos Afondo da.Aplicabilidade das normas constitucionais. 4.

    ed. So Paulo: Malheiros, 2000.

    46 Ibidem, p. 101.

    Pblico e criando situaes jurdicas de vantagensou de vnculo47.

    Em sntese, as normas de eccia limitada, por taldoutrina, possuem por si s uma eccia circunscritaapenas orientao na criao de outras normas ou na

    vinculao negativa do poder estatal.Assim, deve-se ter cuidado ao vincular as noes

    das diferentes geraes/dimenses das normas coma classicao tricotmica acima esboada, o quegeraria inmeros equvocos na aplicao dos direitosfundamentais.

    Por tal caminho, a primeira gerao de direitosfundamentais, que rene aqueles que visavam proteo das liberdades individuais e imposiode limites ao Estado48, poderia ser correlacionada snormas de eccia plena, em especial devido ao seu

    carterprima facie negativo.Por seu turno, os direitos de segunda gerao,

    aqueles ditos sociais, por possurem como notadistintiva o seu carter positivo, prestacional, ensejandoa interveno estatal49 para a consecuo do bem-estar social50, tornaria fcil o seu enquadramento emnormas de eccia limitada.

    No obstante, a anlise promovida por StephenHolmes e Cass Sustein demonstra a falsidade daarmao de que os direitos classicamente ditosnegativos exigem exclusivamente omisses do Estado,assim:

    Are the liberties protected under the Bill ofRights wholly negative? Do they require the stateto refrain from acting without requiring the state toact?

    Some constitutional rights depend for theirexistence on positive acts by the state, and thegovernment is therefore under a constitutional dutyto perform, not to forbear, under the Constitution asit stands. []

    Pratically speaking, the governmentenfranchises citizens by providing the legalfacilities, such as polling stations, without which

    they could not exercise their rights51

    .

    47 Ibidem, p. 164.

    48 COMPARATO, Fbio Konder. A armao histrica dos direitoshumanos. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 51.

    49 Note-se que a eccia limitada est associada no apenas necessidade de uma intermediao legislativa, mas antes podenecessitar tambm da atuao de rgos estatais o que no ocorrenas de eccia plena ou nas de eccia contida.

    50 SARLET, op. cit., p. 55-56.

    51

    HOLMES, Stephen, SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights: Why libertydepends on taxes. New York: W.W. Norton & Company, 1999, p. 52-53.

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    Artigos Doutrinrios Felipe Silva Noya

    Nesses termos, parece-nos que a classicaoentre geraes/dimenses dos direitos fundamentaisdeve pautar-se em outro fundamento que no aexistncia ou inexistncia de obrigaes comissivasdo poder estatal, dizer, independentemente da

    dimenso, poder ou no haver normas de eccialimitada ou plena no sendo tal critrio lastro sucientepara sustentar a diferenciao.

    Exemplicativamente basta pensar no direito sindicalizao, considerado como direito social, masque estruturalmente assemelha-se muito mais aosdireitos de primeira dimenso devido ao seu carterprimariamente negativo.

    Gustavo Amaral, atento impropriedade doscritrios utilizados para a classicao ordinria, trazuma distino baseada na essencialidade da ao

    estatal, assim,

    [...] cumpre ver que h direitos cuja eccia nodepende necessariamente de uma ao estatal. Aliberdade de expresso e de credo so bons exemplosdisso. De outro lado, h direitos cuja ecciadepende intrinsecamente de uma conduta estatalpositiva, como os direitos ligados assistncia social.

    Para facilitar, chamemos nos prximos pargrafos dedireitos parcialmente independentes aqueles queno dependem necessariamente da ao estatal, ede direitos dependentes aqueles cuja dependncia intrnseca.

    A diferena perceptvel entre os direitosparcialmente dependentes e os dependentes estaria naprpria resoluo quando presente uma coliso sendoque nos primeiros a soluo estaria em um conito dedelimitao52 e nos segundos haveria necessariamentea anlise dos custos dos direitos.

    A percepo dos custos dos direitos e sua anlisena efetivao dos direitos fundamentais, em especialnos direitos fundamentais a uma prestao, aqueleschamados por Gustavo Amaral de necessariamentedependentes, questo das mais tormentosas quando

    se passa anlise da eccia desses direitos, o quedividiu a doutrina entre aqueles que acreditam naeccia, independente de se analisar a escassez de

    52 Nesses casos, diante de uma demanda concreta, o Estado chamado para dizer, nas circunstncias concretas, qual direitoprevalece. Discute-se acerca da localizao lgica dos fatos, sedentro do domnio de um direito ou de outro. A deciso estatalresolver a disputa asseverando estar a situao concreta aqumou alm dos limites de um direito e no de outro, retroagindoa deciso data dos fatos, de modo que, juridicamente, dir-se-que jamais houve para a situao concreta o direito negado, masapenas o armado, tanto que ao vencido costumam ser aplicadassanes (AMARAL, op. cit., p. 45)

    recurso, e aqueles que a pe como elemento essencialpara a sua efetivao.

    Dentro desta dicotomia concordamos com Dirleyda Cunha Junior quando este arma que:

    [...] na hodierna dogmtica constitucional, com oreconhecimento de um direito fundamental efeti-vao da Constituio, assiste-se, sem dvida, a umdeslocamento da doutrina dos direitos fundamentaisdentro da reserva de lei para a doutrina da reservade lei dentro dos direitos fundamentais, de tal modoque incogitvel negar o carter jurdico e, conse-qentemente, a exigibilidade e acionabilidade dosdireitos fundamentais sociais, que so autnticosdireitos subjetivos. Todos os direitos sociais geramimediatamente posies jurdicas favorveis aos in-divduos, exigveis desde logo, inobstante possamapresentar teores eccias distintos. Esses direitos,portanto, so verdadeiros direitos subjetivos, naacepo mais comum da palavra, mxime quandonecessrios garantia do padro mnimo social53.

    No obstante, a escassez dos recursos problemaque no pode ser ignorado ainda quando diante dequestes que envolvam o mnimo existencial, eis que,como bem conclui Gustavo Amaral, a ideia de escasseztraz consigo a noo de trade-o. Sem traduo exatapara o portugus, podemos dizer que a alocao derecursos escassos envolve, simultaneamente, a escolhado que atender e do que no atender54, de forma queas decises alocativas podem salvaguardar o mnimoexistencial de um indivduo, ao tempo em que viola

    o mnimo existencial de muitos outros devido a estedeslocamento dos recursos.

    Com esta concluso, destarte, aceitamosparcialmente a soluo oferecida por Gustavo Amaralpara o qual,

    [...] O Judicirio, ao apreciar demandasindividuais ou coletivas relativas a pretensespositivas, deve ponderar o grau de essencialidadeda pretenso, em funo do mnimo existencial e aexcepcionalidade da situao, que possa justicara deciso alocativa tomada pelo Estado que tenharesultado no no atendimento da pretenso.

    Aceitamos parcialmente, pois, embora estadeciso alocativa possa ser revista pelo Poder Judicirioe o Estado tenha a possibilidade de se esquivar daefetivao do direito fundamental no caso concretodevido s ponderaes referentes essencialidade xexcepcionalidade, isto no possui o condo de retirara eccia da referida norma fundamental, dizer, a

    53 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle judicial das omisses das polticaspblicas. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 294

    54 AMARAL, op. cit., p. 150.

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    escassez no retira do indivduo o direito subjetivofundamental que lhe foi deferido, mas apenas impedeque ele seja efetivado naquele momento.

    Essa ausncia de efetivao, embora escusvel,no o retira de sua esfera jurdica, de forma que

    embora possa se negar a efetiv-lo continua a viol-loo que legitimaria, como em qualquer infrao a direito,o pleito indenizao a qual estar submetida slimitaes oramentrias como qualquer outra dvidado Poder Pblico.

    Com tal soluo evita-se o esvaziamento da foranormativa dos direitos fundamentais ao tempo emque no se olvida de uma questo que no pode sernegada, por mais que a vontade poltica o deseje: oproblema da escassez dos recursos.

    ConclusoPor tudo que foi exposto, podemos armar que

    a expresso direitos fundamentais, prefervel s demaisquando pretende-se tratar de direito positivadoem determinada sociedade, deve ser utilizada paradesignar um direito subjetivo que impe um devercorrelato para a sua efetivao sob pena de gurarcomo mera proposio enunciativa restando situadafora do ordenamento jurdico.

    Esse direito subjetivo fundamental poder ter a

    estrutura normativa tanto de uma regra quanto de umprincpio ou a de um postulado, tendo em vista queser assim denido apenas com a participao criativado intrprete/aplicador do direito.

    A partir dessas premissas vemos que a ecciadas normas de direitos fundamentais poder ouno depender de uma atuao comissiva do Estadoquando car sujeita anlise da escassez de recursoso que viabilizaria a escusa do Poder Pblico em suaefetivao.

    No obstante, embora escusvel, a ausncia de

    efetivao do direito fundamental no o retira da esferajurdica do indivduo, de forma que embora remanescea sua violao legitimando, como em qualquerinfrao a direito, o pleito indenizao a qual estarsubmetida s limitaes oramentrias como qualqueroutra dvida do Poder Pblico.

    Referncias

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