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1 A EUTANÁSIA EM FACE AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Euthanasia In The Face To The Principle Of Human Dignity Pâmela Priscila Valdonado da Silva Aluna do curso de direito, projeto de pesquisa apresentado no âmbito das atividades de TCC. Professor Orientador: Roderlei Góes Resumo: o presente artigo aborda sobre o que seria de fato uma morte ou uma condição de vida digna que vem resguardada pela nossa Carta Magna. Ou seja, tem o intuito de análise jurídica da prática da Eutanásia em face ao princípio da dignidade da pessoa humana na busca do real valor de que trata tal princípio. Se na Constituição Federal é conferido o direito à vida digna, bem como a liberdade, sendo assim cabe garantir a qualquer ser humano o direito de decidir sobre sua própria vida, a forma que ache digna de viver ou morrer. Logo, cabe investigar se em caso de ameaça de morte em caso de doença grave em estado terminal ou invalidez permanente que não possa de jeito nenhum ser revertida, o direito de escolha do paciente se quer ou não continuar sobrevivendo com ajuda artificial de aparelhos é um direito do próprio doente escolher se quer uma morte digna, leve, sem sofrimento escolhendo a Eutanásia ou se quer uma morte pelo seu processo natural, às vezes, dolorosa. Não há no nosso ordenamento jurídico brasileiro uma norma que ampare a prática da Eutanásia, contudo existem estudos seja do ponto de vista ético, moral, religioso e clínico que garantem que o direito à vida é maior, irrenunciável e inviolável, mas que ainda é mais valioso viver de forma digna do que a simples existência biológica. Palavras-chave: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Eutanásia. Estado vegetativo. Direito de escolha. Legalização. Abstract: this article discusses about what would actually be a death or a dignified standard of living which is guarded by our Constitution. Ie has the legal analysis intention of the practice of euthanasia in light of the principle of human dignity in the pursuit of real value that comes with that principle. If the Constitution is granted the right to a dignified life and freedom, so it is guarantee every human being the right to decide about his own life, the way we think worthy to live or die. So it is up to investigate whether in the event of death threats in case of serious illness in terminal or permanent disability state that does not can in no way be reversed, the right of choice of the patient whether or not to continue to survive with artificial aid devices is a Right from the patient himself choose whether to a dignified death, light without suffering choosing euthanasia or whether a death by your natural process sometimes painful. There are in our Brazilian legal system a rule that sustain the practice of euthanasia, but there are studies is from an ethical point of view, moral, religious and clinical guaranteeing the right to life is greater, inalienable and inviolable, but even more valuable live in a dignified manner than the simple biological existence. Keywords: Principle of Human Dignity. Euthanasia. Vegetative state. Right to choose. Legalization. Sumário: Introdução. 1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os direitos fundamentais. 2. Conceito de Eutanásia. 3. Direito comparado. 3.1.Países que legalizaram a Eutanásia 3.2.Países que autorizam ou toleram a Eutanásia 3.3.Países que proíbem a

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A EUTANÁSIA EM FACE AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Euthanasia In The Face To The Principle Of Human Dignity

Pâmela Priscila Valdonado da Silva

Aluna do curso de direito, projeto de pesquisa apresentado no âmbito das atividades de TCC.

Professor Orientador: Roderlei Góes

Resumo: o presente artigo aborda sobre o que seria de fato uma morte ou uma condição de

vida digna que vem resguardada pela nossa Carta Magna. Ou seja, tem o intuito de análise

jurídica da prática da Eutanásia em face ao princípio da dignidade da pessoa humana na busca

do real valor de que trata tal princípio. Se na Constituição Federal é conferido o direito à vida

digna, bem como a liberdade, sendo assim cabe garantir a qualquer ser humano o direito de

decidir sobre sua própria vida, a forma que ache digna de viver ou morrer. Logo, cabe

investigar se em caso de ameaça de morte em caso de doença grave em estado terminal ou

invalidez permanente que não possa de jeito nenhum ser revertida, o direito de escolha do

paciente se quer ou não continuar sobrevivendo com ajuda artificial de aparelhos é um direito

do próprio doente escolher se quer uma morte digna, leve, sem sofrimento escolhendo a

Eutanásia ou se quer uma morte pelo seu processo natural, às vezes, dolorosa. Não há no

nosso ordenamento jurídico brasileiro uma norma que ampare a prática da Eutanásia, contudo

existem estudos seja do ponto de vista ético, moral, religioso e clínico que garantem que o

direito à vida é maior, irrenunciável e inviolável, mas que ainda é mais valioso viver de forma

digna do que a simples existência biológica.

Palavras-chave: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Eutanásia. Estado vegetativo.

Direito de escolha. Legalização.

Abstract: this article discusses about what would actually be a death or a dignified standard

of living which is guarded by our Constitution. Ie has the legal analysis intention of the

practice of euthanasia in light of the principle of human dignity in the pursuit of real value

that comes with that principle. If the Constitution is granted the right to a dignified life and

freedom, so it is guarantee every human being the right to decide about his own life, the way

we think worthy to live or die. So it is up to investigate whether in the event of death threats

in case of serious illness in terminal or permanent disability state that does not can in no way

be reversed, the right of choice of the patient whether or not to continue to survive with

artificial aid devices is a Right from the patient himself choose whether to a dignified death,

light without suffering choosing euthanasia or whether a death by your natural process

sometimes painful. There are in our Brazilian legal system a rule that sustain the practice of

euthanasia, but there are studies is from an ethical point of view, moral, religious and clinical

guaranteeing the right to life is greater, inalienable and inviolable, but even more valuable live

in a dignified manner than the simple biological existence.

Keywords: Principle of Human Dignity. Euthanasia. Vegetative state. Right to choose.

Legalization.

Sumário: Introdução. 1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os direitos

fundamentais. 2. Conceito de Eutanásia. 3. Direito comparado. 3.1.Países que legalizaram a

Eutanásia 3.2.Países que autorizam ou toleram a Eutanásia 3.3.Países que proíbem a

2

Eutanásia 4. Espécies de Eutanásia. 4.1 Distanásia. 4.2 Ortonásia. 4.3 Suicídio Assistido. 4.4

Mistanásia. 5. Aspectos Jurídicos, Éticos, Morais e Religiosos. 6. Bioética e Biodireito. 6.1.

Os primórdios da Bioética. 6.2 O papel do Biodireito. 7. Projeto de alteração da Lei Penal

relativamente à Eutanásia. 8. O direito de escolha. 8.1 Opiniões contrárias ao tema. 8.2

Opiniões favoráveis ao tema. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Introdução

O foco desse trabalho é fazer ressurgir os avanços que a medicina vem trazendo, bem

como sua análise jurídica, ética, moral e religiosa, acerca do tema, argumentos que sejam

válidos e indulgentes tanto de quem defende a conduta quanto de quem abomina.

A morte já faz parte da natureza humana, no entanto para a medicina, apesar desse assunto

ser frequente e do aparato tecnológico ser enorme e possibilitar a sobrevivência de um

paciente em estado crítico, a morte ainda é vista como um desastre nessa área.

No entanto, manter um corpo vivo por aparelhos é um sofrimento maior do que a própria

morte, já que às vezes é um alívio para o doente, sua família e demais que fazem parte do seio

familiar, pois sabe-se que um dia todos irão morrer, entretanto, não é a morte por si só que

apavora o ser humano, e sim a forma que isso irá ocorrer, são situações que ainda causam

receio ao ser humano.

Com isso surgiu à biomedicina que se aplica a pesquisa de medicamentos apropriados à

conservação da vida, pode ser usada unida com outras ciências, sua principal função é a busca

pela qualidade de vida do ser humano. Não se esquecendo da Bioética, já que uma está ligada

a outra de alguma forma, pois enquanto aquela visa a qualidade de uma vida melhor ao ser

humano, esta liga a qualidade com os valores fundamentais de moral e de direito que o

indivíduo merece, é nessa ciência que se encontra basicamente é o controle nos avanços

medicinais que a ciência vem desenvolvendo ao longo dos anos.

A questão é amplamente debatida, já que vários princípios constitucionais se chocam

quando o assunto é abordado. De um lado está o direito à vida e de outra a dignidade. Será

que é digno um ser humano não ter o direito de escolher pôr fim a um sofrimento que ele

mesmo sabe que não irá acabar. Apesar de a legislação pátria tratar a Eutanásia como

homicídio privilegiado, a questão é muito mais extensa do que parece ser.

Portanto, é esse o objetivo central do trabalho, não é correto aplicar ao tema como

comparado ao homicídio privilegiado, está na hora de regular a matéria, tendo em vista que os

3

elementos individuais são totalmente diferentes, são questões diferentes, não devendo a

Eutanásia ser tratada com os mesmos elementos do homicídio privilegiado.

1.Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os direitos fundamentais

Inicialmente cabe explanar acerca do surgimento desse princípio no nosso ordenamento

jurídico.

É sabido que o mundo em geral já sofreu com a tirania provocada pelo poder, seja ele

através de um representante de um Estado, País, determinada figura pública ou Política. A

razão é que depois da chegada da Declaração Universal da ONU de 1948, é que esse

absolutismo acabou, ou pelo menos essa seria a ideia, foi assim que começou o equilíbrio

entre o elo mais fraco e o mais forte, pois foram conferidos limites para que o ser humano

possa viver de forma digna.

A Declaração Universal é um marco histórico dos direitos humanos, já que foi organizada

por diferentes origens jurídicas e culturais do mundo todo, sendo assim pela primeira vez na

história essa norma estabelece a proteção universal dos direitos humanos, pois inspirou as

Constituições de diversos Estados e democracias juntamente com uma série de tratados

internacionais.

Vem estabelecido já no preâmbulo da Declaração Universal que o reconhecimento da

dignidade inerente a todos os que fazem parte da humanidade de seus direitos iguais é o

fundamento principal da liberdade, da justiça e da paz do mundo.

Sendo assim todo ser humano tem direito à vida, a liberdade e a segurança pessoal e o

estado democrático de direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

Infelizmente não é só o Estado o único vilão na história, já que quando se fala em direitos

individuais não tem como não incluir os particulares, ou seja, os demais indivíduos que fazem

parte do nosso meio, já que cada um tem uma forma de pensar e de agir.

Desta forma, nos ensina SARMENTO:

(…) se no Estado Social o público avançara sobre o privado, agora ocorre o

fenômeno inverso, com a privatização do público. O Público e privado cada

vez mais se confundem e interpenetram, tornando-se categorias de difícil

apreensão neste cenário de enorme complexidade. Numa sociedade desigual

como a brasileira, com baixo nível de mobilização política, onde o Estado

sempre esteve privatizado, eis que instrumentalizado em prol dos interesses

4

privados das elites, o processo descrito encerra graves riscos. Teme-se que o

Estado se torne flexível para alguns, mas que continue muito duro com os

outros; que a administração seja consensual para os que têm algum poder,

mas imperativa e fria para os que não têm poder nenhum1.

Ensina-nos Cunha Junior que:

A dignidade da pessoa humana princípio fundamental taxado na

Constituição Federal/88 é condutor essencial a identificação material dos

direitos fundamentais e apenas estará assegurado esse princípio quando o ser

humano conseguir utilizar de todos os direitos fundamentais que exista. Ou

seja, é quase impossível ao homem, está garantida plenamente a sua

dignidade2.

O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio que veio sendo construído por

muitos anos, foi uma história longa até chegar aonde chegou, tendo em vista que aplica um

valor ao ser humano que antigamente não era assegurado, garante ao ser humano a proteção

contra tudo o que possa lhe causar depreciação, menosprezo ou qualquer mal.

Para a maioria dos doutrinadores, a dignidade da pessoa humana não é vista como um

direito elencado pelo ordenamento jurídico, já que se trata de uma qualidade inerente ao ser

humano, pois possuímos desde que nascemos, independente de quaisquer circunstâncias,

requisitos ou condições. São valores intrínsecos ao ser humano.

Quando se fala em dignidade da pessoa humana estão englobados todos os direitos

fundamentais assegurados ao homem. Não é possível falar em uma vida digna sem falar em

igualdade, liberdade, saúde, educação, trabalho digno, segurança, a honra e a propriedade.

Ora, como um ser humano viverá digno sem todos esses direitos fundamentais andando lado a

lado. Não tem como sequer imaginar.

Assim sendo, o princípio da dignidade da pessoa humana é tratado em parte como regra e,

em parte como princípio. Contudo não é absoluto, mas a regra que devido a sua extensa

interpretação, não existe uma limitação com nenhuma relação de preferência, já que pode ser

utilizado em diferentes alcances.

1 SARMENTO, Daniel Antonio de Moraes. Os direitos fundamentais nos paradigmas liberal, social e pós-

social. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Crise e desafios da constituição. Belo Horizonte: Del Rey,

2004, p. 403. 2 CUNHA JUNIOR, Dirley da. A efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais e a Reserva do Possível.

Leituras Complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 3. ed.,

Salvador: Editora Juspodivm, p. 349-395, 2008. Material da 4ª aula da disciplina Teoria Geral dos Direitos e

Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado

– UNIDERP/REDE LFG.

5

O princípio da dignidade da pessoa humana está relacionado com a liberdade e valores,

bem como as condições materiais de vida que um ser humano está sujeito, contudo ainda não

é regra, pois esse tema ainda é tratado pelo mínimo existencial que o ser humano necessita

que é devido e que possa alcançar.

Assim sendo, direito do homem quer dizer direitos que ainda não se encontram escritos,

ou seja, sabe-se que existe, no entanto não se sabe aonde poderá encontra-lo, pois já se

encontram em sua essência, todavia não vem expresso.

Portanto, os Direitos Fundamentais são os direitos que os seres humanos têm direito e que

já vêm descritos no nosso ordenamento jurídico, já está garantido por nossa constituição,

enquanto que a Dignidade da Pessoa Humana faz parte dos direitos fundamentais construídos

pelos Direitos Humanos lá atrás e que tem como arrimo o princípio da universalidade dos

direitos humanos.

Na condição de valor basilar, a Dignidade da Pessoa Humana acaba sendo absorvida por

todas as demais garantias fundamentais estabelecidas na nossa Carta Magna, entretanto

reafirmando que não é um direito absoluto, pois faz parte das garantias fundamentais que o

texto constitucional traz.

Dessa forma, nos ensina SARLET, que:

A dignidade da pessoa humana, na condição de valor fundamental atrai o

conteúdo de todos os direitos fundamentais, exige e pressupõe o

reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões.

Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais

que lhes são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria

dignidade.3

2. Conceito de Eutanásia

É sabido que a morte é inexorável a qualquer ser vivo, entretanto o único ser vivo que

sabe que um dia irá morrer é o próprio ser humano.

Mesmo sabendo que a morte é inevitável, desejamos que esta seja rápida, sem dor,

tranquila que não cause danos físicos ou morais ao próprio ser humano ou a sua família,

infelizmente não é sempre assim que acontece.

3 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de

1988. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 88-89.

6

A Eutanásia é um termo de origem grega que significa boa morte ou morte sem dor (EU:

bem ou boa/ THANASIA: morte), ou seja, consiste numa morte mais piedosa, sem sofrimento

tanto físico quanto moral.

Esse termo foi criado no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon em sua obra

“História da vida e da morte”, como tratamento mais adequado para as doenças incuráveis.

No decorrer dos anos, o tema foi ganhando várias vertentes, mas o seu sentido principal

continuou sendo a de que a Eutanásia é um meio utilizado para abreviar um sofrimento

prolongado que um indivíduo vem passando, ou seja, é de proporcionar ao outro que se

encontra em estado terminal com enfermidade incurável ou agravosa que torne sua agonia e

dor excessiva, prolongada e sem nenhum meio que a amenize, um alívio.

Nesse sentido a Eutanásia atinge diversas visões. A de que seria utilizada para acabar de

vez com aquela vida indigna que o paciente estava vivendo, entendendo que seria uma

condição de vida insuportável de lidar. Outra de que seria utilizada para acabar com a vida do

paciente que se encontra num estado de dores físicas tamanhas que nem a medicina encontra

solução ou margem de esperança para aliviar essa tortura moral em que está vivendo. E ainda

que fosse utilizada para acabar com a vida do paciente antes que chegasse ao inevitável, ou

seja, a sua morte já é certa, no entanto ainda não está passando pelos sofrimentos, agonias que

serão gerados pela doença futuramente.

Assim sendo, a Eutanásia não é mais tida como a vilã na história, pois se imagina que era

utilizada simplesmente para dar cabo à vida de um ser humano. Felizmente esse pensamento

tomou formas diferentes e atualmente é vista como um meio que o paciente que se encontra

sem esperanças médicas de viver ou que esteja sofrendo uma dor imensurável, totalmente

debilitado, vivendo uma vida imoral e indigna, de optar por não viver mais dessa forma e nem

de ver seus familiares e entes queridos sofrendo juntos sem esperanças de que no final depois

de tanto sofrimento este chegaria ao fim, ou seja, a Eutanásia não é a morte em si, ela apenas

age sobre a própria morte.

Vale frisar que o foco principal da Eutanásia não é o paciente sadio, deixando sempre

claro isso. Ela visa àquele paciente com enfermidades incuráveis, que se encontram

totalmente sem chances de cura ou uma possível melhora, atormentados tanto pelas dores

físicas quanto morais, abalados, sem um por cento de esperanças.

Para Evandro Corrêa de Menezes, entende-se que “a eutanásia é aquele ato em virtude do

qual uma pessoa dá morte a outra, enferma e parecendo incurável, ou a seres acidentados que

7

padecem dores cruéis, a seu rogo ou a requerimento e sob impulso de exacerbado sentimento

de piedade e humanidade”. 4

E ainda:

A cada segundo, minuto, todos os dias no mundo inteiro muitas pessoas se

encontram nessa situação e rogam que a Eutanásia seja a sua escolha, que

tenham o direito de escolher a morte, por si mesmas, ou que seja permitido

que outras pessoas as matem, pois não aguentam mais viver dessa forma,

como um vegetal esperando que um dia chegue o alívio de não sofrer mais

assim.5

Nesse sentido, RONALD DWORKIN complementa:

A medicina hoje ostenta de uma tecnologia capaz de manter a vida dessas

pessoas que já se encontram “mortas”, os métodos utilizados são tão

avançados que são capazes de manter esses indivíduos “vivos” por dias,

semanas, meses e até por anos, ou seja, a ciência se encontra tão evoluída

que esses indivíduos que só estão esperando a sua hora ou que estão

incapacitados de tal forma que não há como mensurar tamanha dor que estão

passando ou totalmente inconscientes de tão “drogadas” por remédios,

interligadas por milhares de aparelhos que se fossem desligados não

sobreviveriam por meia hora ou seu caso clínico se agravaria ainda mais,

exploradas por dezenas de médicos que não são capazes de reconhecer e

para os quais já deixaram de ser pacientes para tornar-se verdadeiros campos

de batalha. Situações desse tipo nos aterrorizam a todos. E o pior é viver

como um vegetal inconsciente, mas escrupulosamente bem cuidados. Ou

seja, o indivíduo tem esse direito de optar por querer ou não viver dessa

forma, e cada vez mais o quanto antes esse tema deve ser analisado com

antecedência6.

3. Direito Comparado

Em muitos países a prática da Eutanásia já se encontra legalizada, fundada no conceito da

boa morte com dignidade. Pela maioria dos países a Eutanásia ainda é vista como uma forma

4 MENEZES, Evandro Corrêa de. Direito de Matar: (Eutanásia). 2 ed.Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1997.

p. 39/40 5 Idem. p. 39/40 6 DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: Aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. CAMARGO,

Jefferson Luiz. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p 252.

8

de homicídio privilegiado, principalmente pelos países Sul Americanos, já em alguns países

não é visto como crime e em outros não possui uma tipificação.

Sendo assim, nos ensina JAIME ARBUEIZ CARNEIRO FILHO:

As diversas legislações estrangeiras têm se ocupado frequentemente ao tema

da Eutanásia em seus respectivos códigos. Sendo assim, pela maioria dos

povos latinos a sua prática é tida como uma forma de homicídio privilegiado,

e em outros como uma ausência de delito, exceto por motivo egoístico,

embora alguns adotem ainda uma postura extremamente conservadora, que

não excluem a sua prática com as diversas formas de homicídio7.

Quanto às legislações europeias, estas são mais tranquilas quanto à prática da Eutanásia,

ora isentando de qualquer pena, ora cominando penas atenuadas, apesar de que em alguns

países ainda não seja regulada de forma estrita.

Parte do território Australiano pelo período de 1996 a 1997 regulou pela primeira vez a

prática da Eutanásia ativa, já que fora revogada pelo parlamento Australiano após oito meses

em vigor, cuja denominação era a Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais. Esta lei

estabelecia inúmeros critérios e precauções até permitir a realização da Eutanásia.

Nos EUA em 1991, foi proposta uma alteração do CC da Califórnia, que determinava que

uma pessoa adulta, em estado terminal, contudo apta mentalmente, poderia requerer e receber

ajuda médica para morrer, permitindo que a morte fosse realizada de maneira indolor, humana

e digna e que os médicos teriam prerrogativa legal destes atos, não sendo considerado crime.

No Código Penal Boliviano foi introduzido em seu ordenamento jurídico no Art. 257, um

tipo penal que se refere expressamente à Eutanásia, no qual a sua prática confere a quem

pratica uma pena de um a três anos de reclusão, sendo que nos casos de consentimento do

interessado, poderá ser concedido o perdão judicial e ainda algumas atenuantes atreladas ao

caso concreto. (Bolívia, 2003)8.

Mesmo no caso de perdão judicial a conduta continuará sendo antijurídica, pois conforme

às circunstâncias de cada caso, é instituído uma pena mais branda com relação ao homicídio

simples e agravado, sendo caracterizada como homicídio piedoso, pois será elemento

particular do tipo que elimina qualquer outra forma para se praticar tal delito (Bolívia, 2003)9.

7 FILHO, Jaime Arbueiz Carneiro. Eutanásia. Revista Consulex. São Paulo, a. 3, n. 29, mai. 1999.

8 BOLÍVIA. Código penal boliviano. Delito Autônomo Privilegiado. Bolívia, 2003.

9 Idem

9

O Uruguai também estabelece o perdão judicial em seu Art. 37 que diz que além do

paciente ter feito reiterados pedidos, o autor que praticar a Eutanásia deve ter antecedentes

honráveis e o motivo ser expressamente por estado de piedade ao doente.

Já no Código Penal Colombiano, o homicídio piedoso está regulado em seu Art. 326, onde

quem matar outrem objetivando pôr fim a agonia e tristeza originária de doença grave ou

incurável, responderá pelo ato podendo pegar cerca de seis meses a três anos de prisão,

diferente do código penal boliviano que necessita da manifestação do voluntário para

configurar a Eutanásia. (Colômbia, 2003)10

.

Há mais de dez anos a prática da Eutanásia vem sendo praticada informalmente por alguns

médicos na Colômbia, após ser decidido em processo pela Suprema Corte que não era

considerado crime em determinadas circunstâncias, apesar de que sua prática ainda precisa ser

regulamentada a fim de reduzir justamente os excessos praticados.

Em El Salvador, a prática da Eutanásia está fixada no Código Penal em seu Art. 130,

como homicídio piedoso, estabelecida à sanção de um a cinco anos de prisão sempre que o

paciente se encontre desenganado em estado de sofrimento que seja de conhecimento público

tanto pelos médicos quanto pelos familiares e quem quer que o assista, e é claro que o

paciente confirme expressamente o seu desejo de morrer inúmeras vezes (El Salvador,

2004)11

.

A prática da Eutanásia no Código Penal Paraguaio não se distingue muito dos descritos

acima, está regulada em seu Art. 106, e seu texto também estabelece uma pena mais branda de

até três anos de reclusão ao autor que cometer a Eutanásia contra o paciente. Destacando que

o paciente deve se encontrar seriamente doente e totalmente desenganado pelos médicos, e

sua vontade deve ser expressamente demonstrada por inúmeras vezes. (Paraguai, 2003)12

.

Também na legislação Peruana é regulado no Código Penal em seu Art. 212 que a prática

da Eutanásia é tida como homicídio piedoso, devendo o paciente se encontrar em estado de

sofrimento eterno ou com doença incurável, e ainda deve ter solicitado de maneira expressa e

consciente como forma de pôr fim a uma dor insuportável, a pena não é superior a três anos

de reclusão. (Peru, 1996)13

.

10 COLOMBIA. Código penal colombiano. Delito autônomo privilegiado. Colômbia, 2003. 11

REPÚBLICA DE EL SALVADOR. Código penal. Elsa Vadorenho. Homicídio Agravado. República de El

Salvador, 2004. 12

PARAGUAI. Código penal paraguaio. Homicídio Doloso. Paraguai, 2003. 13

PERU. Código penal. Nuevo código penal. Ediciones El Carmen, 1996.

10

Os países europeus possuem legislações variadas sobre a Eutanásia aos doentes em estado

terminal, vegetativo ou considerado indigno pelo excesso de sofrimento.

Oficialmente, alguns países legalizaram a prática da Eutanásia, outros criaram leis que

toleram alguns procedimentos que põe fim de forma indireta a dor do paciente, e ainda

existem os que ainda comparam a Eutanásia como forma de assassinato.

3.1.Países que legalizaram a Eutanásia

Na Holanda a Eutanásia ativa é praticada desde abril de 2002, ocorre pelo uso de uma

droga que provoca a morte no paciente. Para que seja autorizada, o paciente deve possuir uma

doença incurável e que esteja em estado de sofrimento intolerável e sem fim e seu pedido

deve ser feito ainda quando estiver consciente. O parecer quanto ao estado clinico que o

paciente se encontra deve ser realizado por um médico e confirmado por outro. Vale frisar

que também é autorizada a prática da Eutanásia em menores de 12 anos seguindo, é claro, os

critérios estabelecidos pela lei.

Na Bélgica desde setembro de 2002 foi descriminalizado a prática da Eutanásia. O doente

deve se encontrar em estado de sofrimento físico e/ou psíquico sem fim e totalmente

insuportável, o paciente deve ser maior de idade, está totalmente consciente e realizar a

solicitação reiteradas vezes de forma voluntária e pensada, livre de coação. Sua vontade

poderá ser escrita e terá prazo de validade por cinco anos. Desde março de 2014 o país

autoriza que crianças que apresentem discernimento e se encontre com uma doença incurável,

optem pela prática da Eutanásia. Em Luxemburgo a prática da Eutanásia foi regulada desde

março de 2009, quando constatar de fato que o paciente esteja desenganado pelos médicos e

sua prática é ilegal para os menores de idade.

3.2.Países que autorizam ou toleram a Eutanásia

Na Suíça a prática da Eutanásia na sua forma direta não é aceita pelo país, contudo, é

permitido o suicídio assistido, onde o paciente recebe uma droga letal e ele mesmo ingere sem

ajuda de qualquer outra pessoa. Não é permitido que o paciente receba ajuda para provocar a

sua morte, mas aceita que sejam desligados os aparelhos que mantêm o paciente vivo

artificialmente.

Na França a prática da Eutanásia foi regulada em 2005 através de uma lei chamada

Leonetti, onde favorece que os pacientes em estado avançado de uma doença incurável sejam

11

submetidos a tratamentos que atenuem o seu sofrimento com ajuda de medicamentos e

sedativos, que consequentemente possam abreviar a vida desse paciente.

Na Suécia a única forma que a Eutanásia pode ser praticada é na sua forma passiva. Em

2010 o país permitiu que os tratamentos que mantêm o paciente vivo artificialmente sejam

interrompidos.

Na Grã-Bretanha a Eutanásia é praticada na sua forma passiva desde 2002, onde a

legislação do país é mais tolerante em casos específicos. Ocorre a suspensão dos cuidados

médicos, desde que a vontade do paciente seja demonstrada expressamente.

Na Alemanha e Áustria a prática da Eutanásia só é permitida na sua forma passiva e ainda

assim só será admitida a pedido do paciente.

Na Dinamarca qualquer indivíduo pode declarar por escrito desde 1992 que não quer ser

submetido a tratamentos invasivos.

Na Noruega só será admitida na sua forma passiva e a requerimento do paciente

consciente que se encontre em fase terminal, e no caso que se encontre inconsciente, a sua

solicitação pode ser feita por um familiar.

Na Hungria e República Tcheca o paciente que se encontre em estado terminal, portador

de uma doença incurável, poderá se recusar a ser submetido a qualquer tratamento médico. O

mesmo ocorre na Espanha, os pacientes têm o direito de recusar tratamento médico.

Em Portugal só se admite a suspensão de tratamentos médicos em casos específicos pelo

Conselho de Ética, entretanto a Eutanásia tanto ativa quanto a passiva é condenada.

3.3.Países que proíbem a Eutanásia

Na Itália o código Penal italiano prevê a pena de seis a quinze anos de reclusão, mesmo

com autorização do Paciente, pois a prática da Eutanásia ativa é comparada ao homicídio

involuntário. O suicídio assistido também é um delito.

Na Grécia e Romênia prevê pena de sete anos de reclusão para quem praticar a Eutanásia.

Em Bósnia e Sérvia a Eutanásia é punida na mesma proporção do crime de homicídio.

Na Croácia prática da Eutanásia é proibida desde janeiro de 2013, no entanto a pena

prevista para esse crime é relativamente branda.

12

Polônia: A prática da Eutanásia é punível com pena de três meses a cinco anos de

reclusão, entretanto em casos excepcionais, o juiz pode diminuir a pena do autor ou ainda

renunciar à aplicação da pena.

Na Irlanda é totalmente proibido qualquer forma de auxílio à morte ou ao suicídio

assistido, sendo punida com pena de catorze anos de reclusão.

4. Espécies de Eutanásia

Como existem diversos tipos e classificações encontradas por diversos autores quanto às

espécies de Eutanásia, é bom ressaltar a priori que a Eutanásia pode ser distinguida quanto a

sua ação que pode ser ativa, passiva e de duplo efeito e quanto ao consentimento do paciente

que pode ser voluntária, involuntária e a não voluntária.

Em se tratando das espécies, pode ser classificada em: Eutanásia, Distanásia, Ortonásia e

o Suicídio Assistido.

A Eutanásia como já aclarado, é a morte dada àquelas pessoas que sofrem de doenças

incuráveis e dolorosas ou que se encontrem em estado vegetativo próximo ao fim da vida sem

nenhuma chance de salvação ou alívio, movida pela compaixão, piedade e solidariedade

humana. É praticada usualmente por familiares, parentes, amigos e médicos do paciente.

Ressaltando que o objetivo principal da Eutanásia é que o paciente esteja acometido por uma

doença incurável e a sua motivação seja compassiva.

Na acepção de CLAUS ROXIN:

“A Eutanásia é identificada em sentido estrito quando em casos em que a

morte é iminente, com ou sem ajuda de terceiros, a ajuda é prestada após o

início do processo da morte. Em sentido amplo, quando outrem colabora

para a morte de outra pessoa que, apesar de poder viver mais tempo,

pretende pôr fim a sua vida”.14

4.1 Distanásia

A Distanásia ocorre quando o paciente continua vivo somente com a ajuda artificial, ou

seja, o sofrimento do paciente é prolongado com ajuda de aparelhos, mesmo que a ciência

médica não presuma possibilidade de cura ou melhora.

14

ROXIN, Claus. A apreciação jurídico-penal da eutanásia. Revista Brasileira de ciências criminaisr [do

Instituto brasileiro de ciências criminais]. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.o 32, outubro/dezembro,

2000.p. 10-11.

13

Em vez de permitir que o paciente tenha uma morte natural, prolonga-se sua aflição, seu

sofrimento sem que nem o próprio paciente ou a equipe médica tenham uma noção ou

estimativa de melhora ou ainda de uma qualidade de vida digna.

Esclarece ADONI que a “Distanásia não prolonga a vida, mas sim o processo de morrer,

pouco importando a situação e as condições de dignidade humana do paciente, pois a

Distanásia tem como foco uma cega e censurável obstinação terapêutica, prendendo-se ao

próprio tratamento em si e às realidades tecnológicas existentes”. 15

O que se entende da Distanásia resumidamente é que é algo comum que ocorre

corriqueiramente em hospitais, sendo aceita pela sociedade, tendo em vista que passa a ideia

de que tudo está bem e que se a qualquer momento o paciente vir a falecer entende-se que

tudo foi feito para que o paciente ficasse vivo e quem sabe obtivesse uma melhora.

A Distanásia é considerada pelos médicos como uma conduta antiética, pois se submete o

paciente a um tratamento que não irá curar e nem tampouco melhorar a qualidade de vida

daquele paciente, pois consiste em tratar o que já foi tratado e não resolvido. Somente irá

prolongar ainda mais seu sofrimento tanto fisicamente quando moralmente.

4.2 Ortonásia

Diferentemente da Distanásia, surge a Ortonásia que consiste na morte natural do paciente

acatando a vontade do próprio paciente e de seus familiares, tratada também como Eutanásia

passiva. É o ato de deixar o paciente morrer no seu tempo certo, sem meios que abreviem ou

prolongue sua morte por entender que seria inadmissível prolongar o sofrimento físico, moral,

emocional e econômico do paciente.

A Ortonásia é definida conforme a Resolução do Conselho Federal de Medicina – CFM

nº: 1805/2006, como a situação do doente já se encontrar em estado de saúde que segundo

conhecimento humano e diagnóstico médico, é sabido que prontamente o paciente irá

falecer.16

Somente o médico pode realizar a Ortonásia, pois o médico não está obrigado a

prolongar a morte e nem a vida do paciente por meios artificiais sem a autorização do próprio

paciente.

15

ADONI, André Luis. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais sobre a eutanásia e o direito à morte digna,

2001. p. 406. 16

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Disponível em

http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm, acessado em 23/11/2015, às 15h38min.

14

4.3 Suicídio Assistido

Outra forma de Eutanásia é o Suicídio Assistido, que ocorre quando alguém, uma terceira

pessoa ajuda o doente que não dispõe de meios para conseguir, por si só, a sua morte,

oferecendo meios convenientes para isso.

O paciente é quem provoca a sua morte mesmo tendo a ajuda de outrem. A diferença

fulcral para que o Suicídio Assistido seja considerado uma forma de Eutanásia é que o

paciente tenha anteriormente solicitado ajuda para morrer diante do fracasso de obter melhora

do seu estado clínico, quando verificar que os métodos terapêuticos e paliativos contra o

estado lamentável que se encontra e que acaba por retirar a sua dignidade, ou seja, o próprio

paciente chega à conclusão que sofrerá sem conseguir a reversão do seu caso, sobrevivendo

como um vegetal.

Mesmo o paciente solicitando e consentindo a ajuda de terceiro, a conduta ainda é

considerada ilícita.

4.4 Mistanásia

Por último, mas não menos importante, está a Mistanásia, apesar de ser um termo pouco

utilizado, representa uma morte miserável, antes da hora. Podem ocorrer em casos de omissão

de socorro, erro médico, negligência, imprudência e imperícia. É conhecida também como

Eutanásia social.

Ocorre em sua maioria em pessoas que não têm acesso ao sistema de saúde.

5. Aspectos Jurídicos, Éticos, Morais e Religiosos

A Legislação Penal Brasileira é regida pelo Código Penal de 1940 que foi criada pelo

decreto lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940, o qual não tipificou a prática da Eutanásia.

A prática da Eutanásia não é aceita pelo nosso ordenamento jurídico, pois se entende que

a sua prática vai contra o mais valioso dos bens que é a vida, já que é vista como um

homicídio, sendo assim como não existe uma norma legal que fale claramente em Eutanásia,

sua prática é tida como “homicídio privilegiado”.

Atualmente no caso de um médico realizar a Eutanásia, o profissional pode ser condenado

pelo crime de homicídio com pena de doze a trinta anos de reclusão ou por crime de auxílio

ao suicídio com pena de dois a seis anos de reclusão.

15

Como não há uma norma penal que configure a prática da Eutanásia, cabe o magistrado

analisar a questão minuciosamente e tipificar a conduta de forma análoga, o que é utilizado

pela norma brasileira é que a prática da Eutanásia está configurada no Art. 121, §1º do Código

Penal que trata de uma diminuição de pena do crime de homicídio, pois se o autor comete o

crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta

emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um

sexto a um terço.17

Além da Legislação comparar a prática da Eutanásia com o homicídio privilegiado,

regulamenta também esta questão no seu Art. 122 do Código Penal que menciona que induzir

ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça com pena de dois a seis

anos de reclusão se o suicídio se consumar e se da tentativa resultar lesão corporal grave a

pena é de um a três anos.18

Além do Código Penal, existe o Código de Ética Médica que seguindo a linha de

pensamento do pai da Medicina – Hipócrates, menciona que a nenhum ser humano será dado

para agradar, nenhum remédio mortal ou sequer conselhos para induzir a salvação. No entanto

expõe o Art. 57 que o médico não tem o direito de contribuir direta ou indiretamente a morte

do doente.

Desta forma, o médico de qualquer forma, diretamente ou indiretamente está de mãos e

pés atados, não podendo de forma alguma utilizar de meios que abrevie a vida de um

indivíduo doente mesmo em estado terminal.

Portanto, ainda reforça GENIVAL VELOSO que mesmo que o doente esteja

irremediavelmente condenado à morte e a esperá-la de forma sofrida, continua sendo em

qualquer hipótese, um homicídio. 19

Apesar de ser um crime privilegiado, a sua prática ainda é rechaçada pelo Código Penal,

devendo o autor que praticou ou auxiliou a sua efetivação ser condenado nas formas da lei,

não importando se foi feito a pedido do paciente, por motivo de piedade, de compaixão.

Sendo assim, a prática da Eutanásia ocorre atualmente de forma discriminada.

17

CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848compilado.htm. Acessado em 23/11/2015 às 13h:31min. 18

Idem 19

D.O. de 11 de janeiro de 1965- Seção I – Parte II. apud FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 3.

ed. São Paulo: Bik-Procienx, 1982. p 269/270.

16

Entende-se que, apesar da prática do homicídio praticado na forma da Eutanásia ser

considerado piedoso, que o autor não tem intenção de forma alguma em causar danos ao

paciente, bem como sua família, pelo contrário, só quer acabar de vez com aquele sofrimento

acometido pelo doente que às vezes tem noção que sua condição nunca mais será reversível e

o pior que irá se sentir um vegetal, pois não terá sua vida digna de volta e nem uma possível

condição de vida digna naquele estado, ainda sim é considerado crime e sua sanção na

maioria das vezes é muito maior do que se pode esperar, tendo em vista que o “criminoso”

nesse caso não só responderá na esfera penal, como também na esfera cível e até no campo

ético.

Nos dias de hoje a Eutanásia apesar de não possuir um ordenamento jurídico com

referência ao tema, e sendo vista pelo nosso Código Penal como uma forma de homicídio,

ainda que privilegiado, a Eutanásia não é vista mais como uma simples possibilidade de

ocasionar a morte de um indivíduo. Para estas pessoas que estão sofrendo, que estão

“vivendo” de forma intolerável, inaceitável, é uma forma que colocar um basta nessa situação,

pois não basta viver com dignidade, se ao final da vida não é assim que termina.

A Ética não deve ser vista como forma de agir, pois estaríamos falando da Moral que é

quem determina a forma como cada indivíduo deve agir e se comportar, sendo assim a Ética é

a ciência da conduta humana que automaticamente traz a moral.

Ou seja, a Ética e a Moral apesar de andarem de mãos dadas, são distintas. A Ética está

ligada ao estudo fundamentado dos valores morais que orientam o comportamento humano

em sociedade. Basicamente é uma reflexão sobre a moral. Enquanto a Moral são os costumes,

convenções, normas, os preconceitos criadas e estabelecidas dentro de cada sociedade.

Ao trazer esses dois conceitos no caso em baila, é preciso destacar o Código de Ética que

veda a utilização em qualquer caso, de meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda

que a pedido deste ou de seu familiar.

Ocorre que em se tratando da Eutanásia, seria muito mais ético retirar a vida de um

indivíduo que se encontre com uma doença incurável e que esteja em estado de sofrimento

eterno, onde a única coisa a se esperar é a sua morte e até que esta chegue esteja sobrevivendo

de forma indigna, pois mesmo com tantos meios de tratamentos possíveis utilizados, sabe-se

que não terá a sua dignidade de volta.

Assim sendo, se o princípio da dignidade da pessoa humana garante justamente que o

indivíduo seja ele quem for, no estado que se encontre, tenha o direito de viver dignamente, é

17

justo que o paciente que se encontre esperando somente a morte para descansar de vez,

decidir sobre sua vida.

Seria justo manter um ser humano vivo por meios artificiais sofrendo tanto fisicamente,

uma dor que não se pode mensurar, já que só o próprio paciente é quem sabe o que está

sentindo preso dentro de um corpo que já está morto pedindo para que acabe logo, quanto

uma dor moral.

Não é o correto seguir à risca o princípio da dignidade da pessoa humana somente pelo

fato de ser considerado que a vida é o bem maior a ser protegido. E enquanto a forma indigna

que o ser humano está sendo submetido e, inclusive contra a sua vontade, não deve ser

avaliado, já que o próprio princípio aborda justamente a forma digna que um ser humano

merece viver. Frisando que já foi demonstrado no início do trabalho que o princípio da

dignidade da pessoa humana não é absoluto, então o direito de escolha do paciente em optar

por continuar vivendo sofrendo e esperando a morte chegar, pois sabe-se que ela é certa, ou

escolher em morrer de forma digna.

Imagine uma pessoa que era tratada como sinônimo de disposição, que trabalhava,

estudava, praticava esportes, tinha uma vida até então dentro das normalidades e que num

determinado momento da vida é acometida por uma doença incurável e que tem ciência que

por mais que se submeta aos melhores tratamentos médicos e de longa duração chegará uma

hora em que não terá mais chances de viver de forma digna, que somente irá respirar com

ajuda de aparelhos e saberá que seus órgãos mesmo funcionando artificialmente nunca mais

voltará a ser a pessoa quem era antes, ou seja, não é correto interferir no direito de escolha

desse indivíduo mesmo tendo direito sobre sua vida. A legislação não pode ser superior ao

direito de escolha desse indivíduo.

É muito mais ético respeitar o direito de escolha desse indivíduo do que simplesmente ser

egoísta e acreditar esperançosamente que um dia ele irá voltar a ter saúde e viver dignamente

como vivia.

A questão é que a sociedade busca argumentos fora da ciência para justificar e julgar se

essas escolhas são éticas, dignas ou justas, pois sabe-se que como a moral é definida de

acordo com os costumes, com um conjunto de normas que regulam o comportamento do

indivíduo perante a sociedade, têm-se o medo de que a possível regularização da prática da

Eutanásia em alguns casos, em algumas exceções, façam com que aos poucos sejam aceita

pela sociedade e com o tempo acabe sendo regulamentada como foi o caso do casamento

18

homo afetivo que custou ser abordado, devido à resistência cultural da maioria e que ao final

foi tratado de forma justa como deveria ser tratada.

É com base nesse tópico que se adentra em outro tema bastante polêmico e que é um dos

argumentos com exceção ao princípio da dignidade da pessoa humana, que faz com que a

prática da Eutanásia não seja regularizada.

Os conceitos religiosos na visão das grandes religiões mundiais geram consequentemente,

é claro, opiniões diferentes e interpretações do que realmente seria ético e digno.

O Budismo, uma das maiores religiões do mundo hoje com cerca de 500 milhões de

seguidores fundada pelo indiano Siddhartha Guatama é uma religião que não acredita na

existência de um Deus criador, sendo considerada mais uma filosofia de vida que obtêm

iluminação completa por meio da meditação e que com isso mostra o caminho do despertar

espiritual e da liberdade. Sendo assim, quando se trata de questões polêmicas como a

Eutanásia e outros temas considerados tabus, o Budismo se diferenciam de muitas outras

religiões.

Procura levar em consideração todas as formas do sofrimento, o processo de decisão do

doente, equilibrando o desejo do paciente em optar por uma morte tranquila, que o médico

não cause nenhum tipo de dano e que o desejo da sociedade não seja somente o de preservar a

vida. O budismo não vê a morte como o final da vida, ele enxerga a morte como uma

transição, como uma passagem, sendo assim já reconhecem esse direito que o ser humano tem

em determinar quando deveriam passar desta existência para a seguinte.

Logo, a morte é considerada chegada quando o indivíduo não consegue mais exercer uma

vontade consciente, ou seja, quando o cérebro perdeu definitivamente a capacidade de viver,

podendo concluir que tanto a Eutanásia ativa quanto a passiva é autorizada, devendo é claro

analisa-los separadamente.

Para a religião espírita, é sempre culpado aquele que não sabe esperar o tempo que Deus

marcou para a sua existência. Para alguns autores a Eutanásia é definida como algo puramente

material, sendo assim considerada uma atitude impensada aos olhos do espiritismo.

Acredita-se que o sofrimento seria aparentemente abreviado no momento de hoje, mas que

futuramente esse ato geraria maiores problemas ao longo de sua caminhada espiritual e

evolutiva, pois a religião espirita baseia-se e acredita-se em reencarnações, portanto, o mal

que você causa e não repara hoje em vida, você poderá pagá-lo em outra vida.

19

Em se tratando da religião Islã, para a unanimidade das quatro grandes escolas islâmicas,

fundadas por Abou Hassifa, Malek, Chaffei e Ahmed Ibm Handibal, é ilícita a prática da

Eutanásia.

Surgida após o Cristianismo, o Islamismo trata a vida como algo sagrado, inviolável,

devendo nenhuma pessoa ser submetida a qualquer dano ou ainda que sua vida seja retirada

sob autorização de lei, sendo vedada a utilização de quaisquer meios que auxiliem a morte.

Algumas escolas têm posicionamentos diferentes quando a prática, a escola de Handibal é

de que se a Eutanásia ocorreu com o consentimento do paciente, equivale a sua renúncia de

reclamar a imposição da pena, devendo, contudo, responder pelos seus atos perante Deus.

O Judaísmo é uma religião que estabelece condutas para seus seguidores. Ela dispõe que

o homem não tem disponibilidade da vida e do próprio corpo, pertencentes a Deus. A vida é

considerada um valor infinito e indivisível. O direito de morrer não é reconhecido, o médico é

visto como um instrumento de Deus para preservar a vida, a definição de morte não deriva

exclusivamente dos fatos médicos e fisiológicos, e sim uma questão ética e legal. No entanto,

quanto a questão do prolongamento da vida do paciente, o judaísmo acredita que seja

obrigatório, e o prolongamento da agonia não é, ou seja, quando o médico está convencido

que o seu paciente poderá falecer daqui três dias, fica autorizado suspender as manobras

reanimatórias e de tratamento não analgésico (Eutanásia passiva).

Para o Cristianismo que é uma das maiores religiões predominante no Brasil, muito

embora cada doutrina religiosa entenda de uma forma diferenciada a outras da prática da

Eutanásia, existem diferenças e semelhanças em cada doutrina.

No catolicismo a Eutanásia é considerada uma ofensa à dignidade da pessoa humana,

sendo considerada um crime contra a vida e de um atentado contra a humanidade, pois a vida

para os católicos é um dom do amor de Deus que deve ser considerada. Assim a igreja

católica é contra a prática da Eutanásia.

Apesar da tecnologia está avançando com o passar dos anos, opiniões surgindo ao longo

dos estudos sobre o tema, a opinião que a igreja católica vem adotando é a de que a prática da

Eutanásia é ilícita.

Para a igreja adventista do sétimo dia em relação à Eutanásia, a doutrina é a favor quando

se trata da Eutanásia passiva, porém ao falar em Eutanásia ativa não há um posicionamento

oficial.

20

Para a igreja Batista a Eutanásia também só é permitida na sua forma passiva, pois

defende que o paciente tem o direito de tomar as suas próprias decisões em relação as

medidas a serem tomadas ou suspensão de tratamentos, contudo, é condenável totalmente a

prática da Eutanásia na sua forma ativa.

A religião Mórmon foi fundada por um homem chamado Joseph Smith há mais de

duzentos anos. Ele afirmava ter recebido uma visita pessoal de Deus e de seu filho Jesus

Cristo e que lhe fora dito que todas as igrejas e quem as seguiam fielmente eram uma

abominação. Desta forma, ele passou a tentar estabelecer uma religião que assegura ser a

única e verdadeira igreja na terra. O Mormonismo contraria, transforma e amplia a Bíblia para

a religião Mórmon quando a morte é com toda certeza inevitável deve ser vista como uma

benção e intencionalmente parte da existência eterna, ou seja, não existe a obrigação de

estender a vida na terra, porém a prática da Eutanásia não é permitida, pois viola os

mandamentos de Deus.

Para a religião Testemunha de Jeová, a morte de um paciente é iminente e inevitável. A

Eutanásia passiva é permitida, já a prática da Eutanásia ativa é considerada homicídio que

viola a santidade da vida.

A Bíblia não nos comanda a fazer tudo o que podemos para manter uma pessoa viva. Se

uma pessoa está sobrevivendo apenas com ajuda de máquinas, não é imoral desligá-las e

deixar a pessoa morrer, ou seja, se uma pessoa se encontra em estado vegetativo persistente

por um período prolongado, não seria uma ofensa a Deus remover quaisquer tubos, máquinas

ou qualquer aparelho que mantenha a vida artificial de determinada pessoa, uma vez que se

entende nessa questão religiosa que se Deus quiser manter esse paciente vivo sem ajuda de

aparelhos, ele o fará, pois é maior do que tudo.

É claro que apesar de existirem inúmeras religiões, predominante ou não no Brasil, é

difícil e doloroso tomar uma decisão dessas. Nunca é fácil dizer ao médico ou mesmo acatar a

decisão do ente querido que se encontra nesse estado crítico que não pretende mais viver.

Nunca se deve tentar dar cabo a uma vida de forma que ainda há possibilidade de viver de

forma digna, mas ao mesmo tempo, não se tem o direito de alongar a vida de uma pessoa o

tanto quanto possível, a qualquer custo, pelo fato de não conseguir aceitar a ideia de que

amanhã não verá o ente querido.

Infelizmente é muito mais confortável e aceitável saber que o ente querido mesmo

sobrevivendo por meios artificiais, se encontra ali próximo. Embora a dor ainda seja presente,

21

em ver o familiar, amigo ou quem quer que esteja sofrendo, sem esperanças, pois sabe-se que

se não for por um milagre divino o indivíduo não voltará a vida digna, é mais fácil conviver

com essa dor diária do que com a decisão de se afastar de vez, cortar esse sofrimento que liga

tanto o paciente quanto o familiar.

É nesse ponto que entra a questão religiosa. É claro que não está sendo julgada qualquer

religião, pois o presente artigo não aborda qual religião é a melhor, pior, correta ou não a ser

seguida, e sim se a prática da Eutanásia deverá ser considerada lícita sendo regularizada e não

sendo mais considerada uma afronta contra o bem maior que é a vida.

Ou seja, é mais fácil ao ser humano a ideia de se apegar ao fato de que é pecado a

realização da Eutanásia porque a vida é um dor maior e crer nisso e ter esperanças que um dia

esse indivíduo “morto-vivo” voltará a vida é mais fácil de lidar, do que aceitar que isso não

acontecerá e tomar a decisão de acabar com esse sofrimento, angústia, amargura, agonia

interminável porque sabe que não terá mais a presença física desse ente, mesmo ele não

esboçando nenhum sinal de vida.

Assim sendo, pôde se concluir pelas religiões destacadas no texto que a maioria delas

aceitam a prática da Eutanásia na sua forma passiva, mas reprovam a sua forma ativa.

Entretanto, no final das contas a prática da Eutanásia ocorre, pois, a morte do paciente ocorre

justamente pela falta de recursos exigidos a sua sobrevivência, desta forma, ao final o

paciente morrerá. A única diferença é que na Eutanásia ativa a morte ocorre mais rapidamente

com ajuda de meios que acelerem essa morte, contrário então da passiva abordada pela

maioria das religiões elencadas.

Consequentemente, como já dizia Nicolau Maquiavel, os fins justificam os meios.

6. Bioética e Biodireito

A Bioética é o estudo relacionado a biologia, medicina e a ética, ao qual busca investigar

todas as condições necessárias para uma administração responsável do profissional de saúde

em relação à vida humana em geral e da dignidade da pessoa humana em particular ligada

estritamente ao Biodireito.

O Biodireito é o ramo do direito público que corresponde à Bioética. Estuda as relações

jurídicas entre os avanços tecnológicos ligados a medicina e ao direito, priorizando assuntos

relacionados ao corpo e a dignidade da pessoa humana.

22

6.1. Os primórdios da Bioética

Devido à rapidez com que a ciência juntamente com a tecnologia vem crescendo ao longo

dos anos, faz com que a sociedade se questione a respeito de temas que ainda consideram um

tabu e questões que geram bastante debate entre a maioria.

Assim sendo, com a finalidade de acabar com estes questionamentos foi que surgiu a

Bioética que aborda diversas ciências de maneiras diferentes por diversos estudiosos.

O termo Bioética surgiu em 1970, utilizado por Van Rens Selaer Potter para mencionar

uma nova ciência da sobrevivência e do conhecimento dos sistemas de valores humanos, ou

seja, a ética aplicada à ciência20

. Se a ciência está sendo utilizada de forma correta sem que

seja violado o corpo humano e consequentemente a vida do paciente.

A respeito do entendimento de Potter, MARIA HELENA DINIZ, descreve que:

A bioética seria então uma nova disciplina que recorreria às ciências

biológicas para melhorar a qualidade de vida do ser humano, permitindo a

participação do homem na evolução biológica e preservando a harmonia

universal. Seria a ciência que garantiria a sobrevivência na Terra, que está

em perigo, em virtude de um descontrolado desconhecimento da tecnologia

industrial, do uso indiscriminado de agrotóxicos, de animais em pesquisas ou

experiências biológicas e da sempre crescente poluição aquática, atmosférica

e sonora.21

Nesse mesmo diapasão, ensina RINALDO PEREIRA SILVA que “a contribuição da

bioética para a humanidade consiste na reavaliação da tecnologia que tem o conhecimento

como o fim absoluto, independente, como se não tivesse relação com os homens que o

executam e com aqueles que dele padecem”. 22

A Bioética não está limitada somente às ciências da saúde, uma vez que o seu objetivo

principal é a vida no geral, ou seja, em todas as áreas que a vida seja o tema.

Assim, existem duas formas principais no estudo da Bioética: Uma que parte do

reconhecimento da pessoa e sua essência como condição precedente para o respeito da

20

POTTER, Van Rensselaer. Bioética. In: O mundo da Saúde, Ano 22. v. 22 nº 6, Nov/ dez. São Paulo: FISC,

1998. 21

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2.ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil

(Lei n. 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 09. 22

SILVA, Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. p. 160.

23

dignidade da pessoa humana. E a outra que adota uma postura mais individualista não uma

proposta de ética, mas sim de uma moral que estabelece normas para agir corretamente.23

A Bioética tem três princípios base: a autonomia, beneficência e a justiça.

O princípio da Autonomia requer que os indivíduos que sejam capacitados em decidirem

sobre suas escolhas pessoais, devam ser tratados com respeito sobre as suas decisões, ou seja,

tem o direito de decidir sobre o que fazer com o seu corpo, bem como a sua vida.

O princípio da Beneficência proíbe conferir dano determinado, ou seja, estabelece que o

médico deva utilizar meios que causem o menor prejuízo possível à saúde do paciente,

resumindo que suas ações não causem mal ao paciente.

O princípio da justiça estabelece como condição principal a equidade, ou seja, a obrigação

ética que cada indivíduo deve ser tratado, de dar a cada ser humano o que lhe é devido de

forma adequada. Devendo o médico sempre atuar com imparcialidade, evitando sempre que

aspectos sociais, culturais, morais, religiosos, financeiros ou quaisquer outros que interfiram

na relação com o paciente.

No contexto atual, DAURY CESAR FABRIZ discorre que:

A Bioética pode ser vista como uma probabilidade de se criar um novo

discurso sobre a vida, colocando em discurso uma nova ética em resposta a

uma verdade absoluta que já foi criada atualmente. Frisando que esse novo

ponto de vista de ética não tem a ambição de se colocar como a única

verdade, mas tem o objetivo de gerar uma discussão e analisar os vários

aspectos que a atual e moderna tecnologia trouxe de avanço ao campo da

biomedicina.24

6.2 O papel do Biodireito

Partindo de uma conceituação didática, Biodireito é:

É um ramo do Direito que aborda, especificamente, das relações referentes à

natureza jurídica de todas as questões que envolva a vida do ser humano, ou

seja, questões como o próprio tema, como o aborto, transplante de órgãos e

tecidos entre seres vivos ou mortos, entre tantos outros que lidam como

23

SGRECCIA, Elio. Maual de Bioética. Fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 154. 24

FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 86.

24

fundamento a dignidade da pessoa humana (Art.1°, III, da Constituição

Federal). 25

Conforme ensina REINALDO PEREIRA SILVA, “em consequência do dinamismo com

que a tecnologia nos dias de hoje vem dando a medicina, surgiu o Biodireito que é um ramo

do direito e que também faz ligação entre a Bioética e o direito, buscando sempre o equilíbrio

entre a ciência e a pessoa humana”. 26

O Biodireito resumidamente nada mais é que a ligação doutrinária, legislativa e judicial

que envolve determinadas questões que estão associadas a Bioética.

Nesse entendimento ensina THYCO BRAHE FERNANDES:

O Biodireito na verdade é a formação doutrinária, legislativa e judicial

acerca das questões que envolvem a bioética ou até corriqueiras e

inquietantes que vão da análise minuciosa do tema, passando pelos meios

que serão desenvolvidos, depois passando por questões judiciais que se

dividem em vários aspectos como a garantia constitucional do direito à

saúde, a falta de leitos hospitalares e a justa distribuição de saúde à

população.27

O Direito sempre irá intervir no campo das diversas ciências da saúde, que seja para

legitimá-las, quer seja para regulamentar ou proibir outras, por isso o Biodireito sempre será

convocado.

É bom ressaltar que o Direito não desempenha sozinho um papel totalmente viável, é

imperioso a legitimidade jurídica através das descobertas e também dos riscos que estão

sujeitos para uma melhor condição humana.

Assim ensina MARIA CELESTE:

O Direito, por si só, não desempenha um papel totalmente duradouro nessas

questões, é necessário a legitimidade jurídica divulgada através dos debates

realizados com os cientistas de diversas áreas. O direito se constrói em

relação as suas descobertas, mas também a partir dos riscos que as novas

técnicas criam para a condição humana. É da união e cooperação destes

25

DireitoNet. Biodireito. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/dicionario_juridico. Acessado: 25 de

novembro de 2015, às 13h53min. 26

SILVA, Reinaldo Pereira. Introdução ao Biodireito. Investigações polítco-jurídicas sobre o estatuto da

concepção humana. São Paulo: LTr, 2002. p. 12. 27

FERNANDES, Thyco Brahe. A reprodução assistida em face da bioética e do biodireito: aspectos do direito

de família e do direito das sucessões. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. p. 42.

25

dessas duas vertentes que se determinam as condutas, posturas e sanções que

serão aplicadas por toda comunidade humana.28

O Biodireito nasce sobre os vestígios dos direitos fundamentais, sendo assim, inseparável,

já que trata dos direitos morais relacionados à vida, à dignidade da pessoa humana, a

privacidade. Ou seja, o Biodireito coloca em prática na sua forma jurídica o que vem

garantido no texto constitucional ou proclamado por um grupo de pesquisadores, sábios ou

mesmo por um legislador religioso ou moral. Assegurando na forma da lei as verdadeiras

garantias fundamentais ao homem.

7. Projeto de alteração da Lei Penal relativamente à Eutanásia

No Brasil já chegou a ter uma iniciativa parlamentar favorável quanto à eutanásia e um

contra. O projeto de lei 125/96, de autoria do senador Gilvam Borges, do PMDB pretendia

liberar a prática da Eutanásia em algumas situações, e foi submetido à avaliação das

comissões parlamentares em 1996, entretanto, o projeto acabou não vingando e foi arquivado

três anos depois. Já se tratando de um projeto de lei contrário, o deputado Osmânio Pereira

propôs a proibição clara da eutanásia no país, definindo-a como crime hediondo, porém, a

proposta também foi arquivada.

Atualmente existe em trâmite o projeto de lei nº: 236 de 07/07/2012, apresentado pelo

Senado Federal de autoria do Senador José Sarney, que visa à criação de um novo Código

Penal Brasileiro, decisivamente traz grandes novidades para a esfera penal, principalmente em

questões que ainda são tabus para a sociedade e geram bastante debate.29

Dentre tantas inovações que o projeto de lei traz, encontra-se a tipificação da prática da

Eutanásia, que está prevista no Art. 122 da possível lei penal como uma modalidade nova e

independente de crime diferente do crime de homicídio.

Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal,

imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico

insuportável em razão de doença grave:

Pena – prisão, de dois a quatro anos.

28

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito. Ciência da vida, os novos desafios. p. 118. 29

PROJETO DE LEI DO SENADO nº 236, de 2012 - (NOVO CÓDIGO PENAL), Disponível em

http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404, Acessado em 26/11/2015, às

12h29min.

26

Pelo menos no parágrafo primeiro do referido artigo, o legislador demonstrou um

progresso quanto ao tema, o qual possibilita ao magistrado deixar de aplicar a pena conforme

as circunstâncias do caso concreto.

§1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem

como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a

vítima.

No entanto, parte da maioria dos doutrinadores brasileiros acredita que o direito à vida

continua sendo um direito fundamental quase absoluto, sendo relativo somente em casos

extremamente extraordinários que devem ser expressamente previstos em lei, ou taxado na

Constituição Federal.

Ocorre que embora a maioria dos doutrinadores entenderem que o direito à vida é quase

que absoluto vale frisar que não é a mesma coisa que falar que o princípio da dignidade

humana é absoluto. Já foi demonstrado no início do trabalho que tal princípio não é absoluto,

sendo assim, não deve confundir o direito à vida que é quase que absoluto, com o princípio da

dignidade da pessoa humana, ainda que ambos caminhem juntos.

Reforçando a questão, o próprio STF continuadamente já teve a

oportunidade de se manifestar nesse sentido, de que não existem direitos

absolutos, quaisquer que sejam estes e com base nessa confirmação diversos

tribunais têm utilizado esse entendimento para se embasarem em questões

envolvendo o tema.30

Nesse sentido, não há porque insistir em uma proteção demasiada quanto ao direito à vida,

colocando em risco, inclusive, outros direitos fundamentais necessários até para manter o

próprio direito à vida, já que é muito relativo manter a vida acima de todos, sendo que essa

questão é muito dependente de outros fatores.

Ora, é correto impor a um indivíduo que se encontre sem chances alguma de vida ou de

uma possível melhora, e pior, sem ter ao menos uma condição de vida digna, que este não

poderá pôr fim ao seu sofrimento.

A questão é muito mais social do que de direito, pois é muito mais fácil impor um novo

tipo penal incriminando a prática da Eutanásia, do que garantir o direito à vida digna de um

30

Os Direitos e Garantias fundamentais não tem caráter absoluto. Disponível em:

http://www.jusbrasil.com.br/busca?q=Os+direitos+e+garantias+individuais+n%C3%A3o+t%C3%AAm+car

%C3%A1ter+absoluto&c=, Acessado em 26/11/2015, às 12h56min.

27

indivíduo. Portanto, o projeto de lei tipificando a prática da Eutanásia não quer dizer e nem

garante que o bem jurídico a vida esteja totalmente protegida.

Assim sendo, a tipificação da Eutanásia no projeto de lei nº: 236/2012 vai contra o

entendimento do próprio STF de que os direitos e garantias fundamentais são direitos

absolutos.

O direito à vida é um direito público subjetivo a ser respeitado e protegido pelo Estado, e

um direito subjetivo a cada indivíduo, sendo assim não é devido ao Estado intervir no direito

de escolha do paciente, pois a questão é muito mais além do que somente manter o indivíduo

vivo, ou seja, não é justo manter o paciente vivo a qualquer custo pelo simples fato de que

abreviar seu sofrimento seria considerado crime, enquanto este continuaria uma vida artificial

sofrida, sem nenhuma dignidade.

O direito à vida não pode ultrapassar as demais garantias fundamentais garantidas ao

indivíduo, pois a visão correta seria proteger não só o direito de continuar vivo, mas também

o direito de se ter uma vida digna quanto à sua subsistência.

A dignidade da pessoa humana deve abarcar não só a dignidade da vida, mas também a

dignidade da morte. Não deve haver uma proteção exagerada de um direito para o outro, uma

vez que o meio que a ciência utiliza às vezes para a manutenção da vida de um determinado

indivíduo não deve ultrapassar e nem contrariar os próprios princípios e garantias

fundamentais.

Desta forma, mesmo o atual Código Penal não dispondo de uma previsão legal sobre a

Eutanásia, pois se entende por um fato não punível e uma conduta formalmente típica, este

não ofende o sentimento social de justiça, do entendimento que o justo, apesar de ser “ilícito”,

deve ser feito.

Sempre é bom ressaltar que a Eutanásia não possui o desígnio de violar a vida de alguém

cometendo o homicídio, e sim, garantir a proteção da vida contra a vontade livre e consciente

de terceiros que tenham a vontade ilícita de tão somente pôr fim a vida de determinado

indivíduo.

O projeto de lei que institui uma nova redação ao Código Penal quanto a Eutanásia foi

bastante pobre ao qualificá-la como crime, pois se tivesse o autor do projeto sido mais

arrojado, teria colocado a prática da Eutanásia como uma forma de excludente de ilicitude e

sua prática seria vista com mais rigor evitando o excesso quanto a sua prática.

28

Assim sendo, conclui que o projeto de lei em face da Eutanásia não expande a proteção à

vida, só reprime ainda mais o direito de liberdade que o indivíduo detém, impedindo-o de

decidir sobre sua existência, um direito que é único e exclusivamente seu não cabendo

terceiros ou sequer o Estado intervir nesse processo de escolha.

Por fim, convenhamos que já seja muito difícil que o Estado garanta ao indivíduo

saudável todos os direitos e garantias fundamentais que a nossa Constituição traz de forma

ampla EM VIDA, que dirá ao indivíduo que se encontra A BEIRA DA MORTE.

8. O direito de escolha

Ainda que a ciência tenha evoluído e dado mais esperanças quanto à expectativa de vida

para muitos pacientes, ocorreu um acréscimo do número de doentes sem chance alguma de

cura, somente mantidos vivos graças a esse aparato tecnológico que a medica atualmente

possui.

É nesse ponto que o indivíduo que ainda não tem um posicionamento firme quanto a

Eutanásia se pergunta se a sua prática seria válida ou não, já que mesmo a ciência tendo

evoluído, bem como o número de enfermos, seria adequado provocar um aumento no custo da

saúde da sociedade.

8.1 Opiniões contrárias ao tema

Os que são contra a prática da Eutanásia afirmam que o Estado tem o comprometimento

de preservar a vida de qualquer indivíduo, evitando que estes sejam expostos a qualquer

situação de perigo e até mesmo a morte.

Sendo assim, alegam que o Estado deve utilizar de todos os métodos possíveis para

prolongar a vida desse indivíduo e que a prática da Eutanásia é um ato ilícito provocado

contra aquele doente ainda que seja praticada para acabar com o sofrimento, ainda que

solicitado por este.

Nem o paciente, familiares e até o médico tem o direito de promover a morte ou ainda

deixar de prestar assistência médica ainda que se trate de doença incurável, pois alegam que o

paciente que se encontra em estado terminal não tem a possibilidade de expressar sua

autonomia e se ainda tivesse, mesmo que mínimo, seria insuficiente para determinar sua

vontade quanto a Eutanásia.

Afirmam ainda que a prática da Eutanásia seria utilizada como desculpa para se praticar o

homicídio.

29

MARIA HELENA DINIZ ensina que:

A insuportabilidade do sofrimento e a inutilidade do tratamento não podem

justificar a prática da Eutanásia, pois o primeiro argumento é prognóstico,

podendo ser falível ou podendo surgir um novo método de cura. Ademais, a

medicina tem avançado rapidamente e cada vez mais dispõe de meios para

vencer o sofrimento. O segundo argumento é rebatido por aqueles que são

contra a eutanásia por considerarem o conceito de inutilidade do tratamento

ambíguo.31

Ou seja, o homem não tem o direito de se matar e nem de solicitar a outrem que o faça,

pois, a vida é um direito protegido por nossa legislação e se há uma possibilidade, ainda que

mínima quanto às chances de cura, o Estado deve garantir ao indivíduo.

A vontade do médico e nem mesmo o paciente é superior ao que determina a lei.

8.2 Opiniões favoráveis ao tema

Quem defende a prática da Eutanásia entende que sua prática seria utilizada em casos

onde o paciente se encontra em estado irreversível ou terminal, onde o próprio paciente tem o

direito de escolher se quer continuar sofrendo mesmo sabendo do seu estado ou se quer pôr

fim nisso. E no caso do paciente não ter condições para requerer que isso seja feito, cabe aos

familiares decidirem.

É claro que ates de tomar tal decisão, é dever do médico esclarecer detalhadamente todos

os riscos que o paciente terá e também todas as possibilidades de tratamento para a sua

doença.

Esse argumento utilizado pelas pessoas que vão contra prática da Eutanásia de que a

medicina evoluiu de tal forma que futuramente poderá surgir tratamentos e avanços

tecnológicos ainda maiores a fim de descobrir a cura de uma determinada doença ou até um

tratamento adequado, é frágil e repelido quando bate de frente com a teoria a favor da prática

da Eutanásia, pois é bastante duvidoso esse termo “futuramente”, ora, nem a própria ciência

tem essa certeza.

Esse indivíduo que está sofrendo uma dor física e moral que só ele mesmo tem dimensão,

não pode ser obrigado a aguardar por um futuro incerto, ora, até chegar esse dia que sua

angústia terá um fim ou que se não tenha uma reversão, mas um tratamento adequado e que

garanta viver de forma mais digna. Ou seja, se nem o médico têm esse prognóstico, que dirá o

31

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 308 e 309.

30

paciente. Não é justo aguardar sofrendo, se apegar a esperança de que um dia seu mal terá um

fim, exceto pela morte.

O Estado já não tem condições de manter um tratamento digno às pessoas que estão

debruçadas em leitos hospitalares pelo país. Que estão sofrendo atrás de remédios, buscando

uma ajuda, uma esperança para o seu caso, que dirá manter esses indivíduos cuja doença é

irreversível, que não se apresenta um sinal de vida sem ajuda de aparelhos.

Apesar de ser papel do Estado em garantir que os nossos direitos fundamentais sejam

preservados, infelizmente não é possível. É um conjunto de fatores que interferem para que

isso aconteça.

Na teoria o princípio da dignidade da pessoa humana garante que o ser humano deva ter

uma vida digna, através das demais garantias fundamentais que o ser humano tem direito, ou

seja, condições dignas para que possa alcançar uma vida saudável, trabalho, saúde, liberdade e

todos os demais que qualquer ser humano tem direito, ou seja, é através dessa teoria que o

Estado deve proporcionar ao indivíduo, contudo, não é assim que acontece.

É muito difícil o ser humano obter uma vida digna plena, que dirá uma morte digna.

Quando se vai contra a prática da Eutanásia, consequentemente está indo contra o direito

de escolha do paciente que está em estado terminal. É direito seu decidir o que é bom ou ruim

para a sua vida, se é digno manter-se nesse estado vegetal, se optar pela morte é melhor do

que continuar sofrendo.

A Eutanásia visa à autonomia do paciente, ela respeita o direito de escolha que esse

paciente ou seus familiares tem. Ao contrário dos que pensam que a Eutanásia vai contra o

princípio da dignidade da pessoa humana, estão totalmente equivocados, pois ela garante ao

paciente a escolha que a legislação proíbe. É simplesmente o direito de escolha que se tem,

pois não é como a maioria que vão contra a Eutanásia pensam que é chegar e praticar a

Eutanásia porque o paciente se encontra naquele estado vegetativo, é observar todas as

possibilidades e consequências que esse ato irá gerar e após dar ao paciente esse direito de

escolher sobre a sua vida.

Sendo assim, será que é muito mais humano manter um indivíduo que se encontra em

estado irreversível passando por um sofrimento intenso, do que ajudá-lo a morrer de forma

digna. Ou seja, é válido privilegiar a vida humana ao passo que está sendo negligenciado a

qualidade de vida ou de conferir uma morte digna a esse ser humano.

31

Deve existir uma proporção onde se mantenha o equilíbrio entre exercícios restritos e

impedindo que o texto constitucional seja infringido.

Nesse sentido que entra o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade que tem o

intuito a vontade de evitar resultados desproporcionais e injustos, isto é, o propósito de

proteger um determinado valor fundamental não deve violar outro direito fundamental ainda

que teoricamente seja de grande valia. Dessa forma, tal princípio visa favorecer o conteúdo da

questão e restringir o necessário avaliando sempre quais valores são mais importantes ao ser

humano.

Em primeiro lugar se avalia se existe um choque de direitos fundamentais e

posteriormente avalia a questão identificando os pontos mais relevantes do caso concreto e ao

final decide se a questão se adequa a necessidade e a proporcionalidade indispensável para

que ocorra o equilíbrio entre os meios utilizados para a sua prática, bem como seu fim, ou

seja, cada caso é um caso.

Ora, se o paciente no momento que descobre que está doente opta por não fazer

tratamento, por não buscar sua melhora, porque é obrigado a tratamentos que lhe causam

muita dor e sofrimento somente para mantê-lo vivo.

Portanto, a Eutanásia deve ser legalizada, uma vez que o direito à vida garantido pelo

Estado não deve ser imposto, uma vez que o direito de escolha é livre e sendo este negado

está sendo automaticamente roubado a liberdade desse indivíduo.

Assim a dignidade sempre deve ser preservada, pois de que adianta o ser humano viver

com dignidade ao longo da vida para ao final dela, perde-la.

Considerações Finais

Conclui-se que a prática da Eutanásia vem sendo praticada há muitos e muitos anos atrás,

como se pôde observar no decorrer do estudo. Apesar de ter sido muito praticada com a

finalidade somente de pôr fim a vida de um ser humano, ela é tida como uma forma de dar ao

ser humano uma morte suave, de acalmar aquele indivíduo que padece de uma doença

incurável, que se encontre em estado terminal, sofrendo porque às vezes em alguns casos tem

consciência que seu estado é irreversível.

Seu objetivo nunca foi de acabar com a vida de nenhum ser humano, e sim de dar uma

morte digna ao indivíduo que esteja preso num corpo que só é considerado vivo devido a

32

tecnologia que a medicina possui e aos seus familiares e entes queridos que

consequentemente sofrem vendo esse indivíduo padecer. Apesar da nossa legislação não

abordar o tema Eutanásia de forma positiva, ainda sim, deve concordar que a legislação a trata

de forma branda, pois sabe-se que sua utilização nunca foi de matar um doente e sim de

abreviar a dor desse doente que se encontra desenganado.

Foi comprovado que o princípio da dignidade da pessoa humana não é absoluto, inclusive

o STF entende que as garantias fundamentais não são direitos absolutos, pois sempre um vai

depender do outro e não tem a possibilidade de considerar um mais importante do que outro,

logo que todos são inerentes ao ser humano. O direito à vida é intrínseco ao ser humano, bem

como o direito de viver dignamente. De que adiantou uma vida digna se ao final dela o ser

humano não pode escolher por morrer de forma digna também.

O Estado não tem essa autonomia perante cada indivíduo. Se o indivíduo tem noção do

estado que se encontra, só ele pode mensurar a dor que está sentindo, tanto física quanto

moral em se vê definhando num leito de hospital e vê seus entes queridos sofrendo junto,

goza de plena consciência e quer optar por isso, qual o direito que o Estado tem em interferir

nessa escolha, se nem o próprio Estado pode garantir totalmente que um indivíduo não sofra

qualquer mal ou que sua vida seja posta em risco, já que seu dever é esse, de assegurar o bem

maior considerado por este, que é a vida. Não se pode se utilizar do argumento de que

futuramente, quem sabe que dia esse ser humano irá melhorar ou viver sem ser por meios

artificiais.

A questão é mais social, ética e moral do que parece ser. Desta forma com base nos

diversos argumentos abordados no texto, positivos e negativos, bem como sua aceitação em

diversos países do mundo inteiro, a Eutanásia deve ser considerada legítima, aceita no meio

jurídico. Não é justo manter um ser humano preso a uma decisão que não é sua, se a própria

medicina não tem esperanças, não é justo deixar esse indivíduo sofrendo, em estado

vegetativo e redobrando custos que nem o Estado e até as vezes nem a sua família tem, já que

sua mantença e esperança de melhora é muito cara, os custos são altos e sem prazo

determinado só gerando lucro a indústria que se alimenta do sofrimento alheio mantidos pela

esperança de uma cura fictícia futura sem nenhuma qualidade de se viver dignamente, quanto

mais de morrer.

33

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