206
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: o caso da Eletrobrás Frederico Pinto Eccard Rio de Janeiro 2009

A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS

PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: o caso

da Eletrobrás

Frederico Pinto Eccard

Rio de Janeiro 2009

Page 2: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

ii

Frederico Pinto Eccard

A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS

PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: o caso

da Eletrobrás

Dissertação apresentada ao Corpo Docente do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Ciências Econômicas. Orientador: Helder Queiroz Pinto Júnior.

Rio de Janeiro 2009

Page 4: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

iii

Frederico Pinto Eccard

A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS

PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: o caso

da Eletrobrás

Dissertação apresentada ao Corpo Docente do Instituto de Economia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de mestre em Ciências Econômicas.

___________________________________ Prof. Doutor Helder Queiroz Pinto Júnior (Orientador)

___________________________________ Prof. Doutor Ronaldo Fiani – IE-UFRJ

___________________________________ Prof. Doutor Ronaldo Goulart Bicalho – IE-UFRJ

___________________________________ Prof. Doutor Denizart do Rosário Almeida - UFF

Rio de Janeiro 2009

Page 5: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

iv

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por todo o amor, carinho, educação e apoio que eles têm me dado ao

longo de toda minha vida.

À minha irmã, Manuela e a todos os meus familiares que de alguma forma

contribuíram para a realização do meu mestrado e que compreenderam a razão da minha

ausência nos últimos anos.

À minha namorada Fernanda, um agradecimento especial por todo amor, carinho,

amizade, compreensão, e por ter sido fundamental na difícil tarefa de ler e corrigir todas as

páginas dessa dissertação.

Aos meus amigos e professores do mestrado da UFRJ e da graduação da UFF que

contribuíram para a minha formação.

Aos meus companheiros da Eletrobrás, em especial para o pessoal da minha baia, que

com a boa convivência e o bom-humor de todos os dias, tornaram mais fácil a complexa

tarefa de conciliar o trabalho com a realização do mestrado.

Ao Instituto de Economia da UFRJ por ter me proporcionado a participação em um

mestrado de alto nível.

Por fim, gostaria de agradecer ao meu orientador Helder Queiroz Pinto Junior pela

dedicação, pelas conversas que foram extremamente positivas para o desenvolvimento da

idéia central dessa dissertação e pela confiança que foi me dada para o cumprimento desse

objetivo.

Page 6: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

v

RESUMO

O objetivo desse trabalho é analisar a importância da Eletrobrás para o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro, começando com os motivos que levaram a criação da empresa, como foi a sua atuação ao longo do tempo e a sua relação com os outros agentes do setor. Para isso, primeiramente é feito um estudo sobre a intervenção do Estado na economia e as razões que podem levar um governo a criar uma empresa estatal para atuar na produção direta de um bem ou serviço. A criação da Eletrobrás para atuar em um setor que já havia se organizado, sofreu forte resistência, pois existiam muitos interesses que seriam afetados com o estabelecimento da empresa. Passado essa fase inicial, a Eletrobrás rapidamente se tornou o principal agente do setor elétrico brasileiro, pois além de holding de empresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável pelas atividades de coordenação, supervisão e operação do sistema elétrico, pelo planejamento da expansão da oferta de energia, pela articulação com a indústria nacional de materiais e equipamentos, e por organizar o treinamento da mão de obra especializada do setor.

O período em que a Eletrobrás esteve no topo da hierarquia setorial trouxe um grande crescimento da capacidade instalada do país, juntamente com uma maior segurança do sistema elétrico. A crise dos anos 80 e as reformas liberais da década seguinte trouxeram profundas transformações para o setor elétrico, com a criação de novas instituições, privatização de empresas estatais e o incentivo à entrada da iniciativa privada. Com isso, a Eletrobrás perdeu importantes funções, restando a ela apenas o papel de holding, a administração dos encargos setoriais e de gestora dos programas do governo federal para o setor elétrico. Com o objetivo do governo Lula de transformar a Eletrobrás em uma referência para o setor energético, em 2008, foi modificada a lei que criou a empresa, dando-lhe mais liberdade para atuar e abrindo espaço para que a Eletrobrás volte a ter um papel fundamental para a expansão do setor elétrico.

Page 7: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

vi

ABSTRACT

The aim of this work is to analyze the importance of Eletrobrás to develop the Brazilian electric power industry, starting with the reasons that led to the creation of the company, its performance over time and its relationship with the other players in the industry. To do this, first a thorough analysis of state intervention in the economy is made and the reasons that may lead a government to create a state enterprise to act in the direct production of goods or services. The creation of Eletrobrás to work in a sector that had already been organized, has strong resistance, because there were many interests that would be affected by the establishment of the company. After this initial phase, Eletrobrás quickly became the main agent of the Brazilian electrical sector, because, besides being a holding of companies in the industry and being the main financial sector, the state enterprise was responsible for coordinating activities, supervision and operation of the electrical system, for planning the expansion of energy supply, through association with the national industry of machinery and equipment, and for organizing the training of specialized manpower in the sector.

The period in which Eletrobrás was at the head of industry brought a large increase in installed capacity in the country, along with greater security of the electrical system. The crisis in the 80s and the liberal reforms of the next decade brought major changes for the electricity sector with the creation of new institutions, privatization of state enterprises and encouragement in the entry of private enterprise. Thus, Eletrobrás lost important functions, leaving to it only the role of holding, the administration burden industry and as manager of federal programs for the electrical sector. With the objective of the Lula government to transform Eletrobrás in a reference to the energy sector in 2008, the law that created the company was modified, giving Eletrobrás more freedom to act and make room for it to play a key role in the expansion of the electrical sector.

Page 8: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

vii

LISTA DE SIGLAS

ABRADEE Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica;

ABRAGE Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica;

ACL Ambiente de Contratação Livre;

ACR Ambiente de Contratação Regulada;

AFS Agente Financeiro Setorial;

AMFORP American Foreign Power;

ANDE Administración Nacional de Electricidad;

ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis;

BIS Bens e Instalações em Serviço;

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico;

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social;

CADE Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência;

CCC Conta de Consumo de Combustível;

CCEAR Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado;

CCEE Câmara de Comercialização de Energia Elétrica;

CCON Comitê Coordenador de Operação do Norte/Nordeste;

CDE Conselho de Desenvolvimento Econômico;

CDE Conta de Desenvolvimento Energético;

CEA Companhia de Eletricidade do Amapá;

CEAL Companhia Energética de Alagoas;

CEAM Companhia Energética do Amazonas;

CEEE Comissão Estadual de Energia Elétrica e, posteriormente, Companhia Estadual de Energia Elétrica;

CELG Companhia Energética de Goiás;

CELPA Centrais Elétricas do Pará;

CEMAR Companhia Energética do Maranhão;

CEMAT Centrais Elétricas Matogrossenses;

CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais;

CEPEL Centro de Pesquisas de Energia Elétrica;

CEPISA Companhia Energética do Piauí;

CER Companhia Energética de Roraima;

CERJ Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro;

CERON Centrais Elétricas de Rondônia;

Page 9: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

viii

CESP Companhia Energética de São Paulo;

CGOI Comitês Coordenadores da Operação Interligada;

CGTE Comitê de Gestão da Transformação do Sistema Eletrobrás;

CGTEE Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica;

CHERP Companhia Hidroelétrica do Rio Pardo;

CHESF Companhia Hidrelétrica do São Francisco;

CHEVAP Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba;

CMBEU Comissão Mista Brasil - Estados Unidos;

CNAEE Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica;

CND Conselho Nacional de Desestatização;

CNI Confederação Nacional da Indústria;

CNOS Centro Nacional de Operação do Sistema;

COHEBE Companhia Hidro Elétrica da Boa Esperança;

COMASE Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico;

CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente;

CONESP Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos;

COPEL Companhia Paranaense de Energia;

COS Centros de Operação do Sistema;

COSERN Companhia Energética do Rio Grande do Norte;

CPFL Companhia Paulista de Força e Luz;

CRC Conta de Resultados a Compensar;

CRFL Companhia Rio Grandense de Força e Luz;

CSN Companhia Siderúrgica Nacional;

DNAE Departamento Nacional de Águas e Energia;

DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica;

DOS Diretoria de Operação de Sistemas;

DPE Diretoria de Planejamento e Engenharia;

EC Empréstimo Compulsório;

EIA Estudo de Impacto Ambiental;

Eletroacre Companhia de Eletricidade do Acre;

Eletrobrás Centrais Elétricas Brasileiras S.A.;

Eletronorte Centrais Elétricas do Norte do Brasil;

Eletronuclear Eletrobrás Termonuclear;

Eletropart Eletrobrás Participações;

Page 10: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

ix

Eletrosul Centrais Elétricas do Sul do Brasil;

ENENORDE Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Região Nordeste;

ENERAM Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia;

ENERGIPE Empresa Energética de Sergipe;

ENERSUL Empresa Energética do Mato Grosso do Sul;

EPE Empresa de Planejamento Energético;

F&A Fusões e Aquisições;

FFE Fundo Federal de Eletrificação;

FHC Fernando Henrique Cardoso;

FMI Fundo Monetário Internacional;

FND Fundo Nacional de Desenvolvimento;

GCOI Grupos Coordenadores para Operação Interligada;

GCPS Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos;

GCPT Grupos Coordenadores do Planejamento do Sistema de Transmissão;

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços;

IPCC Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas;

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada;

IPSSE Instituto de Desenvolvimento e Prestação de Serviços do Setor Elétrico;

IUEE Imposto Único sobre Energia Elétrica;

JK Juscelino Kubitschek;

MAE Mercado Atacadista de Energia;

MME Ministério das Minas e Energia e, posteriormente, Ministério de Minas e Energia;

NAI Núcleos de Articulação com a Indústria;

NUCLEBRÁS Empresas Nucleares Brasileiras;

NUCLEN Nuclebrás Engenharia;

O&M Operação e Manutenção;

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico;

ONS Operador Nacional do Sistema;

ONU Organização das Nações Unidas;

OPE Orçamento Plurianual do Setor de Energia Elétrica;

P&D Pesquisa e Desenvolvimento;

PAC Programa de Aceleração do Crescimento;

PAE Programa de Ações Estratégicas;

PAEG Programa de Ação Econômica do Governo;

Page 11: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

x

PCHs Pequenas Centrais Hidrelétricas;

Petrobras Petróleo Brasileiro S.A.;

PIB Produto Interno Bruto;

PIE Produtor Independente de Energia;

PMS & F Power Market Study and Forecast;

PND Programa Nacional de Desestatização;

PNE Plano Nacional de Eletrificação;

PROCEL Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica;

PROINFA Programa de Incentivos às Fontes Incentivadas;

PRS Plano de Recuperação Setorial;

RBE-72 Revisão do Balanço Energético 1972-1985;

RELUZ Programa Nacional de Iluminação Pública Eficiente;

REVISE Revisão Institucional do Setor Elétrico;

RGG Reserva Global de Garantia;

RGR Reserva Global de Reversão;

RIMA Relatório de Impacto Ambiental;

SAELPA Sociedade Anônima Eletrificação da Paraíba;

SEST Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais;

SIESE Sistema de Informações Estatísticas do Setor de Energia Elétrica;

SIN Sistema Interligado Nacional;

SINTREL Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica;

SPE Sociedades de Propósitos Específicos;

TERMOCHAR Termoelétrica de Charqueadas;

TJLP Taxa de Juros de Longo Prazo;

TOP Take or Pay;

USELPA Usinas Elétricas do Paranapanema S/A;

II PDMA II Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico;

II PND II Plano Nacional de Desenvolvimento;

Page 12: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

1

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 – AS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA... 7

1.1 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA – ASPECTOS TEÓRICOS7

1.1.1 - O Antagonismo entre o Mercantilismo e os Clássicos........................................................ 7

1.1.2 - Keynes e os Neoclássicos.................................................................................................. 10

1.2 - AS EMPRESAS ESTATAIS.................................................................................. 12

1.2.1 - Os Motivos para a Criação das Estatais ............................................................................ 13

1.2.2 - O Resultado da Atuação das Estatais ................................................................................ 16

1.2.3 - A Autonomia e o Controle sobre as Estatais..................................................................... 18

1.2.4 - A Ambigüidade da Estatal................................................................................................. 19

1.3 - ASPECTOS TEÓRICOS E EXEMPLOS SOBRE EMPRESAS “NATIONAL CHAMPIONS”............................................................................................................... 22

1.3.1 - A Definição sobre as “National Champions” e o Debate sobre o Incentivo à Consolidação dessas Empresas. .......................................................................................................................... 22

1.3.2 - A Criação de “National Champions” no Setor de Energia na Europa ............................. 27

1.3.3 - Os Exemplos de Empresas “National Champions” no Setor de Telecomunicações........ 31

CAPÍTULO 2 – A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA E A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS ....................................................................................... 34

2.1 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA.................. 34

2.1.1 - O Papel do Estado na Economia Brasileira....................................................................... 35

2.1.2 - A Intervenção do Estado na Economia Brasileira até o Plano de Metas........................... 36

2.1.3 - A Intervenção na Era Militar............................................................................................. 40

2.1.4 - A Intervenção por Meio das Empresas Estatais: os resultados alcançados ao longo do tempo e a diferença no desenvolvimento de estatais em dois setores .......................................... 43

2.2 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO ANTES DA CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS.............................................................................. 45

2.2.1 - O Início da Produção de Energia Elétrica no Brasil.......................................................... 45

2.2.2 - O Domínio Estrangeiro no Setor Elétrico Brasileiro e o Código de Águas ...................... 48

2.2.3 - O Aumento da Participação do Estado no Setor Elétrico.................................................. 52

2.3 - A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS......................................................................... 58

Page 13: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

2

2.3.1 O Segundo Governo de Getúlio Vargas .............................................................................. 58

2.3.2 – O Projeto de Criação da Eletrobrás .................................................................................. 63

2.3.3 – A Constituição da Eletrobrás............................................................................................ 68

CAPÍTULO 3 – A IMPORTÂNCIA DA ELETROBRÁS PARA O DESENVOLVIMENTO DO SETOR ELÉTRICO ......................................................... 72

3.1 - OS PRIMEIROS PASSOS DA ELETROBRÁS..................................................... 72

3.1.1 - As Reformas da Primeira Administração Militar.............................................................. 73

3.1.2 - A Unificação da Freqüência e o Consórcio CANAMBRA............................................... 74

3.1.3 - A Questão do Financiamento e as Alterações na Estrutura do Setor Elétrico................... 76

3.2 - O PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA ELETROBRÁS (1967-1973)........... 80

3.2.1 - A Revisão das Recomendações do CANAMBRA e os Estudos Energéticos do Norte e do Nordeste do País ........................................................................................................................... 81

3.2.2 - A Criação da Eletronorte, da Eletrosul e da Itaipu Binacional ......................................... 83

3.2.3 - O Início da Cooperação entre as Empresas do Setor Elétrico e as Mudanças nas Fontes de Financiamento .............................................................................................................................. 85

3.3 - DESENVOLVENDO O SETOR ELÉTRICO (1974-1979) .................................. 90

3.3.1 - Os Investimentos da Eletrobrás e a Articulação com a Indústria Fornecedora Nacional de Materiais e Equipamentos ............................................................................................................ 90

3.3.2 - As Novas Mudanças na Fonte de Recursos do Setor Elétrico .......................................... 93

3.3.3 - O Planejamento sob a Liderança da Eletrobrás................................................................. 95

3.3.4 - As Outras Atividades Desenvolvidas pela Eletrobrás....................................................... 98

3.4 - A CRISE DOS ANOS 80...................................................................................... 100

3.4.1 - O Nível de Investimentos no Setor Elétrico e a Criação do Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS)............................................................................ 100

3.4.2 - Os Planos 2000 e 2010.................................................................................................... 103

3.4.3 - As Crises Financeira e Institucional no Setor Elétrico.................................................... 106

3.5 - O INÍCIO DA DÉCADA DE 1990....................................................................... 111

3.5.2 - O Plano 2015 e os Planos Decenais ................................................................................ 113

3.5.3 - O Início das Reformas no Setor Elétrico......................................................................... 116

CAPÍTULO 4 – AS REFORMAS NO SETOR ELÉTRICO E AS PERSPECTIVAS PARA A ELETROBRÁS................................................................................................ 120

4.1 - AS REFORMAS NO SETOR ELÉTRICO......................................................... 120

Page 14: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

3

4.1.1 - As Reformas Promovidas por FHC................................................................................. 121

4.1.2 - O Processo de Privatização ............................................................................................. 124

4.1.3 - Os Motivos que Levaram ao Racionamento de Energia ................................................. 125

4.1.4 - A Contra-Reforma do Governo Lula .............................................................................. 127

4.2 - A REAÇÃO E O ENVOLVIMENTO DA ELETROBRÁS ÀS MUDANÇAS SETORIAIS E ÀS PRIVATIZAÇÕES NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO.... 128

4.2.1 - As Propostas do Consórcio Coopers & Lybrand ............................................................ 129

4.2.2 - A Importância da Eletrobrás na Privatização de Empresas do Setor Elétrico e o Resultado desse Processo para a Empresa................................................................................................... 133

4.2.3 - Como Foram Afetados os Investimentos do Sistema Eletrobrás e o Planejamento no Setor Elétrico ....................................................................................................................................... 136

4.3 - O NOVO PAPEL DA ELETROBRÁS PÓS-REFORMAS................................ 140

4.3.1 - A Perda das Funções de Coordenação, Operação e de Agente Financeiro ..................... 140

4.3.2 - A Perda das Funções Hierárquicas e de Planejamento.................................................... 142

4.4 - O CENÁRIO ATUAL E AS PERSPECTIVAS FUTURAS PARA O SETOR ELÉTRICO .................................................................................................................. 145

4.4.1 - Os Números do Setor Elétrico na Atualidade ................................................................. 146

4.4.2 - O Problema da Renovação das Concessões .................................................................... 148

4.4.3 - A Utilização da Energia Nuclear e Eólica....................................................................... 152

4.4.4 - A Construção da Hidrelétrica de Belo Monte ................................................................. 155

4.5 - OS NÚMEROS ATUAIS DO SISTEMA ELETROBRÁS E AS PERSPECTIVAS FUTURAS PARA A EMPRESA ................................................................................. 157

4.5.1 - Os Números do Sistema Eletrobrás................................................................................. 157

4.5.2 - As Mudanças na Lei que Dispõe sobre a Eletrobrás ....................................................... 161

4.5.3 - O Aumento dos Investimentos em Distribuição e a Medida Provisória 466 .................. 164

4.5.4 - A Internacionalização da Eletrobrás ............................................................................... 167

4.6 - APLICAÇÃO DA TEORIA DE EMPRESAS “NATIONAL CHAMPIONS” AO CASO DA ELETROBRÁS.......................................................................................... 168

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 177

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 183

Page 15: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

1

INTRODUÇÃO

A indústria de energia elétrica no Brasil vem passando por importantes transformações

no decorrer dos últimos anos. De um modelo que prevaleceu por muitos anos onde o Estado e

suas empresas estatais eram os principais agentes promotores do crescimento, passou-se na

década de 1990 para um modelo onde a lógica do mercado prevaleceria, com incentivos para

que a iniciativa privada tomasse o lugar de destaque na economia, diminuindo o tamanho do

Estado e a sua intervenção direta no setor produtivo. No entanto, com a crise de energia

ocorrida em 2001 e o início do governo Lula, o setor elétrico brasileiro presenciou uma nova

mudança em seu andamento em meados da década de 2000, novas instituições foram criadas,

outras deixaram de existir, e o Estado e suas empresas estatais voltaram a ter um papel mais

ativo nas decisões e no rumo do setor.

A motivação desse estudo encontra-se no papel fundamental exercido pela indústria

elétrica para o desenvolvimento do país. Uma nação não pode crescer sem que tenha uma

infra-estrutura adequada de oferta de energia, já que ela é utilizada todos os dias na casa de

milhares de brasileiros e serve como insumo básico para quase todas as outras atividades

produtivas. O setor elétrico nacional ganhou destaque internacionalmente com o advento da

maior preocupação com o aquecimento global nos últimos anos, devido ao fato de o Brasil

gerar grande parte de sua eletricidade através de fontes renováveis. Para isso, o país precisou

construir grandes usinas hidrelétricas e linhas de transmissão ligando a produção aos centros

consumidores, sendo necessária uma ampla coordenação entre os agentes do setor para se

obter a otimização do resultado e a segurança do sistema. Essa coordenação foi exercida pela

Eletrobrás até as reformas liberais da década de 1990 que diminuíram a importância do

Estado e das empresas estatais no desenvolvimento do setor elétrico e da economia em geral.

A maior intervenção do Estado na economia brasileira teve como marco a década de

1930 com o primeiro governo de Getúlio Vargas, a partir daí, o Estado passou a liderar o

processo de industrialização do país, se tornando uma peça fundamental nesse processo,

realizando desde investimentos em infra-estrutura, incentivos fiscais, concessão de créditos

subsidiados e o planejamento econômico, até a produção direta de bens e serviços, através da

criação e fomento de empresas estatais. O período dos governos militares foi o auge da

Page 16: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

2

presença do Estado na economia, diversos planos de desenvolvimento foram elaborados e

houve um grande crescimento no número de empresas estatais.

Foi nesse contexto de uma maior centralização política que a Eletrobrás começou a

operar, em pouco tempo ela já se tornara o principal agente do setor elétrico brasileiro, sendo

responsável pelo planejamento, financiamento, operação e coordenação, holding das

subsidiárias regionais e realizadora de diversos serviços; era da Eletrobrás a responsabilidade

de executar a política federal para o setor elétrico. Esse quadro com a Eletrobrás no topo

hierárquico do setor funcionou bem até a década de 1980, com a oferta de energia crescendo a

taxas maiores do que o PIB brasileiro, com as demais empresas atuando satisfatoriamente,

sem muita contestação sobre a centralização das decisões na Eletrobrás e sobre os encargos

setoriais.

No entanto, a aceitação desse modelo começou a encontrar resistência com a crise

financeira vivida pelas empresas do setor que passaram a questionar o papel principal da

Eletrobrás, assim, a indústria de energia elétrica foi perdendo gradativamente a eficiência que

tinha sido a sua característica nas décadas anteriores. Esse crescimento da insatisfação só foi

equacionado com as privatizações e as reformas da década de 1990, que promoveu o aumento

da entrada da iniciativa privada nas atividades do setor e criou novas instituições que tiraram

o poder da Eletrobrás de ser o principal agente e de influenciar nas decisões do setor elétrico

brasileiro.

A partir desse momento, a Eletrobrás passou a exercer uma função secundária,

correndo o risco até de ser privatizada, porém a empresa não deixou de ter um papel

importante, permanecendo com as atividades de holding de empresas do setor elétrico,

responsável pela administração dos encargos e fundos setoriais e da gestão e operação dos

programas do governo federal para o setor elétrico. Esse esvaziamento das funções e da

atuação da Eletrobrás só veio a ser alterado em 2008 com a intenção do governo Lula de

transformar a empresa e torná-la uma referência para o setor elétrico, respeitada

internacionalmente. Essa nova guinada no rumo da Eletrobrás foi possível com a alteração da

lei que autorizou a União a criar a empresa, dando mais liberdade de atuação para a

Eletrobrás, abrindo espaço para que a empresa aumente o seu escopo de atuação, podendo

assim competir em igualdade de condições com as empresas privadas.

Page 17: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

3

Este trabalho tem o objetivo de realizar a análise do setor elétrico brasileiro, mais

especificamente a atuação da Eletrobrás ao longo do tempo, começando com os motivos que

levaram à criação da empresa, passando pela sua forma de atuação, pelo papel que lhe foi

dado e a sua relação com os outros agentes do setor, e por fim, como foi a reação da

Eletrobrás às mudanças setoriais e a perspectiva para o futuro da empresa e para os seus

negócios. Para isso, essa dissertação conta com quatro capítulos além dessa introdução e das

considerações finais.

O primeiro capítulo foi reservado para o assunto intervenção do Estado na economia e

para os motivos que podem levar um governo a criar uma empresa estatal. Esse tema já vem

sendo debatido há muito tempo, colocando em lados opostos a visão de Keynes de que a

intervenção do Estado é necessária para garantir o nível da demanda efetiva que estaria na

origem da formação da renda e do emprego, e do outro lado, a teoria defendida pelos

neoclássicos e pelos neoliberais, onde os mercados são eficientes na alocação, distribuição e

produção de bens e serviços, portanto, qualquer intervenção do Estado resultaria na geração

de ineficiências. Essa diferença entre a importância do Estado para o melhor funcionamento

da economia também estava presente na discussão entre os adeptos do Mercantilismo e os

economistas clássicos como Adam Smith, onde os agentes atuando livremente na busca de

satisfazer os seus próprios interesses, acabariam fazendo com que a economia funcionasse de

forma eficiente.

Uma das formas de intervenção do Estado na economia é através da produção direta

de bens e serviços. Para isso, normalmente o Estado cria empresas estatais para atuarem no

setor produtivo, procurando atingir alguns objetivos sociais e/ou gerar externalidades

positivas para outros setores e indústrias, em uma magnitude que a empresa privada não seria

capaz de prover, pois está mais preocupada em buscar o lucro e aumentar o seu capital. Dessa

forma, o emprego das empresas estatais seria mais uma forma do Estado alcançar o seu

objetivo maior de aumento do bem-estar da população e o crescimento econômico.

Ao longo do primeiro capítulo, procurou-se demonstrar os diversos motivos que

podem levar um governo a criar uma empresa estatal, podendo ser destacado: setores onde o

capital privado não teria muito interesse em investir, devido ao longo prazo de maturação,

necessidade de grande montante de capital, baixa rentabilidade e riscos elevados; monopólios

naturais; contrapartida ao poder das multinacionais; indústrias básicas; geração de demanda

Page 18: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

4

para a indústria de bens de capital; salvação de setores não-rentáveis ou em decadência;

questão da soberania nacional em setores estratégicos; e o mais vago dos motivos, o interesse

geral, que foi o mais utilizado para justificar a criação de empresas estatais no Brasil.

Para finalizar esse capítulo, a última seção aborda um tema relativamente novo, a

questão do incentivo à criação e/ou fomento de empresas “national champions”. Essas

empresas podem ser privadas ou estatais, porém elas precisam estar comprometidas com os

interesses do país, se tornando uma nova forma de intervenção do Estado na economia,

principalmente nos setores considerados estratégicos, como o setor elétrico. Esse assunto se

tornou mais importante na Europa durante a década de 1990, com a discussão sobre a abertura

dos mercados nacionais e a formação de um mercado europeu único, resultando no aumento

da competição e na redução das barreiras à entrada de novos competidores. No entanto, países

como a França, Espanha e Alemanha têm resistido a essa abertura e unificação dos mercados,

evocando o espírito patriótico para tomar algumas decisões, como o apoio à formação de

empresas “campeãs nacionais”, para entre outros motivos, fortalecê-las para poderem

competir em igualdade de condições com os maiores conglomerados internacionais em um

mercado global, e em última instância, evitar que a empresa nacional seja comprada por uma

concorrente estrangeira que poderia não estar comprometida com o desenvolvimento do país.

O segundo capítulo foi dedicado à intervenção do Estado na economia brasileira, à

evolução do setor elétrico antes da criação da Eletrobrás e para a discussão sobre o projeto de

criação da empresa. O Estado no Brasil ao longo dos anos desempenhou várias funções que

influenciaram o desenvolvimento econômico, como a atuação no setor financeiro, indústria

extrativa, serviços públicos monopolistas e indústrias de base. No entanto, o aumento da

atividade estatal não tinha como objetivo competir com a iniciativa privada e tirar as

oportunidades de investimento, pelo contrário, na maioria das vezes a intenção do governo era

ajudar no processo de acumulação das empresas privadas, principalmente através do

preenchimento de áreas vazias, realizando investimentos necessários ao crescimento

econômico que a iniciativa privada não queria realizar ou não tinha condições para isso, ou

seja, os investimentos estatais em sua maioria foram realizados de forma complementar.

A eletricidade começou a ser gerada no Brasil ainda no final do século XIX e teve até

a metade do século seguinte o predomínio de duas empresas estrangeiras, a Light e a

AMFORP, que atendiam aos consumidores dos maiores centros urbanos do país, enquanto

Page 19: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

5

pequenas empresas locais atendiam a outras localidades menores. Portanto, ao contrário da

criação das empresas estatais CSN, da Petrobras e da Vale que foram criadas para a

construção de setores que ainda não existiam no país ou que tinham uma escala bem reduzida,

a Eletrobrás foi criada para desenvolver um setor onde haviam empresas fortes já

estabelecidas, o que resultou em um processo bem mais complexo e específico, pois envolvia

o interesse de diversos atores. Deste modo, existiu um bom motivo para que o projeto de

criação da Eletrobrás, proposto no segundo governo Vargas em 1954, tenha sido tão criticado

na época e tenha demorado tanto tempo para ser aprovado, apenas em 1961.

No terceiro capítulo estudou-se o papel desempenhado pela Eletrobrás e a contribuição

da empresa na trajetória de evolução do setor elétrico brasileiro até a década de 1990, onde

reformas liberais alteraram o padrão de desenvolvimento da economia estabelecido desde

Getúlio Vargas, tendo o Estado em uma posição central no processo de substituição das

importações e crescimento do país. Nos primeiros anos de vida, a Eletrobrás expandiu a sua

atuação apoiada na estratégia do governo militar de centralizar no âmbito federal as principais

decisões econômicas e de aumentar o poder das empresas estatais, dando maior autonomia

institucional e financeira para que elas implantassem as suas estratégias de desenvolvimento.

Para planejar e coordenar o setor elétrico brasileiro, a Eletrobrás contou com a administração

de recursos federais que anteriormente estavam sob a tutela do BNDE e passou a obter

também novos recursos, como o Empréstimo Compulsório, tendo um papel fundamental de

financiadora dos projetos do setor.

Rapidamente a Eletrobrás se tornou o principal agente da indústria de energia elétrica

no Brasil, exercendo inúmeras tarefas e funções, como a execução das políticas federais para

o setor, a preocupação em desenvolver toda a cadeia de fornecedores de materiais e

equipamentos, e empresas de engenharia que prestavam serviços para o setor elétrico, como

também o treinamento e a qualificação da mão de obra especializada. O sucesso no

desenvolvimento da indústria de energia elétrica em sua totalidade só veio a sofrer um revés

na década de 1980 com o aumento do endividamento das empresas do setor, utilização das

tarifas de eletricidade como política de combate à inflação e problemas com as formas

tradicionais de financiamento. A partir daí, as dificuldades das empresas do setor

aumentaram, assim como a insatisfação com a centralização das decisões na Eletrobrás e com

os encargos setoriais.

Page 20: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

6

No quarto e último capítulo, são apresentadas as reformas liberais empregadas pelo

governo Fernando Henrique Cardoso que entre outros objetivos, tinha a intenção de reduzir o

tamanho do Estado, delegando à iniciativa privada maiores poderes e atribuições. Para isso, o

governo priorizou a privatização de empresas estatais em atividades de inúmeros setores da

economia, entre eles o setor elétrico. A Lei Geral das Concessões de 1995 é considerada o

marco inicial das reformas e nos anos seguintes, importantes instituições foram criadas, como

a ANEEL, o ONS e o MAE. A reformulação institucional que acabou criando novos agentes

no setor elétrico brasileiro reduziu a importância da Eletrobrás para o desenvolvimento

energético do país, e mudou as suas funções setoriais. A estatal perdeu a função de

coordenação e operação do sistema, planejamento e financiamento do setor elétrico, além de

deixar o topo da hierarquia setorial.

Em 2003, Lula assumiu a presidência da República e anunciou algumas

transformações na política energética nacional, buscando dar maiores poderes ao Estado e às

suas instituições e diminuir um pouco a importância da iniciativa privada para o

desenvolvimento do setor elétrico. Em 2008, com o objetivo de tornar a Eletrobrás uma mega-

empresa, respeitada internacionalmente e agente ativo nos investimentos do setor elétrico, foi

promulgada a Lei 11.651 que propiciou o aumento da sua liberdade e do seu escopo de

atuação. Ainda nesse capítulo, foi tratada a questão da perspectiva futura para a atuação da

Eletrobrás, como a internacionalização da empresa e o aumento dos investimentos em

distribuição, e por fim, a aplicação da teoria sobre a formação de empresas “national

champions” para o caso da Eletrobrás.

Nas considerações finais, são apresentadas as principais conclusões desse trabalho,

buscando sintetizar as funções exercidas pela Eletrobrás para desenvolver o setor elétrico ao

longo do tempo e qual poderá ser o seu papel daqui para frente.

Page 21: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

7

Capítulo 1 – AS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA

ECONOMIA

O primeiro capítulo analisará os aspectos teóricos que levam um Estado a intervir no

andamento natural de uma economia e os motivos normalmente utilizados para a criação de

empresas estatais. Na primeira seção será exposto como as escolas econômicas tratam a

questão da intervenção do Estado na economia, começando com as diferenças entre os

economistas clássicos e os adeptos do Mercantilismo, passando pelos neoclássicos, a teoria

intervencionista de Keynes e os neoliberais. Na seção seguinte virá uma descrição dos

motivos apresentados por diversos autores para a criação e manutenção de empresas sob o

domínio do Estado, explicando a dificuldade que existe entre executar políticas públicas e

disputar mercado com empresas privadas. Por fim, este capítulo abordará o debate sobre as

políticas de incentivo a criação ou fortalecimento de empresas “campeãs nacionais”, privadas

ou estatais, que estejam comprometidas com os interesses considerados estratégicos para o

país, se tornando uma nova forma de intervenção do Estado na economia.

1.1 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA – ASPECTOS

TEÓRICOS

A intervenção do Estado na economia não é um tema recente. Muito antes da

descoberta do Brasil e do estabelecimento dos Estados modernos europeus, o Estado já

intervinha na economia de alguma forma em civilizações mais antigas, como a Egípcia e a

Romana. Nessa seção serão apresentadas as diferenças de enfoque entre o Mercantilismo e a

teoria Clássica sobre esse assunto, além da visão dos Neoclássicos e da teoria de John

Maynard Keynes, que ganhou força com a crise de 1929.

1.1.1 - O Antagonismo entre o Mercantilismo e os Clássicos

Entre os séculos XV e XVIII, a prática econômica utilizada na Europa que ficou

conhecida como Mercantilismo, teve uma forte intervenção do Estado com o objetivo de obter

e manter dentro do país a maior quantidade possível de metais preciosos (ouro e prata). O

Page 22: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

8

Mercantilismo se desenvolveu na Europa na transição entre o feudalismo e o capitalismo e

não chegou a ser uma teoria econômica unificada, já que os mercantilistas não desenvolveram

uma teoria geral da economia, cada um deu atenção apenas a áreas específicas. Coube a Adam

Smith, considerado um dos fundadores da teoria clássica, organizar em um livro as

contribuições das idéias mercantilistas, muitos anos depois. Assim, as principais

características seriam: a crença de que a riqueza de um país estaria ligada com a quantidade

de metais que ele possuía; e a idéia de que para obter mais ouro e prata, era preciso ter uma

balança comercial superavitária (MATTOS, 2007). Então o Estado tinha a função de restringir

ao máximo o nível de importações e aumentar as exportações do país, deixando o comércio

interno em segundo plano, apenas subsidiando o comércio exterior.

O incentivo do Estado ao superávit nas relações comerciais com o exterior vinha

através de uma política tarifária extremamente protecionista, ajudado pela criação de impostos

e taxas para dificultar a entrada de produtos, e ao incentivo às exportações, estimulando o

desenvolvimento de produtos manufaturados que tinham um valor comercialmente maior do

que os produtos agrícolas. O Estado também buscava manter colônias sobre o seu domínio

para conseguir ouro e prata diretamente desses territórios ou relações comerciais que

favorecessem aos objetivos da metrópole européia.

A forte intervenção do Estado na economia e as práticas mercantilistas foram

contestadas na segunda metade do século XVIII com o avanço da teoria clássica. É nessa

época que Adam Smith escreve o famoso livro, “A Riqueza das Nações”, de 1776. Nesse

livro, o ponto central da sua argumentação sobre a liberdade econômica é que os agentes

atuando livremente na busca de satisfazer os seus próprios interesses e do seu próprio jeito,

acabam fazendo com que a economia funcione de forma eficiente. Essa teoria sobre o

funcionamento dos mercados ficou conhecida como “mão invisível”, onde a interferência do

Estado não seria bem-vinda, atrapalhando a realização dos impulsos, necessidades e

recompensas dos agentes individuais.

Após a queda do Absolutismo com a Revolução Francesa em 1789 e o surgimento do capitalismo, a revolução industrial impulsionou o liberalismo clássico, o qual tinha como principal premissa a não intervenção estatal na economia, na medida em que esta deveria ser guiada pelas leis de mercado. A função do Estado era meramente de permitir que a economia não sofresse nenhuma interferência, pois ela se auto-regula. Smith restringe rigorosamente as atividades do Estado à manutenção da defesa comum, ao provimento da justiça e à realização das obras públicas necessárias (VINHA, 2005, p.3).

Page 23: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

9

Para Smith, o Estado teria uma função bem mais restrita do que no pensamento

mercantilista, não devendo ter o papel de direcionar os investimentos ou influenciar as

decisões dos agentes privados sobre as áreas que deveriam ser incentivadas. Assim, não

caberia ao Estado direcionar os agentes para atividades e empregos que beneficiariam a toda

sociedade, isso seria incumbência da própria iniciativa privada que guiada pelo seu auto-

interesse, escolheria livremente onde iria empregar o seu capital e trabalho. A justificativa de

Smith é que a liberdade de ação do indivíduo traria um resultado em termos de riqueza

melhor do que o resultado produzido pela ação do Estado em promover intencionalmente

atividades específicas. Essa é “a idéia de que o bem-estar material de ‘toda a sociedade’ é

promovido no momento em que cada um é deixado livre para seguir seu próprio interesse

privado” (HIRSCHMAN, 1979, p.104).

Em mais uma crítica ao Mercantilismo, Smith afirma que a riqueza de uma nação não

pode ser medida pela quantidade de ouro e prata sob seu domínio. A fonte de riqueza de um

país seria o trabalho, e não o comércio exterior. Assim, passa a ser fundamental a análise da

produção anual e consequentemente da renda anual, pois aumentos na produção, acarretariam

em um aumento da poupança, à elevação do capital e por último, ao aumento do nível de

riqueza do país (MATTOS, 2007). Como o comércio exterior não é mais a fonte de riqueza, o

Estado não deve mais dar preferência a essa atividade em detrimento ao comércio interno,

canalizando os investimentos privados para essa atividade, a exemplo do que era feito no

Mercantilismo.

Com relação ao socialmente mais justo, Smith afirma que a liberdade econômica seria

melhor do que a prática mercantilista, pois na última, os maiores beneficiados desse sistema

seriam os comerciantes e uma parte dos produtores de manufaturas, enquanto os principais

“prejudicados seriam os outros segmentos da produção [...] e os consumidores em geral, que

eram forçados a pagar um preço mais elevado do que aquele que prevaleceria sob condições

competitivas” (MATTOS, 2007, p.125). Com isso, teríamos um número de indivíduos

beneficiados bem menor do que o número de prejudicados pelas práticas mercantilistas, que

dessa forma, seriam inadequadas economicamente e injustas socialmente, levando Smith a

concluir que a liberdade econômica e a não-intervenção do Estado na economia deveriam ser

medidas a serem adotadas pelos países.

As proposições de Adam Smith acabaram por se tornar o programa central de praticamente todas as correntes da teoria econômica. A economia política clássica

Page 24: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

10

foi construída em torno àquelas idéias. Tratava-se de mostrar como a ordem econômica era construída, espontaneamente, a partir da interação de interesses privados (CARVALHO, 1999, p.13).

A revolução Neoclássica do final do século XIX trouxe uma visão sobre a intervenção

do Estado na economia mais extrema do que a preconizada por Adam Smith. Para os

neoclássicos, as ações individuais dos agentes levariam ao equilíbrio da economia, não

havendo espaço para uma possível ação do Estado nesse campo. A idéia central é que a

economia deve funcionar em um sistema de concorrência perfeita para que se alcance o

equilíbrio geral eficiente. Um dos principais escritores dessa escola foi Leon Walras, que na

sua visão da economia, os mercados são completos, não há bens públicos nem externalidades,

a informação é perfeita, não ocorre retornos crescentes de escala e não existem custos de

transação. Assim, não há lugar para uma atuação do Estado, pois o mercado sozinho faria a

melhor alocação possível dos recursos disponíveis. A intervenção do Estado, por menor que

fosse, seria prejudicial ao andamento da economia, já que faria com que as taxas de retorno

fossem modificadas, divergindo daquelas geradas em um mercado de concorrência perfeita,

reduzindo os incentivos e informando erradamente sobre as oportunidades.

1.1.2 - Keynes e os Neoclássicos

Com a crise de 1929 e a quebra da Bolsa de Nova Iorque, uma nova doutrina

econômica começou a ganhar força, baseada no trabalho de John Maynard Keynes, que

propunha uma maior intervenção do Estado como forma de fomentar a economia e tirá-la da

depressão que se encontrava na época, já que os interesses individuais não produziriam

necessariamente os melhores resultados para a sociedade. “Não cabe ao Estado impor aos

indivíduos metas diferentes daquelas que desejem, mas, sim, permitir-lhes alcançar patamares

mais elevados de bem-estar” (CARVALHO, 1999, p.22).

Para Keynes, a teoria clássica precisava passar por uma ampla reformulação já que era

incapaz de resolver os problemas que eram apresentados na época. Então seu objetivo era

criar uma nova teoria que explicasse as dificuldades enfrentadas pelo capitalismo e que

apresentasse soluções factíveis. Em um período conturbado que passava a grande maioria dos

países, Keynes destaca que o problema enfrentado pelas economias era devido à insuficiência

da demanda e não um problema de oferta, como acreditava os neoclássicos. Dessa forma,

Page 25: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

11

para combater à crescente taxa de desemprego, o Estado deveria incentivar e garantir de

forma direta o aumento da demanda efetiva na economia.

[...] O Estado deve exercer uma política econômica adequada para compensar a insuficiência da demanda efetiva privada. Essa indicação de Keynes a respeito da atuação estatal traduz, simplesmente, a necessidade de criação de procura adicional para fomentar o emprego: numa economia fechada, o Estado deve agir sobre variáveis que afetam o consumo e/ou o investimento. [...] Em resumo, a preocupação maior de Keynes referia-se à necessidade de o Estado assumir maior responsabilidade na organização dos investimentos, através de uma política de regulação, com o objetivo de neutralizar sua instabilidade (CARVALHEIRO, 1987, p.110).

Keynes abandona a lógica de que o mercado sozinho poderia levar a um bom

funcionamento da economia, lembrando de que a economia corria o risco de funcionar em

crise. Assim, era função do Estado atuar principalmente sobre o volume de investimentos,

compensando eventuais variações por parte dos agentes privados, regularizando com isso, a

demanda e os investimentos globais, que estariam na origem da formação da renda e do nível

de emprego. Os gastos públicos estão no centro da teoria de Keynes, a ponto dele sugerir que

em momentos de crise, até gastos de utilidade duvidosa são altamente recomendados, vindo a

ser um complemento ao investimento e consumo privados, que via multiplicador,

aumentariam a demanda efetiva no país, então “a construção de pirâmides, os terremotos e

até as guerras podem contribuir para aumentar a riqueza [...]” (KEYNES, 1982, p.110). Dessa

forma, o Estado deveria ter a função de orientar os investimentos privados principalmente nos

períodos de depressão, mas não apenas em épocas de dificuldades, durante um período

próspero o Estado também exerceria essa função.

Com relação à política fiscal, Keynes observava que ela deveria ser usada para uma

melhora na distribuição da renda. Dessa forma, a redução de impostos ou uma tributação

progressiva, poderia afetar a propensão a consumir da sociedade como um todo, já que

aumentaria a renda disponível para o grupo que tem uma maior propensão a gastar. Para a

política monetária, Keynes afirma a sua importância devido ao seu impacto sobre o

investimento. A taxa de juros teria impacto sobre o motivo especulação em reter moeda, já

que os motivos transação e precaução seriam mais insensíveis a esse instrumento, sendo

influenciados pelos níveis de renda e da atividade econômica do país. A função do Estado

seria administrar a quantidade de moeda da economia para que ela não afetasse

negativamente a taxa de juros, elevando o seu nível, o que resultaria em uma queda no nível

de investimento no país.

Page 26: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

12

Barrère (1961) faz um resumo sobre a teoria de Keynes e o grau de intervenção do

Estado:

[...] a teoria elaborada por Keynes sempre se baseia em elementos característicos do capitalismo. O autor conserva a livre procura do lucro, o salariado e um alto grau de iniciativa individual dentro de um quadro de controle flexível; mantém-se a livre escolha do produtor e do consumidor e a repartição dos recursos se faz sempre sob a ação dos preços. Pede ao Estado, apenas, que exerça uma ação supletiva permanente (BARRÈRE, 1961, p.34).

A teoria Keynesiana praticada em importantes países sofreu um baque com a recessão

da década de 1970, após os choques do petróleo. O quadro que se via era de uma queda dos

investimentos, uma inflação crescente e diminuição do ritmo do crescimento dos países. É

nesse quadro que começa a ganhar força, principalmente na década seguinte, as teorias

neoliberais, que buscavam uma desestatização da economia e dar maior espaço para a

iniciativa privada. “É enfatizado o retorno às práticas de políticas econômicas mais

ortodoxas, centradas em um enfoque monetário restritivo e na austeridade fiscal, através de

expressivos cortes nos gastos públicos correntes, incluindo seus investimentos produtivos”

(LANDI, 2006, p.27).

Segundo as teses neoliberais, as funções do Estado e o seu tamanho seriam reduzidos,

privatizações seriam necessárias assim como a concessão ou permissão de serviços públicos

para a iniciativa privada, passando o Estado a exercer uma nova função, a regulação dos

serviços públicos. Para o liberalismo e as suas crenças no equilíbrio geral e na concorrência

perfeita, os mercados são eficientes na alocação, distribuição e produção de bens e serviços,

portanto, qualquer intervenção do Estado resultaria na geração de ineficiências. Assim,

apenas nos casos da existência de falhas de mercado1 que o Estado teria uma função a ser

desempenhada na economia, admitindo a sua intervenção.

1.2 - AS EMPRESAS ESTATAIS

O motivo empregado o maior número de vezes para a intervenção do Estado na

economia é a existência de falhas de mercado, porém apenas esse motivo não é suficiente para

a criação de empresas estatais, já que outras opções podem ser adotadas e implicar em

1 Alguns exemplos de falha de mercado: externalidades, concorrência imperfeita, informação assimétrica e bens públicos.

Page 27: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

13

melhores resultados. Nessa seção serão detalhados os motivos que podem levar um governo a

criar uma empresa estatal.

1.2.1 - Os Motivos para a Criação das Estatais

Villela (1984) acredita que as empresas estatais foram criadas para promover

objetivos sociais e/ou gerar externalidades positivas em uma magnitude que a empresa

privada não seria capaz de gerar, pois o maior objetivo dessa última é a busca pelo lucro e a

valorização do seu capital. É por essa razão que o Estado resolveu criar as empresas estatais

como um instrumento a mais para ajudá-lo a orientar o desenvolvimento econômico do país

na direção desejada.

A empresa estatal foi a forma pela qual o Estado passou a intervir diretamente na produção de mercadorias e serviços. Com isso, o Estado assume a propriedade sobre uma parcela do capital do país, gera excedentes e se impõe como um ator interessado no processo de concorrência. Assim, como qualquer outra firma geradora de bens e serviços, as estatais estão submetidas às leis de mercado (SCALETSKY, 2005, p.3).

A expansão das empresas estatais aceita inúmeras outras explicações, como por

exemplo, a tensa relação entre o Executivo e o Congresso Federal que levava à demora por

parte desse último de aprovar o orçamento do Poder Executivo. A solução encontrada foi a

criação de órgãos da administração indireta que dava uma maior flexibilidade ao Executivo,

assim a empresa estatal foi criada no Brasil e em inúmeros países para dar maior autonomia às

atividades estatais de natureza econômica, pois ela seria liberada do controle de diversos

órgãos do Estado para que pudesse ter respostas mais rápidas sobre as decisões do tipo

comercial.

Entretanto, esse intuito de proporcionar àquelas empresas maior autonomia suscita inúmeros problemas. Que tipos de atividade deverão merecer tal liberdade? Que limites deverão ser impostos a essa liberdade? De que forma vinculará a empresa seus próprios imperativos econômicos aos interesses sociais, muito mais amplos? Deveremos esperar da empresa pública comportamento diferente das empresas privadas? Como pode a sociedade ter certeza de que as empresas públicas estão funcionando com razoável eficiência? (SHERWOOD, 1964, p.3).

Uma empresa pode ser considerada pública, de acordo com Faucher (1982), quando

ocorre algum desses três motivos: há participação do Estado no capital da empresa; o Estado

tem autoridade para nomear membros do conselho administrativo; e quando o governo tem o

poder de definir as grandes orientações da empresa.

Page 28: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

14

Villela (1984) lista nove motivos para a criação das estatais: controle de monopólios;

controle do suprimento de insumos básicos; suprimento de espírito empresarial e treinamento

de executivos e técnicos; aumento do nível de emprego; redução da desigualdade de renda;

promoção de desenvolvimento regional; estabilização dos preços de insumos básicos;

contrapeso ao poder das multinacionais; e por fim, a geração de demanda para a indústria

nacional de bens de capital.

As empresas estatais foram criadas para atuarem em setores onde a necessidade de

capital para o desenvolvimento de projetos era muito grande, o prazo de maturação dos

investimentos era muito longo e a rentabilidade, pelo menos no curto prazo, era muito

pequena para atrair os investimentos privados. Já os monopólios geralmente surgem em

setores onde há uma importante economia de escala, constituindo os monopólios naturais,

então é preferível para o Estado ser o proprietário desse monopólio do que deixar os lucros

dessa atividade para o setor privado.

Além de subsidiar as empresas privadas, o Estado é levado a criar suas próprias empresas em função de sua capacidade de realizar poupança forçada. Quando o volume de poupança necessária é muito grande, quando o prazo de maturação dos investimentos é longo e os riscos elevados, cabe sistematicamente ao Estado assumir os novos investimentos. Isto explica porque setores como petróleo, a mineração, a produção de energia elétrica e de aço tendem a ser estatais (BRESSER-PEREIRA, 1986, p.99).

Assim como Villela (1984), Faucher (1982) também lista os critérios que explicariam

a criação das estatais, que para esse autor, seriam dez critérios: interesse geral; monopólio

natural; falta de capitais e a atitude do setor privado frente ao risco; salvação dos setores não-

rentáveis; setores dominantes e as indústrias básicas; soberania nacional; preferência dos

agentes financeiros; nacionalização como técnica administrativa; processo de diversificação

das atividades das empresas públicas; e fatores políticos e sociais. Dentre essa lista, pode-se

destacar que o critério interesse geral é o mais vago e geralmente o mais usado para explicar a

criação de uma estatal. O Estado também interviria para salvar setores não-rentáveis se esses

fossem essenciais para a economia e a criação de empresas públicas em setores de indústrias

básicas serviria para garantir que toda a economia do país se beneficiasse do efeito em cadeia

que podem ser associados a alguns setores importantes.

Dimock (1964) sinaliza uma explicação mais geral para os seis motivos que levariam

um governo a criar suas próprias empresas estatais para atuarem diretamente no setor

Page 29: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

15

produtivo: grande quantidade de capital para os investimentos necessários onde o capital

privado talvez não tivesse condições de realizá-lo; objetivos de interesse nacional de longo

prazo; temor dos monopólios privados; fins de emergência em períodos de grande recessão;

em tempos de guerra onde há necessidade de planejamento econômico e controle de alguns

meios de produção para evitar o desabastecimento; e motivos econômicos, quando o Estado

encampa empresas que estejam obtendo lucros muito altos ou pelo o contrário, quando a

empresa dá muito prejuízo, porém a sua existência é fundamental para a economia e/ou setor.

Faucher (1982) deixa claro que o objetivo de se criar uma estatal não está apenas no

ganho econômico que ela pode trazer, mas também o Estado tem o interesse de mostrar para a

população a necessidade que existe de se controlar alguns setores produtivos importantes para

o crescimento do país, assim a criação de uma empresa pública supõe que o Estado vá agir no

intuito de orientar o desenvolvimento econômico.

Como ocorre com qualquer decisão política, a intervenção econômica do Estado será requerida, tolerada ou deparará com forte oposição, conforme a composição da estrutura social e o dinamismo da iniciativa econômica nacional. Uma burguesia mais dinâmica pretenderá que o capital público assuma uma parte das suas despesas de investimento, porém resistirá a todo controle do Estado sobre alguma atividade produtiva. Uma burguesia em decadência exercerá pressões para que o Estado assuma os setores não rentáveis, tendo vista recuperar o seu capital e orientá-lo para atividades mais lucrativas (FAUCHER, 1982, p.96).

O Estado tem a atribuição de fornecer as chamadas mercadorias não-comercializáveis,

como a segurança e a área jurídica, entre outras, já que existe uma grande dificuldade de

precificar esse tipo de mercadoria, não permitindo a valorização do capital investido. Essa

área de atuação típica do Estado não gerou conflito e reclamações da iniciativa privada, foi

apenas quando o Estado resolveu entrar no circuito da valorização do capital, na produção de

bens comerciais através das empresas estatais, que surgiram as primeiras críticas com relação

à demarcação dos limites de atuação dos setores público e privado.

A justificativa para a criação de uma empresa estatal é que ela tem um papel a

cumprir, ou seja, ela pode ser usada para desenvolver setores importantes para impulsionar o

crescimento do restante da economia, pode ser usada como instrumento de política industrial

e de desenvolvimento regional, pode ter as suas compras sendo utilizadas para incrementar

um outro setor e também pode ser utilizada para fins de planejamento econômico, além de

outras funções. Assim, uma empresa estatal que não estivesse trabalhando em prol do

interesse público, que atuasse como se fosse uma empresa privada, submetida ao paradigma

Page 30: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

16

privado de produção que é a valorização do seu capital, ela acabaria com a justificativa

principal da criação ou manutenção da empresa sob o controle do Estado (MARTINS, 2004).

Que sentido teria o Estado de manter uma empresa que busca apenas o interesse próprio? As

estatais têm um objetivo a cumprir, elas têm que servir a toda sociedade para justificar o apoio

dado pelo Estado na sua constituição e desenvolvimento.

1.2.2 - O Resultado da Atuação das Estatais

Se for levado em consideração que uma empresa estatal é ineficiente simplesmente

pelo fato de ter sido instrumento de política econômica, não parece ser correto, já que esta é a

sua função, ajudar o governo a alcançar os objetivos planejados. O resultado de uma empresa

estatal não pode ser comparado com o resultado de uma empresa privada, que está livre de

interferências políticas e onde é possível buscar somente a maximização dos lucros e a

valorização do capital. Deve-se levar em consideração que a estatal é constantemente levada

pelo governo a se afastar do paradigma privado, comprometendo a sua futura expansão ou até

mesmo a sua existência.

Como o governo pode usar as estatais como instrumento de suas políticas econômica e

social, então o desempenho delas não pode ser julgado de acordo com a sua rentabilidade

alcançada, o mais certo seria julgá-las segundo a contribuição delas direta e indiretamente ao

desenvolvimento geral do país. Assim as estatais estão submetidas a interesses econômicos e

interesses políticos. Dessa forma, o Estado não procura alcançar taxas de remuneração de seus

investimentos compatíveis com as taxas de mercado, pois como ele renuncia às exigências

máximas de rentabilidade, ele obtém uma maior flexibilidade para investir em programas

onde a iniciativa privada não investiria.

Apesar de não se poder comparar os resultados obtidos por empresas privadas e

estatais, devido aos objetivos políticos e sociais que as estatais devem perseguir, não se pode

negar que a interferência política algumas vezes causa fortes danos às empresas quando ela é

submetida às políticas de curto prazo geralmente de combate à inflação, onde há redução real

do valor das tarifas ou das mercadorias produzidas pelas estatais, afetando a condição de

autofinanciamento. Assim, é confundida a razão da existência da estatal, mais voltada com

objetivos e resultados de longo prazo, com políticas de curto prazo.

Page 31: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

17

Não se pode confundir “missão”, “razão de ser” e “legitimidade” de uma empresa estatal, ou seja, o seu componente regulatório correspondente, com instrumentalização de curto prazo, aleatória. A própria instrumentalização “perversa”, a qual as empresas foram submetidas, acabou por obscurecer a razão principal de muitas empresas estatais constarem do portfólio estatal (MARTINS, 2004, p.4).

Sherwood (1964) alega que não há qualquer razão para que uma empresa estatal não

possa ser igual ou até mesmo superior às empresas privadas com relação às práticas

econômicas e comerciais, simplesmente pelo fato dela ser uma empresa pública. Porém

quando o Estado começa a influenciar os objetivos e o rumo da empresa, forçando-a a atender

principalmente aos interesses públicos, isso poderá ocasionar perdas maiores para a empresa

do que a concorrência no mercado poderia trazer. Então o Estado tem que ter a percepção de

saber a dose certa de usar a estatal como política para alcançar objetivos públicos, sem que a

deixe numa posição deficitária, sem conseguir meios de se auto-financiar, necessitando da

ajuda do Estado para continuar existindo.

Outra função que a empresa estatal pode vir a desempenhar é de estabilizadora do

sistema econômico. Ela poderia exercer reações bem diferentes a flutuações dos preços e do

crescimento da economia como um todo em comparação com as empresas privadas. A estatal

poderia, por exemplo, deixar de aumentar os preços em períodos de inflação e diminuir

menos os preços durante a deflação, sendo um elemento estabilizador de preços.

Sherwood (1964) mostra que é mais difícil ser o elemento estabilizador quando o

instrumento a ser usado são os investimentos da empresa. Em um período de recessão, a

estatal aumentaria o seu investimento para compensar a queda da atividade econômica como

um todo, e a posição contrária, a diminuição dos investimentos, ocorreria quando a economia

estivesse em um período de grande crescimento. Se a empresa pública usasse o seu

investimento dessa forma, como elemento estabilizador, estaria provocando sérios danos a

sua atividade produtiva, aumentando a sua capacidade de produção quando a demanda pelos

seus produtos está diminuindo, crescendo os seus custos sem a menor necessidade. O citado

autor indica que se a empresa pública conseguisse manter estável o seu nível de investimento,

já traria um grande benefício para economia nacional, não tornando necessário os altos e

baixos do investimento ao longo do tempo.

Page 32: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

18

1.2.3 - A Autonomia e o Controle sobre as Estatais

Com relação ao controle sobre o funcionamento das empresas estatais, o grau de

autonomia delas frente ao governo vai depender de como elas estão agindo de acordo com os

objetivos a elas incumbidos. Se os objetivos estiverem sendo alcançados de forma satisfatória,

não teria motivos para o governo intervir no funcionamento da empresa.

Abranches e Dain (1978) apresentam quatro níveis de autonomia que a estatal pode

alcançar: (i) autonomia política, que acontece quando a empresa tem a liberdade de decidir os

seus objetivos e os investimentos a serem realizados; (ii) autonomia financeira, que engloba a

capacidade da empresa se auto-financiar através dos lucros obtidos e as fontes externas à

empresa de financiamento; (iii) autonomia de capital, que é a liberdade de poder utilizar o seu

capital livremente, nas atividades que a empresa achar melhor empregar; (iv) autonomia de

gestão, que é a capacidade que a empresa dispõe para decidir os meios pela qual ela vai

procurar atingir os objetivos propostos.

As empresas estatais têm certa liberdade de ação em relação ao controle que é

exercido pelo seu proprietário ou maior acionista, que é o Estado. Essa autonomia diverge de

empresa para empresa, de setor para setor e de país para país. Emmerich (1964) concorda que

é necessário dar algum grau de liberdade para as empresas públicas, porém afirma que essa

autonomia precisa de certos limites e de um controle por parte do governo, que pode ser de

diversas formas: o campo de atividade da empresa deve estar bem definido; os poderes dados

devem ser pertinentes às respectivas funções; o governo deve ter o poder de supervisão, por

em prática auditorias e fiscalização; e deve-se exigir que as estatais divulguem ao público

relatórios anuais financeiros e contábeis.

Não há um padrão universal de como deve ser feito o controle por parte do governo

nas empresas estatais, cada país, setor e empresa é um caso diferente, particular. Porém, de

um modo geral, o controle exercido pelo governo e o grau de autonomia que a empresa deve

ter, seria melhor administrado se na lei específica que criou cada estatal, estivesse bem

determinado os limites de atuação e controle da empresa.

Todavia, uma imunidade completa de controles governamentais especialmente no que se refere a planejamento e diretrizes gerais, poderá frustrar as próprias finalidades para as quais se terá criado a autarquia. Assim, por exemplo, poderá dar a empresa excessiva importância à questão do lucro pecuniário, e em conseqüência deixar de prestar serviços essenciais, por serem menos lucrativos: poderá lançar-se

Page 33: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

19

a empreendimentos e produtos prejudiciais à economia em geral e em desarmonia com o plano nacional de desenvolvimento [...] (EMMERICH, 1964, p.50).

Antigamente não se fazia distinção entre empresas estatais e atividades tradicionais do

Estado, por isso em alguns países, atividades como os serviços postais e telegráficos, assim

como algumas ferrovias eram organizadas e custeadas da mesma forma que as outras

instituições do Estado. A estatal era custeada pelo governo que lhe repassava recursos do

orçamento e toda receita recebida pela empresa era recolhida pelo Estado, então ela estava

amarrada pelo orçamento do governo assim como as demais atividades governamentais.

Quando uma empresa é custeada exclusivamente por recursos do orçamento anual, ela perde

o incentivo de melhorar a eficiência produtiva e de cobrar preços maiores do que o custo de

produção, pois o lucro operacional não fica dentro da empresa, ela não tem direito sobre ele,

não pode reinvesti-lo.

Essa forma de enquadrar as empresas públicas pode ser vista como positiva na

posição do governo, porque ele pode obter um grau máximo de controle sobre essas

empresas. Porém do ponto de vista operacional da empresa estatal ela sairia prejudicada, pois

ficaria totalmente sem a flexibilidade necessária para atuar comercialmente, já que ela requer

uma condição funcional e financeira diferente da estrutura administrativa e financeira do

governo.

1.2.4 - A Ambigüidade da Estatal

Scaletsky (2005) sintetiza em seu trabalho, que desde a sua origem, a empresa estatal

nasce com uma ambigüidade: faz parte do sistema do Estado, mas também é uma organização

submetida às lógicas do mercado. Assim, ela não é um capital voltado exclusivamente à sua

própria reprodução, como também ela não é apenas recursos orçamentários para execução de

atividades típicas do Estado. Devido a essa ambigüidade, a empresa estatal tem duas faces: ela

executa políticas públicas em nome do governo, mas também disputa mercados com empresas

privadas, com o objetivo de reproduzir o seu capital e gerar recursos para os seus acionistas.

Essas duas lógicas, na maior parte das vezes, não são harmônicas e geram um conflito de

interesses dentro da própria empresa.

Condicionadas pelo governo e agindo como um instrumento na regulação do sistema, elas assumem posições na economia que são estranhas aos seus interesses empresariais. Sua inserção na produção de mercadorias, por outro lado, as

Page 34: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

20

impulsiona para o lado do rompimento com a lógica de atuação pública. Não se pode falar em empresa estatal sem que ambas faces estejam presentes. Se estiver imune à influência política para sua ação, com certeza não se tem como referência uma empresa onde o Estado detém a maioria do capital votante. Da mesma forma, se as empresas estiverem agindo exclusivamente no interesse público, estamos diante de uma mera extensão da administração pública direta (SCALETSKY, 2005, p.4).

A coexistência entre essas duas lógicas ao longo do desenvolvimento da empresa

estatal gera uma relação tensa entre os diversos atores envolvidos no processo, como os

gerentes da estatal e o governo. Muitas vezes quando o governo tenta dar uma orientação aos

investimentos, ele é acusado pelos próprios dirigentes da estatal de estar influenciando

politicamente os rumos da empresa. É uma situação no mínimo estranha, é como se o maior

acionista não pudesse exercer o seu direito de definir o caminho a ser perseguido pela

empresa.

[...] a estatal tem duas funções: a negócio, como a empresa atua em termos de produtividade e rentabilidade e a política. [...] numa empresa estatal mais focada em sua função política e orientação externa, aumenta a probabilidade de que ocorra ênfase nas vendas ao invés da lucratividade, preços baixos em relação aos custos, objetivos relativamente instáveis, objetivos estabelecido em termos vagos e não muito claros, avaliação de desempenho feita de modo irregular, procura de apoio público antes de uma ação e a alta administração recrutada do setor público (LOBATO, 2007, p.32).

Faucher (1982) argumenta sobre as dificuldades de se compatibilizar os diversos

interesses por detrás da dualidade das empresas estatais, assim os objetivos da estatal como

agente do mercado só será totalmente conciliável com os interesses políticos do Estado, se o

governo fizer dele os mesmos objetivos da empresa. As metas das políticas econômicas e da

utilização da empresa pública devem ser sempre confrontadas com o interesse da estatal de

ter uma maior autonomia para decidir o rumo a ser seguido por ela.

É para tentar resolver esse problema que a Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) propõe a adoção de uma Guia de Governança

Corporativa para as empresas estatais. O guia da elaborado pela OCDE indica o ponto de

partida para o bom funcionamento da empresa, que o governo deixe explícito e claro a

política do Estado como acionista principal e controlador, e a postura que ele vai ter na

orientação do rumo que a empresa vai seguir. Uma das maiores preocupações da OCDE é que

“as responsabilidades que as empresas estatais assumem em nome de políticas públicas não

sejam confundidas, nem com ações públicas em geral, tão pouco fiquem submersas nas ações

empresariais” (SCALETSKY, 2005, p.4). Assim, é necessário registrar quais foram os gastos

Page 35: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

21

da estatal tanto como um agente do mercado, quanto como agente público, abrindo espaço

para a diminuição dos conflitos entre os interesses do Estado, dos acionistas minoritários e

dos gerentes da empresa.

Pragmaticamente, uma das formas de fazer isso é a tradução destas atividades em custos. Assim identificados, os custos “públicos” seriam compensados por transferências de recursos do orçamento geral do Estado. Quer dizer, estas ações seriam do conhecimento público, já que integrariam o orçamento. O problema é estabelecer a linha demarcatória entre o que são atividades empresariais e as políticas exercidas em nome do interesse público (SCALETSKY, 2005, p.5).

Outro exemplo ilustra a dificuldade em separar as atividades de cunho público das

atividades empresariais das empresas estatais. Em muitos países, a atividade de correios e

telégrafos é realizada pelo Estado, assim, o seu objetivo é levar o serviço a todos os pontos do

país, do local de mais fácil acesso, até os mais longínquos, dos municípios mais populosos,

até os que têm pouca densidade demográfica. Do ponto de vista estritamente empresarial,

seria mais lucrativo realizar esse serviço apenas nas áreas com maior densidade populacional

e de mais fácil acesso, porém como é uma empresa estatal que desempenha essa função, ela é

obrigada pelo governo a prestar esse serviço universalmente, a todos os pontos do país. Deste

modo, uma atividade é subsidiada pela outra, sem que haja uma contabilização em separado

de cada uma, onde ficasse claro e fosse de conhecimento público os custos de cada atividade,

tornando mais fácil a avaliação da gestão da empresa pelos seus dirigentes.

Entre os muitos motivos empregados para a criação de empresas estatais que foram

explicados nessa seção, que entre outras conseqüências, poderiam resultar em financiamento

de importantes empreendimentos, planejamento industrial, políticas setoriais, operação e

desenvolvimento de indústrias, e criação de infra-estrutura, ou seja, mecanismos de

coordenação com o objetivo de orientar o desenvolvimento econômico do país, nos últimos

anos surgiu na Europa um novo debate sobre como o Estado pode incentivar a criação ou o

fortalecimento de empresas nacionais, privadas ou estatais, que estejam comprometidas com

os interesses considerados estratégicos para o país. Este será o tema da próxima seção.

Page 36: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

22

1.3 - ASPECTOS TEÓRICOS E EXEMPLOS SOBRE EMPRESAS

“NATIONAL CHAMPIONS”

Um dos temas mais debatidos na Europa nos últimos tempos é a questão da formação

de empresas “national champions”. Esse tema por mais que já fizesse parte da agenda de

muitos países, principalmente na análise de casos de fusões e aquisições, ele se tornou mais

importante durante a década de 1990 até os dias atuais, com a discussão da abertura dos

mercados nacionais para a construção de um mercado unificado europeu. Em alguns setores,

principalmente os considerados estratégicos, como a aviação, telecomunicações e o setor

elétrico, há um grande debate sobre a atuação dos órgãos de defesa da concorrência e a

atuação de alguns países que tem se caracterizado pelo apoio do governo a formação de

grandes empresas, com o intuito de fortalecê-las para poderem competir em igualdade de

condições com os maiores conglomerados internacionais em um mercado global. Como

maiores exemplos desse contexto, a França, Espanha e Alemanha têm evocado o espírito

patriótico para justificar essas ações, ao contrário do Reino Unido, que tem se caracterizado

pela defesa dos ideais liberais e pela promoção de um ambiente concorrencial.

1.3.1 - A Definição sobre as “National Champions” e o Debate sobre o Incentivo à

Consolidação dessas Empresas.

Como afirma Maincent e Navarro (2006), não existe consenso sobre a definição do

que seria uma empresa “national champion”, havendo diversas hipóteses dependendo do país,

do setor e da empresa que se quer avaliar. Em linhas gerais, uma “national champion”

poderia ser considerada uma grande e importante empresa nacional, privada ou estatal, que

atue em um setor considerado estratégico para o governo, que possua economias de escala na

produção em seu setor chave, domine uma grande parte do mercado onde atua e que seja

capaz de competir em um mercado global com as gigantes empresas multinacionais.

A explicação para o uso das “national champions” em alguns setores estratégicos

pode ser sintetizada dessa forma: além do medo de ficarem na dependência das empresas

multinacionais que não estariam comprometidas com o desenvolvimento do país, alguns

setores são chaves para o desenvolvimento de várias outras indústrias e nesse caso,

incrementar o setor chave significaria dar um forte impulso para o crescimento dos setores

Page 37: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

23

complementares, o que resultaria em um efeito em cadeia para muitas outras atividades. Os

setores de infra-estrutura são exemplos dessa explicação, assim como os setores mais

inovadores.

Uma das formas de se fomentar a criação de “national champions” é através de

incentivos a aquisições e fusões de empresas concorrentes. Pinto Jr. e Iootty (2005) fizeram

um estudo sobre as fusões e aquisições (F&A) durante a década de 1990 na indústria de

energia pelo mundo e constataram que a abertura das indústrias principalmente de eletricidade

e de gás, criaram pressões sobre os agentes que atuavam nesses mercados que foram

obrigados a procurar outras alternativas para melhorar o seu grau de competitividade. A saída

foi a procura pela redução de custos, aproveitamento de economias de escala e a procura por

novas oportunidades de investimentos, já que as empresas agora não teriam mais mercados

cativos restritos aos seus territórios nacionais e teriam que competir em um mercado mais

amplo e concorrido, correndo até o risco de perder o domínio sobre o seu antigo mercado.

Deve-se atentar também para as vantagens competitivas dos atos de aquisição. Considerando somente os argumentos teóricos dispostos na literatura de Economia Industrial, é possível afirmar que as empresas preferem muitas vezes crescer via F&A, e não pelos meios de crescimento orgânico, porque deste modo elas podem: i) acessar mercados ou aumentar o poder de mercado de forma imediata; ii) obter ganhos de eficiência produtiva, seja do ponto de vista estático, ou dinâmico; iii) diversificar suas atividades produtivas; e iv) alcançar a internacionalização de suas atividades (PINTO JR. e IOOTTY, 2005, p.443).

O debate sobre “national champion” pode levar a uma tensão entre a política

industrial e a política competitiva, ou seja, com os órgãos de defesa da concorrência,

principalmente em países de economia pequena. Esse conflito ocorreria porque a criação

desse tipo de empresa seria justificada como a única maneira de competir em um mercado

global com as grandes empresas multinacionais, porém os órgãos de defesa da concorrência

ficariam desconfortáveis com a posição de domínio que a “national champion” teria no

mercado interno, pois em países com uma economia não muito grande, essas empresas quase

sempre teriam uma posição de monopólio. Portanto, para os interesses de grupos favoráveis a

fomentação de empresas “national champions”, os órgãos de defesa da concorrência podem

ser um grande obstáculo a ser superado, enquanto que para esses órgãos, a criação dessas

empresas pode ser uma perigosa brecha para a manutenção de poderes de mercado.

Geroski (2005) expõe em seu texto que existiriam três motivos para a criação de uma

empresa “national champion”: a noção de que o mercado onde essa empresa atua é um

Page 38: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

24

mercado global; a idéia de que a empresa precisa ter certo tamanho para ser competitiva; ou

que existem certos setores específicos que o Estado precisa consolidar para que o país

progrida economicamente. O mesmo autor desmente dois dos motivos normalmente

utilizados para se apoiar a criação de empresas “national champions”. A hipótese de mercado

global na qual a oferta seria de produtos padronizados, onde a competição seria apenas via

preços e a diferenciação das empresas seria na economia de escala, na grande maioria dos

mercados não é verdadeira. O autor lembra que mesmo após a “unificação européia”, até

aquela data, a maioria dos mercados na Europa continuava sendo nacional e que vários

produtos tinham algum grau de diferenciação que correspondiam às preferências locais,

abrindo espaço para empresas menores especializarem-se na oferta desses produtos. Então o

fato da empresa operar globalmente seria mais uma opção estratégica do que uma necessidade

da firma.

Já a hipótese de que a empresa precisa ser grande para ser competitiva, obtendo um

diferencial de custo com a economia de escala na produção, também não pode ser totalmente

aceita, pois a posição dominante em um mercado local pode fazer com que a empresa seja

menos eficiente. A falta de concorrência pode resultar na empresa investir pouco em

inovações, reagir devagar às mudanças das necessidades do mercado, além do aumento de

preços que a posição de monopólio (ou quase-monopólio) pode ocasionar. Achar que o

simples fato da empresa ser grande, ter economias de escala, vá torná-la mais competitiva, é

aceitar que a habilidade é mais importante do que o incentivo que um mercado mais

competitivo poderia acarretar para o desenvolvimento da empresa.

Há duas formas de se identificar potenciais empresas “national champions”, a

maneira certa seria identificar os setores estratégicos, os que têm papel central na economia, e

ver que tipo de suporte seria absolutamente necessário para assegurar que o setor se

desenvolva. A forma errada seria sucumbir a pressões de firmas nacionais grandes e fortes

politicamente, que estejam passando por um período de desempenho insatisfatório ou que

estejam operando em um mercado em declínio ou maduro, no entanto, Geroski (2005) afirma

que na maioria dos casos a maneira errada é a que sobressai. Os defensores da política de

fomentação das “national champions” normalmente acham que o Estado deve dar um suporte

para a consolidação delas, que pode ser através de subsídios, linhas de financiamento com

juros e tempo mais convidativos do que o de mercado e relaxamento das políticas de defesa

da concorrência em seus setores.

Page 39: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

25

Diaconu, Oprescu e Pittman (2007) no estudo sobre a reestruturação do setor elétrico

na Romênia afirmam que a criação de empresas “national champions” deve ser combatida

porque não beneficiam os consumidores e a economia local. A falta de competição interna

resultaria em preços maiores, menores opções para os consumidores, investimentos

insuficientes, e um maior potencial para interferências políticas e corrupção. Já a conclusão de

Geroski (2005) é de que o fato da empresa operar em um mercado competitivo vai

provavelmente lhe tornar competitiva em um mercado global, enquanto empresas que não

atuam em um mercado competitivo, dificilmente sobreviverão quando forem expostas a um

mercado global, muito mais competitivo.

Opinião parecida com a de Clougherty e Zhang (2008) no estudo sobre o setor de

aviação internacional. Para esses autores, a discussão sobre os impactos da racionalidade das

“national champions” e a racionalidade da competição doméstica sobre os resultados das

exportações2 tem recebido atenção dos teóricos desde a década de 1970. Simplificando as

duas correntes, a racionalidade “national champion” admite que a grande operação no

mercado doméstico, limitando a concorrência, permite que a empresa obtenha uma importante

economia de escala que lhe vai ser útil para conseguir conquistar parcela considerável de um

mercado maior (regional ou internacional), aumentando o seu lucro nessa atividade. Para os

seguidores da outra corrente, a rivalidade doméstica acarreta em uma pressão vigorosa e real

sobre as empresas que atuam nesse ambiente, proporcionando uma maior busca pela inovação

e pela melhora na qualidade e na produtividade para a fabricação de um produto ou na

realização de um serviço, o que permite que essa empresa possa ganhar participação e maiores

lucros no mercado externo. Para Clougherty e Zhang (2008), a maioria dos estudos

econométricos empíricos mostram que há uma relação positiva entre a competição no

mercado doméstico e o desempenho no mercado externo, resultado idêntico ao encontrado por

seu estudo. “In sum, we find domestic rivalry to positively impact the international market

shares of airlines. Accordingly, airlines that experience substantial domestic rivalry tend to

perform better in export markets” (CLOUGHERTY e ZHANG, 2008, p.21).

Em seu trabalho sobre a política para “indústrias campeãs”, Maincent e Navarro

(2006) expõem que a noção de empresas “national champions” é controversa, já que pode ser

caracterizado como uma grande empresa, com ou sem poder de mercado, uma empresa de 2 Exportações nesse caso referem-se tanto às mercadorias enviadas de um país de origem da empresa para outros mercados, quanto ao estabelecimento de uma fábrica ou de uma subsidiária no mercado que está recebendo o bem ou serviço final.

Page 40: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

26

sucesso em seu ramo de negócios, não importando o seu tamanho, ou uma empresa que tem

uma posição competitiva em um setor considerado estratégico. Segundo esses autores, o

termo “national champion” tem sido usado em diversas situações diferentes, e para cada tipo

de situação, implica em diferentes teorias e diferentes políticas de incentivo para o

fortalecimento dessas empresas. Atualmente há uma dúvida na Europa se essas empresas

surgiriam através da competição no mercado, sem a necessidade de alguma ajuda do governo,

ou se haveria uma necessidade de se adotar uma política ativa para o surgimento e o

desenvolvimento de uma “national champion”.

Dessa forma, para Maincent e Navarro (2006), existiriam três grandes alternativas

políticas para o debate das empresas “national champions”: i) a política a ser adotada deveria

conter ações pró-mercado e que a abertura dos mercados nacionais europeus para a formação

de um único mercado integrado levaria a uma reestruturação das empresas, com o objetivo de

se obter economias de escala e aumentar a produtividade, a qualidade e a sua eficiência; ii)

política de apoio público explícito a um setor ou empresa considerada estratégica,

principalmente para se obter competitividade internacionalmente; e iii) política de sustentação

de grandes empresas ou setores que se encontram em dificuldades, principalmente os que

empregam um grande número de trabalhadores direta ou indiretamente, para que sejam

evitados custos sociais negativos. Em relação ao terceiro ponto, os autores afirmam que não

existiriam justificativas econômicas para manter artificialmente setores ou empresas que

perderam a competitividade frente aos seus concorrentes, porém devem ser levados em

consideração os custos sociais de cada medida, como o aumento do desemprego em um país

ou região. É uma decisão delicada que tem que ser tomada pelo governo, colocando na

balança o que é mais importante, evitar custos sociais negativos e incentivar setores

ineficientes a continuarem operando, ou aplicar recursos e esforços em outras políticas que

estimulem setores mais promissores ou que tragam benefícios a toda a sociedade.

Maincent e Navarro (2006) citam um exemplo de política de apoio a um setor

considerado estratégico3 que traria benefícios para toda a sociedade daquele país. Em um

mercado onde há uma multinacional dominante e o aprendizado é uma variável importante

para o sucesso de uma empresa, o governo pode subsidiar a produção até que a empresa local

consiga reverter às perdas iniciais por ainda ter um custo maior do que a empresa já instalada

3 Por exemplo, um setor com grande uso de tecnologia, onde é necessário gastar muitos recursos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o aprendizado é um diferencial entre empresas.

Page 41: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

27

e conseguir competir efetivamente nesse mercado. Assim, o preço da mercadoria produzida

será menor e o lucro da multinacional também, mas os consumidores do país obterão uma

melhora no bem-estar, pois além de um preço mais baixo que eles terão que pagar pela

mercadoria, a competição naquele mercado vai trazer benefícios como a melhora na qualidade

do produto e no esforço inovativo das empresas.

O perigo de se adotar uma política dessas, que vai acarretar em uma queda no lucro de

uma multinacional, é que o país de origem dessa empresa pode adotar uma política de

retaliação, então simplesmente abocanhar uma parte do lucro da multinacional por uma

empresa nacional não faz muito sentido, a não ser que traga outros benefícios para a

sociedade, não apenas para a empresa subsidiada. Para terminar, os autores também citam a

importância da complementaridade das políticas de se estimular a competição entre empresas

de setores já estabelecidos e a de facilitar o surgimento de novas empresas em setores em

desenvolvimento.

The various economic policies should be complementary in achieving this twin

objective to provide a stimulating environment for well-established companies

while facilitating the development of young ones in growing sectors. First, efforts

to complete the internal market, which should be pursued, must be complemented

by actions aimed at supporting the growth of young innovative firms (MAINCENT e NAVARRO, 2006, p.39).

1.3.2 - A Criação de “National Champions” no Setor de Energia na Europa

A política de incentivo à criação de empresas “national champions” também é

encontrada no setor energético em países europeus. Segundo Leite e Castro (2009) há

divergências na política energética na Europa, com importantes países incentivando a criação

de grandes empresas nacionais, dessa forma, dificultando a implantação de um mercado

integrado europeu, mais competitivo e aberto a potenciais participantes, o que é à base da

proposta da Comissão Européia.

Recentemente, uma série de fusões e aquisições no setor energético passou a

preocupar a European Comission que como resposta, veio a ser mais criteriosa nas tentativas

de F&A no setor, dando maior importância às análises de fusões convergentes, ou seja, fusões

entre empresas que atuam no segmento de gás com empresas que produzem eletricidade. O

gás e a eletricidade podem ser tanto complementares quanto substitutos, no primeiro caso, o

Page 42: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

28

gás é utilizado como insumo para a produção de eletricidade, enquanto para outras atividades,

como o aquecimento de casas e da água, o gás e a eletricidade concorrem no mercado como

energias diferentes.

As Campeãs Nacionais são empresas, quer públicas ou privadas, mas empresas nacionais, que estão sendo formadas e/ou fortalecidas por alguns países da EU para darem resposta à crise energética. Estas empresas atuam segundo objetivos nacionais de política energética, e não de consenso da EU e vem recebendo o apoio implícito e/ou explícito para se constituírem em grandes empresas verticalizadas e integradas no segmento de gás e eletricidade. Desta forma, alguns países buscam, com e através das “National Champions” maximizar a segurança energética doméstica (LEITE e CASTRO, 2009, p.2).

Com a justificativa do estabelecimento da segurança energética, governos buscam

estimular as “national champions” com a preocupação de garantir no futuro o equilíbrio entre

oferta e demanda de energia, já que os principais países da Europa não contam com grandes

reservas de insumos energéticos dentro de suas fronteiras, necessitando importar uma parte

considerável para atender a demanda por energia. Para isso, atualmente impera a política de

“cada um por si” onde cada país busca firmar acordos bilaterais para suprir essa carência

energética, como os acordos entre Itália e Rússia, Espanha e países do norte da África e entre

Inglaterra e Noruega (LEITE e CASTRO, 2009). O argumento central para o apoio às

“campeãs nacionais” e para as fusões convergentes está no fato que haveria um aumento no

bem-estar social com a redução nos custos de transações entre operações verticais,

melhorando a eficiência do negócio e reduzindo os custos de produção, que seriam repassados

ao consumidor. No entanto, o risco nessa operação é muito alto devido às características

energéticas da Europa, onde o gás é um insumo muito importante na matriz energética e a

empresa de eletricidade que tivesse garantida essa oferta do insumo, implicaria em um poder

de mercado muito grande.

A teoria sobre empresas “national champions” indica que a fomentação desse tipo de

empresa pode levar a dois tipos de erros. O erro do tipo I seria a não autorização para o

surgimento de uma “national champion” quando essa seria a melhor escolha, e o erro do tipo

II aconteceria caso ocorresse o incentivo a criação de uma “national champion” quando não

fosse necessário. Para o caso das fusões e aquisições entre empresas do setor energético, a

ocorrência do erro do tipo II traz muito mais prejuízos para a sociedade do que o erro do tipo

I, então é melhor que esse último ocorra, pois como a elasticidade da demanda por

eletricidade é muito pequena em relação ao preço desse serviço, o mercado de eletricidade

seria muito suscetível ao poder de mercado, já que a empresa que obtivesse esse poder

Page 43: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

29

poderia aumentar muito o preço da eletricidade sem que houvesse uma diminuição acentuada

do seu uso, o que ocasionaria uma transferência de renda dos consumidores finais para o

produtor. Por outro lado, os ganhos de escala e produtividade, ou qualquer outro motivo que

reduzisse o custo de produção de uma empresa “national champion” e que pudesse ser

repassado ao consumidor final, seria muito pequeno, já que os ganhos de eficiência na fusão

entre empresas de gás e eletricidade são muito pequenos (BARQUIN et al., 2005), pois há

pouca sinergia entre essas atividades (LEVEQUE, 2006). Assim como esses autores, Geroski

(2005) também alerta sobre o risco do tipo II em sua abordagem mais geral sobre a criação de

“national champions” em diversos setores.

Making a type II error is, in my view, far more serious. Supporting the emergence

of national champion when this is not necessary just creates a domestic monopoly.

For domestic consumers, this is potentially an expensive policy choice, and it can

only be justified if the success of the national champion abroad feeds back to the

domestic market, and, in particular, to those consumers who have to face its

consequences. It seems to me that the case for national champions rarely includes

any discussion of exactly how domestic consumers are going to benefit from their

activities, and I sometimes wonder whether this is basically because it is unlikely

that they ever will. If so, it seems clear that we ought to be much more tolerant of

making type I errors than we are of making type II errors (GEROSKI, 2005, p.7).

Apesar dos riscos, algumas fusões e aquisições nos últimos anos não passaram pela

supervisão da European Comission, como foi o exemplo da aquisição da Ruhrgas pela E.ON

em 2002 e a oferta de compra da Endesa pela Gas Natural no início de 2006, que foram

analisadas e reprovadas pelos órgãos de defesa da concorrência da Alemanha e da Espanha

respectivamente, por verem efeitos anti-competitivos nessas aquisições. Porém, com a

justificativa do interesse estratégico nacional, os governos locais dos dois países autorizaram a

criação das “national champions” (LEVEQUE, 2006). A junção da E.ON, que era a maior

empresa de eletricidade da Alemanha com a Ruhrgas, que era responsável por

aproximadamente 60% do mercado alemão de gás e detinha a maior rede de dutos do país,

formou uma gigante empresa alemã no setor energético, com um significativo poder de

mercado. No caso espanhol, o resultado das negociações foi diferente e não houve acordo

entre as partes, pois a Gas Natural (maior empresa produtora de gás da Espanha), fez uma

proposta hostil de compra de 100% das ações da Endesa (maior empresa de eletricidade da

Espanha) que não foi aceita devido a uma rivalidade histórica entre as províncias de Madri e

da Catalunha (LEITE e CASTRO, 2009).

Page 44: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

30

Barquin et al. (2005) no estudo sobre a avaliação das conseqüências do projeto de

aquisição da Endesa pela Gas Natural, lista alguns problemas que essa negociação, caso fosse

confirmada, traria para o mercado energético espanhol: criação de barreiras à entrada para

novos concorrentes; redução de incentivos para essa nova “national champion” espanhola

investir fora do território nacional; baixo crescimento do mercado interno; e redução da

cooperação na Europa. Para esses autores, a “national champion” criada dominaria

amplamente o mercado espanhol e não teria incentivos para se aventurar em um outro

mercado que também estaria sob o domínio de uma outra empresa “campeã nacional” local. A

explicação para esse comportamento viria da grande barreira à entrada em cada mercado

energético nacional dominado por uma “champion” local, assim, não faria sentido que uma

tentasse entrar no mercado da outra, devido ao grande risco dessa operação.

Além dos casos espanhol e alemão, Verde (2008) em seu artigo também explica o

processo de criação da empresa “national champion” francesa que surgiu da fusão da Gaz de

France com a Suez, caso em que fica evidente o interesse em se formar uma empresa “campeã

nacional”. O acordo entre a Gaz de France e a Suez foi firmado poucos dias após a divulgação

de rumores de que a italiana Enel iria fazer uma proposta hostil de compra da Suez. O curioso

desse caso foi que o governo francês foi quem anunciou o acordo entre as duas empresas,

evidenciando seu papel importante para a concretização desse negócio. Para Verde (2008), o

acordo entre a Gaz de France e a Suez formaria o 2º ou 3º maior grupo europeu no mercado

energético e evitaria a ameaça de compra de alguma dessas duas empresas por uma empresa

concorrente de outro país.

Verde (2008) utiliza os três motivos elaborados por Geroski (2005) para a criação de

uma “national champion” e conclui que o real motivo para a formação desse tipo de empresa

seria a escolha de se criar uma empresa nacional forte em um setor considerado estratégico

pelo Estado. O autor ainda argumenta que o aumento do interesse das empresas de gás pelas

empresas de eletricidade (e vice-versa) durante essa década, resultou em um vigoroso

aumento em F&A entre empresas desses setores. O benefício da empresa de eletricidade seria

na segurança da oferta de gás para a geração de energia, e a empresa de gás seria beneficiada

com uma demanda cativa por seu produto.

[...] electricity undertakings need to secure their gas supply as their generation mix

is more and more based on natural gas and, similarly, gas companies need to

dispose of a strong link with downstream electricity markets as they have to secure

Page 45: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

31

their captive demand in order to fully respect TOP (take or pay) obligations in their

import contracts with strong extra-EU producers (VERDE, 2008, p.1132).

1.3.3 - Os Exemplos de Empresas “National Champions” no Setor de Telecomunicações

Outro estudo sobre a formação de empresas “national champions” foi realizado por

Mariscal e Rivera (2004), dessa vez, a análise foi sobre o setor de telecomunicações. O

trabalho analisou a reforma nesse setor que aconteceu na Espanha, no México e no Brasil,

resultando na criação de duas empresas “campeãs nacionais”, a Telmex no México e a

Telefônica na Espanha. No caso brasileiro, a privatização das principais empresas estatais do

setor, Embratel e Telebrás durante a década de 1990, procurou privilegiar o estabelecimento

de um mercado moderno e competitivo para as telecomunicações no país, atraindo para o

Brasil muitas das mais importantes empresas de telecomunicações do mundo, com duas ou

três dessas empresas atuando em cada mercado regional do país, não priorizando a criação de

uma empresa “national champion”.

Na Espanha, o setor de telecomunicações era muito atrasado se comparado com a

média européia e suspeitava-se de que a Telefônica seria comprada por alguma outra grande

empresa do setor ou faria no máximo um papel secundário quando houvesse a integração do

mercado europeu. O governo espanhol tinha como objetivo a modernização de seu país, além

de buscar ter um papel central na Europa. Quando começaram as discussões no continente

para a formação de um mercado unificado, o governo espanhol estabeleceu como objetivo a

criação de um moderno setor de telecomunicações que pudesse levar a um maior

desenvolvimento do país e que fossem criadas condições para a Telefônica competir de igual

para igual com as grandes empresas européias do setor.

Simultaneamente com a modernização da empresa, a Telefônica iniciou um grande

processo de aquisições na América Latina, resultando na compra de inúmeras empresas recém

privatizadas. Mariscal e Rivera (2004) argumentam que esse quadro seria um verdadeiro

paradoxo, pois uma empresa considerada atrasada na Europa estaria comprando várias

empresas privatizadas que tinham como objetivo para seus governos, a modernização dos

serviços de telecomunicações em seus países. Os autores afirmam que essa estratégia também

era um mecanismo de defesa da empresa, pois aumentando o seu tamanho, ela evitaria a sua

compra pelas maiores firmas do setor. O governo espanhol da época reconheceu que apenas a

Page 46: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

32

modernização da Telefônica não seria capaz de torná-la um importante player do setor, era

preciso ajudá-la a aumentar de tamanho, adquirindo novas empresas. Para isso, o Estado entre

outras coisas, estabeleceu tarifas generosas no país, para aumentar o caixa da empresa, e fez

com que os bancos públicos tornassem disponíveis os recursos necessários para as aquisições

de outras empresas e a taxas subsidiadas.

[…] it opened an exclusive market to the firm in Latin America, which in terms of

number of consumers, was much higher than the Spanish market. Additionally, this

new markets had an important growth potential since telephone density was

extremely low and the proximity between the three new markets made it easier to

take advantages of scope and scale economies. Most important of all, the firm

could now operate within a market comparable to any of its bigger European

neighbors (MARISCAL e RIVERA, 2004, p.13).

Não se pode negar que a política adotada pelo governo espanhol para tornar a

Telefônica uma empresa “national champion”, podendo competir no mesmo nível das demais

potencias européias do setor, foi bem sucedida, porém há dúvidas se esse sucesso também

melhorou a vida dos consumidores dos serviços da Telefônica na Espanha. Se forem

considerados alguns quesitos para avaliar o desempenho da empresa no país, como o

percentual da rede de telecomunicações que em 1999 já era digital, a Espanha (87%) perde

para países como México (100%) e Grécia (98%). “Spain, compared to other European and

developed countries, shows a lower technological adoption and lower overall penetration”

(MARISCAL e RIVERA, 2004, p.31).

Já no caso do México, a privatização da Telmex, que aconteceu em 1990, fez parte de

um processo mais amplo de abertura da economia que estava alinhada com o Consenso de

Washington. A empresa foi vendida como uma empresa verticalmente integrada, para ficar

mais atrativa para os investidores e porque a desverticalização da empresa demandaria muito

tempo, o que não seria possível naquele momento, além do forte lobby para a manutenção da

estrutura da empresa. A expansão das atividades da Telmex pela América Latina só veio a

ocorrer na segunda rodada de privatizações, pois primeiramente a empresa estava preocupada

na modernização das telecomunicações no México, onde a taxa de penetração da telefonia

fixa na sociedade era muito baixa, e na prioridade na preparação para a possível entrada no

mercado dos Estados Unidos. Ao contrário da Telefônica que resolveu apostar nos segmentos

de telefonia fixa simultaneamente com outros segmentos na América Latina, a Telmex

preferiu entrar no mercado móvil e de serviços de longa distância.

Page 47: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

33

O resultado da reforma no setor de telecomunicações no México e da atuação da

Telmex em seu país de origem é ambíguo. Enquanto o país alcançou 100% na digitalização de

sua rede de telecomunicação e a Telmex aumentou a qualidade dos seus serviços, melhorando

a sua produtividade, em outros segmentos os avanços não foram tão importantes. De acordo

com Mariscal e Rivera (2004), a falta de incentivo em oferecer todos os serviços no país

inteiro, fez com que a Telmex concentrasse a oferta de seus serviços em uma área restrita,

com pouca penetração, e a falta de concorrência no setor manteve as tarifas relativamente

altas no México. “Telecommunications reform modernized the telephone network but has yet

to distribute the gains of this modernization to the majority of the Mexican consumers”

(MARISCAL e RIVERA, 2004, p.28).

Apesar dos problemas que a formação de uma “national champion” pode acarretar no

país de origem dessa empresa, devido à baixa concorrência entre os agentes do setor e as altas

barreiras à entrada, o objetivo que foi traçado para as “national champions” de competir no

mercado internacional com as maiores empresas do setor, vem sendo atingido

satisfatoriamente. Passado mais de uma década da liberalização do setor de telecomunicações

na América Latina, a Telefônica e a Telmex dominam esse setor nessa região, sem que

empresas dos Estados Unidos e do Brasil tenham uma participação relevante nesse mercado.

Page 48: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

34

Capítulo 2 – A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA

BRASILEIRA E A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS

O segundo capítulo abordará como foi a intervenção do Estado na economia brasileira

ao longo dos anos, destacando o setor elétrico e a criação de uma empresa estatal para atuar e

desenvolver esse setor, a Eletrobrás. Na primeira seção, será visto como os muitos governos

atuaram para que a economia do país crescesse e o país se industrializasse, principalmente

como foi a interferência do Estado em assuntos econômicos que teve o seu ápice no período

militar, onde o Estado e as suas empresas eram os principais agentes da economia. Na

segunda seção do capítulo, a história do setor elétrico antes da criação da Eletrobrás na década

de 1960 será o tema apresentado, onde até aquele momento, as empresas estrangeiras

dominavam a produção e distribuição de energia elétrica nos centros mais importantes do

Brasil. Na seção seguinte, todo o processo de criação da Eletrobrás será visto, desde os

acontecimentos do segundo governo de Getúlio Vargas que levaram a elaboração do projeto

original que foi enviado ao Congresso em 1954, até a aprovação da lei que autorizou a União

a criar a Eletrobrás em 1961.

2.1 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA

Inicialmente o papel do Estado na economia era de intervir apenas em momentos de

fraquezas do mercado ou quando houvessem falhas, assim, estimulando a produção e o

investimento, ele atenuava os períodos de recessão ou de baixa atividade econômica, atuando

como uma medida anticíclica. Posteriormente foi percebido que esses mesmos mecanismos

que eram utilizados de forma limitada poderiam ser usados de maneira sistemática e

permanente, com o intuito de promover o crescimento econômico do país, nascendo assim a

política e o planejamento econômico. O Estado dispõe de inúmeros instrumentos para intervir

na economia, como o nível de impostos, os subsídios, a quantidade de moeda, os

financiamentos, o crédito, o controle de preços, a regulação, a intervenção direta no setor

produtivo através das empresas estatais, etc.

Page 49: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

35

2.1.1 - O Papel do Estado na Economia Brasileira

Para Baer, Kerstenetzky e Villela (1973), o predomínio do Estado na economia

brasileira até a década de 1970, principalmente em alguns setores, não foi resultado de um

esquema cuidadosamente concebido, pelo o contrário, foi motivado por inúmeras

circunstâncias que forçaram o Estado a intervir na economia do país, entre elas, reações a

crises internacionais, pretensão de industrializar rapidamente o Brasil e o anseio de controlar

atividades que estavam sobre o poder do capital estrangeiro, principalmente atividades

relacionadas com os recursos naturais e serviços de utilidade pública. “[...] o papel do Estado

na economia nos países em efetivo processo de desenvolvimento tende a ser tanto maior

quanto maior for o atraso relativo do país” (BRESSER-PEREIRA, 1986, p.98).

A atuação do Estado aconteceu primordialmente em quatro setores distintos: os

serviços públicos monopolistas, principalmente energia e telecomunicações; a indústria

extrativa, petróleo e mineração; a indústria de base; e os serviços financeiros (BRESSER-

PEREIRA, 1977). Para este autor, em apenas um desses quatro setores o motivo para a

intervenção do Estado naquela atividade foi político, na indústria extrativa, mas ele deixa

claro que em nenhum caso a intervenção na economia teve motivação socializante, já que

nenhuma estatal foi criada com a justificativa de socializar os meios de produção. Nos demais

setores, a motivação da intervenção foi principalmente para preencher áreas vazias, realizando

investimentos necessários ao crescimento econômico que a iniciativa privada não queria

realizar ou não tinha condições para isso.

O grande crescimento do setor estatal produtivo, ilustrado pelo aumento do número de

empresas estatais, não tinha como objetivo concorrer ou tirar as oportunidades de

investimento do setor privado, bem diferente disso, a justificativa para a intervenção do

Estado sempre foi a de ajudar o processo de acumulação das empresas privadas. Bresser-

Pereira (1977) argumenta que apenas excepcionalmente os investimentos das estatais foram

feitos em áreas que concorriam com o setor privado, que a grande maioria desses

investimentos foram realizados de forma complementar. Somente na petroquímica, na

mineração e no setor financeiro que os investimentos apresentaram algum grau de

concorrência, porém mesmo nesses setores, a complementaridade foi uma característica mais

marcante do que a competição.

Page 50: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

36

O Estado brasileiro atuou em todos os campos: econômico, financeiro, administrativo e político. Ao agregar às funções de planejador e investidor, a responsabilidade por uma série de funções no plano do bem-estar social, tornou-se o instrumento fundamental da acumulação capitalista, transferindo renda nessa direção, propiciando também as condições necessárias ao incremento de produção do setor privado ao promover os investimentos necessários para a expansão energética e de transportes (LOW-BEER, 2002, p.71).

2.1.2 - A Intervenção do Estado na Economia Brasileira até o Plano de Metas

O Estado brasileiro trilhou o caminho da não intervenção em assuntos econômicos no

século XIX, a não ser por alguns poucos episódios protecionistas. Para Baer, Kerstenetzky e

Villela (1973), os impostos de importação tinham fins de receita para o governo, raramente

sendo usado como um meio de proteção aos produtos internos. Nas outras áreas, a ação do

governo restringiu-se a concessão de empréstimos especiais para algumas empresas e

garantias de rendimentos para as empresas estrangeiras que investissem na infra-estrutura. A

única participação direta na economia brasileira era através do setor financeiro, mais

precisamente por meio da atuação do Banco do Brasil, que era um banco comercial e um

banco de emissão de moedas.

No início de século XX, em 1906, aconteceu a primeira grande intervenção do Estado

na comercialização de produtos agrícolas para exportação, o Convênio de Taubaté. A defesa

do café brasileiro teve à frente os principais estados produtores da mercadoria que

estabeleceram um controle da produção, limitando a quantidade que poderia ser colocada no

mercado e estabelecendo preços mínimos, mantendo-os artificialmente elevados.

Nos primeiros anos do século XX, “o Estado era um mero agente do sistema

capitalista agrário-mercantil da época; não tinha praticamente nenhuma influência efetiva na

economia, que se matinha, inteiramente subdesenvolvida” (BRESSER-PEREIRA, 1977,

p.17). A atuação do Estado na economia se intensificou no período entre guerras, junto com o

aumento da importância das teorias sobre o desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas

de planejamento estatal.

A crise de 1929 trouxe problemas na coordenação da produção, acarretando em

dificuldades profundas e duradouras. A superação dessas dificuldades mostrou a necessidade

da intervenção estatal na economia para regular os ciclos produtivos. A maior interferência do

Estado tinha como objetivo proteger a economia brasileira do impacto total da recessão

Page 51: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

37

mundial, além de apoiar o processo de industrialização. Dessa forma, as principais medidas

adotadas pelo governo brasileiro para superar a crise foram: o programa de apoio ao café,

onde era controlada a produção e fixado o seu preço; o controle cambial que entrou em vigor

em 1931; e a criação de autarquias para estimular o crescimento de vários setores (SARAIVA,

2004). Dentre outras autarquias criadas, estão o Departamento Nacional do Café (1933),

Instituto do Açúcar e do Álcool (1933), Instituto Nacional do Mate (1938) e o Instituto

Nacional do Sal (1940).

Foi a partir da Revolução de 30, com o encerramento da República Velha e a instauração do regime ditatorial do Estado Novo, que as elites passaram a defender com vigor o envolvimento do Estado na organização da sociedade e nos rumos do desenvolvimento econômico. A ideologia vigente introduziu uma (inicialmente) bem sucedida política de substituição de importações e o dinamismo da economia brasileira passou a estar associado à industrialização (LOW-BEER, 2002, p.75).

O início da década de 1930 é considerado um marco para a intervenção do Estado na

economia e para o processo de industrialização brasileiro que teve o Estado como um agente

fundamental e líder no desenvolvimento desse processo. Brettas (2007) afirma que a crise de

1929 é um ponto de inflexão para o envolvimento do governo na economia, já que ao

desorganizar o setor agrário exportador e o comércio internacional, criaram-se condições para

o aprofundamento da industrialização.

Após a Grande Depressão, ficou evidente que as forças de mercado não eram suficientes para o desenvolvimento do Brasil – que iniciou tarde o processo de industrialização. Com a política laissez faire, não conseguiria sair da posição de exportador de produtos primários. O mercado brasileiro apresentava diversas imperfeições como a falta de capital e de empresários capitalizados, sendo necessário que o Estado o substituísse em áreas como infra-estrutura e outros investimentos de baixa rentabilidade, mas com alto retorno social (LOBATO, 2007, p.18).

A Segunda Guerra Mundial pode ser considerada como uma das principais

responsáveis pela transformação no papel do Estado, que passaria a ser um grande produtor de

bens e serviços, pois de acordo com a idéia de segurança nacional e soberania da Nação, havia

a necessidade de ampliação das fronteiras de atuação do Estado que passava a suprir as

necessidades de insumos básicos para a produção, devido ao temor de escassez de produtos

durante a guerra. Nesse período, algumas empresas importantes foram criadas, como a Vale

do Rio Doce (1942) e a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN (1941) sendo que a maioria

delas por motivos de segurança nacional. Segundo Saraiva (2004), o argumento de que o

Estado só intervinha quando a iniciativa privada não queria ou não podia fazê-lo não é

Page 52: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

38

totalmente correta, pois o Estado agiria toda vez que o processo político-econômico assim

exigisse.

Além das necessidades de segurança nacional, outro argumento foi posteriormente

adicionado nos anos 50 para a intervenção estatal: o planejamento econômico, que seria uma

intervenção racional e voluntária do Estado para induzir e orientar o desenvolvimento e

crescimento da economia. O primeiro plano econômico elaborado nesse sentido foi o Plano

SALTE, durante o governo Dutra, que previa investimentos planejados e coordenados para os

anos de 1949-1953, especialmente nos setores de saúde, alimentação, transporte e energia. No

entanto, esse plano não tinha metas a serem atingidas pela a iniciativa privada, nem

mecanismos de incentivos por parte do Estado para o desenvolvimento do processo de

industrialização, podendo ser reduzido a uma tentativa do Estado de melhorar os seus gastos

(BRETTAS, 2007).

Já nessa época ficava claro que só o Estado tinha a capacidade de fazer os vultosos

investimentos para ampliar a infra-estrutura, que só ele era capaz de fornecer crédito para

novos empreendimentos industriais e que era preciso dar incentivos fiscais para que a meta de

industrialização pudesse ser atingida. Tais razões levaram ao aumento no número de empresas

estatais fornecedoras de serviços públicos e de apoio financeiro, como a Petrobras (1953) e o

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE (1952). Esse último tinha como

principal função o financiamento, a longo prazo, do programa de crescimento e modernização

da infra-estrutura do país, já que as empresas nacionais não tinham condições de gerar fundos

necessários para a dimensão dos seus programas de investimentos e o mercado financeiro não

era suficientemente desenvolvido nessa época a ponto de conceder esses financiamentos.

Foi na década de 1950 que se difundiu a questão do controle de preços por parte do

governo. Esse controle foi ampliado para as tarifas de outros serviços públicos além da

energia elétrica, como a telefonia e o transporte público, e para outras áreas, como os aluguéis

e a gasolina. Esperava-se com isso que o ritmo de crescimento dos preços diminuísse, já que a

inflação no período estava em um nível preocupante. Segundo Baer, Kerstenetzky e Villela

(1973), o resultado dessa ação não foi o esperado pelo governo, não havendo diminuição das

pressões inflacionárias e criando escassez de produtos e serviços em vários setores da

economia.

Page 53: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

39

O modelo de intervenção que viria a ser adotado pelo Estado brasileiro foi de

promover e regular a economia. Como promotor, ele teve um papel decisivo principalmente

no financiamento de grandes blocos de investimento e na produção de insumos, sobretudo na

criação da infra-estrutura. Como regulador, o Estado atuou criando instâncias político-

administrativas de coordenação e planejamento setorial, regulamentando serviços de utilidade

pública e normatizando as principais áreas da produção nacional.

Foi a partir da década de 1950 que o Estado passou a se empenhar de verdade no

processo de industrialização brasileiro via substituição de importações. Durante a gestão do

presidente Kubitschek começou a surgir as bases do modelo econômico que foi seguido nas

décadas seguintes. O Plano de Metas para os anos 1956-1961 seria o primeiro processo

efetivo de planejamento estatal, caracterizava a adesão explícita a um modelo onde as

empresas públicas desempenhariam um papel importante. Esse plano foi considerado por

Suzigan (1996) como a primeira real experiência brasileira de planejamento do

desenvolvimento industrial, pois coordenava um programa de investimentos - tanto público

quanto privado, em torno de um conjunto de determinadas metas que eram estabelecidas por

grupos executivos sob a tutela de um Conselho de Desenvolvimento. Esses grupos executivos

eram compostos por integrantes dos setores público e privado e tinham o objetivo de desenhar

e acompanhar a implementação das várias metas setoriais do Plano de Metas (LOW-BEER,

2002).

A meta era realizar a transição de um passado agrário para um futuro industrial e urbano. A questão principal era aprofundar a industrialização mediante o planejamento e ações explícitas do setor público. [...] A criação em 1956 do Conselho do Desenvolvimento, subordinado diretamente a presidência, teve como objetivo reformular e coordenar a nova política de desenvolvimento (BRETTAS, 2007, p.20).

Durante o Plano de Metas ocorreram diversos incentivos à expansão, diversificação de

setores industriais e investimentos nos setores de energia, transportes e indústrias básicas. O

investimento foi o ponto principal do plano do governo Kubitschek, deixando subordinado a

ele, a política cambial e o combate à inflação, mesmo com a crescente dificuldade do Balanço

de Pagamentos e da alta dos preços. No decorrer desse plano o nível de proteção à indústria

aumentou consideravelmente, com a introdução de novas tarifas aduaneiras, uma nova

política cambial que subsidiava as importações de máquinas, equipamentos e insumos

industriais e “puniam” as importações de bens não-essenciais, imposição de barreiras não-

tarifárias com a aplicação da Lei do Similar Nacional e de índices mínimos de nacionalização.

Page 54: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

40

2.1.3 - A Intervenção na Era Militar

Os anos 60 caracterizaram-se como um período de transição política. Durante os

governos Jânio Quadros e João Goulart a política econômica foi orientada para o aumento das

exportações de produtos manufaturados, assim como o incremento do investimento direto

estatal e a proteção à indústria brasileira. A instabilidade econômica e política somada com

alguns interesses externos resultaram no golpe militar de 1964. Nos vinte e um anos de

governos militares foi o período onde foi criado o maior número de empresas estatais e onde

essas empresas tiveram a maior importância para o desenvolvimento da estrutura industrial do

país.

No primeiro governo militar, o presidente Castelo Branco assumiu o país com uma

grave situação econômica e adotou algumas medidas de curto prazo para combater a inflação

e tentar aliviar a crise. O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) continha

importantes reformas estruturais, como a do setor financeiro, a do mercado de capitais, na

área de tributação, entre outras, com o objetivo de modernizar o país e permitir que o Brasil

voltasse a crescer de forma vigorosa. No entanto, por mais que o governo tenha realizado

algumas reformas, ele não conseguiu obter resultados satisfatórios durante os anos do PAEG,

no combate à inflação e na retomada de um maior crescimento do produto interno bruto - PIB.

Entre os anos 1967 e 1973, período conhecido como “Milagre Brasileiro”, os governos

Costa e Silva e Castelo Branco fizeram amplos investimentos públicos em infra-estrutura

básica. Foram beneficiados os setores de transporte, comunicações, químico, petróleo,

siderúrgico e de energia, além dos investimentos na construção civil apoiado no Sistema

Financeiro de Habitação. Também foi realizada uma nova reforma tributária que retirou a

autonomia dos estados em tributar e alterou a distribuição das receitas entre as três esferas do

Poder Executivo, os governos federal, estadual e municipal.

Entre os vultosos investimentos na infra-estrutura e em projetos industriais de grande

porte durante a década de 1970, principalmente na segunda metade, pode-se destacar a

expansão da CSN e da COSIPA, os pólos de Paulínia (SP) e Camaçari (BA), a Ferrovia do

Aço, o Projeto da Mineração em Carajás (PA) e as usinas hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu,

seguindo a ideologia “Brasil Grande Potência”.

Page 55: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

41

Após o choque do petróleo e a elevação dos preços das matérias-primas no mercado internacional (1973-74), o Estado aumentou ainda mais sua influência sobre os rumos do desenvolvimento industrial. [...] os níveis de investimento no setor industrial permaneceram elevados, o que se deve à ação estruturadora do Estado sobre o setor industrial na segunda metade dos anos setenta, de forma semelhante ao que ocorrera na década de cinqüenta (VERSIANI E SUZIGAN, 1990, p.20).

Para Suzigan (1996), o II PND4 (1975-79) foi a segunda efetiva experiência de

planejamento do desenvolvimento industrial no Brasil. Foi articulada uma nova fase de

investimentos públicos e privados nas indústrias de insumos básicos e bens de capital, além

de investimentos públicos em infra-estrutura (VERSIANI E SUZIGAN, 1990) sob a

coordenação do Conselho de Desenvolvimento Econômico que tinha o próprio presidente da

república como comandante. Os dois grandes objetivos desses investimentos foram de

completar a estrutura industrial brasileira e de se criar os meios de aumentar as exportações

do país. Apesar de alguns problemas encontrados, como o expressivo aumento das dívidas

pública e das empresas estatais, esses objetivos foram alcançados, tendo o Brasil aumentado

as suas exportações e praticamente fechado a estrutura da sua indústria em princípios da

década de 1980.

A estratégia de desenvolvimento do II PND foi baseada em um amplo sistema de

proteção à produção local. O câmbio era ajustado periodicamente através de

minidesvalorizações, a tarifa de importação era extremamente elevada, porém não tinha

muito efeito, já que existiam regimes especiais de importação e um forte controle não-

tarifário das importações, envolvendo desde emissões de guias de importação, aplicação da

análise da similaridade do produto importado com o produto nacional, até regulamentações

sobre índices mínimos de nacionalização.

A década de 1980 considerada por alguns como a “década perdida”, marca o

rompimento do modelo de desenvolvimento e industrialização praticado no Brasil desde os

anos 40, que tinha o Estado e as suas empresas estatais como agentes de extrema importância

para o crescimento da economia. O aumento do endividamento externo e a interrupção dos

fluxos de capital vindos do exterior levaram ao progressivo esgotamento da capacidade de

financiamento do Estado, acarretando em fortes restrições a continuação do fornecimento dos

serviços públicos e de infra-estrutura.

4 II Plano Nacional de Desenvolvimento.

Page 56: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

42

A década de oitenta trouxe o final do ciclo de desenvolvimento levando o Brasil, junto à América Latina a um período de crises econômicas, inflação, problemas de solvência externa e baixo crescimento do PIB. Nesta conjuntura, o Presidente Figueiredo, ao tomar posse em 1979, recomendou avaliar a privatização das empresas estatais que não fossem estritamente necessárias para a correção das falhas de mercado. O Ministro do Planejamento, Delfim Neto, deixou clara a intenção de reduzir a participação do Estado no setor produtivo (LOBATO, 2007, p.23).

A partir da década de 1980, o papel do Estado em relação ao desenvolvimento da

indústria brasileira passou a ser inteiramente passivo (SUZIGAN, 1988). Todas as formas de

coordenação foram abandonadas, metas e programas setoriais foram sendo desativados, os

instrumentos que antes serviam para levar a um maior desenvolvimento industrial foram

trocados por instrumentos e medidas que tinham claros objetivos de estabilização

macroeconômica e controle inflacionário.

A crise dos anos oitenta trouxe com ela o debate sobre o tamanho do Estado e a sua

forma de relacionamento com o mercado. Baseado no argumento neoclássico da liberalização

e de um melhor funcionamento da economia em “mercados livres” foi proposto, como

solução para sanear as contas do Estado e revitalizar a economia do país, a privatização da

maior parte das empresas estatais que em grande parte passavam por dificuldades financeiras.

Dessa forma, cabia ao governo “o retorno às práticas de políticas econômicas mais ortodoxas,

centradas em um enfoque monetário restritivo e na austeridade fiscal, através de expressivos

cortes nos gastos públicos correntes, incluindo seus investimentos produtivos” (LANDI,

2006, p.27). O Estado teria a sua função reformulada, passaria de uma função produtora para

atuar no campo da regulação econômica, com a criação de todo um aparato regulatório em

alguns setores importantes da economia brasileira. Bresser-Pereira (1989) afirma que não

existe uma fórmula correta para um nível ótimo de intervenção do Estado na economia,

haveria um caráter cíclico nessa intervenção, contraindo e expandindo dependendo do

período.

Para os neoliberais, o nível ideal de intervenção estatal deveria ser muito baixo; para os estatistas, muito alto; e para os pragmáticos, intermediário. Embora mais próximo dos pragmáticos, digo que as três posições são inaceitáveis, na medida em que assumem uma determinada relação entre mercado e controle estatal como ideal ou ótima. Minha hipótese é a de que esta relação ideal irá necessariamente variar no curso da história e de acordo com o caráter cíclico e em permanente transformação da intervenção do Estado na economia (BRESSER-PEREIRA, 1989, p.121).

Page 57: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

43

2.1.4 - A Intervenção por Meio das Empresas Estatais: os resultados alcançados ao longo

do tempo e a diferença no desenvolvimento de estatais em dois setores

Os resultados econômicos alcançados no período em que as estatais brasileiras

estiveram à frente do processo de industrialização e substituição de importações, foram muito

positivos. O Brasil obteve uma taxa média de crescimento anual do PIB da ordem de 6% entre

os anos 1950 e 1980, além de ter alcançado uma mudança profunda em sua estrutura

econômica e produtiva. Segundo Saraiva (2004), em 1965 o Brasil tinha o 49º maior PIB

global, vinte anos após, em 1985, o país já tinha chegado ao oitavo posto de maior economia

do mundo.

No Brasil o auge da criação das empresas estatais aconteceu no período militar. De

acordo com Brettas (2007), até o final do II PND, os governos militares tinham implantados

302 novas empresas estatais, um número muito alto mesmo levando em consideração que a

classificação desse tipo de empresa era muito ampla, incluindo desde as fundações, autarquias

e sociedades civis, até as empresas propriamente ditas. A proliferação dessas firmas tem que

ser vista com certa cautela, já que o funcionamento de diversas empresas em uma mesma

época pode trazer alguns transtornos. Alguns deles são relacionados por Emmerich (1964):

competição pelos escassos recursos do Estado; dificuldade de coordenação das operações; e

ações em desacordo com as orientações macroeconômicas do governo.

A partir da década de 1980, devido ao alto endividamento das empresas estatais, do

aumento das taxas de juros dos empréstimos e da crise mexicana de 1982, ficou praticamente

paralisado o fluxo de empréstimos estrangeiros para as empresas brasileiras, que aliado com

uma política de tarifas baixas, fez com que as empresas estatais não tivessem condições de

continuar com os investimentos necessários para o seu bom funcionamento, mostrando uma

clara tendência declinante das compras das empresas estatais de bens de capital sob

encomenda. Depois dessa data, praticamente apenas a Petrobras continuou fazendo

investimentos importantes em seu setor.

No ano de 2005, existiam no Brasil 135 empresas estatais, principalmente nos setores

de petróleo e gás, energia elétrica e financeiro, sendo que as maiores empresas eram de capital

aberto, tendo suas ações negociadas na bolsa de valores. A permanência dessas empresas

Page 58: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

44

sobre o poder do Estado teve, acima de tudo, uma influência política, refletindo a intenção da

sociedade e/ou do governo de continuar atuando em determinados setores.

Dain (1986) em seu trabalho entra em detalhes sobre a diversidade do

desenvolvimento de dois setores, o siderúrgico e o de mineração, e o comportamento das

respectivas empresas estatais que atuavam nesses setores.

Por um lado, a siderurgia estatal se vulnerabiliza ante os desígnios do Estado por suas articulações vitais com os segmentos mais dinâmicos da indústria. Por outro lado, a produção de minério de ferro se autonomiza em face deste mesmo Estado, por sua atividade eminentemente exportadora. Na siderurgia, a essência do mandato público está em gerar recursos para fora dela; na mineração, este mesmo mandato permite internalizar os recursos nela gerados (DAIN, 1986, p.128).

A diferença entre os dois setores e a articulação que eles têm com outras indústrias da

economia foi um fator fundamental na definição das estratégias que seriam seguidas pelas

empresas estatais que atuavam em cada setor e na maior liberdade que elas teriam para

perseguir objetivos próprios. A empresa Vale conseguiu uma maior autonomia financeira

frente às estatais siderúrgicas devido a sua atividade ter pouca inserção ao mercado interno.

Assim a empresa foi pouco usada como instrumento de geração de lucros para outros setores,

sendo possível uma administração mais próxima da realizada em empresas privadas, onde o

objetivo é alcançar êxito na valorização do seu próprio capital.

A Vale depois de superada as dificuldades dos primeiros anos de sua criação, passa a

adotar na venda da sua produção os preços negociados no mercado internacional, exercendo

seu jogo de mercado em um negócio cada vez mais oligopolizado. Já no setor siderúrgico

devido a sua característica mais voltada para o mercado interno, passou a incidir pesadamente

a política de preços administrados pelo governo, não conseguindo assim, a valorização do seu

próprio capital na mesma magnitude da Vale.

Diferentemente da criação da Vale do Rio Doce, da CSN e da Petrobras que foram

criadas para a construção de setores que ainda não existiam no Brasil, no setor elétrico, a

criação da Eletrobrás teve uma característica distinta, pois já existiam empresas atuando

nessa atividade, que naquela época estava sob o domínio de duas empresas estrangeiras e

contava com diversas pequenas empresas locais, o que resultou em um processo bem mais

complexo e específico, já que envolvia o interesse de diversos atores.

Page 59: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

45

2.2 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

ANTES DA CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS

A eletricidade começou a ser produzida no Brasil, no final do século XIX, quase ao

mesmo tempo em que a sua utilização comercial passou a ser usada na Europa. Campos dos

Goytacazes no Estado do Rio de Janeiro, em 1883, foi a primeira cidade do país e de toda a

América do Sul a ter um serviço de iluminação pública a partir da energia elétrica, que era

produzida por uma instalação térmica com máquinas a vapor.

2.2.1 - O Início da Produção de Energia Elétrica no Brasil

As primeiras usinas de energia elétrica no Brasil surgiram também no final do século

XIX, eram usinas pequenas que tinham como objetivo gerar energia para atividades

econômicas como a mineração, beneficiamento de produtos agrícolas, fábricas de tecidos e

também para a iluminação pública. Os investimentos realizados nesses empreendimentos não

contavam com contratos de longo prazo nem com qualquer outra medida que garantisse um

retorno para o investidor (MELLO, 2008). Na maioria das vezes, a remuneração dos

investimentos vinha das receitas das outras atividades associadas que se beneficiavam da

utilização da energia produzida pela usina e não da venda de energia para os consumidores. A

geração de energia elétrica de origem térmica predominou no país até a entrada em operação

da empresa Light, no início do século XX, quando a energia provinda das usinas hidrelétricas

passou a ser maioria.

Em 1883 foi instalada a primeira usina hidrelétrica do país, no município de

Diamantina, Minas Gerais, porém essa usina era para uso privado e tinha a finalidade de

atender a atividade de mineração. Seis anos depois, foi construída outra usina hidrelétrica,

dessa vez com um maior porte para a produção de energia, na cidade de Juiz de Fora, também

no Estado de Minas Gerais. A usina de Marmelos de propriedade do mineiro Bernardo

Marcarenhas foi construída para fornecer eletricidade para a sua fábrica de tecidos,

substituindo com isso o uso do carvão importado, e para fornecer energia elétrica à sua

cidade.

No início, as iniciativas no campo da geração de eletricidade eram privadas, locais, especialmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e

Page 60: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

46

promovidas por empresários cujas atividades agrícolas, comerciais, industriais e financeiras estavam vinculadas às localidades que seriam beneficiadas pela introdução dos novos serviços (PINTO JR., 2007, p.198).

Gonçalves Jr. (2002) destacou que nos primeiros anos da energia elétrica no Brasil, os

equipamentos e o pacote tecnológico dos empreendimentos não levaram em consideração a

disponibilidade de recursos do país, ou seja, por mais que fosse mais barato a utilização dos

recursos hidráulicos devido a sua grande abundância, a energia elétrica de origem térmica

prevaleceu até o final do século XIX.

Tabela 2.1. – Potência Elétrica no Brasil – 1883 a 1895 ANOS Térmica (KW) Hidro (KW) Total % Hidro

1883 52 - 52 -

1885 80 - 80 -

1890 1.017 250 1.267 201895 3.843 1.991 5.834 34

Fonte: Conselho Mundial de Energia, Comitê Nacional Brasileiro, Estatística Brasileira de Energia, n.1, apud GONÇALVES JR., 2002.

Faria (2003) também destacou alguns eventos importantes da virada do século: a

aprovação do Congresso Nacional do primeiro projeto de lei que tentava disciplinar o uso da

eletricidade no país, e as criações da empresa São Paulo Railway, Light and Power Company

Limited em 1899, e a Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited em 1904.

As duas empresas originadas de um mesmo grupo canadense foram unificadas posteriormente

na holding Brazilian Traction, Light and Power Company Limited, que ficou conhecida

apenas como Light.

A Light surgiu no final do século XIX tendo um papel fundamental para o

desenvolvimento da produção de energia elétrica no Brasil, já que a empresa realizou

importantes investimentos até a metade do século seguinte. A Light era uma empresa forte,

detentora de um grande poderio para a época de recursos técnicos e financeiros, o que

contribuiu em muito para que ela pudesse obter um grande êxito na eliminação ou

incorporação de empresas concorrentes. A primeira usina da empresa no país foi a usina

hidrelétrica Parnaíba5 no rio Tietê no Estado de São Paulo, que começou a ser construída em

1899 e teve a sua conclusão apenas dois anos após. A Light desde o início de sua operação

5 Essa usina foi considerada a primeira hidrelétrica de grande porte do país, com uma capacidade instalada inicial de 2.000 KW, tendo a sua capacidade aumentada ao longo dos anos, passando a 16.000 KW dez anos após a sua inauguração.

Page 61: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

47

procurou realizar investimentos em usinas hidrelétricas6, buscando os melhores potenciais

hidráulicos da região onde ela atuou, já que esse tipo de geração de energia elétrica tem um

custo de produção menor do que a de origem térmica.

A primeira cidade em que a Light começou a operar foi em São Paulo, que vivia um

acelerado crescimento urbano, onde ela obteve concessões para explorar o transporte coletivo

de tração elétrica, a iluminação pública e a geração e distribuição de energia elétrica. Já

estabelecida a sua posição dominante na capital paulista, a empresa expandiu a sua atuação

para a cidade do Rio de Janeiro, obtendo em 1905 as mesmas concessões que detinha na

cidade de São Paulo. A estratégia da Light era atender as áreas de maior densidade

demográfica, onde houvesse uma maior procura pelos serviços oferecidos pela empresa

(GONÇALVES JR., 2002). Assim, a empresa concentrando as suas atividades no eixo Rio -

São Paulo, em uma área bem pequena se comparado com o tamanho do território nacional,

detinha mais de 40% da capacidade instalada do Brasil entre os anos de 1915 e 1945.

O domínio da Light no cenário elétrico do país era nítido em 1915, compreendendo cerca de 40% da capacidade total, proporção essa que se manteve até 1930 e que subiria para 46%, em 1945. Os serviços estavam concentrados em uma área territorial mínima, onde se localizavam as duas cidades mais populosas do país e a maior parte da indústria (LEITE, 2007, p.66).

Nessa fase inicial do desenvolvimento da indústria elétrica brasileira não houve uma

legislação específica que tenha sido realmente utilizada para regular os serviços de energia

elétrica. O Decreto 5.407 de 1904 tentou estabelecer regras para os contratos de concessão,

porém teve um efeito muito reduzido. A revisão da tarifa seria de cinco em cinco anos, com a

aplicação da cláusula ouro, mas na prática, essa determinação não foi seguida, já que as

empresas reajustavam quase que automaticamente as suas tarifas em função das

desvalorizações cambiais.

A adoção da cláusula ouro foi a solução encontrada para que as empresas estrangeiras

não tivessem a sua rentabilidade em moeda estrangeira afetada pelas desvalorizações

cambiais, pois elas precisavam enviar para o exterior parte do lucro auferido com as suas

atividades no Brasil. Dessa forma, as tarifas eram definidas parcialmente entre o ouro e o

papel-moeda, e a parcela vinculada ao ouro era atualizada pelo câmbio médio mensal,

6 Em 1924 a Light dispunha de 66.000 KW de capacidade instalada de geração de energia elétrica no Estado de São Paulo, sendo 56.000 KW oriundas das usinas hidrelétricas e apenas 10.000 KW de origem térmica.

Page 62: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

48

resultando em uma variação automática das tarifas na medida em que acontecessem variações

cambiais (PINTO JR., 2007).

No período entre 1889 a 1930, o Estado teve um papel secundário no desenvolvimento

da indústria elétrica brasileira, estabelecendo uma postura não-intervencionista. As

concessões dos serviços relacionados com a geração e distribuição da energia elétrica eram

regidas por contratos entre a empresa concessionária e o poder público, que podia ser de

qualquer uma das três esferas, federal, estadual e municipal. “Os municípios constituíram o

efetivo poder concedente dos serviços de energia elétrica cuja exploração ficou subordinada

aos acordos entre prefeituras e as concessionárias locais” (FARIA, 2003, p.6).

Fora das principais áreas urbanas, as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, inúmeras

empresas foram constituídas para atenderem algumas regiões específicas do país. Essas áreas

não tinham a mesma lucratividade em comparação com as duas cidades citadas, assim as

atividades foram sendo executadas por iniciativas locais e até mesmo por iniciativa do poder

público municipal. No promissor interior paulista, várias cidades já eram atendidas por

empresas de energia elétrica em 1910 e com o passar do tempo, essas empresas foram

crescendo e havendo um processo de fusão entre elas.

Mello (2008) enfatiza dois aspectos que foram característicos da década de 1920: a

construção de usinas hidrelétricas de maior porte que tinham o objetivo de atender o contínuo

crescimento da demanda por energia elétrica; e o processo de concentração das empresas do

setor, que resultou na quase completa desnacionalização dessa indústria no final da década.

2.2.2 - O Domínio Estrangeiro no Setor Elétrico Brasileiro e o Código de Águas

A crescente organização da indústria de energia elétrica no interior do Brasil e em

algumas capitais acabou gerando interesse de outro grupo estrangeiro. A empresa American

Foreign Power (AMFORP) de um grupo americano, que se instalou no Brasil em 1927. A

empresa verificou que no interior do Estado de São Paulo existia um grande número de

empresas com infra-estrutura de geração e distribuição que operavam de forma isolada. A

idéia da AMFORP era comprar essas empresas, assim não precisaria perder muito tempo na

construção de uma nova infra-estrutura, e fazer a ligação entre elas, otimizando a operação

Page 63: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

49

das hidrelétricas da região. Esse seria o início da construção do sistema elétrico interligado

nacional.

A AMFORP em poucos anos de atuação no Brasil já tinha comprado mais de uma

dezena de empresas, a maioria delas era de propriedade particular, encontrava-se com

problemas técnicos e dificuldades financeiras. Dessa forma, na segunda metade da década de

1920, a empresa e a Light empreenderam um grande processo de concentração do setor,

refletindo o poderio dessas empresas frente às outras empresas concessionárias e aos governos

municipais. “Esse período ficou marcado pela consolidação da participação do capital

estrangeiro no setor, permanecendo, assim, durante as duas décadas seguintes” (MELLO,

2008, p.8).

Assim, no início da década de 1930, a Light7 e a AMFORP já controlavam as cidades

mais desenvolvidas do país e as que apresentavam as maiores capacidades de crescimento. A

Light controlava a geração e distribuição de eletricidade nas cidades do Rio de Janeiro, São

Paulo e localidades vizinhas, e a AMFORP era responsável por esses serviços no interior dos

Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, além das cidades de Salvador, Recife, Natal, Porto

Alegre e Vitória.

Por mais que a Light e a AMFORP dominassem as principais áreas desenvolvidas do

país, isso não quer dizer que as empresas nacionais também não tivessem espaço para atuar.

Essa atuação ocorreu principalmente nas áreas onde as duas empresas dominantes não tinham

interesse em investir, pois a lucratividade não seria tão alta. No início da década de 1930, a

atividade de geração e distribuição de energia elétrica se concentrava em uma área bastante

limitada se comparada com o tamanho do Brasil. A região Sudeste detinha 80% da

capacidade instalada, seguida da região Nordeste com 10%, a Sul com 8% e a região Norte

com apenas 2%.

Desse modo, até 1930, a indústria elétrica brasileira desenvolveu-se sob a forma de sistemas independentes e isolados, abrangendo, essencialmente, as grandes concentrações urbanas, por intermédio de concessionárias privadas – dentre as quais se destacavam as estrangeiras (Light e AMFORP), que controlavam os mercados mais importantes -, reguladas por contratos específicos a cada concessão (PINTO JR., 2007, p.200).

7 A Light detinha 40% da capacidade instalada da época e a AMFORP era detentora de mais 15% dessa capacidade.

Page 64: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

50

Ao contrário do que ocorreu até o final do século XIX onde prevalecia a energia

elétrica provinda das usinas térmicas, no início do século seguinte, houve uma alteração nesse

quadro, as usinas hidrelétricas passaram a contribuir com 85% da capacidade instalada de

geração já no ano de 1905, permanecendo próximo dessa magnitude até os anos 30.

Tabela 2.2. – Capacidade Elétrica Instalada no Brasil

Anos Térmica (KW) Var % Hidro (KW) Var % Total (KW) Var %Percentual -

Hidro1900 5.093 5.283 10.376 511905 6.676 31 32.280 511 44.936 319 851910 32.729 390 124.672 286 152.401 239 821915 51.106 56 258.692 107 309.798 103 841920 66.072 29 300.946 16 367.018 18 821925 90.608 51 416.875 39 507.483 38 821930 148.752 64 630.050 51 778.802 53 81

Fonte: Conselho Mundial de Energia, Comitê Nacional Brasileiro, Estatística Brasileira de Energia, n.1, apud GONÇALVES JR., 2002.

Grandes mudanças ocorreram no Brasil após a Revolução de 1930 que acabaram

refletindo também na indústria elétrica. Segundo Souza (2002), o Governo Provisório iniciou

um processo de maior intervenção do Estado na economia através de reformas institucionais

de cunho nacionalista. No setor elétrico, foram suspendidas todas as aquisições de empresas e

concessões de áreas, interrompendo o processo de concentração do setor promovido pelas

empresas estrangeiras Light e AMFORP. Desde o final da década de 1920 crescia em alguns

países europeus8 a idéia de que o Estado deveria intervir no setor elétrico para concorrer com

a iniciativa privada, na intenção de reduzir o preço da energia elétrica (LORENZO, 2002).

O Código de Águas regulamentado pelo Decreto 24.643 em 1934 é um dos principais

marcos para a regulação do setor elétrico do Brasil, foi através dele que se criou uma estrutura

legal para fiscalizar as empresas concessionárias, com o intuito de “assegurar a prestação de

serviço público adequado, fixar tarifas razoáveis e garantir a estabilidade financeira das

empresas” (MELLO, 2008, p.9). Um dos objetivos do Código era frear o processo de

concentração e desnacionalização da indústria elétrica, que aumentou consideravelmente o

poder das empresas estrangeiras Light e AMFORP.

No Código era estabelecido que o poder de concessão para aproveitamento de energia

elétrica seria da União, distinguindo a propriedade do solo da propriedade das quedas de água

8 Principalmente na Alemanha, Inglaterra, Suíça e Áustria.

Page 65: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

51

e outras fontes de energia hidráulica. No entanto, o Código garantiu os direitos daqueles que

já exploravam os potenciais hidráulicos e fixou em 30 anos o prazo para as concessões,

podendo ser estendido para no máximo 50 anos, dependendo do volume de recursos

despendido nas obras de criação da infra-estrutura. Ao final desse prazo, as instalações e os

materiais seriam revertidos para o Estado, com ou sem uma indenização ao antigo proprietário

(FARIA, 2003).

Também fazia parte do escopo do Código, a exclusividade da concessão de novas

autorizações de exploração dos potenciais hidráulicos a brasileiros ou a empresas organizadas

no Brasil, travando o crescente aumento da participação de empresas estrangeiras no total do

setor.

O Código [...] instituiu um controle sobre as concessionárias de energia elétrica com fiscalização técnica, financeira e contábil, de modo a assegurar serviço adequado, fixar tarifas razoáveis e garantir a estabilidade financeira da concessionária. As tarifas eram fixadas sob a forma de serviço pelo custo (remuneração garantida, como porcentagem sobre os ativos em operação, avaliados pelo custo histórico) (SOUZA, 2002, p.65).

A remuneração com base no custo histórico9 foi alvo de muitas críticas,

principalmente das principais empresas do setor, a Light e a AMFORP, devido ao prejuízo

que essa metodologia poderia acarretar. As desvalorizações cambiais e a inflação interna

tornavam o valor da tarifa menor do que o custo efetivo de mercado, o que poderia resultar

em prejuízos para a empresa que operasse no setor. Esse método era utilizado nos Estados

Unidos e na Inglaterra, porém como as condições nesses países eram bem mais estáveis do

que no Brasil, essa sistemática funcionava lá. Ao princípio do custo histórico foi jogada a

culpa pela descapitalização das empresas do setor elétrico e da redução dos níveis de

investimento da indústria. Outra crítica feita ao Código de Águas foi a falta de diretrizes para

o segmento termelétrico, já que apenas os potenciais hidráulicos e as usinas hidrelétricas

foram abordados.

Com a entrada em vigor do Código de Águas e posteriormente com a criação do

Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, que revisou os contratos e as concessões

vigentes, as empresas do setor elétrico e especialmente a Light e a AMFORP manifestaram o

desinteresse em realizar novos investimentos já que estariam descapitalizadas devido a nova

metodologia de correção das tarifas de energia, o custo histórico. Dessa forma, as empresas

9 Custo original dos bens e instalações.

Page 66: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

52

procuraram investir somente nos melhores projetos, com a maior viabilidade econômica, e

aumentaram o uso da infra-estrutura já instalada, mesmo que isso pudesse ocasionar uma

perda da qualidade e confiabilidade dos serviços.

A descapitalização das empresas devido às novas regras sobre as tarifas não pode ser

responsabilizada como a única causa para a redução do crescimento da capacidade instalada

nos anos posteriores. Landi (2006), Gonçalves Jr. (2002) e Mello (2008) citam as dificuldades

das empresas em conseguirem obter empréstimos e financiamentos para os novos

investimentos devido a recente crise econômica mundial de grande magnitude ocorrida no ano

de 1929 e as restrições à importação de máquinas e equipamentos para a expansão do setor

elétrico resultado da Segunda Guerra Mundial que reduziu o nível do comércio exterior

mundial.

A redução dos investimentos não foi sentida imediatamente, já que as empresas

concessionárias tinham uma folga de produção, conforme analisa Souza (2002), devido ao

excesso de capacidade instalada e a queda no crescimento da demanda em decorrência da

retração econômica da crise de 1929. Porém, a aceleração do crescimento industrial e da

urbanização do país, fez com que já no início dos anos 40, o quadro de desequilíbrio entre o

crescimento da oferta e demanda de energia elétrica no Brasil fosse preocupante, levando ao

racionamento de energia nas duas maiores cidades do país, Rio de Janeiro e São Paulo. Os

números mostram que entre os anos 1930 – 1945, o crescimento da demanda por eletricidade

foi bem maior (cerca de 250%) do que o crescimento da capacidade instalada (cerca de 70%).

2.2.3 - O Aumento da Participação do Estado no Setor Elétrico

Ilustrado esse quadro de crescente desequilíbrio entre oferta e demanda, a questão da

energia elétrica passa a representar uma barreira ao crescimento da industrialização no Brasil

e ao desenvolvimento do país. A solução desse problema passa a envolver mais o Estado na

ampliação e na coordenação das ações do setor elétrico. É nesse período que começa a

aparecer mais fortemente a discussão entre duas linhas de pensamento opostas, a privatista e a

nacionalista.

Criou-se, dessa forma, um grande impasse. Por um lado, o governo não dispunha de capital, tecnologia e capacidade de gestão suficientes para encampar e ampliar os serviços públicos de eletricidade prestados pelas concessionárias estrangeiras;

Page 67: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

53

por outro lado, as empresas estrangeiras não conseguiam obter melhores tarifas, regulamento cambial favorecido e segurança para novos aportes de capital, devido ao clima de incertezas políticas derivados da ascensão de forças nacionalistas. A solução para esse impasse, começa a surgir ainda na década de 1940 com a criação das primeiras companhias concessionárias estaduais (LORENZO, 2002, p.5).

No final do ano de 1950 foi constituída a Comissão Mista Brasil - Estados Unidos

(CMBEU) que atuou por dois anos trabalhando na identificação de pontos de estrangulamento

na infra-estrutura do país e na formulação de programas de investimentos destinados para a

eliminação desses problemas. A geração de energia elétrica foi identificada como um dos

maiores entraves para o crescimento econômico do país, assim a Comissão listou quatro

fatores que seriam os responsáveis pelo desequilíbrio entre oferta e demanda de eletricidade.

Os quatro fatores seriam: “acelerado processo de urbanização, rápido crescimento industrial,

controle sobre as tarifas de energia elétrica e tendência ao predomínio do petróleo e da

eletricidade sobre fontes de energia convencionais na matriz energética brasileira” (LANDI,

2006, p.58).

A CMBEU chegou a algumas recomendações: mudar a relação entre Estado e

empresas concessionárias; mudanças no Código de Águas; e uma nova política para o setor de

energia elétrica que resultasse em uma maior atratividade para os novos investimentos, com

novas regras para a remuneração dos serviços prestados, que consequentemente poderia trazer

para o setor uma maior entrada de capitais e novas técnicas de produção. Landi (2006)

completa afirmando que a CMBEU também sugeriu que o Estado deveria assumir o papel de

regulador do setor elétrico, ajudando na expansão do setor somente quando fosse realmente

necessário, dessa forma o Estado realizaria os seus maiores esforços em áreas de atuação

tradicionalmente públicas, como educação, saúde e transportes.

Com a aprovação do projeto de criação da Petrobras pelo Congresso Nacional, o que

desagradou às empresas petrolíferas americanas que tinham interesse no mercado brasileiro, o

governo dos Estados Unidos em 1953 suspendeu as atividades da CMBEU em retaliação a

medida aprovada pelo Congresso. A intenção do governo americano era dificultar o acesso a

recursos por parte do Brasil que lhe tornasse de certa forma autônomo para tomar as medidas

necessárias para superar os pontos de estrangulamento do país. O resultado dessa retaliação

foi o aumento das dificuldades encontradas para a expansão do setor elétrico brasileiro.

Apesar de uma forte oposição política contrária a uma maior intervenção do Estado na

economia, que foi fortalecida pela influência americana após o fim da Segunda Guerra

Page 68: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

54

Mundial, a necessidade de oferecer eletricidade para continuar o forte processo de

industrialização, fez com que o Estado acabasse entrando no setor de energia elétrica com a

intenção de aumentar os investimentos e a oferta desse serviço, já que as empresas

estrangeiras que dominavam o setor não estavam realizando os investimentos necessários para

atender a crescente demanda e as empresas privadas nacionais não tinham condições

financeiras e técnicas para a realização de um grande volume de investimentos. Gonçalves Jr.

(2002) argumenta que o setor elétrico estava sendo questionado não pela propriedade dos

empreendimentos (iniciativa privada ou pública), mas sobre a má qualidade dos serviços

prestados e o constante desequilíbrio entre oferta e demanda.

Para resolver a grave crise energética e solucionar um dos maiores estrangulamentos

da infra-estrutura brasileira, o Estado decide realizar um amplo programa de investimentos

nas atividades de geração e transmissão de energia elétrica através da criação de empresas

públicas federais e estaduais para executar esses investimentos. As empresas estatais ficariam

responsáveis por essas áreas por serem as que mais necessitavam de investimentos, deixando

com as empresas privadas do setor a atividade de distribuição, que necessitava de um menor

volume de capital fixo e que tinha um retorno mais rápido dos investimentos realizados. Essa

divisão das atividades do setor não era formal, por meio de alguma lei ou decreto, era apenas

uma divisão informal da atuação de cada tipo de empresa, a meta principal, podendo haver

empresas públicas atuando na área de distribuição e empresas privadas na área de geração e

transmissão, como de fato ocorreu.

O Governo tinha como objetivo fornecer energia barata, evitando um aumento expressivo na tarifa final dos consumidores, em linha com a corrente Nacionalista. Com isso, os investimentos das estatais não visavam, necessariamente, a obtenção de lucros ou taxas de rentabilidades ajustadas ao risco do negócio, mas sim, a expansão do setor e o atendimento da demanda, independentemente do retorno financeiro obtido pelo capital próprio investido (MELLO, 2008, p.13).

Em 1945 o governo federal criou a Companhia Hidrelétrica do São Francisco

(CHESF), uma empresa de caráter regional que viria a atuar no Nordeste do Brasil. Essa

estatal teve um papel importante na construção de grandes usinas hidrelétricas para a geração

de energia elétrica para quase todo o Nordeste, cabendo aos estados da região o

desenvolvimento da atividade de distribuição. No Estado do Rio Grande do Sul ocorreu em

Page 69: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

55

1943 a criação da primeira comissão estadual10 para realizar estudos sobre a utilização do

potencial hidrelétrico do estado.

No Estado de Minas Gerais foi criada em 1952 a empresa mista CEMIG que acabou

dando um novo impulso ao desenvolvimento da indústria no estado. Também na década de

1950 são criadas no Estado de São Paulo duas empresas estaduais a USELPA (1953) e a

CHERP (1955) para construir no interior do estado usinas e linhas de transmissão (SOUZA,

2002). Segundo Mello (1999), os governos estaduais das regiões Sul e Sudeste já detinham no

início dos 60, cerca de 30% da capacidade instalada do país. Já o governo federal cria em

1957 a empresa Furnas para gerar energia na região mais importante do país, o centro-sul do

Brasil que vivia em constante crise de oferta de energia.

O projeto da Usina de Furnas não só atende às necessidades de capacidade adicional do momento, como estabelece as bases para futuros atendimentos da demanda na região, e será importante elo na interligação dos três grandes centros consumidores – São Paulo, Rio e Belo Horizonte (A ENERGIA, 1977, p.75).

Quando Getúlio Vargas volta à Presidência do Brasil na década de 1950, ele cria uma

comissão para elaborar propostas para a solução dos problemas da infra-estrutura elétrica. Os

estudos dessa comissão tinham um horizonte de dez anos e levavam em consideração as

especificidades de cada região do país e tinham o objetivo de analisar as necessidades de

energia, a estimativa dos investimentos previstos e a integração dos sistemas através da

criação de grandes linhas de transmissão. Esse estudo é considerado por Gonçalves Jr. (2002)

um marco no planejamento do setor elétrico no país.

Os estudos realizados pela comissão resultaram em quatro projetos de lei: a criação do

Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE); a distribuição da parcela do Imposto Único

entre as três esferas do Executivo; um plano de planejamento para o setor elétrico chamado

Plano Nacional de Eletrificação; e a criação da Eletrobrás. No primeiro projeto, o governo

passava a cobrar na conta de luz do consumidor um imposto destinado à expansão dos

sistemas de geração e transmissão de energia elétrica do país, sendo que a distribuição11 do

valor arrecadado era a seguinte: 40% eram destinados à União, 50% seriam divididos entre os

estados e o Distrito Federal e os 10% restantes iriam para os municípios.

10 A Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE) foi posteriormente transformada na Companhia Estadual de Energia Elétrica. 11 O critério de divisão da receita era ponderado dentro de cada classe por: 50% pela população da localidade; 45% consumo de eletricidade; 4% área do território; e 1% geração de eletricidade.

Page 70: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

56

O Fundo Federal de Eletrificação12 (FFE), que foi proposto em 1953 e aprovado no

ano seguinte, tinha a função de gerar recursos para os investimentos no setor elétrico e

também para incrementar a indústria de material elétrico pesado. Coube ao BNDE a

administração desse Fundo, a distribuição dos recursos do IUEE entre os estados e municípios

e a coordenação estratégica dos investimentos do setor. Todas as empresas públicas cresceram

e expandiram as suas atividades amparadas pelos recursos da União, do FFE e de recursos dos

estados que eram arrecadados através das taxas estaduais de eletrificação (GONÇALVES JR.,

2002).

Dos quatro projetos de lei apresentados para o Congresso, apenas os relacionados ao

imposto único foram aprovados. O Plano Nacional buscava institucionalizar o planejamento

do setor de energia elétrica e estipulava algumas metas: construção de novas usinas de grande

porte; construção de linhas de transmissão para grandes distâncias e de alta tensão; e a

unificação das freqüências em 60 Hz para que pudesse haver uma interligação entre os

sistemas.

O quarto projeto de lei, que propunha a criação da Eletrobrás, será analisado com uma

maior profundidade na seção seguinte. A empresa estatal já seria criada com a estrutura de

uma holding do setor, administrando projetos e empresas de propriedade do governo federal,

os recursos arrecadados para serem aplicados no setor de energia elétrica, como o FFE, além

do papel de coordenação que ela desempenharia, sendo o “braço direito” do Estado no setor.

“O projeto da Eletrobrás previa o direito de montar subsidiárias para a fabricação de materiais

e equipamentos, com a finalidade de implantar e estabelecer no país um parque industrial

contendo toda a cadeia produtiva do setor elétrico” (GONÇALVES JR., 2002, p.104).

O aumento da intervenção do Estado na indústria de energia elétrica desde a década de

1940 alterou a quantidade da energia ofertada e da propriedade do empreendimento (público

ou privado). Em 1952, a oferta das empresas públicas era de apenas 6,8% do total da

capacidade instalada, enquanto as empresas privadas respondiam por 82,4%. Apenas dez anos

após, a capacidade instalada das estatais subiu mais de treze vezes, passando a representar

31,3% do total, ao passo que as empresas de origem privada diminuíram a sua participação

para 55,2%, tendo aumentado a sua capacidade em menos de duas vezes.

12 O FFE era constituído pela parcela do imposto único referente à União, por 20% da arrecadação da taxa de despacho aduaneiro e pelas dotações do orçamento geral da União.

Page 71: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

57

Tal comportamento é resultado das próprias características que envolveriam os projetos do setor, centrados na construção de usinas hidrelétricas de grande porte, com elevada relação produto/capital. Desta forma, os vultosos recursos exigidos, os longos períodos de maturação e a baixa rentabilidade levaram à ampliação da importância do setor público como produtor no setor energético (LANDI, 2006, p.64).

Tabela 2.3. – Capacidade Instalada por Tipo de Concessionária no Brasil

Potência (MW)

Part. %Potência

(MW)Part. %

Potência (MW)

Part. %Potência

(MW)Part. %

1952 135 6,8 1.636 82,4 214 10,8 1.985 1001953 171 8,1 1.631 77,5 303 14,4 2.105 100 6%1954 303 10,8 2.161 77,0 342 12,2 2.806 100 33%1955 538 17,1 2.248 71,4 362 11,5 3.149 100 12%1956 657 18,5 2.552 71,9 341 9,6 3.550 100 13%1957 682 18,1 2.697 71,6 392 10,4 3.767 100 6%1958 823 20,6 2.743 68,7 427 10,7 3.993 100 6%1959 967 23,5 2.724 66,2 424 10,3 4.115 100 3%1960 1.099 22,9 3.182 66,3 518 10,8 4.800 100 17%1961 1.343 25,8 3.243 62,3 619 11,9 5.205 100 8%1962 1.793 31,3 3.162 55,2 773 13,5 5.729 100 10%

Público Privado Autoprodutor TotalAnos Variação %

Fonte: Fundap/Iesp, apud FARIA, 2003.

Ainda que as empresas públicas tenham aumentado fortemente os seus investimentos

no setor e com isso, tenham crescido a sua participação na capacidade instalada do país, as

empresas privadas continuaram a operar no país e a realizar investimentos, por mais que

tenham diminuído o seu peso relativo. Deste modo, como destaca Mello (2008), as discussões

sobre as correções das tarifas de energia continuaram, assim como as disputas sobre as áreas

de atuação entre as empresas públicas e privadas.

Por mais que o Estado tenha aumentado a sua participação no setor elétrico e com isso,

reduzido relativamente o espaço de atuação da iniciativa privada, ela ainda tinha uma gama

muito grande de atividades relacionadas ao setor ou que sofrem alguma influência com o

desenvolvimento do setor de eletricidade, que as empresas privadas poderiam atuar. Como

bem expõe Gonçalves Jr. (2002):

O Estado ao desempenhar funções diretamente ligadas à produção, contribui com a abertura constante de mercado à iniciativa privada, que na cadeia de produção de energia elétrica, tece a demanda de uma complexa rede de produtos e serviços necessários ao planejamento, aos projetos, às construções, à operação, à manutenção e fundamentalmente à expansão. Isto considerando só a cadeia diretamente ligada ao sistema de geração/transmissão/distribuição de energia elétrica. Além disso, deve ser verificado o resultado nas demais cadeias produtivas, que a oferta de energia proporciona, demanda de aparelhos elétricos para as mais variadas aplicações, seja nos setores de bens de produção, seja nos setores de bens de consumo, dentre muitos aspectos (GONÇALVES JR., 2002, p.114).

Page 72: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

58

2.3 - A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS

Nessa seção será analisado todo o processo de criação da Eletrobrás que teve o seu

projeto original enviado ao Congresso Nacional em 1954 e somente obteve a sua aprovação

em 1961, sendo realmente constituída no ano seguinte. O projeto da Eletrobrás fez parte de

um conjunto formado por quatro projetos elaborados pela Assessoria Econômica durante o

segundo governo de Getúlio Vargas visando o aumento da capacidade instalada do setor

elétrico brasileiro. Contudo, para que possa ser compreendido o contexto da apresentação do

projeto da Eletrobrás e todos os seus desdobramentos, é preciso ser feita uma análise do

segundo governo Vargas.

2.3.1 O Segundo Governo de Getúlio Vargas

O Projeto de criação da Eletrobrás foi fruto de estudos realizados pela Assessoria

Econômica do Gabinete Civil da Presidência da República durante o governo Vargas. Esse

órgão era o principal responsável pela formulação de políticas econômicas desse período,

principalmente a política nacional de energia. Formada em 1951, a Assessoria Econômica

tinha um forte viés nacionalista em seus projetos. A partir do primeiro semestre de 1953, a

Assessoria dedicou-se ao estudo dos problemas do setor elétrico brasileiro, culminando com a

apresentação de quatro projetos de lei diferentes, porém interligados entre si. Em um primeiro

momento foram apresentados dois projetos: a criação do Imposto Único e a distribuição da

parcela desse imposto entre as três esferas do executivo. Em uma segunda etapa, foram

expostos ao Congresso em abril de 1954, os outros dois projetos de lei, o de nº 4.277 e o de nº

4.280, referentes respectivamente ao Plano Nacional de Eletrificação e a criação da Centrais

Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás.

A criação da Eletrobrás está intimamente relacionada com as diretrizes adotadas

durante o segundo governo Vargas. Para se ter uma melhor compreensão desse processo, é

preciso uma análise mais criteriosa desse período da história brasileira. Para Melo, Oliveira e

Araújo (1994), o binômio energia e transporte marcou a preocupação dominante desse

governo, assim eles foram considerados os maiores entraves ao processo de industrialização

do país e deveriam ser solucionados. Esse processo de industrialização somado com o fim da

segunda guerra mundial intensificou o debate entre as correntes nacionalistas e privatistas.

Page 73: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

59

Especificamente para o setor de energia elétrica, os privatistas apesar de não

comporem um grupo homogêneo, tinham em comum o apoio às empresas de energia já em

funcionamento e queriam preservar esse setor para a atuação das empresas privadas. Eram

contrários ao regime tarifário adotado na época e consagrado pelo Código de Águas, que

limitava o reajuste tarifário ao princípio do custo histórico. Essa política tarifária juntamente

com a política cambial e a crescente inflação da época, para os privatistas, diminuía

fortemente os incentivos para novos investimentos de ampliação da oferta no setor. Para

aumentar os investimentos, esse grupo defendia a adoção de políticas tarifárias “realistas” e a

revisão do Código de Águas. Já os nacionalistas apoiavam uma maior intervenção direta do

Estado no setor elétrico e as medidas do Código de Águas, além de responsabilizar as

empresas estrangeiras pela não expansão da oferta para os níveis necessários. Esse grupo

defendia até a encampação das concessionárias estrangeiras pelo Estado brasileiro.

Historicamente vemos em Getúlio Vargas a figura mais representativa da corrente

nacionalista. Vargas realmente era nacionalista em suas atitudes e pensamentos, pois defendia

um maior crescimento industrial brasileiro, desenvolvimento econômico, uma redução da

dependência do mercado e do comércio externo e um incremento nas atividades voltadas para

o mercado interno. O nacionalismo de Vargas também era visto pelos objetivos nacionais da

intervenção desenvolvimentista do Estado em contraposição aos interesses privados ou

regionais. Dias (1988) explica que por mais que Vargas carregasse o ideário nacionalista, ele

nem sempre adotou uma postura contrária ao capital estrangeiro.

Na prática, refletindo a heterogeneidade das forças que o constituía, o segundo governo Vargas adotou uma política econômica bifronte: de um lado, nacionalista e tendencialmente estatista; e de outro, devido à carência de recursos internos, receptivo à colaboração com o capital estrangeiro (DIAS, 1988, p.124).

Melo, Oliveira e Araújo (1994) assinalam que o nacionalismo varguista nunca chegou

a ameaçar a participação do capital estrangeiro na economia brasileira, no entanto, em alguns

setores considerados estratégicos para o país e de extrema importância para a manutenção da

soberania nacional, como o setor de energia, Vargas entendia que era missão do Estado

manter certo controle sobre essas áreas.

Bastos (2006) concorda que o nacionalismo econômico de Vargas variou ao longo do

tempo principalmente em relação à associação com o capital estrangeiro.

Page 74: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

60

O problema das definições do nacionalismo econômico varguista a partir dos meios pelos quais os interesses nacionais de desenvolvimento econômico seriam alcançados, é que Vargas não manteve, ao longo do tempo, a adesão a formas particulares de intervenção estatal e de associação com o capital estrangeiro. O que apresenta maior continuidade é a adesão ao ideário do nacional-desenvolvimentismo, ou seja, a vinculação do interesse nacional com o desenvolvimento, ativado pela vontade política concentrada no Estado, de novas atividades econômicas, particularmente industriais, associadas à diversificação do mercado interno [...] (BASTOS, 2006, p.241).

O nacionalismo econômico ia ganhando cada vez mais força no pós-guerra,

empolgando mais classes da sociedade, com a proposta de defesa dos interesses nacionais

através do controle dos recursos naturais e a visão de que o forte incremento na

industrialização brasileira só viria através da entrada do Estado com investimentos diretos em

setores importantes, como de energia, indústrias de base, mineração e transporte. Bastos

(2006) afirma que nos ramos básicos, Vargas recorreu a diferentes tipos de intervenção do

Estado, não excluindo a priori os investimentos diretos com recursos estrangeiros.

Primeiramente ele se esforçou na tentativa de regular e criar os mercados, para somente em

um segundo momento, não obtendo muito êxito em suas aspirações, ele partiu para a criação

das empresas estatais para atuarem nesses setores e elas passaram a ser consideradas

imprescindíveis para ultrapassar os estrangulamentos na infra-estrutura do país.

O capital privado nacional não era muito levado em consideração para os

investimentos necessários em alguns setores de infra-estrutura, devido a sua grande

debilidade e os vultosos investimentos que eram indispensáveis. Não era muito realista contar

com empreendedores privados nacionais, já que eles possuíam limitações financeiras e

tecnológicas, e também existiam alternativas de investimento mais rentáveis e menos

arriscadas do que os setores de infra-estrutura.

As principais razões para se acreditar que o segundo Vargas procurou adotar medidas

de cunho nacionalista para o desenvolvimento autônomo do país foram os projetos de criação

da Petrobras e da Eletrobrás e a Mensagem Presidencial de 1951. Essa Mensagem mostrava o

desenvolvimento histórico do setor elétrico e as suas debilidades naquele momento, e

defendia a intervenção do Estado praticando vultosos investimentos no setor para ampliar a

oferta de energia elétrica do país. Esses investimentos seriam realizados através de empresas

públicas estaduais e federais, já que as empresas privadas nacionais não tinham condições

financeiras e técnicas para isso e as empresas estrangeiras eram responsabilizadas pelo

insuficiente desempenho na geração de eletricidade. O maior problema para se conseguir

Page 75: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

61

efetuar as propostas da Mensagem Presidencial, era que a maior parte dos recursos

necessários para a realização dos investimentos viria de instituições financeiras e órgãos

públicos internacionais.

O Banco Mundial seria o maior responsável pelos recursos para investimentos, porém

o banco recebia uma forte influência do governo dos Estados Unidos e dos interesses

americanos. Assim a determinação do Banco Mundial na época era de emprestar recursos

para projetos que incentivassem os investimentos privados, ou seja, o banco não emprestaria

dinheiro para governos que fossem contrários a participação privada em seus diversos setores

e que não concordassem com políticas de atração de capitais externos privados. O Banco

Mundial preferia apoiar os empreendimentos elaborados pela Comissão Mista Brasil-Estados

Unidos (CMBEU) que tinham um caráter privatista e antiestatizante, sem restrições aos

investimentos estrangeiros e que recomendava que a atuação do Estado fosse apenas

reguladora e complementar às atividades privadas. Essa comissão mista preparou 40 projetos

que deveriam ser financiados com recursos do Banco Mundial e do Eximbank13, além dos

recursos internos. A responsabilidade financeira desses projetos caberia ao BNDE, criado

nessa época justamente para esse fim.

O conflito estava colocado desde o início da “cooperação”: enquanto Vargas preferia contar com recursos externos sem perder a capacidade de decidir sobre a destinação destes recursos (ou seja, sem que a dependência financeira implicasse em perda de autonomia decisória), os bancos queriam influenciar o governo e reforçar a posição do capital estrangeiro no setor elétrico brasileiro, com apoio das seções brasileira e estadunidense da CMBEU. Para isso, tinham um recurso político decisivo: o poder financeiro (BASTOS, 2006, p.264).

A estratégia do Banco Mundial foi de emprestar recursos para investimentos públicos

apenas para empreendimentos que não ameaçassem diretamente os interesses e negócios das

empresas estrangeiras. A forma do banco de influenciar o governo brasileiro em relação ao

setor elétrico era de dar financiamento diretamente para as empresas estrangeiras para investir

em empreendimentos, assim o governo deveria repensar a estratégia nacionalista para o setor.

Com a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, e as repercussões

sobre o projeto de criação da Petrobras, aos poucos vão deteriorando as relações entre os dois

países e entre o governo brasileiro e a CMBEU. Em abril de 1953, Vargas ao saber que os

trabalhos da Comissão Mista tinham sido interrompidos e que nenhum outro projeto seria

financiado, deu “sinal verde” para que seus assessores finalizassem o primeiro dos quatro

13 O Eximbank é o banco americano de fomento das exportações e importações.

Page 76: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

62

projetos para o setor elétrico, a constituição do Fundo Federal de Eletrificação. Lima (1995)

afirma que após a aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de criação da Petrobras em

julho de 1953, o governo americano suspendeu as atividades do CMBEU e rompeu as

negociações com o Brasil.

O projeto de criação da Petrobras é mais um exemplo de como Vargas não era

totalmente contra a presença do capital estrangeiro no país. No projeto original formulado

pela Assessoria Econômica no final de 1951, era previsto a formação de uma empresa de

capital misto e abria a possibilidade de associações com empresas privadas de capital

estrangeiro14 nas atividades de pesquisa, exploração e produção de petróleo. Esse projeto

original foi modificado pelo Congresso, adicionando medidas mais nacionalistas e restritivas

ao capital externo, como o monopólio da exploração, extração, refino e transporte de óleo

bruto.

O rompimento da Comissão Mista e a interrupção dos financiamentos estrangeiros

fizeram com que Vargas colocasse em prática as políticas nacionalistas anunciadas na

Mensagem Presidencial de 1951 e que ele adiou por certo tempo para tentar obter recursos

externos.

Não surpreende que, depois de ter sido forçado a protelar a realização de planos nacionalizantes para o setor elétrico visando preservar a “cooperação internacional”, a ruptura unilateral da mesma levou Vargas a retomar mais decididamente projetos temporariamente paralisados, contando agora com maior mobilização interna de recursos (BASTOS, 2006, p.270).

Diante das dificuldades encontradas em se obter financiamentos após o término das

operações do CMBEU, o governo formulou quatro projetos para o setor de energia elétrica

com o intuito de obter recursos e realizar obras que aumentassem a oferta desse setor. Um

desses quatro projetos foi o da criação da Eletrobrás que foi encaminhado para o Congresso

Nacional em abril de 1954 junto com o projeto contendo o Plano Nacional de Eletrificação

(PNE).

O coroamento dos projetos de eletrificação do segundo governo Vargas foi a mensagem de criação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás. A organização da Eletrobrás visava assegurar o arcabouço institucional das iniciativas do governo federal no setor de energia elétrica. Baseada no projeto da Petrobras, a Eletrobrás estava destinada a cumprir a função de holding das empresas federais integrantes do PNE e a promover a articulação em torno da constituição da indústria de material elétrico pesado no país, associada ou não ao

14 Através da constituição de subsidiárias locais.

Page 77: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

63

capital privado, nacional ou estrangeiro (LIMA, 1995, p.67).

Segundo Araújo e Oliveira (2003), o PNE previa a interligação dos sistemas regionais

isolados de geração de eletricidade, a unificação das correntes elétricas em 60 Hz e a

duplicação da capacidade instalada em dez anos. O financiamento desses projetos viria do

Imposto Único e a Eletrobrás seria a holding desse sistema, administrando as empresas

federais do setor, encarregada fundamentalmente da execução dos empreendimentos do PNE

e a de gerir os recursos da União que seriam aplicados no setor daí por diante. Caberia à

Eletrobrás “sociedade por ações destinada a operar, diretamente ou através de empresas

controladas e coligadas, a realização de estudos, projetos, financiamentos, construção e

operação de usinas, geradoras, linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica” (A

ENERGIA, 1977, p.82).

2.3.2 – O Projeto de Criação da Eletrobrás

No projeto original da criação da Eletrobrás, ela poderia organizar subsidiárias - tendo

sempre a maioria das ações, e adquirir parte das ações de empresas estatais sob o controle do

Estado, tanto nas esferas estaduais e municipais. Assim, era permitida à Eletrobrás a atuação

direta no setor ou por meio de subsidiárias e empresas associadas. Como um dos motivos

para a criação da Eletrobrás, Lima (1984) enfatiza que Vargas sentia a necessidade de “dotar

o Estado de instrumentos mais adequados ao desempenho de funções que não se

restringissem àquelas típicas de um Estado ordenador por excelência” (LIMA, 1984, p.83).

Dessa forma, a empresa teve como exemplo a seguir o projeto de criação da Petrobras, e

assim como ela, a Eletrobrás teria uma forte articulação com a indústria de equipamento

elétrico pesado, já que o fornecimento de equipamentos impactava negativamente a balança

comercial brasileira.

O fomento da indústria de material elétrico pesado associado ou não ao capital

privado nacional e estrangeiro foi um dos pontos que mais gerou críticas ao projeto de

criação da Eletrobrás, pois caso não houvesse interesse das empresas privadas na promoção

desse setor no Brasil, a própria Eletrobrás formaria parcerias para a produção de maquinas e

equipamentos (MELO, OLIVEIRA e ARAÚJO, 1994). Para Dias (2007), a excessiva

amplitude do projeto de criação da Eletrobrás que abrangia inúmeros aspectos não

Page 78: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

64

relacionados com a coordenação do PNE resultou em muitas críticas e uma grande demora

para a aprovação do projeto, que teve forte oposição das concessionárias estrangeiras já

atuantes no país. A criação da Eletrobrás só foi autorizada em 1961, sete anos após o envio ao

Congresso Nacional do projeto de criação da empresa e após sofrer inúmeras alterações no

projeto original. A oposição à criação da Eletrobrás já era esperada devido às cinco décadas

de atuação no setor elétrico de algumas empresas, especialmente a Light, e da indústria nessa

época já estar consolidada, com aproximadamente três mil empresas atuando no Brasil,

levando em consideração nessa conta, as prefeituras que geravam energia.

No caso do setor elétrico, diferentemente do que ocorreu em diversos outros setores produtivos básicos como petróleo, siderurgia e mineração, a intervenção do Estado foi um processo mais complexo e específico porque, o setor já se havia organizado desde os primeiros anos do século e estava nas mãos do capital estrangeiro, que tratou de, parcialmente, superar as crises, ampliando alguns investimentos e ocupando espaços no setor (LORENZO, 2002, p.7).

A evolução do setor desde a formulação do PNE até a criação da Eletrobrás não

aconteceu de forma pacífica, houve muita discussão entre privatistas e nacionalistas sobre a

forma de intervenção do Estado no setor e o envolvimento de classes urbanas, parecido com

as campanhas em favor da criação da Petrobras e da instituição do monopólio do petróleo.

Porém esse apoio não foi o suficiente para igualar as críticas vindas de diversas instituições,

organizações, empresas e até dentro do próprio Estado, pois nesse último, também havia

grupos que eram caracterizados como privatistas e receptivos aos investimentos estrangeiros

no país, não apenas para o setor elétrico, mas também para todos os demais setores da

economia (DIAS, 1988).

Gonçalves Jr. (2002) também salienta que enquanto a questão do fomento da indústria

de materiais elétricos pesados por parte do Estado não foi retirada do projeto da criação da

Eletrobrás, ele sofreu fortes resistências, porque essa indústria era dominada

internacionalmente por grandes empresas estrangeiras que detinham um poder de cartel e que

avistaram no programa de grandes investimentos por parte do Estado brasileiro, uma ótima

oportunidade para vendas de máquinas e equipamentos, assim, elas exerceram uma forte

pressão para a não aprovação do projeto original da Eletrobrás. Landi (2006) e Araújo e

Oliveira (2003) afirmam que uma das maiores restrições ao projeto de criação da estatal do

setor elétrico veio dos próprios grupos estaduais e das empresas públicas e sociedades de

economia mista estaduais do setor elétrico, que temiam as divergências entre os interesses

federais e estaduais, além do excessivo controle e centralização das ações no nível federal.

Page 79: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

65

A lista de grupos que faziam oposição à criação da Eletrobrás não pára por aí, Landi

(2006) destaca a mídia brasileira que representava os interesses das empresas estrangeiras, o

Instituto de Engenharia de São Paulo que promoveu em abril de 1956 a Semana de Debates

sobre Energia Elétrica onde foi expressamente condenada a participação do Estado na

produção direta de energia e sugerida que os recursos arrecadados pelo Fundo Federal de

Eletrificação fossem repassados para as mais de duas mil empresas concessionárias15 já em

operação no país, restando ao Estado a função meramente financeira. Em 1957 foi reiterada a

posição da Confederação Nacional da Indústria durante a III Reunião Plenária da Indústria

contrária a criação da Eletrobrás.

A oposição à Eletrobrás também vinha de maneiras mais sofisticadas como em ações

no Judiciário (LIMA, 1975). A Light por já operar no país a mais de cinqüenta anos tinha a

colaboração de grandes juristas que defendiam os interesses da empresa, e que nesse caso

seria contra a criação da estatal. Outra atitude tomada pela Light foi de apresentar ao

Congresso Nacional emendas muito bem elaboradas16 para a modificação do projeto original

da criação da Eletrobrás encaminhadas por um senador.

Paulo Richer17 em depoimento para Memória da Eletricidade18 levanta outro fator

contrário à criação da Eletrobrás, que foi a aprovação da instituição do Imposto Único sobre

Energia Elétrica e do Fundo Federal de Eletrificação, assim os recursos do fundo seriam

geridos pelo BNDE até a criação da Eletrobrás. Aí surgiu o problema, já que novamente

pessoas dentro do próprio aparato do Estado eram contrários ao estabelecimento da estatal.

“O BNDE, podendo dispor dos recursos do Fundo Federal de Eletrificação, não tinha motivo

para apoiar a criação da holding do setor elétrico” (DIAS, 1995, p.96). Assim a cúpula do

BNDE se esforçava para que o projeto da Eletrobrás não fosse para frente, pois achavam que

o banco estava preparado para gerir os recursos do fundo e a ser o principal órgão federal na

condução dos programas de expansão da capacidade instalada do setor elétrico.

15 A proliferação de empresas concessionárias principalmente estaduais foi resultado direto do Imposto Único sobre Energia Elétrica que era administrado pelo BNDE e que restringia o repasse dos recursos aos Estados e Municípios às exigências da elaboração de programas próprios para a aplicação desses recursos. 16 As emendas eram elaboradas pelo corpo técnico da Light. 17 Paulo Richer foi o presidente do grupo de trabalho que constituiu a holding Eletrobrás e foi o primeiro presidente da empresa. 18 DIAS, Renato Feliciano. A Eletrobrás e a História do Setor de Energia Elétrica no Brasil: Ciclo de Palestras. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 1995.

Page 80: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

66

Apesar de contar com muita pressão contrária à criação da nova estatal do setor

elétrico, que já nasceria com um papel de holding do setor, a Eletrobrás também contou com

o apoio e a simpatia de importantes grupos da sociedade.

Hostilizado pelas concessionárias privadas brasileiras e estrangeiras e por outros segmentos do empresariado, o projeto da Eletrobrás recebeu, em contrapartida, o apoio de políticos, técnicos, engenheiros, jornalistas, militares, trabalhadores e estudantes, que endossavam as propostas da corrente nacionalista. Embora não tenham chegado a constituir um movimento organizado das dimensões daquele que defendeu, no início da década, o monopólio estatal do petróleo, essa parcela da opinião pública brasileira atuou como grupo de pressão sobre o governo, conseguindo, de certa maneira, contrabalançar as iniciativas dos adversários (DIAS, 1988, p.145).

Outro ponto característico do setor elétrico que também influenciou no debate sobre a

criação da Eletrobrás e foi frisado por Pinto Jr. (2007) está relacionado com o caráter regional

do setor. Como ele já tinha mais de cinqüenta anos de operação, foi incorporado

características especificamente locais nos aspectos econômicos e políticos que deveriam ser

superados para a construção de um setor elétrico realmente nacional. Porém essa superação só

viria através de complexas e demoradas negociações políticas, que tinham o intuito de

resolver o conflito de interesses entre as partes envolvidas. Dessa forma, vão surgindo

possibilidades de cooperação e de conflitos e a administração dessa dualidade é que vai

orientar a construção do setor elétrico nacional. O autor completa afirmando que a indústria

elétrica não teve um desenvolvimento ao longo do tempo marcado pela homogeneidade dos

interesses dos agentes e pela continuidade dos projetos, e sim, muita divergência e

complexidade com relação aos interesses envolvidos. “De fato, a evolução se dá por idas e

vindas, conflito e cooperação, continuidade e descontinuidade [...]. Assim, o conflito de

interesses nunca deixa de existir; o que muda é a maneira como eles são administrados”

(PINTO JR., 2007, p.209).

Nesse contexto, o importante a ressaltar é que a criação da Eletrobrás, mais do que um ponto de partida, é fruto de um longo processo de negociação, que ocorre em paralelo ao fortalecimento do poder central. Graças aos recursos amealhados nesse fortalecimento é possível administrar os conflitos de base regional. Essa administração será marcada, cada vez mais, pela administração do acesso aos recursos financeiros para os estados realizarem seus projetos. Na verdade, é a posse desses recursos que dá ao governo central, de fato, o seu poder de coordenação (PINTO JR., 2007, p.210).

Devido às inúmeras posições contrárias ao estabelecimento da Eletrobrás, o projeto de

criação da empresa demorou sete anos para ser aprovado, atravessando o mandato de cinco

presidentes da República. O projeto foi elaborado e enviado ao Congresso Nacional durante o

Page 81: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

67

governo Vargas, passou pelo rápido período de Café Filho, tramitou até o fim do governo

Kubitschek sem ser aprovado, passou por Jânio Quadros e foi concretizado durante o governo

de João Goulart.

Após o suicídio de Vargas e a grande comoção popular, Café Filho assume a

presidência do país inaugurando uma nova fase da política econômica brasileira que seria

aprofundada no governo de Juscelino Kubitschek (JK). Houve uma reorientação em relação

ao capital estrangeiro, que seria amplamente apoiado e incentivado a entrada desses recursos,

que passou a ser a principal fonte de financiamento para os programas de investimentos

brasileiros.

A política econômica adotada por Juscelino Kubitschek diferiu em muito com a

política seguida por Vargas, porque incentivou a entrada maciça de capitais estrangeiros e

restringiu um pouco o papel das empresas estatais no processo de desenvolvimento brasileiro.

“Deste modo, no Governo JK a empresa pública deixou de ter aquele papel de articulação das

novas fronteiras de acumulação capitalista, restringindo o seu campo de ação às áreas de

infra-estrutura, alguns segmentos das indústrias de base [...]” (LIMA, 1984, p.94), além da

atuação no setor financeiro pela concessão de financiamentos de longo prazo através do

BNDE. Em relação ao setor elétrico, JK não se comprometeu com a aprovação de dois

projetos propostos no segundo Vargas que ainda estavam em tramitação no Congresso. Para

Lima (1995), os principais mentores do Plano de Metas do governo Kubitschek, Lucas Lopes

e John Reginald Cotrim, condenaram o Plano Nacional de Eletrificação e também não

estimulariam o projeto de criação da Eletrobrás, pois segundo eles, o governo tinha medo de

que os recursos do Fundo Federal de Eletrificação fossem administrados por uma instituição

despreparada e que poderia ser alvo de intensas pressões políticas.

Já para Lima (1984), apesar do Plano de Metas ter descartado o Plano Nacional de

Eletrificação, ele acabou resgatando inúmeros projetos desse Plano de Eletrificação de forma

informal, sem ter que passar pela tramitação no Congresso e enfrentar a resistência de alguns

políticos. Em relação à Eletrobrás, nessa época o projeto não contava com apoios políticos

expressivos, dificultando ainda mais a sua aprovação. De fato, durante o governo JK a

Eletrobrás não recebeu nenhum estímulo favorável à sua criação. Segundo as palavras de

Paulo Richer:

Page 82: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

68

Ele preferia que o BNDE continuasse atuando, ao invés de criar uma empresa nova. Mesmo porque a Eletrobrás seria criada como uma “brás” a mais e, na época, já existia a Petrobrás, que afetou os interesses daqueles que esperavam que o petróleo no Brasil fosse explorado por empresas particulares. A Eletrobrás seria, de certa maneira, uma repetição da Petrobrás, afetando os poderosos interesses das empresas multinacionais que exploravam a energia elétrica no país (DIAS, 1995, p.96).

2.3.3 – A Constituição da Eletrobrás

O projeto de criação da Eletrobrás que foi enviado para o Congresso Nacional em

1954 teve a sua aprovação na Câmara dos Deputados em 1956, porém com algumas emendas

que alteraram o projeto original, e foi encaminhado para o Senado Federal. Uma das

alterações feitas no projeto original foi a retirada da parte do texto que dizia respeito ao

vínculo da empresa com a indústria de material elétrico pesado associado ou não ao capital

privado nacional e estrangeiro. Em resposta à aprovação do projeto na Câmara, o Instituto de

Engenharia realizou a Semana de Debates sobre a Energia Elétrica que teve a tônica da

condenação da intervenção do Estado no setor e em particular da criação da Eletrobrás.

As alterações ocorridas no projeto original da Eletrobrás, a trajetória própria do setor

elétrico brasileiro e a criação do Ministério das Minas e Energia fizeram com que a criação da

nova estatal fosse um desdobramento natural dos acontecimentos no início da década de 1960

(LIMA, 1995), porém as pressões de ambos os lados, tanto o a favor da constituição da nova

estatal quanto o lado contrário, continuaram acontecendo. Os empresários, principalmente do

Estado de São Paulo e em destaque o Sindicato das Indústrias de Energia Elétrica de São

Paulo, organizaram campanhas publicitárias nos meios de comunicação com o intuito de

pressionar primeiramente JK e depois Jânio Quadros a vetar o projeto da criação da Eletrobrás

ou pelo menos parcialmente (DIAS, 1988). Já a corrente nacionalista fazia pressão política

para que o projeto fosse aprovado na sua forma integral e com o texto original, garantindo

assim a maior presença possível do Estado na economia.

Finalmente, em 25 de abril de 1961, Jânio Quadros assinou a Lei nº 3.890-A, que autorizava o governo federal a proceder à constituição da empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás. Nem nacionalistas nem privatistas foram totalmente atendidos em suas reivindicações, uma vez que, apesar de consagrar a solução estatizante, o texto legal foi sancionado por Quadros com vetos parciais, entre os quais o referente à formação de uma indústria estatal de material elétrico (DIAS, 1988, p.146).

Page 83: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

69

Dentre os fatores que ajudaram a constituição da empresa, Araújo e Oliveira (2003)

destacam o sucesso do Fundo Federal de Eletrificação que foi responsável por 60% do

investimento do setor elétrico no período e viu a capacidade instalada no país passar de 2.806

MW em 1954 para 4.800 MW em 1960, assim as resistências dos principais estados

produtores de eletricidade foram diminuindo. O projeto da Eletrobrás só foi para frente devido

às pressões exercidas pelas empresas estaduais do setor elétrico que já não viam como

benéficas a relação meramente bancária com o BNDE que era o gestor dos recursos do Fundo

de Eletrificação (LIMA, 1975). “Era natural que essas empresas sentissem a necessidade de se

entenderem com empresas congêneres de âmbito federal, a que se ligassem como associadas

ou como subsidiárias” (LIMA, 1975, p.137).

Apesar de ter sido assinado a lei que criava a Eletrobrás em 25 de abril, apenas em

outubro o governo foi tomar medidas administrativas para realmente criar a empresa. Devido

ao longo tempo em que o projeto ficou para ser aprovado, ele já se encontrava defasado em

alguns pontos. Então foi formado um grupo de trabalho liderado por Paulo Richer para a

realização de algumas tarefas, como o estudo da lei sancionada e a posterior sugestão das

alterações necessárias dos dispositivos legais, até o estudo de meios para que se aumentassem

os recursos do Fundo Federal de Eletrificação (LANDI, 2006).

Concluída a tarefa desse primeiro grupo de trabalho, em janeiro de 1962 foi formado

um segundo grupo de trabalho também presidido por Paulo Richer, que tinha o objetivo de

preparar o estatuto da Eletrobrás e realizar os atos necessários para a efetiva constituição da

empresa. A primeira providência tomada foi a seleção de pessoas de todo o Brasil para que a

Eletrobrás fosse uma empresa realmente de âmbito nacional e não apenas de estados

específicos, como Rio de Janeiro ou São Paulo. Em 16 de maio de 1962, o estatuto da

Eletrobrás foi finalmente publicado no Diário Oficial da União.

A Eletrobrás foi oficialmente instalada em 11 de junho de 1962 e dois dias depois, o

presidente da República João Goulart assinou o Decreto nº 1.178 que constituiu a empresa. A

Centrais Elétricas Brasileiras S.A. foi criada com um capital inicial de três bilhões de

cruzeiros, subscrito pela União e passou a gerir os recursos do Fundo Federal de Eletrificação

que até a sua criação ficou sobre a responsabilidade do BNDE. A Eletrobrás já foi criada

como holding das empresas federais do setor elétrico, Furnas e CHESF que detinham cerca de

20% da capacidade instalada do país na época, além da Companhia Hidrelétrica do Vale do

Page 84: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

70

Paraíba – CHEVAP (que estava construindo a hidrelétrica de Funil), a Termoelétrica de

Charqueadas – TERMOCHAR e a participação minoritária em empresas estaduais. A

CONESP19 (Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços

Públicos) também foi incorporada pela Eletrobrás.

A Eletrobrás, como holding das empresas públicas federais incorporou todas as aplicações realizadas pelo BNDE e, como órgão de planejamento setorial, a nível nacional, seria responsável pela definição dos planos de expansão do sistema elétrico brasileiro (LIMA, 1984, p.111).

A Eletrobrás não tinha o poder de monopólio sobre as atividades do setor, então as

empresas privadas poderiam continuar operando e aumentando a sua capacidade instalada, ao

contrário do que ocorreu no setor de petróleo, onde a Petrobras detinha o monopólio da maior

parte das atividades do setor, restando para a iniciativa privada a área de distribuição e as

refinarias já em uso, não podendo haver o aumento da sua capacidade instalada. A intenção

do governo com a criação da Eletrobrás era que o Estado assumisse a liderança no processo

de crescimento da oferta de eletricidade, não alterando a presença do capital privado. O que

já estava ocorrendo desde antes a criação da Eletrobrás, era a iniciativa privada ir cada vez

mais para a área de distribuição, deixando a cargo do Estado a produção e transmissão da

energia elétrica, onde era maior a necessidade de capitais.

Álvares (1964) lembra de alguns dos objetivos da Eletrobrás na época de sua

constituição. Para esse autor, a sua primeira tarefa era de coordenação, fazer a integração

nacional através de soluções regionais, porém impedindo a duplicação de esforços e a

dispersão de recursos que não eram tão altos em comparação com o tamanho do problema de

expansão da oferta de energia elétrica. Outros objetivos citados são as assistências técnica,

econômica e jurídica que deveriam ser prestadas por parte da empresa. Landi (2006) também

enumera alguns dos objetivos da Eletrobrás como a realização de estudos, projetos,

construção e operação de usinas geradoras de energia elétrica, além de investimentos na

construção de linhas de transmissão e na área de distribuição de energia.

São suas atribuições, mais detalhadamente, controlar as operações das suas empresas controladas nas quais o Governo Federal é acionista majoritário, participar em parte do capital de outras empresas de energia elétrica na qualidade de acionista minoritário, financiar suas empresas controladas e outras companhias de energia elétrica, inclusive as em que não esteja associado, mas principalmente

19 A CONESP negociava a compra das empresas do Grupo AMFORP, em litígio com o governo brasileiro desde a encampação em 1959 da sua subsidiária no Rio Grande do Sul, Companhia Rio Grandense de Força e Luz – CRFL (MELLO, 1999).

Page 85: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

71

as estaduais; coordenar, avalizando empréstimos do setor; assessorar o Ministério das Minas e Energia, como empresa de coordenação e gerência que é, no estabelecimento da política de expansão, a longo prazo, do setor de energia elétrica, e assegurar recursos para os investimentos necessários a essa expansão; delinear normas gerais no planejamento do complexo eletro-energético nacional, disciplinar aplicações de recursos federais em empreendimentos essenciais em execução, desencadear os requeridos pelo previsto crescimento de chamada e sanear deficiências em sistemas existentes. Coordenar ainda a operação dos sistemas elétricos interligados e promover acordos com países vizinhos para o intercâmbio de energia elétrica (A ENERGIA, 1977, p.84).

Page 86: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

72

Capítulo 3 – A IMPORTÂNCIA DA ELETROBRÁS PARA O

DESENVOLVIMENTO DO SETOR ELÉTRICO

Nesse capítulo será desenvolvido o papel que a Eletrobrás desempenhou na trajetória

de evolução do setor elétrico brasileiro até o início da década de 1990, quando reformas de

cunho liberal reduziram a importância das empresas estatais. Na seção inicial, os primeiros

anos da Eletrobrás será destaque mostrando que uma das primeiras medidas adotadas em

favor da empresa foi a transferência do BNDE para a Eletrobrás da tarefa de planejamento do

setor elétrico. Nas duas seções seguintes, será analisado o ápice do período em que a expansão

do setor teve a Eletrobrás como o principal agente, exercendo as funções de coordenação e

supervisão das atividades do setor, além do planejamento, financiamento e outras atividades.

Na quarta seção, serão vistos os motivos que levaram as empresas estatais a passarem por

uma crise financeira e como isso afetou as atividades e as funções exercidas pela Eletrobrás.

A última seção mostrará as primeiras mudanças que ocorreram na economia brasileira e no

setor elétrico com a transformação do tamanho do Estado e a adoção de políticas liberais que

tiveram início no governo Collor.

3.1 - OS PRIMEIROS PASSOS DA ELETROBRÁS

Nos primeiros anos de vida da Eletrobrás ocorreram muitas alterações no quadro

político e econômico do setor elétrico brasileiro e no país em geral. Em 1964 as forças

armadas tomaram o poder, permanecendo nessa função até o ano de 1985. A administração

militar não diferiu muito das políticas adotadas durante a década de 1950, permanecendo o

processo de aumento da presença do Estado na economia e a substituição das importações,

visando um maior crescimento econômico do país. Durante o período militar, continuou a

tendência do aumento do poder das empresas estatais, já que as reformas administrativa, fiscal

e financeira ajudaram à expansão do setor produtivo estatal no estabelecimento de uma maior

autonomia institucional e financeira das empresas estatais para a implementação de suas

estratégias de desenvolvimento.

Page 87: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

73

3.1.1 - As Reformas da Primeira Administração Militar

No primeiro governo militar, presidido por Castelo Branco (1964-67), o principal

objetivo era resolver a questão da crescente inflação do período, para posteriormente, o país

voltar a obter níveis maiores de crescimento econômico. Para isso, foram realizadas

importantes reformas na área fiscal20 e monetária21, além da reforma na área de comércio

exterior, que fizeram com que a inflação caísse dos 90% anuais em 1964 para 20% em 1968.

Outro fato desse período e que foi fundamental para o posterior desenvolvimento do setor

elétrico foi a adoção da política de realidade tarifária nos preços dos serviços públicos que

ampliou a capacidade de autofinanciamento das empresas e que será visto com maior ênfase

ao longo dessa seção.

O regime político instalado em 1964 adotou uma política econômica bastante centralizadora do ponto de vista decisório, financeiro e fiscal. No âmbito do setor de energia elétrica, a tendência à centralização se colocava a partir da sua própria dinâmica e forma de expansão. A viabilização da Eletrobrás no comando do planejamento e na gestão dos recursos financeiros do setor seria favorecida nessa conjuntura. Nesse sentido, os recursos fiscais federais vinculados, até então administrados pelo BNDE, foram herdados pela Eletrobrás, que passou a contar também com os recursos oriundos do Empréstimo Compulsório sobre o consumo de energia elétrica, instituído em 1962 (FARIA, 2003, p.16).

Especificamente para o setor elétrico, o início dos anos 60 até o final de 1967 também

está recheado de transformações: a criação da Eletrobrás; a criação do Ministério de Minas e

Energia; a reestruturação das funções no setor; a unificação da freqüência no país; a aquisição

dos ativos da AMFORP; a constituição do consórcio CANAMBRA e os seus estudos; e por

fim, o novo padrão de financiamento do setor elétrico, com a criação do empréstimo

compulsório, a correção dos ativos das concessionárias, a reformulação do Imposto Único

sobre Energia Elétrica e a política da realidade tarifária.

A criação efetiva da Eletrobrás em junho de 1962 foi um marco na transformação do

setor elétrico brasileiro. Desde o início dessa década as empresas estatais já confirmavam a

liderança no processo de expansão do setor, que foi ratificada com a presença da Eletrobrás

que assumiu o planejamento do setor de energia elétrica que até então era regional e sem

regularidade. Assim, ao longo da década, o planejamento do setor elétrico ficou mais

sistematizado institucionalmente refletindo no desenvolvimento do setor na prática. Com

20 Corte das despesas e aumento das receitas do Estado. 21 Controle na emissão de moeda e uma maior restrição ao aumento do crédito.

Page 88: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

74

isso, houve um “deslocamento gradativo das tarefas de programação setorial das entidades

típicas de planejamento do governo para as empresas públicas do setor, fruto do

amadurecimento alcançado por elas” (LIMA, 1995, p.105).

Para Dias (1988), a estruturação do setor elétrico brasileiro que perdurou até as

reformas dos anos 90 foi basicamente implantada com a criação da Eletrobrás e do Ministério

das Minas e Energia (MME) na década de 1960, pois antes disso, as empresas que atuavam

no setor elétrico operavam de forma isolada, com nenhum ou com um pequeno intercâmbio

entre as elas, já que o planejamento de cada uma era realizado de forma a atender alguns

projetos especiais independentes, e não havia uma rede de transmissão bem desenvolvida,

ligando as empresas. No final da década de 1950 já estava claro para os integrantes do setor

que a interligação das empresas e dos sistemas era um requisito fundamental para a futura

expansão do setor elétrico brasileiro. A criação e consolidação de empresas regionais como

Furnas e a CHESF, além da criação do MME e da Eletrobrás, tiveram contribuição muito

importante para a concepção de uma nova visão integrada para o planejamento setorial.

3.1.2 - A Unificação da Freqüência e o Consórcio CANAMBRA

A legislação brasileira para o setor elétrico de 1957 permitia o uso de duas freqüências

distintas no país, 50 e 60 Hz, sendo definidas de acordo com as zonas determinadas pelo

Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE). Então um terço da capacidade

instalada do país utilizava a freqüência de 50 Hz, enquanto o restante usava 60 Hz (DIAS,

1995). A necessidade de uma maior integração energética nacional fez com que em 1961 o

CNAEE criasse a Comissão para Unificação de Freqüência que estabeleceu a unificação da

freqüência de todo o país em 60 Hz.

A partir de 1965 ficou a cargo da Eletrobrás a função de coordenar a execução do

programa de unificação das freqüências, tendo a responsabilidade de elaborar o cronograma

de desembolso, supervisionar os trabalhos das empresas envolvidas no processo, providenciar

os recursos financeiros e administrar as verbas orçamentárias do programa. “Às

concessionárias foi atribuída a responsabilidade pela elaboração e execução dos planos para a

conversão de seus respectivos sistemas” (CACHAPUZ, 2002, p.29). A unificação das

Page 89: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

75

freqüências no Brasil teve o seu início efetivo em janeiro de 1967, tendo sido concluído dez

anos após essa data.

A progressiva conversão da freqüência brasileira para 60 Hz e a construção de linhas

de transmissão para integrar as regiões brasileiras também foi recomendado pelos estudos do

CANAMBRA. O CANAMBRA foi um consórcio contratado pelo governo brasileiro e o

Banco Mundial em 1962 para a realização de estudos do potencial hidrelétrico e de mercado

da região Centro-Sul22 do Brasil. O consórcio era formado pelas empresas canadenses de

consultoria, Montreal Engineering e Crippen Engineering, além da Gibbs & Hill de origem

norte-americana. Esse consórcio realizou um trabalho pioneiro de planejamento integrado do

setor elétrico nacional e foi o primeiro levantamento detalhado do potencial hidrelétrico

brasileiro, já que foi feito um estudo rio por rio, da cabeceira até a foz, do potencial energético

da região.

Dias (1988) explica que os estudos do CANAMBRA que também contou com a

ajuda de técnicos das empresas do setor elétrico brasileiro, contribuíram de forma decisiva na

formação da mão de obra especializada do setor que posteriormente veio a integrar as

instituições de planejamento das empresas estatais, visão essa que também é aceita por

Cachapuz (2002). “Essa experiência foi de fundamental importância para a capacitação

técnica e metodológica do setor, servindo de modelo para estudos análogos empreendidos em

outras regiões do país” (CACHAPUZ, 2002, p.31).

Um decreto federal de 1964 fez com que a Eletrobrás ficasse responsável pelo

acompanhamento da execução dos projetos propostos pelo CANAMBRA. Posteriormente, em

1967 com a aprovação do relatório final do CANAMBRA com os estudos sobre a Região

Centro-Sul, o governo federal delegou à Eletrobrás além da coordenação sobre os

investimentos propostos, a alternativa da eventual revisão do programa de desenvolvimento

da região.

Os trabalhos desenvolvidos em meados da década de 1960 sob a coordenação da CANAMBRA, [...] significaram aportes decisivos do ponto de vista técnico e metodológico à capacitação do setor de energia elétrica em termos da elaboração de projeções de mercado, estudos de inventário e de viabilidade de projetos e do planejamento da expansão do setor. A partir de então, o setor de energia elétrica, por intermédio da Eletrobrás, encontrou condições de desenvolver seus programas de investimento mediante a criação de instrumentos de planejamento que se incorporam aos planos de ação do governo federal (LIMA, 1995, p.107).

22 A Região Centro-Sul atualmente é composta pelos estados da Região Sudeste.

Page 90: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

76

O consórcio CANAMBRA dividiu os seus trabalhos em duas partes. Primeiramente

em 1963, o consórcio apresentou um relatório com um programa de investimentos para os

anos de 1964-66 com o intuito de atender a demanda prevista da região Centro-Sul até 1970.

Posteriormente, o CANAMBRA apresentou em 1966 um novo estudo sobre o mercado de

energia elétrica e novos inventários sobre as bacias da região, que teve como resultado um

potencial estimado em 38.000 MW, além de um programa de investimentos de longo prazo.

Tendo as suas atividades finalizadas no ano de 1966, o CANAMBRA realizou estudos

semelhantes iniciados no mesmo ano, abrangendo a região Sul. Esses estudos foram

finalizados em 1969 e projetou o desenvolvimento do setor de energia elétrica na região no

período de 1968 a 1980.

Tendo em vista os bons resultados obtidos em todos esses estudos anteriores, a partir de 1969 é decidido realizar nas outras regiões do Brasil trabalhos com finalidades idênticas, inventariando locais adequados à construção de usinas hidrelétricas em bacias localizadas nas regiões Nordeste e Norte do país (A ENERGIA, 1977, p.103).

3.1.3 - A Questão do Financiamento e as Alterações na Estrutura do Setor Elétrico

Junto com os estudos do consórcio CANAMBRA, outro fato importante desse

período foi a questão do financiamento do setor elétrico nacional, que sofria com a

deterioração em termos reais das fontes de recursos, devido aos problemas inflacionários da

época. Pinto Jr. (2007) lembra que a sustentabilidade financeira da Eletrobrás foi a primeira

questão a ser resolvida pelo governo federal, com a criação do empréstimo compulsório a

favor da empresa e a reformulação do Imposto Único sobre Energia Elétrica, ambos

constituídos pela Lei 4.156 de novembro de 1962, com a idéia de gerar recursos para a

expansão do setor elétrico.

O empréstimo compulsório foi criado originalmente para durar apenas cinco anos,

até 1968, porém o seu prazo foi estendido para 1973 e depois para até 1983. O empréstimo

compulsório seria cobrado dos consumidores de energia elétrica, com uma alíquota de 15%

que posteriormente passou a ser de 20%. Em contrapartida, os consumidores receberiam

obrigações da Eletrobrás, resgatáveis em dez anos e com juros de 12% anuais. Na verdade,

como ressalta Faria (2003), esse empréstimo se parecia com um imposto cobrado do

consumidor, pois a inflação alta não preservava o valor real dos ativos que seriam resgatáveis

Page 91: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

77

no futuro. Os recursos arrecadados pelo empréstimo seriam apropriados pela Eletrobrás e

aplicados no setor elétrico, sendo que inicialmente, 60% desses recursos deveriam ser

aplicados nos estados de acordo com a proporção da arrecadação de cada um deles (LANDI,

2006).

No caso do Imposto Único, a Lei 4.156 determinou que o imposto passasse a ser ad

valorem, isto é, uma incidência percentual sobre o montante consumido, já que a cobrança de

um valor fixo sobre o KWh em períodos de inflação crescente, representava uma perda

significativa na importância da arrecadação. Outra mudança no Imposto Único foi a adoção

de alíquotas diferentes sobre os variados tipos de consumidores de energia elétrica. Cabe

ressaltar que de uma porcentagem de 40% da arrecadação do Imposto Único, que era formado

o Fundo Federal de Eletrificação que desde a criação da Eletrobrás, passou a ser gerido pela

empresa. Os 60% restantes dos recursos estavam divididos em 50% para os estados e 10%

para os municípios que deveriam aplicá-los em planos setoriais elaborados em conjunto com a

Eletrobrás. “Mediante essas medidas, a Eletrobrás conseguiu fortalecer o seu caixa para fazer

face às necessidades de financiamento das obras associadas à expansão da oferta de energia

elétrica no país, principalmente a mais importante delas: a usina de Furnas [...]” (PINTO JR.

2007, p.212).

Outro ponto marcante para o financiamento das empresas do setor elétrico foi a

aprovação em 1964 com o Decreto 54.936 da correção monetária23 do valor original dos bens

do ativo imobilizado, contribuindo para a reconstituição da capacidade das empresas do setor

se auto-financiarem, que segundo Landi (2006), foi o principal instrumento da política de

“realismo tarifário” adotada na época, permitindo a diminuição da dependência das empresas

com relação aos recursos fiscais.

A adoção do “realismo tarifário” foi uma das principais estratégias do governo

Castelo Branco para combater a inflação, pois aumentava a capacidade de autofinanciamento

das empresas públicas, diminuindo a necessidade de repasses de recursos, o que contribuiria

para a redução dos gastos públicos e do déficit público, o qual tinha sido diagnosticado como

uma das causas do aumento da inflação. Assim, entre 1964 e 1967, as tarifas de energia

elétrica tiveram um aumento de 62,4% ao ano contra uma inflação média anual de 39%,

representando um ganho significativo (MELLO, 2008).

23 A adoção da correção monetária decretou o fim da política tarifária com base no custo histórico.

Page 92: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

78

“Esse ajuste nas tarifas fortaleceu a situação financeira das empresas estatais,

facilitando a captação de novos empréstimos externos junto a bancos privados e agências

multilaterais de crédito, como o Banco Mundial [...]” (MELLO, 2008, p.16). Essa nova fonte

de recursos para o setor, os empréstimos externos, foram incentivados devido a ideologia

seguida pelos governos militares e o debate sobre a incapacidade da poupança interna de

atender de forma satisfatória a um rápido crescimento econômico.

A partir daí verifica-se um fortalecimento financeiro e uma maior autonomia para a realização de investimentos na figura da holding Eletrobrás, seja na gerência dos recursos fiscais ou na intermediação de empréstimos externos que passaram para a sua órbita de responsabilidade. Esta centralização financeira possibilitou a Eletrobrás assumir igualmente o comando institucional e financeiro do setor de energia elétrica. Esta nova configuração resultou num maior endividamento global do sistema, pois os ativos totais do sistema foram ampliados em termos contábeis, proporcionando uma expansão dos investimentos com a construção da usina hidrelétrica de Itaipu e das usinas nucleares (FARIA, 2003, p.23).

Com relação às incorporações de empresas do setor elétrico brasileiro, essa época foi

marcada pela compra das empresas do grupo americano AMFORP. Em agosto de 1964, o

governo federal criou uma comissão interministerial sob a coordenação do presidente da

Eletrobrás para fazer as últimas negociações para a compra das ações e dos direitos das

empresas concessionárias pertencentes ao grupo AMFORP. A negociação foi aprovada pelo

Congresso Nacional em outubro do mesmo ano, autorizando a Eletrobrás a adquirir as ações

das empresas, fato que foi consumado no mês seguinte, com a promulgação da Lei 4.428. O

acordo foi assinado em Washington e a Eletrobrás adquiriu as ações mediante o pagamento de

135 milhões de dólares, como já estava previsto anteriormente. O pagamento foi feito por

intermédio de uma abertura de crédito da AMFORP para a Eletrobrás sob a forma de

empréstimo que seria pago em 45 anos, com uma taxa de juros de 6,5% ao ano. Em 1965, as

empresas do grupo AMFORP passaram a fazer parte do Sistema Eletrobrás, porém após

poucos anos, em 1968, começou a transferência das companhias de distribuição para os

estados brasileiros que se estendeu até a década de 1970.

A Eletrobrás em seus primeiros anos de vida já se tornou o principal agente do setor

elétrico brasileiro. A primeira medida adotada em prol da empresa foi a transferência do

planejamento do setor elétrico do BNDE para a sua alçada, assim a empresa estatal começou a

coordenar a expansão do setor. Em maio de 1965, um importante marco para a empresa recém

criada e para o setor como um todo foi a inauguração da Usina de Furnas, que era a maior

usina do país e uma das maiores do mundo (DIAS, 1995).

Page 93: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

79

Para Cachapuz (2002) o estabelecimento do período militar trouxe inúmeras mudanças

institucionais para o setor elétrico e favoreceu enormemente o fortalecimento da Eletrobrás e

o papel a ser desempenhado por ela. Em 1965, o Decreto 57.927 delegou importantes funções

à Eletrobrás, entregando à holding a tarefa de coordenar a expansão do sistema da região

Centro-Sul e assim, consolidou o seu papel de agente planejador setorial.

Dispunha aquele decreto que caberia à Eletrobrás coordenar as empresas concessionárias da região no sentido de definir a participação de cada uma na expansão do sistema, sujeitando a concessão do aproveitamento a três pré-condições básicas: a inclusão do projeto no programa de obras prioritárias definido pelo comitê Centro-Sul; a capacidade de absorção pelo sistema da concessionária de energia a ser gerada pelo projeto; e a capacidade de financiamento da concessionária (LIMA, 1995, p.107).

Em 1966 ocorreu um fato importante para o futuro do setor elétrico nacional: foram

estabelecidas algumas premissas com o governo do Paraguai para a construção da usina de

Itaipu. No ano seguinte, uma das empresas integrantes do sistema Eletrobrás, a CHEVAP, foi

incorporada à Furnas, muito em função do sucesso da empresa na construção da usina de

Furnas. Outra função assumida pela holding em seus primeiros anos de existência foi a de

realizar cursos no Brasil e no exterior para treinar a mão de obra especializada do setor.

Embora situada no ápice da hierarquia do setor de energia elétrica desde 1962, a Eletrobrás só começou a desempenhar papel ativo e determinante na formulação dos planos de expansão setorial justamente por volta de 1968. Até então, ela vinha concentrando suas atividades na área econômico-financeira, exercendo basicamente as funções de holding de empresas federais e de principal agente financeiro setorial (CACHAPUZ, 2002, p.26).

Com a criação da Eletrobrás não foram só as empresas federais e a base institucional

do setor que sofreram algumas alterações, as estatais estaduais também tiveram profundas

mudanças organizacionais, como lembra Dias (1988):

Após a constituição da Eletrobrás, o processo de organização de companhias de energia elétrica controladas pelos governos estaduais, em curso desde os anos 50, foi intensificado com a criação de novas empresas coligadas à Eletrobrás, a qual detém um percentual variável, mas sempre inferior a 50%, do capital destas concessionárias. Até 1977, utilizava-se a denominação empresas associadas (DIAS, 1988, p.257).

Quanto à estrutura do setor elétrico, ela sofreu algumas reestruturações até o final da

década de 1960. Em 1965, a Lei 4.904 transformou a Divisão de Águas do Departamento

Nacional de Produção Mineral, no Departamento Nacional de Águas e Energia (DNAE),

diretamente ligada ao Ministério das Minas e Energia. Nessa época, existiam três organismos

Page 94: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

80

com algumas funções superpostas: a Eletrobrás, o DNAE e o Conselho Nacional de Águas e

Energia Elétrica (CNAEE). Alguns anos mais tarde, o CNAEE foi extinto e as suas funções

foram repassadas para o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) que

foi criado em 1968.

Como lembra Lima (1995), a estrutura básica do setor elétrico brasileiro ficou então

dividida entre o DNAEE e a Eletrobrás. Assim, caberia ao primeiro órgão todas as funções

inerentes ao poder concedente da União, como fixar as tarifas de energia elétrica e promover

atos normativos em relação à prestação de serviços de eletricidade, ou seja, era um órgão

normativo e fiscalizador. Já a Eletrobrás assumiu as atividades empresariais do governo

federal, responsável pelo planejamento e execução da política federal para o setor elétrico

brasileiro, isto é, a estatal seria “responsável pela execução das funções de coordenação e

planejamento da expansão e operação do sistema elétrico, da gestão financeira e empresarial e

a articulação do setor com a indústria” (LANDI, 2006, p.74).

Como é salientado por Faria (2003) e Souza (2002), por mais que o setor elétrico

brasileiro tenha se transformado nessa época em um setor predominantemente estatal, outras

oportunidades foram surgindo para o setor privado nacional e estrangeiro relacionadas com as

atividades do setor elétrico, devido à grande demanda pelas obras e serviços de engenharia

que eram contratados. Assim, grandes firmas empreiteiras e empresas fabricantes de materiais

e equipamentos foram se organizando no país, contribuindo para o desenvolvimento de toda a

cadeia de produção da indústria elétrica. A expansão do setor elétrico contribuiu para o

aumento da demanda por bens intermediários, para a construção civil e para as indústrias de

bens de capital (LORENZO, 2002).

3.2 - O PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA ELETROBRÁS (1967-1973)

Em seus primeiros anos, a Eletrobrás já tomou um lugar de destaque no setor elétrico,

realizando a revisão de estudos do CANAMBRA, coordenando estudos nas regiões Norte e

Nordeste do país e ampliando a sua área de atuação com a criação de mais duas subsidiárias

regionais, a Eletrosul e a Eletronorte. Assim, ao longo da década de 1970 a Eletrobrás já tinha

um papel fundamental no setor elétrico realizando atividades de planejamento, financiamento,

coordenação e supervisão das atividades do setor, auxiliando as concessionárias através do

Page 95: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

81

treinamento profissional da mão de obra e o do relacionamento com a indústria fornecedora

de materiais e equipamentos para as atividades do setor elétrico.

3.2.1 - A Revisão das Recomendações do CANAMBRA e os Estudos Energéticos do

Norte e do Nordeste do País

Uma das primeiras missões dada à Eletrobrás foi de assumir a responsabilidade de

rever alguns estudos realizados pelo Consórcio CANAMBRA. Em julho de 1968, o Banco

Mundial24 solicitou que a estatal fizesse um novo estudo sobre o mercado da região Sudeste

para que fosse revisto algumas projeções realizadas pelo CANAMBRA. A primeira revisão

feita pela Eletrobrás ocorreu no ano seguinte, onde foram apresentadas ao Banco Mundial

novas projeções para o mercado na região Sudeste do país e aconselhado a alteração de

algumas obras recomendadas pelo Consórcio.

Assumida a responsabilidade da realização de novos estudos de mercado, a Eletrobrás

formou um grupo de trabalho reunindo técnicos da empresa, de Furnas, CEMIG e CESP,

empregados de várias empresas de consultoria, além do auxílio de alguns órgãos

governamentais, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Ministério do

Planejamento. O trabalho realizado por esse grupo ficou conhecido como Power Market Study

and Forecast – South Central Brazil (PMS & F), tendo como objetivo central, fazer uma

previsão das condições de suprimento de energia elétrica para os estados da região Sudeste,

além do Distrito Federal e algumas localidades de Goiás e Mato Grosso, tendo como

horizonte de análise, o ano de 1985.

Além de subsidiar as negociações com o Banco Mundial para o financiamento de novas obras de geração na Região Sudeste, o PMS & F contribuiu para o estabelecimento de uma metodologia de estudo de mercado mais consentânea com as características dos sistemas de energia elétrica brasileiros e o estágio de desenvolvimento do país. Com base nessa metodologia, a Eletrobrás implantou esquema de acompanhamento da evolução do mercado das principais concessionárias do país, visando detectar as diferenças entre as projeções e o consumo verificado, suas causas e possíveis repercussões (CACHAPUZ, 2002, p.58).

Em 1971, a Eletrobrás decidiu realizar novos estudos sobre o mercado consumidor de

energia elétrica, alterando o trabalho entregue pelo PMS & F em 1969, devido o país ter 24 O Banco Mundial solicitou essa revisão nas projeções realizadas pelo CANAMBRA para subsidiar as negociações de novas linhas de financiamento para obras de geração.

Page 96: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

82

apresentado um quadro de crescimento econômico maior do que as premissas do estudo

anterior. Novamente o trabalho foi realizado no âmbito da Diretoria de Planejamento e

Engenharia da Eletrobrás e contou com a presença de técnicos das empresas do setor. Os

estudos foram concluídos no ano seguinte e foram apresentados no relatório chamado de

Revisão do Balanço Energético 1972-1985 (RBE-72) da região Sudeste do Brasil, onde foi

feita uma avaliação do mercado de energia elétrica até o ano de 1985. Algumas alterações

foram feitas na programação dos investimentos que deveriam ser realizados, como a exclusão

de quinze projetos de geração, a maioria de pequeno porte25 propostos pelo CANAMBRA, a

alteração na capacidade de alguns projetos e a inclusão de três novas hidrelétricas.

Outro importante fato do final da década de 1960 foi a criação do Orçamento

Plurianual do Setor de Energia Elétrica (OPE) que passou a ser elaborado anualmente pela

Eletrobrás, através da coleta de informações junto às concessionárias e às agências de

desenvolvimento, utilizando os dados dos três anos passados e projetando os cinco próximos

anos. O OPE foi uma importante ferramenta de planejamento e programação dos

investimentos no setor elétrico, e por intermédio dele, a Eletrobrás teve meios de realizar uma

seleção dos projetos que teriam a sua ajuda técnica e financeira. Com a realização do OPE

também foi possível coletar informações sobre os equipamentos e materiais que seriam

necessários à expansão da capacidade de geração de energia elétrica, e assim, as empresas

produtoras dessas mercadorias seriam capazes de realizar um melhor planejamento de suas

atividades. “Embora voltado basicamente para as questões orçamentárias, o OPE se converteu

num importante instrumento de planejamento, ao fornecer dados de grande utilidade para as

indústrias de equipamentos e de material elétrico e para as firmas de engenharia” (DIAS,

1988, p.210).

Ainda no final da década de 1960, a Eletrobrás foi a coordenadora dos estudos

realizados nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Os Estudos Energéticos da Amazônia

foram iniciados em 1969 com a participação de empresas de consultoria brasileiras e a

supervisão de um comitê criado no âmbito do Ministério das Minas e Energia, o Comitê

Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia, que ficou conhecido como ENERAM.

Esse Comitê era presidido pelo diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobrás e tinha

como um dos seus objetivos examinar as soluções técnicas apresentadas pelas consultorias

contratadas. Os estudos foram realizados na Amazônia entre 1969 e 1971 e tinham como 25 O RBE-72 privilegiava projetos de construção de hidrelétricas de grande porte.

Page 97: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

83

horizonte o ano de 1985, sendo um trabalho pioneiro de mapeamento do potencial energético

da região.

Com relação ao estudo da região Nordeste, ele foi iniciado em 1970 e teve a

supervisão do recém criado Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Região Nordeste

– ENENORDE - que também teve como horizonte de tempo, o atendimento ao consumo de

energia elétrica até o ano de 1985 e a presidência do diretor de Planejamento e Engenharia da

Eletrobrás. O estudo de mercado de energia contou com a presença de técnicos da Eletrobrás,

CHESF, COHEBE e de técnicos das empresas de distribuição da região. O objetivo dos

estudos que foram concluídos em 1973, era fazer um levantamento do potencial hidrelétrico

da região, a sua viabilidade técnico-financeira e a definição de um plano de ampliação dos

sistemas já em operação. Antes da criação da ENENORDE, a CHESF tinha autonomia para

executar o planejamento da expansão do sistema elétrico da região Nordeste e segundo

Cachapuz (2002), a criação desse Comitê serviu para que o planejamento da ampliação do

sistema passasse para o âmbito da Eletrobrás.

3.2.2 - A Criação da Eletronorte, da Eletrosul e da Itaipu Binacional

Entre os anos 1967-1973, a Eletrobrás ampliou a sua presença nos investimentos do

setor elétrico com a criação de duas novas empresas regionais controladas pela holding, a

Centrais Elétricas do Sul do Brasil - Eletrosul e a Centrais Elétricas do Norte do Brasil -

Eletronorte. A primeira foi constituída em dezembro de 1968, tendo “incorporado as usinas de

geração térmica sob controle federal no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina” (LEITE,

2007, p.149), porém só teve a sua autorização para atuar em abril do ano seguinte através do

Decreto 64.395, que também lhe concedeu a finalização da construção da hidrelétrica de

Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. A Eletrosul tinha como principal objetivo planejar e

construir sistemas elétricos de grande porte26 na região Sul do país que desse condições para

que a região continuasse a expansão das suas atividades e o desenvolvimento dos estados. Em

1971, foi incorporada à Eletrosul a Termelétrica de Charqueadas S.A., que tinha uma usina

que utilizava carvão para a produção de energia elétrica, assim como no ano seguinte, mais

duas empresas foram incorporadas à estrutura da Eletrosul, a Termoelétrica de Alegrete S.A. e

26 As usinas de grande porte serviriam para atender aos interesses de toda a região Sul, e não apenas interesses de cada estado separadamente.

Page 98: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

84

a Sociedade Termoelétrica de Capivari S.A., tornando a geração por meio de termelétricas

uma importante atividade para a empresa.

A Eletronorte surgiu como um desdobramento natural da conclusão dos estudos na

região Amazônica do Brasil, o ENERAM e foi criada pela Lei 5.824 de 1972 (A ENERGIA,

1977). A empresa foi a última das quatro empresas de âmbito regionais subsidiárias da

Eletrobrás a ser constituída, e teve destinado 10% da arrecadação do Empréstimo Compulsório

para a subscrição da nova empresa. A criação da Eletronorte também tinha uma grande relação

com o projeto da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, que seria a maior hidrelétrica

totalmente brasileira, e com a idéia de se desenvolver pólos industriais na região Norte. Ao

contrário da Eletrosul, a Eletronorte “era uma empresa cujas atividades se iniciavam sem

capacidade de geração de energia e com obras a serem definidas” (LEITE, 2007, p.149).

Na mesma lei que criou a Eletronorte ocorreu uma importante alteração na destinação

dos recursos do Empréstimo Compulsório que ajudou a Eletrobrás a destinar vultosos recursos

para as suas subsidiárias regionais. Até então, metade dos recursos do Empréstimo deveria ser

aplicado pela Eletrobrás no mesmo estado onde aconteceu a arrecadação. Essa nova lei alterou

esse dispositivo, destinando a maior parte dos recursos do Compulsório para investimentos em

usinas e sistemas de transmissão de caráter regional.

Entre as mudanças que ocorreram no início da década de 1970, o acordo sobre a

hidrelétrica de Itaipu e todo o desdobramento da entrada em operação da maior usina

hidrelétrica do mundo foi o maior marco. Como já foi dito na seção anterior, no ano de 1966

foram estabelecidas algumas premissas com o governo paraguaio para a construção de Itaipu.

De acordo com Cachapuz (2002), no ano seguinte foi criada uma comissão técnica mista

Brasil-Paraguai e em 1970 foi assinado um acordo de cooperação entre a Eletrobrás e a

empresa estatal paraguaia, Administración Nacional de Electricidad (ANDE). Diversos

estudos foram realizados e algumas alternativas foram levadas em consideração até que se

chegasse a um resultado final, a construção de uma grande barragem no rio Paraná, na divisa

entre os dois países.

Em 26 de abril de 1973, foi assinado o Tratado de Itaipu que definiu a criação de uma

empresa binacional que seria a responsável pela construção e operação da usina de Itaipu que

teria uma potência instalada de 12.600 MW (LANDI, 2006). No tratado também ficou

determinado que os dois países teriam direito a 50% da energia produzida e que um dos países

Page 99: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

85

poderia adquirir a energia elétrica sobressalente que não fosse utilizada no outro país. Foi

criada a Itaipu Binacional que tinha o seu capital dividido em partes iguais entre a Eletrobrás e

a ANDE.

Devido as grandes proporções do empreendimento e da eletricidade que seria gerada

quando Itaipu estivesse em operação, foi necessária a promulgação de uma lei que

determinasse o escoamento da energia produzida pela hidrelétrica. A Lei 5.899 de julho de

1973, que ficou conhecida como Lei de Itaipu, estabelecia que Furnas e Eletrosul adquirissem

toda a energia destinada ao Brasil proveniente de Itaipu, e que as empresas que atuavam nas

áreas a serem servidas pela hidrelétrica teriam que planejar a expansão das suas atividades já

prevendo a completa absorção da energia produzida por Itaipu. Essa lei ainda reforçou a

função coordenadora da Eletrobrás no planejamento do setor elétrico brasileiro, pois ela

desenvolveria atribuições técnicas, administrativas e financeiras, além da orientação quanto

aos novos investimentos do setor.

A construção da Usina de Itaipu foi um marco efetivo no desenvolvimento do setor elétrico. A lei de Itaipu de 1973, delegou enorme poder à Eletrobrás. Ao estabelecer prioridade para a obra, definia o quanto cada empresa deveria adquirir de energia elétrica quando a construção tivesse terminado. Até a lei de Itaipu eram negociados diretamente entre as empresas supridoras e distribuidoras. A lei de Itaipu muda esta prática. Impõe uma subordinação de todas supridoras aos interesses de Itaipu. Assim o DNAEE e a Eletrobrás passam a agir cartorialmente com relação as vendas de energia elétrica e com relação a concessão de novas vendas (LORENZO, 2002, p.11).

3.2.3 - O Início da Cooperação entre as Empresas do Setor Elétrico e as Mudanças nas

Fontes de Financiamento

Com a integração de Itaipu ao sistema elétrico brasileiro, ficava clara a necessidade da

coordenação operacional do setor. A Lei 5.89927 criou os Grupos Coordenadores para

Operação Interligada (GCOI) que atuariam no lugar dos Comitês Coordenadores da Operação

Interligada (CGOI), que tinham sido criados em 1969 na região Sudeste e em 1971 na região

Sul. Os GCOIs eram compostos por representantes das empresas do setor elétrico, além do

DNAEE e da Eletrobrás - que tinha como determinação dessa lei, o direito de liderar esses

Grupos em caráter permanente. Os GCOIs tinham “atribuições de coordenar, decidir ou

encaminhar as providências necessárias ao uso racional das instalações geradoras e de

27 Regulamentada pelo Decreto 73.102 de novembro de 1973.

Page 100: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

86

transmissão, existentes e futuras, nos sistemas elétricos interligados das regiões Sudeste e Sul”

(DIAS, 1988, p.211). A Lei de Itaipu dividiu o país em quatro regiões e cada uma estaria sobre

a influência de uma das quatro subsidiárias regionais da Eletrobrás: Furnas, CHESF, Eletrosul

e Eletronorte.

A criação dos CGOIs e posteriormente os GCOIs permitiu uma maior cooperação entre

as empresas do sistema elétrico brasileiro, possibilitando a troca de informações e dados entre

as empresas. A Eletrobrás teve um papel importante dentro do GCOI, pois era vista como uma

empresa que não tinha interesses comerciais diretos, portanto, exercia uma liderança mais

neutra nas discussões sobre o planejamento do setor. Na verdade, como escreveu Cachapuz

(2002), a opção brasileira em se utilizar os recursos hídricos para a geração de energia elétrica

requeria um amplo planejamento das atividades do setor, pois esse tipo de empreendimento

necessita de vultosos investimentos e gera uma grande quantidade de eletricidade, além de

demorar alguns anos para começar a operar. Assim, a centralização institucional em torno da

esfera federal que ocorreu durante o período militar entre 1967-1973 e o rápido crescimento do

PIB alcançado nessa época, fizeram com que a importância da Eletrobrás no planejamento do

setor elétrico aumentasse muito.

A responsabilidade central do planejamento cabe à Eletrobrás que, junto com o DNAEE, coordena os programas de investimento das empresas do setor e realiza os estudos necessários para definição das obras, de forma a compatibilizar os investimentos com as diretrizes de política energética emanadas do Ministério das Minas e Energia e com a política econômico-financeira do Governo em geral (A ENERGIA, 1977, p.163).

A Conta de Consumo de Combustível (CCC) foi criada nessa época através do

Decreto 73.102 de novembro de 1973 e ainda vigora até hoje, com algumas alterações

realizadas ao longo dos anos. O objetivo da implantação da CCC era utilizar ao máximo a

capacidade de geração hidráulica no país, e com isso, restringir a operação das termelétricas

ao máximo possível, apenas operando na complementação do sistema de geração. Dessa

forma, foi criada uma conta (CCC) com os depósitos sendo rateados pelas empresas do

sistema interligado para cobrir os custos da utilização de combustíveis nas usinas

termelétricas, então, ficaria a cargo dos recém criados GCOIs o comando das operações das

termelétricas no país.

De acordo com Pinto Jr. (2007) e Leite (2007), entre os anos 1967-1973 ocorreu a

transferência para os governos estaduais dos ativos de posse da União que tinham sido

Page 101: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

87

adquiridos da AMFORP e que até aquele momento estavam sobre o controle da Eletrobrás.

Para Pinto Jr. (2007), essa transferência de ativos seguia a lógica de manter a atuação do Grupo

Eletrobrás apenas na geração e na interconexão regional e nacional, além de tentar evitar que

as concessionárias estaduais continuassem a construir o seu próprio sistema de geração. Ou

seja, as quatro subsidiárias de âmbito regional da Eletrobrás construiriam e operariam os

grandes empreendimentos de geração e transmissão, deixando a cargo das empresas estaduais,

a atuação principalmente na área de distribuição. Cachapuz (2002) lembra que a Eletrobrás por

meio da CHESF e da Eletrosul, também realizou transferências de linhas de transmissão

secundárias em 69 kV para as empresas estaduais de suas respectivas regiões de atuação.

Esse processo de transferência foi caracterizado por uma negociação difícil, cheia de conflitos entre os interesses regionais e federais, denotando que a questão regional permanecia sendo um traço marcante da indústria elétrica nacional, apesar dos esforços para a construção de uma coordenação nacional do setor (PINTO JR., 2007, p.214).

Ao longo da década de 1970, a Eletrobrás teve aumentada a sua atuação e importância

no setor elétrico brasileiro, tendo como atividades o planejamento, financiamento, coordenação

e supervisão em todas as atividades do setor, procurando desenvolver globalmente todo o

sistema elétrico brasileiro.

A Eletrobrás auxilia os concessionários (com assistência de coordenação e engenharia, serviços jurídicos, administração e assistência do pessoal e organização e métodos), além de atuar em faixas específicas como o relacionamento com a indústria nacional, pesquisa científica e tecnológica de energia elétrica, formação profissional, convênios e ligações internacionais, e ainda em assistência social e de preservação ecológica quando necessário (A ENERGIA, 1977, p.114).

Em relação a formação profissional de técnicos para o setor elétrico, a Eletrobrás

intensificou a partir da década de 1970 o treinamento28 desses técnicos. No final de 1971, a

Eletrobrás criou o Fundo de Desenvolvimento Tecnológico destinando 0,5% do seu lucro

líquido para essas atividades. Uma parte dessa verba era gasta em programas de treinamento e

aperfeiçoamento da mão de obra especializada do setor, além de contribuições às instituições

de ensino superior. A Eletrobrás promoveu inicialmente durante a década de 1970, convênios

com universidades americanas que realizavam cursos nas áreas de interesse para o setor, e

posteriormente, alguns desses cursos foram trazidos para o Brasil.

28 Essa atribuição está escrita no estatuto que criou a Eletrobrás.

Page 102: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

88

O financiamento do setor elétrico durante os anos do “milagre econômico” teve

algumas significantes alterações, ampliando o nível de recursos para investimentos setoriais.

A Lei 5.655 de 1971 determinou a elevação da taxa de remuneração do investimento,

passando de 10 para 12% (LANDI, 2006), e a redução progressiva da alíquota do imposto de

renda sobre os lucros das empresas, 17% para 6% (MELLO, 2008), além da transferência para

a Eletrobrás29 do recolhimento dos recursos da Reserva Global de Reversão (RGR), criada em

1957, que antes ficava a cargo da própria empresa concessionária para financiamento do seu

programa de investimento. A RGR era formada por “quotas anuais de 3% do valor dos bens e

instalações em serviço – BIS que, direta ou indiretamente, contribuíssem para a geração,

transmissão e distribuição de energia elétrica” (FARIA, 2003, p.18) e seria usada para cobrir

indenizações, encampação de serviços públicos e para empréstimos às empresas

concessionárias para a expansão das suas atividades.

Outra fonte de financiamento do setor elétrico brasileiro era o Empréstimo

Compulsório (EC), que deveria acabar em 1968, mas que foi prorrogado pelo Decreto-Lei 644

em 1969, para mais dez anos, aumentando o prazo de resgate dos títulos de 10 para 20 anos e

a redução da taxa de juros desses títulos de 12 para 6% ao ano. “Ademais, o referido decreto-

lei introduziu acentuada elevação da incidência do IUEE sobre o consumo residencial e

transferiu praticamente toda a carga sobre o consumo industrial para o EC” (LIMA, 1995,

p.103). Segundo esse autor, o EC não foi extinto em 1968 conforme previa a lei que lhe criou,

porque naquele ano, cerca de 45% das aplicações da Eletrobrás vinha de recursos dessa fonte.

A fonte interna de financiamento das empresas do setor elétrico também foi favorecida

entre 1967 e 1973, pois os reajustes tarifários na média foram maiores do que a inflação

anual. Para finalizar as formas de financiamento do setor, os empréstimos extra-setoriais

contraídos no mercado internacional subiram a sua importância nesse período, enquanto as

captações no mercado interno foram reduzindo de importância. Na tabela abaixo pode ser

vista a participação de cada forma de financiamento entre os anos de 1967-1973 no setor

elétrico brasileiro.

29 A Eletrobrás seria a titular dos recursos da RGR.

Page 103: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

89

Tabela 3.1. - Evolução da Estrutura de Recursos do Setor de Energia Elétrica – 1967-1973

PARTICIPAÇÃO (%) ESPECIFICAÇÃO 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973

A - RECURSOS SETORIAIS 42,1 41,4 38,4 44,0 45,3 51,7 54,3 1 - PRÓPRIOS 34,0 33,5 30,0 33,6 33,7 42,8 44,9 1.1 IUEE 5,0 6,4 6,7 6,6 8,2 9,5 10,5 1.2 Geração Interna 24,6 21,9 18,8 24,9 21,6 24,2 25,4 1.3 RGR - - - - - - - 1.4 Outros 4,4 5,2 4,6 2,1 3,9 0,6 (1,5) 2 - DE TERCEIROS 8,1 7,9 8,3 10,4 11,6 8,9 9,4 2.1 - Empréstimo Compulsório 8,1 7,9 8,3 10,4 11,6 8,9 9,4 2.2 - Outros - - - - - - -

B - RECURSOS EXTRA-SETORIAIS 57,9 58,6 61,6 56,0 54,7 48,3 45,7

1 - PRÓPRIOS 31,9 32,3 29,1 23,4 22,3 21,3 20,3 1.1 - Governo Federal 8,0 6,9 6,8 6,2 6,9 6,3 6,8 1.2 - Governos Estaduais 23,3 23,6 18,7 15,0 12,6 9,9 13,1 1.3 - Governos Municipais - 0,1 0,4 0,3 0,1 0,2 0,1 1.4 - Outros 0,6 1,7 3,2 1,9 2,7 4,8 0,3 2 - DE TERCEIROS 26,0 26,3 32,5 32,6 32,4 27,1 25,4 2.1 - Emp. e Financ. no país 13,0 13,9 15,3 15,3 13,5 4,1 6,5 2.1 - Resolução 63 - 0,7 2,7 1,1 0,1 - 0,1 2.3 - Emp. e Financ. No Exterior 13,0 11,7 14,5 16,2 18,8 23,0 18,8 C - TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Eletrobrás. Setor de Energia Elétrica: fontes e usos de recursos, série retrospectiva 1967/1977, apud DIAS, 1988. p.218.

Os investimentos realizados pelas empresas do setor elétrico no período analisado

passaram de 14% ao ano, tendo uma grande contribuição nos investimentos totais da

economia brasileira e no crescimento do PIB do país. A capacidade instalada passou de 8.042

MW em 1967 para 15.354 MW em 1973, um crescimento de aproximadamente 91% e uma

média de 1.220 MW adicionados a capacidade de geração elétrica anualmente.

Não se pode deixar de destacar o sucesso obtido pelo setor elétrico brasileiro até metade dos anos 70, quando houve grande ampliação da capacidade produtiva que possibilitou, além de sustentar acelerado processo de crescimento econômico criar ampla capacitação nacional na área de engenharia de projetos, consultorias e construção de usinas hidrelétricas, que se revelou altamente competitiva ao conseguir contratos até no exterior (LORENZO, 2002, p.11).

Page 104: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

90

Tabela 3.2. - Evolução da Capacidade Instalada (1967-1973)

Total Hidráulica Térmica1967 8.042 5.787 2.2551968 8.555 6.183 2.3721969 10.262 7.857 2.4051970 11.233 8.828 2.4051971 12.670 10.244 4.4261972 13.249 10.721 2.5281973 15.324 12.495 2.859

Capacidade (em MW)Ano

Fonte: IBGE. Estatísticas Históricas do Brasil, v. 3, apud LIMA, 1995. p.144.

3.3 - DESENVOLVENDO O SETOR ELÉTRICO (1974-1979)

A expansão do setor elétrico brasileiro prosseguiu durante a segunda metade da década

de 1970 sob a influência da estratégia adotada durante o II Plano Nacional de

Desenvolvimento (II PND), criado no governo Geisel, que tinha como principal objetivo a

manutenção do forte ritmo de crescimento econômico alcançado durante o período do

“milagre”. Apesar da crise mundial devido ao aumento do preço do petróleo no mercado

internacional, o governo brasileiro ao invés de fazer ajustes na demanda agregada para

preservar o equilíbrio no Balanço de Pagamentos, adotou um amplo programa de

investimentos voltados para a manutenção das taxas de crescimento dos anos anteriores. A

intenção era melhorar a infra-estrutura e desenvolver a produção de insumos básicos, como o

petróleo, o aço e a energia elétrica, além de gerar demanda para a produção local de bens de

capital.

3.3.1 - Os Investimentos da Eletrobrás e a Articulação com a Indústria Fornecedora

Nacional de Materiais e Equipamentos

Para o setor elétrico, o governo reservou um amplo volume de investimentos

principalmente na expansão da capacidade de gerar energia elétrica em grandes

empreendimentos, como as usinas de Itaipu e Tucuruí. Os investimentos do setor cresceram a

taxas médias anuais maiores de 10% até o ano de 1978, assim como a sua capacidade

instalada, que passou de 15.324 MW em 1973 para 27.970 MW em 1979.

Page 105: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

91

Durante a década de 70, devido à própria orientação do governo federal de centralizar

a administração pública, os investimentos da Eletrobrás e das empresas controladas pela

holding ultrapassaram os investimentos das empresas coligadas do setor elétrico (LIMA,

1995), ou seja, empresas que a Eletrobrás detinha uma participação minoritária. Essa relação

pode ser vista a seguir na tabela 3.3.

Tabela 3.3. - Composição dos Investimentos do Setor de Energia Elétrica, por Categoria de Concessionária (1974-1980)

Ano Controladas (%) Itaipu (%) Coligadas (%) Total

1974 32,0 0,6 67,4 100,01975 35,2 6,2 58,6 100,01976 38,3 10,2 51,5 100,01977 40,6 13,6 45,8 100,01978 38,4 17,4 44,2 100,01979 50,8 16,7 32,5 100,01980 48,7 20,7 30,6 100,0

Fonte: Eletrobrás, DPE, Boletim de Planejamento, apud LIMA, 1995. p.128.

A usina de Itaipu era estratégica para as ambições do II PND, pois se tratava de um

grande e complexo empreendimento envolvendo dois países cujas, negociações já se

arrastavam por alguns anos. Embora um consórcio formado por uma empresa norte-americana

(IECO) e uma italiana (ELC) tenha sido o vencedor da licitação internacional em 1970 para a

realização do projeto de obras, somente após quatro anos foi criada a entidade Itaipu

Binacional, que teria o objetivo de acompanhar as obras do empreendimento (LANDI, 2006).

As obras que eram inicialmente orçadas em 10,3 bilhões de dólares foram começadas no ano

seguinte, em 1975, com recursos obtidos pela Eletrobrás que abriu uma linha de crédito de 3,5

bilhões30 de dólares para a Itaipu Binacional. Apenas em maio de 1984, nove anos após o

começo das obras, teve início a operação da primeira máquina da usina, sendo instalada após

essa data, de duas a três máquinas por ano (GONÇALVES JR., 2002).

Os impressionantes números da capacidade de Itaipu e toda a complexidade da

transmissão dessa energia para os centros consumidores, aliada ao problema do Balanço de

Pagamentos e a limitada capacidade de importar da economia brasileira, fizeram com que

fosse incentivado o desenvolvimento de toda uma cadeia de fornecedores nacionais de

materiais e equipamentos para o setor elétrico.

30 Esse empréstimo era o maior já concedido até então no Brasil.

Page 106: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

92

Para A Energia (1977), a Eletrobrás desde quando foi criada se transformou em um

dos mais importantes agentes para o desenvolvimento da indústria nacional de equipamentos

e materiais, além da indústria de bens de capital sob encomenda. A Eletrobrás queria

aumentar o índice de nacionalização dos equipamentos do setor elétrico e com isso, reduzir a

dependência dos produtos importados. A estatal realizou entre os anos 1974-79 seminários e

reuniões com as empresas fornecedoras de equipamentos do setor para se discutir a melhor

forma de atender a crescente demanda por aqueles produtos. Em conjunto com essas

empresas, a Eletrobrás realizou estudos sobre as necessidades futuras de equipamentos para o

setor elétrico, com intuito de gerar um melhor planejamento da produção e dos investimentos

por parte das empresas fornecedoras. A holding também vinha realizando melhoramentos em

métodos e critérios de aperfeiçoamento da qualidade dos equipamentos para uso no setor

elétrico, a fim de que eles pudessem concorrer em igualdade de condições com os

equipamentos importados.

Durante os anos do II PND, os investimentos da Eletrobrás junto com as demais

empresas estatais foram utilizados como demanda para o desenvolvimento do setor nacional

de bens de capitais. O Decreto Lei 76.408 de 1975 criou os Núcleos de Articulação com a

Indústria (NAI) que teve a Eletrobrás como coordenadora de trabalhos nesses núcleos. Um

dos estudos realizados era para se saber por que alguns produtos importados não eram

produzidos no Brasil e as formas de se mudar esse quadro. Entre 1974 e 1979 as empresas do

Sistema Eletrobrás aumentaram de 64% para 76% o índice da nacionalização das suas

compras, porém essa tendência crescente foi revertida na década de 1980 com o aumento dos

empréstimos externos que em sua maioria tinha alguma contrapartida - a Eletrobrás era

obrigada por meio do acordo de empréstimo, a comprar uma parte dos equipamentos no

exterior.

A evolução do setor de energia elétrica nos últimos 25 anos também foi marcada pela conquista da auto-suficiência na engenharia de projetos e construção de hidrelétricas. Com efeito, os programas setoriais de expansão da capacidade geradora, pontificados por obras de grande porte como Itumbiara, Tucuruí e Itaipu, contaram com a colaboração decisiva e quase integral das empresas nacionais de construção civil e de engenharia de projetos (Engineering) (DIAS, 1988, p.286).

Page 107: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

93

3.3.2 - As Novas Mudanças na Fonte de Recursos do Setor Elétrico

O modelo de financiamento do setor elétrico foi sendo radicalmente alterado durante a

metade da década de 1970 e na década seguinte. A primeira alteração no padrão de

financiamento do setor veio em 1974 com a criação da Reserva Global de Garantia (RGG),

através do Decreto Lei 1.383. O objetivo era a equalização da tarifa de energia elétrica em

todo o Brasil, que seria alcançado por meio de uma transferência de recursos por meio da

RGG entre as empresas superavitárias para empresas deficitárias, de forma que cada empresa

tivesse uma remuneração próxima da média do setor (LIMA, 1995), e “com isso, pretendia-se

viabilizar os sistemas de fornecimento de energia elétrica em regiões mais distantes dos

centros consumidores, onde o custo do serviço era mais alto” (LANDI, 2006, p.80). A RGG

era arrecadada em cima de 2% sobre o imobilizado reversível, da mesma forma que a RGR, e

era depositada em uma conta da Eletrobrás, que só tinha o direito de mexer nessa conta com a

autorização do DNAEE. Para Souza (2002), a instituição da RGG trouxe prejuízos para o

setor elétrico como um todo, pois penalizou as empresas mais eficientes e com menores

custos, beneficiando as menos eficientes, e assim essas últimas não teriam incentivos para

melhorarem a sua eficiência operacional.

A geração interna de recursos durante os anos do II PND foi prejudicada devido à

aplicação de uma norma do Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), no início de

1975, que restringia os reajustes das tarifas de energia elétrica. Então a partir desse ano, o

valor da tarifa de eletricidade começou a sofrer uma queda significativa, diminuindo a

geração interna de caixa pelas empresas concessionárias, resultado decorrente da política do II

PND em relação aos preços dos serviços públicos administrados, que “pretendia conter os

índices inflacionários ou, no mínimo, retardar sua explosão” (LORENZO, 2002, p.12). Em

1974, a geração interna de recursos contribuiu com 22,9% do total de recursos disponíveis

pelas empresas do setor elétrico, sendo reduzida em 1978 para 13,8%, como pode ser

observado na tabela a seguir.

Tabela 3.4. - Evolução da Estrutura de Recursos do Setor de Energia Elétrica - 1974-1979

PARTICIPAÇÃO (%) ESPECIFICAÇÃO

1974 1975 1976 1977 1978 1979

A - RECURSOS SETORIAIS 51,1 44,7 45,0 41,6 36,4 31,8

1 - PRÓPRIOS 42,7 37,2 7,0 35,3 28,0 24,2

Page 108: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

94

1.1 IUEE 9,7 7,6 7,2 7,1 6,0 4,8

1.2 Geração Interna 22,9 19,8 16,9 18,3 13,8 17,4

1.3 RGR 9,9 8,5 10,1 9,1 8,3 6,7

1.4 Outros 0,2 1,3 2,8 0,8 (0,1) (4,7)

2 - DE TERCEIROS 8,4 7,5 8,0 6,3 8,4 7,6

2.1 - Empréstimo Compulsório 8,4 7,2 7,7 6,4 6,5 5,8

2.2 - Outros - 0,3 0,3 (0,1) 1,9 1,8

B - RECURSOS EXTRA-SETORIAIS 48,9 55,3 55,0 58,4 63,6 68,2

1 - PRÓPRIOS 19,7 21,7 14,7 10,5 10,2 6,1

1.1 - Governo Federal 8,8 8,0 6,4 3,3 4,1 3,1

1.2 - Governos Estaduais 9,9 10,3 7,8 6,6 5,9 2,9

1.3 - Governos Municipais 0,1 - - 0,1 0,2 0,1

1.4 - Outros 0,9 3,4 0,5 0,5 - -

2 - DE TERCEIROS 29,2 33,6 40,3 47,9 53,4 62,1

2.1 - Emp. e Financ. no país 10,0 13,3 22,8 17,3 20,5 30,1

2.1 - Resolução 63 0,5 0,7 1,3 2,8 1,4 3,0

2.3 - Emp. e Financ. No Exterior 18,7 19,6 16,2 27,8 31,5 29,0 C - TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Eletrobrás. Setor de Energia Elétrica: fontes e usos de recursos, série retrospectiva 1967/1977 e 1978/1979, apud DIAS, 1988. p.225.

Além da queda da tarifa real, o setor elétrico também perdeu recursos com a

desvinculação dos recursos setoriais que foi realizada pela coordenação do II PND, visando

uma maior liberdade orçamentária. Os recursos de alguns fundos setoriais como o da

cobrança sobre combustíveis que estava vinculado ao DNER31 e a parte federal do IUEE que

era transferida para a Eletrobrás, passaram a integrar o Fundo Nacional de Desenvolvimento

(FND), reduzindo os recursos a serem aplicados no setor elétrico.

Como os recursos setoriais foram progressivamente sendo reduzidos, as empresas do

setor elétrico tiveram que buscar outro tipo de recursos para conseguirem realizar os grandes

empreendimentos projetados pelo II PND. A saída encontrada foi aumentar os recursos extra-

setoriais através do aumento dos empréstimos e financiamentos de origem interna e

estrangeira que aumentaram consideravelmente as suas participações no total de recursos do

setor elétrico brasileiro. “Dessa forma, os investimentos do setor puderam ainda crescer

intensamente por algum tempo” (FARIA, 2003, p.25). A captação de recursos no exterior foi

incentivada pelo governo federal que precisava desse capital para equilibrar o Balanço de

31 Departamento Nacional de Estradas e Rodagens.

Page 109: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

95

Pagamentos que já estava em dificuldades devido ao aumento do preço do petróleo no

mercado internacional.

A grande liquidez de capital no mercado externo durante a segunda metade da década

de 1970 facilitou as captações de recursos pelas empresas do setor, porém com o aumento das

taxas de juros no final da década, cresceu espantosamente o montante a ser pago como serviço

da dívida por essas empresas. A queda em termos reais das tarifas e a diminuição dos recursos

setoriais, somados ao exponencial aumento da dívida das empresas do Sistema Eletrobrás e

das demais empresas do setor elétrico em geral, levaram a crise do setor na década seguinte

(MELLO, 2008).

De qualquer modo, pode-se concluir que, de 1964, com a criação da Eletrobrás, até 1979, o setor elétrico brasileiro viveu seu grande período de expansão, cabendo ao Estado a tarefa de indutor e formulador das políticas do setor, consolidando sua posição de agente principal. Esse comportamento permitiu a expansão da capacidade instalada de energia elétrica, em 1979, para 27.970 MW, configurando um aumento de 82,5% em apenas seis anos, tendo como base o ano de 1973 (LANDI, 2006, p.87).

3.3.3 - O Planejamento sob a Liderança da Eletrobrás

O planejamento também foi marcante durante toda a segunda metade da década de

1970, sempre tendo a Eletrobrás na liderança desse processo. Em 1974 foi elaborado o

primeiro plano de expansão de longo prazo do setor elétrico, o Plano 90 (GONÇALVES JR.,

2002). O objetivo desse plano foi projetar a expansão dos sistemas interligados das regiões

Sul e Sudeste até o ano de 1990, obedecendo ao que foi determinado pela Lei de Itaipu. Esse

plano foi coordenado pela Diretoria de Planejamento e Engenharia da Eletrobrás com a

colaboração das áreas de planejamento de algumas importantes empresas do setor elétrico e

de algumas entidades públicas. O Plano 90 tinha como premissa as diretrizes de crescimento

econômico otimistas do II PND, de 10% ao ano entre os anos de 1974 e 1979. Depois desse

ano, foram projetados dois cenários para o crescimento do PIB até 1990, um otimista

prevendo um crescimento médio de 11% ao ano e um pessimista, onde o crescimento

apresentaria taxas próximas a 8% anuais.

O Plano 90 concluiu que para atender a demanda por energia elétrica projetada até o

ano de 1990, era preciso investir em grandes projetos que assegurassem uma capacidade

instalada extra de 30.000 MW até o final da década de 1980, um fenomenal aumento da

Page 110: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

96

capacidade de geração do país que em 1974 era de apenas 17.500 MW (LIMA, 1995).

Segundo Cachapuz (2002), o Plano 90 estava fortemente condicionado a conclusão das obras

da hidrelétrica de Itaipu que possibilitaria a interligação entre os sistemas das regiões Sul e

Sudeste, e com o desenvolvimento do programa nuclear no Brasil. Caso se confirmasse as

projeções otimistas de crescimento do PIB até 1990, seria preciso a instalação de oito usinas

nucleares com capacidade de gerar 1.200 MW cada uma (LEITE, 2007). Como a partir da

década de 1980 as projeções mais otimistas não foram sendo realizadas, o programa nuclear

brasileiro sofreu um forte reverso.

Em 1979, foi feita pela Eletrobrás a revisão do Plano 90 que ficou conhecido como

Plano 95, por ter como horizonte o atendimento da demanda por energia elétrica no país até o

ano de 1995. Dessa vez, foi utilizada entre as premissas do plano, uma taxa de crescimento do

PIB mais modesta, de 6 a 7% ao ano para o período de estudo do plano, de 1979 a 1995,

levando em consideração as dificuldades econômicas da época causadas pelo crescimento da

inflação, o segundo choque do petróleo e pelo aumento das taxas de juros no mercado

internacional que trouxeram dificuldades ao Balanço de Pagamentos brasileiro.

Em setembro de 1979, a Eletrobrás publicou o Plano de atendimento aos requisitos de energia elétrica até 1995, analisando as possibilidades de expansão dos sistemas elétricos de todo o país e propondo um conjunto de medidas para o atendimento do mercado de energia elétrica dos sistemas interligados e isolados nos 15 anos seguintes. O chamado Plano 95 foi o primeiro de uma série de quatro planos nacionais de energia elétrica elaborados pela Eletrobrás e submetidos, em caráter oficial, à aprovação do Ministério das Minas e Energia (CACHAPUZ, 2002, p.133).

O Plano 95 foi realizado pela Eletrobrás com a ajuda das empresas do setor e teve

como base um conhecimento mais amplo do potencial hidrelétrico brasileiro, devido aos

estudos realizados anteriormente. Assim, o Plano 95 foi resultado de uma contínua revisão

dos estudos e planos anteriores, dessa forma, abrangeu os trabalhos do ENERAM sobre a

região Norte, o ENENORDE sobre a região Nordeste e o Plano 90, que realizou estudos e fez

o planejamento dos investimentos nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Page 111: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

97

Arnaldo Barbalho32 em entrevista à Memória da Eletricidade33 afirma que a

interligação elétrica entre as regiões do Brasil era uma das principais medidas desejadas pelo

governo na década de 1970. “A Portaria 1340-A, de 25 de novembro de 1974, determinou

estudos visando à interligação Norte-Nordeste e Nordeste-Sudeste, sob a coordenação da

Eletrobrás” (DIAS, 1995, p.183). Em 1977, a interligação entre Nordeste-Sudeste foi

aprovada pelo presidente Geisel e seria incorporada ao sistema Norte-Nordeste que já estava

previsto para acontecer. A interligação desses sistemas traria um maior benefício para o setor

como um todo, pois reduziria os riscos da queda na oferta de energia de cada região, mas seria

preciso um esforço de planejamento e cooperação das empresas do setor elétrico ainda maior,

já que a ação de uma empresa poderia influenciar o resultado de outras empresas. Esse

esforço seria liderado pela Eletrobrás que para isso criou a Diretoria de Operação de Sistemas

que passaria a atuar no lugar da extinta Diretoria de Gestão Empresarial que seria novamente

recriada em 1979, em mais um processo de reorganização estrutural da Eletrobrás.

A ação planejadora da Eletrobrás foi muito importante para o desenvolvimento do

setor elétrico, porém sofreu com as crises decorrentes das duas altas nos preços do petróleo na

década de 1970 e com a alta das taxas de juros no mercado internacional.

Apesar desse quadro de adversidades, o processo formal de planejamento do setor elétrico incorporou toda uma frente de análise da indústria de equipamentos e materiais. Além da tentativa de integrar os diversos agentes do setor elétrico (indústrias de equipamento, empresas de construção civil, firmas de engenharia), o processo de planejamento ultrapassou a ótica regional, característica da década de 1960 (DIAS, 1988, p.213).

Mais especificamente na região Nordeste, foi criado em 1974 o Comitê Coordenador

de Operação do Nordeste (CCON), semelhante aos GCOIs, sob a orientação do DNAEE e da

Eletrobrás, com a função de melhorar o relacionamento das empresas distribuidoras da região

com a CHESF, que a partir daquele ano começou a transferir para essas empresas estaduais o

sistema de transmissão de 69 kV e de definir normas de operação e manutenção dessas linhas

de transmissão.

32 Arnaldo Barbalho foi secretário-geral do Ministério das Minas e Energia por cerca de doze anos e presidente da Eletrobrás por um curto período. 33 DIAS, Renato Feliciano. A Eletrobrás e a História do Setor de Energia Elétrica no Brasil: Ciclo de Palestras. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 1995.

Page 112: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

98

3.3.4 - As Outras Atividades Desenvolvidas pela Eletrobrás

Com a finalidade de se criar uma estatística segura com os dados do setor elétrico

brasileiro, o Ministério das Minas e Energia criou em 1976 o Sistema de Informações

Estatísticas do Setor de Energia Elétrica (SIESE), que depois de três anos teve o seu nome

alterado, mas foi mantida a mesma sigla. A responsabilidade em relação ao SIESE era

dividida entre a Eletrobrás, o DNAEE e a Secretaria Geral do Ministério, cuja função da

holding era “coletar, reunir, analisar, consolidar e divulgar os dados” (A ENERGIA, 1977,

p.161).

Outro fato marcante da segunda metade da década de 1970 foi a formação na

Eletrobrás do Departamento de Eletrificação Rural em 1976, com o intuito de desenvolver a

área rural do país através do crescimento das atividades agrícola e pecuária. A Eletrobrás

financiava a construção de redes de distribuição rural em condições vantajosas: financiava de

60 a 80% do projeto, aplicava juros de 12% anuais e carência de sete anos. O Decreto 79.898

de 1977 estabeleceu o Programa de Eletrificação Rural em todo o Brasil contando com

recursos da Eletrobrás e recursos próprios das distribuidoras, sendo que a estas últimas estava

a tarefa de execução das obras.

A energia nuclear para geração de eletricidade entrou em pauta no setor elétrico

brasileiro no final da década de 1960. Em 1969, Furnas ficou encarregada pelo governo

federal a construir a primeira usina nuclear - em um total de três - do país, na cidade de Angra

dos Reis no Estado do Rio de Janeiro, tendo o início das obras começado três anos após essa

data. Em 1975 quando a construção de Angra I estava a todo vapor, o Brasil assinou um

acordo de cooperação nuclear com a Alemanha Ocidental visando desenvolver no país o ciclo

completo da energia nuclear, desde a pesquisa mineral até a produção do combustível

(LEITE, 2007).

Tomando como premissa a alternativa mais ambiciosa do Plano 90, o Brasil assinaria em junho de 1975 um acordo de cooperação nuclear com a Alemanha Ocidental para a construção, em um prazo de quinze anos, de oito centrais nucleares, uma usina de enriquecimento de urânio e instalações para o processamento do combustível atômico, a um custo total estimado em dez bilhões de dólares (CACHAPUZ, 2002, p.131).

Um ano depois da assinatura do acordo, Furnas fechou a compra dos equipamentos

para a construção de Angra II e III junto com a empresa alemã KWU, sendo que o início das

Page 113: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

99

obras em Angra II foram iniciadas em 1977. Já Angra I teve a sua fase de testes começando

em 1981 e apenas alguns meses depois desses primeiros testes, Furnas atendendo às

orientações do governo federal, transferiu para as Empresas Nucleares Brasileiras -

NUCLEBRÁS34, a tarefa de construir Angra II e Angra III, porém de acordo com Dias

(1988), também ficou decidido que após a finalização das obras, passaria a ser função de

Furnas a operação das usinas nucleares.

Outro ponto importante da década de 1970 foi a criação do Centro de Pesquisas de

Energia Elétrica (CEPEL) em 1974, fazendo parte da política do governo federal de se criar

centros de pesquisa tecnológica na área energética. Essa idéia já tinha sido manifestada pelo

Ministério das Minas e Energia desde 1971 para que se buscasse alcançar o desenvolvimento

tecnológico autônomo do setor no país. O CEPEL foi criado como uma entidade civil sem

fins lucrativos subordinado à Eletrobrás, que é a sua principal mantenedora, e também poderia

ser financiado por empréstimos obtidos no Brasil e no exterior (DIAS, 1988).

A criação do CEPEL como mais um “braço” da Eletrobrás, mostra a preocupação do

governo e da holding com o desenvolvimento geral do setor elétrico brasileiro. A Eletrobrás

além de promover o treinamento da mão de obra do setor através de programas de capacitação

e convênios com universidades, ela agora dava suporte científico e tecnológico às empresas

geradoras, transmissoras e distribuidoras de energia elétrica, além do suporte aos fabricantes

de equipamentos e às empresas prestadoras de serviços de engenharia.

Para finalizar a década de 1970, o último fato marcante foi a compra dos ativos da

Light em 1979 por US$ 380 milhões (PINTO JR., 2007) que passaram a fazer parte da

Eletrobrás35. As conversas sobre a compra da Light foram iniciadas ainda na década de 1960

sem, contudo ter-se chegado a um acordo. Na década seguinte, devido às dificuldades

encontradas pelas empresas do grupo com a perda do valor real das tarifas de eletricidade, a

Light manifestou a vontade de deixar o país. Em 1976 aconteceu uma tentativa liderada por

empresários brasileiros de comprarem a Light, porém o negócio também não foi fechado. O

acordo definitivo só aconteceu três anos depois, com o governo federal aceitando pagar o

valor acima citado.

34 A NUCLEBRÁS foi organizada em 1974 para dirigir o programa nuclear do Brasil. 35 Em 1981, os serviços prestados pela Light em São Paulo foram repassados para a empresa estadual recém criada, a Eletropaulo.

Page 114: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

100

3.4 - A CRISE DOS ANOS 80

A década de 1980 começou fortemente influenciada pelo segundo choque do petróleo

e pela crise financeira internacional causada pela alta das taxas de juros internacionais. Esses

dois fatores acarretaram ao Brasil um grave problema em suas contas externas que passaram a

ser a maior preocupação da política econômica. Para equilibrar o Balanço de Pagamentos, o

governo federal utilizou as empresas estatais como fonte tomadora de recursos no mercado

internacional em um momento onde as condições desse mercado não eram favoráveis: taxas

de juros mais elevadas e flexíveis e prazos menores de amortização. Em setembro de 1982, a

situação do Balanço de Pagamentos brasileiro tornou-se mais crítica com a declaração da

moratória mexicana, o que resultou na suspensão quase total dos empréstimos externos às

economias em desenvolvimento. Outro problema que rondou a economia brasileira na década

de 1980 foi a crescente inflação e o aumento na dívida externa.

3.4.1 - O Nível de Investimentos no Setor Elétrico e a Criação do Grupo Coordenador do

Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS)

Com a crise na década de 1980 e a redução das formas de financiamento do setor

elétrico brasileiro, algumas importantes obras foram adiadas ou tiveram o seu prazo de

conclusão alterado, postergando a entrada em operação de obras, como Angra I, que tinha em

seu cronograma original a inauguração em 1976, porém somente entrou em operação em

1985. Esse quadro de queda dos investimentos ao longo da década resultou na redução do

ritmo de criação de capacidade instalada no setor elétrico, caindo de 12% ao ano na década de

1970, para 5% ao ano na década seguinte, como pode ser visto na tabela 3.5. No entanto,

obras destacadas como Itaipu e Tucuruí foram finalizadas nessa década, porém representando

mais construções começadas na década de 1970 do que novos investimentos iniciados na

década de 1980.

Essa diminuição nas taxas de crescimento da capacidade instalada só não trouxe

maiores complicações para a economia, devido ao comportamento do PIB brasileiro. “A

queda da taxa de crescimento do PIB fez com que a queda do nível de investimentos não

gerasse uma escassez de energia a curto prazo” (BRUNI, 2006, p.60). Mesmo assim, em

quase todos os anos da década, o crescimento do consumo de energia foi maior do que o

Page 115: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

101

crescimento do PIB brasileiro, muito “em função de estímulos tarifários concedidos uma vez

que agora já havia a necessidade de escoar um certo excedente de oferta, fruto das elevadas

taxas de investimento incorridas nos anos anteriores” (ALMEIDA e NEGRÃO, 2006, p.20).

Tabela 3.5. - Indicadores Selecionados para o Período 1980-1989

MW Variação (%) US$ Milhões Variação (%) GWh Variação (%)1980 9,20 33.472 - 8.155 - 121.837 -1981 -4,25 37.269 11,34 8.624 5,75 125.141 2,711982 0,83 39.346 5,57 9.161 6,23 132.202 5,641983 -2,93 40.366 2,59 7.045 -23,1 142.620 7,881984 5,40 41.096 1,81 6.312 -10,4 158.517 11,151985 7,85 44.107 7,33 7.037 11,49 172.712 8,951986 7,49 44.953 1,92 6.699 -4,8 186.414 7,931987 3,53 47.561 5,80 9.426 40,71 192.224 3,121988 -0,06 49.575 4,23 7.793 -17,33 204.248 6,261989 3,16 52.125 5,14 6.402 -17,85 212.324 3,95

Consumo TotalCapacidade Instalada InvestimentosAnos PIB (%)

Fonte: IBGE e Balanço Energético Nacional 1996, apud LANDI, 2006.

A crise minou progressivamente as bases institucionais e financeiras do setor de energia elétrica. Entre 1979 e 1982, a perda do valor real das tarifas, a compressão das dotações orçamentárias governamentais e a intensificação da contratação de empréstimos no exterior a custos financeiros violentamente superiores determinaram o estrangulamento financeiro das empresas de energia elétrica. Uma parte significativa dos recursos oriundos de empréstimos externos foi utilizada para a rolagem da própria dívida (CACHAPUZ, 2002, p.162).

O planejamento do setor elétrico que estava em sua maioria a cargo da Eletrobrás,

sofreu um revés considerável com a crise dos anos 80. Diante dos problemas financeiros

encontrados pelas empresas concessionárias do setor, o planejamento de longo prazo foi

sendo substituído pelas questões de curto prazo, impactado pelas condições de pagamento e

pelo fluxo de caixa das empresas e dos projetos. O destaque na área de planejamento nessa

época foi a criação do Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS),

que segundo Gonçalves Jr. (2002), foi constituído para resolver um conflito entre o governo

federal e as estatais estaduais causado pela obrigação dessas últimas de comprar uma parcela

da energia gerada por Itaipu, o que impactou negativamente na vontade de algumas

importantes estatais estaduais como a CEMIG, CESP e COPEL, em expandir o seu programa

de geração de energia elétrica.

Originalmente, o GCPS foi constituído em novembro de 1980 sob a coordenação da

Eletrobrás e a participação de dez empresas concessionárias36. Ele foi criado para substituir os

Grupos Coordenadores do Planejamento do Sistema de Transmissão (GCPT), com o intuito

36 Esse número só seria aumentado em 1985, já com José Sarney na presidência do país.

Page 116: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

102

de compatibilizar a expansão dos sistemas das empresas do setor elétrico, com as diretrizes

estabelecidas pela Eletrobrás. Foram criados três GCPS, um para a região Norte-Nordeste,

outro para a Região Sul, e mais um para a região Sudeste/Centro-Oeste, todos eles compostos

por um Comitê Diretor, uma Secretaria Executiva Geral, três Comitês Técnicos e Grupos de

Trabalho. A Eletrobrás era representada nesses GCPS pelo seu diretor de Planejamento e

Engenharia que também era o coordenador dos GCPS. Esses Grupos foram criados em um

momento de crise para dar uma maior representatividade ao planejamento do setor,

englobando um número maior de empresas e interesses a ele. Em 1982, o ministro das Minas

e Energia promulgou uma Portaria reconhecendo formalmente os GCPS como órgãos de

planejamento do setor elétrico.

Em relação à estrutura dos GCPS, tendo sempre a Eletrobrás como coordenadora, o

“Comitê Diretor foi incumbido de deliberar sobre o programa de expansão dos sistemas

elétricos das empresas, [...] com o poder de arbitrar as decisões na eventualidade de falta de

unanimidade entre as empresas” (CACHAPUZ, 2002, p.168).

Os Comitês Técnicos foram encarregados de assessorar o Comitê Diretor e orientar os Grupos de Trabalho nos assuntos técnicos de acordo com sua área de responsabilidade. Em sua organização inicial, o GCPS contou com o Comitê Técnico para Estudos de Mercado (CTEM), o Comitê Técnico para Estudos Energéticos (CTEE) e o Comitê Técnico para Estudos de Transmissão (CTST), coordenados respectivamente pelos chefes dos departamentos de Mercado, Estudos Energéticos e Sistemas Elétricos da DPE da Eletrobrás (CACHAPUZ, 2002, p.168).

Os GCPS assumiram a função de fazer o planejamento de curto prazo do setor elétrico

brasileiro, ou seja, um horizonte de até dez anos, não participando do planejamento de maior

prazo, como o Plano 2000, elaborado pela Eletrobrás com a participação de outros órgãos

governamentais, como o Ministério da Fazenda e o Departamento Nacional de Águas e

Energia Elétrica (DNAEE). A criação do GCPS contribuiu para o aumento da importância e

da estrutura organizacional da Diretoria de Planejamento e Engenharia (DPE) da Eletrobrás,

que em 1981 teve a criação de dois novos departamentos, o de Programação e

Acompanhamento de Empreendimentos e o de Planejamento e Engenharia da Distribuição.

Ficou decidido que estaria sob a responsabilidade da DPE o planejamento com horizonte de

dez anos do sistema de transmissão nacional, enquanto o planejamento com horizonte de três

anos da operação de todo o sistema elétrico, ficaria a cargo da Diretoria de Operação de

Sistemas (DOS).

Page 117: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

103

3.4.2 - Os Planos 2000 e 2010

Em janeiro de 1981, foi aprovada na Eletrobrás uma resolução que incumbia a

Diretoria de Planejamento e Engenharia da empresa, a função de coordenar a elaboração do

Plano 2000, junto com a participação de outras quatro diretorias da Eletrobrás, a de Operação

de Sistemas, a de Coordenação, a de Gestão Empresarial e a Econômico-Financeira, além da

colaboração de órgãos públicos como o DNAEE, a SEPLAN e o Ministério da Fazenda.

O Plano 2000 previu um crescimento médio anual de 8% até o ano 2000 para o

mercado de energia elétrica no país, sendo que esse crescimento seria menor no período de

crise em que o Brasil estava passando, de 2 a 4%, com as taxas subindo para 9% até o ano de

1995. Daquele ano em diante, o aumento do mercado seria em torno de 6% ao ano (DIAS,

1995).

As sugestões de obras de geração do Plano 2000 foram divididas por período de

tempo. As obras que já estavam em andamento e as que se iniciariam até 1985 acrescentariam

44.700 MW37, sendo 38.000 MW distribuídos por 31 hidrelétricas, 5.600 MW gerados por

cinco usinas nucleares e 1.040 MW gerados por quatro usinas termelétricas. Segundo a

Eletrobrás, a entrada em operação de usinas de geração e de linhas de transmissão até o ano

de 1984, garantiria o suprimento de energia elétrica até o ano 1985 no sistema interligado

Norte/Nordeste, e até 1987 para o sistema Sul/Sudeste/Centro-Oeste. Além disso, como em

1985 e 1986 haveria sobras de energia no último sistema interligado citado, então o

cronograma da entrada em operação de Itaipu e da construção de Angra II e Angra III,

sofreram alterações, postergando a necessidade dessas obras.

Já no programa de obras de geração nos sistemas interligados até o ano de 1995, que

constavam os empreendimentos que entrariam em operação entre 1990 – 1995, foi estimado a

construção ou ampliação de 32 usinas nos sistemas interligados do país, sendo 14.000 MW no

sistema Sul/Sudeste/Centro-Oeste. Nessa fase de obras, a Eletrobrás, seguindo as orientações

do Ministério das Minas e Energia, incluiu a instalação de mais uma usina nuclear e cinco

termelétricas a carvão na região Sul. Na última época estudada pelo Plano 2000, foi planejado

um acréscimo na capacidade instalada de geração no país de 15.000 MW entre 1996 - 2000,

sendo incluída entre os empreendimentos, a construção de mais três usinas nucleares – 37 Desses 44.700 MW adicionados à capacidade instalada, 31.240 MW seriam acrescidos ao sistema interligado Sul/Sudeste/Centro-Oeste, e 10.730 MW ao sistema Norte/Nordeste.

Page 118: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

104

totalizando oito usinas como foi acertado no acordo nuclear Brasil/Alemanha – e mais quatro

termelétricas a carvão na região Sul do país.

Quanto à atividade de transmissão, o plano deu maior ênfase ao desenvolvimento das

interligações regionais de grande porte. A interligação entre as regiões do país foi inaugurada

no início da década de 198038, aumentando a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro, já

que seria possível o intercâmbio de energia entre regiões. O Plano 2000 também apresentou

estudos sobre a capacidade da indústria brasileira de atender a demanda do setor elétrico por

equipamentos e materiais e por serviços de engenharia.

Em 1986, foi iniciada com a coordenação da Eletrobrás, a elaboração do Plano 2010,

sendo concluída em outubro de 1987. No ano seguinte, através do Decreto 96.652, o

presidente José Sarney aprovou o Plano 2010 como referência para o planejamento do setor

elétrico e destacou o GCPS39 para fazer anualmente as devidas atualizações do plano. Esse

plano, além de contar em sua elaboração com uma participação mais abrangente das

concessionárias do setor - dando mais voz às necessidades locais, estabeleceu critérios mais

flexíveis quanto ao planejamento de longo prazo do setor elétrico, já que era previsto que

mudanças de ordem financeira, econômica e ambiental poderiam acontecer. A maior

participação na elaboração e nas atualizações do plano fazia parte de uma nova estratégia do

governo federal de dar maior participação aos agentes envolvidos de forma direta e

indiretamente com o setor elétrico, o que vinha de encontro com a nova ordem democrática

do país, com o fim da ditadura militar.

O Plano 2010 ampliou o escopo do planejamento tradicional do setor de energia elétrica, abordando de forma inovadora ou pioneira uma série de questões, como a preservação do meio ambiente, a inserção regional dos empreendimentos de energia elétrica e o problema da incerteza no planejamento de longo prazo. A elaboração do plano envolveu grande número de participantes, abrangendo todos os órgãos ministeriais da área energética e empresas concessionárias de energia elétrica, bem como inúmeras entidades públicas e privadas, nacionais e estrangeiras (CACHAPUZ, 2002, p.242).

A coordenação dos trabalhos ficou sob a responsabilidade da Eletrobrás que tinha

como líder nesse processo, o diretor de Planejamento e Engenharia da holding, que também

era o coordenador do Comitê Diretor do GCPS. Na primeira parte do trabalho, o estudo sobre

38 A interligação Norte/Nordeste aconteceu em outubro de 1981 e a inauguração da interligação Sul/Sudeste/Centro-Oeste ocorreu 12 meses depois. O Plano 2000 também previu a interligação entre esses dois sistemas na segunda metade da década de 1990. 39 Nessa época o GCPS já contava com a participação de 35 empresas do setor elétrico brasileiro.

Page 119: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

105

o mercado levou em consideração as diretrizes do I Plano Nacional de Desenvolvimento da

Nova República e posteriormente do Plano de Metas. Assim, a taxa de crescimento médio

anual do PIB seria de 5,8%, variando de uma máxima de 6,8% entre 1985-1990 e a mínima de

4,7% entre 2005-2010.

Em relação à expansão da geração de energia elétrica, o programa de longo prazo

previa que a energia gerada por meio de hidrelétricas seria predominante até 2010, porém esse

domínio teria uma leve queda, passando de 90,2% em 1986 para 88,6% em 2010. A análise de

longo prazo do plano ressaltou que o Brasil, a partir de 2010, precisaria recorrer cada vez

mais à energia gerada pelas termelétricas, e que haveria uma maior transferência de energia da

região Norte para o Sudeste e Nordeste e da região Sul para o Sudeste. O Plano 2010 previu

pela primeira vez no país o esgotamento da utilização do potencial hidrelétrico competitivo, já

que a geração por meio de hidrelétricas sempre foi pensado como o mais barato e eficiente.

Os investimentos necessários para a expansão do setor elétrico brasileiro foram

estimados no Plano 2010. Todas as obras de geração dos sistemas interligados e dos

principais sistemas isolados tiveram os seus investimentos projetados. No plano de

investimentos foi levado em consideração a implementação do Plano de Recuperação Setorial

(PRS) que tinha sido aprovado em 1986 e revisto no ano seguinte, e previa a superação da

crise econômico-financeira do setor através do aumento real da tarifa de energia elétrica, entre

outras medidas. A construção do Plano 2010 serviu como uma oportunidade para as

discussões sobre o projeto de Revisão Institucional do Setor Elétrico (REVISE) que foi

iniciado em 1987 para a resolução dos crescentes conflitos internos ao setor. O plano também

previa uma maior participação da iniciativa privada, dos estados e municípios no

desenvolvimento do setor elétrico, sem deixar de ressaltar a importância da Eletrobrás na

coordenação e orientação do setor.

Outro ponto importante do Plano 2010 que o diferencia dos demais foi a inclusão da

questão ambiental no planejamento da expansão do setor elétrico. Como afirma José Luiz

Lima em Dias (1995):

Esse dado é importante, na medida em que altera o processo de planejamento, incorpora uma série de requisitos e demandas sócio-ambientais de ordem mais geral relacionadas com o processo de investimento no setor de energia elétrica, além de tornar muito mais complexa a viabilização sócio-política dos projetos (DIAS, 1995, p.227).

Page 120: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

106

O Plano 2010 foi o primeiro a levar em consideração o impacto ambiental nas obras de

geração e transmissão de energia elétrica, condicionando a expansão do setor à obediência de

algumas questões ambientais. Em 1981 foi criado o Conselho Nacional de Meio Ambiente

(CONAMA) composto por diversos membros, entre eles, o presidente em exercício da

Eletrobrás, sendo responsável pela formulação da política ambiental do país. Evidenciando a

preocupação da Eletrobrás com a questão ambiental, a holding publicou em 1986 o Manual de

Estudos de Efeitos Ambientais do Setor Elétrico – mostrando as ações de conservação e

recuperação do meio ambiente - e o I Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico. Por

causa dessa maior preocupação com o meio ambiente, a Eletrobrás criou dentro da Diretoria

de Planejamento e Engenharia, o Departamento de Meio Ambiente, em 1987.

Na década de 1980, [...] os custos ambientais vieram a ser mais um elemento de pressão sobre os custos do setor. A partir de meados da década, o setor elétrico passou a ter que responder a uma crescente mobilização ambientalista, além de ser obrigado a realizar Estudo e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para seus empreendimentos, elevando mais seus custos e levando mesmo ao abandono de alguns projetos, por terem se tornado economicamente inviáveis (PINHEIRO, 2006, p.46).

3.4.3 - As Crises Financeira e Institucional no Setor Elétrico

A questão do financiamento da expansão da capacidade instalada do setor elétrico foi

um problema durante toda a década de 1980. Na verdade, essa questão já vinha dificultando o

andamento dos investimentos das empresas concessionárias desde o final da década anterior,

com a crise financeira externa causada pelo segundo choque do petróleo e pelo aumento das

taxas de juros no mercado internacional. As empresas do setor elétrico vinham na década

anterior se endividando externamente aproveitando a grande liquidez do mercado

internacional e as boas condições dos financiamentos, para fazerem frente aos grandes

investimentos programados e realizados no II PND, já que a tarifa real foi reduzida nesse

período para combater a inflação.

No entanto, essa boa condição no mercado externo foi alterada na passagem da década

de 1970 para 80 e as empresas do setor elétrico começaram a encontrar dificuldades para

manter-se operando e investindo. A abundância de capital externo foi cessada e o aumento das

taxas de juros fez crescer, a níveis preocupantes, a dívida das empresas do setor elétrico. Até

1982 ainda ocorreu uma importante captação por essas empresas, mesmo que em condições

Page 121: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

107

adversas. Porém, com a moratória mexicana nesse ano, o mercado de capitais internacionais

praticamente fechou as portas para os países em desenvolvimento, cessando uma importante

forma de financiamento para as empresas de energia elétrica, que já vinham com dificuldades

em levantar recursos intra-setoriais.

A utilização das tarifas de energia elétrica como instrumento de uso do governo para o

controle da inflação continuou na década de 1980. Além disso, para melhorar o saldo externo

do Balanço de Pagamentos, o governo federal adotou uma série de medidas subsidiando o

custo da energia elétrica para algumas indústrias e setores, como meio de aumentar as

exportações do país (DIAS, 1988). Nesse quadro de crise, a posição da Eletrobrás como

planejadora e distribuidora de recursos para as obras do setor elétrico ficou complicada, e

quase todos os recursos obtidos pela holding eram direcionados para as três grandes obras

ainda não acabadas do setor - Itaipu, Angra I e Tucuruí, restando pouco dinheiro a ser

empregado nos outros empreendimentos.

A crise na economia brasileira atingiu em cheio também os governos estaduais, assim

como suas empresas estaduais. Dessa forma, esses governos não tinham condições de aportar

recursos nas suas empresas, aumentando o grau de dificuldade delas financeiramente e o grau

de insatisfação. Esse descontentamento foi crescendo por vários motivos, como: a

centralização dos gastos dos escassos recursos do setor elétrico nas três obras principais, não

sobrando dinheiro para os projetos mais favoráveis às empresas estaduais; a equalização

tarifária sem ser levado em consideração às especificidades da cada empresa e região -

reduzindo o incentivo ao ganho de produtividade (LORENZO, 2002); a elevação da

arrecadação da RGR, passando de 3% para 4% do imobilizado remunerável; a continuação do

recolhimento da RGG como forma de igualar a taxa de remuneração das concessionárias, sem

a garantia de que esses recursos seriam repassados para as empresas com uma remuneração

abaixo da média verificada (DIAS, 1995), entre outras razões. Essa crescente dificuldade de

obtenção de recursos encontrada pelas empresas estaduais começou a despertar inúmeras

reclamações e descontentamento dentro do setor elétrico, principalmente sobre o papel

centralizador da Eletrobrás.

Todas essas dificuldades acabaram comprometendo o dinamismo e o desenvolvimento

do setor elétrico, diminuindo o seu grau de autonomia conquistado nos anos anteriores. A

transferência de recursos intra-setorial começou a ser ferozmente questionada, porque ela foi

Page 122: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

108

de certa forma aceita quando as empresas do setor tinham uma posição financeira melhor e

mais estruturada, porém em tempos de crise, essa transferência passou a pesar na

rentabilidade e até mesmo na sobrevivência da empresa concessionária (LANDI, 2006). A

dificuldade financeira das empresas do setor elétrico pode ser mais facilmente compreendida

através dos números:

Para se ter uma idéia das mudanças ocorridas, destaca-se que, em 1973, cerca de 78% das fontes de recursos destinavam-se a investimentos e apenas 15% para o serviço da dívida. Em 1989, o que se observou foi uma total inversão do quadro, no qual apenas 26% dos recursos eram destinados a investimentos e os restantes 74% consumidos no pagamento de compromissos com terceiros (PINHEIRO, 2006, p.45).

Para piorar ainda mais a situação financeira das empresas de energia elétrica, na

Constituição Federal de 1988, ficou estabelecido o fim do Imposto Único sobre Energia

Elétrica (IUEE), que seria substituído pela criação do Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços (ICMS) não vinculado ao setor elétrico, e o aumento na alíquota do

imposto de renda das empresas desse setor, passando de 6% para 40% (BRUNI, 2006). Para

finalizar o quadro de dificuldades de financiamento, a Resolução 1.464 do Conselho

Monetário Nacional, de junho de 1988, impediu que o BNDES40 emprestasse dinheiro para as

empresas estatais.

A situação do setor elétrico era precária por volta da metade da década de 1980 e

alguma mudança precisava ser feita para que aliviasse a condição financeira das empresas

concessionárias. Em 1984, foi elaborado o Programa de recuperação financeira do setor

elétrico com a ajuda da Eletrobrás e do DNAEE, porém ele foi praticamente abandonado

durante o próprio ano, após o governo federal anunciar um teto muito baixo para os

investimentos das empresas do Sistema Eletrobrás para o ano de 1985, elaborado pela

Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais (SEST) ligada ao Ministério do

Planejamento. A explicação dada pelo Ministério era que não havia recursos para o aumento

do montante a ser investido.

Outra tentativa para restaurar o dinamismo perdido do setor elétrico foi a criação em

novembro de 1985 do Plano de Recuperação do Setor de Energia Elétrica (PRS) já no

governo Sarney. Esse plano, que teve em sua elaboração a contribuição das empresas do setor,

do DNAEE e a supervisão da Eletrobrás, buscou estabelecer um programa de investimentos

40 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Page 123: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

109

até 1989 e medidas para a recuperação econômica e financeira das concessionárias. Dentre

essas medidas, destacavam-se metas de recuperação tarifária, condições para obtenção de

créditos do Banco Mundial e a transferência para o Tesouro Nacional do custo do programa

nuclear brasileiro (DIAS, 1988). Quanto à recuperação tarifária, “o programa previa o

aumento real das tarifas, de forma gradual, fazendo com que a remuneração do investimento

passasse de 7% para 10%, além dos reajustes mensais equivalentes à correção monetária”

(MELLO, 2008, p.20). O PRS previu um moderado programa de obras e investimentos já que

foi projetado um crescimento do PIB menor do que a projeção dos programas de

planejamento setorial de longo prazo para a época.

As expectativas positivas criadas pelo Plano de Recuperação Setorial (PRS) foram frustradas pelo conturbado processo de renegociação da dívida externa, pela política de contenção tarifária adotada pelo governo federal e pelo acirramento dos conflitos entre as concessionárias em torno dos escassos recursos financeiros disponíveis (CACHAPUZ, 2002, p.229).

A Eletrobrás alterou em 1986 o planejamento previsto pelo PRS, o que foi aprovado

no início do ano seguinte pelo presidente Sarney, além de uma nova tentativa de alterações

em 1988 por parte da holding. De acordo com Cachapuz (2002), essa tentativa de revisão do

PRS foi fracassada devido ao agravamento da situação econômica do país e do setor elétrico,

com o aumento da inadimplência das empresas estaduais em relação ao pagamento da energia

comprada das empresas federais do Sistema Eletrobrás e da energia de Itaipu, além do não

pagamento dos tributos setoriais, afetando uma importante fonte de financiamento dos

investimentos do setor.

Esse não pagamento das obrigações das empresas estaduais, além de mostrar as

dificuldades financeiras dessas empresas, apresentava um caráter político. Com a crise na

economia brasileira e no setor elétrico durante a década de 1980, passou a se questionar cada

vez mais o papel da Eletrobrás e a centralização das decisões no setor. As empresas estaduais

mais fortes, como a CESP, CEEE, CEMIG e COPEL, queriam ter uma maior liberdade em

seus investimentos, ampliar o seu parque gerador e ser menos dependente da Eletrobrás e das

empresas do Sistema. Elas também eram contra a centralização da maior parte dos escassos

investimentos do setor nas empresas federais de geração.

Assim, com a interrupção do pagamento das cotas da RGR e da RGG, além do atraso

intencional no pagamento pela energia adquirida de Itaipu e das geradoras federais, as

principais concessionárias das regiões Sul e Sudeste queriam de certa forma boicotar o

Page 124: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

110

sistema institucional do setor elétrico para que ocorressem mudanças. A desculpa usada pelas

concessionárias para essa atitude era que essas empresas tinham uma quantia a ser recebida do

governo federal através de direitos na Conta de Resultados a Compensar41 (CRC), e assim,

como elas tinham um montante a receber, elas não precisariam pagar ao governo federal,

verdadeiro dono das empresas do Sistema Eletrobrás e nem repassar as cotas de RGR e RGG,

que deveriam ser descontadas da CRC.

Dessa forma, para diminuir o conflito entre as empresas estaduais e a esfera federal do

setor elétrico, foi criado em 1987, o projeto de Revisão Institucional do Setor Elétrico

(REVISE), que foi coordenado por um comitê composto pelos presidentes das empresas do

setor elétrico, além de representantes do DNAEE, Ministério do Planejamento e da

Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo Landi (2006), o REVISE tinha dois

objetivos básicos: buscar formas para aumentar a participação da iniciativa privada no setor

elétrico; e a reformulação da estrutura institucional e política, devido aos problemas

enfrentados nos últimos anos e da crescente influência política nas decisões do setor. O

REVISE foi palco de intensas discussões e questionamentos de ambos os grupos, sem que se

tornasse um local de conversas produtivas e de solução definitiva dos problemas institucionais

(DIAS, 1995).

Assim, ao longo dos anos 80, o setor foi perdendo gradativamente a eficiência que caracterizou a intervenção federal desde sua origem. As graves discordâncias entre as concessionárias estaduais e a Eletrobrás e os rígidos controles orçamentários exercidos pela área econômica do governo federal, levaram a que a tomada de decisões fosse realizada externamente ao setor (LORENZO, 2002, p.14).

41 A CRC era uma conta onde as empresas concessionárias podiam registrar um crédito contra a União caso elas por qualquer motivo, não conseguisse alcançar uma remuneração que lhe trouxesse um equilíbrio econômico-financeiro.

Page 125: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

111

3.5 - O INÍCIO DA DÉCADA DE 1990

O setor elétrico assim como toda a economia brasileira passou por uma transformação

na década de 1990. Essas mudanças precisam ser vistas dentro de um contexto mais geral,

onde a maioria dos países do mundo estava assumindo uma postura mais próxima do

pensamento liberal, a favor de uma maior abertura comercial e financeira e a redução do

tamanho do Estado, diminuindo assim sua participação como produtor direto de bens e

serviços. Dessa forma, no Brasil foi alterado o foco das políticas públicas, passando de uma

política desenvolvimentista – que já estava em crise desde a década passada, para uma política

mais liberal e de menor intervenção do Estado, apoiada no incentivo ao setor privado que era

visto como mais eficiente.

3.5.1 - Os Governos Collor, Itamar Franco e o Retrato do Setor Elétrico no Início da

Década

Fernando Collor assumiu a presidência do Brasil em 1990 adotando um discurso de

mudanças econômicas, como as reformas fiscal, monetária e administrativa. As metas

prioritárias do governo eram controlar a inflação42 e iniciar o processo de abertura econômica

do país. Collor adotou as políticas liberais, pró-mercado, lançando no mesmo ano, junto com

o seu plano de estabilização43, o Programa Nacional de Desestatização (PND), que tinha como

metas: reduzir o tamanho do Estado na economia; diminuir a dívida pública; e tornar possível

a retomada dos investimentos das empresas estatais privatizadas, já que o Estado não tinha

mais condições financeiras para isso. Para Faria (2003), a privatização resolveria dois

problemas importantes de uma só vez, a questão da baixa capacidade de investimento das

empresas estatais e a redução da dívida pública. De acordo com os princípios liberais, a

privatização das empresas públicas aliviaria o orçamento do governo, liberando mais recursos

para investimentos em questões mais essenciais, como a educação, saúde e segurança.

As primeiras privatizações de empresas públicas ocorreram ainda no período Collor,

foram privatizadas as empresas de siderurgia, petroquímica e de fertilizantes. Esses setores

não foram eleitos para iniciar o programa de privatização à toa, pois como não são atividades

classificadas como monopólios naturais, esses setores acabam não precisando de um aparato 42 A inflação nessa época já tinha ultrapassado o patamar de 80% ao mês. 43 O Plano de estabilização foi chamado de Plano Brasil Novo, porém ficou mais conhecido como Plano Collor.

Page 126: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

112

regulatório, e assim, as estatais que atuavam nessas áreas puderam ser privatizadas

rapidamente. “Aos poucos, o Estado-empreendedor, que impulsionou o processo de

desenvolvimento econômico nacional, vai tentando se adequar ao padrão de Estado

fiscalizador/regulador, presente na nova ordem mundial” (LANDI, 2006, p.96).

Após o impeachment do presidente Collor, Itamar Franco assume a presidência do país

sem alterar o rumo das mudanças econômicas iniciadas pelo seu antecessor, apensas

reduzindo o número de empresas privatizadas. Em 1995, já sob o comando do presidente

Fernando Henrique Cardoso (FHC), o programa de privatização das estatais foi reforçado e

ampliado, além da prioridade dada ao combate à inflação e a reforma do Estado44. Segundo

Cachapuz (2006), durante o primeiro mandato de FHC, nada menos do que 42 empresas

foram privatizadas, entre elas, importantes empresas estaduais distribuidora de energia, como

a Light, a CPFL e a Eletropaulo, além da parte de geração (Gerasul45) da estatal federal

Eletrosul, pertencente ao Sistema Eletrobrás.

Em relação ao setor elétrico, no início da década de 1990 o país contava com uma

capacidade instalada de 49.761 MW, sendo que em torno de 90% desse montante era gerado

por meio de hidrelétricas. As usinas termelétricas detinham próximo de 10% da capacidade de

geração de energia, porém tinham uma contribuição importante para o abastecimento nos

sistemas isolados e para a complementação da energia gerada pelas hidrelétricas nos sistemas

interligados, principalmente em períodos hidrológicos desfavoráveis. Nessa época, o Brasil

contava com dois grandes sistemas interligados46 (Sul/Sudeste/Centro-Oeste e

Norte/Nordeste) que atendiam a 97% da demanda por energia do país, o restante era suprido

pelos sistemas isolados, em sua maioria na região amazônica (CACHAPUZ, 2006).

44 FHC preconizou a reforma do Estado em várias dimensões, como o maior controle sobre os gastos públicos, mudança do foco da atuação do Estado, privatizações e concessão de serviços públicos à iniciativa privada, como pode ser visto com a quebra do monopólio estatal do petróleo e das telecomunicações meses após o início do seu mandato. 45 A Gerasul foi criada em função da separação das atividades da Eletrosul, um processo de desverticalização da empresa. 46 O sistema interligado Sul/Sudeste/Centro-Oeste tinha 35.700 MW, era o maior do país, responsável por mais de 70% da capacidade instalada do país. Já o sistema Norte/Nordeste tinha 11.000 MW e o restante vinha dos sistemas isolados.

Page 127: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

113

Tabela 3.6. - Evolução da Capacidade Instalada entre 1990-1994

AnosHidráulica

(MW)Térmica

(MW)Total (MW)

Crescimento Anual (%)

1990 44.934 4.827 49.761 1,91991 45.992 4.860 50.852 2,21992 47.085 4.675 51.760 1,81993 47.967 4.784 52.751 1,91994 49.297 4.808 54.105 2,5

Fonte: Ministério de Minas e Energia, Balanço Energético Nacional 2002, apud CACHAPUZ, 2006.

A atividade de geração estava bem concentrada no início da década entre as empresas

do Sistema Eletrobrás e as maiores empresas estaduais, onde o Sistema Eletrobrás contava

com quase 60% da capacidade instalada do país – se for levado em consideração a parte

brasileira da hidrelétrica de Itaipu, e as quatro maiores empresas estaduais (CESP, CEMIG,

COPEL e CEEE) detinham conjuntamente mais de 30%. Segundo Cachapuz (2002), o

agravamento da crise dos anos 80 levou a um crescimento da capacidade instalada do país

bem mais lento do que o projetado pelos planos nacionais de energia elétrica. Para o ano de

1990, o Plano 2010 – elaborado apenas três anos antes – projetava que o Brasil teria uma

capacidade instalada maior do que a realmente verificada nesse ano, o déficit chegava

próximo dos 6.000 MW.

A ampliação da capacidade instalada no período entre 1990 e 1994 girou em torno de 1.100 MW por ano, bem abaixo do patamar de 2.000 MW anuais, recomendado nos planos decenais do Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS), organismo dirigido pela Eletrobrás, responsável pelo balizamento da expansão dos sistemas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no país (CACHAPUZ, 2006, p.564).

3.5.2 - O Plano 2015 e os Planos Decenais

O planejamento do setor elétrico ficou prejudicado na década de 1980 devido à crise

econômica que o Brasil enfrentou. Essa dificuldade foi aumentada na década seguinte por

causa da instabilidade política, da provável mudança institucional do setor e da privatização

das empresas públicas. Mesmo assim, em outubro de 1990, a Eletrobrás resolveu iniciar a

revisão do planejamento de longo prazo do setor elétrico, através da atualização do Plano

2010 para o horizonte de análise até o ano de 2015. A diretoria da Eletrobrás determinou que

o Plano 2015 deveria ficar pronto em 15 meses e que a coordenação da elaboração do plano

ficaria a cargo da Diretoria de Planejamento e Engenharia da holding. Com atraso, o Plano

Page 128: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

114

2015 foi divulgado apenas em 1994, entre outros motivos, devido às mudanças políticas que

ocorreram na esfera federal nessa época. Cachapuz (2002) destaca que além da mudança na

presidência do Brasil, após o impeachment do presidente Collor, o setor elétrico também

sofreu com as alterações na estrutura ministerial do país.

Durante o governo Collor, foi criado o “superministério” da Infra-Estrutura que

absorveu atividades de diversos outros ministérios e as funções do Ministério das Minas e

Energia (MME). Porém, com a saída do presidente, o Ministério da Infra-Estrutura foi extinto

e as atividades do setor elétrico voltaram a ser assunto do MME. Assim como o Plano 2010, a

elaboração do Plano 2015 contou com contribuição de funcionários da Eletrobrás, do

DNAEE, das empresas concessionárias e de pessoas e entidades externas ao setor elétrico.

Durante o desenrolar dos trabalhos, o GCPS deu continuidade ao processo de atualização do horizonte decenal de expansão do sistema elétrico brasileiro, elaborando os planos decenais de expansão para os períodos 1991/2000, 1993/2002 e 1994/2003. Esses três planos decenais foram considerados partes integrantes do Plano 2015, juntamente com os planos anuais de operação do GCOI e o II Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico (II PDMA), concluído no final de 1990 (CACHAPUZ, 2002, p.320).

O Plano 2015 inovou com a elaboração de quatro cenários para a economia que

serviriam como referência para o planejamento do setor elétrico. Para o PIB, foi projetado um

crescimento médio que variava desde 3,3% para o cenário I (o mais pessimista) até 5,8% no

cenário IV (o mais otimista), e com isso, a projeção do mercado de energia também variava

de acordo com o cenário proposto, variando de um crescimento de 4% a 5,6% ao ano.

No plano também foram analisadas outras fontes alternativas de geração de energia

elétrica, ressaltando os seus custos e a tecnologia necessária. Contundo, ficou determinado

que a utilização da fonte hidráulica ainda seria a melhor alternativa no curto e médio prazos,

porém advertindo que devido às questões ambientais na região amazônica – onde estavam

previstos a construção dos maiores projetos, era preciso levar em consideração alternativas a

esses projetos caso eles não fossem aprovados. A idéia do Plano 2015 nesse ponto era

preparar os agentes para um possível esgotamento do uso competitivo da fonte hidráulica e

para as alternativas de substituição dessa fonte.

O plano previu que se o potencial amazônico não pudesse ser utilizado devido aos

problemas ambientais, a utilização hidráulica economicamente competitiva para obtenção de

energia, acabaria entre 2003 e 2012, e caso o potencial amazônico pudesse ser aproveitado, o

Page 129: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

115

esgotamento ocorreria entre 2012 e 2020, dependendo do cenário de crescimento da demanda

por energia elétrica adotado. No Plano 2015 também foi recomendado a continuação dos

estudos e projetos para o intercâmbio de energia entre os países da América do Sul, como a

compra do gás natural da Bolívia, a interligação com a Argentina em 500 kV e o suprimento

de energia enviado a Boa Vista e Manaus originário da Venezuela, entre outros

empreendimentos.

Embora tenha preconizado a utilização de todas as fontes disponíveis para a geração de energia elétrica, o plano considerou a opção hidrelétrica como principal alternativa de expansão do sistema elétrico brasileiro até 2010, levando em conta o grande potencial hidrelétrico da região Amazônica. Os autores do plano apontaram a necessidade de um programa termelétrico de grande porte a partir de 2005, baseado provavelmente em usinas a carvão e nucleares, se restrições de ordem ambiental inviabilizassem os empreendimentos hidrelétricos da Amazônia. O Plano 2015 também destacou várias opções de intercâmbios energéticos com países vizinhos e a importação de fontes primárias para geração de energia elétrica, como o gás natural boliviano (CACHAPUZ, 2006, p.565).

Ainda em relação ao planejamento do setor elétrico, durante a década de 1990 foi

colocado em prática a elaboração de alguns planos decenais com o objetivo de direcionar

anualmente os investimentos em expansão do setor no curto prazo. Na verdade, os planos

decenais foram criados ainda na década de 1980, mais precisamente em setembro de 1988

durante o governo Sarney, através da promulgação do Decreto 96.652, que estabeleceu o

GCPS como encarregado de elaborar esses planos. Assim, ficou determinado que os projetos

de expansão do setor elétrico brasileiro a partir de então deveriam passar pelas três seguintes

situações: receber a outorga da concessão pelo DNAEE, ser aprovado e incluído no Plano

Decenal de Expansão pelo GCPS, e por último, obter o licenciamento dos órgãos ambientais.

Órgão regulador do setor, responsável, entre outras tarefas, pela outorga das concessões, o DNAEE deveria solicitar o pronunciamento do GCPS, por intermédio da Eletrobrás, sobre a oportunidade e adequação da inclusão ou antecipação de obras de geração e transmissão, de modo a garantir a utilização racional e econômica do sistema existente e futuro. A viabilidade técnica e econômica dos projetos deveria levar em conta a dimensão socioambiental, bem como as medidas de conservação e recuperação do meio ambiente, em conformidade com a legislação vigente (CACHAPUZ, 2002, p.290).

O primeiro plano decenal foi concluído em dezembro de 1989 e aprovado pelo MME

no mês seguinte, abrangendo a expansão do setor elétrico para o período de 1990 a 1999. Em

geral, esse plano postergou as obras do setor elétrico propostas pelo Plano 2010, devido à falta

de recursos e às novas projeções sobre o mercado consumidor de energia, que eram menores

do que o previsto no Plano 2010. Até a chegada à presidência do país de FHC, mais quatro

Page 130: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

116

planos decenais foram elaborados e aprovados pelo GCPS: os planos 1991-2000; 1993-2002;

1994-2003; e por fim o quarto plano decenal abrangia os anos 1995-2004 e foi aprovado já

durante a presidência de FHC.

Segundo Cachapuz (2002), todos esses planos decenais seguiam um mesmo padrão de

seqüência de estudos e trabalhos: primeiramente era elaborado um estudo sobre o mercado de

energia elétrica, em seguida era feito um programa de geração para atender ao mercado

previsto, e posteriormente eram realizados estudos sobre as atividades de transmissão e

distribuição respectivamente. O estudo sobre o mercado era realizado pelo Comitê Técnico

para Estudos de Mercado sob a coordenação do Departamento de Mercado da Eletrobrás. O

Departamento de Estudos Energéticos da Eletrobrás liderava o Comitê Técnico de Estudos

Energéticos, responsável pelo programa de geração. Já o Departamento de Transmissão e o

Departamento de Distribuição e Eletrificação Rural da Eletrobrás eram responsáveis

respectivamente pela coordenação do Comitê Técnico para Estudos do Sistema de

Transmissão e pela Comissão de Programas de Investimento da Distribuição. Ou seja, os

planos decenais tinham a colaboração de uma grande quantidade de técnicos da holding e

também consideravam em suas avaliações, os impactos ambientais dos projetos de expansão

do sistema elétrico brasileiro, como os estudos da Comissão de Planejamento da Transmissão

da Amazônia e do Comitê Coordenador de Atividades do Meio Ambiente do Setor Elétrico,

ambos ligados ao GCPS.

Cada plano decenal avaliou o mercado a ser suprido e estabeleceu a seqüência de usinas geradoras, linhas de transmissão e metas físicas dos sistemas de distribuição, considerando critérios de atendimento ao mercado, a disponibilidade de recursos financeiros e a viabilidade físico-construtiva dos empreendimentos, inclusive os aspectos socioambientais (CACHAPUZ, 2002, p.342).

3.5.3 - O Início das Reformas no Setor Elétrico

Um importante marco nesses primeiros anos da década de 1990 foram as tentativas de

mudança no modelo institucional do setor elétrico. Desde a década passada, com o fim da

ditadura militar e as dificuldades financeiras encontradas pelas concessionárias, pressões

políticas foram ganhando cada vez mais força para que fosse realizada uma alteração no poder

das instituições envolvidas no setor. As primeiras discussões aconteceram no âmbito do

REVISE, criado em 1987 pelo MME. Posteriormente, com a nova Constituição brasileira de

Page 131: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

117

1988, o artigo 175 enfatizou a obrigatoriedade de licitações públicas para a concessão de

serviços de utilidade pública, dando uma abertura para a possibilidade de participação do

setor privado no setor elétrico.

O aumento da participação privada no setor elétrico foi ganhando mais força com a

chegada ao poder de Fernando Collor e a adoção dos ideais liberais, que já estavam em curso

em muitos países pelo mundo. A privatização de empresas públicas e a redução do tamanho

do Estado na economia eram pilares dessa ideologia, assim virou questão de tempo a

privatização de empresas do setor elétrico e a entrada em peso da iniciativa privada nesse

setor.

Durante o início da década de 1990, as concessionárias de distribuição estadual

voltaram a atrasar o pagamento da energia adquirida junto às empresas federais e os encargos

setoriais, afetando com isso, a capacidade de investimento das empresas do Sistema

Eletrobrás, que ainda sofriam com a concorrência da construção da usina hidrelétrica de

Xingó, prioritária durante o governo Collor na aplicação dos escassos recursos. Essa falta de

investimentos na expansão do setor elétrico só não trouxe graves conseqüências para a

economia brasileira devido ao crescimento médio negativo do PIB verificado durante a gestão

Collor.

Em junho de 1992, já durante o processo de impeachment, Collor resolveu dar início

ao processo de privatização do setor elétrico, colocando no PND as empresas federais Light e

a Escelsa, além de reduzir o número de empregados da Eletrobrás através de demissões e

desligamentos incentivados (CACHAPUZ, 2006). Foi durante a curta passagem de Itamar

Franco pela presidência do país que ocorreu a primeira importante mudança institucional da

década de 1990. A Lei 8.631 de 1993, entre outras medidas, estabeleceu a transferência “para

as concessionárias de energia elétrica a responsabilidade de fixar e reajustar suas tarifas, de

acordo com os custos de cada serviço, abandonando a prática de rentabilidade garantida”

(LANDI, 2006, p.97). A idéia era aumentar a busca das empresas por uma maior

produtividade e eficiência, garantindo assim, melhores resultados para a concessionária e para

o setor elétrico como um todo, pois agora as próprias empresas elaboravam uma proposta de

reajuste da sua tarifa e enviava para o exame do DNAEE. Outro ponto importante dessa lei foi

a implantação da obrigatoriedade de assinatura de contratos entre as distribuidoras e as

empresas geradoras de energia. Já Cachapuz (2006) destaca a importância dessa lei para o

Page 132: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

118

restabelecimento dos fluxos de recursos intra-setoriais que não estava funcionando bem desde

a década passada.

A flexibilização do processo de definição de tarifas foi reforçada pela exigência da celebração de contratos bilaterais entre supridoras e distribuidoras, que abriu um espaço de negociação até então inexistente. A responsabilidade pela determinação desses contratos foi atribuída aos organismos de coordenação da operação e da expansão dos sistemas elétricos dirigidos pela Eletrobrás. A Lei nº 8.631 estabeleceu, como garantias de pagamento dos contratos de suprimento, as receitas próprias das concessionárias supridas e a respectiva autorização de débito automático de suas contas bancárias em caso de inadimplemento (CACHAPUZ, 2006, p.484).

Ainda no ano 1993, os Decretos 915 e 1.009 estabeleceram a permissão de acesso de

autoprodutores à rede federal de transmissão, que aumentaria a competição entre as empresas

geradoras de energia, e também instituiu a criação do Sistema Nacional de Transmissão de

Energia Elétrica (SINTREL) – que seria administrado pela Eletrobrás, permitindo o acesso à

rede de transmissão das empresas do Sistema Eletrobrás, porém preservando esses ativos sob

a administração da holding. Esses dois decretos mais a Portaria 337 de abril de 1994,

propiciaram as condições de competição na atividade de geração e na comercialização da

energia elétrica, com o objetivo principal de aumentar a participação privada na área de

geração (LANDI, 2006).

A privatização das empresas estatais do setor elétrico permaneceu em aberto durante o

governo Itamar Franco, que cancelou a publicação do edital de privatização da Escelsa e da

Light, deixando para o próximo governo a decisão sobre a venda dessas empresas. A

privatização do setor elétrico não era uma tarefa fácil, pois algumas situações precisavam ser

resolvidas: o equilíbrio econômico-financeiro das empresas; a difícil negociação com os

governos estaduais, que eram os donos das empresas distribuidoras de energia estaduais; e a

volta do pagamento das obrigações setoriais por parte das distribuidoras de energia,

principalmente o pagamento da energia comprada das geradoras, já que apenas dessa forma, a

iniciativa privada teria interesse em adquirir as empresas da atividade de geração (BRUNI,

2006).

O presidente Itamar Franco também se opôs à proposta de divisão da Eletrobrás em duas empresas, prevendo a transferência do controle acionário das grandes geradoras federais para uma nova empresa, denominada Eletrobrás Participações (Eletropart). A proposta surgiu de estudos do corpo técnico da Eletrobrás, do BNDES e do Ministério de Minas e Energia, chegando a ganhar a forma de minuta de Medida Provisória em abril de 1994 (CACHAPUZ, 2006, p.487).

Page 133: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

119

Segundo Cachapuz (2006), essa opção seria uma alternativa à privatização das grandes

geradoras federais, já que a Eletropart teria o controle das empresas CHESF, Furnas,

Eletronorte e Eletrosul, e teria o seu capital aberto à iniciativa privada com a oferta de ações a

serem negociadas na bolsa de valores. A antiga Eletrobrás não seria extinta, ficaria com a

responsabilidade de administrar a parte nacional da Itaipu Binacional, a geração nuclear de

energia, além de permanecer com as suas funções de coordenadora do planejamento do setor

elétrico, e das atividades de preservação do meio ambiente. Itamar Franco não aceitou essa

divisão da Eletrobrás e deixou para o próximo presidente a definição sobre as privatizações do

setor e do rumo a ser dado à Eletrobrás.

Page 134: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

120

Capítulo 4 – AS REFORMAS NO SETOR ELÉTRICO E AS

PERSPECTIVAS PARA A ELETROBRÁS

No último capítulo desse trabalho, as reformas que aconteceram no setor elétrico serão

discutidas, assim como as conseqüências delas para a Eletrobrás que teve reduzida as funções

que deveriam ser executadas pela empresa. As duas primeiras seções desse capítulo mostrarão

as reformas no setor elétrico empregadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e

posteriormente pelo governo Lula, e qual o envolvimento que a Eletrobrás teve com as

privatizações e as mudanças setoriais. A terceira seção apontará o novo papel que a Eletrobrás

teve que desempenhar após as reformas do setor e a criação de novos agentes, que reduziram

o seu espaço de atuação. Nas duas seguintes seções será exposto o cenário atual no setor

elétrico brasileiro e os números da Eletrobrás, além de traçar uma perspectiva futura para o

setor e para a atuação da empresa. A última seção desse trabalho retomará novamente à teoria

sobre as empresas “campeãs nacionais” e testará a sua aplicabilidade ao caso da Eletrobrás.

4.1 - AS REFORMAS NO SETOR ELÉTRICO

O governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) teve o seu início em janeiro de

1995, apoiado no sucesso do Plano Real, que devolveu a taxa de inflação a níveis aceitáveis.

FHC deu prosseguimento à adoção dos ideais liberais e a abertura comercial e financeira do

país. A sua política econômica era voltada tanto para a estabilização monetária, quanto para a

redução do tamanho e da importância do Estado, e a sua intenção era acabar de vez com o

modelo de crescimento adotado desde o governo Vargas, em que o Estado estava à frente do

processo de desenvolvimento do país, sendo a principal fonte de investimento da economia. O

seu desafio era aumentar a participação privada nos empreendimentos e setores, e restringir a

atuação do Estado, passando a ter um papel mais de regulador das atividades econômicas do

que de produtor de bens e serviços. Para isso, FHC seguiu algumas experiências

internacionais, reformulou institucionalmente inúmeros setores e aprofundou o processo de

privatização de empresas públicas.

Page 135: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

121

4.1.1 - As Reformas Promovidas por FHC

Em relação ao setor elétrico especificamente, o governo FHC priorizou a privatização

das empresas estatais que atuavam na área de distribuição, em sua ampla maioria em poder

dos governos estaduais, pois seria muito difícil vender empresas geradoras sem que já

estivesse sido estabelecido um novo marco regulatório para o setor, assim como um mercado

para a venda de energia. A intenção do governo era criar um ambiente competitivo, com a

entrada de novos agentes privados, o que resultaria em novos investimentos e uma busca por

maior eficiência no setor.

A Lei 8.987 de fevereiro de 1995, que ficou conhecida como Lei Geral das

Concessões, pode ser considerada como o marco inicial das reformas durante o período FHC.

Essa lei deliberou sobre o regime de concessões, definindo a obrigatoriedade de licitação para

a outorga de serviços públicos sob o regime de concessão ou permissão, a exigência de um

prazo determinado nessas concessões, além de determinar alguns critérios para julgar os

vencedores nos processos de licitações, entre outras medidas. Em julho de 1995, foi aprovada

a Lei 9.074 com algumas mudanças para as concessões no setor elétrico, determinando “as

regras gerais na licitação de concessões para projetos de geração e transmissão de energia

elétrica, estabelecendo os direitos e as obrigações das concessionárias” (FARIA, 2003, p.33).

Landi (2006) afirma que a Lei 8.987 só foi aprovada quando o governo aceitou redigir uma lei

própria para o setor elétrico, devido às suas especificidades.

Essa lei seria a 9.074, que determinou a possibilidade de prorrogação das concessões

em vigência na época, em até 20 anos, reconheceu o Produtor Independente de Energia (PIE),

estabeleceu o livre acesso às redes de transmissão e distribuição, e aumentou a barganha dos

grandes consumidores47 de energia elétrica, ao liberar a sua compra de energia, pois eles não

precisariam mais comprá-la da distribuidora local. Outro ponto importante da Lei 9.074 foi

determinar que todas as concessões realizadas sem licitação depois da promulgação da

Constituição de 1988, seriam canceladas, abrindo espaço para abertura de novas licitações e

para uma maior entrada da iniciativa privada no setor.

A lei também definiu o prazo das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica contratadas no novo regime legal (35 anos para geração e 30 anos para transmissão e distribuição, prorrogáveis no máximo por iguais períodos)

47 Esses grandes consumidores que tinham a liberdade de escolher o seu fornecedor de energia foram chamados de consumidores livres.

Page 136: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

122

e autorizou os consumidores com demanda igual ou superior a 10 MW atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV a negociarem contratos de fornecimento de energia com produtores independentes e com empresas públicas de geração ou distribuição, situadas em outra área de concessão (CACHAPUZ, 2006, p.492).

Um marco importante para o processo de reforma institucional do setor elétrico

aconteceu em dezembro de 1996, com a promulgação da Lei 9.427, criando a Agência

Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) como órgão regulador setorial, vinculada ao

Ministério de Minas e Energia, sob a forma de autarquia especial e com a sua sede em

Brasília. A ANEEL passou a funcionar em dezembro do ano seguinte, tomando o lugar do

DNAEE que foi extinto nessa ocasião, contando com uma diretoria de cinco membros48 - sob

a forma de colegiado, todos nomeados pelo presidente da República, mediante a aprovação do

Senado. Dentre as funções da ANEEL, pode-se destacar: promover licitações de novas

concessões; fixar o critério dos preços de transporte de energia nos sistemas de transmissão e

distribuição; regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de

energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal; aprovar

estudos de viabilidade de novos empreendimentos; fiscalizar os contratos de concessão e

aplicar multas; homologar reajustes na tarifa de energia elétrica; cuidar da qualidade dos

serviços prestados; além de zelar pelo equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias de

energia elétrica.

A ANEEL foi constituída como autarquia sob regime especial para desempenhar funções executivas (de concessão e fiscalização), legislativas (criação de regras e procedimentos com força normativa) e judiciária (imposição de penalidades, interpretação de contratos e julgamentos) com autonomia administrativa, financeira e decisória (CACHAPUZ, 2006, p.497).

Em maio de 1998, foi aprovada a Lei 9.648 que preencheu algumas lacunas deixadas

em aberto na reforma do setor elétrico, criando o Mercado Atacadista de Energia (MAE) e o

Operador Nacional do Sistema (ONS). Segundo Leite (2007), a criação do MAE foi aprovada

pela ANEEL em agosto de 1998, e pelas concessionárias de energia, mediante a assinatura de

um acordo no qual essas empresas faziam parte. O MAE seria o ambiente onde seriam

realizadas as compras e vendas de energia elétrica no sistema interligado e onde seria definido

o preço spot dessa energia comercializada. O MAE entrou em operação oficialmente em

setembro de 2000, passando a ser o responsável pela contabilização da energia contratada

48 Os dirigentes da agência teriam estabilidade no cargo, pois tinham a garantia do mandato fixo de quatro anos, com um critério muito rígido para exoneração do cargo, reduzindo assim, a influência política sobre suas decisões e deliberações.

Page 137: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

123

pelas empresas e pela energia efetivamente transferida, e caso houvesse diferença, ela seria

liquidada no MAE, ao preço estabelecido para cada submercado49. Cabia também ao MAE a

distribuição entre as empresas das perdas verificadas em todo o sistema e a aplicação de

penalidades.

ANEEL foi incumbida de estabelecer a regulamentação do MAE, coordenar a assinatura do Acordo de Mercado pelos agentes, definir as regras de organização do operador independente e implementar os procedimentos necessários ao seu funcionamento (CACHAPUZ, 2006, p.507).

Já o ONS foi criado em paralelo com a formação do MAE, sendo constituído como

entidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e com a participação de membros das

empresas concessionárias nas atividades de geração, transmissão e distribuição conectadas ao

sistema interligado brasileiro, além da participação de consumidores livres. O ONS conta com

uma diretoria executiva composta por quatro membros e um conselho administrativo formado

por representantes das áreas de geração, transmissão e comercialização de energia elétrica, e

um representante do governo, indicado pelo MME, que detém o poder de veto sobre as

deliberações do ONS. A ANEEL também tem a sua importância junto ao ONS, pois qualquer

mudança em seu estatuto precisa ser aprovada pela agência. Essa instituição foi

progressivamente assumindo as funções do Grupo Coordenador da Operação Interligada

(GCOI), organismo colegiado liderado pela Eletrobrás. Na verdade, foi dado um prazo de

nove meses para que o ONS assumisse as funções do GCOI, que após esse período, seria

automaticamente extinto.

Dentre as funções do Operador Nacional do Sistema Elétrico, pode-se destacar a tarefa

de otimizar a operação do sistema, com o menor custo possível, respeitando as questões

técnicas, os padrões de qualidade e a confiabilidade do sistema como um todo. Dessa forma, é

função do ONS: planejar e fazer a programação da operação e o despacho centralizado da

atividade de geração; supervisionar e coordenar os centros de operação de sistemas elétricos;

disponibilizar as condições de acesso às redes de transmissão, através da contratação e

administração desses serviços; e propor à ANEEL as ampliações ou melhoramentos das

instalações da rede básica de transmissão, para serem licitadas ou autorizadas.

O Operador Nacional do Sistema (ONS) teria um papel fundamental no novo arranjo do setor elétrico brasileiro, executando a regulação técnica do sistema,

49 Existiam quatro submercados no MAE: Sul, Sudeste, Norte e Nordeste. Além disso, os preços eram diferentes em função de cada patamar de carga: pesada, média e leve.

Page 138: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

124

reunindo as funções de planejamento, programação e execução da operação das usinas que atenderiam à demanda. Assim, o ONS era o responsável pela manutenção da integridade do sistema, operando um conjunto de modelos de otimização que definiam o despacho das centrais e, finalmente, o preço spot no Mercado Atacadista de Eletricidade (PINTO JR., 2007, p.222).

4.1.2 - O Processo de Privatização

Simultaneamente com a implementação das reformas no setor elétrico, foi ocorrendo o

processo de privatização das concessionárias públicas, ou seja, antes que o aparato regulatório

tivesse sido definido e todas as instituições que fariam parte desse novo modelo estivessem

criadas, as empresas estatais começaram a ser vendidas à iniciativa privada, o que acarretaria

problemas no futuro. Ou seja, para Souza (2002), da forma como todo esse processo foi

evoluindo, ficava claro que o objetivo da reforma era a privatização, e as transformações

institucionais que foram ocorrendo em paralelo, eram uma conseqüência e uma necessidade

para que esse objetivo fosse alcançado. As privatizações tiveram o seu início com a venda das

distribuidoras federais Light e Escelsa, já durante o governo FHC, enquanto a CERJ foi a

primeira empresa estadual a ser vendida, o que ocorreu em novembro de 1996.

O BNDES teve um papel central nesse processo de privatização, pois foi o órgão

responsável por estudar as condições de venda das empresas e de executar as decisões do

Conselho Nacional de Desestatização (CND), ou seja, foi o coordenador do processo de

privatização das empresas federais e estaduais. A escolha de vender as empresas

distribuidoras de energia primeiramente, não foi uma escolha ao acaso, pois era a atividade

mais fácil de vender, já que a receita recebida pela empresa viria diretamente dos

consumidores de energia e não era necessário estar todo montado o aparato regulatório para

que elas fossem vendidas.

Em abril de 1995, foi aprovada a inclusão da Eletrobrás e das suas subsidiárias

regionais no Plano Nacional de Desestatização (PND), proposta essa feita pelo ministro de

Minas e Energia e aprovada pelo CND50. Meses depois, o CND aprovou a venda dos sistemas

de geração, transmissão e distribuição pertencentes à Eletronorte em algumas capitais da

região Norte que eram abastecidas pelos sistemas isolados, além de algumas usinas geradoras

das demais empresas do Sistema Eletrobrás. Porém, em dezembro de 1996, foi revista pelo

50 O CND era composto por um representante do BNDES e por mais quatro membros permanentes: os ministros da Fazenda, Planejamento, Casa Civil e o ministro da Administração e Reforma do Estado.

Page 139: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

125

CND a idéia de vender esses empreendimentos, principalmente de geração, deixando para o

futuro a venda das empresas do Sistema por inteiro, ou seja, com todos os seus ativos.

Leite (2007) afirma que a decisão de vender as empresas regionais do Sistema

Eletrobrás teve uma importante contestação política, visão essa que também é verificada em

Souza (2002) ao atestar que só os ativos de geração da Eletrosul foram vendidos, porque

dentre as quatro empresas regionais – Furnas, Eletronorte, Eletrosul e CHESF, aquela era a

que tinha o menor peso político, já que Furnas era responsável pelo suprimento da região mais

importante do país, e a CHESF e Eletronorte eram importantes ferramentas para o

desenvolvimento das regiões que elas atendiam, como a construção de empreendimentos de

irrigação, por exemplo. Assim, em maio de 1998, a Eletrosul teve os seus ativos de geração

separados dos seus ativos de transmissão, e para isso foi criada a Gerasul, sendo responsável

pelos primeiros ativos e a Eletrosul ficou apenas com a parte de transmissão. Após a cisão das

suas atividades, a Gerasul teve os seus ativos vendidos em setembro de 1998, se tornando até

hoje a única empresa de geração federal vendida à iniciativa privada. Depois da reeleição de

FHC em 1999, devido a vários motivos, foi reduzido o ritmo de privatizações no setor

elétrico, mesmo assim, entre 1995 e 2000, a receita proveniente da venda dessas empresas

somava mais de 30 bilhões de dólares.

Na prática, o projeto de privatização total tomou três rumos diferentes: em um extremo houve a privatização quase completa da distribuição, e em outro permaneceu estatal quase toda a transmissão. Entre as geradoras a venda foi parcial, mantendo-se a maior parte da capacidade então existente sob o domínio federal (LEITE, 2007, p.302).

4.1.3 - Os Motivos que Levaram ao Racionamento de Energia

A reforma de importantes setores da economia brasileira e especificamente o setor

elétrico sofreu influência das experiências internacionais. Os principais objetivos a serem

alcançados pela reestruturação, seria a retomada dos amplos investimentos nas três áreas do

setor elétrico e a introdução da concorrência, que traria melhorias na qualidade dos serviços e

na redução dos custos de produção da energia. Pinto Jr. (2007) explica que a reforma

implantada na década de 1990 não deu a devida importância a alguns aspectos fundamentais

para o bom funcionamento do setor: o planejamento e a coordenação. O primeiro é

indispensável devido à característica do setor elétrico em geral, necessidade de grandes

Page 140: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

126

investimentos e longo prazo para a entrada em operação do empreendimento. O segundo

aspecto é mais relacionado com a especificidade do caso brasileiro, onde a grande parte da

energia elétrica gerada vem de usinas hidrelétricas, algumas delas de grande porte, e em

alguns casos, a energia gerada fica a milhares de quilômetros de distância das unidades

consumidoras. Dessa forma, há uma grande necessidade de coordenação entre as empresas do

setor para que o sistema como um todo funcione bem.

Pinto Jr. (2007) também cita a negligência quanto à falta de coordenação entre as

novas instituições criadas. Para ele, as três instituições básicas do setor, a ANEEL, MAE e

ONS, além das instituições com papéis secundários, como o Conselho Nacional de Política

Energética e o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos,

não tinham uma boa coordenação entre elas, e com isso, o monitoramento e o planejamento

do setor elétrico ficou prejudicado. Dessa forma, o governo dava sinais de que caberia à

iniciativa privada e ao mercado, o papel de coordenação mais importante, relegando às

instituições criadas, um papel apenas secundário.

A falta de coordenação entre as novas instituições do setor elétrico foi apontada por

Pinto Jr. (2007) como um dos motivos para a grande crise energética enfrentada pelo Brasil

em 2001, já que elas não foram capazes de identificar o problema em tempo hábil para que

fossem realizadas medidas necessárias contra a crise, e nem tiveram a capacidade de reunir

recursos e esforços para enfrentá-la. “De fato, a crise de racionamento de energia, vivenciada

ao longo de 2001, acabou por revelar certas falhas e alguns limites do modelo, levando,

inclusive, a reformulação da proposta original” (LANDI, 2006, p.121). Um dos principais

motivos apontado pelos especialistas para a crise energética foi a incerteza gerada pelas

reformas institucional e regulatória no setor elétrico, que eram vistas como reformas

incompletas e que precisariam de uma complementação em um futuro próximo. Assim, a

incerteza levou que as empresas, tanto públicas como as recém privatizadas, adiassem os

novos investimentos e os empreendimentos responsáveis pela expansão do setor, diminuindo

o ritmo de crescimento da oferta de energia e a qualidade e confiabilidade do sistema elétrico.

Page 141: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

127

4.1.4 - A Contra-Reforma do Governo Lula

Em 2003, Lula assumiu a presidência da República e anunciou algumas

transformações na política energética nacional. A reforma de Lula para o setor elétrico

buscava dar mais poder ao Estado e às suas instituições e diminuir um pouco a importância da

iniciativa privada para o desenvolvimento do setor. Ao contrário do governo FHC que tentou

transferir o máximo possível de empresas e funções ao setor privado, em busca de uma maior

competitividade e eficiência, para Lula, o setor público também poderia ser eficiente e

competente na administração de empresas. Soma-se a esse potencial público, o descrédito no

comportamento das empresas privadas em transformar a busca pelo lucro, em

desenvolvimento do setor elétrico como um todo.

Outro ponto importante da reforma proposta pelo novo governo foi de criar novamente

meios de planejar a expansão futura da capacidade de produção de energia elétrica para

atender ao crescimento da demanda por energia e evitar o recente episódio de racionamento

de energia ocorrido no país. A reforma do setor elétrico manteve a idéia central de

concorrência nas atividades do setor, porém trouxe de volta ao nível governamental algumas

importantes funções que foram sendo tiradas ao longo dos anos.

Em linhas gerais, o novo modelo centralizava as decisões de planejamento energético no âmbito governamental e introduzia importantes modificações no ordenamento institucional vigente, mantendo entretanto a concepção de livre concorrência nos mercados de geração e comercialização e de regulação nos segmentos de transmissão e distribuição (CACHAPUZ, 2006, p.664).

A Lei 10.847 de 2004 criou a Empresa de Planejamento Energético (EPE) para

realizar estudos visando o planejamento integrado do setor energético e o seu plano de

expansão, funções essas, que anos antes, eram exercidas no setor elétrico pela Eletrobrás. A

EPE está vinculada ao MME, conta com uma diretoria de gestão corporativa e três diretorias,

além de um Conselho de Administração composto por seis membros com mandatos de três

anos, que foram nomeados pela presidente Lula. Leite (2007) destaca que as determinações da

EPE são apenas indicativas, elas não são impositivas, vai depender da vontade e capacidade

das empresas e instituições envolvidas em cada caso. Entre as inúmeras funções da EPE, é

possível destacar algumas: realizar estudos sobre os aproveitamentos de hidrelétricas; elaborar

estudos apontando os planos de expansão no curto, médio e longo prazos das atividades de

geração e transmissão; obter a licença ambiental prévia dos empreendimentos propostos;

Page 142: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

128

calcular o custo marginal de referência que será usado nos leilões de energia; acompanhar a

execução de projetos e estudos; e desenvolver estudos sobre a viabilidade técnico-financeira

de empreendimentos, além dos impactos social e ambiental (PINTO JR., 2007).

Ainda em 2004, a Lei 10.848 criou novas instituições no setor elétrico e estabeleceu

regras gerais sobre a comercialização de energia elétrica. Foram criados dois ambientes de

negociação de energia, o Ambiente de Contratação Livre (ACL) e o Ambiente de Contratação

Regulada (ACR), a diferença entre eles está nos agentes que compram a energia negociada.

No primeiro ambiente, só é permitida a negociação de energia pelos consumidores livres,

enquanto no outro ambiente, somente as empresas distribuidoras. Ou seja, enquanto as

empresas geradoras e que comercializam energia podem negociar em ambos os ambientes, as

distribuidoras só podem comprar energia no mercado regulado.

As relações comerciais entre os agentes no ACL são livremente pactuadas e regidas por contratos bilaterais de compra e venda de energia elétrica, nos quais estão estabelecidos prazos e volumes. [...] A contratação no ambiente regulado é realizada por meio de leilões, nos quais os vencedores formalizam um conjunto de contratos entre cada um deles e todos os agentes de distribuição (PINTO JR., 2007, p.224).

A Lei 10.848 também criou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)

que substituiria ao MAE, com as atribuições principais de realizar os leilões de compra e

venda de energia elétrica e de manter o registro de todos os Contratos de Comercialização de

Energia no Ambiente Regulado (CCEAR), além de instituir o Comitê de Monitoramento do

Setor Elétrico, com a atribuição de verificar as condições de atendimento ao mercado no

horizonte de cinco anos e sugerir ações preventivas. Bruni (2006) também lembra que essa lei

foi a responsável pela retirada da Eletrobrás e de suas subsidiárias regionais do programa de

desestatização.

4.2 - A REAÇÃO E O ENVOLVIMENTO DA ELETROBRÁS ÀS

MUDANÇAS SETORIAIS E ÀS PRIVATIZAÇÕES NO SETOR ELÉTRICO

BRASILEIRO

As profundas mudanças que ocorreram no setor elétrico durante a década de 1990

ocasionaram uma importante alteração na atuação da Eletrobrás e em seu relacionamento com

o setor elétrico. O processo de privatização das empresas públicas do setor, principalmente as

Page 143: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

129

distribuidoras, e a reformulação institucional que acabou criando novos agentes no setor

elétrico brasileiro, reduziram a importância da Eletrobrás para o desenvolvimento energético

do país, alteraram internamente o funcionamento da empresa e mudaram as suas funções

setoriais. Essas mudanças no setor elétrico foram influenciadas pela adoção dos ideais liberais

pelo governo FHC, que modificou o rumo da política econômica empregada até a década

anterior, dando um maior espaço para a iniciativa privada nas decisões econômicas do país.

4.2.1 - As Propostas do Consórcio Coopers & Lybrand

As mudanças setoriais foram resultado de um estudo realizado por uma consultoria

estrangeira contratada para ajudar o governo brasileiro a elaborar um novo marco regulatório

para o setor elétrico. No início de 1996, coube à Eletrobrás a incumbência de realizar um

processo de licitação com empresas estrangeiras para escolher a consultoria que realizaria

estudos para as mudanças setoriais. A empresa ganhadora da licitação foi a britânica Coopers

& Lybrand que liderava um consórcio formado por mais sete empresas e que assinou o

contrato com a Eletrobrás em julho de 1996. Esse trabalho foi concluído em junho de 1997 e

contou com a ajuda de técnicos do BNDES, das concessionárias do setor, do DNAEE e da

própria Eletrobrás.

Segundo Goldenberg e Prado (2003), o corpo técnico da Eletrobrás não era contrário à

idéia de mudanças institucionais e a reforma do setor elétrico, porém apontavam algumas

medidas que não deveriam ser tomadas caso quisessem o desenvolvimento racional do setor.

Alguns técnicos já no final de 1994 viam a incompatibilidade da cooperação entre as

empresas – premissa básica para o planejamento e operação integrada dos sistemas

interligados, e a procura de uma maior concorrência no setor, visando a uma melhora na

eficiência. Pensavam que devido à especificidade51 do caso brasileiro, para que se

aproveitassem eficientemente as oportunidades energéticas, era preciso ter um planejamento

comum e uma coordenação na ação dos agentes do setor, algo que era contrário ao ideal

liberal de concorrência.

51 Maior parte da energia gerada por meio de hidrelétricas, grande porte dos empreendimentos e a grande distância entre os centros consumidores e o local onde a energia é gerada.

Page 144: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

130

As principais recomendações dos técnicos da Eletrobrás eram: a continuidade dos

mecanismos existentes de planejamento e operação colegiados (GCPS e GCOI), que caso

fossem extintos, deveriam ser criadas instituições com atribuições semelhantes; e a não

desestruturação das grandes redes de transmissão, que propiciavam uma maior eficiência e

confiabilidade do sistema elétrico brasileiro, ao transferir energia de uma usina ou região, para

um outro sistema. Esses técnicos concluíam as suas argumentações afirmando que caso as

reformas do setor elétrico e as privatizações das empresas do setor não fossem bem feitas, o

Brasil corria um grande risco de diminuir o grau de confiabilidade do seu sistema elétrico, de

ocorrer a paralisação da coordenação entre as empresas do setor, e a elevação real dos níveis

tarifários cobrados dos consumidores.

Em linhas gerais, argumentava-se que em sistemas de base hidráulica, como é o caso do Brasil, o interesse do sistema como um todo muitas vezes não coincide com os interesses de curto prazo de suas partes componentes, e é muito difícil fazer com que mecanismos simples de mercado traduzam, para cada uma das partes, as necessidades globais do sistema. Seria, pois, necessário um órgão coordenador de planejamento e operação do sistema (GOLDENBERG e PRADO, 2003, p.227).

Dessa forma, devido a posição contrária em relação a alguns pontos importantes da

reforma de cunho liberal, o quadro de funcionários da Eletrobrás passou a sofrer pressão

política, resultando em mudanças de cargos e funções dentro da holding. De acordo com

Goldenberg e Prado (2003), a participação de técnicos da Eletrobrás na elaboração das

reformas setoriais em conjunto com a consultoria Coopers & Lybrand, foi meramente para

discutir como introduzir o modelo de reestruturação já escolhido pelo governo, assim, não

houve a participação da holding na elaboração das alternativas que poderiam ser

implementadas. Além disso, para os técnicos da empresa, a privatização da Eletrobrás e das

suas subsidiárias era somente uma questão de tempo, dependendo apenas da resolução de

alguns entraves legais e político. Esse quadro de apreensão dos funcionários das empresas do

Sistema Eletrobrás - já que privatização significava a redução de alguns milhares de postos de

trabalho - só foi diminuído com a vitória de Lula na eleição para o cargo de presidente do

país, e foi realmente sacramentado com a retirada das empresas do Sistema Eletrobrás do

PND em 2004.

Entre as principais sugestões apresentadas pelo relatório da Coopers & Lybrand

estavam a criação do Mercado Atacadista de Energia (MAE) e de um órgão regulador setorial

independente (ANEEL), a segregação das atividades de energia elétrica – geração,

transmissão, distribuição e comercialização – e a conseqüente desverticalização das empresas

Page 145: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

131

do setor, e a criação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), substituindo ao Grupo

Coordenador para Operação Interligada (GCOI), responsável pela administração e operação

do sistema elétrico brasileiro. Para Landi (2006), os dois objetivos centrais do estudo sobre as

reformas setoriais eram manter sobre a tutela do governo as funções política e de

regulamentação, e por outro lado, transferir para a iniciativa privada algumas

responsabilidades que antes estavam sendo executadas pelo setor público, como a operação e

os investimentos do setor.

Na análise de Mello (1999), segundo as recomendações dos estudos do consórcio

Coopers & Lybrand, o papel da Eletrobrás no setor elétrico ficaria extremamente reduzido,

pois ela só manteria a função de holding das empresas federais e teria provisoriamente o papel

de agente financeiro setorial (AFS). A função de planejamento passaria a ser responsabilidade

do Instituto de Desenvolvimento e Prestação de Serviços do Setor Elétrico52 (IPSSE), assim

como o Centro de Memória da Eletricidade, o Programa Nacional de Conservação de Energia

Elétrica (PROCEL), os arquivos e bibliotecas, pois o IPSSE também seria um prestador de

serviços e teria uma estrutura semelhante ao do ONS53.

Instituto a ser criado, assumira diversas atividades exercidas pela ELETROBRÁS, inclusive as referentes às relações internacionais, à memória da eletricidade, à biblioteca, ao relacionamento com a indústria, aos estudos de pré-viabilidade, à coordenação do COMASE, ao desenvolvimento de pequenas usinas e, finalmente, à operação do PROCEL. Da mesma forma deveria apoiar a ANEEL na licitação de concessões e coletar dados hidrológicos, assumindo, quase integralmente, as atribuições da Diretoria de Planejamento e Engenharia da ELETROBRÁS (CHUAHY e VICTER, 2002, p.72).

Quanto à função de agente financeiro, caberia à Eletrobrás facilitar o investimento

privado através do oferecimento de certas garantias e no compartilhamento de riscos, além de

ajudar no financiamento de novos projetos hidrelétricos e em áreas menos favorecidas. Assim,

o agente financeiro deveria desempenhar: compartilhamento de riscos; mobilização de

poupança nacional; atividades creditícias; e pagar indenizações. A escolha da Eletrobrás para

desenvolver esse papel não seria por acaso, já que os ativos da empresa seriam a principal

fonte de financiamento dessa sua nova atividade, pois Mello (1999) aponta que a holding

poderia resgatar mais de US$ 16 bilhões que poderiam ser utilizados para financiar o setor

privado.

52 O IPSSE substituiria o Grupo Coordenador do Planejamento da Expansão do Sistema Elétrico (GCPS). 53 Visto anteriormente.

Page 146: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

132

Esse papel de agente financiador seria desempenhado pela Eletrobrás no curto prazo, e

no longo prazo, essa determinação poderia ser reavaliada, podendo essa função permanecer

com a Eletrobrás, ser transferida para o BNDES ou para alguma outra empresa. Também era

função do agente financiador proteger da variação cambial, ou indexar as tarifas a essas

variações, e utilizar o seu prestígio para conseguir obter empréstimos junto aos organismos

internacionais e repassar para os agentes privados. “O AFS poderia contribuir para o projeto

de financiamento fazendo empréstimos subordinados, assumindo os riscos relativos às

questões ambientais ou a mudança regulatória” (FERREIRA, 2000, p.202).

Como uma das diretrizes básicas do modelo proposto era a segregação das atividades entre os agentes, a Coopers & Lybrand recomendou a reestruturação das empresas regionais da Eletrobrás e o desmembramento de Furnas, CHESF, Eletrosul e Eletronorte. Os ativos de geração e transmissão das quatro subsidiárias da Eletrobrás deveriam ser separadas, tendo em vista a criação de empresas atuantes exclusivamente num ou noutro desses segmentos. Em princípio, os consultores preconizaram a manutenção da Eletrobrás como agente financeiro setorial e holding estatal controladora de algumas empresas não privatizáveis, em especial Itaipu e, eventualmente, da rede federal de transmissão, dependendo da política de privatização adotada pelo governo (CACHAPUZ, 2006, p.503).

A desverticalização das empresas federais subsidiárias da Eletrobrás para a sua venda

futura foi um dos tópicos sugeridos pelo estudo da consultoria Coopers & Lybrand. A Lei

9.648 de maio de 1998 alterou alguns dispositivos de leis sobre o setor elétrico com intuito de

se aplicar algumas das recomendações feitas pela consultoria, como o modelo de

comercialização da energia elétrica e a reestruturação da Eletrobrás e suas subsidiárias, em

vista à privatização54. O projeto de venda das subsidiárias da Eletrobrás fez parte de um

movimento maior, de venda das empresas públicas do setor de energia elétrica para a

iniciativa privada, iniciado pela negociação das empresas federais de distribuição Light55 e

Escelsa56. Como já foi visto anteriormente, durante o governo de Itamar Franco, o projeto de

dividir a Eletrobrás em duas empresas, sendo que uma (Eletropart) ficaria com o controle

acionário das geradoras federais para posterior venda de ações e abertura de capital57, não

seguiu adiante.

54 A Eletrobrás e suas subsidiárias já tinham sido incluídas no Plano Nacional de Desestatização (PND) em 1995, através do Decreto 1.503. 55 A Light foi vendida em maio de 1996 pelo preço mínimo, R$ 2.216 milhões. 56 A venda da Escelsa aconteceu em julho de 1995, com um ágio de 11,7%, por R$ 320,2 milhões. 57 Seria uma alternativa de entrada da iniciativa privada nessas empresas sem a necessidade de privatizá-las, ou seja, sem a venda dos ativos físicos.

Page 147: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

133

4.2.2 - A Importância da Eletrobrás na Privatização de Empresas do Setor Elétrico e o

Resultado desse Processo para a Empresa

A Eletrobrás teve um papel importante nas privatizações de empresas do setor elétrico,

assim como o BNDES. O banco além de ter gerenciado as privatizações, sendo o órgão gestor

do PND, teve a importante função de adiantar recursos para os estados tentarem ajustar as

contas das suas empresas de distribuição antes de privatizá-las, e também emprestou dinheiro

para financiar os compradores das empresas privatizadas em até 50% do preço mínimo

definido para cada empresa, reduzindo a quantia a ser desembolsada pelo vencedor do leilão.

Já a importância da Eletrobrás nas privatizações foi menor, porém relevante. Algumas

empresas firmaram acordo com a holding para que ela compartilhasse a administração da

empresa, com o intuito de saneá-la antes da privatização, pois caso contrário, devido a

precária condição que algumas empresas distribuidoras estaduais se encontravam, o leilão de

venda da empresa poderia ser um fracasso, sem ofertas para a compra da concessionária. Esse

foi o caso da ENERSUL, vendida em 1997, da CEMAT (1997), ENERGIPE (1997),

COSERN (1997), CELPA (1998), CEMAR (2000) e SAELPA (2000), que firmaram acordo

com a Eletrobrás. O acordo era realizado da seguinte forma: o governo do estado estabelece

um acordo com a Eletrobrás para uma gestão compartilhada da empresa estadual, com o

objetivo de equacionar a situação econômico-financeira da concessionária para viabilizar a

sua venda. Em troca, a Eletrobrás assumiria a gestão econômico-financeira da concessionária

estadual e teria a sua participação na empresa aumentada. Segundo Pinto Jr. (1998), esse

acordo entre a holding e as empresas estaduais não foi difícil, porque essas empresas deviam

recursos à Eletrobrás, e “a impossibilidade de equacionar o problema financeiro levou à troca

de parte da dívida das concessionárias por participação acionária da Eletrobrás” (PINTO JR.,

1998, p.206).

A Cemat foi a primeira distribuidora estadual a passar ao regime de gestão compartilhada com a Eletrobrás, por contrato assinado em setembro de 1996 entre o governo de Mato Grosso e a holding federal, com a interveniência do BNDES. No período de gestão compartilhada, a Eletrobrás renegociou diversos contratos de financiamento e débitos de suprimento de energia, assumindo o controle de 44,5% do capital votante e 50,9% do capital total da companhia. O governo mato-grossense obteve aporte de recursos do BNDES, no montante de R$ 38 milhões, a título de antecipação de receita de privatização (CACHAPUZ, 2006, p.535).

O Sistema Eletrobrás teve a sua primeira grande baixa com a venda da atividade de

geração da Eletrosul (Gerasul) em setembro de 1998. A Gerasul foi criada em dezembro de

Page 148: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

134

1997 em virtude da desverticalização da Eletrosul, que passaria a conter apenas ativos de

transmissão. A Gerasul foi constituída como subsidiária da Eletrobrás, com uma capacidade

instalada de 3.719 MW, o que correspondia a 6,8% da capacidade total de geração do país.

Faziam parte dos ativos da Gerasul, três usinas hidrelétricas, três termelétricas e três

empreendimentos ainda em construção, e o seu leilão ocorreu em 1998, onde foi vendida pelo

seu preço mínimo, R$ 947 milhões.

Apesar da perda de algumas subsidiárias, como a Gerasul, Light e Escelsa, o Sistema

Eletrobrás também incorporou alguns ativos. Entre 1997 e 2000, as concessionárias estaduais

CEAL, CEPISA, CERON, Eletroacre e CEAM tiveram o seu controle acionário adquiridos

pela holding com recursos da RGR, com os mesmos objetivos das empresas estaduais citadas

anteriormente: equacionar os problemas econômico-financeiros para viabilizar a futura

privatização das empresas. Segundo Cachapuz (2006), apenas a CEAM não foi incluída no

PND, sendo que a CEAL e a CERON chegaram a ter o seu leilão de venda programado,

porém não foram encontrados interessados em adquirir os seus ativos pelo preço mínimo.

Outra empresa que foi incorporada pela Eletrobrás nesse período de mudanças

setoriais passando a integrar o campo das suas subsidiárias, foi a CGTEE, criada em 1997,

resultado da cisão da distribuidora estadual do Rio Grande do Sul, CEEE. A CGTEE,

possuidora de 490 MW de capacidade instalada dividida em suas três usinas termelétricas, foi

passada ao controle federal em 1998 em troca da quitação de parte da dívida do governo

estadual, sendo repassada ao Sistema Eletrobrás em julho de 2000.

Como já foi exposto acima, o resultado dos estudos realizados pela consultoria

Coopers & Lybrand implicou na publicação da Lei 9.648 em maio de 1998. Nessa lei, entre

outras coisas, foi proposta a reestruturação do Sistema Eletrobrás, com o intuito de se

desverticalizar as suas subsidiárias e de dividir em algumas sociedades por ações, a holding e

as suas subsidiárias para facilitar a futura privatização dessas empresas. Dessa forma, a lei

autorizou a divisão da Eletrobrás em até seis sociedades por ações, a Eletrosul em até duas

sociedades por ações, Furnas e CHESF em até três sociedades por ações cada uma, e por

último, a Eletronorte em até seis sociedades por ações.

Apesar de venda de parte da Eletrosul – a sua atividade de geração, o processo de

cisão e de privatização das grandes subsidiárias federais geradoras de energia não foi bem

sucedido. Segundo Cachapuz (2002), as mudanças nos cenários interno e externo a partir de

Page 149: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

135

1999 dificultaram o governo FHC a levar adiante a sua vontade de privatizar essas empresas,

pois aumentou consideravelmente a oposição política em todo o país e até dentro da base

governista contra a venda das subsidiárias da Eletrobrás e sobre a reestruturação do setor

elétrico. O caso mais emblemático foi a privatização de Furnas, que sofreu uma forte oposição

do governador recém eleito de Minas Gerais em 1998, Itamar Franco, que chegou até a

mobilizar a polícia militar estadual para defender as instalações de Furnas no estado contra a

sua provável venda.

De acordo com Chuahy e Victer (2002), após a vitória de FHC em 1999, o presidente

reeleito insistiu em privatizar Furnas no início do ano 2000. Para isso, o primeiro passo já

tinha sido realizado alguns anos antes, com a criação em 1997 da Eletrobrás Termonuclear –

Eletronuclear, “como resultado da cisão do segmento nuclear de Furnas e sua fusão com a

Nuclebrás Engenharia (NUCLEN)” (CACHAPUZ, 2002, p.371). Desde a sua criação, a

Eletronuclear já integrou o quadro de subsidiárias da Eletrobrás, passando a ser a responsável

pela a conclusão das obras de Angra II e pela operação da usina nuclear de Angra I. Essa

separação das atividades nucleares de Furnas era importante para a sua privatização, pois

segundo as leis brasileiras, havia um monopólio da União sobre as atividades nucleares, não

podendo ser repassado para a iniciativa privada.

No entanto, mesmo removido as restrições legais para a venda de Furnas através da

criação da Eletronuclear e da promulgação da Lei 9.648, o governo de FHC teve que rever a

sua posição a favor da privatização da empresa devido a alguns fatores importantes: a grande

oposição política contrária a venda de Furnas, que contou com políticos importantes como

Lula, Itamar Franco, Brizola e Antony Garotinho, além de alguns políticos da base governista;

a grande mobilização popular, principalmente nos estados onde a presença de Furnas era mais

forte, Rio de Janeiro e Minas Gerais; o processo aberto junto ao Supremo Tribunal Federal

contra a cisão da empresa; e por último, o valor do preço mínimo da venda estabelecido para a

empresa também gerou muita controvérsia, pois segundo o governo federal, Furnas teria um

preço mínimo de R$ 6 bilhões, enquanto alguns especialistas do setor elétrico avaliavam que a

empresa teria um valor muito maior, por volta de US$ 12 bilhões (CHUAHY e VICTER,

2002). O assunto sobre a privatização das empresas federais de distribuição só foi deixado de

lado após a grave crise energética que atingiu o Brasil em 2001, obrigando o país a racionar o

consumo de energia.

Page 150: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

136

4.2.3 - Como Foram Afetados os Investimentos do Sistema Eletrobrás e o Planejamento

no Setor Elétrico

Em relação aos investimentos realizados pela Eletrobrás nesse período de

reestruturação setorial, eles sofreram um forte impacto do contingenciamento de recursos para

o setor público. A Eletrobrás já vinha sofrendo desde a década de 1980 com o menor nível de

investimento em comparação com o PIB brasileiro, resultado dos problemas nas fontes de

financiamento do setor elétrico, o que só veio a piorar com a Resolução 1.464 de 1988 do

Conselho Monetário Nacional que impediu as empresas estatais de obterem novos

financiamentos junto aos bancos oficiais, entre eles o BNDES e o Banco do Brasil.

Na década de 1990, o nível de investimentos das empresas do Sistema Eletrobrás,

principalmente para a expansão da capacidade instalada do seu parque gerador, só veio a

piorar. Com o intuito de promover a entrada do capital privado no setor elétrico, o governo

FHC em 1995 editou dois decretos cassando 33 concessões58 que anteriormente tinham sido

dadas para a exploração de empresas públicas, federais e estaduais. Segundo Chuahy e Victer

(2002), o governo federal também procurou restringir de todas as formas o crescimento da

capacidade instalada do setor público. Dessa forma, a reação da Eletrobrás a essas restrições,

tanto financeira quanto jurídica, foi de diminuir o ritmo dos investimentos, até porque a

empresa tinha sido incluída no programa de desestatização. Então, assim como as demais

empresas do setor elétrico que entraram no PND, a holding e as suas subsidiárias reduziram

seus investimentos e diminuíram de uma forma geral, o total de dívida59 do Sistema

Eletrobrás, conforme a tabela 4.1. a seguir.

Tabela 4.1. - Dívida Total em R$ milhões de 2005 Ano

Sistema Eletrobrás

Demais Total

1995 56.113 80.555 136.6681996 45.624 74.872 120.4961997 41.439 78.621 120.0601998 42.066 97.664 139.7301999 31.388 109.863 141.2512000 30.331 107.070 137.4012001 34.687 127.739 162.4262002 38.853 144.934 183.7872003 29.587 122.729 152.3162004 28.947 114.978 143.9252005 26.956 105.326 132.282

Fonte: ALMEIDA e NEGRÃO, 2006. p.36.

58 De acordo com Cachapuz (2002), dessas 33 concessões canceladas, oito eram de Furnas, nove da Eletronorte, seis da CHESF e duas da Eletrosul. 59 Normalmente as empresas que entram no processo de privatização fazem um esforço para reduzirem o tamanho da sua dívida para se tornarem mais atrativa para a iniciativa privada.

Page 151: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

137

A partir do acordo afirmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1999 e o

estabelecimento de metas de superávit primário, as restrições ao investimento das empresas

estatais do setor elétrico aumentaram consideravelmente. Os investimentos das empresas

estatais eram considerados como gastos públicos e comprometeriam as metas de superávit

primário do governo, que tinham como objetivo, abater as dívidas do setor público. Assim,

mesmo que a empresa tivesse meios de investir, ela precisaria de uma autorização superior

para fazer isso.

Fato que foi comprovado por Rousseff (2003) ao afirmar que na saída do cargo de

presidente da Eletrobrás, Firmino Sampaio dizia que a empresa apesar de ter mais de R$ 3,5

bilhões em caixa para investir, ela não recebia autorização para realizar esses investimentos.

“De fato, o acordo firmado com o FMI proíbe as empresas públicas de investirem, medida

referendada pelo Conselho Nacional de Desestatização (CND) no que diz respeito às

empresas públicas no programa de privatização” (ROUSSEFF, 2003, p.183). Dessa forma,

segundo Landi (2006), durante os governos FHC, a Eletrobrás basicamente limitou-se a

exercer o seu papel de holding das subsidiárias federais enquanto elas ainda não fossem

privatizadas e de administrar os programas do governo federal para o setor elétrico, como o

Luz no Campo, PROCEL e o RELUZ60.

Para Almeida e Negrão (2005) além do problema da redução dos investimentos das

empresas do Sistema Eletrobrás, um outro ponto a ser destacado é que a estrutura do setor

elétrico pós-reformas não ajuda a retomada dos investimentos para o aumento da capacidade

instalada do país. Para esses autores, a distribuição que é o segmento que vem sendo

privilegiado na repartição dos lucros do setor elétrico, é a atividade que representa uma menor

taxa de crescimento dos investimentos. “A redução dos investimentos como percentagem do

EBTIDA, embora comum a todos os segmentos, é menor acentuada no caso do Grupo

Eletrobrás” (ALMEIDA e NEGRÃO, 2005, p. 43).

Como pode ser visto na tabela 4.2, a EBTIDA das distribuidoras pertencentes à

ABRADEE61 aumentou rapidamente partindo da base de 1995 até 2001, quando o resultado

das distribuidoras foi mais afetado do que as demais atividades do setor pelo período do

racionamento de energia elétrica. Porém, as empresas dessa atividade têm privilegiado a

60 Programa Nacional de Iluminação Pública Eficiente. 61 Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica.

Page 152: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

138

distribuição de dividendos e juros sobre o capital próprio, ao invés de investir para aumentar

e/ou melhorar a sua rede de distribuição (tabela 4.3). É comum distribuidoras pagarem mais

do que o limite mínimo de 25% do lucro líquido aos seus acionistas, como é o caso da

CEMIG que adotou uma política de pagar pelo menos 50% do seu lucro líquido

semestralmente.

Dessa forma, a explicação para a redução dos investimentos das empresas do Sistema

Eletrobrás está mais do que fundamentada: por mais que existissem dirigentes das empresas

do Sistema alinhados com os ideais liberais do governo federal, de priorizar a iniciativa

privada e reduzir o tamanho e as atividades do Estado, a diminuição dos investimentos da

Eletrobrás ocorreria de qualquer forma. Existiam impedimentos legais e políticos à expansão

das atividades, limitações de financiamentos externos ao setor e limitações de caixa gerado

pelas atividades do Sistema Eletrobrás. Sem os investimentos necessários para aumentar a

capacidade instalada do Brasil, o racionamento de energia que aconteceu em 2001 também

não foi uma surpresa para os especialistas do setor elétrico.

A explicação elaborada pela comissão nomeada pelo governo mostrou claramente que o racionamento não teria acontecido caso as obras identificadas nos planos decenais da Eletrobrás tivessem sido executadas e as obras programadas não estivessem atrasadas. Ficou evidente que o principal fator, responsável por quase 2/3 do racionamento, estava ligado à não implementação de novas usinas (GOLDENBERG e PRADO, 2003, p.231).

Tabela 4.2. – Evolução do EBTIDA – R$ milhões de 2004

AnoSistema

EletrobrásÍndice

Distribuidoras ABRADEE

ÍndiceDemais

EmpresasÍndice Total Índice

1995 2.524,4 100,0 5.275,3 100,0 1.594,2 100,0 9.393,9 100,01996 3.150,7 124,8 5.542,4 105,1 2.280,6 143,1 10.973,7 116,81997 3.711,3 147,0 5.568,8 105,6 1.943,5 121,9 11.223,6 119,51998 3.829,9 151,7 8.858,3 167,9 3.002,1 188,3 15.690,3 167,01999 3.956,6 156,7 8.956,2 169,8 2.602,0 163,2 15.514,8 165,22000 4.469,9 177,1 10.384,8 196,9 3.530,8 221,5 18.385,5 195,72001 6.051,1 239,7 13.301,7 252,1 4.774,4 299,5 24.127,2 256,82002 4.376,0 173,3 7.955,0 150,8 4.013,5 251,8 16.344,5 174,02003 5.638,6 223,4 9.521,7 180,5 5.057,2 317,2 20.217,5 215,22004 4.463,8 176,8 11.492,2 217,8 5.644,4 354,1 21.600,4 229,9

Fonte: ALMEIDA e NEGRÃO, 2005 p.40.

Page 153: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

139

Tabela 4.3. – Evolução dos Investimentos como Percentagem do EBTIDA

AnoSistema

EletrobrásDistribuidoras

ABRADEEDemais

EmpresasTotal

1995 98,2% 100,6% 122,4% 103,6%1996 93,7% 95,8% 78,9% 91,7%1997 100,8% 107,9% 137,3% 110,7%1998 125,7% 85,3% 93,0% 96,7%1999 115,8% 72,3% 96,4% 87,4%2000 72,7% 55,2% 94,2% 66,9%2001 55,6% 44,7% 54,3% 49,3%2002 95,3% 64,9% 56,6% 71,0%2003 54,6% 44,1% 28,9% 43,2%2004 64,2% 41,3% 17,3% 39,8%

Fonte: ALMEIDA e NEGRÃO, 2005 p.43.

Durante o período de reformas no setor elétrico, mais cinco planos decenais foram

realizados sob a coordenação da Eletrobrás, até a extinção do GCPS no ano de 1999. O

primeiro desses cinco planos foi concluído em dezembro de 1995, sendo analisado o período

de 1996 a 2005, se tornando o primeiro plano decenal de caráter apenas indicativo para a

expansão do setor elétrico brasileiro. Nesse plano, já ficava claro a mudança de ideologia no

setor, ao se dar um papel central à iniciativa privada para a construção de usinas hidrelétricas

e termelétricas, ou seja, o crescimento da capacidade instalada a partir daquele momento

dependeria mais dos investimentos privados do que dos investimentos estatais.

O Plano 2000-2009 aprovado em dezembro de 1999 foi o último plano elaborado no

âmbito do GCPS, que teve a sua extinção automática com a finalização dos trabalhos desse

plano. Sem ter mais funções, a holding decidiu acabar com o Departamento de Planejamento

que estava ligado à Diretoria de Engenharia, e a partir de então, o Comitê Coordenador do

Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (CCPE) assumiria as atribuições do extinto

GCPS. Nesse último plano, foi previsto a construção em caráter emergencial de 49

termelétricas para tentar solucionar a iminente falta de energia nos sistemas interligados do

país. Segundo Chuahy e Victer (2002), o planejamento da expansão do setor elétrico ficou

prejudicado com o fim do GCPS e da desmobilização dos técnicos do Departamento de

Planejamento da Eletrobrás, além da crescente recusa das concessionárias privadas de

fornecerem dados concretos sobre a empresa e seu mercado, sob a alegação de segredo

empresarial.

Page 154: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

140

4.3 - O NOVO PAPEL DA ELETROBRÁS PÓS-REFORMAS

Antes das reformas empregadas pelo governo FHC durante a década de 1990, a

Eletrobrás desempenhava importantes funções no setor elétrico. Para Leite (2007), a empresa

tinha cinco papéis principais: controladora das subsidiárias regionais – Furnas, Eletronorte,

CHESF e Eletrosul e da parte brasileira de Itaipu; operadora dos sistemas interligados, através

da liderança no GCOI e CCON62; financiadora do setor elétrico e dos fundos setoriais;

responsável pela coordenação no GCPS, organismo responsável pelo planejamento do setor

elétrico brasileiro; e executora de variados serviços, como o PROCEL e o CEPEL. Pinto Jr.

(1998) também registra as principais funções da Eletrobrás antes das mudanças setoriais, que

para esse autor seriam quatro: a de holding; coordenação; planejamento; e financiamento

setorial.

4.3.1 - A Perda das Funções de Coordenação, Operação e de Agente Financeiro

Depois da reforma, a Eletrobrás perdeu para outras instituições, funções que estavam

sob a sua tutela, como o planejamento e a operação do sistema, assim como o financiamento

do setor elétrico, que por mais que a empresa continuasse administrando os fundos setoriais

como a RGR e a CDE63, a holding perdeu espaço para o BNDES como o principal agente

financiador dos novos empreendimentos no setor elétrico. O ONS foi criado em 1998 junto

com o MAE, absorvendo da Eletrobrás o papel de coordenador da operação do sistema

elétrico brasileiro, em substituição ao GCOI, que até aquele ano exercia essa função. Dessa

forma, a Eletrobrás foi obrigada a repassar em até nove meses ao ONS, as instalações e ativos

que constituíam o Centro Nacional de Operação do Sistema (CNOS) e os Centros de

Operação do Sistema (COS), assim como os demais ativos que faziam parte da coordenação

da operação do sistema elétrico. Após esse processo de transição, o GCOI seria extinto, no

entanto, o corpo técnico e o seu acervo seriam transferidos para o ONS, já que esse não

poderia realizar a função que lhe foi dada sem uma boa estrutura e técnicos experientes no

assunto.

62 Comitê Coordenador de Operação do Norte/Nordeste. 63 Conta de Desenvolvimento Energético.

Page 155: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

141

Segundo Landi (2006), com a entrada em operação do ONS e do MAE, a Eletrobrás

perdeu a função de controladora da geração de energia do sistema elétrico brasileiro, já que o

ONS foi criado para a programação, operação e despacho da carga de energia do sistema, e o

MAE seria o ambiente onde seriam realizadas as compras e vendas de energia elétrica no

sistema interligado e onde seria definido o preço spot dessa energia comercializada.

Dessa forma, passamos a conviver com duas novas entidades, o ONS e o MAE, que assumem a responsabilidade de executar as principais funções executadas, até então, pela Eletrobrás, ou seja, otimizar a operação do despacho de carga do sistema, bem como negociar a energia necessária para suprir os fluxos de energia. Esta mudança institucional eliminou a tarefa de planejar da Eletrobrás transferindo-a, principalmente, para o ONS (LANDI, 2006, p.127).

A tarefa da Eletrobrás de ser o agente financeiro setorial foi aos poucos sendo

transferida – não em sua totalidade – para o BNDES. De acordo com Bruni (2006), desde

quando foi criado, em 1952, para financiar principalmente empreendimentos nos setores de

energia, siderurgia e transportes, o BNDES assumiu uma importante função junto ao setor

elétrico de alavancar recursos para a expansão do setor. Esse papel de destaque foi diminuído

com a constituição da Eletrobrás, já que essa tarefa passaria a ser responsabilidade da holding,

passando o BNDES a ter um papel apenas secundário, financiando o setor apenas

indiretamente. Somente com a crise da década de 1980 que o padrão de financiamento para o

setor elétrico, que tinha a Eletrobrás como a grande balizadora de recursos, começou a ter

problemas e a gerar insatisfações.

Com as reformas do governo FHC e a dificuldade financeira vivida pela Eletrobrás,

coube ao BNDES voltar a ter um papel predominante como financiador do setor elétrico,

estando o banco a frente do processo de privatização das empresas do setor. Pinto Jr. (1998)

via uma disputa entre duas empresas estatais pelo posto de agente financeiro setorial, porém,

para esse autor, durante o período de transição de um modelo estatal para um modelo com

uma maior participação privada no setor elétrico, a Eletrobrás poderia atuar como mitigadora

de riscos, ao participar dos empreendimentos em suas fases iniciais e transferi-los para a

iniciativa privada após a conclusão das fases que apresentavam maiores riscos.

Com a crise energética de 2001, o BNDES passou a atuar de forma mais incisiva no

setor elétrico, dessa forma, o “banco manteve um padrão de financiamento muito superior aos

30% praticados na década de 1990, a sua participação nos financiamentos passou a variar de

Page 156: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

142

60 a 90%, com custos de TJLP64 mais uma remuneração de 1 a 3%” (BRUNI, 2006, p.79). No

entender de Bruni (2006), foi a partir da crise energética que o BNDES passou a orientar a

utilização gradativa do Project Finance nos financiamentos dos empreendimentos de energia.

Essa modalidade de financiamento não era anteriormente empregada devido à complexidade

dos contratos, “isso ocorre das diferentes formas de percepção do risco e dos critérios para

contingenciamento de cada um dos parceiros, implicando custos de transação elevados e

contratos incompletos” (PINTO JR., 1998, p.221). No entender de Ferreira (2000), o BNDES

teria mais condições de ser o agente financeiro do setor do que a Eletrobrás, principalmente

pelo fato do BNDES ser um banco e por isso, ter mais facilidades para exercer esse papel.

Embora a Eletrobrás tenha demonstrado claramente habilidade no financiamento do setor elétrico, questões como o risco de crédito devem ser melhor administradas por uma instituição financeira, que também tem alternativas mais amplas de obtenção de recursos (FERREIRA, 2000, p.202).

4.3.2 - A Perda das Funções Hierárquicas e de Planejamento

Outra função que anteriormente era exercida pela Eletrobrás e que após as reformas

setoriais a empresa não pôde desempenhar mais foi o papel hierárquico e de autoridade no

setor elétrico. Segundo Santana e Oliveira (1999), as características do sistema elétrico

brasileiro, onde a maioria do parque gerador é formada por hidrelétricas, as grandes distâncias

entre o local onde a energia é gerada e o seu mercado consumidor, possibilitam a troca

sazonal de energia entre os sistemas, criando uma complementaridade entre eles, mas para

isso, é necessário a construção e manutenção de toda uma infra-estrutura de redes de

transmissão para que o sistema como um todo possa ser beneficiado. Outro aspecto

importante do caso brasileiro é a existência de mais de uma usina hidrelétrica em um mesmo

rio e a necessidade de uma escolha intertemporal entre utilizar a água agora para produzir

energia ou economizá-la para o uso no futuro. Todos esses fatores implicam em uma

coordenação e planejamento da operação extremamente importante.

É no meio desse sistema interdependente que surge o papel hierárquico que era

exercido pela Eletrobrás. Por ser a holding de grandes empresas regionais responsáveis pela

maior parte da energia elétrica gerada no Brasil, além de ter participação acionária em muitas

distribuidoras de energia estaduais, até mesmo nas empresas já privatizadas, coordenar o

64 Taxa de Juros de Longo Prazo.

Page 157: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

143

processo de planejamento da expansão do setor e a operação do sistema elétrico, através do

GCPS e do GCOI, a Eletrobrás estaria no topo da hierarquia setorial, exercendo certa

autoridade no setor elétrico. Santana e Oliveira (1999) explicam que a coordenação

centralizada desempenhada pela holding era bem-vinda e extremamente necessária para a

cooperação dos agentes do setor, caso contrário, seria praticamente impossível a otimização

dos recursos energéticos. Dessa forma, devido às características do setor elétrico brasileiro,

foi aberto “um espaço considerável para as ações de coordenação da Eletrobrás, que

resultaram em uma estrutura quase que onipotente” (SANTANA e OLIVEIRA, 1999, p.378).

Já a autoridade exercida pela Eletrobrás sob os agentes do setor elétrico não era uma

autoridade regulamentada, oficial, era apenas um desenrolar natural dos acontecimentos.

Além de ter uma participação de destaque nas atividades de geração e transmissão e de liderar

instituições importantes como o GCOI e o GCPS, a Eletrobrás mantinha em sua carteira antes

das privatizações, participação acionária em todas as distribuidoras do país, influenciando

também nas decisões dessas empresas. Dessa forma, a Eletrobrás podia exercer um poder

discricionário, principalmente onde o processo de negociação era muito custoso, reduzindo os

custos de transação e induzindo a cooperação entre as empresas do setor.

Nestas circunstâncias, os mecanismos de controle e coordenação, específicos do modelo de governança hierárquica do sistema Eletrobrás, que atuavam de maneira compensatória à ausência de um instrumento de incentivo interno, criaram um ambiente propício para a predominância de contratos relacionais fortemente marcados pela subordinação (forbearance). Neste tipo de ambiente era comum a não celebração de contratos entre geradoras e distribuidoras e, o que é mais importante, as partes envolvidas em geral renunciavam a qualquer tipo de recurso a instâncias superiores externas, como as cortes de justiça ou o órgão regulador, que era capturado pela Eletrobrás (SANTANA e OLIVEIRA, 1999, p.379).

Após as reformas setoriais, a Eletrobrás perdeu importantes funções que anteriormente

eram coordenadas pela holding. Com o fim do GCPS e do GCOI e com a criação de

instituições com poderes semelhantes às extintas sem que a Eletrobrás estivesse em sua

liderança, somado às privatizações no setor elétrico, a perda da capacidade de investir e

financiar o setor elétrico e o incentivo a entrada do capital privado no setor, resultaram na

saída da Eletrobrás do topo da cadeia hierárquica do setor, passando a ser uma função do

mercado a coordenação e a otimização do sistema elétrico brasileiro.

O papel de comandar o planejamento setorial também foi outra função que a

Eletrobrás deixou de realizar, já que em maio de 1999, foi promulgada a Portaria nº 150 pelo

Page 158: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

144

Ministério de Minas e Energia criando o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão

(CCPE) como o novo órgão responsável pelo planejamento do setor elétrico, refletindo as

mudanças institucionais ocasionadas pelas reformas no setor. O CCPE tomaria o lugar e a

função do GCPS que seria extinto após o término da elaboração do Plano Decenal 2000-2009,

e o Conselho Diretor do Planejamento da Expansão seria presidido pelo Secretário de Energia

do MME (CHUAHY e VICTER, 2002). A substituição do GCPS na tarefa de planejar a

expansão do setor elétrico já tinha sido proposta no relatório final do consórcio Coopers &

Lybrand, sugerindo que em seu lugar, fosse criado o Instituto de Desenvolvimento e Prestação

de Serviços do Setor Elétrico (IPSSE) para que o planejamento passasse a ter um caráter

apenas indicativo, e não mais impositivo65.

O CCPE não obteve êxito em sua tarefa de planejar a expansão das atividades do setor

elétrico, sendo substituído em 2004 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada no

mesmo ano. A maior dificuldade encontrada pelo CCPE foi a de montar uma estrutura técnica

capaz de realizar as tarefas que lhe foram propostas, pois a área de planejamento da Eletrobrás

que era experiente nesse assunto e poderia ajudar na fase inicial de implementação do CCPE,

foi sendo desmantelada ao longo da década de 1990 (VIEIRA, 2005).

Quanto à tarefa de planejar, Rousseff (2003) argumenta que a própria característica do

complexo sistema elétrico brasileiro induziu o planejamento do setor elétrico a ter o caráter

determinístico, já que havia uma estreita relação entre o planejamento da operação e o da

expansão. A construção de usinas termelétricas ilustra bem essa visão, pois elas servem para

dar confiabilidade ao sistema, atuando de forma complementar na geração de eletricidade.

Toda vez que o risco de se ter um déficit de energia atinge 5%, as usinas termelétricas entram

em operação, servindo como um seguro contra problemas de geração. Portanto, como as

termelétricas precisam de um tempo para serem construídas, é necessário um bom

planejamento para que elas sejam introduzidas ao sistema elétrico brasileiro da forma mais

econômica e eficiente, reduzindo o risco de todo o sistema.

Resumindo, o caráter integrador da Eletrobrás na operação e no planejamento, permitindo relações estreitas entre o GCPS e o GCOI, resultou em elevada confiabilidade do sistema elétrico, ao assegurar os fundamentos para a produção de energia mais barata e segura (ROUSSEFF, 2003, p.177).

65 A parte impositiva do planejamento seria apenas para a atividade de transmissão, a expansão da geração seria apenas indicativa.

Page 159: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

145

Assim, ao retirar a tarefa de planejamento do GCPS, que tinha a Eletrobrás como

coordenadora, e repassando para um novo órgão que não estava preparado para exercer essa

função, além de deixá-lo apenas como indicativo para a geração, ficava claro durante as

reformas promovidas pelo governo FHC que o planejamento do setor elétrico tinha perdido

força, admitindo a individualização do planejamento para dentro de cada empresa. Já no

governo Lula, o planejamento da expansão do setor elétrico tomou uma posição de mais

destaque nas decisões do setor, o que é traduzido pela criação da EPE, uma instituição mais

forte e capaz para realizar essa função.

Dessa forma, depois de perder algumas funções importantes que lhe foram concedidas

ao longo do tempo, entre elas, algumas que já vinham sendo exercidas desde os primeiros

anos de atuação da empresa, a Eletrobrás continuou tendo um peso considerável no setor

elétrico brasileiro, com a tarefa de holding das empresas federais, Furnas, Eletronorte,

Eletrosul e CHESF, da participação brasileira de Itaipu, das subsidiárias de geração

Eletronuclear e CGTEE, além de contar sob seu domínio com concessionárias da área de

distribuição – CEAL, CERON, CEPISA, Manaus Energia, Eletroacre e Boa Vista Energia. A

Eletrobrás também é a instituição mantenedora do CEPEL e tem a Lightpar66 como uma de

suas subsidiárias.

Além de holding de empresas do setor elétrico, a Eletrobrás ainda permaneceu

responsável pela administração dos encargos e fundos setoriais, como a RGR e a CDE e

somado a isso, a Eletrobrás manteve a gestão e operação dos programas do governo federal

para o setor elétrico, como o Programa Luz para Todos, o Programa Nacional de Conservação

de Energia Elétrica (PROCEL) e o Programa de Incentivos às Fontes Incentivadas

(PROINFA).

4.4 - O CENÁRIO ATUAL E AS PERSPECTIVAS FUTURAS PARA O

SETOR ELÉTRICO

O setor elétrico brasileiro em julho de 2009 contava com a capacidade instalada de

104.703 MW, sendo aproximadamente 70% dessa capacidade de fonte hidráulica, distribuídos

66 A Lightpar foi criada em 1995 para administrar a participação acionária da Eletrobrás nas empresas paulistas oriundas da cisão da Eletropaulo.

Page 160: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

146

em 800 usinas hidrelétricas, 10,7% de gás e 5% de derivados do petróleo, como pode ser visto

na tabela 4.4. Em relação à atividade de transmissão, o país contava no final de 2008 com

94.800 km de linhas de transmissão, interligando quase todos os principais centros

consumidores de energia do país.

Tabela 4.4. - Capacidade Instalada e Contratos de Importação

Fonte Nº Usinas MW% Capacidade

Disponível

Hidrelétrica 800 77.884,64 70,45%

Gás 121 11.844,29 10,71%

Petróleo 785 5.548,50 5,02%

Biomassa 330 5.548,74 5,02%

Nuclear 2 2.007,00 1,82%

Carvão Mineral 8 1.455,10 1,32%

Eólica 33 414,48 0,04%

Solar 1 0,02 < 0,01%

Importação Contratada* - 5.850,00 5,29%Capacidade Disponível 2.080 110.552,77 100% Fonte: SECRETARIA DE ENERGIA ELÉTRICA – Ministério de Minas e Energias. Boletim Mensal – Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro, julho 2009. * Paraguai e Venezuela

4.4.1 - Os Números do Setor Elétrico na Atualidade

Até julho de 2009, houve um incremento na produção de energia com a entrada em

operação de 1.692 MW no sistema elétrico do país. A dificuldade de se obter licenças

ambientais e de licitar hidrelétricas, principalmente as obras de grande e médio porte, pode ser

comprovada na tabela 4.5, onde fica claro que o acréscimo na capacidade de geração do país

por meio de fonte hidráulica cresceu menos do que de outras fontes de energia. A matriz

energética brasileira só não vai ficar mais suja, porque houve um aumento expressivo de

empreendimentos que utilizam a biomassa para produzir energia elétrica, representado em

sete meses de 2009, um incremento de 12% no total de capacidade no final de 2008.

Page 161: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

147

Tabela 4.5. - Entrada em Operação de Novos Empreendimentos em 2009 - Geração (MW)

Sistema Interligado

Sistemas Isolados

Total% sobre o

Total

UHE 50,00 0,00 50,00 2,96%

PCH 317,60 7,50 325,10 19,22%

Gás 61,20 0,00 61,20 3,62%

Petróleo 579,50 4,60 584,10 34,52%

Carvão Mineral 0,00 0,00 0,00 0,00%

Biomassa 599,90 0,00 599,90 35,46%

Eólica 71,60 0,00 71,60 4,23%Total 1.679,80 12,10 1.691,90 100,00%

Acumulado até Julho/2009

Fonte

Fonte: SECRETARIA DE ENERGIA ELÉTRICA – Ministério de Minas e Energias. Boletim Mensal – Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro, julho 2009.

Até 2011, ainda estão programados para entrarem em operação 15.671,5 MW (tabela

4.6), a grande parte oriunda de fontes poluentes, como o petróleo, gás e carvão mineral,

representando 46,1% do total. Já em relação às linhas de transmissão, nos sete primeiros

meses de 2009, foram adicionados ao sistema elétrico brasileiro, 1.359 km, a maior parte com

a tensão de 500 kV (55,1%) e o restante, de 230 kV. Até o final de 2011, a expectativa é de

que mais 13.427 km de linhas de transmissão sejam acrescentados aos 94.800 km da rede de

transmissão apurado em dezembro de 2008.

Tabela 4.6. - Empreendimentos em Implantação - Geração (MW)

Fonte 2009 2010 2011 Total% sobre o

TotalUHE 910,3 1.950,3 1.695,6 4.556,2 29,07%PCH 274,0 132,7 28,0 434,7 2,77%

Gás/Petróleo 1.059,6 3.946,2 785,5 5.791,3 36,95%Carvão Mineral 0,0 350,0 1.080,4 1.430,4 9,13%

Biomassa 534,0 1.728,4 229,0 2.491,4 15,90%Eólica 387,4 580,1 0,0 967,5 6,17%Total 3.165,3 8.687,7 3.818,5 15.671,5 100,00%

Fonte: SECRETARIA DE ENERGIA ELÉTRICA – Ministério de Minas e Energias. Boletim Mensal – Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro, julho 2009.

Os estados brasileiros nos últimos anos têm mantido certa constância na proporção da

produção de energia elétrica, essa situação mostra que mesmo com o “esgotamento” da

capacidade de aproveitamento de alguns rios, principalmente na região Sudeste e o grande

potencial ainda a ser explorado na região Norte, entre 2005 e 2007 (tabela 4.7) não variou

Page 162: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

148

muito a importância de cada região na geração de energia elétrica. É importante destacar,

como se pode notar na tabela 4.8, que a capacidade instalada do Norte e Nordeste em relação

ao total da capacidade do país via fontes hidráulicas e termelétricas mantêm praticamente a

mesma proporção, as duas próximas dos 14%. O Centro-Oeste e a região Sul têm maior

importância na fonte hidro do que em termo, ao contrário da região Sudeste, que além de

deter 100% da fonte nuclear, as usinas Angra 1 e Angra 2 no Estado do Rio de Janeiro, ela

tem participação maior no total do país na geração por meio de termelétricas. Por último, por

mais que o Nordeste tenha as melhores condições para o aproveitamento da energia eólica,

confirmado pelo maior número de projetos (73%) e em potência instalada (71,6%) no

primeiro leilão dessa fonte de energia que vai ser realizado no segundo semestre de 2009, a

região não utiliza bem esse potencial, perdendo para a região Sul como o maior produtor de

energia por meio de fonte eólica.

Tabela 4.7. - Produção de Energia Elétrica por Região

Região 2005 2006 2007 Média

Norte 11,4 12,7 11,1 11,7

Nordeste 14,2 14,6 14,7 14,5

Sudeste 37,0 37,1 35,3 36,5

Sul 26,0 22,2 25,5 24,6

Centro-Oeste 11,3 13,5 13,4 12,7Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Balanço energético nacional 2008: ano base 2007.

Tabela 4.8. - Capacidade Instalada por Tipo de Geração Região Hidro Termo Eólica Nuclear Total

Norte 13,7 14,0 0,0 0,0 13,4

Nordeste 14,2 15,5 32,0 0,0 14,2

Sudeste 30,9 47,2 0,4 100,0 35,7

Sul 28,1 16,5 67,6 0,0 25,2

Centro-Oeste 13,1 6,8 0,0 0,0 11,4Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Balanço energético nacional 2008: ano base 2007.

4.4.2 - O Problema da Renovação das Concessões

Em relação ao futuro do setor elétrico, a maior preocupação dos agentes do setor

atualmente é a questão da renovação das concessões. O problema é que até o ano de 2015

Page 163: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

149

vencem as concessões de 58 usinas hidrelétricas que têm mais de 20% da capacidade

instalada de gerar energia do país, além de 73 mil quilômetros de linhas de transmissão, o que

equivale a quase 85% de todo o sistema. Somado a esses problemas, até o ano de 2017

vencem as concessões de 41 das 64 distribuidoras de energia, que segundo a maioria dos

especialistas, se realmente fosse seguida a Constituição brasileira, o governo federal deveria

levar tudo a leilão. A indefinição sobre esse tema causa transtornos às empresas e às

atividades do setor elétrico, tais como: dificuldade de captação de recursos frente às incertezas

dos recebíveis da empresa; insegurança quanto ao futuro da concessionária; perda de valor das

empresas; limitação da oferta de energia; desestímulos para novos investimentos para

modernizar os ativos que terão as suas concessões vencidas; entre outras dificuldades.

Para Batista (2009), há três correntes sobre a interpretação do artigo 175 da

Constituição Federal, que aborda a questão da incumbência do poder público em prestar

serviços públicos diretamente ou sob regime de concessão ou permissão através de licitações.

A primeira corrente não admite a prorrogação das concessões, que estaria relacionada com o

período necessário à amortização dos investimentos realizados; a segunda corrente, que é a

posição majoritária dos especialistas, é que somente as concessões realizadas via licitações

podem ser prorrogadas; já a terceira e última corrente, acredita que tanto as concessões que

foram objeto de licitações como as que não foram licitadas podem ser prorrogadas.

No estudo realizado por Batista (2009) envolvendo oito entidades e associações

representativas dos agentes do setor elétrico, como a Associação Brasileira de Distribuidores

de Energia Elétrica (ABRADEE) e a Associação Brasileira das Empresas Geradoras de

Energia Elétrica (ABRAGE), chegou-se a conclusão de que quase todas as entidades acham

que não existe legalmente uma forma de fazer a segunda prorrogação das concessões sem que

haja necessidade de se criar ou mudar a legislação ordinária. Outro resultado da consulta a

essas entidades é que somente as concessões das atividades de transmissão e distribuição, por

estarem sujeitas as revisões tarifárias periódicas, são as que podem ter as suas concessões

prorrogadas sucessivamente, desde que atendam as condições e a qualidade determinada pelo

órgão concedente67. Para a atividade de geração, há certo consenso de que tem que haver um

caráter oneroso nessa nova prorrogação das concessões, repassando para o consumidor os

ganhos da amortização da maior parte das instalações.

67 O Poder Concedente tem a prerrogativa de criar novas obrigações para o concessionário quando for aprovada a renovação das concessões.

Page 164: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

150

O problema da renovação das concessões é maior para as hidrelétricas que geram

energia para o país. Ao contrário das termelétricas que têm igualado o seu tempo de vida útil

com o período de amortização dos investimentos realizados, a vida útil das hidrelétricas é bem

maior do que o prazo concedido nas concessões, que geralmente é de 30 anos, o que implica

em novas concessões para um ativo já amortizado ou em sua maior parte. Portanto, é

consenso entre os analistas do assunto que o preço da venda de energia desses ativos

amortizados deve ser menor do que anteriormente aplicado, beneficiando a todos os

consumidores e não apenas aos acionistas das empresas geradoras. Situação diferente das

distribuidoras e das concessionárias de transmissão, que são submetidas regularmente a

revisões tarifárias que procuram assegurar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, e

não da empresa que realiza o serviço.

Dessa forma, caso o governo federal queira levar a leilão principalmente a atividade de

geração, a disputa poderá ser de duas formas: pelo menor preço do serviço ou pelo maior

prêmio. O menor preço cobrado pelo serviço, nesse caso pela energia gerada, tem sido mais

utilizado pelo governo Lula, porém para essas hidrelétricas já amortizadas, o menor preço

seria o de operação e manutenção (O&M) dos ativos. Portanto, por ser um valor muito baixo

em comparação com o valor da energia vendida pelas novas hidrelétricas, esse critério de

menor preço pode ser questionável. Já o critério de maior prêmio pago pelo concessionário

para explorar a energia gerada pela hidrelétrica amortizada pode ser uma alternativa, já que o

ganhador da concessão pode repassar ao consumidor durante o período da concessão esse

prêmio pago inicialmente. Por gerar uma energia bem mais barata do que as hidrelétricas

ainda não amortizadas, o governo também ganha um espaço para elevar a sua arrecadação no

setor elétrico sem aumentar o preço pago pelo consumidor de energia elétrica.

Segundo cálculo de consultores ouvidos pelo jornal O Globo68, apenas as concessões

que vencem até 2015 das geradoras brasileiras valeriam cerca de R$ 175 bilhões considerando

o preço médio da energia e um contrato de 20 anos, descontado os custos necessários para a

produção dessa energia. Para a licitação desses ativos, seria necessária a contratação de

empréstimos e a utilização de um capital próprio novo para a aquisição de ativos velhos. Todo

esse capital poderia ser empregado para o benefício do país com o aumento da capacidade

instalada, porque é melhor para o investidor comprar uma usina, uma linha de transmissão ou

68 PAUL, Gustavo; TAVARES, Mônica. Risco de pane no setor elétrico. O Globo, Rio de Janeiro, 05 jul. 2009.

Page 165: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

151

uma distribuidora de energia já existente do que construir uma nova e ter que esperar alguns

anos para começar a recuperar o dinheiro investido. Assim, colocar em leilão uma instalação

existente, ao invés de estimular o aumento dos investimentos para garantir a qualidade, a

segurança e o crescimento do setor elétrico brasileiro, limita a realização de investimentos em

novos empreendimentos, o que não é bom para o país e seria uma escolha errada do governo.

Por mais que já se soubesse há anos que as concessões de importantes hidrelétricas,

linhas de transmissão e de distribuidoras de energia elétrica venceriam por volta de 2015,

apenas após a fracassada tentativa de leilão da CESP em 2008 que esse tema começou a ser

visto com maior preocupação. O fracasso foi devido ao reconhecimento de que as usinas

hidrelétricas de Jupiá (1.551 MW) e Ilha Solteira (3.444 MW) não poderiam ser renovadas

após o término da sua concessão em 2015. Essas duas hidrelétricas correspondem a dois

terços da capacidade de geração da CESP e com a incerteza sobre o futuro desses

empreendimentos, o valor da empresa seria bem menor, o que acarretou no fracasso do leilão.

Apesar de a maioria das concessões só vencer em 2015, no curto prazo já pode ser

sentido as repercussões desse imbróglio. É que em 2012 e 2013 terminam os contratos de

compra e venda de energia velha firmados entre as geradoras e distribuidoras de energia

elétrica. Os novos contratos vão determinar o ritmo de investimento do setor e para isso, é

necessário que nessa data já se tenha decidido o rumo da renovação das concessões. Somado a

isso, tem-se o prazo para encaminhar à ANEEL o pedido de renovação das concessões que é

de 36 meses, assim o ano limite para se enfrentar a maioria desse problema é 2012.

Por mais que o governo federal ainda não tenha se posicionado oficialmente sobre essa

questão da renovação das concessões, como afirma o diretor-geral da ANEEL, Nelson

Hubner69, a tendência é que haja a prorrogação das concessões, como tem afirmado o ministro

de Minas e Energia, Edison Lobão. Essa decisão teria um forte caráter político, pois como

apontam especialistas do setor, no caso das geradoras, uma nova licitação de hidrelétricas

principalmente no Nordeste como Xingó e Paulo Afonso, teria uma forte oposição de

políticos, mesmo os da base governista, contrários a passagem dessas hidrelétricas no rio São

Francisco para a iniciativa privada.

69 PAUL, Gustavo; TAVARES, Mônica. Risco de pane no setor elétrico. O Globo, Rio de Janeiro, 05 jul. 2009.

Page 166: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

152

4.4.3 - A Utilização da Energia Nuclear e Eólica

Além da questão sobre renovação das concessões que vencem perto do ano de 2015,

outro item que voltou a tona nos últimos tempos no setor elétrico foi a questão da ampliação

do uso nuclear para a geração de energia elétrica. No Brasil, atualmente contamos com duas

usinas nucleares em operação, Angra 1 (657 MW) e Angra 2 (1.350 MW), gerando apenas

cerca de 2% da energia elétrica do país, pouco se comparado com outros países

desenvolvidos, como a França que gera 78% da sua energia através de usinas nucleares.

Apesar de ser impopular desde o desastre da usina de Chernobyl na Ucrânia em 1986 e de ser

considerada cara demais se comparado com outras formas de geração de energia elétrica, a

geração nuclear tem sido considerada ultimamente como uma alternativa ao aquecimento

global.

Muitos países, como a China, têm apostado no crescimento da utilização da energia

nuclear como alternativa para a necessidade de suprimento de energia elétrica imposta pelo

rápido crescimento econômico. Em junho de 2009, 45 novos reatores estavam sendo

construídos em 14 países no mundo para se juntar aos 438 reatores nucleares já em operação

em 31 países, que têm uma capacidade de 370 GW (THOMÉ FILHO, CASTRO e

FERNANDEZ, 2009). Para ajudar esse movimento de expansão do uso da energia nuclear, o

Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) organizado pela

ONU70, aprovado em Bangkok (Tailândia) em maio de 2007, que reuniu representantes de

150 países para debater as formas de redução do aquecimento global, o relatório considerou

que a energia de origem nuclear é uma alternativa à substituição dos combustíveis fósseis no

combate ao aquecimento global. “Se pelos ambientalistas a notícia não foi bem recebida pelo

governo brasileiro foi comemorada. Para o governo federal, que anunciara a retomada do

projeto nuclear do país, ter respaldo de uma organização internacional foi um ponto positivo”

(BARRETO, 2008, p.3).

Para os ambientalistas, considerar a energia nuclear como limpa é um erro, pois ela

gera rejeitos nucleares que são radioativos e altamente cancerígenos. Essa visão pode ser

alterada depois do relatório do IPCC, pois esse tipo de energia não libera dióxido de carbono

na atmosfera, responsável pelo aquecimento global. Para Thomé Filho, Castro e Fernandez

(2009), a utilização da energia nuclear no Brasil tem razões diferentes da sua utilização em

70 Organização das Nações Unidas.

Page 167: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

153

outros países. Nos países desenvolvidos, além da preocupação com o efeito estufa, a outra

razão para o incentivo ao uso dessa fonte de energia, é a diminuição da dependência desses

países frente ao fornecimento externo de carvão, petróleo e seus derivados e à volatilidade de

seus preços. Já em relação ao Brasil, a utilização da energia nuclear serve para complementar

a geração via hidrelétricas, principalmente nos períodos de menor quantidade de chuvas em

que os reservatórios estão mais vazios, e como ela não produz dióxido de carbono, a energia

nuclear leva vantagem nesse ponto em relação às termelétricas a gás, carvão ou de derivados

de petróleo. O segundo ponto destacado por Thomé Filho, Castro e Fernandez (2009), é o

desenvolvimento industrial e tecnológico do país, pois o incentivo ao uso nuclear acarretaria

em um maior esforço para se chegar ao domínio de todo o ciclo da produção de combustíveis

nucleares.

Dessa forma, o governo desde 2006 vem planejando a retomada do programa nuclear

brasileiro e em junho de 2007, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou a

retomada da construção de Angra 3. A conclusão de Angra 3 foi incluída no Plano Decenal de

Energia (2006-2015), sendo que o prazo para a sua conclusão seria de cinco anos e meio ao

custo de R$ 7,2 bilhões, assim, a usina ficaria pronta em 2013 e teria a capacidade de 1.350

MW (BARRETO, 2008). A conclusão de Angra 3 é apenas o início de um plano mais

ambicioso de expansão de uso da energia nuclear. O Plano Nacional de Energia 2030

elaborado pela EPE trabalha com a implantação de novas usinas nucleares pelo país. A

decisão de construir duas usinas nucleares com a potência de 1.000 MW cada uma, na região

Nordeste, na faixa litorânea entre a Bahia e Pernambuco71, já movimenta políticos para levar

para o seu estado essas novas usinas, devido ao aumento na arrecadação de impostos e na

movimentação da economia local.

Apesar da construção de Angra 3 constar no Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC) e a sua entrada em operação estar prevista para 2014, um importante ponto ainda não

foi totalmente esclarecido – o local onde será construído um depósito definitivo para estocar o

rejeito de alta radioatividade produzido pelas usinas nucleares. Mesmo assim, o Ibama

concedeu em julho de 2008 a licença para a construção do canteiro de obras da usina de

Angra 3 e em março de 2009, concedeu a licença de instalação da usina. Devido à retomada

do programa nuclear brasileiro, há a necessidade de aumentar a produção de urânio no país,

71 Essa região poderá abrigar até seis usinas nucleares com 1.000 MW de potência cada uma delas.

Page 168: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

154

que tem a sua mais importante mina no município de Caetité na Bahia, produzindo cerca de

400 toneladas de urânio por ano e que deverá triplicar a sua produção na próxima década.

Cabe ainda a ressaltar que com a retomada do programa de geração termonuclear pós Angra 3 segue-se uma tendência do mundo na atualidade, atendendo ao objetivo de ampliar o parque gerador mitigando uma exposição excessiva aos riscos hidrológicos inerentes ao sistema elétrico brasileiro, e também não contribuir para o aumento do efeito estufa. Além disso, o Brasil detém reservas de minério de urânio e tecnologia para produção autônoma do combustível nuclear para estas três usinas e as próximas que estão previstas (THOMÉ FILHO, CASTRO e FERNANDEZ, 2009, p.13).

Não é apenas a energia gerada pela fonte nuclear que está sendo incentivada pelo

governo brasileiro. O aumento da proporção utilizada da biomassa e da energia eólica na

matriz energética brasileira também é uma meta para o governo, já que em 2007 a biomassa

contribuía com 4,1% da oferta interna de energia elétrica e a energia eólica, apenas 0,1%. Para

simbolizar a importância desse tema para o futuro do setor elétrico brasileiro, está marcado

para novembro de 2009 o primeiro leilão de energia eólica. Segundo a EPE, 441

empreendimentos foram inscritos no leilão que juntos somam a capacidade instalada de

13.341 MW, espalhados em 11 estados de três regiões do país. O Nordeste foi a região com

mais projetos inscritos, com 322 projetos e 9.549 MW, aproximadamente 72% do total,

seguido da região Sul, com 3.594 MW (27% do total) distribuídos em 111 projetos. Entre os

estados brasileiros, os três com maior número de projetos inscritos são em ordem: Rio Grande

do Norte (134), Ceará (118) e Rio Grande do Sul (86).

Segundo o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão72, o governo estipulará em

novembro o total de energia que será comprada no leilão de energia eólica, que deverá ficar

entre 4.000 e 6.000 MW e o preço teto da energia, que atualmente está em cerca de R$

270/MW, quase o dobro do preço pago pela energia comprada de termelétricas. Ainda

segundo Edison Lobão, o Brasil teria condições de produzir até 140.000 MW de energia

eólica. De acordo com as regras estabelecidas em Portaria do MME, os contratos de energia

que serão firmados nesse leilão terão o início de suprimento em 1° de julho de 2012 e prazo

contratual de fornecimento de 20 anos.

O Plano Decenal de Energia (2008-2017) sinaliza um forte crescimento das fontes

alternativas na matriz energética brasileira. Segundo os números do plano, a previsão é que a 72 RODRIGUES, Lorenna. Leilão de energia eólica tem 441 projetos inscritos. Folha Online, São Paulo, 16 jul. 2009.

Page 169: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

155

base de energia gerada por eólicas aumente 419% e a de biomassa, em torno de 324%. Já a

energia gerada pelas usinas hidrelétricas, onde também estão incluídas as pequenas centrais

hidrelétricas (PCHs), cresceria apenas 38%, bem abaixo do aumento previsto para as fontes

eólica e biomassa, que partem de uma base bem mais baixa.

4.4.4 - A Construção da Hidrelétrica de Belo Monte

Em relação aos maiores empreendimentos que aumentarão a capacidade instalada

brasileira, pode-se destacar a conclusão das obras das hidrelétricas de Jirau (3.300 MW) e

Santo Antônio (3.150 MW), ambas no rio Madeira no Estado de Rondônia. Além dessas

hidrelétricas que já se encontram em construção com a previsão da entrada em operação entre

2012 e 2013, outro empreendimento importante para o incremento da geração de energia

elétrica no Brasil, é o projeto de construção no rio Xingu da hidrelétrica Belo Monte, no

Estado do Pará.

Os estudos para a construção de Belo Monte começaram em 1980, com o inventário

sobre o potencial hidrelétrico da bacia do rio Xingu. Em 1987, a Eletrobrás elaborou um plano

de expansão para o setor elétrico, conhecido como Plano 2010 com informações sobre os

empreendimentos que deveriam estar concluídos no ano de 2010. Entre os empreendimentos

listados, estavam à hidrelétrica de Kararaô e Babaquara, que posteriormente passaram a ser

chamadas respectivamente de Belo Monte e Altamira. A proposta de construção da

hidrelétrica de Belo Monte é controversa devido à magnitude do projeto e a eventual

construção de novas usinas hidrelétricas para regularizar a vazão do rio Xingu, as questões

financeiras do grandioso projeto e os impactos ambientais em uma área de florestas e de

reservas indígenas.

Apesar dos problemas encontrados pelo governo federal para construir Belo Monte, o

governo marcou para o segundo semestre de 2009 o leilão da usina, mesmo sem ter saído a

licença ambiental do empreendimento. No início de junho a justiça do Pará suspendeu a

aceitação dos estudos sobre os impactos ambientais da obra com a justificativa de que ficou

faltando a realização de estudos antropológicos de impacto sobre as comunidades indígenas

da região, como exige o parágrafo 3º do Art. 231 da Constituição Federal. Mesmo assim, o

governo insiste em realizar o leilão da hidrelétrica justificada pela necessidade de aumentar a

Page 170: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

156

capacidade instalada do país e pelas características do rio Xingu, propícias à construção de

hidrelétricas, pois a sua declividade ajudaria na geração de energia elétrica. A hidrelétrica de

Belo Monte foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com o seu prazo

para a conclusão da obra inicialmente previsto para 2014, e no Plano Decenal de Energia

(2007-2016), podendo atender em 2020 a 6,4% da demanda por energia elétrica no país.

O relatório final dos estudos de viabilidade do CHE Belo Monte, elaborado pela Eletrobrás e pela Eletronorte, foi encaminhado à ANEEL em 28 de fevereiro de 2002. De lá para cá, por várias vezes, a capacidade de geração de energia elétrica do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, apresentada nos estudos de viabilidade, foi contestada por diversos órgãos e pessoas [...] (CARDINOT et al., 2007, p.2).

Para os especialistas que são a favor da construção de Belo Monte, o empreendimento

deve ser aprovado por ter uma pequena relação entre área inundada e capacidade instalada, já

que seu reservatório seria de apenas 440 km² e a capacidade da usina seria de 11.181 MW.

Houve uma redução considerável do tamanho do reservatório necessário para Belo Monte,

passando dos 1.200 km² proposto inicialmente para pouco mais de 400 km² (FEARNSIDE,

2005). Porém, para as pessoas contrárias a construção da usina, Belo Monte seria apenas o

menor dos problemas, já que a construção da usina facilitaria a construção de outras

hidrelétricas rio acima.

A hidrelétrica de Belo Monte propriamente dita é apenas a ‘ponta do iceberg’ do impacto do projeto. O impacto principal vem da cadeia de represas rio acima, presumindo que o embalo político iniciado pela Belo Monte aniquilaria o sistema de licenciamento ambiental, ainda frágil, do Brasil. Este é o quadro provável da situação para a maioria dos observadores não ligados à indústria hidrelétrica. Das represas rio acima, o reservatório de Babaquara, com duas vezes a área inundada da barragem de Balbina, seria o primeiro a ser criado. Autoridades do setor elétrico se esforçam para separar o projeto Belo Monte propriamente dito do seu impacto principal, que é o de incentivar as megabarragens planejadas a montante (FEARNSIDE, 2005, p.8).

A justificativa para a construção de novas hidrelétricas no rio Xingu, principalmente

rio acima seria, além de gerar energia adicional nesses empreendimentos, a de regularizar a

vazão do rio. “A existência de Belo Monte aumentaria grandemente a atratividade financeira

das represas a montante” (FEARNSIDE, 2005, p.11). Dessa forma, seria evitado que apenas

em poucos meses do ano Belo Monte produzisse energia na sua capacidade máxima. Porém,

para isso, uma enorme represa precisaria ser criada, inundando uma área de 6.140 km², parte

dela de reservas indígenas e de floresta tropical.

Page 171: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

157

Além da questão ambiental, outro problema que ainda precisa ser discutido com a

sociedade é a viabilidade econômica da hidrelétrica de Belo Monte. Inicialmente, o

empreendimento estava orçado em R$ 7 bilhões, mas até hoje ainda não se sabe ao certo o

real valor da obra. Por mais que não haja consenso sobre o valor do empreendimento, é

unânime no setor que Belo Monte custará mais do que os R$ 7 bilhões, devendo ter o seu

custo em torno de R$ 20 bilhões, porém especialistas mais pessimistas apontam em até R$ 30

bilhões o valor total da usina, o que praticamente a inviabilizaria economicamente, pois o

custo da energia gerada por essa usina seria muito alto. As pessoas contrárias ao projeto ainda

afirmam que apesar da usina ter capacidade de produzir mais de 11.000 MW, estudos

comprovam que a potência média real seria de apenas 4.462 MW, sendo que a potência

máxima só seria alcançada em 3 meses do ano, acontecendo uma drástica diminuição na

produção no período de seca do rio Xingu, podendo reduzir a energia gerada para menos de

2.000 MW nesse período.

4.5 - OS NÚMEROS ATUAIS DO SISTEMA ELETROBRÁS E AS

PERSPECTIVAS FUTURAS PARA A EMPRESA

Atualmente, o Sistema Eletrobrás é composto por 15 empresas, além da holding. Na

área de geração e transmissão, fazem parte do Sistema: Eletronorte; Eletrosul; Eletronuclear;

Furnas; CHESF; CGTEE; e 50% da Itaipu Binacional. Na atividade de distribuição, a

Eletrobrás conta com: CEAL; CEPISA; CERON; Eletroacre; Manaus Energia; e Boa Vista

Energia. Além das áreas de geração, transmissão e distribuição, o Sistema Eletrobrás também

conta com a Eletropar - antiga Lightpar, e é a mantenedora do CEPEL.

4.5.1 - Os Números do Sistema Eletrobrás

Somadas a essas 15 empresas, a Eletrobrás também mantém participação em muitas

empresas públicas e privadas do setor elétrico, como mostram as tabelas 4.9 e 4.10. O

quantitativo de trabalhadores do Sistema Eletrobrás ao final de 2008 somou 27,6 mil pessoas,

um crescimento de 22% frente ao ano de 2007, sendo 1.002 funcionários da holding.

Page 172: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

158

Tabela 4.9. - Participação da Eletrobrás nas Empresas que Compõem o Sistema Eletrobrás

Furnas 99,54% CEAL 75,16%

CGTEE 99,94% CEPISA 98,56%

Eletronorte 98,66% CERON 99,96%

Eletrosul 99,71% Eletroacre 93,29%

CHESF 99,45% Manaus Energia 100,00%

Eletronuclear 99,81%

Itaipu 50,00%

Participações Pesquisa

Eletropar 81,61% Cepel 100,00%

Participação ParticipaçãoGeração /

TransmissãoDistribuição

Boa Vista Energia

98,66%

Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. – ELETROBRÁS. DFP - Demonstrações financeiras padronizadas, 2008.

Tabela 4.10. - Participação da Eletrobrás em Empresas do Setor Elétrico Empresas Participação Empresas Participação Empresas Participação Empresas Participação

Rede Lajeado 40,07% CTEEP 35,29% CELB 0,61% CEMAR 33,57%

CEB Lajeado 40,07% CESP 2,05% CDSA 0,13% COPEL 0,56%

Paulista Lajeado 40,07% CEB 3,29% COELCE 7,06 EEB 0,11%

EDP Lajeado 40,07% CGEEP 0,47% ETEP 23,75% EMAE 39,02%

AES Tietê 7,94% CEA 0,03% Guascor 6,34% ELEJOR 47,00%

CELG 0,07% EATE 32,41% SAELPA 10,55% CEMAT 40,92%

CELPE 1,56% CEEE-D 32,59% CEEE-GT 32,59% CER 0,01%

CELPA 34,24% CELESC 10,75% Tangará 25,47% Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. – ELETROBRÁS. DFP - Demonstrações financeiras padronizadas, 2008.

A Eletrobrás terminou o ano de 2008 com uma capacidade instalada de 39.402 MW,

divididos em 28 usinas hidrelétricas, 15 termelétricas e duas usinas nucleares, considerando as

empresas do Sistema adicionado com os 50% da capacidade da hidrelétrica binacional Itaipu,

o que representa próximo dos 38% do total da capacidade instalada do mercado brasileiro,

assim, a Eletrobrás é de longe, a maior geradora de energia do país. Entre as suas empresas

geradoras, a CHESF tem a maior capacidade instalada, 10.618 MW, ou seja, quase 27% do

total do Sistema Eletrobrás, seguido de perto pela Eletronorte (9.173 MW) e Furnas (9.084

MW), ambas com mais de 23% do total. Segundo o banco de informações de geração da

ANEEL, atualmente caso fossem contadas separadamente, essas três empresas se

encontrariam nas três primeiras posições no ranking de maiores geradoras em capacidade

Page 173: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

159

instalada do Brasil, tendo a CESP em quarto lugar, seguida da parte brasileira da Itaipu

Binacional, Tractebel e CEMIG.

Apesar de ter próximo dos 38% da capacidade instalada do país, segundo dados da

Eletrobrás73, as suas empresas (incluindo Itaipu) foram responsáveis no ano de 2008, pela

geração de 58% da energia do Brasil, a explicação para esse fato é que a Eletrobrás tem uma

menor participação de termelétricas em seu total de capacidade instalada para geração de

energia em relação ao resto do país, e uma parte dessas termelétricas só entra em operação

para garantir a segurança do sistema elétrico brasileiro, principalmente quando há uma

redução nos reservatórios das hidrelétricas, ou seja, elas funcionam de maneira complementar

a energia gerada pelas hidrelétricas.

Na tabela a seguir, é possível verificar os números do Sistema Eletrobrás na

capacidade de gerar energia, dividido por tipo de geração, destacando a diferença na

composição dessa capacidade em relação ao restante do país, já que na Eletrobrás a

capacidade instalada da fonte hidráulica corresponde a 87% do total, se for levado em

consideração Itaipu, ou 84% sem a hidrelétrica binacional, e para o Brasil como um todo,

apenas 70,5% da capacidade instalada corresponderia a hidrelétricas. Dessa forma, percebe-se

a importância da fonte hidráulica para a Eletrobrás, contando com grandes empreendimentos,

como as hidrelétricas de Tucuruí (8.370 MW), 50% de Itaipu (7.000 MW), Complexo de

Paulo Afonso (3.984 MW), Xingó (3.162 MW), Serra da Mesa (1.275 MW), Furnas (1.226

MW) e Sobradinho (1.050 MW), todas as sete com a capacidade maior do que 1.000 MW.

Tabela 4.11. - Capacidade Instalada das Empresas do Sistema Eletrobrás em 31/12/2008

Potência (MW)

UsinasPotência

(MW)Usinas

Potência (MW)

UsinasPotência

(MW)Usinas com Itaipu sem Itaipu

CGTEE 0 0 490 3 0 0 490 3 1,2% 1,5%CHESF 10.268 14 350 1 0 0 10.618 15 26,9% 32,8%

Eletronorte 8.694 4 479 6 0 0 9.173 10 23,3% 28,3%Eletronuclear 0 0 0 0 2.007 2 2.007 2 5,1% 6,2%

Furnas 8.122 8 962 2 0 0 9.084 10 23,1% 28,0%Manaus Energia 250 1 780 3 0 0 1.030 4 2,6% 3,2%

Itaipu (50%) 7.000 1 0 0 0 0 7.000 1 17,8% 0,0%

Total 34.334 28 3.061 15 2.007 2 39.402 45 100,0% 100,0%

Hidráulica Térmica Nuclear Total % do Total

Empresas

Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. – ELETROBRÁS. Relatório anual, 2008.

73 ELETROBRÁS, Senior Unsecured Notes due 2019, Roadshow Presentation, July 2009.

Page 174: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

160

Em relação à atividade de transmissão, as empresas do Sistema Eletrobrás eram

responsáveis no final de 2008 por 52.537 km de linhas de transmissão74, correspondendo a

mais da metade do sistema de transmissão brasileiro. Ao longo do ano, essas empresas

incorporaram aos seus sistemas 504 km de linhas de transmissão e mais 695 km em parcerias

com a iniciativa privada por meio de Sociedades de Propósitos Específicos (SPE). Dentre as

empresas do Sistema Eletrobrás, a CHESF com 18.010 km e Furnas com 16.950 km

representam mais de 66% do total, que ainda conta com linhas de transmissão da Eletronorte

(9.027 km), Eletrosul (8.165 km) e em menor participação, a Manaus Energia (365 km).

Em 2008, a Eletrobrás realizou R$ 3,9 bilhões em investimentos, o que corresponde a

apenas um pouco mais de 60% dos R$ 6,2 bilhões projetados. Na aplicação desses recursos,

52% foram para a ampliação da capacidade de geração da Eletrobrás, destacando a

implantação das hidrelétricas Simplício (334 MW) e Passo São João (77 MW), e a

implantação da fase C da termelétrica Candiota III (350 MW). Na tabela 4.12 pode ser visto a

distribuição dos investimentos realizados pela Eletrobrás separados pela sua natureza,

destacando a realização de investimentos na qualidade ambiental. As empresas do Sistema

Eletrobrás, isoladamente ou por meio de consórcios, têm participado ativamente dos últimos

leilões promovidos pela ANEEL para a construção de empreendimentos de transmissão,

durante 2008, nos quatro leilões realizados pela agência, as empresas do Sistema arremataram

13 dos 29 lotes leiloados, um total de 6.415 km, o que representa quase 60% dos 10.813 km

totais licitados no ano.

Tabela 4.12. - Distribuição dos Investimentos Realizados pela Eletrobrás Natureza dos Investimentos

(R$ milhões)2007 2008 Variação

Geração 1.284 2.019 57,2%

Transmissão 1.288 1.190 -7,6%

Distribuição 332 384 15,7%

Qualidade Ambiental 20 30 50,0%

Pesquisa 18 28 55,6%

Infra-estrutura 162 227 40,3%

Total Geral 3.104 3.878 24,9% Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. – ELETROBRÁS. DFP - Demonstrações financeiras padronizadas, 2008.

74 ELETROBRÁS, Relatório Anual, 2008.

Page 175: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

161

4.5.2 - As Mudanças na Lei que Dispõe sobre a Eletrobrás

Essa maior participação em leilões da ANEEL é mais uma demonstração de como a

Eletrobrás voltou a ter um papel fundamental para o contínuo desenvolvimento do setor

elétrico brasileiro. Essa nova guinada no rumo da Eletrobrás veio em 2008, com a

promulgação da Lei 11.651 no dia 7 de abril que dava uma nova redação ao § 1o do Art. 15°

da Lei 3.890-A, que autorizou a União a criar a Eletrobrás em 1961. Essa nova lei em seu

artigo 2º dá as seguintes determinações: “A Eletrobrás, diretamente ou por meio de suas

subsidiárias ou controladas, poderá associar-se, com ou sem aporte de recursos, para

constituição de consórcios empresariais ou participação em sociedades, com ou sem poder de

controle, no Brasil ou no exterior, que se destinem direta ou indiretamente à exploração da

produção ou transmissão de energia elétrica sob regime de concessão ou autorização”.

Essas pequenas alterações na lei que regulamenta a atuação da Eletrobrás permitiram

que a empresa tivesse mais liberdade para agir, obtendo uma maior igualdade de condições

frente aos seus concorrentes privados e ampliando o seu escopo de atuação. Essa nova cara

dada à Eletrobrás representava um desejo do governo Lula de transformar a empresa em uma

Petrobras do setor elétrico, ou seja, criar uma mega-empresa que seria respeitada no mercado

internacional. Para Castro e Gomes (2008), essa alteração na lei abre três importantes espaços

que a Eletrobrás pode usar para aumentar os seus empreendimentos: possibilidade de atuação

no exterior, principalmente na América do Sul para promover a integração energética dos

países da região, abrindo possibilidades para investimentos de empresas brasileiras de

engenharia e equipamentos voltados para o setor elétrico; investir em atividades que estejam

indiretamente ligadas à produção e transmissão de energia elétrica, como a participação em

leilões da ANP75 em áreas para a geração de gás natural, garantindo a um menor preço um

insumo para as termelétricas; e o terceiro espaço é a possibilidade de participação das

empresas do Sistema Eletrobrás como majoritárias em consórcios com demais empresas do

setor, competindo em igualdade de condições com as empresas privadas.

Assim, uma justificativa econômica para a mudança no texto legal no que concerne ao aumento do âmbito de atuação da estatal federal (participação majoritária em consórcios) é possibilitar, quando necessário e estratégico for, um maior equilíbrio nas participações públicas e privadas no setor elétrico, para evitar as distorções e riscos potenciais. Desta forma, o Estado amplia a capacidade de ação e de política econômica setorial, podendo usar este instrumento quando e onde necessário for (CASTRO e GOMES, 2008, p.13).

75 Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

Page 176: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

162

Depois que a lei que modificou as possibilidades de atuação da Eletrobrás foi

aprovada, a estatal começou a elaborar um plano de reestruturação focado na competitividade

e rentabilidade dos negócios das empresas do Sistema Eletrobrás. Dessa forma, foi elaborado

o Plano de Transformação da Eletrobrás e o Programa de Ações Estratégicas (PAE) para o

período 2009-2012. O primeiro envolve mais de quarenta ações com o objetivo de reestruturar

todas as empresas do Sistema Eletrobrás, tornando-as mais competitivas e aptas a expandir os

seus negócios, remunerando adequadamente os seus acionistas. Para coordenar esse trabalho,

foi instituído o Comitê de Gestão da Transformação do Sistema Eletrobrás (CGTE), composto

por representantes de todas as empresas do Sistema e das diretorias da holding, para definir as

diretrizes do plano e monitorar se os objetivos traçados estão sendo atingidos.

Já o PAE foi o primeiro plano integrado para todas as empresas do Sistema Eletrobrás,

sendo listados os objetivos, os fatores críticos e as metas para o período correspondente a

2009-2012. Está previsto o investimento de R$ 30,2 bilhões nesse período para entre outros

objetivos, a implementação de mais de 6.000 MW de capacidade instalada para geração de

energia e mais de 10.000 km de linhas de transmissão. O plano está estruturado em seis

pontos: (i) governança corporativa; (ii) imagem da empresa; (iii) internacionalização; (iv)

gestão corporativa; (v) investimentos; e (vi) gestão de pessoas.

No primeiro ponto, o objetivo é melhorar os requisitos de sustentabilidade do Sistema

Eletrobrás, através da listagem no Dow Jones Sustainability Index e a ascensão ao nível 2 de

Governança Corporativa da Bovespa, ambos as metas a serem atingidas até 2012. Já no

segundo ponto, a meta é consolidar a imagem da Eletrobrás junto ao público, como um agente

importante para o crescimento sustentável do país. Para a internacionalização da empresa, a

meta a ser atingida é a conclusão de estudos para a construção de 11.000 km de linhas de

transmissão e a geração de 18.000 MW até 2012. Para a gestão corporativa, o objetivo é

“alinhar e otimizar processos que permitam uma atuação integrada e ganhos de

competitividade” (ELETROBRÁS, 2009c, p.12). Já na gestão de pessoas, o objetivo seria

alcançar a valorização do quadro de funcionários das empresas e a Eletrobrás passar a ser

considerada uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil.

Ao se admitir que o fomento de um excelente clima organizacional depende do desenvolvimento de uma política integrada de gestão de pessoas que considere simultaneamente diversos aspectos relevantes, são postulados como fatores críticos de sucesso: o Plano de Carreiras e Remuneração do Sistema Eletrobrás; o Plano Unificado de Benefícios; o Sistema de Gestão de Desempenho com base em resultados; o Programa Integrado de Desenvolvimento de Pessoas e um programa

Page 177: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

163

formal de mobilidade dos quadros nas diversas empresas (ELETROBRÁS, 2009c, p.13).

Quanto aos investimentos, dentre os objetivos do programa destaca-se a tentativa de

aumento do retorno sobre os investimentos a serem realizados, a busca pelo equilíbrio

econômico-financeiro das seis distribuidoras do Sistema Eletrobrás e a viabilização de

empreendimentos futuros. No PAE 2009-2012 estão previstos investimentos de R$ 30,2

bilhões, uma média de R$ 7,6 bilhões anuais, quase 60% do total investido nos dois primeiros

anos, sendo R$ 14,7 bilhões na atividade de geração, R$ 6,3 bilhões em transmissão, R$ 5,9

bilhões na área de distribuição e mais R$ 3,3 para outros investimentos, como pode ser visto

na tabela 4.13. Desse total de investimentos, a meta é atingir a implementação de 6.459 MW

em geração e 10.386 km de linhas de transmissão, aumentando o alcance do sistema

interligado nacional.

Além da implementação dessa capacidade instalada, outra meta do PAE é a finalização

de estudos de importantes projetos, como as hidrelétricas de Marabá (2.160 MW), Serra

Quebrada (1.328 MW) e as seis usinas do Complexo Tapajós (10.682 MW), além da

conclusão dos estudos antropológicos da hidrelétrica de Belo Monte (11.181 MW). O

aumento da utilização de usinas nucleares também está na pauta do programa, com o início

das obras de Angra 3 (1.405 MW) que tem prevista a entrada em operação no final de 2014 e

a obtenção do apoio do Ministério de Minas e Energia para a construção das UTNs Nordeste

1 e 2 e Sudeste 1 e 2 e a decisão dos locais para a implantação dessas usinas.

Tabela 4.13. - Investimentos 2009/2012 - Corporativo + Parcerias (R$ Milhões)

Investimento 2009 2010 2011 2012 Total % do Total

Geração 4.516 3.426 3.582 3.220 14.744 48,77%

Transmissão 2.545 2.324 1.182 288 6.339 20,97%

Distribuição 1.046 1.997 1.512 1.307 5.862 19,39%

Outros 592 1.255 747 694 3.288 10,88%

Total 8.699 9.002 7.023 5.509 30.233 100,00% Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. – ELETROBRÁS. Programa de Ações Estratégicas do Sistema Eletrobrás (PAE 2009 - 2012).

Outro ponto abordado no PAE é a meta de redução do PMSO76 das seis empresas

distribuidoras que fazem parte do Sistema Eletrobrás, até que elas alcancem o valor da

76 PMSO representa a soma dos custos de pessoal, materiais, serviços de terceiros e outros custos.

Page 178: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

164

empresa de referência estipulado pela ANEEL nas revisões tarifárias que ocorrem de quatro

em quatro anos. Por mais que essas empresas demandem uma boa quantidade de recursos com

uma baixa rentabilidade e os grandes projetos de geração e transmissão previstos nos

investimentos do PAE 2009-2012 não deixem muitos recursos para outras atividades,

atualmente a área de distribuição de energia passou a ser considerada um importante negócio

para a Eletrobrás, mesmo sem trazer um bom resultado para as contas do Sistema Eletrobrás.

4.5.3 - O Aumento dos Investimentos em Distribuição e a Medida Provisória 466

O resultado das distribuidoras melhorou bastante em 2008, porém não chega perto do

resultado das geradoras e transmissoras. Em 2007, as seis distribuidoras deram um prejuízo de

R$ 1,2 bilhão, o que foi revertido no ano seguinte para um lucro de R$ 53 milhões, devido

principalmente à rubrica Recuperação de Despesas Diversas na Manaus Energia, no valor de

R$ 784 milhões frente aos R$ 17 milhões de 2007, mesmo assim, a Eletrobrás estuda

aumentar a participação em algumas empresas distribuidoras.

A Eletrobrás vem negociando com o Estado de Goiás a compra de 41% das ações da

CELG, em uma transação que envolve um empréstimo de R$ 1,35 bilhão do BNDES e do

Banco do Brasil ao estado que irá repassar essa quantia para a empresa como parte do

pagamento da dívida de R$ 1,56 bilhão que esse tem com a CELG. A empresa está em uma

situação delicada, inadimplente com as obrigações setoriais e sem poder aplicar o reajuste

tarifário desde 2007, com uma dívida que passa dos R$ 5 bilhões, posição de junho de 2009.

Além da CELG, a Eletrobrás também estuda aumentar a sua participação na CELPA,

passando dos 34% para uma posição majoritária. Essa empresa foi privatizada em julho de

1998 e atualmente está sobre o controle do grupo Rede Energia e tem uma dívida financeira

líquida de R$ 1,1 bilhão77, 3,8 vezes a geração de caixa operacional. Somado ao interesse na

CELG e na CELPA, a holding também estuda a viabilidade de aumentar a sua participação na

CEAL, CEMAT e CEMAR, além das problemáticas CER e CEA.

Para melhorar o resultado das empresas distribuidoras do Sistema Eletrobrás, foi

criada em maio de 2008 a Diretoria de Distribuição, presidida pelo diretor-presidente Flávio

77 SCHÜFFNE, Cláudia. Eletrobrás pode assumir a gestão da endividada CELPA. Valor Econômico, São Paulo, 23 abr. 2009.

Page 179: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

165

Decat e por seis diretorias: financeira; de gestão; comercial; de planejamento e expansão; de

operação; e de assuntos regulatórios e projetos especiais. O diretor-presidente e essas seis

diretorias são as mesmas para todas as empresas distribuidoras do Sistema Eletrobrás e tem o

objetivo de unificar a gestão dessas empresas, com ganhos de escala, redução de esforços e

melhorando a eficiência dessas empresas, com redução de custos operacionais.

O resultado das distribuidoras como um todo78 pode melhorar consideravelmente a

partir de 2010 tornando a atividade mais atrativa e rentável para Eletrobrás, pois já estará em

vigor a partir de 1º de janeiro daquele ano os efeitos da Medida Provisória (MP) 466 que

dispõe sobre os serviços de energia elétrica nos sistemas isolados. Essa MP visa incentivar a

prestação de serviços de forma mais competitiva e de maior qualidade nos sistemas isolados,

sem que para isso, as distribuidoras que atendem essa região sejam obrigadas a arcar com

esses custos bem maiores do que os custos das distribuidoras ligadas ao sistema interligado

nacional, já que seus mercados são esparsos79, com elevados custos de operação e

manutenção, grande parte de geração térmica e com baixo grau de confiabilidade.

Os Sistemas Isolados dependem, não apenas dos subsídios na aquisição de combustíveis, recebidos por meio da Conta de Consumo de Combustíveis dos Sistemas Isolados – CCC, mas também de outras formas de incentivo que minimizem o impacto, nas Concessionárias, do alto custo do serviço para atendimento às localidades isoladas – entre 500,00 R$/MWh e 1.000,00 R$/MWh. Em síntese, sem um subsídio, os brasileiros da Região Norte, não têm como suportar uma tarifa de fornecimento que represente sequer o equilíbrio econômico-financeiro da concessão (ELETROBRÁS80, 2009b, p.2).

A MP 466 estabelece que as distribuidoras têm que atender todo o seu mercado através

da abertura de concorrência e realização de leilões, onde for viável, para a contratação de

energia nos sistemas isolados do país, de acordo com as normas da ANEEL, e para essa

contratação, as concessionárias precisarão dispor de garantias financeiras. A Conta de

Consumo de Combustíveis (CCC) terá que reembolsar às distribuidoras de energia que

atendem a esses mercados, a diferença entre o custo total da aquisição de energia nos sistemas

isolados e o custo médio da energia negociada no Ambiente de Contratação Regulada do

sistema interligado nacional.

78 Essa melhora no resultado total das distribuidoras virá através de uma maior cobertura dos custos de geração de energia nos sistema isolados, área atendida por quatro das seis empresas distribuidoras do Sistema Eletrobrás: Manaus Energia, CERON, Eletroacre e Boa Vista Energia. 79 Os sistemas isolados correspondem a quase metade do território brasileiro, porém com poucos consumidores, apenas 3% do consumo de energia do país. 80 ELETROBRÁS, MP 466 – Sistemas Isolados. Rio de Janeiro, Nota Explicativa, 30 set. 2009.

Page 180: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

166

A MP também listou no Art. 3º, § 1º e 2º, o que deve ser considerado dentro do custo

total de produção de energia nos sistemas isolados: a contratação de energia; a geração

própria; a aquisição de combustíveis; os encargos e impostos; os investimentos realizados; e

todos os demais custos relacionados à prestação do serviço de energia elétrica. Dessa forma, a

MP 466 reconhece os elevados custos que as distribuidoras têm para prestar esse serviço e que

não era compensado com a tarifa cobrada dos consumidores e pela subvenção da CCC, tendo

a própria concessionária que subsidiar a energia elétrica dos consumidores dos sistemas

isolados, impactando negativamente em seu desempenho e rentabilidade. Esse é o quadro que

atinge não apenas as quatro das seis subsidiárias da Eletrobrás, como as demais empresas que

prestam serviço naquelas regiões e que atualmente se encontram em dificuldades financeiras,

como a CER e CEA.

Segundo cálculos do governo, a tarifa de energia elétrica do brasileiro não precisará

ser aumentada para cobrir esse aumento no repasse da CCC para as concessionárias dos

sistemas isolados, pois será compensado pela redução do valor pago às outras distribuidoras

que terão o seu mercado ligado ao sistema interligado nacional (SIN) nos próximos anos,

como os estados do Acre e Rondônia que farão parte do SIN ainda em 2009, uma parte do

Estado do Amazonas, incluindo a capital Manaus, o Estado do Amapá e provavelmente a

cidade de Boa Vista, que serão ligados ao SIN até o final de 2011. Para isso, a partir da data

da interligação, as concessionárias terão 18 meses para adequar as suas instalações físicas e

contratos para os padrões do SIN, regulamentado pela ANEEL.

Esse tempo para ajustes é importante para que as concessionárias recém interligadas

não sejam prejudicadas com o aumento dos custos da associação ao SIN, já que terão que

pagar entre outras coisas, mais encargos setoriais, porém os contratos de compra de energia da

época em que as concessionárias ainda não estavam interligadas ainda estarão vigentes. Para

resolver esse impasse, o § 5º do Art. 3° estabelece que o direito ao reembolso da nova

metodologia da CCC para os sistemas isolados terá duração igual ao tempo dos contratos

vigentes de compra de energia dessas concessionárias que serão interligadas. Essas medidas

terão impactos positivos no resultado do Sistema Eletrobrás a partir de 2010, quando entram

em vigor as disposições da MP.

Page 181: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

167

4.5.4 - A Internacionalização da Eletrobrás

Outra medida estudada pela Eletrobrás para aumentar a rentabilidade dos seus

investimentos e atingir a meta de internacionalizar a empresa é o plano de investir em geração

e transmissão, principalmente na América do Sul para colocar em prática a integração

energética dos países da região. A Eletrobrás foi autorizada pela Lei 11.651 a atuar no

mercado internacional, e para isso, o PAE estruturou as metas para a empresa que são a

conclusão de estudos de viabilidade para empreendimentos de geração81 e transmissão até

2012: 18.000 MW para geração e 11.000 km de linhas de transmissão.

Para atender a essa nova missão, em julho de 2008 foi criado na Eletrobrás a

Superintendência de Operações no Exterior (PE), que está subordinada a presidência da

holding, para coordenar “a sua atuação no mercado internacional, além de identificar e avaliar

potenciais mercados no exterior com vistas a propiciar a geração de negócios para a empresa e

suas controladas no segmento de energia elétrica” (ELETROBRÁS, 2009a, p.51). Para que

sejam realizados investimentos da Eletrobrás no exterior, primeiramente os empreendimentos

precisam ter uma adequada rentabilidade, a Eletrobrás precisará encontrar sócios para esses

projetos, e preferencialmente, esses empreendimentos devem estar localizados em algum país

que faça fronteira com o Brasil para que seja facilitada a exportação do excedente de energia

desses países. Atualmente a Eletrobrás avalia empreendimentos em países da América do Sul

(Argentina, Bolívia Colômbia, Guiana, Peru e Venezuela), em países da América Central

(Honduras e Nicarágua), na África (Angola, Moçambique, Namíbia e Marrocos) e na Ásia

(Nepal), além de estar atenta ao importante mercado dos Estados Unidos.

No final de 2008, a Eletrobrás contava com estudos para avaliação da viabilidade da

construção de nove hidrelétricas pelo mundo, seis no Peru totalizando perto de 7.000 MW,

uma na Argentina (1.800 MW), uma na fronteira entre Angola e Namíbia (360 MW) e uma na

Nicarágua (180 MW). Além desses empreendimentos, a Eletrobrás ainda estudava a

construção de uma linha de transmissão na Venezuela para a realização do intercâmbio de

energia com esse país. Mais um passo importante para a internacionalização da Eletrobrás foi

a implantação de um escritório no Peru e outro no Uruguai, em 2009.

81 Principalmente de hidrelétricas.

Page 182: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

168

Para evidenciar a importância internacional que a Eletrobrás vem ganhando nos

últimos anos, em junho de 2009 a empresa foi convidada a participar de uma reunião

envolvendo as maiores empresas do setor elétrico dos oito países mais industrializados do

mundo (e8) onde foi debatida a mudança climática e a busca de soluções para o

desenvolvimento energético sustentável. Pouco mais de um mês depois, a Eletrobrás foi

chamada para ser membro permanente do e8, um grupo de 13 empresas mais importantes do

setor elétrico nos países do G8. Nas reuniões que ocorrem anualmente são discutidos temas

importantes para o setor elétrico mundial e o rumo que o setor deve seguir para que continue

ofertando energia da forma mais eficiente possível, levando em consideração as preocupações

com o aquecimento global. Além da participação como membro permanente desse fórum, a

Eletrobrás participa de diversos outros, como pode ser verificado na entrevista do presidente

da Eletrobrás, José Antonio Muniz, para a Revista Sistema Eletrobrás -

agosto/setembro/outubro 2009.

Temos participação na Agência Internacional de Energia, no que diz respeito às usinas hidrelétricas, participamos do Fórum das Águas, por intermédio da Itaipu Binacional, e do Conselho Mundial de Energia, para dizer os mais significativos. No entanto, a participação no e8 é algo muito especial, porque é o fórum de maior dimensão, é o maior de todos, até porque não há outro similar (ELETROBRÁS, 2009f, p.6).

4.6 - APLICAÇÃO DA TEORIA DE EMPRESAS “NATIONAL

CHAMPIONS” AO CASO DA ELETROBRÁS

Se for aceita a idéia adotada nesse trabalho de que uma empresa pode ser considerada

uma “national champion” caso ela seja uma grande e importante empresa, que possua

economias de escala, que tenha uma fatia considerável do mercado onde atua, que seja capaz

de competir no mercado internacional com as maiores empresas do mundo em seu ramo e que

esteja localizada em um setor estratégico, a Eletrobrás possui todas essas qualidades, podendo

então, ser considerada uma “national champion”. Porém, quando se analisa a sua trajetória, a

tarefa que lhe foi dada desde a sua criação, a sua atuação ao longo dos anos, chega-se a

conclusão de que a Eletrobrás, em toda a sua história, esteve muito mais voltada para obter

êxito no processo de desenvolvimento do setor elétrico brasileiro do que para crescer como

empresa, unicamente com objetivos empresariais de obtenção de lucro e de alcançar uma

parcela cada vez maior do mercado.

Page 183: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

169

Dentre a explicação dada por Geroski (2005) sobre os três principais motivos

normalmente utilizados para a criação de empresas “campeãs nacionais”, a explicação de que

o local onde ela atua é um mercado global, a idéia de que a empresa precisa ser grande para

ser competitiva e que existiriam setores considerados estratégicos para o governo que

precisariam ser consolidados para que o país progredisse economicamente, o fortalecimento

da Eletrobrás se encaixa com o objetivo do último ponto, que é o único que não é desmentido

na análise geral do autor, já que a ampliação da infra-estrutura e particularmente do setor

elétrico são fundamentais para o crescimento dos demais setores e indústrias da economia, e o

crescimento da capacidade de gerar energia está sempre na pauta das políticas empregadas

pelos governos de muitos países.

Apesar da discussão sobre empresas “national champions” ser um tema relativamente

novo, os motivos para a criação da Eletrobrás na década de 1960 também se aplica na

explicação do uso das “national champions” em alguns setores considerados estratégicos. O

medo de o país ficar nas mãos de empresas estrangeiras em áreas importantes, onde estas não

teriam o compromisso de desenvolver e buscar os melhores caminhos faz com que governos

se esforcem para criar empresas nacionais fortes para tomarem o lugar de destaque dessas

multinacionais. Esse foi o caso do setor elétrico brasileiro, já que a Eletrobrás foi criada na

época em que a indústria de energia elétrica era dominada pelas empresas estrangeiras Light e

AMFORP, que não se esforçavam muito para levar energia a outras localidades que ainda não

eram atendidas pelos serviços das duas empresas. Assim, sem ser dada a devida atenção a um

campo chave da economia, quase todos os demais setores podem sofrer negativamente com

essa negligência, não sendo capaz de desenvolver todo o seu potencial, vide o que aconteceu

no período de racionamento de energia em 2001, quando a atividade econômica como um

todo foi afetada drasticamente.

Como já foi dito anteriormente, a maneira correta de se encontrar potenciais empresas

“national champions” seria através da identificação de um setor chave da economia e analisar

o que precisaria ser feito para que esse setor se desenvolvesse. Isso foi o que aconteceu

antigamente com a criação da Eletrobrás para fomentar de diversas formas o crescimento da

oferta de energia e o aumento da confiança do sistema elétrico brasileiro, e o que está

acontecendo novamente agora, com a transformação da função da Eletrobrás, que foi

permitida em 2008, através da entrada em vigor da Lei 11.651 que deu uma nova redação ao §

1o do Art. 15° da Lei 3.890-A, onde a União foi autorizada a criar a Eletrobrás em 1961.

Page 184: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

170

Assim, como no meio do século passado, atualmente o Brasil passa por um momento onde é

necessária a presença de uma empresa forte no setor elétrico, que seja parceira das demais

empresas em projetos que vão dar garantias de que o país não vai enfrentar problemas de

oferta de energia no futuro, ou seja, que o crescimento do país não vai esbarrar em um dos

maiores gargalos de infra-estrutura que existe, a falta de energia.

A forma errada de se identificar potenciais empresas “national champions” seria

através da pressão recebida pelo governo de um país para incentivar uma empresa forte

politicamente, que esteja passando por um momento ruim em seu desempenho, ou que esteja

em um mercado maduro ou em declínio para que ela se torne uma “campeã nacional”. Esse

não é o caso da Eletrobrás que teve um desempenho satisfatório no ano de 2008 e está

atuando em um mercado em franco crescimento, com ampla margem para aumentar a sua

produção de energia elétrica. Ao contrário do que ocorre em alguns países, onde o setor

elétrico já está estagnado, não havendo muitas oportunidades para que a empresa que atue

nesse mercado cresça e aumente a sua produção, só restando para essa empresa, disputar

mercado em outros países ou ampliar a sua área de atuação.

No processo de reformas do setor elétrico durante a década de 1990, que culminou

com a criação da ANEEL e com a privatização de algumas empresas do setor, o planejamento

e os investimentos em criação de capacidade instalada ficaram em segundo plano, já que era

mais fácil para os novos agentes privados que estavam entrando no setor, comprar uma

empresa com instalações já em operação, do que investir em projetos que levariam anos para

dar retorno e com um risco mais alto. Esse processo teve o seu ápice com a crise de energia de

2001, onde ficou claro que o procedimento de deixar nas mãos do mercado o destino desse

setor crucial para a economia brasileira, não estava correto.

Esse processo foi revertido nos últimos anos com a volta do planejamento a esfera

pública através da criação da EPE e com a volta dos projetos de construção de grandes

empreendimentos de geração de energia elétrica. Esses projetos por serem grandiosos,

precisam da presença de empresas do Sistema Eletrobrás na composição dos consórcios que

participam dos leilões, por diversos motivos, seja por causa do know-how das empresas, ou

devido aos altos custos financeiros dos empreendimentos, ou para a divisão dos riscos entre

os parceiros, ou simplesmente para haver concorrência entre os consórcios, beneficiando a

modicidade tarifária. Esse é um dos papéis que a Eletrobrás vem tendo no momento,

Page 185: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

171

participando ativamente dos leilões de linhas de transmissão e de empreendimentos de

geração de energia, como as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio no rio Madeira, no Estado

de Rondônia.

A Eletrobrás tem as principais características gerais de uma “national champion”,

porém não age como se fosse uma. A Eletrobrás não usa o seu poder de mercado em benefício

próprio, criando barreiras à entrada no setor elétrico brasileiro para aumentar a sua

participação e o seu domínio sobre o mercado, recebendo maiores lucros por isso. Devido às

características do sistema elétrico brasileiro e de como ele atualmente está organizado, tendo a

ANEEL como principal instituição do setor, mesmo que a empresa quisesse exercer o seu

poder de mercado, ela não conseguiria, devido às ações e regulamentações da ANEEL ou por

causa da complementaridade do sistema elétrico brasileiro, onde a coordenação mais do que a

concorrência, é a principal fonte de otimização dos resultados.

O sistema elétrico brasileiro caracteriza-se pela existência de grandes usinas hidrelétricas, com reservatórios plurianuais, localizadas em diferentes bacias hidrológicas, em geral interligadas por extensas linhas de transmissão, e uma pequena participação da geração térmica, algo em torno de 5% do total da capacidade instalada. A possibilidade de interligação de bacias localizadas em diferentes regiões geográficas assegura ao sistema brasileiro um importante ganho energético, que consiste em tirar proveito das diferentes sazonalidades, garantindo a complementaridade entre os diversos regimes hidrológicos. Dado que o sistema tem a predominância de centrais hidrelétricas, a grande distância entre as fontes geradoras e os centros de carga obriga a construção de longas redes de transmissão. Além desses aspectos, são freqüentes as situações em que coexistem, em um mesmo rio, usinas de diferentes proprietários, o que ressalta mais ainda a importância da operação coordenada (SANTANA e OLIVERIA, 1999, p.374).

Desde a sua criação, a Eletrobrás vem realizando ações com o intuito de desenvolver o

setor elétrico: financiamento de projetos e empreendimentos; treinamento da mão de obra

setorial; planejamento da expansão da oferta de eletricidade; coordenação, supervisão e

operação do sistema elétrico; e a articulação com a indústria nacional de equipamentos e

materiais, além da indústria de bens de capital sob encomenda e de empresas de engenharia.

Fica claro que a função da Eletrobrás sempre foi a de promover o crescimento e de dar

dinamismo não só para o setor elétrico brasileiro, mas para todas as indústrias e setores que

estavam ligados direta ou indiretamente a ele, com o intuito de reduzir a dependência externa

e de gerar internamente meios de suprir as necessidades do setor, aumentando o índice de

nacionalização dos equipamentos, o que foi reforçado com a criação do CEPEL que daria

suporte científico e tecnológico a toda indústria elétrica. Ou seja, mais do que um agente

concorrente, a Eletrobrás exercia uma liderança considerada neutra sobre as discussões

Page 186: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

172

setoriais, sendo responsável pelo planejamento e execução da política federal para o setor

elétrico brasileiro, compatibilizando com as diretrizes da política energética do governo.

Normalmente a política de incentivo à criação de empresas “national champions”

encontra resistências dos órgãos de defesa da concorrência, seja ele nacional ou regional. No

Brasil, frente aos últimos processos analisados pelo Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE), o fortalecimento da Eletrobrás e a possível compra de empresas do setor

elétrico pela estatal, provavelmente não encontraria muita resistência do órgão, já que o poder

de mercado é muito difícil de ser exercido por empresas de energia elétrica no Brasil. Entre os

motivos para a aquisição de empresas, o mais pertinente para a Eletrobrás seria a tentativa de

alcançar a internacionalização de suas atividades, mas para isso, a estatal teria que comprar

empresas estrangeiras, o que poderia acarretar em desgastes políticos, devido o setor

energético ser considerado estratégico. A solução para esse impasse e o que a empresa vem

tentando fazer nos últimos dois anos, é a realização de estudos e a construção de

empreendimentos hidrelétricos no exterior, expandindo a atuação da empresa para outros

países e ao mesmo tempo, garantindo, na maioria dos casos, a integração energética dos

países da América do Sul e o fornecimento da energia excedente para o Brasil.

A idéia de que alguns países buscam por meio do incentivo às “national champions”

atingir objetivos nacionais de política energética para aumentar a sua segurança futura quanto

ao suprimento de energia elétrica, pode ser aplicado em menor escala para o atual momento

da Eletrobrás. A empresa conta com o apoio do governo brasileiro para a formação de

parcerias para a construção de usinas hidrelétricas em países da América do Sul, se possível,

perto da fronteira com o Brasil para que seja facilitado o escoamento das sobras de energia

para o país, evidenciando o interesse nacional de garantia da oferta futura de eletricidade,

misturado com os interesses da Eletrobrás, como um projeto que vai gerar valor para a

empresa, mesmo porque, o país onde pode ocorrer os investimentos, geralmente não tem

demanda para equilibrar esse aumento abrupto da oferta, como é o caso do Peru.

Para os críticos das políticas de fomento às “national champions”, o aumento do poder

de mercado da empresa e a falta de competição no mercado onde ela atua vai tornar a empresa

menos eficiente, já que haveria poucos incentivos para que ela inovasse e investisse mais, e

resultaria em aumento de preços. No caso do setor elétrico brasileiro, a ANEEL não permite

que as empresas que atuam na área de distribuição sejam ineficientes, pois são penalizadas

Page 187: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

173

por isso nos reajustes e revisões tarifárias. Além disso, as empresas do setor foram

desverticalizadas, e mesmo as poucas que ainda atuam nas atividades de geração e

distribuição, são proibidas desde 2004, pela reforma setorial promovida pelo governo Lula, de

comprar energia elétrica gerada por empresas do próprio grupo, sendo obrigada a comprar

toda a sua energia por meio de leilões. Almeida e Pinto Jr. (2004) abordam esse tema e

mostram a diferença entre o modelo que vigorou no governo FHC e o modelo aprovado pelo

governo Lula.

(...) the new model will promote total separation between the generation and

distribution segments. Currently distribution companies are allowed to buy uo to

30% of their electricity from their own subsidiaries (self-dealing). In addition,

Cemig and Copel, the distribution companies from Minas Gerais and Parana, are

vertically integrated. In the new model, sel-dealing is prohibited. Copel and Cemig

will have to unbundled their assets into different companies (ALMEIDA e PINTO JR., 2004, p.15).

Para os novos empreendimentos de geração e transmissão, um leilão é realizado

apresentando um preço máximo82 que a empresa ganhadora poderá cobrar pelos serviços e a

companhia que oferecer um maior deságio sobre o valor inicial, leva o direito de construir o

empreendimento. Caso haja algum problema causado por uma falta de eficiência na

construção e/ou operação desse empreendimento, o prejuízo fica por conta da empresa. O

poder de mercado para influenciar o preço cobrado ao consumidor final ou para os serviços

prestados nas atividades intermediárias são praticamente nulos no modelo brasileiro, pois

existem regras claras mostrando quando e como as tarifas serão alteradas e as atividades de

distribuição e transmissão consistem em monopólios naturais, havendo apenas uma empresa

ofertando o serviço em cada localidade, não ocorrendo competição entre elas.

Thus any move towards concentration in the distribution industry has little or no

anti-competitive effect, because the distributors operate in a natural monopoly

environment in their concession areas. Even an increase in concentration in the

generation industry will have little effect, given the nature of the ACR (CASTRO e LEITE, 2009, p.129).

Atualmente o mercado de energia elétrica brasileiro está dividido em duas partes, o

ambiente de contratação regulado (ACR) e o ambiente de contratação livre (ACL). No

primeiro, estão os consumidores cativos das distribuidoras, como os residenciais, os de

serviços, iluminação e serviços públicos, e pequenas e médias indústrias. Já o ACL é

exclusivo para as firmas que contratam uma grande quantidade de energia - consumidores

82 Esse preço máximo é calculado pela EPE.

Page 188: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

174

livres, nesse ambiente os participantes competem livremente, celebrando contratos com

preços, volumes e garantias diferentes, de acordo com cada operação (CASTRO e LEITE,

2009), sendo assim, apenas nesse local que realmente há concorrência no mercado energético,

onde os compradores e vendedores de eletricidade estão livres para negociar.

Portanto, é nesse mercado que a ANEEL e o CADE têm que tomar maiores cuidados,

pois é nele que uma grande empresa pode tentar exercer o poder de mercado, influenciando

no preço e nas condições da energia a ser contratada. No ACR, a competição que existe é

apenas ex-ante, no momento dos leilões dos contratos de venda de energia de longo prazo,

porém nesse mercado há regras bem rigorosas sobre a atuação dos agentes. Então, no mercado

de eletricidade brasileiro não há muito espaço para que uma empresa possa exercer o poder de

mercado que ela teria caso dominasse a maior parte da sua atividade e/ou fosse verticalmente

integrada, o que é o caso das “national champions”, já que o ambiente é fortemente

controlado com punições para as empresas que não cumprem os seus contratos.

The regulatory arrangment in Brazil has two types of incentives: (i) distribution

companies and retailers must supply, according to long run (more than six months)

bilateral contracts, 100% of their market; (ii) generators must guarantee 100% of

electricity, with their own production or buying in the spot market, according to

their contracts. There´s a severe penalty for firms that fail in any of the cases (SANTANA e LEITE, 2007, p.4).

Em relação à série de fusões e aquisições que vem ocorrendo na última década na

Europa entre empresas de eletricidade e de gás, com o intuito de garantir o principal insumo

utilizado na produção de energia elétrica, diminuindo os riscos de suprimento, esse mesmo

fenômeno não vem ocorrendo no Brasil, muito em função da menor importância das

termelétricas a gás em comparação com a geração por meio de hidrelétricas e também devido

ao fato de que no Brasil, o único produtor de gás relevante é a Petrobras. Portanto, não faria

sentido a Eletrobrás receber incentivos do governo brasileiro para fazer a fusão com uma

empresa produtora de gás, pois não traria benefícios relevantes para os seus empreendimentos

que são em sua grande maioria, hidrelétricas. Apenas os futuros empreendimentos da

Eletrobrás que poderiam ser beneficiados, mas até o momento a empresa não vem

demonstrando interesse em construir termelétricas, já que em seu plano estratégico de

negócios (PAE 2009-2012) apenas os projetos nucleares e hidrelétricos foram destacados,

enfatizando também a idéia de construção de hidrelétricas no exterior.

Page 189: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

175

Não seria também do interesse do governo brasileiro interceder no mercado de

eletricidade em favor da Eletrobrás, como vem ocorrendo na Europa, porque o país ainda tem

muitas formas e meios para gerar energia elétrica, como as hidrelétricas na região Norte, as

usinas nucleares, a energia gerada por fonte eólica e por biomassa, além da construção de

termelétricas movidas a óleo, gás e carvão, insumos encontrados de forma abundante no país,

ao contrário da Europa, onde as “national champions” recebem apoio para atingir objetivos

nacionais de segurança energética. Outra diferença em relação às “national champions”

européias é que devido ao gás não ser um insumo muito utilizado para gerar eletricidade no

Brasil, caso a Eletrobrás realizasse um acordo de F&A com uma empresa produtora de gás,

essa nova empresa não teria aumentado de forma significativa o seu poder de mercado,

portanto não haveria motivos para o negócio não ser aceito pela ANEEL e/ou pelo CADE.

Por outro lado, a Eletrobrás também não teria a justificativa de que o negócio seria bom para

empresa, que ela teria reduzido os seus custos de transações, melhorando a eficiência da

empresa e reduzindo os custos que seriam repassados ao consumidor final.

Outros pontos que caracterizam a política ativa do governo para o fomento de

empresas “campeãs nacionais” são as questões da concessão de subsídios às empresas e as

linhas de financiamento com taxas de juros mais baixas do que a praticada pelo mercado. No

caso da Eletrobrás ocorre justamente o contrário, a empresa é prejudicada por ter que

participar de empreendimentos que financeiramente não seriam bons para ela, mas que são

importantes para o governo, como são os casos das distribuidoras dos sistemas isolados que

foram incorporadas ao Sistema Eletrobrás e que na média vêm dando prejuízo ao longo do

tempo, impactando negativamente o resultado da estatal. Sobre as condições de

financiamento, a empresa vem sendo penalizada por ser estatal e ter que fazer parte do esforço

de superávit primário do governo, além de ter dificultada a sua captação de recursos devido

aos limites de endividamento, e a restrição na obtenção de recursos do BNDES.

Portanto, por mais que a Eletrobrás possa ter em linhas gerais as qualidades de uma

empresa “national champion”, a empresa não age como uma, exercendo o seu poder de

mercado e aumentando as barreiras à entrada de novas firmas no setor elétrico brasileiro ou

nas atividades de seu maior interesse. Desde a sua criação, a Eletrobrás teve como objetivo

desenvolver as atividades do setor elétrico nacional e otimizar a sua operação, exercendo uma

posição central nesse processo. Pode-se considerar que a estatal vem obtendo êxito nesse

procedimento, pois o setor elétrico brasileiro é um dos que utilizam mais fontes renováveis na

Page 190: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

176

geração de eletricidade, além de estar em sua grande maioria interligado, gerando maior

confiabilidade ao sistema e otimizando a sua operação.

Assim, a Eletrobrás não pode ser comparada com outras “campeãs nacionais” que

estão em busca de expandir as suas atividades para ganhar mercados, evitando a sua compra

por empresas concorrentes, até porque, ela é uma empresa estatal e só seria vendida caso fosse

de interesse do governo. Deste modo, a meta do governo de fortalecer a Eletrobrás tem como

objetivo ter uma empresa forte que possa participar ativamente da construção de novos

empreendimentos, dando garantias de que o crescimento futuro do país não esbarrará na

ameaça de falta de energia elétrica, como já ocorreu anteriormente.

Page 191: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

177

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho buscou-se estudar a importância da Eletrobrás para o desenvolvimento

do setor elétrico brasileiro, os motivos que levaram à criação da empresa e como ela veio

atuando no setor ao longo do tempo, mesmo após as reformas liberais da década de 1990 que

lhe retiraram importantes funções que anteriormente faziam parte das suas atribuições. O

trabalho também buscou mostrar a análise da perspectiva futura da Eletrobrás e a aplicação da

teoria sobre empresas “campeãs nacionais” ao caso da estatal.

Pode-se concluir que o setor elétrico brasileiro é um dos mais eficientes do mundo,

pois produz energia barata, tem uma matriz em sua ampla maioria não poluente e tem

enormes linhas de transmissão que ligam quase todo o país, beneficiando a troca de energia

entre regiões do Brasil e a segurança do sistema elétrico. Para se chegar a esse nível atual, foi

preciso muitos anos de esforços e cooperação entre as empresas do setor, que tiveram que

abdicar dos interesses conflitantes, para a busca do interesse comum na construção de um

sistema elétrico nacional. Porém, não é fácil fazer com que todas as empresas de um setor

cooperem para o bem geral do país, foi preciso à atuação de uma empresa estatal que reunisse

meios e força política para realizar diversas funções, como o planejamento, coordenação,

operação, financiamento e outras atividades. Esse poder foi dado à Eletrobrás que realizou o

importante papel de desenvolver todo o sistema elétrico brasileiro, não só as atividades de

geração, transmissão e distribuição, mas também a indústria fornecedora de equipamentos e

materiais para o setor e as empresas de engenharia.

Como não poderia deixar de ser, as dificuldades para se implantar um sistema elétrico

nacional, quase em sua totalidade interligado, foram enormes, principalmente para a aceitação

do projeto de criação da Eletrobrás que ficou por diversos anos para ser aprovado, pois ia de

encontro com os interesses contrários de diversas empresas, pessoas e entidades. Não se pode

concluir, contudo, que caso a Eletrobrás não existisse o setor elétrico brasileiro não estaria tão

desenvolvido e integrado como está atualmente, mas certamente o caminho para se chegar até

o ponto atual teria sido bem mais árduo, pois a empresa conseguiu reunir todos os atributos

necessários para tocar a expansão da oferta de energia no Brasil. Claro que as empresas não

precisariam cooperar para que o setor elétrico crescesse, como acontece na grande maioria

dos setores na economia, no entanto, devido as características do país e do setor - grandes

Page 192: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

178

usinas hidrelétricas, grande distância entre os centros consumidores e o local de geração da

energia, e o emprego de mais de uma hidrelétrica em um mesmo rio - a otimização da

operação do sistema só seria possível dessa forma, com uma empresa atuando em prol do

desenvolvimento do setor elétrico como um todo e resolvendo os conflitos entre os agentes.

A atuação da Eletrobrás ao longo do tempo permitiu que ela fosse respeitada pelas

empresas do setor e pelas instituições governamentais, sendo considerada um agente neutro

no setor. Caso a estatal quisesse apenas crescer como empresa, aumentando a sua participação

no mercado, procurando obter maiores lucros e agindo politicamente em benefício próprio, a

Eletrobrás perderia o crédito junto aos demais agentes do setor elétrico que não respeitariam

mais a sua posição e as suas decisões, desencadeando todo um processo contrário à

cooperação entre as empresas.

A partir da análise da formação do setor elétrico brasileiro e das formas de intervenção

do Estado no ambiente econômico, foi possível observar que o projeto de criação da

Eletrobrás fez parte de um processo mais amplo de aumento da intervenção do Estado na

economia e de criação de empresas estatais que teve em Getúlio Vargas um divisor de águas.

Vargas entendia que era função do governo manter sob o controle do Estado o

desenvolvimento de setores estratégicos para o país, como o de energia, e para isso, a criação

da Eletrobrás serviria para instalar no setor elétrico uma empresa que assegurasse a execução

da política federal para o setor, fazendo com que o Estado assumisse a liderança no processo

de crescimento da oferta de eletricidade. No entanto, a forte crítica contrária à instalação da

Eletrobrás mostrou que havia grandes interesses em jogo que seriam afetados pela

centralização das ações na empresa e pela amplitude do projeto de criação da estatal, pois o

setor elétrico brasileiro já havia se organizado, contando com a presença de milhares de

pequenas empresas locais e de duas grandes empresas estrangeiras.

Os sete anos que foram preciso para a aprovação da lei que criou a Eletrobrás serviram

para que as resistências ao projeto fossem diminuindo e para que houvesse um maior espaço

para negociações políticas, superando os obstáculos para a criação de um setor elétrico

realmente nacional. A primeira tarefa da estatal foi coordenar os investimentos do setor,

procurando fazer a integração nacional, evitando a dispersão dos recursos e a duplicação de

esforços, ou seja, procurando otimizar a aplicação dos recursos para o melhor

desenvolvimento do setor elétrico como um todo. A partir desse momento, a empresa virou o

Page 193: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

179

principal agente financeiro setorial, dando condições para que o planejamento do setor

estivesse ligado à liberação de recursos.

Ao assumir o planejamento do setor elétrico, a Eletrobrás deixou para trás a tradição

do planejamento regional e sem regularidade que era a marca do setor antes da década de

1960. O planejamento da expansão das atividades do setor elétrico com o passar do tempo,

também começou a incorporar a análise sobre a indústria de equipamentos e materiais,

tentando integrar toda a cadeia de fornecedores. No decorrer deste trabalho ficou claro que a

Eletrobrás desde os seus primeiros anos de atuação procurou aumentar os índices de

nacionalização dos equipamentos utilizados no setor elétrico, e para isso, a empresa procurou

ajudar no melhor planejamento da produção e dos investimentos por parte das empresas

fornecedoras.

Através da análise do setor elétrico brasileiro foi possível observar que a criação da

Eletrobrás foi um marco na coordenação entre as empresas que atuavam na indústria de

energia elétrica, pois anteriormente, as empresas operavam de forma isolada, com nenhum ou

com um pequeno intercâmbio entre as elas, já que não havia uma rede de transmissão bem

desenvolvida, ligando-as. Portanto, a necessidade de uma maior integração entre as empresas

já era notada antes da entrada em operação da Eletrobrás, porém, apenas com a função que lhe

foi dada que houve meios para que se colocasse em prática a cooperação.

Outra função assumida pela Eletrobrás logo em seus primeiros anos de existência foi a

de realizar cursos no Brasil e no exterior para treinar a mão de obra especializada do setor. A

criação do CEPEL também mostra a preocupação da Eletrobrás para o desenvolvimento

completo do setor elétrico brasileiro, ao fornecer suporte científico e tecnológico para as

empresas que atuam nas atividades de geração, transmissão e distribuição, além do apoio

técnico aos fabricantes de equipamentos e às empresas prestadoras de serviços de engenharia.

Como pôde ser visto, a questão ambiental também não foi esquecida, a partir do Plano 2010,

o impacto no meio-ambiente das instalações de expansão da indústria de energia elétrica

começou a fazer parte dos estudos, tornando mais complexa a viabilização dos projetos.

Com as reformas de cunho liberal que começaram a ser implantadas na economia

brasileira por Collor e posteriormente por FHC, profundas mudanças ocorreram no setor

elétrico com a justificativa de aumentar a presença do capital privado nas atividades do setor e

recuperar os níveis de investimento e crescimento da oferta de energia. Novas instituições

Page 194: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

180

foram criadas, reduzindo o papel a ser exercido pela Eletrobrás nas decisões do setor,

diminuindo o seu número de funcionários e o ritmo dos investimentos, já que a empresa tinha

sido incluída no programa de desestatização. Portanto, de todas as funções que a empresa

exercia anteriormente, apenas o papel de holding de empresas do setor elétrico e a

administração de programas do governo federal permaneceram sob a tutela da Eletrobrás, que

foi retirada do topo da hierarquia setorial.

Por mais que o governo Lula tenha adotado medidas que restabeleceram a importância

do Estado na economia brasileira e retirado da iniciativa privada a responsabilidade total pela

expansão da oferta de energia, a Eletrobrás permaneceu enfraquecida até 2008, com a perda

para o BNDES da função de principal agente financeiro setorial, para a EPE da função de

planejamento, e para o ONS e para o MAE (e posteriormente para a CCEE) das funções de

coordenação e operação do sistema elétrico brasileiro. Apenas com a modificação na lei que

criou a empresa e com a intenção do governo Lula de tornar a Eletrobrás em uma referência

no setor elétrico mundial, que a estatal pôde voltar a sonhar em exercer um papel importante

na política energética nacional.

Atualmente estão em vigência na Eletrobrás dois planos de reestruturação da empresa,

o Plano de Transformação da Eletrobrás e o Programa de Ações Estratégicas para o período

de 2009-2012, que têm o objetivo de tornar as empresas do Sistema Eletrobrás mais

competitivas e aptas a expandir os seus negócios, remunerando adequadamente os seus

acionistas. Dentre os objetivos da Eletrobrás, estão a internacionalização da empresa e o

aumento dos investimentos na atividade de distribuição. Assim, os investimentos da empresa

em geração e transmissão principalmente em países da América do Sul seguem a intenção do

governo brasileiro de interligar o continente, reduzindo os custos de produção da energia

elétrica e os riscos de desabastecimento de algum país em períodos hidrológicos

desfavoráveis. Além disso, o aumento dos investimentos em distribuição segue uma

recomendação da direção da empresa, influenciado pelo resultado obtido pelas suas seis

distribuidoras em 2008 e pela criação da Diretoria de Distribuição.

Essas duas ambições da empresa por mais que possam agregar valor ao resultado do

Sistema Eletrobrás e possa aumentar a segurança do sistema elétrico brasileiro, por outro lado,

vão aumentar em muito os riscos da empresa, por se tratar de países que estão passando por

uma onda revolucionária, onde os direitos de empresas estrangeiras não estão sendo

Page 195: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

181

respeitados, vide o que vem acontecendo em maior escala na Bolívia, Venezuela e Equador, e

em menor escala na Argentina. Será que o ganho do Brasil com a interligação dos países da

América do Sul será maior do que os riscos que esses negócios poderão trazer para os

investimentos da Eletrobrás? Não me parece muito claro os reais benefícios para o país

atualmente, já que o Brasil ainda conta com diversas formas para gerar energia elétrica, sem

ficar na dependência de outros países. O mais prudente seria investir em países onde as

instituições são mais fortes e não há um histórico recente de encampação de ativos de

empresas estrangeiras.

Quanto ao aumento dos investimentos em distribuição, a Eletrobrás estuda ampliar a

participação em algumas empresas, especialmente as estaduais em dificuldades como a

CELG, a CEA e a CER, portanto, o risco desses negócios também é alto, mas por razões

diferentes dos investimentos em países da América do Sul. O risco está no alto endividamento

dessas empresas e na sua ineficiência operacional, o que contribui para o resultado negativo

dessas concessionárias. Como elas são empresas estaduais, a interferência política continuará

sendo muito alta, mesmo com a entrada da Eletrobrás na administração dessas empresas, o

que reduz em muito e/ou inviabiliza o saneamento delas e a atratividade do negócio.

Portanto, a Eletrobrás tem alternativas mais promissoras do que investir grande

quantidade de recursos em países problemáticos da América do Sul e em distribuidoras em

dificuldades, que na melhor das hipóteses, precisariam de um tempo considerável para ficar

próxima da empresa de referência da ANEEL, reduzir as suas perdas de energia e se tornar

mais eficiente. A Eletrobrás poderia guardar recursos para entrar forte nos leilões de grandes

hidrelétricas como Belo Monte, continuar investindo pesado em linhas de transmissão,

apostar em fontes de geração alternativas, como a eólica, ou ainda, entrar no ramo de

produção de gás natural, através da disputa em leilões da ANP.

Em relação à teoria de empresas “national champions”, por mais que em algumas

definições, a Eletrobrás tenha as características desse tipo de empresa, ela nunca agiu como se

fosse uma, utilizando o seu poder de mercado em benefício próprio, criando barreiras à

entrada de concorrentes no setor elétrico brasileiro e tirando proveito disso. A Eletrobrás,

desde a sua criação, esteve muito mais voltada para o desenvolvimento da indústria de energia

elétrica, realizando inúmeras atividades em prol do crescimento da oferta de energia e da

segurança do sistema elétrico, do que interessada em crescer como empresa unicamente com

Page 196: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

182

objetivos empresariais de obtenção de altos lucros e de capturar parcelas maiores do mercado.

Portanto, é possível concluir que a Eletrobrás não se encaixa nos moldes de uma empresa

“national champion”, devido todo o seu histórico de ajuda aos agentes do setor elétrico

brasileiro.

O governo brasileiro não precisa interceder no mercado de energia elétrica para

beneficiar a Eletrobrás, como vem ocorrendo em outros países, o que ele pode e deve fazer é

tirar as “amarras” da empresa para que ela se fortaleça e continue desenvolvendo e

influenciando positivamente os rumos da expansão do setor tão essencial para a economia.

Não é preciso mexer no setor para beneficiar a empresa, basta mexer na empresa para

beneficiar todo o setor. Assim, a Eletrobrás poderá voltar a ser o principal agente do setor

elétrico brasileiro, não mais no topo da hierarquia setorial, mas participando ativamente de

todos os principais projetos que garantirão que a demanda por energia seja sempre atendida.

Page 197: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

183

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A ENERGIA Elétrica no Brasil (da primeira lâmpada à Eletrobrás). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1977.

ABRANCHES, Sergio Henrique Hudson; DAIN, Sulamis. A empresa estatal no Brasil: padrões estruturais e estratégias de ação. Rio de Janeiro: FINEP, 1978.

ABREU, Yolanda Vieira de. A reestruturação do setor elétrico brasileiro: questões e perspectivas. 1999. 169f. Dissertação (Mestrado em Energia), Programa Interunidades de Pós-Graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. ALMEIDA, Denizart do Rosário; NEGRÃO, Andréa Costa Amâncio. Expansão sustentada do setor elétrico brasileiro: desafio para a regulação e espaço para a empresa estatal. Rio de Janeiro, 2005. 50p.

_______________________. As estatais do setor elétrico e o crescimento sustentado da economia brasileira: proposições à luz da teoria e de experiências históricas diversas. Rio de Janeiro, 2006. 45p.

ALMEIDA, Edmar Luiz Fagundes de; PINTO JR, Hélder Queiroz. Reform in Brazilian

electricity industry: the sector for a new model. 2004, 30p. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/datacenterie/pdfs/seminarios/pesquisa/reform_in_brazilian_electricity_industry_the_search_for_a_new_model.pdf>. Acesso em: 30 set. 2008.

ÁLVARES, Walter Tolentino. A Eletrobrás, seus objetivos e o panorama da eletricidade no Brasil. Rio de Janeiro, 1964. 39p.

ARAÚJO, João Lizardo de; OLIVEIRA, Adilson de. Política energética brasileira: mudança de rumo? Coloquio Internacional “Energia, Reformas Institucionales y Desarollo

em América Latina”, Universidad Nacional Autónoma de México – Université PMF de Grenoble, México, D.F., 5-7 noviembre 2003. 11p.

_______________________. Diálogos da energia: reflexões sobre a última década, 1994-2004. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005.

BAER, Werner; KERSTENETZKY, Isaac; VILELA, Anníbal (1973) As modificações no papel do Estado na economia brasileira. Pesquisa e Planejamento, Rio de Janeiro, v. 3, n. 4, dez. 1973. pp. 883-912.

BARQUIN, Julian; et. al. Brief academic opinion of economic professors and scholars on

the project of acquisition of ENDESA by Gas Natural. 2005, 26p. Disponível em: <http://professorgeradin.blogs.com/professor_geradins_weblog/files/academic_opinion.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2008.

Page 198: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

184

BARRÈRE, Alain. Teoria econômica e impulso Keynesiano. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. pp. 27-51.

BARRETO, Bruno Augusto Amador. Política nuclear brasileira: o papel das ONGs WWF e Greenpeace na questão e Energética. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Natal/RN – 2 a 6 de setembro de 2008. 15p.

BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A construção do nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e a dinâmica de interação entre Estado e mercado nos setores de base. Economia, Selecta, Brasília, v. 7, n. 4 –, dezembro, 2006. pp. 239-275.

BATISTA, Romário de Oliveira. Debate sobre uma segunda prorrogação de concessões no setor elétrico (sem licitação): verdades, meias verdades e pontos para reflexão. 2009. 37p. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/biblioteca/trabalhos/trabalhos/Artigo_Romario.pdf>. Acesso em: 11 set. 2009.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O Estado na economia brasileira. Ensaio de Opinião, São Paulo, v. 4, n. 2-2, 1977. pp. 16-23.

________________________. Lucro, acumulação e crise. São Paulo: Brasiliense, 1986. pp. 97-112.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O caráter cíclico da intervenção estatal. Economia Política, São Paulo, v. 9, n. 3, julho-setembro / 1989. pp. 115-130.

BRETTAS, Luiz Alberto de Melo. 2007. 240f. Reforma do Estado e empresas estatais brasileiras: antecedentes e proposta de um modelo de governança corporativa para a gestão das estatais federais do setor não financeiro. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção), COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

BRUNI, Pedro Paulo Ballarin. 2006. 102f. O financiamento do setor elétrico brasileiro. Dissertação (Mestrado em Ciências Econômicas), Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

CACHAPUZ, Paulo Brandi de Barros. O planejamento da expansão do setor de energia elétrica: a atuação da Eletrobrás e do Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 2002.

________________________. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil = panorama of electric power sector in Brazil. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 2006.

Page 199: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

185

CARDINOT, Flavio Corga et. al. A geração do aproveitamento hidrelétrico Belo Monte. Comitê Brasileiro de Barragens. XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens, Belém – PA, 03 a 07 de junho de 2007. 19p.

CARVALHEIRO, Nelson. Fundamentos da intervenção do Estado: algumas concepções em Keynes e Kalecki. Economia Política, São Paulo, v. 7, n. 2, abril-junho/1987. pp. 105-122.

CARVALHO, Fernando J. Cardim de. Mercado, Estado e teoria econômica: uma breve reflexão. Econômica, Niterói/RJ, v. 1, n. 1, jun. 1999. pp. 9-25.

CASTRO, Nivalde José de; GOMES, Victor José Ferreira. Análise dos aspectos econômicos e constitucionais da legislação relacionada à atuação do Grupo Eletrobrás. Jus Navigandi, Teresina/PI, ano 12, n. 1833, 2008. pp. 10-20.

CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. – ELETROBRÁS. DFP - Demonstrações financeiras padronizadas, 2008. Rio de Janeiro, 2009a. 210p.

_______________________. MP 466 – Sistemas Isolados. Rio de Janeiro, Nota Explicativa, 30 set. 2009b. 8p.

_______________________. Programa de Ações Estratégicas do Sistema Eletrobrás (PAE 2009 - 2012). Rio de Janeiro, 2009c. 22p.

_______________________. Relatório anual, 2008. Rio de Janeiro, 2009d. 248p.

_______________________. Senior unsecured notes due 2019, roadshow presentation July

2009. Rio de Janeiro, 2009e. 37p.

_______________________. Sistema Eletrobrás, Rio de Janeiro, ano 5, n. 13, agosto/setembro/outubro 2009f. 36p.

CHUAHY, Eduardo; VICTER, Wagner Granja. A construção e a destruição do setor elétrico brasileiro / uma análise crítica e histórica – de Getúlio Vargas a Fernando Henrique Cardoso. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

CLOUGHERTY, Joseph; ZHANG, Anming. Domestic rivalry and export performance:

theory and evidence from international airline markets. WZB Discussion Paper SP II 2008 – 12, 2008. 37p.

DAIN, Sulamis. Empresa estatal e capitalismo contemporâneo. Campinas: UNICAMP, 1986.

DIACONU, Oana; OPRESCU, Gheorghe; PITTMAN, Russell. The restructuring of

Romanian power sector at the crossroads: competitive markets or Neocolbertism? Romanian Journal of European Affairs, v. 7, n. 4, December 2007. 10p.

Page 200: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

186

DIAS, Renato Feliciano. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 1988.

_______________________. A Eletrobrás e a história do setor de energia elétrica no Brasil: Ciclo de Palestras. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 1995.

DIMOCK, Edward. Sociedades estatais por ações. SHERWOOD, Frank (org.). Empresas públicas – Textos Selecionados. Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1964. pp. 6-11.

EMMERICH, Herbert. Instituições autônomas e empresas estatais. SHERWOOD, Frank (org.). Empresas públicas – Textos Selecionados. Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1964. pp. 45-50.

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Balanço energético nacional 2008: ano base 2007. Rio de Janeiro, 2008. 244p.

FARIA, Viviana Cardoso de Sá. O papel do project finance no financiamento de projetos de energia elétrica: caso da UHE Cana Brava. 2003. 180f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético), COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.

FAUCHER, Philippe. A empresa pública como instrumento de política econômica. Economia Política, São Paulo, v. 2/2, n. 6, abril-junho / 1982. pp. 79-105.

FEARNSIDE, Philip M. Barragens na Amazônia: Belo Monte e o desenvolvimento hidrelétrico da bacia do Rio Xingu. Manaus/AM: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, 2005. 21p.

FERREIRA, Carlos Kawall Leal. A privatização do setor elétrico no Brasil. In: PINHEIRO, Armando Castelar; FUKASAKY, Kiichiro (Org.). Coletânea: A privatização no Brasil: o caso dos serviços de utilidade pública. São Paulo: OCDE/BNDES, 2000. pp. 179-220.

GEROSKI, Paul A.; Competition policy and national champions. Competion Comission, 2005, 7p. Disponível em: <http://www.mmc.gov.uk/our_peop/members/chair_speeches/pdf/geroski_wifo_vienna_080305.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2008.

GOLDENBERG, José; PRADO, Luiz Tadeu Siqueira. Reforma e crise do setor elétrico no período FHC. Tempo Social, São Paulo, v. 15, n. 2, novembro, 2003. pp. 219-235.

GONÇALVES JR., Dorival. 2002. 260f. Reestruturação do setor elétrico brasileiro: estratégia de retomada da taxa de acumulação do capital? Dissertação (Mestrado em Energia), Programa Interunidades de Pós-Graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

HIRSCHMAN, Albert Otto. As paixões e os interesses: argumentos políticos a favor do capitalismo antes de seu triunfo. São Paulo: Paz e Terra, 1979.

Page 201: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

187

KEYNES, John Maynard. A teoria geral do emprego, do juro e da renda. São Paulo: Atlas, 1982.

LANDI, Mônica. Energia elétrica e políticas públicas: a experiência do setor elétrico brasileiro no período 1934 a 2005. 2006. 219f. Tese (Doutorado em Energia), Programa Interunidades de Pós-Graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

LEITE, André Luis da Silva; CASTRO, Nivalde José. Política para o setor elétrico da União Européia: rumos contrários ao processo de integração econômica. Econômica, Niterói/RJ, 2009. 22p.

LEITE, Antônio Dias. A energia do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

LEVEQUE, François. Antitrust enforcement in the electricity and gas industries – problems

and solutions for the EU. Discussion Paper 2005-6/1, Florence School of Regulation, European University Institute, 2006. 6p.

_______________________. Estado e energia no Brasil – o setor elétrico no Brasil: das origens à criação da Eletrobrás (1890-1962). São Paulo: IPE/USP, 1984.

LIMA, José Luiz. Políticas de governos e desenvolvimento do setor de energia elétrica: do Código de Águas à crise dos anos 80 (1934-1984). Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 1995.

LOBATO, Ricardo de Queiroz. Proposta de metodologia para avaliação de desempenho de empresas estatais. 2007. 125f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção), COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

LOW-BEER, Jacqueline. O Estado e as políticas públicas: uma revisão histórica (1950 a 1997). Espaço & Geografia, Brasília, v. 5, n. 2, 2002. pp. 65-100.

LORENZO, Helena Carvalho de. O setor elétrico brasileiro: reavaliando o passado e discutindo o futuro. Universidade do Estado de São Paulo, Araraquara, 2002. 25p.

MAINCENT, Emmanuelle; NAVARRO Lluis. A policy for industrial champions: from

picking winners to fostering excellence and the growth of firms. Industrial Policy and Economic Reforms Paper n. 2, 2006. 59p.

MARISCAL, Judith; RIVERA, Eugenio. New trends in the Latinamerican

telecommunications market: Telefonica & Telmex. 32nd Annual Conference TPRC October 1-3 2004, Arlington Virginia. 35p.

MARTINS, Adriana Vassallo. Notas sobre as articulações entre o Estado brasileiro e suas empresas estatais: o caso do contrato de gestão da Companhia Vale do Rio Doce. 2004. 15p. Disponível em:

Page 202: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

188

<http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/dest/080707_GEST_SemInter_articulacoes.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2009.

MATTOS, Laura Valladão de. As razões do laissez-faire: uma análise do ataque ao Mercantilismo e da defesa da liberdade econômica na Riqueza das Nações. Economia Política, São Paulo, v. 27, n. 1, janeiro-março/2007. pp. 108-129.

MELLO, Arthur Octávio Pinto Barreto de. Os investimentos no setor elétrico. 2008. 149f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético), COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

MELLO, Henrique Couto Ferreira. Setor elétrico brasileiro visão política e estratégica. 1999. 96f. Monografia – Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 1999.

MELO, Hildete Pereira de; OLIVEIRA, Adílson de; ARAÚJO, João Lizardo de. O Sonho Nacional: Petróleo e eletricidade (1954-94). In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. pp. 225-257.

PAUL, Gustavo; TAVARES, Mônica. Risco de pane no setor elétrico. O Globo, Rio de Janeiro, 05 jul. 2009. Disponível em: < https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2009/7/5/risco-de-pane-no-setor-eletrico>. Acesso em: 18 ago. 2009.

PINHEIRO, Daniele de Carvalho. Reestruturação do setor Elétrico no Brasil e suas conseqüências no tratamento de questões sociais e ambientais: o caso da usina hidrelétrica de Cana Brava, GO. 2006. 113f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional), Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

PINTO JR., Helder Queiroz; IOOTTY, Mariana. Avaliando os impactos microeconômicos das fusões e aquisições nas indústrias de energia no mundo: uma análise para a década de 90. Economia Política, São Paulo, v. 25, n. 4, outubro-dezembro/2005. pp. 439-453.

PINTO JR., Helder Queiroz; et al. Economia da energia: fundamentos econômicos, evolução histórica e organização industrial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

PINTO JR., Helder Queiroz. Os novos mecanismos do financiamento: transformações recentes e de desdobramentos para a indústria elétrica brasileira. OLIVEIRA, Adilson de; PINTO JR., Helder Queiroz (org.). Financiamento do setor elétrico brasileiro: inovações financeiras e novo modo de organização industrial. Rio de Janeiro: Garamond, 1998. pp. 195-225.

RODRIGUES, Lorenna. Leilão de energia eólica tem 441 projetos inscritos. Folha Online, São Paulo, 16 jul. 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u595903.shtml>. Acesso em: 3 set. 2009.

Page 203: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

189

ROUSSEF, Dilma. O Rio Grande do Sul e a Crise de Energia Elétrica. SCHMIDT, Carlos; CORAZZA, Gentil; MIRANDA, Luiz (org.). A energia elétrica em debate - a experiência brasileira e internacional de regulação. Porto Alegre: UFRGS, 2003. pp. 161-210.

SANTANA, Edvaldo Alves de; OLIVEIRA, Carlos Augusto C. N. V. de. A economia dos custos de transação e a reforma na indústria de energia elétrica do Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 29, n. 3, julho-setembro / 1999. pp. 367-393.

SARAIVA, Enrique. Estado e empresas estatais: criação e crescimento. O papel das empresas estatais como instrumento de política pública. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2004. 22p.

SCALETSKY, Eduardo Carnos. Práticas de governança corporativa como suporte para a coordenação de empresas estatais. X Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santiago, Chile, 18 - 21 Oct. 2005. 11p.

SCHÜFFNE, Cláudia. Eletrobrás pode assumir a gestão da endividada CELPA. Valor Econômico, São Paulo, 23 abr. 2009. Disponível em: http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=308520. Acesso em: 23 ago. 2009. SECRETARIA DE ENERGIA ELÉTRICA – Ministério de Minas e Energias. Boletim Mensal – Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro, julho 2009. Brasília, 2009. 29p.

SHERWOOD, Frank. Empresas públicas – Textos Selecionados. Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1964.

SOUZA, Paulo Roberto Cavalcanti de. Evolução da indústria de energia elétrica brasileira sob mudanças no ambiente de negócios: um enfoque Institucionalista. 2002. 171f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção), Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.

SUZIGAN, Wilson. Estado e industrialização no Brasil. Economia Política, v. 8, n. 4, outubro-dezembro / 1988. 12p.

_______________________. Experiência histórica de política industrial no Brasil. Economia Política, São Paulo, v. 16, n. 1, 1996. pp. 5-20.

THOMÉ FILHO, Zieli Dutra; CASTRO, Nivalde José de; FERNANDEZ, Paulo César. Brasil: matriz energética de baixo carbono e o papel da geração termonuclear. Rio de Janeiro, 2009. 14p.

VERDE, Stefano. Everybody merges with somebody – the wave of M&As in the energy

industry and the EU merger policy. Energy policy, n. 36, 2008. pp. 1125 – 1133.

VERSIANI, Flávio; SUZIGAN, Wilson. O processo brasileiro de industrialização: uma visão geral. Anais do X Congresso Internacional de História Econômica, Louvain, 1990. 26p.

Page 204: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

190

VIEIRA, José Paulo. Energia elétrica como antimercadoria e sua metamorfose no Brasil: a reestruturação do setor e as revisões tarifárias. 2005. 223f. Tese (Doutorado em Energia), Programa Interunidades de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

VILLELA, Annibal. Empresas do governo como instrumento de política econômica: os Sistemas Siderbrás, Eletrobrás, Petrobrás e Telebrás. Rio de Janeiro: IPEA / INPES, Coleção Relatórios de Pesquisa, 47, 1984.

VINHA, Thiago Degelo. Estado e economia: o intervencionismo estatal no atual cenário jurídico-econômico brasileiro. Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, n. 3, 2005. 15p.

Page 205: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 206: A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS ...livros01.livrosgratis.com.br/cp138899.pdfempresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo