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A LA ESCUELA, SIN ARMARIOS 1 Anderson Ferrari 2 Roney Polato de Castro 3 Resumo Partimos de uma imagem, ou melhor, da escolha de uma imagem como título e provocação deste artigo que pretende problematizar a presença das imagens na constituição das nossas subjetividades. É esse aspecto que nos interessa como questão central: como as imagens estão implicadas na constituição de sujeitos? Como esses processos são educativos e implicam as escolas? Questões que nos impõem um desafio e uma potencialidade, qual seja, o de problematizar o predomínio das imagens, assumindo que isso nos leva a mudanças qualitativas no que se refere à cultura, às imagens e aos sujeitos, de forma que não podemos abordar esse fenômeno atual com estratégias e procedimentos de décadas passadas. As imagens e suas implicações para os sujeitos nos obrigam a buscar novas 1 Imagem cedida por Beatriz Gómez García. 2 Pós-doutor em Cultura Visual e Educação na Universidade de Barcelona. [email protected] 3 Doutorando em Educação na Universidade Federal de Juiz de Fora. polatojf@ yahoo.com.br

A ESCUELA SIN ARMARIOS · medios basados en el tiempo y actuaciones, producidos por el trabajo y la imaginación humana, que sirven para nes estéticos, simbólicos, rituales o ideológico-políticos,

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Anderson Ferrari2

Roney Polato de Castro3

ResumoPartimos de uma imagem, ou melhor, da escolha de uma imagem como título e provocação deste artigo que pretende problematizar a presença das imagens na constituição das nossas subjetividades. É esse aspecto que nos interessa como questão central: como as imagens estão implicadas na constituição de sujeitos? Como esses processos são educativos e implicam as escolas? Questões que nos impõem um desafio e uma potencialidade, qual seja, o de problematizar o predomínio das imagens, assumindo que isso nos leva a mudanças qualitativas no que se refere à cultura, às imagens e aos sujeitos, de forma que não podemos abordar esse fenômeno atual com estratégias e procedimentos de décadas passadas. As imagens e suas implicações para os sujeitos nos obrigam a buscar novas

1 Imagem cedida por Beatriz Gómez García.2 Pós-doutor em Cultura Visual e Educação na Universidade de Barcelona.

[email protected] Doutorando em Educação na Universidade Federal de Juiz de Fora. polatojf@

yahoo.com.br

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formas de pensar o olhar e de prestar atenção nos sentidos e significados que vamos dando as coisas e pessoas.Palavras-chave: Cultura visual. Educação. Subjetividades. Sexualidades.

introdução

Optar por uma imagem como título é, ao mesmo tempo, um ato de reconhecimento e de provocação. Reconhecemos nosso contexto atual como aquele em que as imagens adquiriram importância fundamental na educação do nosso olhar e das nossas subjetividades. Essa afirmação, por si só, já nos provoca a pensar essas relações. No entanto, nossa provocação vai mais além. Um ato de reconhecimento como esse que acabamos de fazer não significa que estamos dando por solucionada as questões entre imagens, educação, olhar e subjetividades. Daí a continuidade da nossa provocação em assumir uma imagem como título: as imagens fazem parte de um campo de estudos – a Cultura Visual – que insiste em problematizar, teorizar, criticar e historicizar esses processos (MITCHELL, 2005). Dessa forma, queremos partir do reconhecimento para provocar o campo da Educação a pensar como esses processos podem ser constituídos como educativos à medida que constroem sujeitos, contextos, realidades, espaços, relações, enfim, uma série de possibilidades e desafios para nos colocar sob suspeita e construir novas formas de ser e estar no mundo.

Uma imagem que para servir como título nos obriga a olhar para todos os aspectos que a compõe: as personagens e suas posições, as relações que podemos estabelecer entre esses dois meninos, a presença central do armário, a frase em destaque “A la escuela, sin armários” (que além de ser uma escrita é uma imagem que fortalece, significa e/ou explica as outras imagens), as frases que se seguem: “2009 Año de la diversidad Afectivo-Sexual em la Educación. Por la convivencia, respetemos la diferencia” e as cores do arco íris, que em nossa atualidade é a representação (a bandeira) dos movimentos

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LGBTT4. Todos esses aspectos isoladamente e em diálogo constituem e constroem uma imagem que é a apresentada como título deste artigo e que nos interessa discutir junto aos processos educativos de constituição dos sujeitos. Assim, não há um título formal. A imagem é o título.

Dentre as diversas possibilidades de justificativas para assumir a imagem como título, elegemos duas delas, que nos interessam mais em relação ao que queremos discutir adiante no que se refere à cultura visual como

[...] objetos materiales, edifícios e imágenes, más los medios basados en el tiempo y actuaciones, producidos por el trabajo y la imaginación humana, que sirven para fines estéticos, simbólicos, rituales o ideológico-políticos, y/o para funciones prácticas, y que apelan al sentido de la vista de manera significativa (WALKER; CHAPLIN, 2002, p. 16).

A primeira é a que vivemos em um mundo cercado e organizado pelas imagens. Nas ruas, em placas e outdoors, na televisão, no cinema e outras formas de divertimento como os videogames, nos anúncios de produtos, enfim, circulamos entre imagens e elas nos constituem. Essa presença constante nos convida a pensar que para serem lidas elas são tomadas como objetos. No entanto, são imagens fugazes, instantâneas e que são substituídas muito rapidamente, de forma que não é algo material. Paradoxalmente não são objetos. Melhor dizendo, são tomadas como objetos, dos quais podemos falar, criticar, analisar, problematizar. São significadas e constroem significados que formam isso que chamamos “realidade”, como conjunto de representações que organizam formas de se olhar e de se ver, estabelecem pautas de reivindicações e lutas, contribuindo para definir valores, desejos, identidades e sujeitos.

A segunda justificativa se centra mais no proponente e na proposta da imagem. É um cartaz que, minimamente, tem duas funções. Por um lado é uma propaganda do tema

4 Referência a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros.

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da Parada Gay de Madrid em 2009. Por outro lado, é uma proposição. “A la escuela, sin armarios” pode ser entendida como um convite, uma incitação, uma proposição: “vamos às escolas sem segredos”, ou “se assumam nas escolas”, ou “saiam do armário nas escolas”. Dessa forma, mais do que uma propaganda ele é um convite “a ser”, ele incita a assumir uma posição de sujeito nas escolas, ele define duas identidades. Uma valorizada, aquela do aluno que se assume nas escolas e outra desvalorizada, aquela que permanece no armário. Estamos em um contexto globalizado que nos permite deslocar esse cartaz para outra realidade que não a espanhola e perceber que ele também se encaixaria perfeitamente na atualidade brasileira. Se tirarmos as frases em castelhano e trabalhássemos somente com as imagens, elas definiriam leituras muito próximas daquelas que as frases reforçam. As cores e os símbolos que constituem o cartaz já estão incorporados como representantes dos grupos LGBTT, de forma que em nenhum lugar encontramos os grupos responsáveis por tal produção. Não se faz necessário uma vez que o cartaz, por seus símbolos, cores e frases, traduz a luta e mensagem que são universais para os movimentos LGBTT: interesse pela construção de outra imagem da homossexualidade e não aquela ligada ao segredo, vergonha e medo, além do investimento nas escolas e nos adolescentes, para destacar apenas algumas delas e que mais nos interessam neste texto.

Duas justificativas que dialogam a partir do predomínio da imagem na nossa sociedade atual, que faz com que os grupos LGBTT invistam também na sua produção e difusão como forma de veicularem mensagens, de criar significados e sujeitos, de fortalecer símbolos. É esse aspecto que nos interessa como questão central: como as imagens estão implicadas na constituição de sujeitos? Como esses processos são educativos e implicam as escolas? Questões que nos impõem um desafio e uma potencialidade, qual seja, o de problematizar o predomínio das imagens, assumindo que isso nos leva a mudanças qualitativas no que se refere à cultura, as imagens e

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aos sujeitos, de forma que não podemos abordar esse fenômeno atual com estratégias e procedimentos de décadas passadas. As imagens e suas implicações para os sujeitos nos obrigam a buscar novas formas de pensar o olhar e de prestar atenção nos sentidos e significados que vamos dando às coisas e pessoas. Elas exigem novas metodologias no campo da educação.

Em 2009, a Parada do Orgulho Gay de Madrid (Espanha) teve como tema “A la escuela, sin armarios”. De acordo com os organizadores5, a intenção era denunciar a violência sofrida por adolescentes homossexuais nas escolas, reivindicando assim a possibilidade de que existam escolas “em que os jovens LGBTTs não tenham medo de estudar e onde não haja violência”. Uma explicação para além do cartaz, que se sobrepõe a ele e sobre o que ele estabelece. Mais do que isso, a explicação nos demonstra como a imagem pode detonar outros processos de linguagem na sua exploração. O que os organizadores trazem é talvez o que esperam que o cartaz inicie nas escolas, ou seja, uma discussão em torno da homofobia. A partir daí, estamos incitados a pensar: o que significa estar “dentro” ou “fora” do armário? “No armário” é uma expressão que se refere mais comumente à população LGBTT. Nesse sentido, “sair do armário” seria, então, uma expressão que descreveria o anúncio público da orientação sexual, ou seja, não ocultar uma orientação sexual homossexual, bissexual ou transexual. Há, portanto, um caráter de “revelação” de um “segredo”, que pode produzir efeitos diversos em quem recebe essa “informação” (família, escola, amigos, empregadores, etc.). Poderíamos dizer também que nessa relação com o “armário” está em jogo aquilo que é público (fora) e o que é privado (dentro). Desse modo, entenderíamos que os heterossexuais estariam, “naturalmente”, “fora do armário”. A partir dessas considerações iniciais podemos questionar: qual o significado pessoal e político de estar “dentro” ou “fora” do armário? O

5 Informação obtida em: <http://acapa.virgula.uol.com.br/politica/paradas-gays-de-madri-e-londres-levam-milhares-as-ruas-veja-fotos/2/13/8673>. Acesso em: 03 maio 2011.

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que pode significar essa “revelação”? Como isso se relaciona com as práticas educativas? O que pode significar uma “escola sem armários”? Enfim, questões que nos interessam e nos orientam no desenvolvimento do artigo. Na intenção de dar conta dessas provocações dividimos o texto em três partes: Cultura Visual, Homossexualidades e Educação; Imagens e Educação sem Homofobia e por último, Sexualidades “dentro” e “fora” dos armários: confusões na demarcação de fronteiras identitárias. Três partes que dialogam em torno da articulação central desse número temático: Cultura Visual e Educação. Queremos, portanto, propor a reflexão do encontro entre esses dois campos de conhecimento tomando as homossexualidades como detonadoras da discussão, como parte de processos educativos de subjetivação.

1. cultura visual, homossExualidadEs E Educação

Talvez esse seja o título mais evidente se aproximamos o tema central da revista – Cultura Visual e Educação – da imagem título que tomamos como inspiração. Cultura Visual é algo muito recente, uma discussão iniciada na segunda metade do século passado e que tem a multidisciplinaridade como um aspecto importante para se trabalhar com imagens. Autores como Hernández (2010), Moxey (2004) e Brea (2005) destacam que o fundamento para incluir ou excluir algum gênero de imagem no que chamamos de Cultura Visual está baseado nas circunstâncias históricas, nas necessidades educativas e nas considerações políticas desse gênero e imagem. Dessa forma a dedicação dos grupos LGBTT na produção de imagens é algo que merece destaque de forma que podemos questionar: que tipo de imagens são construídas por esse coletivo? Que identidades e sujeitos estão em negociação a partir dessas imagens? Tomar a produção deste cartaz da Parada Gay de Madrid de 2009 e mais do que isso, tomar essa imagem como produção de Cultura Visual nos possibilita problematizar e pensar novas formas de produção

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de conhecimento desde enfoques muito variados, como por exemplo, interpretações inspiradas pela perspectiva feminista, ou pelos Estudos Culturais, pelos Estudos Gays e Lésbicos, pelos Estudos Foucaultianos ou mesmo pelo estabelecimento de aproximações entre essas formas de se conhecer. Enfoques que demonstram que não existem artefatos culturais desinteressados, mas que são atravessados por relações de poder, de saber e de resistências6.

A partir daí é possível pensar a relação entre Cultura Visual, Homossexualidades e Educação, três processos atuais que se atravessam. Podemos dizer que os estudos da Cultura Visual, no seu desenvolvimento, “bebeu nas águas” desses diferentes enfoques de análise, sendo influenciado também pelos movimentos feministas, de gênero e LGBTT, que foram capazes de nos chamar atenção para os envolvimentos políticos do encontro entre presente e passado. Esses movimentos e a Cultura Visual assumem as interpretações, imagens e leituras como algo construído historicamente e não como essências. Isso significa dizer que tudo é produção, de forma que essa imagem do cartaz mescla passado e presente (o que podemos ler hoje tem relação com os significados e saberes das homossexualidades que foram construídos desde o século XIX), une objetividade e subjetividade (podemos tomar a homossexualidade como conhecimento, como objeto de conhecimento, do qual falamos, produzimos saberes e sujeitos) e sobretudo, nos possibilita inseri-lo num regime no qual a verdade é algo que não somente pode ser encontrada, assumida, resistida, mas principalmente construída discursivamente.

Diversas imagens numa só: imagem título, imagem da Parada Gay de Madrid, imagem que está nas escolas, imagem produzida por grupos LGBTT, imagem vista e significada por

6 Para Michel Foucault (1999) temos que tomar o saber-poder como inseparável, assim como não é possível falar de relações de poder sem pensar em resistências. As resistências fazem parte dessas relações, de forma que não é algo fora do poder. Compartilhamos esses entendimentos e assumimos essa perspectiva na organização do nosso texto. No entanto assumimos essa forma de escrever, separando essas categorias para fortalecer suas presenças.

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adolescentes de diversas orientações sexuais, por professores e familiares. Diferentes imagens e uma só imagem. Enfim, diferentes posições a partir das quais podemos ver, diferentes posições que essa imagem nos situa, faz ver a mim mesmo e que podem ser tomadas a partir de dois aspectos: o político e o poético.

Como aspecto político, estamos chamando os discursos veiculados pela imagem, aquilo que podemos ler nas imagens, cores e frases. A mensagem ou as possibilidades de mensagens que os proponentes tinham a intenção de transmitir. Como poético, queremos dar lugar ao que escapa, as possibilidades de fugas do que está escrito, que está presente como imagem, aquilo que podemos pensar a partir do e em relação ao político. Dois aspectos que dialogam a partir das nossas construções históricas, das nossas histórias de vida, nossas lembranças, saberes e experiências que nos dão instrumentos para ler, entender, assumir ou resistir o político, dando asas para o poético. Se no primeiro caso estamos mais presos aos interesses do proponente, sempre temos possibilidade de resistências, de diálogos pessoais com a imagem e com os discursos. Quando entramos nesse jogo de forças, não é mais o cartaz que está falando, mas é a cultura, aquilo que nos forma e captura e não estaremos mais falando do que estamos vendo, mas daquilo que me constitui, ou seja, estamos falando de nós mesmos. Daí a potencialidade da imagem, ou seja, não estamos interessados somente no que o cartaz traz, na mensagem presente nele, mas nos processos de subjetivação que ele detona, que ele dá início.

Ao voltar ao cartaz, duas ausências nos chamam atenção: a falta das palavras “homossexual” ou “homossexualidade” e a não presença de siglas, ou nomes dos grupos gays responsáveis pela produção, pela parada e pelo chamamento aos adolescentes. No entanto essas não são faltas que fazem diferença. Independentemente das palavras “homossexual” ou “homossexualidade”, é possível fazer essa relação uma vez que é a homossexualidade que foi assumida como segredo e que, portanto, tem algo a revelar. Estar ou “sair do armário”

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são expressões do vocabulário político dos grupos gays e que já estão incorporadas pela população de forma geral e não somente por homossexuais. Assim, quando vemos escritos “a la escuela, sin armários”, acionamos as palavras homossexualidade e homossexual. Não esperamos que a frase e o cartaz como um todo digam de heterossexuais. “Sair do armário” é um aspecto de reivindicação e da proposição atual do discurso dos grupos LGBTT. Entretanto, é um discurso que traz um passado.

Segundo Foucault (1999), a palavra “homossexualidade” foi inventada no final do século XIX, transformando a homossexualidade e o homossexual em objetos de conhecimento, algo capaz de produzir um saber. A “invenção” da homossexualidade pelo discurso médico foi capaz de criar um campo semântico em torno das pessoas que eram classificadas ou se sentiam como tais, de forma que o homossexual surge também como um personagem que tem um passado, uma história e que tem a homossexualidade incorporada no seu corpo, que é denunciada, que é revelada pelo corpo e ações. Inicia-se assim um jogo entre esconder, revelar, vigiar e denunciar que vai marcar parte desta história. Assim sendo podemos dizer que a palavra “homossexual” foi introduzida no discurso moderno, tornando-se popular e precedendo a palavra “heterossexual” (SEDGWICK, 1998). Isso não significa dizer que não existiam práticas homoeróticas antes dessa época. A homossexualidade é apenas uma pequena história dentro da história das práticas homoeróticas com uma ampla gama de condutas sexuais e comportamentos. No entanto, a homossexualidade foi capaz de construir identidades conscientes, uma vez que ela é contemporânea de um movimento mais amplo em que a sexualidade estava relacionada à verdade e a identidade dos sujeitos. Assim, o que a homossexualidade inaugura de forma mais contundente é a relação entre sujeitos, gêneros e sexualidades – um movimento que vai tomar uma dimensão considerável nas sociedades ocidentais modernas – pelo qual as pessoas passaram a não somente estarem preocupadas em assumir e vigiar um gênero (masculino ou feminino), mas

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também considerando a necessidade da revelação de uma sexualidade inscrita no binarismo homossexual/heterossexual. Mais do que relação entre gêneros e sexualidades, o que podemos perceber hoje em dia, é certo embaralhamento entre esses dois aspectos. De qualquer forma, o século XIX foi o período em que se fermentaram as condições para a construção discursiva de identidades binarizadas cheia de implicações, inclusive para outros aspectos menos sexuais das pessoas, como por exemplo, as relações no interior das escolas que não deveriam passar pela definição e “vontade de saber” sobre as orientações sexuais. Dessa forma, quando olhamos para o cartaz é possível perceber resquícios dessas construções ainda presentes hoje, demonstrando como o século XIX está mais perto de nós do que imaginamos (FOUCAULT, 1999).

Os grupos LGBTT nascem neste terreno em que a homossexualidade era algo de segredo, de doença, de medo e todo discurso inicial desses grupos passa a estar ancorado em uma perspectiva de desconstruir imagens negativas da homossexualidade, assim como imagens mais positivas dessas expressões de sexualidade, em um movimento de presente no qual não se perde de vista o passado, aquilo que deve ser negado, desconstruído, mas não totalmente abandonado. Uma luta no presente que tem o passado sob pano de fundo e que volta, necessitando uma vigilância. Um passado que às vezes aprisiona, como por exemplo, a política do “sair do armário” como algo que deve ter a homossexualidade presente em todos os espaços e em todos os momentos, algo que mais aprisiona do que liberta. São os aspectos da sexualidade trazidos para outros espaços e momentos menos sexuais da existência pessoal e muitas vezes ignorando as histórias pessoais de vida.

O cartaz é direcionado aos adolescentes homossexuais de forma geral, como se fosse possível falar de uma homossexualidade homogênea. A ideia é que todos aqueles jovens, alunos de escolas, que se sintam homossexuais se assumam como tais (saiam do armário). Uma mensagem que aposta no processo de identificação assim como na

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força de uma identidade homossexual como sendo capazes de organizarem outros momentos e espaços de vida, como a escola e a adolescência. Ele aciona conhecimentos – o que é ser homossexual, “o que eu sei de mim e sou capaz de identificar como minha identidade”, a relação identidade, verdade e conhecimento e o que significa (que atitudes de transformação) “sair do armário” – de forma que cada vez mais, a imagem e discurso da homossexualidade não somente coincidem com outras linguagens e relações ligadas ao conhecimento como também os transformem. Assim, imagens e discursos da homossexualidade acabam estando muito relacionados a imagens e discursos dos grupos LGBTT, aqueles que “falam em nome de”, constroem conhecimentos e estão autorizados a produzir saberes, relacionando-os com experiência. Da mesma forma que as imagens e discursos dos grupos LGBTT, da homossexualidade, coincidem com as estruturas da Cultura Visual, que definem cores, corpos valorizados, expressões e que vão compondo o cartaz neste encontro de linguagens e imagens, buscando uma transformação: novas atitudes, novos homossexuais, novas escolas.

As relações com o cartaz, a relação do cartaz com os adolescentes e com a comunidade escolar, as relações com o “armário” e com a homossexualidade, estão estruturadas em torno das relações entre o que é conhecido e familiar e o que é “estranho” e diferente, ou seja, entre conhecimento e desconhecimento, entre segredo e revelação, entre homossexualidade e heterossexualidade. Enfim, relações que podem ser reveladoras dos jogos discursivos de forma mais geral. Estamos tomando aquilo que chamamos de “aspectos políticos” das imagens como aquilo que constrói uma mensagem. E, neste sentido, não queremos ficar presos ao discurso como aquilo que está escrito, mas pensar em uma concepção de discurso que nos leve a questionar o que estamos considerando como ato discursivo. Como nos lembra Foucault (1999), a questão não é fazer distinção entre o que está dito e o que não, uma separação binária entre o que pode ser dito e em

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que ocasião e o que não – o que se fala e o que se cala sobre a homossexualidade. O investimento é em tentar problematizar as diferentes maneiras de se falar e de se calar. Não existe o silêncio ou um silêncio, mas sim diversos silêncios que fazem parte, atravessam e subentendem os discursos.

O cartaz é uma produção datada e localizada – Madrid, 2009 – além de ter um proponente claro (embora implícito), os grupos LGBTT e uma proposta evidente, fazer a publicidade e ser um chamamento para a Parada Gay daquele ano e para uma mudança de postura tida como a valorizada. Um tipo de discurso que cria e que fala acerca de duas posturas e dois sujeitos: sair do armário ou não, ser um homossexual assumido ou não. O fato de não querer sair do armário é algo iniciado e diz de um comportamento que tem relação, por si só, com o ato discursivo do silêncio. Sair ou não do armário são atitudes que nos falam de atos de discurso e de silêncio em torno das homossexualidades, de forma que sair do armário é também algo tão específico quanto a postura inversa e talvez não tenha nada a ver com a obtenção de novas informações. Assim, não podemos afirmar que o fato das escolas trabalharem e romperem o silêncio em torno das homossexualidades possa, necessariamente, ajudar, a determinados alunos saírem do armário.

“Armário” é uma expressão tão vinculada aos grupos LGBTT que se transformou numa bandeira, em algo mais do que simplesmente se revelar e assumir como homossexual, mas introduz aquele que diz em um universo político. O cartaz reforça essa associação entre homossexualidade, sujeitos e grupos LGBTT, de forma que dizer “eu saí do armário” é quase que dizer “eu sou militante gay”, mais do que “simplesmente” eu “sou gay”. Para muitos, o fato de dizer e utilizar a expressão “sair do armário” adquire uma importância para além da situação em si. “Sair do armário” virou um símbolo como a bandeira do arco íris, como estar na parada do Orgulho Gay e os grupos gays, consciente ou inconscientemente, incorporam e difundem isso e até mesmo de forma materializada, como na imagem do cartaz. O cartaz acaba materializando em imagem aquilo que está na imaginação de quem escuta ou utiliza a expressão.

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Até agora tratamos de processos que são as condições de emergência do cartaz e que serviram para transmitir a mensagem, ou as mensagens/imagens. Processos que estão em nós e que nos permitem ler e entender o que está sendo dito e mostrado, mesmo que não paremos detalhadamente para pensar em cada um desses aspectos levantados até aqui. Processos que nos educam. Um cartaz que, sendo discurso, está atravessado por relações de poder, é produto e está produzindo discursos em meio ao jogo de forças que supõe resistências, transgressões e liberdades, algo que se aproxima daquilo que estamos chamando de poético das imagens.

Los recursos retóricos, “figuras del habla” o “tropos” se encuentran tanto en la poesía como en las imágenes (aparte de las obras de arte abstracto). La poética visual es uno de los nombres que se ha dado a la rama de los Estudios de cultura visual que examina en prácticamente todo tipo de imagen figurativa, pero es especialmente evidente en publicidad, caricaturas y propaganda y fotomontajes políticos (WALKER; CHAPLIN, 2002, p. 161).

Tomando a citação como inspiração, podemos pensar que a poética da imagem é algo que investe em estratégias utilizadas para emocionar e para persuadir a aceitarem determinadas ideias. Para captar o interesse do público alvo são utilizados recursos de linguagem não literal. Um exemplo disso é a utilização do armário em si e da expressão “sin armários” ao se referir à escola. Ou seja, ao invés de colocar claramente “vamos à escola e assumamos nossa homossexualidade”, utilizam signos e objetos que já adquiriram, através do uso, significados secundários fixos. O que essa imagem é capaz de causar naqueles que se auto-identificam como homossexuais e que estão nas escolas?

Esse retorno do que o cartaz propõe nunca é possível de alcançar como totalidade, de forma que ele dialoga com a história de cada um que é capaz de preencher esse chamado, de significá-lo, de aceitá-lo, negociar com ele e até recusar. Se

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a poética investe na emoção como forma de persuadir, essa emoção também pode levar a outros caminhos. Emoção que faz conectar com outras estruturas que nos formam: recordações, desejos, experiências, vivências, afetividade, dor, expectativas, enfim, uma série de possibilidades despertadas a partir do olhar. Se considerarmos que o ato de ver está ancorado em um modo de expressão cultural e de comunicação tão importante quanto a fala, podemos argumentar que a relação entre o cartaz, entre a imagem, entre o que estamos chamamos de cultura visual (como algo mais amplo do que o cartaz, mas do qual ele faz parte) e o público não se nutre apenas de interpretação das imagens, mas diz de um campo social da visão, do ato de ver, do alcance do meu olhar que diz acerca dos meus processos de subjetivação (GUASCH, 2005).

O cartaz coloca em circulação o que é fundamental desse campo social da visão, ou seja, usamos a visão para olhar as demais pessoas, para olhar o nosso entorno. O cartaz faz esse papel, através dele olho as pessoas e a mim mesmo. No cartaz eu encontro pessoas, ele fala de vidas: negadas, possíveis, desejadas, imaginadas. Nesse caminho não somente olhamos os outros, mas a nós mesmos, somos olhados pelo cartaz como um espelho que reflete, o olhar bate e volta. Olhamos o cartaz, entramos no jogo, lemos o seu conjunto e o seu chamado e ele me retorna, me leva a pensar qual é a minha posição diante do que está colocado, o cartaz me olha e me cobra, eu respondo a ele. E, quando eu respondo a ele e penso se estou ou não “fora do armário”, não é mais o cartaz que está falando, mas é a minha história de vida. Esse complexo campo de bate e volta, de reciprocidade visual entre o cartaz e as pessoas não é o resultado passivo da realidade social, mas é o que constrói isso que chamamos de realidade, que produz as homossexualidades (várias delas e, minimamente, homossexuais que estão ou não no armário), os sujeitos, as escolas, os grupos. Um processo que educa, uma vez que o campo da cultura visual, tomado aqui especificamente no que se refere à imagem e o cartaz da Parada Gay de Madrid, não podem ser entendidos como uma construção social do visual, como simples reflexo desse social,

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mas pelo contrário, como uma construção visual do social, ou seja, ela cria realidade e sujeitos.

O cartaz não revela e não descreve a realidade. Podemos mesmo afirmar que ele não precisa da realidade, ele investe na realização, sendo assim um projeto a ser construído, uma potencialidade. Assim, ele e a proposta que ele instaura estão em uma dimensão de surgimento, a partir da qual surgem ações, expressões, sujeitos e lugares a serem realizados. É nesse espaço entre a imagem, o que deve ser realizado e a construção da realidade que as subjetividades começam a se articular em ações, discursos e espaços. Um preenchimento que vai da imagem ao sujeito atravessado por emoção e desejo. A imagem, como herdeira da Arte, é um dos campos em que o desejo pode se converter em proposta, em ação, em transformação, atuando sobre a realidade, no qual aquilo que está sendo proposto (a imagem) tem a possibilidade de ser realizada e ser levada à esfera do que é imaginado (uma escola sem armários, alunos que se assumam).

É importante ressaltar que não estamos entendendo que o cartaz serve apenas para as subjetividades homossexuais. Considerando que as orientações sexuais são relacionais, quando falamos da construção das homossexualidades estamos também pensando nas heterossexualidades e outras orientações que também circulam pelas cidades e que entram em negociação com o cartaz. Dessa forma, quando o cartaz permite que aquele que vê articule uma resposta e uma conduta em relação ao que ele propõe, ele dá a possibilidade desses sujeitos existirem frente a si mesmos como sujeitos a partir da negociação com a homossexualidade. Assim, o cartaz e mesmo a Parada Gay diz a respeito de todos e não somente de homossexuais.

No cartaz, os sujeitos nunca são dados, nunca vêm prontos, sendo assim, há um investimento na necessidade de se inventar os sujeitos. Se pensamos em um aluno que vai a escola e se assume, temos que pensar também no colega do lado, na turma de forma geral, no conjunto de professores, enfim em outros sujeitos que serão “atingidos” por esse sujeito

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homossexual “fora do armário”. “Atingidos” porque quando eu modifico minha posição eu altero as posições dos sujeitos que estão ao meu redor, de forma que assumir a homossexualidade na escola não é algo somente individual. Diz de uma postura que é relacional, dialoga com aqueles que estão ao redor, ou seja, se dá no encontro entre o que é individual e o que é social. Quais são os momentos de encontro entre as imagens e certo modo de subjetividade? Entre o cartaz e certo modo de ser homossexual? Essas perguntas nos possibilitam pensar que circunstâncias permitem a determinados modos de subjetividade vir à tona e como isso se dá com relação às emoções e ao afeto?

2. imagEm E “Educação sEm homoFobia”

Como afirmamos anteriormente, o cartaz não diz apenas de homossexuais, ele significa outras orientações sexuais. Quando é distribuído na cidade ele passa a ser de domínio público, compondo o conjunto de imagens que formam a cidade e que interage como os seus ocupantes. Assim, o menino heterossexual também vê, também significa, lembra de histórias, reforça ou rechaça a heterossexualidade a partir do outro, da construção desse outro, que sai da imaginação e se materializa na imagem do menino saindo do armário. Como parte do cartaz, encontramos outras frases que dialogam com aquela em destaque: “2009 Año de la diversidad Afectivo-Sexual em la Educación. Por la convivencia, respetemos la diferencia”. Uma frase que se diferencia da “A la escuela, sin armários”, uma vez que parece direcionada não aos homossexuais, mas que faz um convite às outras orientações sexuais, sobretudo aquelas mais envolvidas com práticas de homofobia. Assim, ela é um componente do cartaz que pode capturar e apostar numa mudança.

Ellsworth (2001) nos ajuda a pensar esse aspecto das imagens em capturar seu público, nos diferentes modos de endereçamento que constituem uma imagem. Fazendo um deslocamento do pensamento da autora para o cartaz, uma vez que ela pensa nos modos de endereçamento no campo dos

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estudos de cinema, queremos nos apropriar da relação entre política e mudança social que o modo de endereçamento investe. Assim podemos dizer que o cartaz foi feito “para alguém”, pensando “em alguém”. Em uma leitura apressada, diríamos que foi feito para os homossexuais, o que limitaria sua ação. Tomando o fato que o cartaz foi distribuído pela cidade e fala de um universo não apenas composto por homossexuais – a cidade e as escolas – podemos afirmar que ele foi feito para todos. Sobretudo se pensarmos essas duas frases que trazem novas informações, fortalecidas pela explicação dos organizadores (“em que os jovens LGBTTs não tenham medo de estudar e onde não haja violência”). Dessa forma, o cartaz trabalha com aquilo que Ellsworth (2001) chama de modo de endereçamento: quem o cartaz pensa que eu sou e quem ele quer que eu seja? E, pensar que ele é uma produção de um coletivo gay, podemos supor que se trata de uma política de mudança social. Mudança no que se refere aos homossexuais consigo mesmos e dos heterossexuais (somente para citar uma orientação sexual) em relação às homossexualidades e a si mesmos.

Discutir homossexualidades como relação significa pensar que as heterossexualidades também se constituem pelos discursos da homossexualidade, neste embaralhamento entre gênero e sexualidade que falávamos no início do artigo: ser homem se tornou, para muitos, sinônimo de ser heterossexual. E, neste processo de construção performativa de construção da heterossexualidade, a homofobia tem feito parte. Assim, discutir a homofobia passa a ser um debate importante e fundamental para novas formas de ser homem, de ser heterossexual, que não passe pelo machismo, pelo sexismo e homofobia. Essa discussão está presente no cartaz, pode ser detonada a partir dele e também ser denunciada, conforme diz os organizadores. O cartaz, uma vez materializado passa a ser do domínio de todos. Do nosso, por exemplo, que estamos partindo dele para produzir e construir esse artigo. Mas também pode ser utilizado em cursos de formação de professores, uma vez que ele também diz de professores, de

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alunos, de escola. Incitações que convocam alunos a serem diferentes: a saírem do armário e a serem mais tolerantes com as diferenças. Convocações ou provocações que passam por um novo modelo de escola, que envolve professores. De certa forma, podemos dizer que o cartaz também direciona a formação docente: “quem eu penso que os professores são, quem eu quero que eles sejam”?

A ideia de uma “escola sem armários”, apresentada pelo cartaz, foi discutida com cursistas do “Educação Sem Homofobia”7 (ESH), em Juiz de Fora (MG), em uma das aulas intitulada “Escola e Sexualidade”. Uma ideia que se baseou nesse cartaz que é o foco da nossa análise. Após discutirmos múltiplas categorias8 que produzem a relação entre sexualidades e escola como uma “questão”, ou seja, como algo sobre o qual há diversos e distintos posicionamentos, foi apresentada a imagem9 da campanha promovida pela organização da Parada do Orgulho Gay de Madrid, na qual podemos ver dois adolescentes: um deles parece tentar “sair” do armário e o outro parece tentar impedi-lo. Múltiplas observações podem ser feitas a partir dessa “cena”, dentre elas podemos citar: há inúmeros mecanismos que organizam o modo como os sujeitos manifestam/vivenciam suas sexualidades no espaço escolar; algumas dessas formas de manifestação/vivência das sexualidades são vislumbradas – mesmo que de forma “controlada” ou “vigiada” – e outras são silenciadas; as manifestações do desejo sexual não-heterossexuais, em geral, têm pouco ou nenhum espaço de discussão nos currículos

7 Curso de formação de professoras/es, pertencente a um projeto realizado em quatro municípios (sendo um deles Juiz de Fora), concebido e organizado por uma equipe de profissionais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Mais informações sobre o projeto podem ser obtidas no site: <http://www.fafich.ufmg.br/educacaosemhomofobia/>.

8 Foram discutidas as seguintes categorias: Educação, Pedagogias Culturais, Poder, Cultura, Escola, Currículo, Identidade, Diferença, Sexualidade, Identidades Sexuais e orientação do desejo sexual, Homossexualidades, Estereótipo, Preconceito, Discriminação, Sexismo, Homofobia.

9 Disponível em:<http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1203022-5602,00.html>.

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escolares. Ao fazer essas observações estamos cientes do risco das generalizações – sabemos que existem escolas, no plural, e que sempre há possibilidades de “linhas de fuga” nas relações de forças entre os sujeitos e as instituições – mas, os argumentos aqui tecidos têm o intuito de nos levar a pensar, sobretudo, nos modos como as práticas escolares, historicamente, têm destinado espaços distintos para as sexualidades e como isso tem reflexos nas relações de subordinação e violência a que são submetidos, com frequência, aqueles/as que não compartilham da orientação heterossexual do desejo.

Ao trazer o cartaz como suporte de uma aula em que se pretendia discutir as sexualidades e escolas, podemos dizer que há pelo menos dois deslocamentos importantes para ser analisados à luz da formação docente, da atuação e importância dos grupos gays na construção de discursos sobre as homossexualidades e da apropriação e utilização de imagens para esses fins. Um primeiro deslocamento é aquele que diz do contexto em que foi originalmente distribuído para o interior da sala de aula. Do contexto espanhol para o brasileiro. O segundo centra na finalidade da produção dessa imagem. Uma imagem convocatória, quer seja para a parada Gay de Madrid, quer seja para uma nova postura de adolescentes nas escolas. Assim temos o deslocamento de uma imagem propaganda para uma finalidade de formação, uma função didático-pedagógica. Podemos inferir que toda imagem é didático-pedagógica na medida em que transmite uma mensagem, busca ensinar algo, investe num processo de educação mais amplo voltado para a construção de sujeitos.

Dessa forma, estamos considerando que a visão é tão importante quanto a linguagem, de modo que a cultura visual não se alimenta apenas de interpretações de imagens, mas diz da possibilidade de se pensar e descrever um campo social do olhar. Quando se apresenta esse cartaz num curso de formação docente, mais do que simplesmente investir na interpretação da imagem e sua mensagem provocadora para as escolas, instala-se um processo de percepção do que é

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possível de se ver, o que os alunos veem e o que não veem. Com essa proposta articulam-se dois conceitos que nos parece fundamentais para discutir a relação entre processos educativos e imagens: experiência e estética. Dois conceitos que devem ser entendidos no processo de constituição de sujeitos. Não queremos dizer com isso que as imagens tenham que se desprender dos usos e funções que originalmente foram pensadas e elaboradas, das situações e contextos em que foram utilizadas e circularam. Num contexto globalizado de hoje em que é possível ter acesso a imagens produzidas e utilizadas nos mais diferentes espaços e contextos, é importante dar lugar a essas especificidades ao mesmo tempo em que não podemos ficar presos ao pragmatismo e nem ao contexto, sob pena de reduzir as possibilidades de problematizar as imagens, nossa cultura e as relações entre ambas.

3. sExualidadEs “dEntro” E “Fora” dos armários: conFusõEs na dEmarcação dE FrontEiras idEntitárias

Quando fazemos uso do termo “sexualidade”, estamos nos remetendo a algo que faz parte das nossas vidas desde uma perspectiva histórico-filosófica específica, em termos socioculturais e discursivos. Essa “sexualidade” que conhecemos, vivemos e sobre a qual falamos (muitas vezes de forma prolixa e fervorosa), se constitui a partir da Modernidade. Isso quer dizer que os sujeitos não exerciam suas sexualidades antes desse período? O que pretendemos argumentar aqui é que nossa compreensão atual do que é viver as sexualidades está intimamente relacionada às sociedades ocidentais Modernas e seu projeto social civilizatório. Foucault (1999) argumenta que no século XVIII nasce uma incitação política, econômica, técnica, a falar do sexo, colocando em funcionamento uma “polícia do sexo”, isto é, a “necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e não pelo registro de uma proibição” (p. 28). Segundo Foucault (1999), nessas sociedades “a” sexualidade foi transportada para a dimensão do privado,

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para dentro de “armários”, mais especificamente “para o quarto do casal”. Associada a isso houve uma intensa “explosão discursiva”, a fim de denunciar uma “repressão sexual” que teria se efetivado nesse contexto, acirrando nossa vontade de saber. Ali emerge também a sexualidade como forma de vigilância e de disciplinamento dos sujeitos, a partir das prescrições de diversos especialistas (médicos, psiquiatras, sexólogos, psicólogos) que passaram a elaborar classificações e parâmetros de normalidade para as práticas sexuais, produzindo conhecimentos que colocavam os sujeitos nas categorias “normal” e “anormal”.

Nesse contexto de uma “nova caça às sexualidades periféricas”, “nasce” o sujeito homossexual, como uma “personagem”. Segundo Foucault (1999, p. 43-44),

O homossexual do século XIX torna-se uma personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa. [...] É necessário não esquecer que a categoria psicológica, psiquiátrica e médica da homossexualidade constituiu-se no dia em que foi caracterizada – o famoso artigo de Westphal em 1870, sobre as “sensações sexuais contrárias” pode servir de data natalícia – menos como um tipo de relações sexuais do que como uma certa qualidade da sensibilidade sexual, uma certa maneira de inverter, em si mesmo, o masculino e o feminino. [...] O sodomita era um reincidente, agora o homossexual é uma espécie.

Essa “personagem”, como argumenta Foucault (1999), já nasce com status de desvio, categorizada como patologia do comportamento sexual normal. Ao criar classificações para as práticas sexuais “desviantes”, os especialistas criam também o padrão que serve como parâmetro: a sexualidade madura, conjugal, heterossexual e procriativa. As instituições sociais incorporam essas classificações e a visão de que “o sexo” não poderia ser assunto de todos, mas seria tratado apenas pelos especialistas e as autoridades que precisam construir as normas para um exercício da sexualidade sadio e normal.

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No século XIX, o campo médico-científico ganha notoriedade e multiplica as formas de regular os prazeres e desejos, especialmente as formas consideradas “desviantes”. A medicina passa a investir sobre os sujeitos, investigando seus desejos, suas fantasias, classificando o “normal” e o “patológico”, o “bom” e o “mau”, instituindo correções, investindo terapêutica e pedagogicamente sobre os indivíduos (crianças, jovens, homens, mulheres), sobre as famílias e sobre a “população”. Foucault (1999) argumenta que as sociedades modernas estariam vendo a emergência da “scientia sexualis” que procura interrogar, classificar, regular as sexualidades periféricas, ou seja, a sexualidade das crianças e das mulheres, a dos loucos e dos criminosos, o “prazer dos que não amam o outro sexo” (p.39).

Tudo o que foi dito até agora nos serve para pensarmos nas formas como as sexualidades vêm sendo enquadradas e como a escola participa desse processo, relação apontada pela análise que vimos tecendo sobre o cartaz da Parada do Orgulho LGBTT de Madrid em 2009. Como dissemos anteriormente, a escola é uma instituição “característica” da Modernidade e, de muitas formas, ela participa também desses mecanismos de classificações e padronizações das sexualidades. Pode ser importante, desse modo, pensarmos: de que formas as sexualidades têm sido tratadas nas escolas? Quais delas podem ser conhecidas e quais devem permanecer “dentro dos armários” nas escolas? Nosso intuito é, deliberadamente, conduzir ao debate sobre duas proposições nos estudos da educação para a sexualidade, para a equidade de gênero e diversidade sexual: as sociedades ocidentais Modernas e, por conseguinte, as instituições escolares, são regidas e organizadas em torno da naturalização e padronização da heterossexualidade e da masculinidade10; as instituições escolares têm geralmente (re)produzido essa organização, assim como têm colaborado para

10 Ao afirmar que a heterossexualidade e a masculinidade se colocam como padrões, atentamos para o fato de que há múltiplas formas dentro dessas categorias e que alguma delas tem status de padrão e norma. Pensemos, por exemplo, nos comportamentos masculinos mais valorizados e que nem todos os que se auto-identificam como homens compartilham desses atributos.

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a manutenção desses padrões. Mas, vamos nos deter melhor nesses argumentos.

Ao dizer que existem processos de naturalização, estamos nos referindo a tudo aquilo que aprendemos a lidar como concepções ou atitudes pretensamente “naturais”, “comuns”, “normais”, que as pessoas acham que sempre foram “do jeito que são” e que há sempre consenso sobre eles. Como isso se relaciona com a questão das sexualidades? Pensemos no seguinte: alguma família educaria seu filho ou filha para ser homossexual? Alguma família faz planos de que seu filho ou filha se relacione e constitua seu projeto de vida ao lado de uma pessoa com o mesmo “sexo”? Algum/a professor/a pensa em atividades pedagógicas que possam se constituir como produção de alunos e alunas homossexuais? Infelizmente, as respostas para essas perguntas parecem ser negativas. O cartaz da Parada do Orgulho LGBTT de Madrid em 2009 pode ser usado para pensar essas relações: não se justificaria a produção de tal artefato se a homossexualidade ocupasse um lugar natural dentre as possibilidades de experiências da sexualidade. Isso nos conduz a pensar que a heterossexualidade é um valor legítimo para as culturas ocidentais, o que a transforma em um “padrão” a ser seguido por todos/as. Porém, ninguém nasce hetero, bi ou homossexual. Nossa cultura se encarrega de nos ensinar, por meio de inúmeras (sutis, refinadas, naturalizadas) pedagogias, a ser o que somos, dessa forma, também aprenderíamos a ser hetero, bi ou homossexuais. Algumas dessas pedagogias, como argumentamos a priori, são colocadas em funcionamento por meio da Cultura Visual. Como isso acontece? Por que uma pessoa se identifica com uma dessas categorias? Não há uma resposta, única e segura, para essa questão. Talvez devêssemos nos perguntar: como aprendemos a conceber a heterossexualidade como “natural”, “normal” e as demais orientações do desejo sexual como “antinaturais” e “anormais”?

Os discursos e práticas que vem se sustentando desde o século XIX colaboram para a construção de uma imagem “negativa” da homossexualidade, atribuindo a ela um lugar de “não valor” em nossa sociedade. Para muitas pessoas, ainda hoje,

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as relações homossexuais são consideradas algo repulsivo, doentio, anormal. A ideia de ter uma pessoa homossexual compartilhando o local de trabalho, a sala de aula ou um banheiro público é, para muitos, algo incômodo, para não dizer repugnante ou agressivo. As famílias não imaginam para seus filhos e filhas a possibilidade de educá-los para serem homossexuais; ao contrário, é preciso afastá-los do perigo que essa possibilidade representa. A possibilidade de ter um filho/a homossexual aflige muitas mães e pais e a constatação desse acontecimento é algo que gera inúmeros conflitos. Ao colocar os sujeitos homossexuais nessa categoria, nossa cultura acaba por imputar-lhes uma identidade absolutizada, ou seja, sendo homossexual a pessoa deixa de ser o/a filho/a, o/a amigo/a, o/a profissional, e passa a carregar uma “marca” que muda as relações sociais, reafirmando seu caráter desviante. Tudo isso poderia servir para pensarmos na produção e circulação de um cartaz que nos convida a pensar numa escola sem armários: a política da imagem que tem a intenção de fazer circular representações outras da homossexualidade, direcionando-se não só aos/às adolescentes, mas a toda a sociedade. Assim, podemos considerar que o cartaz aqui analisado funciona como dispositivo de subjetivação que pode perturbar a negatividade e o não-valor atribuído às homossexualidades.

Argumentando que a sexualidade foi se tornando a verdade mais fundamental dos sujeitos (FOUCAULT, 1999), uma vez que por meio dela pode-se chegar às profundezas do ser, muitos dos comportamentos e sentimentos acima descritos poderiam se justificar: temos sido bombardeados pelos saberes médico-psiquiátricos, associados à valores morais/religiosos, que associam a homossexualidade a uma falha de caráter, posicionando-a como exceção à regra, como algo pecaminoso.

Crime abominável, amor pecaminoso, tendência perversa, prática infame, paixão abjeta, pecado contra a natureza, vício de Sodoma: tantas designações que durante séculos serviram para qualificar o desejo e as relações sexuais ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Relegado ao papel de marginal ou excêntrico, o

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homossexual é tido pela norma social como bizarro, estranho ou disparatado (BORRILLO, 2009, p. 15).

Desse modo, notoriamente desviante, a homossexualidade se constrói a partir da categoria que é a referência nas sociedades ocidentais, ou seja, a heterossexualidade. Sendo ela o padrão, o centro, os sujeitos que não compartilham dela estariam nas margens, fora do centro, seriam excêntricos (LOURO, 2003). Cabe-nos problematizar, que não haveria uma relação condicionante entre as práticas afetivas e sexuais de uma pessoa e seu caráter, ou seja, ser homossexual não é sinônimo de “doente”, “pecador”, “mal caráter”, “promíscuo”. Como argumenta Furlani (2007), “aquilo que aprendemos a valorizar e a guardar como valores de vida, nada tem a ver com a nossa orientação sexual” (p. 163).

Desde as décadas de 1960 e 1970, temos acompanhado um processo intenso de resignificação das sexualidades, pautado nas discussões dos movimentos de mulheres, dos movimentos feministas, movimentos de gays e lésbicas, denunciando “a complexidade do patriarcado, o sexismo, o machismo, a misoginia e a hierarquia presente nas relações de gênero”, bem como “a homofobia e a não-isonomia nas leis” (FURLANI, 2005, p. 221). A maior visibilidade das identidades sexuais, reflexo do movimento de “política de identidades”, vem colocando em pauta a discussão sobre o preconceito e as práticas discriminatórias e de violência contra gays, lésbicas e transexuais. Essa visibilidade acirra ainda mais os jogos de poder entre os grupos “minoritários”11 e aqueles chamados “conservadores”. Certamente, temos aqui um aumento na disponibilidade pública de representações e códigos culturais

relativos à homossexualidade, levando à crescente aceitação dessa pluralidade cultural, ao passo que renova os “ataques” daqueles que buscam reafirmar os tradicionais valores associados à família cristã (LOURO, 2004). Assim, a possibilidade de que

11 É importante ressaltar que o termo “grupos minoritários” não se refere ao aspecto quantitativo, mas sim ao modo como esses grupos vêm sendo subjugados em termos de direitos essenciais.

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existam movimentos como as paradas do orgulho LGBTT e a elaboração de materiais como o cartaz aqui tomado para análise, nos quais são produzidas e pelos quais circulam imagens que se constituem como discursos políticos, são atravessadas pelas reivindicações, pelas lutas e deslocamentos empreendidos pelos movimentos sociais de contestação.

Em função dessa movimentação política, a homofobia tem sido tema de debate nos movimentos sociais, nas políticas públicas, na mídia e nas pesquisas acadêmicas. Porém, o que percebemos é que as pessoas possuem diferentes entendimentos sobre os discursos e práticas homofóbicas, reflexo da compreensão anteriormente construída a respeito das identidades sexuais.

Podemos dizer que a homofobia é, inicialmente, uma forma de violência contra gays e lésbicas que se caracteriza por um sentimento de hostilidade, medo, ódio, aversão e repulsa. Porém, segundo Borrillo (2009), este sentido se mostra limitado, porque não abrange toda a extensão do fenômeno. “[...] Ela é uma manifestação arbitrária que consiste em qualificar o outro como contrário, inferior ou anormal. Devido a sua diferença, esse outro é posto fora do universo comum dos humanos” (p. 15). Desse modo, a homofobia se institui na relação entre o “centro” – a heterossexualidade – e os “ex-cêntricos” – a homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade, servindo para reafirmar a heteronormatividade – o regime discursivo em que os comportamentos sexuais são qualificados como modelos sociais a serem seguidos, seguindo um “destino pré-fixado”, no qual o sexo biológico determina a identidade de gênero (masculino, feminino) e, consequentemente, um desejo sexual unívoco (heterossexual) (BORRILLO, 2009; LOURO, 2004).

A discussão sobre a homofobia e a heteronormatividade tem adentrado os “muros” das escolas, a partir da constatação de que alunos e alunas – crianças, adolescentes, adultos – e profissionais que lá atuam são, ao mesmo tempo, praticantes e vítimas dessa forma de preconceito. Este fato motiva a produção de estratégias de enfrentamento, especialmente por grupos gays organizados que elaboram materiais, promovem campanhas e eventos, nas quais os efeitos perversos da homofobia e da

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heteronormatividade são apontados, denunciados. Como observamos no cartaz da Parada do Orgulho Gay de Madrid (2009), o enfrentamento a homofobia nas escolas é também tomado como uma questão urgente, devido ao modo como a instituição lida com as sexualidades, geralmente, compartilhando do projeto social de exclusão das homossexualidades.

Ao admitirmos que essa forma de lidar com as sexualidades não está “nas pessoas” (não nasce com elas), mas faz parte de um regime de verdade instituído na cultura, a escola pode se constituir como espaço de problematização dos processos de constituição identitária e de demarcação das diferenças que, juntamente com outras instâncias sociais, pode perturbar as relações naturalizadas de inferiorização dos sujeitos que escapam do “armário” da heterossexualidade, relação esta que tem produzido humilhações, constrangimentos e violências.

considEraçõEs Finais: pEnsando numa Escola dE possibilidadEs

Finalizando este texto, nossa esperança é que seus argumentos sirvam menos como ensinamentos e mais como provocadores de pensamentos. Portanto, ao pensar numa escola de possibilidades, pensamos em contribuir para compor as docências artísticas (CORAZZA, 2010) que estão nos cotidianos das escolas. Quando argumentamos que a escola vigia, controla, hierarquiza e subordina as identidades sexuais, não queremos dizer que não há como escapar desses processos, mas sim que ao tomar conhecimento deles, possamos colocar em atividades outras práticas, outras atitudes, outras formas de discussão, outros debates. Não podemos incorrer no erro de supor que o sujeito, os professores em formação, os alunos, enfim, os sujeitos de conhecimento, aqueles que estão em contato com o cartaz, que estão dialogando com ele, que estão sendo educados por ele, os nossos leitores e essas formas de conhecer se dão previamente e definitivamente. As formas de se conhecer e de constituir os sujeitos dizem dos seus contextos.

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A partir dessa afirmação, o que tínhamos como proposta neste artigo era mostrar como o campo da cultura visual está implicado por práticas sociais e educativas que podem levar a domínios de saber que não somente fazem com que apareçam novos objetos de conhecimento, conceitos e métodos de apropriação e trabalho com as imagens, mas que, sobretudo, fazem nascer formas diversas e novas de sujeitos de conhecimento. O cartaz por si só, tem essa pretensão de construir novos objetos e sujeitos em articulação. Ao envolver as escolas, a situação se estende para outras constituições de sujeitos. Ao ser tomado por nós como prática de formação docente a partir das possibilidades de problematização da relação cultura visual e educação, adquirem novas funções, novos objetos e sujeitos, enfim, toda uma trama em torno dessas relações. Uma trama ou um jogo que não descarta as vinculações (que não pode descartar) desses sujeitos de conhecimento constituído a partir da imagem com suas histórias. Cada um que olha o cartaz, que tem contato com ele, que é chamado a pensar os seus símbolos, representações e significados tem uma história, aciona suas histórias pessoais que possibilita que entre em contato e em relação com a imagem e que possibilita construir um conhecimento sobre esse objeto-imagem. Um conhecimento, portanto, que tem uma história.

Partimos de um entendimento da imagem como discurso, o que significa pensar na perspectiva foucaultiana como jogos estratégicos de ação e reação, de desafios e potencialidades, de perguntas e respostas, provocações e resistência, ou seja, como luta. É nessa luta que se produz o sujeito. Neste sentido, o nosso artigo se insere neste jogo, nesta luta uma vez que ao se propor analisar e trabalhar essas relações, entra no jogo, faz parte da luta numa perspectiva muito clara e política que é a de pensar como se produz, através da história, o sujeito de conhecimento. Mais especificamente como se produz esses sujeitos professores, sujeitos alunos portadores de uma sexualidade, sujeitos homossexuais através de discursos (as imagens estão entendidas aqui) tomados como conjunto de estratégias que formam parte de práticas sociais.

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A la escuela, sin armarios

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to thE school Without any closEts

AbstractWe start with an image, or to better put it, the choice of an image as the title and motivation of this article, which aims to discuss the presence of images in the constitution of our subjectivities. This is the central aspect of the article: How are images implied in the constitution of subjects? How is this process educational and what does it imply to schools? Questions that present us challenge and potential, to know, the discussion of the imortance of image, assuming it leads us to qualitative changes concerning culture, images and subjects, such that we can not look at this current phenomena with strategies and procedures from last decade. The images and their implications to subjects force us to search for new ways of thinking, looking and paying attention to the meaning we give to things and people.Keywords: Visual culture. Education. Subjectivities. Sexualities.

Data de recebimento: dezembro 2012Data de aceite: fevereiro 2013