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1 A escala dos venenos Artigo original de K. Strey, Die Gifte‐Skala, publicado em Chemie In Unserer Zeit 2019, 53, 2-15. Traduzido e ampliado por Armin Franz Isenmann, CEFET-MG Timóteo, Brasil. Introdução ..................................................................................................................... 2 O que é toxicidade? ...................................................................................................... 2 O ar pode ser veneno? .................................................................................................. 4 Água uma competição mortal .................................................................................... 5 Sacarose - em excesso um veneno doce ....................................................................... 7 Etanol - prazer e dose letal próximos uns dos outros ................................................... 9 Sal comum - um pudim salgado fatal ......................................................................... 11 Diazepam „Mother's little helper― ou „mother's hell―? ........................................... 12 Cafeína nossa droga preferida ................................................................................. 15 Nicotina - pena de morte para fumantes ..................................................................... 18 Fentanyl - coquetel da morte para o príncipe pop ...................................................... 20 Remédio, droga ou veneno? ....................................................................................... 22 A tabela periódica é venenosa! ................................................................................... 23 Antimônio ............................................................................................................... 23 Chumbo .................................................................................................................. 24 Arsênio.................................................................................................................... 25 Tálio........................................................................................................................ 27 Mercúrio ................................................................................................................. 28 Ácido cianídrico - o crime capital da humanidade do Holocausto ............................. 30 Venenos do reino vegetal ........................................................................................... 31 Amanitina a morte espera na floresta .................................................................. 31 Aflatoxinas.............................................................................................................. 33 Curare o veneno nas flechas das indígenas ......................................................... 34 Ricina o perigo que cresce no quintal .................................................................. 35 Toxinas do reino animal ............................................................................................. 38 Armas químicas as supertoxinas do mal.................................................................. 48

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1

A escala dos venenos

Artigo original de K. Strey, Die Gifte‐Skala,

publicado em Chemie In Unserer Zeit 2019, 53, 2-15.

Traduzido e ampliado por Armin Franz Isenmann, CEFET-MG Timóteo, Brasil.

Introdução ..................................................................................................................... 2

O que é toxicidade? ...................................................................................................... 2

O ar pode ser veneno? .................................................................................................. 4

Água – uma competição mortal .................................................................................... 5

Sacarose - em excesso um veneno doce ....................................................................... 7

Etanol - prazer e dose letal próximos uns dos outros ................................................... 9

Sal comum - um pudim salgado fatal ......................................................................... 11

Diazepam – „Mother's little helper― ou „mother's hell―? ........................................... 12

Cafeína – nossa droga preferida ................................................................................. 15

Nicotina - pena de morte para fumantes ..................................................................... 18

Fentanyl - coquetel da morte para o príncipe pop ...................................................... 20

Remédio, droga ou veneno? ....................................................................................... 22

A tabela periódica é venenosa! ................................................................................... 23

Antimônio ............................................................................................................... 23

Chumbo .................................................................................................................. 24

Arsênio.................................................................................................................... 25

Tálio ........................................................................................................................ 27

Mercúrio ................................................................................................................. 28

Ácido cianídrico - o crime capital da humanidade do Holocausto ............................. 30

Venenos do reino vegetal ........................................................................................... 31

Amanitina – a morte espera na floresta .................................................................. 31

Aflatoxinas.............................................................................................................. 33

Curare – o veneno nas flechas das indígenas ......................................................... 34

Ricina – o perigo que cresce no quintal .................................................................. 35

Toxinas do reino animal ............................................................................................. 38

Armas químicas – as supertoxinas do mal.................................................................. 48

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2

Dioxinas – Representante famoso dos venenos ambientais ....................................... 51

Botox - Rei na escala dos venenos ............................................................................. 53

Sumário ....................................................................................................................... 54

Literatura .................................................................................................................... 55

Introdução O termo veneno é carregado principalmente de forma negativa. A maioria das pessoas

não percebe que a dose determina se uma substância tem quase nenhum efeito, é

terapeuticamente eficaz ou é extremamente tóxica. Portanto, o teorema de quase 500

anos de Paracelso (1493-1541) [1] ainda é válido: "A dose faz o veneno". A toxina

botulina, a substância mais tóxica que conhecemos, é cerca de um trilhão de vezes mais

tóxica que a substância de menor toxicidade - a água. Para obtermos uma vista geral

sobre as toxinas mais interessantes, este artigo as apresenta suas doses letais em uma

escala logarítmica.

Paracelso em 1540. Gravura em cobre de Augustin Hirschvogel. Fonte: Fig 1

https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=330847

O que é toxicidade? Embora a grande maioria das intoxicações seja causada por apenas algumas milhares de

substâncias, não é fácil classificar as toxinas. Provavelmente, o valor toxicológico

experimental mais importante, baseado em testes com animais, é a dose letal LD50

introduzida por John W. Trevan em 1927 [2]. Para criar comparabilidade com os seres

humanos, o valor é dado em quantidade de substância por quilograma de peso corporal.

Embora o valor de LD50 possa variar amplamente em diferentes animais, o LD50 é o

indicador mais usado para estimar a toxicidade aguda em humanos. Ainda, a dose letal

depende largamente da forma de exposição ao veneno, quer o contato com a pele, a

ingestão, a injeção na corrente sanguínea ou a inalação dos vapores. Portanto, as

informações toxicológicas por meio da LD50 requerem da indicação do tipo de animal e

da especificação da forma de exposição. A toxicidade aguda, quer dizer, o contato que

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leva à morte imediata, muitas vezes não é suficiente para informar sobre o perigo de

uma substância. É de interesse, também, quais os efeitos de uma exposição prolongada

e observar os efeitos patogênicos a longo prazo. Sendo assim, a Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômica, OECD, especificou os efeitos sobre os

humanos e padronizou as formas da sua determinação [3]:

Tab. 1 Testes toxicológicos.

Efeito tóxico Significado e as Normas vigentes

Toxicidade aguda Efeitos deletérios que ocorrem dentro de certo período de tempo

(geralmente 14 dias) após a administração de uma dose única da substância.

OECD 420: Toxicidade aguda oral de uma dose fixa.

OECD 423: Toxicidade aguda oral de doses crescentes.

OECD 403: Toxicidade aguda por inalação.

OECD 402: Toxicidade aguda dermal.

OECD 404: Toxicidade aguda em forma de irritação ou causticação da pele.

OECD 405: Toxicidade aguda em forma de irritação dos olhos.

Toxicidade crônica Efeitos deletérios que ocorrem em animais experimentais como resultado

de administração diária repetida de uma substância química. A duração do

tratamento se estende por um curto período de tempo, em relação ao tempo

de vida da espécie.

OECD 407: toxicidade oral de 28 dias.

OECD 408: toxicidade oral de 90 dias em roedores.

OECD 409: toxicidade oral de 90 dias em não roedores.

Mutagenicidade

(genotoxicidade)

Indução de alterações hereditárias permanentes, na quantidade e estrutura

do material genético. Essas mudanças (mutações) podem envolver um

único segmento de gene, um bloco de genes ou cromossomos inteiros.

OECD 471: Teste de mutação reversa usando bactérias.

OECD 473: Teste in vitro para aberrações cromossômicas em células de

mamíferos.

OECD 476: Teste in vitro para mutações genéticas em células de

mamíferos.

OECD 475: Teste in vivo para aberrações cromossômicas em células da

medula óssea de mamíferos.

OECD 474: Teste do micronúcleo de eritrócitos in vivo em mamíferos.

Toxicidade

reprodutiva

Efeitos de uma substância sobre a integridade e desempenho dos sistemas

reprodutivos masculino e feminino.

OECD 416: Estudo em duas gerações.

OECD 451: Desenvolvimento de tumores ao longo da vida do animal

(carcinogenicidade).

OECD 414: Desenvolvimento infantil prejudicado (teratogenicidade).

Tab. 2 Critérios da toxicidade

Sigla Efeito toxicológico específico

EC50 Concentração Efetiva de 50%: dose que desencadeia um efeito definido, a não ser

a morte, em 50% de uma população submetida ao estudo.

LC50 Concentração letal mediana: Concentração letal de uma substância contida na

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água, no solo ou no ar, pela qual 50% dos organismos do estudo morrem dentro de

um determinado período de observação.

LD50 Dose letal mediana: quantidade de uma substância pela qual 50% de todos os

animais experimentais que a receberam morrem em determinado período de

observação.

TD50 Dose Tóxica Mediana: quantidade pela qual 50% dos organismos experimentais

apresentam sinais de intoxicação dentro de um determinado período de

observação.

LOAEL Lowest Observed Adverse Effect Level: Menor dose de substância química

administrada que causa danos em experimentos com animais.

LOEL Lowest Observed Effect Level: Menor dose de uma substância química

administrada que demonstrou ter efeito qualquer nos animais do teste.

NOAEL No Observed Adverse Effect Level: Maior dose de uma substância que ainda não

deixou danos mensuráveis numa população, mesmo na admissão contínua.

NOEL No Observed Effect Level: Maior dose de uma substância que não deixa efeitos

mensuráveis, mesmo com a exposição contínua.

Como já dito, entre todas essas grandezas toxicológicas a LD50 é a mais referida na

literatura que indica os potenciais perigos de substâncias químicas. Seus valores se

estendem, desde nano gramas, até alguns gramas de substância por quilograma corporal.

Para representar 10 casas de grandeza se oferece uma escala logarítmica, e como todas

as quantidades pesam menos do que nosso corpo nós invertemos o sinal para tratar com

valores positivos, enfim: -logLD50. Este procedimento é bem comparável com outras

escalas que abrangem muitas casas decimais, a serem mencionados o pH para a

concentração do íon H+ na solução, a escala de Richter para terremotos ou o

comprimento de ondas da radiação eletromagnética.

Ainda importante, especialmente sob aspectos jurídicos, é a concentração máxima no

local de trabalho. O valor limite de exposição (VLE) indica a concentração máxima

admissível de uma substância como gás, vapor ou matéria suspensa no ar, no local de

trabalho. É considerada a concentração média diária para um dia de trabalho de 8 horas

e uma semana de 40 horas, ponderada em função do tempo de exposição. Os valores

determinados em cada caso indicam um caminho viável, entre possíveis danos à saúde

(incluindo o trabalho por turnos) e os riscos de um lado, e custos da produção no outro

lado.

Em seguida vamos discutir os efeitos tóxicos das diversas substâncias químicas,

começando com as menos perigosas – até tão triviais que você nunca iria pensar em

veneno!

O ar pode ser veneno? A nossa atmosfera é uma mistura de gases, contendo aproximadamente 78% de

nitrogênio, 21% de oxigênio e 1% de argônio. Destes, N2 e Ar não mostram efeitos

adversos sobre os organismos, pois são inertes. É claro que suas altas concentrações

implicam baixa concentração de oxigênio – que por sua vez é vital para qualquer vida

animal. Então somente indiretamente podem ter efeitos tóxicos.

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Mas que tal o próprio oxigênio? Existe uma concentração crítica acima da qual O2 se

torna perigoso? A resposta é sim. Se aumentarmos aos poucos a pressão parcial do O2,

de 212 mbar (ar normal), então percebemos mudanças desagradáveis. A uma pressão de

1 bar, ou seja, oxigênio puro e pressão normal, o organismo pode ainda perdurar por

várias horas sem nenhum dano. Mas sob pressão aumentada ou durante um longo

período de tempo, é tóxico.

Se o oxigênio é inalado a uma pressão parcial elevada durante um longo período de

tempo, isso é chamado de oxidose lenta (envenenamento por oxigênio subagudo).

Normalmente, os primeiros sintomas aparecerem entre 24 e 48 horas. Os sinais de

intoxicação são manifestados por uma sensação de secura na boca, tosse, sensação de

pressão no peito e, posteriormente, dispneia e convulsões (epilépticas).

Além disso, o dano pulmonar (efeito de Lorrain - Smitz) se espera a partir de uma

pressão parcial de 0,6 bar. Este também é o limite superior para ventilação durante um

período de tempo mais longo. Sob o efeito do oxigênio ocorre espessamento e,

subsequentemente, o colapso dos alvéolos. As paredes dos vasos pulmonares também

ficam espessas e alteradas. Isso torna a passagem de oxigênio durante a respiração tão

difícil que leva a uma deficiência de oxigênio no corpo. A causa é considerada como

sendo o efeito destrutivo no filme de superfície (surfactante) nos alvéolos.

Até mesmo o oxigênio pode causar intoxicação aguda. A partir de pressões parciais de

oxigênio entre 2 e 3 bar, as convulsões iniciam-se após um curto período de tempo, que

são semelhantes às convulsões epilépticas. O aumento da pressão de O2 de uma oxidose

aguda desencadeia uma série de impulsos nervosos descoordenados. A náusea é

geralmente precedida por tontura e visão turva. Dificuldade respiratória é acompanhada

por tensão e contrações fortes, primeiro das mãos, dos braços e das pernas. Seguem

inconsciência e cãibras, entrando em convulsões persistentes e curtas em todo o corpo.

Com o esgotamento das células cerebrais, as cãibras diminuirão e a consciência voltará

lentamente. Este período varia entre 15 minutos a 1 hora. Se o ar normal puder ser

inalado novamente após esta crise, uma segunda crise não ocorrerá. Por outro lado, se a

pressão parcial aumentada de oxigênio persistir, uma segunda crise ocorrerá após um

intervalo de alguns minutos - o que geralmente resulta em morte.

A pressão parcial crítica do oxigênio, especialmente importante para mergulhadores

profissionais, é de 1,7 bar e não deve ser ultrapassada. Os sintomas da intoxicação, ao

usar equipamentos de circulação e regeneração com oxigênio puro, começam em

profundidades muito rasas (cerca de 7 m).

Água – uma competição mortal Na parte inferior da escala de envenenamento (Figura 1) está a água. A ideia de que a

água pode ser tóxica parece absurda à primeira vista. E não falamos em água pesada,

onde o hidrogênio 1H foi substituído pelo hidrogênio pesado

2H (deutério, D). De fato,

no caso do óxido de deutério D2O, as propriedades químicas da água mudam. Quando

os ratos são alimentados com alimentos deuterados, eles morrem quando

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aproximadamente 30% do hidrogênio do corpo é substituído por deutério. A água

pesada reage mais lentamente e as solubilidades das substâncias são alteradas. No

entanto, não existem valores de VLE ou LD50 de óxido de deutério.

A escala dos venenos: os valores de LD50 (em geral a ingestão por ratos) Fig 2

estão logaritmicamente dispostos. Os valores entre colchetes indicam a dose

letal projetada para um ser humano de 70 kg.

Até a água normal pode ser venenosa! Claro, isso só se aplica a quantidades que estão

bem acima da dose diária recomendada. Em 1956, houve um estudo em que uma

quantidade de 90g/Kg de peso corporal em ratos levou a uma condição miserável, mas

não à morte. Aplicado a um humano, isso corresponderia à rápida absorção de cerca de

6 litros de água.

De fato, esta quantidade parece ser uma dose potencialmente letal, uma vez que há

sempre casos em que o consumo rápido e excessivo desta quantidade de água conduz a

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problemas de saúde significativos e até à morte. Um caso particularmente trágico

ocorreu em 2007, quando a estação de rádio californiana KDND organizou uma corrida

de apostas com 20 participantes. A caminhada até o banheiro levou à partida. Jennifer

Strange, de 28 anos, bebeu seis litros de água e terminou em segundo. A recompensa foi

dois ingressos para um show de Justin Timberlake. Já durante o programa, a

participante se queixou de dor de cabeça. Seis horas depois, ela morreu em casa. Devido

à quantidade excessiva de água resultou um inchaço do cérebro que continuou alto

(talvez por causa do estresse da competição) e levou à morte depois de algumas horas.

A ingestão de tanta água evidentemente diminui da concentração de íons de sódio por

diluição e, portanto, aumenta a osmose, fazendo com que as células inchem. Isso é

especialmente comum em células cerebrais, de modo que os distúrbios do sistema

nervoso central (SNC), como dor de cabeça e confusão, são os primeiros sintomas de

hiponatremia. Isto é seguido por tremores musculares e convulsões. Uma diminuição do

valor normal de sódio plasmático de 144 mmol/L em apenas 12% já pode ser fatal [4].

Além disso, as pessoas que querem perder peso através de uma dieta extrema e suprimir

a sensação de fome, durante um longo período de tempo, por grandes quantidades de

água, estão em perigo, pois a longo prazo o próprio sódio do corpo é eliminado na urina.

O caso da mulher britânica de 49 anos, Jaqueline Henson, que queria passar por uma

dieta de 12 semanas e 500 kcal, ficou conhecido. Os volumes excessivos de água que

ela tomou em frente da televisão se tornaram fatais. Depois de uma semana, ela perdeu

5 kg. Na segunda semana ela teve uma forte dor de cabeça, desmaiou e morreu no

hospital [5].

Como a falta de íons de sódio é a causa do envenenamento por água, a terapia óbvia é a

administração de cloreto de sódio.

Sacarose - em excesso um veneno doce Como a água, os carboidratos são substâncias vitais. No entanto, em uma sociedade

afluente com excesso de oferta de alimentos a baixo preço, facilmente acessíveis e

excessivamente adocicados, o açúcar se torna um veneno doce. O termo refere-se

quimicamente à sacarose (Figura 2), -glucosido--frutosídeo, que na hidrólise ácida

produz uma mistura de glicose e frutose. As doses letais para açúcar encontradas em

experimentos com animais são muito altas. O valor de LD50 para a sacarose é de 32,5

g/Kg, para a glicose de 25,8 g/Kg e para a lactose de 21,6 g/Kg.

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A sacarose, nosso açúcar comum, pode causar excesso de peso e Fig 3

diabetes.

Um excesso de açúcar provoca aumento de peso e diabetes. Para determinar o grau de

obesidade, o índice de massa corporal (IMC) prevaleceu. Um IMC maior que 25 já é

considerado sendo sobrepeso, acima de 30 se considera obesidade.

Estudo publicado recentemente na revista científica The Lancet mostrou que a

população acima do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

cresceu consideravelmente nas últimas décadas. De acordo com a pesquisa Global

Burden of Disease, o sobrepeso e a obesidade foram responsáveis pela morte de 3,4

milhões de pessoas, em 2010, além de terem causado a redução de 3,9% da expectativa

de vida dos indivíduos. O levantamento indica que, de 1980 a 2013, a proporção

mundial de adultos com IMC (índice de massa corporal) acima de 25 kg/m², subiu de

28,8% para 36,9%, entre os homens, e de 29,8% para 38%, entre as mulheres. Confira

na Tab. 3 quais são os países que concentram a maior quantidade de pessoas acima do

peso no mundo. O Brasil aparece em 5º lugar! [6]

Tab. 3 Sobrepeso é um problema mundial – aqui os recordistas.

Ranking País

Número de pessoas

com sobrepeso (IMC

acima de 25 kg/m²)

% de pessoas com

sobrepeso em relação

à população adulta

1 Estados Unidos 78 milhões 33%

2 China 46 milhões 4,4%

3 Índia 30 milhões 3,8%

4 Rússia 28 milhões 24,1%

5 Brasil 22 milhões 16,2%

6 México 20 milhões 26,9%

7 Egito 18 milhões 35,9%

8 Alemanha 16 milhões 24,3%

9 Paquistão 14 milhões 13,6%

10 Indonésia 11 milhões 6,8%

Em considerações mais recentes entra no cálculo do IMC também a idade da pessoa. O

limite de excesso de peso para uma pessoa de 24 anos é de IMC = 24 e muda com a

idade para um IMC = 28, para uma pessoa de 64 anos.

Manuel Uribe, que já foi o homem mais gordo do mundo, pesava 592 kg em 2007, com

uma altura de 196 cm. Isso dá um IMC de 154 kg/m2! Seu recorde mundial trouxe

muitas aparições na mídia, recebimentos em dinheiro e artigos da Wikipedia em 26

idiomas (pesquisado em 07/2019). Por causa de seu peso extremo, no entanto, ele foi

amarrado à cama desde 2002. Em 2008, ele se casou e fez uma dieta, chegou assim a

394 kg. Em 2014, ele morreu com a idade de apenas 48 anos.

Pode ser considerado como um progresso duvidoso na civilização, que enquanto 930

milhões de pessoas estão desnutridas, mas 1,5 bilhão de pessoas estão agora

excessivamente nutridas. O mundo tem cerca de 387 milhões de diabéticos (13 milhões

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no Brasil; no ranking No 4 do mundo). Os especialistas consideram que o Diabetes tipo

2 será a próxima epidemia global, pelo número de novos casos e a dificuldade no

controle da doença em uma parcela dos pacientes. Ao longo do século 21, espera-se que

o número de mortes devido a uma nutrição excessiva em açúcar (e carboidratos)

continue aumentando. A alimentação excessiva representa, portanto, um

envenenamento rasteiro, com uma substância que normalmente é indispensável.

Etanol - prazer e dose letal próximos uns dos outros Nenhuma substância comumente reconhecida como substância tóxica é consumida tanto

e tão frequentemente quanto o álcool, mais especificamente: o etanol. Ao mesmo

tempo, é o álcool com menor toxicidade (Tab. 4) e causa mais danos à saúde e,

presumivelmente, causa mais mortes do que todas as outras toxinas conhecidas juntas

(exceto o tabaco).

Tab. 4 Dados físicos e toxicidade de alguns álcoois.

Álcool Tfus (°C) Teb (°C)

LD50

(mg/Kg;

rato, oral)

VLE

(mL/m3)

Solubil. em

água (g/L)

Metanol -97,8 65 5630 200 infinito

Etanol -115 78,5 7060 500 infinito

Etilenoglicol -16 197 4700 10 infinito

1-Propanol -127 97,4 1870 infinito

2-Propanol -89,5 82,4 5050 200 infinito

1-Butanol -89,5 117 790 310 80

1-Pentanol -79 138 4590 22

Álcool amílico -117 131 1300 30

O etanol já é absorvido em partes pela mucosa oral e vai diretamente para o sangue.

Logo, chega ao cérebro onde faz os efeitos largamente conhecidos. O etanol absorvido

pelo intestino entra primeiro no fígado, onde é parcialmente degradado. Calor (quentão),

açúcar (licor) ou dióxido de carbono (vinho espumante) podem acelerar a absorção do

álcool, mesmo que a concentração no sangue não seja aumentada.

Tab. 5 Efeitos do álcool, em função da sua concentração no sangue.

Concentração do

álcool no sangue

(‰)

Estado físico

/ psíquico

Sintomas, efeitos, comportamento

0,1 a 1,0 Leveza, bem-

estar

A partir de 0,3‰:

ligeira redução no desempenho visual; diminuição da

atenção, concentração, capacidade de criticar / julgar,

capacidade de resposta; elevada coragem (subestimando

riscos).

A partir de 0,8‰:

pronunciada falta de concentração; limitação do campo

visual em 25% (visão de túnel) e visão reduzida; tempo

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de reação aumentado em 30 a 50%; euforia; desinibição

aumentada, o excesso de confiança; descoordenação.

1,0 a 2,0 Embriaguez

deterioração da visão espacial e nitidez; maior desinibição

e perda de capacidade crítica; reatividade

significativamente perturbada; descoordenação; confusão,

distúrbios da fala; desorientação.

2,0 a 3,0 Sedação

fortes distúrbios de equilíbrio e concentração; distúrbios

da memória e da consciência; quase nenhuma reatividade,

relaxamento muscular; confusão; vômito.

3,0 a 5,0 Paralisia

A partir de 3‰:

inconsciência; perda de memória; respiração fraca;

hipotermia; sem reflexos.

A partir de 4‰:

paralisia; coma sem reflexos; excreções descontroladas;

parada respiratória; morte.

No fígado o etanol é oxidado, primeiro para acetaldeído sob catálise da desidrogenase

ADH, depois para o ácido acético pela enzima desidrogenase de aldeído. O acetaldeído

(etanal) é responsável por sintomas de "ressaca", como náuseas, vômitos e cefaleia.

Como a segunda etapa, a degradação do acetaldeído, é inibida pelo açúcar, a "ressaca"

de bebidas alcoólicas doces como licor, boliche ou vinhos doces pode ser visivelmente

mais forte.

A degradação no corpo ocorre por oxidação ao acetaldeído e finalmente Fig 4

ao ácido acético.

A degradação do álcool pelo ADH é constante e fica entre 0,1 e 0,3‰ de álcool no

sangue por hora. Em altas concentrações e em alcoólatras, o etanol é adicionalmente

degradado através do sistema enzimático MEOS (sistema oxidativo de etanol

microssômico), resultando em uma maior resistência ao álcool em pessoas que bebem

com hábito. 3 a 8% do etanol são oxidados para o ácido acético, por meio do sistema

enzimático das mono-oxigenases dependente de P-450. O ácido acético, finalmente, é

usado em parte com a coenzima A no metabolismo, mas principalmente convertido no

ciclo do ácido tricarboxílico em CO2 e H2O.

O produto da decomposição do etanol, o acetaldeído, ataca as células do fígado e

danifica o pâncreas. Espera-se que os ingredientes fenólicos no vinho tinto reduzam o

risco em 30%. Desvantagem: A longo prazo, o álcool danifica o músculo cardíaco e a

pressão arterial aumenta. Também conhecida é a perda de células cerebrais, que

aparentemente nunca serão substituídas. Álcool durante a gravidez prejudica a vida em

formação. O feto ainda não possui mecanismos de desintoxicação. Há risco de

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distúrbios mentais do desenvolvimento e maior probabilidade de se tornarem

dependentes de álcool [7].

3,3 milhões de pessoas morrem todos os anos pelas consequências do álcool no mundo,

diz a OMS (Organização Mundial de Saúde) - número que representa 5,9% das mortes.

45% destes são vítimas da cirrose hepática. O consumo regular de álcool aumenta o

risco de câncer na garganta, laringe, esôfago e cólon. O etanol ataca diretamente as

células da mucosa, fazendo as células se inflamarem ou morrerem – um processo

chamado de erosão celular. No Brasil, o consumo do álcool por pessoa foi de 8,9 litros

em 2016, maior do que a média internacional, que chegou a 6,4 litros.

Todas as tentativas de proibir o consumo de álcool falharam – com exceção de alguns

países árabes. Por exemplo, a proibição nos EUA nos anos 20 apenas promoveu o crime

organizado (como sabemos dos limes acerca do líder mafioso Al Capone) e nunca tantos

americanos morreram de envenenamento por metanol [8] devido à baixa qualidade das

bebidas ilegais.

Em uma noite particularmente festiva o nível de álcool no sangue facilmente chega a

1‰, que na verdade já é um quarto da concentração letal (Tab. 5). Talvez o desejo

humano de fugir das inconveniências e cargas da vida cotidiana seja maior do que

qualquer consciência de saúde. Isso certamente não se aplica apenas ao consumo de

álcool...

Sal comum - um pudim salgado fatal O sal comum consiste em mais de 90% de cloreto de sódio. É essencial para o

organismo humano, pois os íons Na+ e Cl

- desempenham um papel central no equilíbrio

da água, nas células do sistema nervoso, na digestão e na formação óssea. O corpo de

um adulto contém cerca de 200 g de cloreto de sódio (~0,3% da massa corporal); sua

concentração é controlada por hormônios. Mas, existem condições sob as quais o nível

deste sal não pode ser mantido constante. Ao beber água do mar, por exemplo, o

aumento da concentração de sal causa uma pressão osmótica que provoca o fluxo de

água para fora das células. Além disso, o excesso de sal é excretado por expulsão

demasiada de líquido e a sede aumenta - um círculo vicioso que já matou tantos

náufragos.

Devido ao consumo excessivo de sal há casos cardíacos e 2,3 milhões de pessoas

morrem em todo o mundo por ano [9]. No entanto, a causalidade entre o sal e a falha

cardíaca não é direta, como mostrou o projeto Mars-500, sendo que a pressão sanguínea

caiu apenas por 2 mm Hg ao administrar a metade do sal, de 12 para 6 g diariamente

[10].

O que é certo, no entanto, é que uma dose espontânea de NaCl pode ser fatal. Houve o

caso de uma menina de quatro anos que morreu em 2005 porque foi obrigada, pela

madrasta, a comer pudim altamente salgado por razões educacionais. Para a menina de

15 kg, 30 g de cloreto de sódio se tornaram uma dose letal. Apesar do tratamento de

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12

emergência no hospital, a criança morreu após 35 horas. A madrasta pegou uma pena

condicional de 14 meses, porque não foi reconhecida a intenção de matar.

A LD50 quando ingerido em ratos é de 3 g/Kg. A dose letal para uma pessoa adulta varia

entre 0,5 a 5 g por kg de peso corporal. Para bebês, o valor é significativamente menor:

apenas 12 mg/Kg.

Além do ―sal comum‖, basicamente o cloreto de sódio, não podemos esquecer o cloreto

de potássio que também desempenha um papel importante no organismo. É pouco

divulgado que os níveis do potássio até superam os do sódio, com 225 g verso 90 g,

respectivamente. Sendo assim, a concentração de potássio fica especialmente elevada no

líquido intracelular (155 mmol/L), enquanto no plasma se encontram apenas cerca de 4

mmol/L. A LD50 para o KCl em ratos fica em 2,6 g/Kg quando administrado pela

comida, mas apenas de 142 mg/Kg quando injetado intravenoso. Sendo assim, a

administração pela última via é significativamente mais baixa para o KCl do que o NaCl

(LD50, intravenoso = 645 mg/Kg). A injeção de soluções de cloreto de potássio elevado

pode levar à parada cardíaca. Este é um método tomado na eutanásia e nas execuções

nos EUA.

A concentração em potássio interfere na transmissão dos sinais nervosos, o que leva à

paralisia muscular. No músculo cardíaco, isso significa tempo de inatividade e morte.

Pérfido no cloreto de potássio é sua detetabilidade, já que um envenenamento proposital

dificilmente pode ser comprovado. O nível natural de potássio geralmente aumenta logo

após a morte. Sendo assim, um caso de morte por parada cardíaca, em uma pessoa com

coração obviamente íntegro, deve causar suspeitas.

Diazepam – „Mother's little helper“ ou „mother's hell“? Os distúrbios do sono estão entre as queixas mais comuns. Insônia no Brasil atinge 73

milhões de pessoas, segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS), então o uso de

pílulas para dormir é muito difundido e o risco de abuso destes medicamentos é muito

alto. Estima-se que um terço de todos os casos de intoxicações são causados por

remédios para dormir – incluídos os suicídios e overdoses propositais.

Os auxiliares de sono mais conhecidos são barbitúricos, benzodiazepínicos e agonistas

de benzodiazepínicos. Kurt Tucholsky, Stefan Zweig, Marilyn Monroe e Judy Garland -

todos morreram de uma overdose de barbitúricos.

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13

O

O

O

O+

NH2

NH2

OC2H5O

- Na+ NH

NH

O

O

O + 2 C2H

5OH

NH

NH

O

O

OH

H

- H+

+ H+

NH

NH

O

O

OH

NH

NH

O–

O

OH

NH

NH

O

O–

OH_

Em cima: Síntese do ácido barbitúrico, substância mãe dos Fig 5

tranquilizantes mais consumidos. Em baixo: equilíbrio ácido-base.

O ácido barbitúrico é evidentemente o produto de condensação, entre um diácido (ácido

malônico, por exemplo) e ureia. O valor pKa deste composto é 4.01, pois seu ânion

(barbiturato) é estabilizado pela deslocalização da carga negativa (Fig 5 em baixo).

Não só as mortes das pessoas famosas mencionadas acima exigiram alternativas aos

barbitúricos, até que uma nova classe de substância entrou no cenário farmacêutico. Em

1961 o grupo de pesquisa liderado por Leo Sternbach produziu pela primeira vez um

benzodiazepínico chamado de diazepam [11], que foi lançado em 1963 pela Hoffmann-

La Roche (Fig 6) – seu nome comercial: Valium®.

O sonífero diazepam e seu antídoto. Fig 6

O alvo das benzodiazepinas são os receptores GABAA, responsáveis por reduzir a

excitabilidade das células-alvo no sistema nervoso central. O ligante natural para os

receptores GABAA é o neurotransmissor ácido γ-aminobutírico (GABA). As

benzodiazepinas aumentam o efeito do GABA por ligação às subunidades α e γ,

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14

aumentando assim a afinidade entre GABA e o receptor. Isso implica que os

benzodiazepínicos somente podem aumentar o efeito, do GABA já existente.

Ao contrário das benzodiazepinas, os barbitúricos (Fig 5) ativam os receptores GABAA

por conta própria, portanto são narcóticos em altas doses, incluindo paralisia respiratória

e morte.

Todas as benzodiazepinas se caracterizam por um anel de sete membros, com dois

heteroátomos de nitrogênio e a condensação com um anel benzênico. As substâncias

têm nomes tais como clorodiazepóxido, diazepam ou lorazepam e tornaram-se

conhecidos sob os nomes comerciais, tais como Librium®, Valium

® ou Tavor

®. Uma

dose típica é de 5 mg, no caso do lorazepam até menos. Isto representa mais uma

vantagem sobre os barbitúricos, que agem em dosagem típica de 100 mg.

O derivado da imidazo-benzodiazepina conhecido como ―flumazenil‖ (Fig 6) é um

antagonista e pode ser usado como antídoto das benzodiazepinas. Ele se liga com alta

afinidade aos sítios de ligação das benzodiazepinas, de modo que o receptor fica

ocupado, mas não tem efeito de ativação sobre o receptor GABAA. O flumazenil anula

assim os efeitos das benzodiazepinas.

Quando é indicada a administração de tranquilizantes? Certamente em casos de reações

nervosas pronunciadas patológicas, mas também para severa insônia, bem como

ansiedade e irritabilidade - sintomas que aumentaram muito como resultado da rápida

mudança nas condições de vida da civilização moderna. Na sala de parto, no leito de

morte ou antes de uma cirurgia, os benzodiazepínicos tornaram-se padrão. Os Rolling

Stones chegaram a debater os benzodiazepínicos em 1966 na sua música "Mother's little

helper".

Tranquilizantes não podem ser uma solução a longo prazo, pois não resolvem as causas

dos disturbios nervosos, ao invez disso, causam dependência mental e física, então

criam mais problemas para o paciente [12]. A expectativa à eficácia das

benzodiazepinas também foi alimentada com slogans publicitários pelas empresas

farmacêuticas. Na década de 1980, por exemplo, com frases tais como:

"O medo está na mesa de conferência",

"Todo lugar é o medo na agenda" ou

"Óculos de sol para a psique".

Para muitos dependentes da benzodiazepina sua carreira de dependência começou como

paciente no hospital, onde foram acalmados regularmente por esta droga. Após sua

baixa do hospital não queriam mais desistir dos produtos que proporcionavam-lhes um

descanso tão confortável, então pedem mais receitas de benzodiazepínicos ao seu

médico particular. A retirada é demorada e às vezes mais difícil do que a abstinência

dos opiáceos (ver abaixo). Sendo assim, o pequeno ajudante se transformou em pequeno

diabo.

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15

Cafeína – nossa droga preferida Tanto a substância ativa do café, como a do fumo são representantes da família dos

alcaloides. Entendemos por alcaloides todos os compostos de baixa massa molecular

contendo nitrogênio que são de origem vegetal e mostram atividade fisiológica.

A cafeína é um alcalóide, especificamente um alcalóide de purina, do grupo das

xantinas. Pertence às substâncias psicoativas com efeito estimulante. Ela pode ser

extraída de diversas plantas e entra em nossa casa em forma de chá, cola, mate, guaraná,

bebidas energéticas e (em menor quantidade) cacau. A cafeína é a substância

farmacologicamente ativa mais consumida pelo homem.

Na forma quimicamente pura, a cafeína é um pó branco, inodoro e cristalino (agulhas

finas), com sabor amargo.

Os dados físicos e toxicológicos da cafeína. Fig 7

A cafeína substitui a acetilcolina nos receptores e faz com que estes continuem

transmitindo o sinal.

Sua descoberta data na primeira metade do século 19 e contribuíram personalidades, tais

como F. Runge, P.S. Sabatier, J. von Liebig, E. Fischer – até o poeta J.W. von Goethe

aparece na sua história...

A cafeína é o principal ingrediente ativo do café. Além das sementes do cafeeiro, como

hoje sabemos, também ocorre em mais de 60 outras plantas, como o arbusto do chá, o

guaraná, o arbusto mate e a noz de cola. Os compostos quimicamente relacionados à

cafeína, teofilina e teobromina, também são encontrados em numerosas espécies de

plantas. Os grãos de café não torrados contêm cerca de 0,9 a 2,6% de cafeína,

dependendo da variedade; após a torrefação permanecem 1,3 a 2,0%. Folhas de chá

fermentadas e secas, o chamado ―chá preto‖, contêm - assim como o chá verde não

fermentado - cerca de 3 a 3,5% de cafeína. Por muito tempo se acreditou em diferentes

substâncias ativas, no café e no chá. Na verdade, trata-se apenas de diferente liberação

do alcalóide no organismo humano: cafeína do café é ligada a um complexo de

potássio-ácido clorogênico, liberada depois de torrado e em contato com o ácido

gástrico, o que causa efeitos psicoativos imediatos. A cafeína do chá, no entanto, está

ligada aos polifenóis, o alcalóide é liberado apenas no intestino. O efeito ocorre depois e

dura mais tempo.

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16

Em plantas (especialmente nos brotos desprotegidos), ela age como um inseticida

anestesiando ou matando certos insetos. [13].

A cafeína pode ser obtida por extração de folhas de chá ou grãos de café, por exemplo,

com um acessório Soxhlet. É produzido em grandes quantidades na descafeinação

industrial do café, usando como extratante diclorometano, acetato de etila ou dióxido de

carbono supercrítico. Além disso, a cafeína é produzida industrialmente, principalmente

pela síntese de purinas segundo Traube. O processo se estende sobre várias etapas

partindo de ácido cianoacético e ureia. As etapas-chaves desta síntese são mostradas na

Fig 8.

Etapas-chaves da síntese da cafeína segundo Traube [Fonte: Fig 8

https://de.wikipedia.org/wiki/Traubesche_Synthese]

As primeiras aplicações médicas foram: estimulante, diurético e tratamento de

problemas respiratórios em asma brônquica.

Embora a cafeína tenha um espectro relativamente amplo de atividade, ela é

principalmente um estimulante em baixas doses. De acordo com um novo estudo, a

cafeína não deve apenas aumentar a capacidade de concentração, melhorar a vigilância

e atenção e aumentar a velocidade dos processos de pensamento, mas também melhorar

a memória de longo prazo. [14] O efeito da cafeína se explica ao nível celular da

seguinte forma:

No estado de vigília, as células nervosas trocam substâncias mensageiras e consomem

energia (ATP). Isso cria adenosina (ADP) como um subproduto. Uma das tarefas da

adenosina é ser regulador, com finalidade de proteger o cérebro de "esforço excessivo".

Ela se liga a certos receptores nas vias nervosas. Se a adenosina estiver ligada, é um

sinal para a célula trabalhar um pouco menos. Quanto mais ativas as células nervosas,

mais adenosina é formada, mais receptores ficam ocupados e então maior o efeito

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retardador. As células nervosas funcionam mais devagar. A cafeína é semelhante à

adenosina na sua estrutura química e ocupa os mesmos receptores, mas não os ativa. A

adenosina não pode mais atracar, e os nervos não recebem sinal - então continuam a

trabalhar em alto nível, mesmo com o aumento da concentração de adenosina. Os

receptores de adenosina são competitivamente inibidos pela cafeína.

A cafeína é metabolizada no fígado em três metabolitos primários. Fig 9

Quando uma pessoa toma altas doses de cafeína por um longo período de tempo, as

células nervosas mudam. Eles respondem ao sinal de adenosina ausente e formam mais

receptores, de modo que novamente as moléculas de adenosina podem se ligar aos

receptores. As células nervosas funcionam mais devagar. O efeito estimulante da

cafeína é, portanto, muito limitado. Depois de apenas 6 a 15 dias de forte consumo de

cafeína, essa tolerância se desenvolve.

A administração de uma overdose de cafeína (doses de mais de 1 g em seres humanos

adultos) causa sintomas de ansiedade e agravamento, pulso extremamente acelerado e

extrassístoles; como tratamento de emergência pode ser dado carvão, verapamil ou

diazepam.

O LD50 oral para um rato é 381 miligramas por quilograma. Nos seres humanos, a dose

letal é de cerca de 10 gramas de cafeína (5-30 g), o que equivale a cerca de 100 xícaras

de café.

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Nicotina - pena de morte para fumantes No século XVI, o café e o tabaco conquistaram a Europa. Em 1560, S. Nicot, médico

francês e embaixador na corte portuguesa, levou a planta de fumo para a França, onde

recebeu o nome de Nicotiana tabacum. Em 1586, colonos ingleses trouxeram tabaco

para o cachimbo da Virgínia para a Inglaterra. Nos anos seguintes, o tabaco foi

cultivado em muitos países da Europa ocidental e da Turquia. Em parte, o consumo de

tabaco foi fortemente perseguido; o sultão turco Murad IV, por exemplo, colocou o

fumo sob pena de morte, derrubou as casas de fumaça e foi dito ter viajado incógnito

para rastrear os fumantes [15]. Até hoje existem casos extremos contra os

consumidores: o atual presidente filipino, Rodrigo Duterte, quando era prefeito de

Davao supostamente forçou turistas ocidentais a comerem seu cigarro por desobedecer a

lei anti fumante.

Os dados físicos e toxicológicos da nicotina. Fig 10

A nicotina ativa o parassimpático e inibe os nervos simpáticos em sua

atividade; Isso aumenta a pressão arterial e desempenho psicomotor, reduzindo

o apetite.

O tabagismo se espalhou mais e mais depois da Primeira Guerra Mundial na Europa

ocidental, uma vez que a produção por máquinas reduziu significativamente o preço do

cigarro.

A China tem agora cerca de 300 milhões de fumantes que consomem mais de dois

trilhões de cigarros por ano, o que equivale a cerca de 18 cigarros por dia e por fumante.

A China detém assim o recorde mundial.

Enquanto no passado o cigarro simbolizava o cheiro de liberdade e aventura, os

fumantes do mundo ocidental hoje caíram na defensiva. O número de fumantes caiu

40% no Brasil nos últimos 12 anos. Uma pesquisa do Ministério da Saúde mostra que as

pessoas com o hábito de fumar passaram de 15,6% da população em 2006, para 9,3%

em 2018. Mesmo assim, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil

ainda ocupa o oitavo lugar no ranking de número absoluto de fumantes, com cerca de 11

milhões de homens sete milhões de mulheres.

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19

Tab. 6 Tabagismo na população acima de 18 anos no Brasil entre 1989 e 2013

(Fonte: https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-

do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo)

Percentual de tabagismo na população acima de 18 anos no Brasil

Pesquisa Ano Total Homens Mulheres

Pesquisa Nacional sobre Saúde e

Nutrição

1989 34,8% 43,3% 27,0%

Pesquisa Mundial de saúde 2003 22,4% 27,1% 18,4%

Pesquisa Especial de Tabagismo 2008 18,5% 22,9% 13,9%

Pesquisa Nacional de Saúde 2013 14,3% 18,8% 11,0%

O tabaco pronto ao consumo contém 20% de cinzas, 11% de celulose, 9,5% de pectinas,

9% de ácido oxálico, além de ácido málico, resinas, ácido cítrico e gordura. Para tornar

o sabor ainda mais agradável ao consumidor, são adicionados cloreto de amônio (que

aumenta a liberação de nicotina), açúcar, alcaçuz, café, chá, cacau e amido. A nicotina

realmente viciante ocorre apenas em 1 a 2%. Quando a planta amadurece, a substância

migra para as folhas como inseticida natural. Um cigarro contém cerca de 65 mg de

nicotina pura. Quando o fumo queima (500 a 900 °C na zona de combustão), muitas

substâncias do tabaco são convertidas em até 10.000 substâncias diferentes, às vezes

perigosas (polifenóis e aromáticos policíclicos).

Ao inalar o fumo do tabaco, a nicotina entra no cérebro dentro de 10 a 20 segundos. Ali,

estimula os receptores nicotínicos da acetilcolina. Esta nicotina ativa os nervos

parassimpáticos e inibe os nervos simpáticos em sua atividade. A nicotina, portanto,

promove a liberação de adrenalina, dopamina e serotonina, aumenta a pressão arterial,

acelera o batimento cardíaco e o desempenho psicomotor, ao mesmo tempo reduz o

apetite. Como antídotos servem sulfito de sódio, mas também carvão ativado e atropina.

A retirada da nicotina, no entanto, leva à irritabilidade, inquietação e mau humor. No

entanto, após três semanas de abstinência, nenhuma alteração mensurável nos receptores

de acetilcolina pode ser detectada. Quando a retirada do cigarro bem sucedida, o

comportamento de fumar aprendido, a rotina de fumar em certos momentos e/ou

ocasiões, deve ser abandonada – o que não é fácil. A administração de nicotina por meio

de adesivos ou chiclete, contendo a dose de 2 a 4 mg de nicotina, pode reduzir os

sintomas de abstinência, mas infelizmente não melhora a probabilidade da abstinência

permanente bem-sucedida [16].

Até recentemente, o consenso geral era de que a nicotina seja mais tóxica que o cianeto

de arsênico ou de potássio [17]. A dose tóxica de 60 mg para os seres humanos foi posta

pela primeira vez no mundo profissional por R. Kobert em 1906 e usada sem

controvérsia em todas as outras fontes especializadas. Isto corresponde a um valor de

LD50 para humanos de 0,85 mg/Kg. O próprio Kobert referiu-se a uma experiência

própria, mencionada em 1856 em um livro de farmácia. O fato de uma dose de 4 g de

nicotina ter sobrevivido em 1931 não incomodou tanto a opinião toxicológica geral

quanto o valor de LD50 para ratos, que é de pelo menos 50 mg/Kg. Enfim, 108 anos se

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passaram antes que a toxicidade dos seres humanos em 2006 fosse questionada pelo

toxicologista austríaco Bernd Mayer. Uma dose letal de cerca de 500 mg para humanos

(correspondendo a um valor de LD50 de cerca de 7 mg/Kg) parece ser verdadeira [18].

A toxicidade obviamente menor da nicotina não é motivo para os fumantes ficarem

tranquilos. Os aromáticos policíclicos e as nitrosaminas na fumaça do tabaco

representam um risco carcinogênico tão elevado que o fumo é o ponto inicial de estudos

em pelo menos 270.000 novos cânceres por ano na Itália, Espanha, Reino Unido,

Holanda, Alemanha, Suécia e Dinamarca [19].

Fentanyl - coquetel da morte para o príncipe pop Paracelso havia introduzido, pouco depois de 1500, o ópio analgésico na Farmacopéia

Européia e chamava-o de Laudanum (= remédio recomendável). F. Sertürner conseguiu

isolar a morfina a partir do ópio natural em 1806. O nome ―mofina‖ foi escolhido de

acordo com o deus grego dos sonhos.

Além dos opiáceos, que podem ser obtidos diretamente do ópio (natural), há também o

termo opióide, que abrange tanto substâncias naturais como sintéticas que podem

atracar aos receptores opióides e assim mostram efeito analgésico, como metadona,

tramadol ou fentanil (Fig 11).

Opióides em comparação. Fig 11

a) Opioides têm efeito analgésico, alguns também são usados como anestésicos.

b) Similaridade estrutural dos opióides morfina e fentanil.

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A aplicação medicinal da morfina é para sedação de dores muito severas. A ocupação

dos receptores opióides reduz a transmissão da dor, da medula espinhal ao cérebro. Isso

afeta assiduidade e concentração do paciente. Especialmente a elevação rápida do nível

da droga através da administração intravenosa causa um delírio, que por sua vez

representa uma entrada ideal para uma carreira viciosa: o desejo de reviver a euforia da

primeira vez é acompanhada pelo desenvolvimento de maior tolerância frente à droga

são os dois fatores que levam ao consumo cada vez mais alto.

Uma dose de morfina não retardada faz efeito por cerca de 4 horas. Observem-se

sintomas de abstinência em consumidores habituados com a ingestão crônica e

excessiva de morfina, que não são nada agradável: grande ansiedade, insônia, grande

agitação, em seguida náusea, indigestão severa, tremores e calafrios. Tudo o que foi

retido com morfina volta com violência, visualizado por exemplo, no filme

―Trainspotting‖ de 1996. Depois de alguns dias, o fantasma acabou.

A morfina é a substância de referência para determinar a potência analgésica de uma

substância e recebe o valor 1. Hoje existe uma variedade de derivados da morfina. A

tendência em geral é quanto mais potente como analgésico, maior a toxicidade e a

dependência física e psicológica. Todavia, o uso apropriado dos opióides é uma bênção

para o homem.

De acordo com OMS um paciente com cancro deve receber os analgésicos por via oral,

de acordo com um calendário de tempo fixo, a uma escala fixa (não-opióide de opióides

fortes), mas em doses adaptadas às necessidades. Assim, um paciente com tumor

experimenta a eliminação da dor pelos analgésicos opióides como um grande alívio,

mas não como uma mudança no estado mental. Pacientes com dor crônica, portanto,

mesmo após prolongado tratamento desta forma, raramente desenvolvem dependência

psicológica [20].

Os opióides sintéticos, tal como a metadona, compartilham um elemento estrutural

comum com a morfina: o segmento N'N'-dimetilbutilamina (destacado na Fig 11). A

naloxona é um antagonista opiáceo que elimina os efeitos dos opióides.

Uma nova dimensão de potência analgésica foi alcançada em 1960 com a síntese de

fentanil, pelo químico belga P.A. Janssen (1926-2003; o fundador da Janssen AG). A

potência analgésica é cerca de 125 vezes maior que na morfina. Por conseguinte, os

benefícios (alívio da dor) e desvantagens (depressão respiratória, sedação, dependência)

em comparação com a morfina são mais fortes, de modo que a dosagem requer muito

cuidado. Muitas vezes, a substância é administrada por via transdermal, usando

adesivos.

O efeito do fentanil, que também tem um efeito calmante, começa dois a cinco minutos

após a administração intravenosa e dura por 30 a 60 minutos. A dose eficaz para

administração intravenosa é de 1 a 5 μg/Kg, a dose letal é de 3 mg/Kg. Uma

sobredosagem causa a morte devido a paralisia respiratória. O problema do fentanil: ele

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22

é lipossolúvel, então pode ser acomodado no tecido adiposo e liberado de lá de forma

descontrolada.

A síntese do fentanil requer considerável perícia, equipamentos e produtos químicos

especiais que são inacessíveis para o fabricante ilícito de drogas. Portanto, o fentanil

desempenha apenas um papel menor no cenário das drogas. Devido ao forte efeito

opióide do fentanil, sua dosagem correta é de suma importância – difícil de realizar com

um produto do mercado negro, de pureza duvidosa. Em janeiro de 2014, houve pelo

menos 22 mortes relacionadas a esta droga em Pittsburgh.

O famoso cantor Prince teve que lutar com sequelas no joelho e no quadril,

remanescentes das suas danças artísticas. Durante anos foi tratado opióides. Uma

overdose acidental de fentanil causou sua morte em abril de 2016 – um choque para os

fans. Mais tarde, pacotes de drogas foram encontrados na sua propriedade, rotulados

como hidrocodona. De fato, os comprimidos continham o fentanil, quase 1.000 vezes

mais forte.

Carfentanil é um derivado do fentanil e tem até 5.000 vezes a potência analgésica da

morfina. Na medicina humana, portanto, o carfentanil não é usado, mas apenas para o

atordoamento de animais de grande porte. Com uma injeção intramuscular de cerca de

20 μg/Kg, um urso polar é anestesiado após cinco minutos. Os anestésicos quase sempre

usam um adjuvante para reduzir a dose e evitar uma depressão respiratória. Em outubro

de 2002, um aerossol de Halothan e Carfentanyl foi provavelmente usado para resgatar

800 reféns no Teatro Dubrovka, em Moscou. Nesta ação 129 reféns foram mortos.

Parece que a exposição dos reféns à droga foi descontrolada; ao mesmo tempo, os

hospitais estavam preparados para ferimentos a bala, mas não para envenenamento.

Remédio, droga ou veneno? Neste lugar, tentamos resumir os efeitos das substâncias psicoativas, sob a luz da sua

toxicidade. Especialmente interessante é olhar na dose que causa efeito (LOEL; ver Tab.

2), em relação à dose letal (LD50). É evidente que quanto maior este valor, mais

perigoso é o uso da droga por leigos. Outro aspecto é o efeito de memória que a droga

causa no organismo humano, ou seja, com que facilidade causa vício. A Fig 12 mostra

as duas qualidades; podemos afirmar que o potencial de perigo aumenta para cima e

para a direita.

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23

Comparação do potencial de dependência e razão entre a dose usual e Fig 12

letal de várias substâncias psicoativas. [Fonte:

https://de.wikipedia.org/wiki/Coffein]

A tabela periódica é venenosa! No seu livro ―The Elements of Murder — A History of Poison‖ (―Os Elementos do

Assassinato — Uma História do Veneno‖; inédito no Brasil), John Emsley mostra um

lado mais negro da tabela periódica e elege os 5 elementos químicos mais perversos:

mercúrio, arsênio, chumbo, antimônio e tálio. Por que esses 5? Porque, além de serem

mortais, não fazem parte da seleta lista de 25 elementos essenciais à manutenção da

vida. A única possível exceção é o arsênio: o júri ainda está indeciso quanto a ele. Por

outro lado, também há elementos que são tanto essenciais quanto altamente tóxicos em

dose elevada, tais como o flúor, o selênio e o cromo.

Embora as propriedades maléficas de algumas substâncias sejam conhecidas há

milênios, foi somente com o avanço da química que se estabeleceu uma distância segura

de determinados venenos. Em alguns casos, isso só aconteceu no final do século 20. Até

lá, todo mundo passava soluções de mercúrio em feridas abertas na pele. Um pouco

antes, latas de alimentos em conserva eram soldadas com chumbo. E médicos

receitavam loções de arsênio para tratar dores lombares.

Antimônio

O antimônio (Sb) é um semi-metal do grupo V. Existem tanto modificações metálicas

como não metálicas. O composto de antimônio mais usado em envenenamentos é o

tártaro emético — ou tartarato duplo de antimônio e potássio —, que vem em forma de

cristais hidrossolúveis.

O antimônio é usado em eletrodos de baterias de automóveis, compõe ligas metálicas e

ainda pode servir como matéria-prima de determinados tipos de vidro.

Compostos de antimônio sempre foram usados na indústria farmacêutica. E ainda são: o

tratamento da leishmaniose (doença parasitária que causa úlceras na pele) depende de

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remédios antimoniais. Na Idade Média, era muito popular o uso de uma certa ―pílula

eterna‖ de antimônio metálico para combater a prisão de ventre. Uma bola de antimônio

era engolida e irritava as paredes intestinais da pessoa, acabando com qualquer

constipação. Em seguida era recolhida, lavada e guardada para problemas futuros - e

passada para as gerações seguintes.

Dose letal: Uma pessoa pode morrer com 120 mg, desde que tudo isso seja absorvido

pelo corpo - algo muito improvável. Dificilmente alguém morre por tomar uma única

grande dose de antimônio, pois o organismo a expele antes de o efeito ser fatal. São

mais comuns as mortes por muitas doses pequenas.

Réquiem para Mozart: A morte do compositor W.A. Mozart, ocorrida em 1791, nunca

foi plenamente esclarecida. Há teorias conspiratórias sobre um suposto envenenamento

criminoso — o também músico Antonio Salieri, seu rival na corte de Viena, chegou a

confessar o assassinato, mas sofria de demência senil e poucos acreditam nessa hipótese

hoje. Segundo o farmacêutico Ian James, Mozart morreu por envenenamento acidental.

Culpa do pó de antimônio que lhe receitaram para tratar o que fora diagnosticado como

―melancolia‖. Ian diz que todos os sintomas dos últimos dias de Mozart condizem com

essa teoria: febre alta, vômitos violentos, inchaço dos membros, hálito pestilento e

erupções cutâneas. Ironicamente, um quadro como esse era tratado na época com

remédios à base de antimônio.

Chumbo

O chumbo (Pb) é um dos metais mais úteis para a humanidade - é maleável, abundante,

resistente à corrosão. Mas também é um veneno poderoso. O envenenamento ocorre

pela água transportada em canos de chumbo, por tintas à base desse metal e outros

compostos plúmbeos.

Como mata: O chumbo é um veneno que se acumula no organismo humano -

especialmente nos ossos. Ele interfere na produção de sangue, no sistema nervoso e no

funcionamento dos rins. Os sintomas da intoxicação incluem insônia, alucinações,

cegueira, obstrução intestinal e coma.

O chumbo serve para uma infinidade de coisas: da produção de baterias a soldas, de

munição a pesos para pescaria, somente para mencionar as mais triviais.

Na medicina: Loções contendo chumbo eram tratamento para males como tuberculose,

sangramentos genitais e lesões na pele. Por serem de uso externo, não ofereciam grande

risco. Até hoje, algumas tinturas capilares contêm chumbo - nada funciona tão bem

contra cabelos grisalhos.

Dose letal: A tolerância ao chumbo varia de acordo com o indivíduo - e são raros os

casos de morte por dose única. É consenso que uma pessoa com mais de 80 mg do

metal por 100 ml de sangue está gravemente envenenada.

Embriaguez venenosa: O chumbo tem envenenado a humanidade desde a invenção de

duas coisas complementares: a cerâmica e o vinho. Potes de cerâmica costumavam ser

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envernizados com produtos à base de chumbo. Esse verniz reage com o vinho,

resultando numa substância chamada acetato de chumbo. Também chamado de ―açúcar

de chumbo‖, esse produto é - como seria de se esperar - doce. Por isso e por ajudar a

conservar o vinho, o acetato de chumbo era adicionado de propósito à bebida no

Império Romano. E a elite de Roma tomava vinho como se fosse água. Isso, segundo

John Emsley, provavelmente era a causa do comportamento alucinado de imperadores

como Calígula e Nero. Nos séculos posteriores, esse tipo de envenenamento continuou a

atacar os bebedores de vinho - porém de forma acidental. Ou pela má fé de gente que

usava o produto para disfarçar vinho de má qualidade.

Arsênio

Quando se fala popularmente do arsênio, muitas vezes não se trata do elemento semi-

metálico, mas do seu óxido, As2O3. Então é melhor falar em arsênico ou até arsênico

branco. É o clássico dos venenos (Fig 13). Foi usado na antiguidade para eliminar

príncipes, parentes ricos ou inimigos, sem deixar rastro. A maioria dos famosos

assassinatos de envenenamento da história, seja pelos príncipes renascentistas da Itália

ou pela corte imperial de Bizâncio, foram cometidos com arsênico. Enquanto no início

do século 19, provavelmente, mais de 90% do envenenamento foi feito por arsênico, a

introdução da prova de arsênio segundo James Marsh, em 1836, tornou a vida cada vez

mais difícil para os envenenadores.

A detecção deste elemento é baseada na facilidade de reduzir o arsênico na presença de

agentes redutores fortes. Para este efeito, uma amostra da substância a analisar num

tubo de ensaio com ácido clorídrico e um pedaço de zinco adicionado. Um pouco de

sulfato de cobre acelera a reação formando um elemento local nas partículas de zinco. O

hidrogênio nascente provoca a seguinte reação:

As2O3 + 6 Zn + 12 H+ → 2 AsH3 + 6 Zn

2+ + 3 H2O

O hidreto AsH3, também conhecido como arsina, se decompõe no calor. É, portanto,

descarregado por meio de um bujão e um tubo de vidro esticado até a ponta fina e

queimado junto com o hidrogênio que escapa. Por cima desta chama se coloca uma

porcelana resfriada, então qualquer arsênio contido na amostra se precipitará como um

espelho de metal distinto. Embora o antimônio e o raro germânio também formem este

espelho, eles não se dissolvem como o arsênico, ao tratá-lo com uma solução de

peróxido de hidrogênio amoniacal.

O arsênio, elemento do grupo V, é encontrado em minérios de cobre e de chumbo.

Apesar de ser obtido exclusivamente como subproduto na extração de outras

substâncias, existe uma superprodução global de arsênio.

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Arsênico (branco) e seu antídoto, dimercaprol, também conhecido como Fig 13

BAL

O valor de LD50 para ratazanas é de 14,6 mg/Kg. Contudo, 100 mg é considerado letal

para humanos, o que corresponde a um valor de LD50 de 1,4 mg/Kg (para o arsénio

elementar, o valor de LD50 para ratazanas é somente de 763 mg/Kg).

O arsênico age no corpo em competição com o fósforo, que também está no 5º grupo

principal da tabela periódica. O arsênico intervém na glicólise, na degradação da

glicose, e interrompe a extração do mais importante transportador de energia orgânica

ATP. Além disso, o arsênico pode bloquear uma variedade de enzimas e proteínas que

contêm grupos tiol.

O envenenamento agudo manifesta-se dentro de 2-3 horas em distúrbios

gastrointestinais maciços e dor severa. Após uma recuperação aparente, a dor muda para

as extremidades e a fraqueza física aumenta constantemente. A morte ocorre dentro de 1

a 3 dias. A terapia utilizada é o 2,3-dimercaptopropanol (BAL = British Anti Lewisite).

Pode desintoxicar 20 vezes a dose letal. Foi desenvolvido por químicos britânicos em

1940 como antídoto / antídoto para o agente Lewisite de arsénio. A dose é de 3 mg/Kg.

Mais moderno e melhor compatível é o sulfonato DMPS (ácido dimercaptossuccínico).

Outras medidas incluem a lavagem gástrica, o uso de carvão ativado e a compensação

da perda de água e eletrólitos causada pela intoxicação aguda por arsênico.

Além de seus efeitos tóxicos, o arsênico era realmente usado como um tônico nos

tempos antigos. Especialmente nos Alpes, no século 19, havia mais comedores de

arsênico entre os guardiões da floresta, guias turísticos e lenhadores que estavam

acostumados a polvilhar pequenas doses de 2 mg em seu pão ou bacon. Curiosamente, a

dose foi aumentada ao longo do tempo até 500 mg, o que é várias vezes a dose

normalmente letal. A retirada do arsênico levou a sintomas de abstinência, como

cansaço.

Até a década de 1940, o arsênico estavam disponível na farmácia contendo 1 mg de

arsênico por comprimido. Os comerciantes de cavalos também usavam arsênico - para

dar aos animais magros uma aparência saudável e viva.

Hoje, o arsênico é considerado cancerígeno. Existem três teorias principais de

carcinogênese induzida por arsênico: mutação cromossômica, formação de radicais

livres durante a absorção de arsênico e promoção da carcinogênese.

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27

Um estudo mostrou que o arsênio pode causar câncer mesmo depois de mais de 40

anos. Na cidade de baixa precipitação de Antofagasta, no norte do Chile, dois rios com

alta poluição por arsênico foram usados para o abastecimento de água potável. O litro

continha uma média de 0,6 mg de arsênico. Embora o arsênico tenha sido removido da

água desde 1971, a incidência de câncer de bexiga foi cerca de cinco vezes a do câncer

de pulmão e cerca de três vezes maior do que o normal entre 2001 e 2010 [21].

E ainda uma curiosidade: No século 19, a Inglaterra desenvolveu uma compulsão por

decorar suas casas com papéis de parede. Esses papéis eram coloridos com arsênio —

em especial os padrões florais, em que um pigmento chamado ―Verde de Scheele‖

reinava onde quer que se desenhassem folhas. Quando expostos à umidade, esses papéis

de parede viravam culturas de um bolor que exalava trimetilarsina — um gás fatal.

Embora não haja números exatos sobre mortes e doenças, uma nação inteira foi

envenenada: estima-se que, por volta de 1860, os lares britânicos somavam 250 km2 de

papéis de parede com arsênio [22].

Tálio

A descoberta do tálio (Tl) é relativamente recente: o químico inglês William Crookes o

batizou assim em 1861 porque, ao ser queimado na chama do bico de Bunsen, o

elemento produz uma chama de verde vivo como o de um broto verde. ―Thallos‖ em

grego ou, em português vulgar, talo.

O tálio geralmente é encontrado na forma de sais. Os mais comuns são o sulfato de

tálio, pesticida muito usado em outras épocas contra ratos e baratas; outro é o acetato de

tálio, que compunha alguns cremes e loções para eliminar pêlos corporais indesejados.

Dentro do nosso corpo, os íons de tálio ―se fazem passar‖ por potássio - elemento

essencial para o organismo. Eles se instalam nas células, cujo funcionamento é

prejudicado. Isso ocorre principalmente no sistema nervoso: o resultado é insônia,

depressão profunda e desejo de morrer. O tálio também ataca os testículos e o coração, e

causa paralisia muscular.

O uso dos compostos de tálio é restrito à produção de objetos muito específicos, como

lentes especiais e células fotoelétricas. Na medicina era usado como agente

―descabelante‖; o tálio fez muito sucesso no século 19 no tratamento da tinea, um tipo

de micose cutânea. Ainda hoje, isótopos radioativos de tálio são empregados no

diagnóstico de doenças cardíacas.

Dose mortal para humanos: 800 mg.

O livro da salvação: Como o envenenamento por tálio é muito raro e seus sintomas se

confundem com os de outras doenças, é comum que os médicos façam ―n‖ exames e

não consigam identificá-lo. Foi isso o que ocorreu com uma menina de 19 meses

atendida, em 1977, no hospital Hammersmith de Londres. Por sorte, havia na equipe

uma enfermeira que lera o romance ―O Cavalo Amarelo‖, de Agatha Christie. O livro

menciona que o tálio causa queda de cabelos e a enfermeira, ao notar esse sintoma na

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criança, que já havia tentado todos os recursos médicos disponíveis no seu Catar natal,

chamou a atenção dos médicos. Não deu outra: a menina vinha atacando a ração de tálio

que a família usava para acabar com ratos e baratas da casa.

Mercúrio

O mercúrio (Hg) é o único metal que é sempre líquido em temperatura ambiente, ele

congela a 39 graus negativos. A principal fonte do metal é um minério chamado

cinabre, de cor vermelha escura e, portanto, usado como pigmento, com fórmula

idealizada HgS.

O mercúrio líquido tem um ponto de ebulição de 356,6 °C e alta pressão de vapor. O ar

saturado com mercúrio contém 15 mg/m3, que é trezentos vezes maior do que o valor de

VLE (0,05 mg/m3). Essa concentração é suficiente para causar intoxicação crônica,

cujos sintomas são dor de cabeça, sangramento nas gengivas e distúrbios nervosos. A

situação é diferente quando engolido mercúrio líquido. Devido à alta tensão superficial,

o mercúrio líquido tende a coalescer em gotículas maiores, de modo que a superfície é

muito pequena em comparação com a quantidade. Em ratos, portanto, apenas 0,01% do

mercúrio líquido foi absorvido pelo organismo. Isso reduz a toxicidade do mercúrio

ingerido.

Termômetros e restaurações dentárias são aplicações bem conhecidas para o mercúrio.

Um impacto do amálgama dentário, uma liga principalmente de Ag e Hg, na função

cognitiva não foi demonstrado em estudos epidemiológicos [23], mas os níveis urinários

de mercúrio mostraram aumentar com o amálgamas na boca. Enquanto o termômetro

clínico costumava ser a fonte clássica de mercúrio em casa, hoje é acima de tudo a

lâmpada fluorescente. Nas lâmpadas LED não há mais mercúrio.

Na medicina o uso de sais de mercúrio era amplo. A partir do século 16, remédios à

base de mercúrio eram usados contra a sífilis; como o metal se acumula no cabelo do

paciente, até hoje é possível examinar os fios e especular se o seu dono era ou não

sifilítico (entre os suspeitos, estão Napoleão e o rei Henrique VIII da Inglaterra). No

Brasil, antissépticos com mercúrio na fórmula (por exemplo, ―Mercuriocromo‖, um

composto de fluoresceína e mercúrio que age contra herpes) só foram banidos na década

de 1990.

O caráter nobre do mercúrio torna seus compostos solúveis sendo oxidantes fortes e

corrosivos. Além disso, o mercúrio tem uma afinidade extrema pelo enxofre. No corpo,

os íons de mercúrio reagem muito facilmente com ligações livres de proteínas e atuam

como bloqueadores de enzimas.

É preciso distinguir o envenenamento por mercúrio, quer agudo ou crônico. O

envenenamento agudo é principalmente causado por compostos de mercúrio

inorgânicos. O cloreto de mercúrio (I), da fórmula Hg2Cl2, também chamado de

calomelano (livre tradução: belo preto), é pouco solúvel em água (2,3 mg/L) e era usado

anteriormente como laxante ou para o tratamento da inflamação na garganta. Devido à

baixa solubilidade, o valor de LD50 é de 210 mg/Kg. Na luz, o calomelano, que por si é

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branco, se torna rapidamente preto, já que mercúrio metálico se separa com o tempo

(desproporcionamento).

O cloreto de mercúrio (II) é prontamente solúvel (74 g/L de água), o chamado

―sublimado‖, é altamente tóxico e corrosivo. A LD50 é de apenas 1 mg/Kg, e 200 mg é

considerada uma dose letal para adultos. O curso do envenenamento agudo é dramático,

pois há um efeito cáustico imediato na boca e na região da garganta. Além disso, há um

rápido início de gastroenterite grave com horas de cólica persistente. Os microtúbulos

são polímeros de tubulina. Eles são parte do citoesqueleto que mantém a forma

tridimensional das células e fornece transporte intracelular. Um monômero de tubulina

nos rins contém pelo menos 13 grupos SH livres, um excelente alvo para os íons de

mercúrio. Há, portanto, a despolimerização dos microtúbulos e a necrose das células

renais. Na verdade, isso pode levar à insuficiência renal dentro de 24 horas após a

ingestão de cloreto de mercúrio (II).

No decorrer de um envenenamento crônico o metal sai cada vez mais pela mucosa do

cólon. A morte pode ocorrer apenas um mês após o envenenamento! O sublimado não

ressorvido pode ser absorvido por carvão animal, também o óxido de magnésio inativa

o mercúrio divalente. O sublimado ingerido pode ser captado pelo antídoto BAL (Fig

13). Mas o tratamento somente faz sentido enquanto os rins ainda estão funcionando.

Por causa da insuficiência renal, a diálise pode ser necessária. Os opiáceos podem

aliviar a dor e a perda de eletrólitos deve ser compensada. Mesmo assim, a medicina

intensiva de hoje não pode salvar todas as vítimas sublimadas.

O envenenamento crônico por mercúrio é causado por compostos organomercúrio, e o

corpo humano ainda contribui na sua síntese. Os vapores de mercúrio do ar são

facilmente absorvidos pelos pulmões e o organismo produz o composto orgânico

dimetil mercúrio, através das metiltransferases. Também o metil mercúrio tem uma alta

afinidade pelos grupos tiol das proteínas. Ao mesmo tempo, no entanto, há também uma

troca rápida do metil mercúrio entre os grupos tiol. Isso leva a uma rápida redistribuição

e acúmulo de mercúrio no corpo.

A fase de latência após a ingestão de organo-mercúrio tem sido intrigante até agora.

Pode demorar algumas semanas. Na década de 1950, uma fábrica de produtos químicos

na fabricação de acetaldeído soltou efluentes contendo compostos organo-mercúrio na

baía de Minamata, no Japão. Através do peixe, os moradores locais se intoxicaram

cronicamente. Problemas neurológicos, como deficiência auditiva, distúrbios da fala e

até distúrbios psiquiátricos, aumentaram cada vez mais. No entanto, problemas com os

rins e o trato gastrointestinal, sintomas típicos de envenenamento agudo com sais de

mercúrio inorgânicos, não ocorreram. Foram registrados 3.000 casos de óbito e estima-

se que 17.000 pessoas tiveram sequelas, em consequência da intoxicação [24].

Há também relatos de envenenamento com dimetil mercúrio no laboratório. Os vapores

do composto concentrado têm um cheiro muito doce e passam a barreira

hematoencefálica suavemente. A química americana Karen Wetterhahn recebeu em

agosto de 1996 apenas uma gota (que corresponde a 0,1 ml ou 300 mg) desse composto

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em suas luvas de trabalho, que facil e imediatamente se difundiu através do látex. A

concentração de mercúrio era 80 vezes o limiar tóxico de 0,2 μg/mL. Nenhum sintoma

imediato, mas tonturas e dores de cabeça se manifestaram vários meses depois. O

tratamento com agentes quelantes não podia ajudá-la mais, e assim ela morreu em junho

de 1997, 10 meses depois do seu acidente de trabalho tão sucinto [25]. Desde 1998, o

Prêmio Memorial Wetterhahn foi concedido a jovens cientistas do sexo feminino em

sua memória.

Ácido cianídrico - o crime capital da humanidade do Holocausto Um dos venenos mais bem conhecidos é a nitrila do ácido fórmico, o ácido cianídrico

(HCN). Sua síntese histórica foi a partir do Azul da Prússia, Fe4[Fe(CN)6]3, portanto até

hoje o nome deste composto em alemão é ―Blausäure‖ – ácido azul. Com um ponto de

ebulição de 25,7 ° C, tem uma pressão de vapor muito alta à temperatura ambiente.

Também são conhecidos os sais do ácido cianídrico, em primeira linha o cianeto de

potássio. Uma vez que o ânion cianeto tem uma alta afinidade complexa para certos

metais pesados, o ferro trivalente é bloqueado no animal de sangue quente. Assim, a

cadeia respiratória é interrompida ao nível da citocromo oxidase Fe3+

, o oxigênio não

pode, portanto, ser ativado e disponibilizado para processos de oxidação. O resultado é

uma sufocação interna ao nível celular. Cerca de 3 mg/Kg de peso corporal são

considerados fatais se forem tomados de uma vez [26].

O envenenamento agudo se manifesta com uma respiração profunda, desencadeada pelo

ataque aos quimiorreceptores do canal carotídeo, cujas células são particularmente

sensíveis e têm alta demanda de oxigênio. Isto é seguido por mal-estar, vômitos,

convulsões e paralisia respiratória. Quando inalado em altas concentrações, a morte

ocorre em poucos segundos. O avermelhamento leve da pele é um sinal típico de

intoxicação por cianeto. O sangue venoso ainda que enriquecido com oxigênio, não

pode ser usado pelas células. O cheiro de amêndoa amarga também é um indicador

importante.

O valor de VLE do cianeto de hidrogênio é de 2 ppm. Os valores de LD50 para HCN

inalado são de 3.000 ppm em um minuto e 135 ppm em 30 minutos. Para captação oral

em camundongos, foi encontrado um valor de LD50 de 3,7 mg/Kg. Se sobreviver a

exposição, a recuperação ocorre sem tratamento devido à rápida desintoxicação do

corpo. No fígado, o cianeto de hidrogênio é acoplado ao enxofre pela enzima rodanase;

isso produz o rodaneto (= SCN- ou tiocianato; por sua vez não mais tóxico, mas sim, até

com efeitos terapêuticos). A dose letal mínima pode ser desintoxicada pelo corpo dentro

de uma hora.

O bloqueio da citocromooxidase pelos ânions de cianeto é muito rápido. Se o vapor do

ácido cianídrico é inalado, os primeiros sintomas podem ocorrer em poucos segundos.

Após a ingestão de sais de cianeto, o ácido é liberado apenas pelo ácido gástrico, e ao

tomar nitrilas, nome para os compostos orgânicos de cianeto, a latência pode ser de

algumas horas.

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Derivados de cianeto são encontrados em grãos de amêndoas, amêndoas amargas,

damascos e outras drupas em várias quantidades e servem como proteção contra a

semeadura. Também a semente da maçã contém amigladina que no corpo é transvertida

em HCN. Mas não tenha medo de comer a fruta inteira: para chegar na dose letal seria

necessário comer e mascar mais de 200 sementes de uma só vez. Por outro lado, o

perigo é muito maior com sementes do damasco: uma única semente contém 0,5 mg de

ácido cianídrico. Por isso, seria melhor não consumir mais do que uma ou duas dessas

sementes por dia.

O tratamento do envenenamento por ácido cianídrico visa acelerar a desintoxicação do

organismo e a ligação complexa do ânion cianeto. Assim, o tiossulfato de sódio

(Na2S2O3) pode ser utilizado para fornecer o enxofre para a formação enzimática de

rodanida, ou o dimetilaminofenol pode ser adicionado. Isso converte Fe2+

em Fe3+

. O

cobalto forma complexos muito estáveis com o cianeto. Isso explica a ação dos

medicamentos à base de hidroxocobalamina (= vitamina B12b) que estão disponíveis no

mercado há vários anos.

O ―Zyklon B‖ consistia de gesso, ácido cianídrico e uma substância de advertência e

tinha como objetivo garantir o uso do ácido cianídrico no controle de pragas. Durante a

Segunda Guerra Mundial, os nazistas usaram o ―Zyklon B‖ nos campos de extermínio

alemães de Auschwitz, Majdanek, Sobibor e Treblinka, para cometer os crimes

singulares do Holocausto nos judeus e ciganos. Concentrações de pelo menos 300 ppm

de ácido cianídrico foram encontradas nas câmaras de gás, resultando em morte em

poucos minutos.

Venenos do reino vegetal Com a nicotina e a cafeína já apresentamos dois venenos feitos por plantas. Na verdade,

o reino vegetal está cheio de substâncias tóxicas e nem todos os mecanismos de ação

dentro do corpo humano são conhecidos. Não devemos calar sobre o mundo

diversificado das proteínas, isto são macromoléculas que acionam através da sua

definida estrutura terciária. Aqui queremos apresentar somente dois exemplos destas

toxinas, a amanitina e a ricina.

Amanitina – a morte espera na floresta

Muitos cogumelos (Ascomycetes) produzem substâncias tóxicas, chamadas de

micotoxinas, provavelmente para se defenderem da competição de outros organismos.

De longe as toxinas fúngicas mais perigosos são os amatoxinas, que também estão

contidos na cicuta verde (Amanita phalloides), causando 80-90% dos fatais

envenenamentos por cogumelos. As amatoxinas são oligopeptídeos de oito aminoácidos

que bloqueiam a transcrição do mRNA. A α-amanitina inibe a RNA-polimerase II

mesmo em uma concentração de 10-8

mol/L e retarda a síntese do RNA de milhares de

vezes, a alguns nucleotídeos por minuto (Fig 14). A mudança estrutural precisa da α-

amanitina, que inibe a RNA-polimerase II, foi primeiramente elucidada em 2002 por

difração de raio X [27]. Isso afeta a princípio todas as células, mas acima de tudo, afeta

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os tecidos com alta atividade metabólica, como o fígado. Além disso, as amatoxinas

passam através do fígado, intestino e vesícula biliar várias vezes através da circulação

enterohepática e, portanto, permanecem no corpo por mais tempo. A síntese de

proteínas nas células falha e as células morrem.

Amanitin pertence aos Amatoxinen, de longe os venenos de cogumelos Fig 14

mais perigosos.

O percurso do envenenamento é característico: os primeiros sinais da doença aparecem

somente após 8 a 24 horas. Trata-se de diarreia intensa e vômito, que é desencadeada

pelos danos às células epiteliais do intestino. Após esta fase segue um descanso, uma

melhora enganosa por um dia. Mas, neste período a destruição das células do fígado

progride, até que se torne perceptível uma necrose hepática que leva ao coma hepático.

Durante a latência longa, uma lavagem gástrica ainda é útil, e isso deve ser feito em um

centro de desintoxicação.

Existem oito amatoxinas, α-amanitina, β-amanitina e γ-amanitina são as mais

conhecidas. A dose letal para humanos é de 0,1 mg/Kg. 100 g de cogumelos frescos

contêm até 17 mg de amatoxinas. Por isso, mesmo um único cogumelo do tipo cicuta

verde (Amanita phalloides) pode causar o envenenamento fatal. O que agrava a

situação: as amatoxinas são estáveis no cozimento e não são decompostas por proteases

no estômago, porque essas enzimas se ligam às extremidades carboxila ou amino. De

fato, as amatoxinas são peptídeos de estrutura anelar fechada [28].

Como terapia para intoxicação por amatoxinas, é utilizada a silibinina, obtida a partir

dos frutos do cardo de leite (Silybum marianum). Estabiliza a membrana dos hepatócitos

e dificulta a absorção das amatoxinas. De fato, a introdução de silibinina diminuiu a

mortalidade por intoxicação por cogumelo em 70%. Como terapia são administradas

diariamente cerca de 1,5 g de silibinina, dividida em quatro doses. É usado o sal de

sódio solúvel em água de um éster da silibinina. Apesar dos cuidados intensivos, a taxa

de mortalidade é de pelo menos 25%.

Dizem que o imperador romano Cláudio foi envenenado por sua esposa Agrípina com

cogumelos do tipo cicuta verde. O trono em seguida foi ocupado pelo filho de Agrípina:

Nero.

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33

Aflatoxinas

Ficamos mais um pouco no mundo dos fungos. A aflatoxina é uma micotoxina

produzida por espécies de fungos do gênero Aspergillus. É um dos principais tipos de

micotoxinas, presente em diversos alimentos, sendo considerada uma contaminação que

representa risco para a saúde de humanos e animais domésticos. A sua presença, assim

como de outras micotoxinas em alimentos é um problema para saúde pública e para a

qualidade dos alimentos. Todos conhecem sua aparência: é o fungo preto que aparece às

vezes no pão velho ou em cima de frutas estragadas. Aflatoxinas em quantidades

perigosas são mais comumente encontradas em produtos secos, como pistache,

amendoim, avelãs, castanha do Brasil, figos secos e especiarias.

É feita uma distinção entre pelo menos 20 aflatoxinas que ocorrem naturalmente, das

quais a aflatoxina B1 (Fig 15 à esquerda) é a mais perigosa para os seres humanos.

Era conhecida a capacidade dos fungos em produzir metabólitos tóxicos, porém os seus

efeitos foram negligenciados, aumentando os casos de micotoxicoses. Esta situação foi

alterada drasticamente após o conhecimento da real gravidade das intoxicações por

micotoxinas. A rapidez na identificação e caracterização das aflatoxinas e a

demonstração experimental da aflatoxina tipo B1 como sendo um carcinógeno

extremamente potente ao seres humanos e animais, promoveram esta mudança.[29]

Fórmulas estruturais de dois representantes das aflatoxinas. Fig 15

Dentro da sua família a aflatoxina B1 é a que apresenta maior poder toxigênico. Em

saúde pública, as aflatoxinas têm sido identificadas como fatores envolvidos na

etiologia do câncer hepático no homem, em resposta à ingestão de alimentos

contaminados. São encontradas geralmente, nos amendoins, espigas de milho, outros

cereais e seus derivados. Os animais também podem acumular aflatoxinas no seu

organismo através da ingestão de alimentos contaminados e por isso, podem passá-las

para a carne e o leite. E como são resistentes a altas temperaturas e umidade, não são

eliminadas durante o cozimento dos alimentos.

As aflatoxinas são suspeitas de serem armazenadas como agente de guerra, por causa de

seu método de produção relativamente simples e baixa dose letal. Por exemplo, entre

1985 e 1991, cerca de 2200 litros de aflatoxina foram produzidos no Iraque como uma

arma, a ser usada como carga dos mísseis R-17.

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34

Apesar de algumas controvérsias, desde a descoberta das aflatoxinas, em 1960, diversos

países adotaram limites de tolerância para essas toxinas em produtos destinados ao

consumo humano. Na última década, intensas pesquisas contribuíram para melhor

caracterizar os possíveis efeitos das aflatoxinas sobre a saúde humana, destacando os

experimentos sobre a atividade biológica da aflatoxina B1 nas células hepáticas, no

âmbito molecular e sua aplicação em estudos populacionais. A importância das

micotoxinas se deve aos danos provocados à saúde humana e animal, e também aos

prejuízos econômicos na agricultura [30].

Curare – o veneno nas flechas das indígenas

Curare é um nome comum para vários venenos de flecha alcalóides de extrato vegetal,

provenientes de plantas trepadeiras originárias da América Central e do Sul. Esses

venenos atuam inibindo de forma competitiva e reversível o receptor nicotínico de

acetilcolina (nAChR), que é um subtipo de receptor de acetilcolina encontrado na

junção neuromuscular. Isso provoca fraqueza dos músculos esqueléticos e, quando

administrado em dose suficiente, eventual morte por asfixia devido à paralisia do

diafragma.

Curare foi usado como veneno paralisante pelos indígenas sul-americanos. O veneno foi

disparado por flechas ou dardos de zarabatana mergulhados no curare, levando à asfixia

devido à incapacidade dos músculos respiratórios da vítima se contraírem. A palavra

"curare" é derivada de wurari, da língua carib dos índios Macusi da Guiana. Curare

também é conhecido entre os povos indígenas como Ampi, Woorari, Woorara, Wourali,

Wourali, Wouralia, Ourare, Ourari, Urare, Urari e Uirary.

Os vários componentes do curare são compostos orgânicos classificados como

isoquinolina ou alcalóides indólicos. A tubocurarina é o principal componente ativo do

veneno de dardo da América do Sul. [31] Como alcalóide, a tubocurarina é um

composto natural que consiste de bases nitrogenadas - embora a estrutura química dos

alcalóides seja altamente variável. Em meados de 1900, foi usado em conjunto com um

anestésico para proporcionar relaxamento muscular esquelético durante a cirurgia ou

ventilação mecânica. Agora é raramente usado como um complemento para a anestesia

clínica, porque alternativas mais seguras, como o cisatracúrio e o rocurônio, estão

disponíveis.

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35

Hidrocloreto de tubocurarine, componente principal do veneno de flecha Fig 16

“curare”.

Como a maioria dos alcalóides, a tubocurarina consiste em um sistema cíclico com um

átomo de nitrogênio em um grupo amina. Por causa dessa estrutura, a tubocurarina pode

se ligar prontamente aos receptores de acetilcolina (ACh) na junção neuromuscular.

Com isso há bloqueio dos impulsos nervosos a serem enviados para os músculos

esqueléticos, efetivamente paralisando os músculos do corpo. Como a tubocurarina se

liga reversivelmente aos receptores de ACh, o tratamento para o envenenamento por

curare envolve a adição de um inibidor da acetilcolin-esterase (AChE). Este

interromperá a destruição da acetilcolina de modo que possa competir com o curare.

LD50 para humanos: 0,735mg/Kg (estimado; forma e método de administração não

indicado).

Ricina – o perigo que cresce no quintal

A ricina é uma proteína extremamente tóxica das sementes da mamona (Ricinus

communis). O conteúdo de rizina nas sementes é de cerca de 1 a 5% do conteúdo de

proteína. No óleo de mamona, também obtido das sementes, a ricina é removida por

extração e inativação térmica. [32]

Quimicamente, a ricina é uma lectina que consiste em um componente de ligação

celular e mediador da toxina. Sua toxicidade é atribuída a uma inibição da biossíntese

de proteínas eucarióticas.

Se o veneno entra no organismo humano, faz com que as células contaminadas morram.

Para um envenenamento letal de um humano basta (quando ingerido) 0,3-20 miligramas

de ricina isolada por quilograma de peso corporal, correspondendo a cerca de oito

sementes. [33] Em crianças, dependendo da idade e constituição, metade de uma

semente já pode ser fatal. No entanto, também é relatado casos onde a vítima mesmo

depois de 40 a 60 sementes sobreviveu. Depende principalmente de quando o vômito

começa. Uma administração intravenosa, inalada ou subcutânea, no entanto, requer

níveis significativamente mais baixos. Por exemplo, a introdução subcutânea de 43

g/Kg de peso corporal é letal.

Ricina consta na lista 1 da Lei de Controle de Armas de Guerra (CWC; ver p. 49) como

arma de guerra mais severa.

A estrutura da ricina foi resolvida por E. Rutenber e colegas em 1991 [34] e tem o

número de PDB 2AAI no banco de dados de proteínas.

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Provavelmente o cristal mais mortífero de todos os tempos: em azul: Fig 17

cadeia A (32 kDa), em vermelho: cadeia B (34 kDa) da ricina. Fonte:

https://crystallography365.wordpress.com/

Normalmente, a extração da ricina ocorre a partir dos resíduos de extração de óleo, após

prensagem a frio e separação do óleo. Como descrito em uma patente do Exército dos

EUA, a ricina pode ser extraída do resíduo na faixa de pH fracamente ácida e

precipitada em pH 7 com uma solução saturada de solução salina ou sulfato de sódio. A

partir do precipitado, o produto final pode ser separado do precipitante por meio de

tetracloreto de carbono. No entanto, pode-se supor que, na melhor das hipóteses, uma

mistura de proteínas e não ricina pura será obtida com a ajuda deste processo de

produção.

Alternativamente, a ricina recombinante totalmente biologicamente ativa pode ser

obtida usando células de tabaco geneticamente manipuladas. [35]

A ricina é uma proteína repelente à gordura e sensível ao calor. Estruturalmente, é uma

glicoproteína globular heterodimérica com uma massa molar de 60 a 65 kDa. É

constituído por duas cadeias polipeptídicas diferentes, a cadeia A e a cadeia B, com

pesos moleculares de cerca de 32 e 34 kDa, respectivamente, ligados por uma ponte

dissulfeto. A cadeia A tem estruturas características de hélice α e β e funciona como N-

glicosidase. A cadeia B é uma unidade de lectina sem estruturas secundárias

pronunciadas.

Ricina pertence ao grupo de proteínas inativadoras de ribossomos do tipo 2 (RIP-II).

Seu efeito tóxico é devido a um processo de várias etapas envolvendo a ligação celular,

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transporte através da célula, ativação no retículo endoplasmático e, finalmente, uma

inibição fatal da biossíntese de proteínas.

A cadeia B da ricina, que possui a função lectina, permite a ligação à superfície da

célula. A ligação ocorre inespecificamente aos resíduos terminais de N-

acetilgalactosamina ou unidades de galactose de 1,4-glicoproteínas e glicolipídios.

Além disso, a ricina pode se ligar através de suas cadeias de glicano às células que

transportam o receptor de manose. Sob condições experimentais, até 100 milhões de

moléculas de ricina alcançam a superfície de uma célula. A ricina ligada à superfície

celular é absorvida pela endocitose na célula. Via endossomos, nos quais não é

degradada devido à sua resistência ao pH e à sua resistência enzimática, a unidade das

cadeias A e B retorna através do complexo de Golgi para o retículo endoplasmático. A

cadeia A, que é inicialmente bloqueada pela cadeia B, é liberada no retículo

endoplasmático por clivagem da ponte de dissulfeto entre as duas cadeias com o auxílio

de uma dissulfeto isomerase. Com a ajuda de acompanhantes, a cadeia A finalmente

alcança o citosol.

A cadeia A invadida no citoplasma, ou ricina A, é uma glicosidase que inativa os

ribossomos. O efeito exato consiste na clivagem da adenina 4324 do RNA 28S dos

ribossomos. Essa depurinação, por um lado, faz com que a formação do complexo de

iniciação seja prejudicada durante o início da tradução - há uma forte desaceleração

desse processo de tradução para um sexto da taxa usual. Por conseguinte, o passo de

translocação é inibido durante o alongamento.

Devido às suas propriedades citostáticas, ou seja, um efeito inibidor do crescimento nas

células, as toxinas do tipo da ricina são, entretanto, cada vez mais examinadas quanto à

sua adequação como terapêutica em tumores malignos. [36]

Como a ricina é geralmente ingerida sem querer pela ingestão de sementes da mamona,

especialmente as células do trato digestivo são afetadas (estômago, intestino, fígado,

rins). Após um período de latência de várias horas a dias, podem ocorrer os seguintes

sintomas: náuseas, vômitos, diarreia, fraqueza, taquicardia, dor abdominal e perda

aguda de líquidos.

Finalmente, um envenenamento com ricina leva à destruição dos glóbulos vermelhos.

Até hoje não há antídoto eficaz conhecido. As medidas de pronto-socorro são a lavagem

gástrica imediata e a administração de pó de carbono ativado. Sem tratamento, a morte

geralmente ocorre devido à insuficiência circulatória, cerca de 48 horas após a

intoxicação.

Uma pequena luz no horizonte: de acordo com Challoner e McCarron, a literatura

contém 424 casos de intoxicação, dos quais 8% dos não tratados acabaram letais, dos

tratados apenas 0,4%. [37]

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38

Toxinas do reino animal

Abelhas

Especialmente a abelha africanizada pode ser um perigo para o humano - um perigo que

foi criado pelo homem mesmo [38]: em 1957 houve um experimento de cruzamento,

em Rio Claro – SP, liderado pelo biólogo e geneticista brasileiro Warwick Estevam

Kerr. Com a intenção de criar uma linhagem mais produtiva para o Brasil, eles

cruzaram a abelha europeia que produz mel de alta quantidade, com a abelha africana

que é mais adaptada ao clima tropical. Infelizmente, a última espécie, assim como o

resultado do experimento, eram criaturas bastante agressivas e tóxicas. Acidentalmente

alguns enxames da nova espécie escaparam e se proliferaram livremente – até que virou

uma praga em algumas regiões. Hoje essa abelha africanizada se espalhou ao longo do

continente inteiro e chegou até aos EUA – onde ela é temida como ―Killer bee‖.

A abelha assassina se reproduz em grande número na floresta amazônica, formando

enxames agressivos que são responsáveis por quase 1.000 mortes registrados.

Uma picada de abelha causa inflamação local e um inchaço mais ou menos

pronunciado. A dor pode ser aliviada pelo resfriamento. Um perigo para a saúde só

existe depois de muitas picadas, na ordem de várias centenas. Isso pode levar à

rabdomiólise, hemólise, distúrbios de coagulação e deficiência de plaquetas, bem como

insuficiência hepática e renal aguda. [39] Na ausência de reação alérgica, são

necessários cerca de mil ferroadas, para injetar uma dose letal de veneno em um adulto

de porte médio. Em pessoas alérgicas, no entanto, uma única picada pode levar a

reações potencialmente fatais. Pode-se estimar que cerca de 0,4 a 0,8% das crianças e

cerca de 3% dos adultos experimentam uma reação alérgica global significativa, que

pode potencialmente ser fatal.

Também fatal pode ser uma única picada na garganta, porque o inchaço pode causar o

sufocamento da vítima. (As picadas na garganta são mais prováveis de serem causadas

por vespas, pois podem ser atraídas pelos alimentos e inadvertidamente consumidas.)

O veneno de abelha é uma mistura complexa de diferentes proteínas (a maioria) e

pequenas moléculas. [40] O principal constituinte, com cerca de 52%, é a melitina, uma

proteína que também é o principal alérgeno do veneno. A fosfolipase A2 (cerca de 12%)

é uma enzima que catalisa a clivagem hidrolítica dos fosfolipídios e ataca as membranas

celulares. A apamina (2%), um péptido neurotóxico feito de 18 aminoácidos, é outro

componente. A hialuronidase (2%) é uma proteína que tem o papel de ―suco gástrico‖:

são enzimas que degradam o hialuronano, um componente importante da matriz

extracelular no tecido conjuntivo. Por esta ação dilata os vasos sanguíneos e aumenta

sua permeabilidade, assim promove a disseminação da inflamação.

Outras proteínas incluem o peptídeo de degranulação de mastócitos (2%) e tertiapina,

dois neuropeptídeos, bem como secamina, que não tem efeitos patológicos. Além da

melitina (Api m 3), os alérgenos são fosfolipase (Api m 1), hialuronidase (Api m 2) e

outras proteínas.

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Moléculas pequenas no veneno de abelha são histamina (0,1 a 1%), dopamina e

norepinefrina. Feromônios de alarme (4 a 8%) sinalizam para outras abelhas que um

membro foi atacada e devem se preparar para a defesa.

Na medicina o tratamento com o veneno da abelha é conhecido como apiterapia. Serve,

além da hipossensibilização a uma alergia a veneno de insetos, para tratar reumatismo,

ciática, lombalgia, lesões esportivas e danos por frio. Além destes, é relatado uma forma

de cura, por crescimento muscular local por injeção subcutânea (hoje substituída

principalmente por drogas sintéticas).

A apitoxina foi recentemente utilizada com destaque na indústria anti-envelhecimento

como uma alternativa ao Botox (ver p. 53). Nesta aplicação, supõe-se que a apitoxina

promove a produção da principal proteína, o colágeno VII, que promove a função de

suporte da pele e, assim, suaviza o enrugamento. [41]

Todavia, mais perigoso do que a abelha para o homem, é o homem para a abelha. Só um

exemplo: o inseticida sintético Fipronil foi responsabilizado pela morte de milhares de

enxames na Europa. Ativistas dizem que o Fipronil é altamente tóxico para insetos, e

seu uso foi restrito na Europa em 2013...

Rãs e sapos

São lindas, coloridas, minúsculas, e não se encontram no cardápio dos carníferos.

Falamos dos sapos venenosos. [42]

Sapos do gênero Dendrobates tinctorius (em cima) e Dendrobates Fig 18

leucomelas (em baixo) são altamente tóxicos.

Muitos sapos venenosos secretam toxinas alcalóides lipofílicas, como a

alopumiliotoxina 267A, a batracotoxina, a epibatidina, a histriónico-toxina e a

pumiliotoxina 251D (Fig 18) através da pele. Alcalóides nas glândulas da pele de sapos

venenosos servem como uma defesa química contra a predação, e eles são, portanto,

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40

capazes de serem ativos ao lado de potenciais predadores durante o dia. Cerca de 28

classes estruturais de alcalóides são conhecidas em sapos venenosos. [43] [44] A mais

tóxica das espécies de rãs venenosas é a Phyllobates terribilis –como o nome já indica.

Ela tem em média toxina suficiente para matar de dez a vinte homens ou cerca de dez

mil camundongos. A maioria dos outros dendrobatídeos, embora coloridos e tóxicos o

suficiente para desencorajar a predação, apresentam muito menos risco para os seres

humanos ou outros animais grandes.

Argumenta-se que as rãs-de-dardos não sintetizam seus venenos, mas sequestram as

substâncias químicas de presas de artrópodes, como formigas, centopéias e ácaros, ou

seja, sua toxicidade tem origem na dieta. [45] Por causa disso, os animais criados em

cativeiro não possuem níveis significativos de toxinas, pois são criados com dietas que

não contêm os alcalóides sequestrados por populações selvagens. De fato, novos

estudos sugerem que as rãs maternas de algumas espécies colocam ovos não

fertilizados, que são misturados com traços de alcalóides, para alimentar os girinos. [46]

Esse comportamento mostra que os venenos são introduzidos desde uma idade muito

jovem. No entanto, as rãs criadas em cativeiro mantêm a capacidade de acumular

alcalóides quando recebem novamente uma dieta contendo alcaloides. Apesar das

toxinas usadas por alguns sapos venenosos, alguns predadores desenvolveram a

capacidade de resistir a eles. Uma é a cobra Erythrolamprus epinephalus, que

desenvolveu imunidade ao veneno.

Os produtos químicos extraídos da pele de Epipedobates tricolor podem ter valor

medicinal. Os cientistas usam esse veneno para fazer um analgésico. [47] Um desses

produtos químicos, chamado de epibatidina, é um analgésico 200 vezes mais potente

que a morfina (Fig 11), entretanto, a dose terapêutica fica muito próxima da dose fatal.

Um derivado ABT-594 desenvolvido pela Abbott Laboratories, denominado

―Tebanicline‖, chegou aos testes de Fase II em humanos, mas foi retirado de

desenvolvimento devido à incidência inaceitável de efeitos colaterais gastrointestinais.

As secreções dos dendrobatídeos também são promissoras como relaxantes musculares,

estimulantes cardíacos e inibidores de apetite. [48].

Cobras

Das mais de 3400 serpentes conhecidas em todo o mundo, significativamente mais do

que os 10% (~340 espécies) são venenosas. Devido ao largo espalhamento no Brasil

será apresentado aqui um dos representantes mais temidos nas Américas - a cascavel

(inglês: rattlesnake, devido ao chocalho na sua extremidade inferior; ver Fig 19).

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Marca inconfundível da cascavel: o chocalho na extremidade inferior. Fig 19

[49]

O veneno é hemotóxico, destruindo o tecido, causando necrose e coagulopatia (ruptura

da coagulação sanguínea). Nos EUA, a cascavel do tigre e algumas variedades da

cascavel de Mojave (C. scutulatus) também têm um componente pré-sináptico de

veneno neurotóxico, conhecido como toxina Mojave tipo A, que pode causar paralisia

grave. Embora tenha um rendimento de veneno comparativamente baixo, a toxicidade

do veneno das espécies C. tigris e C. scutulatus é considerada entre os mais altos de

todos os venenos de cascavel, e entre as mais altas de todas as serpentes no Hemisfério

Ocidental com base nos estudos toxicológicos realizados em ratos de laboratório.

O veneno de cascavel é uma mistura de cinco a 15 enzimas, vários íons metálicos,

aminas biogênicas, lipídios, aminoácidos livres, proteínas e polipeptídeos. Ele contém

componentes desenvolvidos para imobilizar e desabilitar a presa, bem como enzimas

digestivas que quebram o tecido para preparar a ingestão posterior. O veneno é muito

estável e retém sua toxicidade por muitos anos no armazenamento. [50]

As cobras mais velhas possuem veneno mais potente, e as cobras maiores

frequentemente são capazes de armazenar volumes maiores.

Estima-se que 7.000 a 8.000 pessoas são picadas por cobras venenosas, somente nos

EUA a cada ano, com cerca de cinco mortes. O fator mais importante na sobrevivência

após um grave envenenamento é o tempo decorrido entre a mordida e o tratamento. A

maioria das mortes ocorre entre 6 e 48 horas após a picada. Se o tratamento com

antiveneno for dado dentro de duas horas após a picada, a probabilidade de recuperação

é maior que 99%.

Os sintomas mais comuns incluem inchaço, dor intensa, formigamento, fraqueza,

ansiedade, náusea e vômito, hemorragia, transpiração e, eventualmente, insuficiência

cardíaca. A dor local após o envenenamento é frequentemente intensa, aumentando com

o edema subsequente.

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42

O tratamento padrão de vitimas picadas é a administração intravenosa do soro

antiofídico 1. O primeiro passo na produção de soro crotálico é coletar ("ordenha") o

veneno de uma cascavel viva. O veneno extraído é então diluído e injetado em cavalos,

cabras ou ovelhas, cujos sistemas imunológicos produzem anticorpos que protegem

contra os efeitos tóxicos do veneno. Esses anticorpos se acumulam no sangue, que é

então extraído e centrifugado para separar os glóbulos vermelhos. O soro resultante é

purificado e secado por liofilização. O pó é empacotado para distribuição nos postos de

primeiro socorro. Como o soro é derivado de anticorpos animais, as pessoas geralmente

exibem uma resposta alérgica durante a infusão, conhecida como doença do soro.

Aranhas

Existem aproximadamente 40.000 espécies de aranha em todo o mundo. São tantos

tipos que fica difícil descobrir quais devem causar preocupação e quais são inofensivas.

O Brasil, junto com a Austrália, é o país onde se encontra mais tipos de aranhas

venenosas, sendo que a mais venenosa do mundo é uma espécie brasileira.

Apresentamos, em ordem crescente da sua toxicidade, as cinco mais perigosas no

território [51].

Conheça as 5 aranhas mais venenosas do Brasil (do esquerdo à direita): Fig 20

Armadeira (Phoneutria), Aranha-marrom (Loxosceles), Viúva-negra

(Latrodectus mactans), Aranha-de-Jardim (Lycosa erythrognatha) e

Caranguejeira ou tarântula (Theraphosidae).

5° Lugar: Caranguejeira ou tarântula (Theraphosidae). No Brasil, temos duas

caranguejeiras que estão entre as maiores do mundo, chegando a um diâmetro de até 30

cm. Apesar dessa espécie ser bastante agressiva, seu veneno não é mortal para os

humanos. Porém, ela possui uma mordida bastante dolorida e os pêlos em suas pernas e

abdômen podem gerar lesões, coceira e irritação, em contato com a pele humana. Essas

aranhas podem ser encontradas em matas e florestas em todo o país, e ainda não é

produzido soro para o seu veneno.

4° lugar: a aranha-de-jardim (Lycosa erythrognatha). Essa espécie, também é conhecida

como aranha-de-grama ou aranha-lobo, costuma ser encontrada na grama de

residências. A aranha-de-jardim possui cerca de 5 cm de comprimento, e apresenta uma

coloração marrom-clara ou cinzenta, com um desenho negro em forma de seta em seu

abdômen e pêlos avermelhados perto das quelíceras. Seu veneno causa dor intensa, com

sensação de queimadura e formigamento, provocando também reações alérgicas.

1 Antiofídico é a denominação dos soros de cobras em geral; já o soro crotálico é específico da cascavel.

Outros antídotos são: soro botrópico da jararaca, jararacuçu e urutu; soro laquéstico da surucuru e pico-

de-jaca; soro elapídico da coral verdadeira.

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43

3° lugar: Viúva-negra (Latrodectus mactans). A viúva negra é uma das aranhas mais

conhecidas do planeta. A espécie vive no Brasil e em outros países na América,

principalmente na parte costeira dos continentes. Sua cor negra brilhante e a marcante

mancha vermelha em seu abdômen tornam essa aranha fácil de se reconhecer. E as

fêmeas dessa espécie costumam ser 3 a 4 vezes maiores que os machos. Os efeitos de

seu veneno variam desde dor ardente, inchaço na área afetada, cólicas abdominais à

náuseas.

2° lugar: Aranha-marrom (Loxosceles). A aranha-marrom é famosa no Brasil, e pode ser

encontrada em regiões de clima quente em todo o mundo. Sua picada é extremamente

dolorosa e necrosante, e se não for tratada rapidamente pode trazer problemas

irreversíveis. Sua aparência não é particularmente espetacular, ela possui cerca de 4 a 6

centímetros e não costuma atacar, geralmente picando apenas se entrarmos em contato

direto com elas. Apesar disso, ela é a maior causadora de acidentes com aranhas no

Brasil. Nos casos mais graves, a área ao redor da picada começa a necrosar e é formada

uma ferida aberta. Pode-se levar meses para a pele ser curada, necessitando enxertos de

pele e em alguns casos, os membros precisam ser amputados. Ajuda promete o soro

laxoscélico – desde que for aplicado logo após a picada.

Campeã é a Armadeira (Phoneutria). De acordo com Guinness World Records, a

armadeira é a aranha mais venenosa do mundo. E não é à toa que seu nome científico

deriva da palavra grega para assassina. Essa espécie, comum em todo o território

brasileiro, é capaz de injetar uma neurotoxina poderosa que é quase 20 vezes mais

mortal do que a da aranha viúva-negra (ver acima), caso entre na corrente sanguínea.

Seu veneno é tão potente quanto o das cobras venenosas mais mortais, e os efeitos

também são semelhantes. Os sintomas do envenenamento incluem a perda de controle

muscular, levando a problemas respiratórios, e que podem resultar em paralisia

respiratória completa e asfixia. Além disso, existem dois outros efeitos secundários

importantes na mordida da aranha armadeira. Em primeiro lugar, há uma dor intensa e,

em segundo lugar, se você for homem, a picada dessa aranha pode causar uma ereção de

até 4 horas, que infelizmente também é extremamente dolorosa.

O comportamento desta espécie é particularmente perigoso para os seres humanos, pois

essas aranhas gostam de se esconder em botas, pilhas de roupas e dentro de carros. Isso

faz com que essa aranha seja a segunda maior causadora de acidentes no Brasil, com

mais de 7 mil casos já registrados no país. E ao contrário da aranha-marrom, as

armadeiras são agressivas, atacando mesmo sem serem incomodadas.

Felizmente, o número de mortes devido ao ataque dessas aranhas têm reduzido bastante,

devido ao antídoto que hoje já é facilmente encontrado. O soro antiloxoscélico [52], por

exemplo, é uma solução injetável de fração F(ab’)2 de imunoglobulinas específicas

purificadas, a ser administrada por via intravenosa, que conferem imunidade passiva.

São derivadas de plasmas de equinos hiperimunizados com venenos de aranhas das

espécies Loxosceles laeta, Loxosceles gaucho e Loxosceles intermedia.

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44

Escorpiões

No Brasil, todas as espécies de escorpiões peçonhentos pertencem ao gênero Tityus.

Esses animais podem causar desde acidentes leves até levar à morte. [53]

Esses animais utilizam o ferrão, localizado na sua cauda, para injetar o veneno. De

hábitos noturnos, os escorpiões geralmente são encontrados durante o dia escondidos

embaixo de pedras, entulhos e cascas de árvores. São animais carnívoros que se

alimentam principalmente de insetos e apresentam a grande capacidade de ficarem

meses sem comida e água.

De uma maneira geral, a grande maioria não apresenta nenhum risco para o homem,

uma vez que o veneno só é capaz de matar pequenos animais. Existem

aproximadamente 25 espécies ao redor do mundo que apresentam veneno capaz de nos

causar problemas. No Brasil, apenas espécies pertencentes ao gênero Tityus estão

relacionadas com acidentes, dentre elas, três destacam-se como de maior importância

toxicológica: Tityus serrulatus, Tityus bahiensis e Tityus stigmurus. A espécie T.

serrulatus (Fig 21) é a maior causadora de acidentes, sendo considerada o escorpião

mais venenoso da América do Sul. Geralmente é encontrado solitário embaixo de cascas

de árvores e em cupinzeiros. Caracteriza-se por apresentar coloração amarelo- clara,

com manchas escuras sobre o tronco e no fim da cauda.

Tityus serrulatus, mais conhecido como escorpião amarelo, é difundido Fig 21

na parte central e no sul do Brasil. [54]

Os acidentes podem ser classificados em leves, moderados e graves. Os acidentes leves

causam praticamente dor e inchaço. Os acidentes moderados, apresentam dor local

intensa associada a sintomas como sudorese, agitação, náusea, hipertensão, vômitos e

taquicardia. Já os graves apresentam vômitos frequentes, náusea, sudorese profunda,

agitação, hipertensão, tremores, espasmos, paralisias, convulsões, edema pulmonar

agudo, coma, entre outros sintomas.

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Caso seja picado por um escorpião, procure imediatamente um médico e, se possível,

leve o animal, para que seja feita a identificação. O tratamento geralmente consiste no

alívio da dor (anestésico) e na administração de soro antiescorpiônico, nos casos

moderados e graves.

Lagartas de fogo

Embora pareçam inofensivas, as lonomias, mais conhecidas como taturanas, provocam

graves queimaduras e até mesmo a morte em animais e seres humanos. Conhecidas

popularmente como ―lagartas de fogo‖, ―mandruvás‖ ou ―mondrovás‖, elas se

transformam, na fase adulta, em mariposas.

Devido à supressão do Cedro e da Aroeira, seu habitat natural, onde costumava se alojar

nos pontos mais altos, as lonomias migraram para as árvores frutíferas, mais baixas,

onde passaram a desovar e desenvolver suas colônias, de forma exponencial. Nas

cidades, a ausência de uma determinada espécie de mosca e a redução das vespas (que

depositam os ovos no corpo da lagarta, matando-a), bem como a ocorrência rara de um

determinado tipo de vírus, de percevejos e vermes, predadores naturais das taturanas,

permitiu que elas se expandissem no meio urbano, aproximando-as do contato humano.

Tendo migrado (talvez por conta do transporte de madeira) do Amapá (região natural

desse tipo de lagarta) para todo o Brasil, a partir da década de 80, elas passaram a ser

facilmente encontradas em regiões de matas e mesmos em parques nas áreas urbanas, no

sul e sudeste, principalmente nas épocas mais quentes do ano.

Na região sul do Brasil, mais de mil ocorrências de contato com risco à saúde humana

ocorreram nos últimos dez anos, com alguns óbitos registrados.

A identificação de lonomias é dificultada quando elas formam colônias pois, para se

defenderem dos predadores, ficam juntas, grudadas nos troncos das árvores, formando

desenhos como se fossem um nó no tronco ou parte da folhagem. A pessoa que

inadvertidamente tocá-las, recebe alta dose de toxinas, que dão a sensação de

queimadura, podendo levar á morte se a pessoa for alérgica.

O risco é muito grande se a espécie for a lonomia oblíqua, a mais temível e mortífera de

todas.

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46

A lagarta lanomia, comum no sul do Brasil, é uma das mais perigosas do Fig 22

mundo, ela causa diversas mortes a cada ano. [55]

A toxina da lonomia oblíqua reduz, no organismo da vítima, a formação de fibrina,

substância responsável pela coagulação do sangue. A diminuição da fibrina pode causar

graves hemorragias. A pessoa sangra pelo nariz, pelas gengivas e por vários órgãos do

corpo. Além de hemorragias, os casos graves provocam insuficiência renal. A taturana é

pequenina: mede entre 5 e 7 centímetros; mas tem o corpo coberto de pêlos espinhosos,

de onde sai o veneno, que matou nove pessoas no Brasil, entre 1989 e 1995, ano em que

o Instituto Butantan desenvolveu o soro antilonômico.

Todo cuidado é pouco a entrar numa região de mata ou, subir numa árvore sem olhar,

minunciosamente, seu tronco e seus galhos e folhas. [56]

Medusas

As criaturas mais venenosas no mundo aquático são as medusas, dentre elas a cubozoa

(melhor conhecida e temida como ―vespa do mar‖; inglês: box jelly fish). Um indivíduo

totalmente crescido pode medir até 30 cm de diâmetro e os tentáculos podem crescer até

3 m de comprimento. Existem cerca de 15 tentáculos em sua borda e cada tentáculo tem

cerca de 500.000 células explosivas (cnidoplastos ou nematocistos), contendo

nematocistos, um mecanismo microscópico em forma de arpão que injeta veneno na

vítima. Muitos tipos diferentes de nematocistos são encontrados em cubozoários.

A vespa do mar é considerada sendo a criatura marítima mais venenosa. Fig 23

As espécies mais perigosas de águas-vivas (ainda) vivem numa região restrita do Indo-

Pacífico (Austrália, Indonésia, Malásia), mas várias espécies de medusas podem ser

encontradas amplamente em oceanos tropicais e subtropicais ao redor do mundo; a

tendência é sua disseminação. Um grande problema é que as águas-vivas gostam das

águas rasas, mornas e iluminadas das praias - igual os nadadores.

Uma vez que um tentáculo adere à pele da vitima, um sinal químico deixa os

nematocistos disparar. O veneno que penetra a pele causa uma dor aguda e agonizante,

tão intensa que em casos relatados a vitima sofreu um choque e se afogou.

Primeiro socorro e antídotos possíveis em humanos:

A lavagem imediata com vinagre é o método mais largamente aplicado, para desativar

nematocistos não descarregados para evitar a liberação de veneno adicional. A remoção

de tentáculos adicionais geralmente é feita com uma toalha ou uma mão enluvada, para

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evitar picadas secundárias. Tentáculos ainda podem liberar nematocistos quando

separados do tronco, ou depois que a criatura estiver morta. Maior cuidado é pedido,

pois a remoção de tentáculos pode permitir nematocistos não expostos a entrar em

contato com a pele, resultando em um maior grau de envenenamento.

Embora comumente recomendado, não há evidências científicas de que urina, amônia,

amaciante de carnes, bicarbonato de sódio, ácido bórico, suco de limão, água fresca,

creme esteróide, álcool, compressas frias, mamão ou o peróxido de hidrogênio aliviará o

ardor, sendo que essas substâncias podem até acelerar a liberação do veneno.

Pesquisadores do Departamento de Medicina Tropical da Universidade do Havaí

descobriram que o veneno faz com que as células da vítima se tornem porosas o

suficiente para permitir o vazamento de potássio, causando hipercalemia, que pode levar

ao colapso cardiovascular e morte por parada cardíaca, dentro de 2 a 5 minutos. Foi

postulado que um composto de zinco pode ser desenvolvido como um antídoto.

Em 2011, pesquisadores da Universidade do Havaí anunciaram que haviam

desenvolvido um tratamento eficaz, "desconstruindo" o veneno contido em seus

tentáculos. Sua pesquisa descobriu que o gluconato de zinco impedia a interrupção dos

glóbulos vermelhos e reduzia os efeitos tóxicos sobre a atividade cardíaca de ratos em

pesquisa.

Em abril de 2019, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Sydney anunciou

que haviam descoberto um possível antídoto que interromperia a dor e a necrose da pele

se administrado dentro de 15 minutos após ser envenenado. A pesquisa foi resultado de

um trabalho feito com a edição do genoma completo CRISPR, no qual os pesquisadores

desativaram seletivamente os genes da célula da pele até que pudessem identificar

ATP2B1, um transportador de cálcio ATPase, como um fator hospedeiro de suporte à

citotoxicidade. A pesquisa mostrou o uso terapêutico de drogas existentes visando o

controle de colesterol em camundongos, embora a eficácia da abordagem ainda não

tenha sido comprovada em humanos. [57]

O baiacu - um dos peixes mais tóxicos

Uma substância interessante é a tetrodotoxina, também chamada de TTX [58], uma

neurotoxina encontrada principalmente nos ovários e fígado do baiacu, mas também no

peixe-ouriço, no monge aquático e em alguns caranguejos, caracóis e estrelas-do-mar

(Fig 24). Foi isolado pela primeira vez em 1950 em ovários de baiacu. Em 1963, a

estrutura foi elucidada por pesquisadores japoneses e sintetizada quimicamente em

1987. A tetrodotoxina é um antídoto para a batracotoxina de veneno de rã altamente

tóxica; também é usada em pesquisas neurológicas para bloquear os canais de sódio.

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Tetrodotoxina, o veneno do baiacu. Fig 24

O consumo de baiacu, um sashimi especial no Japão conhecido como ―Fugu‖, custa a

cada ano em torno de 75 vidas humanas. Sua preparação em restaurante requer de uma

licença especial. Provavelmente não o próprio peixe, mas as bactérias associadas a ele

produzem o veneno. A tetrodotoxina bloqueia os canais de sódio em neurônios que são

acionados por um potencial elétrico. Os potenciais de ação não são mais desencadeados

e a excitação nervosa e muscular é eliminada. A vítima nota primeiro uma sensação de

formigamento nos lábios, depois na garganta, e finalmente segue uma paralisia, que

começa cerca de 45 minutos após o consumo do peixe. Ventilação e administração oral

de carvão são as terapias. Se sobreviver as primeiras 24 horas, o prognóstico é bom.

Quando administrado por via intravenosa, o veneno se espalha por todo o corpo e a

vítima está rapidamente morrendo de paralisia respiratória. A tetrodotoxina é

extremamente tóxica, a dose letal para humanos fica em 1 mg.

A vítima mais famosa de Fugu é provavelmente Bando Mitsugoro, uma estrela do

tradicional teatro japonês Kabuki. Em um restaurante de Kyoto, ele comeu fígado de

baiacu e pouco tempo depois comentou: "Eu me sinto ótimo como se estivesse

flutuando". Ele morreu sete horas depois. O chef responsável, posteriormente, declarou

que não poderia recusar o pedido de miudezas a um "tesouro cultural nacional", um

título que Bando havia recebido do governo alguns anos antes. O cozinheiro, claro,

perdeu sua licença e foi preso por oito meses por negligência [59].

Armas químicas – as supertoxinas do mal O desenvolvimento do éster de ácido fosfórico orgânico tóxico está ligado à vida do

químico Gerhard Schrader (1903-1990). Desde 1934, Schrader examinou na I.G.

Farben estes compostos sistematicamente. Em virtude desses estudos ele sintetizou os

agentes de guerra Tabun (1936) e Sarin (1938). Em 1944 ele produziu o Paration. Esta

substância tinha o número de desenvolvimento 605, portanto o nome notório E 605 do

produto posteriormente comercializado como inseticida. Ainda bem que não há aditivo

alimentar com a sigla ―E 605‖, para evitar qualquer confusão letal.

Sarin, Tabun, Soman e VX são quimicamente similares (Fig 26). Sarin foi o primeiro

agente de guerra descoberto por Schrader, Amros, Rüdiger e Linde em 1939 como um

resíduo na pesquisa de inseticidas. As letras de seus nomes deram o nome trivial de

Sarin. Em ratazanas, o LD50 para sarin é de 0,55 mg/Kg para ingestão oral. Sarin técnico

é ligeiramente acastanhado e prontamente solúvel em água.

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Até 1944, cerca de 30 toneladas de sarin foram produzidas na Alemanha. A

―Wehrmacht‖ alemã acreditou ter com o sarin uma arma secreta na manga, enquanto o

químico russo A. Arbuzov (1877-1968), especialista em ésteres fosfóricos, já era capaz

de produzir essa substância na escala de toneladas, desde 1943 [60].

Sarin também foi conhecido por um ataque ao metrô em Tóquio em março de 1995.

Houve 12 pessoas mortas e centenas ficaram feridas. O líder da seita responsável,

Asahara Shoko, esperou anos no corredor da morte até ser executado em julho de 2018.

Sarin também foi usado na atual Guerra Civil Síria. Os dois lados da guerra civil

acusaram-se mutuamente. Isso demonstra que em uma guerra, a primeira vítima

geralmente é a verdade. A comissão de investigação da ONU agora tem certeza de que o

exército sírio está por trás dos ataques com Sarin. Pelo menos 83 pessoas, incluindo 28

crianças, morreram apenas em Chan Sheikhun [61].

Também proveniente da pesquisa para agrodefensivos (1952) é a amitona ou tetrame,

melhor conhecida sob a sigla VG. A partir deste composto sólido foi desenvolvido o

VX, um líquido com alto ponto de ebulição que, portanto, dificilmente evapora após a

aplicação e permanece no local por um longo tempo. Com VX, a ingestão de 0,3 mg por

via oral ou 7 mg percutâneo, é suficiente para matar uma pessoa. Em ratos, o LD50 para

VX é de 0,0077 mg/Kg para ingestão intravenosa. O VX é, portanto, muito mais tóxico

que o sarin. Até 1997, o VX ainda era fabricado pelos EUA, até chegar a convenção

sobre armas químicas.

A Chemical Weapons Convention (CWC) é um tratado de controle de armas que proíbe

a produção, o armazenamento e o uso de armas químicas e seus precursores. As

substâncias perigosas são organizadas em três categorias, enquanto a primeira

(―Schedule 1‖) contém as mais severas. Aqui se encontram produtos químicos que

podem ser usados como armas químicas ou usados na fabricação de armas químicas e

que não têm usos fora da guerra química. Eis são [62]:

O-alquil-fosfonofluoridatos (fórmula a na Fig 25; entre estes: Sarin; Soman);

O-alquil-N,N-dialquil-fosforamidocianidatos (fórmula b na Fig 25; entre estes:

Tabun);

O-alquil-S-2-dialquil-aminoetil alquil fosfonotiolatos (fórmula c na Fig 25; entre

estes: VX);

Gás mostarda e semelhantes (fórmula d na Fig 25);

Lewisitas (fórmula e na Fig 25);

Mostardas contendo nitrogênio (fórmula f na Fig 25);

Saxitoxina;

Ricina (ver p. 35).

Além destes, constam os precursores para armas químicas:

Alquil fosfonil difluoretos (DF);

O-alquil-O-2-dialquil-aminoetil alquil fosfonitas (QL);

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50

Clorosarin;

Clorossoman.

OP

R2

F

O

R1

(a)

O

PO N

R2

R3

R1

N

(b) (c)

(d)

R3 N

SP

O

R2

OR

1

R4

ClS

Cl

Cl

As

Cl

Cl(e)

ClN

Cl

R

(f)

Fórmulas gerais das famílias de substâncias, listadas e banidas como Fig 25

armas químicas.

Ésteres orgânicos do fósforo de alta toxicidade. E 605 é um inseticida, Fig 26

sarin e VX são usados exclusivamente como armas químicas.

Como funcionam essas neurotoxinas?

Normalmente, o mensageiro acetilcolina e a enzima acetilcolinesterase reguladam a

transmissão dos sinais entre as células nervosas. A acetilcolina é ancorada como um

receptor em uma célula-alvo e faz com que a célula execute sua tarefa específica, seja

como célula muscular ou célula glandular. O processo é interrompido pela

acetilcolinesterase degradando a acetilcolina. Os ésteres fosfóricos atuam como

inibidores da acetilcolinesterase. Devido à falha da acetilcolinesterase, a acetilcolina

permanece na célula, que continua a trabalhar incessantemente. Se compararmos nosso

corpo com um carro, os ésteres de fósforo tais como E 605 ou VX, seriam igual um

tijolo colocado no acelerador.

A ingestão de 2 a 5 mg de atropina ajuda contra o envenenamento com um éster de

fósforo orgânico. A atropina compete com a acetilcolina pelos locais receptores e,

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assim, inibe a transmissão do sinal permanente. Cloreto de obidoxima pode ser usado

para reativar a acetilcolinesterase. Os soldados da OTAN são equipados com auto-

injectores, a serem aplicados na coxa; seu conteúdo é uma mistura de 2 mg de atropina e

220 mg de cloreto de obidoxima [63]. Ainda em fase de pesquisas estão as ß-

ciclodextrinas, que podem ser usadas no corpo para converter ésteres de fósforo tóxicos

em compostos não-tóxicos. Calix[4]arenos poderiam ajudar contra VX [64].

O mensageiro neuronal acetilcolina e seus possíveis antídotos. Fig 27

Em 13 de fevereiro de 2017, o aerossol VX foi evidentemente usado para matar o

renegado meio-irmão Kim Jong-nam do governante norte-coreano Kim Jong-un. Doan

Thi Huong, uma ex-participante de um show dos talentos na TV vietnamita, borrifou

Kim Jong-nam com um líquido no rosto no aeroporto de Kuala Lumpur. A vítima

surpresa morreu cerca de 20 minutos depois, ao caminho do hospital. Suas últimas

palavras foram "Dor, dor, dor". A assassina de 28 anos afirmou após sua prisão que

achava que estava fazendo uma brincadeira inofensiva em um programa de piadas de

câmera escondida. Especulou-se que o serviço de inteligência norte-coreano estava por

trás do assassinato, já que Kim Jong-un temia o meio-irmão exilado como um

concorrente.

Dioxinas – Representante famoso dos venenos ambientais A 2,3,7,8-tetracloro-dibenzodioxina altamente simétrica, também conhecida como

TCDD, é produzida em pequenas quantidades durante a combustão de compostos

organoclorados (Fig 28). Foi sintetizado pela primeira vez por W. Sandermann em 1957

[65]. As dioxinas são produzidas especificamente apenas para fins de pesquisa. Eles não

têm importância econômica prática e positiva.

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2,3,7,8‐Tetracloro‐dibenzodioxina Fig 28

A ingestão de dioxinas é inevitável, pois ocorre em quase toda parte, embora em

quantidades muito pequenas. Na Suécia, por exemplo, a carga é de 0,1 ng por dia por

pessoa, principalmente devido ao consumo de peixe. As dioxinas são metabolizadas no

fígado por desalogenação redutiva pelo citocromo P-450. Através de intermediários

com função de epóxido, os átomos de cloro são clivados e substituídos por hidroxilas.

O veneno de Seveso, 2,3,7,8-tetraclorodibenzodioxina, é particularmente estável, de

modo que a meia-vida biológica em humanos é de 6 a 10 anos. Em concentrações

superiores a 800 ng/Kg no soro sanguíneo, aparecem sintomas da cloracne.

Uma maneira rápida de desintoxicação não é conhecida. Uma abordagem possível é a

inclusão de substitutos de gordura, como a ―olestra‖. Olestra, uma gordura artificial não

calórica, não é absorvida no intestino, mas dissolve na passagem intestinal partes da

dioxina contida na gordura corporal, que é então excretada.

A dioxina tornou-se mundialmente famosa após o acidente de Seveso, no norte da Itália,

em julho de 1976, quando a produção de triclorofenol saiu de controle em uma fábrica.

A dioxina existente matou animais de estimação, plantas murcharam, uma área de 115

hectares foi evacuada, muitas casas tiveram que ser demolidas posteriormente, e 190

pessoas sofreram de cloracne. Aumento da incidência de câncer na região de Seveso foi

relatado. A expectativa de vida fica 15 anos abaixo da média.

Interessante é que a substância-mãe, a dioxina (Fig 28 à esquerda) é de baixa toxicidade

(o valor de LD50 para ratazanas é de 1,22 g/Kg para ingestão oral), o TCDD é cerca de

60.000 vezes mais tóxico (o valor LD50 para ratazanas é de 0,02 mg/Kg para ingestão

oral).

Outras incidências com dioxinas:

As dioxinas ocorrem como impurezas no "Agente Laranja", que foi usado pelas tropas

americanas para desfolhar a selva na Guerra do Vietnã. Isto levou a danos crônicos na

população e nos soldados americanos. O então presidente ucraniano, Yushchenko, foi

aparentemente envenenado com TCDD em 2004 e sofria de cloracne, reconhecível na

face da vítima pelo público mundial. Em seu tecido foi encontrada uma dose aumentada

de 50.000 vezes de dioxinas.

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Botox - Rei na escala dos venenos A toxina botulínica é uma neurotoxina, produzida por bactérias anaeróbias, que em

condições apropriadas à sua reprodução, crescem e produzem sete sorotipos diferentes

de toxina. Dentre esses, o sorotipo A é o mais potente.

Sob o nome comercial de Botox, esse veneno é um termo coletivo para sete proteínas

neurotóxicas similares. São secretados como exotoxinas de Clostridium botulinum,

Clostridium butyricum ou Clostridium baratii. O efeito venenoso é baseado na inibição

da sinalização das células nervosas, que além da fraqueza muscular também leva à

paralisia respiratória.

O botulismo de intoxicação alimentar foi reconhecido pela primeira vez em 1817 por J.

Kerner. Em 1822, ele assumiu uma toxina como causa e até mesmo sugeriu o uso dessa

substância sinistra em pequenas quantidades como droga contra distúrbios nervosos. Em

1868, o envenenamento por toxina botulínica foi chamado de botulismo e as bactérias

responsáveis foram isoladas em 1897 por van Ermengem. Os micróbios foram

denominados Bacillus botulinus. Em 1946, a toxina do tipo A foi isolada pela primeira

vez. A toxina botulínica do tipo A, também conhecida como BoNT A, consiste numa

cadeia pesada e leve, com 447 e 848 aminoácidos respectivamente; ela tem uma massa

de 146.000 daltons.

A cadeia pesada é uma proteína de revestimento que protege a neurotoxina real da

degradação do ácido gástrico. Aquecimento a 100 °C por 5 minutos leva à

decomposição da toxina, a 121 °C bastam 3 minutos. A proteína de revestimento

também se liga com alta afinidade aos receptores da membrana celular. A endocitose

faz com que a toxina entre em uma vesícula. A ponte dissulfureto da toxina é rompida e

as duas cadeias da toxina são separadas. A cadeia leve contém um átomo de zinco e atua

como uma endopeptidase de zinco e destrói, entre outros, a proteína de acoplamento

SNAP-25, que se destina a garantir que as vesículas de acetilcolina possam alcançar o

local alvo. A falha das vesículas de acetilcolina impede a transmissão neuromuscular e

leva à paralisia [66

].

Botulismo é uma doença bacteriana rara, porém grave. No Brasil ela ocorre na ordem de

100 casos por ano, destes cerca de 5 são fatais. A bactéria causadora dessa condição

pode entrar no organismo por meio de machucados ou pela ingestão de alimentos

contaminados, principalmente enlatados e os que são preservados de maneira

inadequada. Em relação ao tipo de alimento os cinco mais apresentados foram

respectivamente: Mortadela, carne de lata, salsicha, torta de frango e palmito.

Especialmente afetadas são as conservas de carne (não por coincidência a palavra latina

"botulus" significa salsicha), porque a bactéria Clostridium botulinum é bastante

disseminada como esporo; para germinar o esporo requer de um ambiente pobre em

oxigênio, somente em seguida pode produzir a toxina. Para produtos cárneos altamente

curados, parece diferente: o nitrito inibe o crescimento de clostrídios. O que deve

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sempre chamar a nossa atenção são latas de conserva onde a tampa indica a produção de

gases.

Depois de ser exposto ao veneno, dor de cabeça, dor de estômago, náusea, problemas na

fala e na visão ocorrem depois de 12 a 40 horas. Existem sintomas de paralisia. A

paralisia dos músculos do pescoço é característica e, neste momento, a terapia com uma

antitoxina pode ainda ser bem sucedida. Em 50% dos casos não tratados, a morte ocorre

após 3 a 6 dias devido a paralisia respiratória. [67]

A toxicidade da toxina botulínica é quebra de recordes: o valor de LD50 é de 4.000

pg/Kg (rato, subcutano) e para administração intravenosa é até de 30 pg/Kg. A dose

letal para um adulto é de 0,000003 mg, ou seja, 3 nanogramas ou cerca de 40 pg/Kg. A

toxina botulínica é quase 100 milhões de vezes mais tóxica que o ácido cianídrico.

Nenhuma substância é mais tóxica, assim como a toxina botulínica no topo da nossa

escala da Fig 2.

Também foi classificado como uma arma biológica. Vantagens do ponto de vista da

tecnologia de armas são a toxicidade extremamente alta e a propriedade da substância

de se decompor em substâncias inofensivas, de modo que uma área contaminada seria

rapidamente acessível novamente. No entanto, a produção segura é muito difícil e,

felizmente, não é prática para potenciais terroristas.

BoNT A é realmente usado na medicina. Foi usado pela primeira vez em 1980 como

uma alternativa à cirurgia para estrabismo e para o tratamento de blefaroespasmo

(cãibras nas pálpebras) [68]. Outras indicações incluíam bexiga irritável, espasmo na

boca, espasmo das cordas vocais ou aumento da transpiração [69]. No público em geral,

a BoNT A tornou-se conhecida principalmente como ―Botox‖ para suavizar as rugas

faciais. Ao injetar a toxina no músculo, o neurotransmissor acetilcolina é bloqueado

enquanto a sensação e o toque continuam funcionando. O efeito é máximo cerca de 10

dias após a injeção e passa após 2-6 meses.

Em 2015, um estudo mostrou que uma única injeção de BoNT A na testa pode até

aliviar a depressões [70]. O efeito é explicado pelo fato de que expressões faciais menos

preocupadas têm efeito positivo sobre o humor. Não menos importante, este exemplo

mostra que o Botox não se tornou um puro produto de estilo de vida no arsenal de

médicos antienvelhecimento, mas uma neurotoxina versátil com uma notável carreira

médica.

Sumário Existem bem mais de 154 milhões de compostos químicos [71]. Todas as substâncias

podem, teoricamente, ser tóxicas. Como Paracelso afirmou há quase 500 anos, a dose

produz o veneno. De fato, os potenciais venenosos da água, a substância de menor

toxicidade, e a toxina botulínica, a substância conhecida mais tóxica, diferem em escala

astronômica. Uma apresentação logarítmica simples unifica e ilustra várias toxicidades

agudas e designa a água 1 e a toxina botulínica 13,5.

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