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Maria Tereza Braga Capim de Miranda A EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS CONDENATÓRIAS QUE DISPÕEM SOBRE A CONVERSÃO DOS VENCIMENTOS, SOLDOS E PROVENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS EM URV. Maria Tereza Braga C. de Miranda, Advogada e Assessora da 16.ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte. 1. Introdução. 2. O Plano Real. 3. A “URVerização”. 4. As normas de conversão. 5. Os erros na conversão. 6. A forma do cálculo de conversão. 7. O lapso temporal para apuração das diferenças devidas. 8. A incorporação do índice de recomposição. 9. A tese da compensação entre os valores devidos e a concessão de aumentos e reajuste posteriores. 10. A execução das sentenças condenatórias. 11. Correção monetária e juros de mora. 12. As especificidades das ações de cobrança ajuizadas na Justiça Estadual do Rio Grande do Norte. 13. Conclusão 1. INTRODUÇÃO O presente artigo foi desenvolvido na esperança de esclarecer alguns aspectos relativos à execução de sentenças condenatórias contra a Fazenda Pública que determinam a conversão dos vencimentos ou proventos pagos aos servidores públicos do Estado do Rio Grande do Norte em URV. No entanto, o objetivo inicial mostrou-se impossível de ser alcançado sem que antes fossem apreciados outros aspectos relativos ao cálculo de conversão, à URV e ao Plano Real, impondo-se considerações de ordem econômica e jurídica. A abordagem foi necessária ao correto entendimento da URV e de seus efeitos para o plano de estabilização econômica. Vencida essa etapa, analisamos as questões de direito substancial freqüentemente deduzidas nos recursos nos quais a 16.ª Procuradoria Geral de Justiça oficiou, cabendo, ainda, lembrar que o presente artigo não tem a 1

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O presente artigo foi desenvolvido na esperança de esclarecer alguns aspectos relativos à execução de sentenças condenatórias contra a Fazenda Pública que determinam a conversão os vencimentos ou proventos pagos aos servidores públicos do Estado do Rio Grande do Norte em URV.

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A EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS CONDENATÓRIAS QUE DISPÕEM SOBRE A CONVERSÃO DOS VENCIMENTOS, SOLDOS E PROVENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS EM URV.

Maria Tereza Braga C. de Miranda,Advogada e Assessora da 16.ª Procuradoria de Justiça do

Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte.

1. Introdução. 2. O Plano Real. 3. A “URVerização”. 4. As normas de conversão. 5. Os erros na conversão. 6. A forma do cálculo de conversão. 7. O lapso temporal para apuração das diferenças devidas. 8. A incorporação do índice de recomposição. 9. A tese da compensação entre os valores devidos e a concessão de aumentos e reajuste posteriores. 10. A execução das sentenças condenatórias. 11. Correção monetária e juros de mora. 12. As especificidades das ações de cobrança ajuizadas na Justiça Estadual do Rio Grande do Norte. 13. Conclusão

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo foi desenvolvido na esperança de esclarecer alguns aspectos relativos à execução de sentenças condenatórias contra a Fazenda Pública que determinam a conversão dos vencimentos ou proventos pagos aos servidores públicos do Estado do Rio Grande do Norte em URV.

No entanto, o objetivo inicial mostrou-se impossível de ser alcançado sem que antes fossem apreciados outros aspectos relativos ao cálculo de conversão, à URV e ao Plano Real, impondo-se considerações de ordem econômica e jurídica.

A abordagem foi necessária ao correto entendimento da URV e de seus efeitos para o plano de estabilização econômica.

Vencida essa etapa, analisamos as questões de direito substancial freqüentemente deduzidas nos recursos nos quais a 16.ª Procuradoria Geral de Justiça oficiou, cabendo, ainda, lembrar que o presente artigo não tem a

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pretensão de esgotar todas as questões relativas ao assunto nem de assumir foros de definitividade.

2. O PLANO REAL

Em junho de 1993, o Governo Brasileiro inaugurou um plano de estabilização econômica com o objetivo precípuo de combater o processo inflacionário no País. O plano consistia em três etapas, conforme explica a Exposição de Motivos Interministerial n.º 205/MF/SEPLAN/MJ/MTb/MPS/MS/SAF, de 30 de junho de 1994:

“3. O Programa de Estabilização Econômica ou Plano Real, como também tem sido chamado, foi concebido e vem sendo implementado em três etapas:

a) o estabelecimento do equilíbrio das contas do Governo, com o objetivo de eliminar a principal causa da inflação brasileira;

b) a criação de um padrão estável de valor que denominamos Unidade de Valor -- URV;

c) a emissão desse padrão de valor como uma nova moeda nacional de poder aquisitivo estável -- o Real.”

“4. A primeira etapa, de ajuste das contas do Governo, teve início em 14 de junho de 1993 com o programa de Ação Imediata -- PAI, que estabeleceu um conjunto de medidas voltadas para a redução e maior eficiência dos gastos da União no exercício de 1993; recuperação da receita tributária federal; equacionamento da dívida de Estados e Municípios para com a União; maior controle dos bancos estaduais; início do saneamento dos bancos federais e aperfeiçoamento do programa de privatização.”

(...)

“9. A segunda etapa do Programa de Estabilização foi inaugurada com a publicação da Exposição de Motivos nº 395 de 7 de dezembro de 1993, que definiu as linhas gerais do Programa e teve continuidade com a edição da Medida Provisória nº 434, de 28 de fevereiro de 1994, aprovada pelo Congresso Nacional na forma de Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994, que criou a URV e previu sua posterior transformação no Real.”

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A terceira fase foi implementada em 1994 quando o Governo Federal editou a Medida Provisória n. º 542, de 30 de junho de 1994, adotando nova unidade de sistema monetário, cuja primeira emissão foi programada para o dia 1.º de julho de 1994.

Dissertando sobre a URV e seus efeitos na economia, João Sicsú assim descreveu o processo inflacionário que se procurava combater através do Plano Real:

“A economia brasileira viveu durante anos sob a alta inflação. Esse contexto inflacionário possui características específicas que o diferem de qualquer tênue e passageiro processo inflacionário. Nesse regime, a moeda-de-conta oficial (o cruzeiro, o cruzeiro novo, o cruzado ou cruzeiro real) desapareceu dos contratos, pois utilizá-la seria uma atitude irracional, significaria aceitar a priori contratos cujo valor futuro seria incerto em função da volatilidade da inflação e da dispersão de preços relativos causada pelo próprio processo inflacionário. Portanto, cada grupo de agentes adotou uma nova unidade de conta para proteger seus compromissos (recebimentos e pagamentos) contratuais futuros. Existiram, também, certas operações que tinham cláusulas específicas de correção/indexação. Cada unidade de conta ou regra de indexação estava intimamente relacionada com os desejos de apropriação do produto de cada grupo social.”

“Os agentes econômicos perceberam que, apesar da indexação, suas remunerações reais oscilavam. Assim, todos desejavam manter-se na conhecida posição de pico. Cada grupo de agentes vivenciava episodicamente uma situação de pico e avaliava que tal posição era, com toda certeza, sustentável para si e, talvez, para os demais. Além disso, periodicamente experimentavam novamente a situação desejada. Dessa forma, confirmavam a que suas aspirações eram possíveis. E cada grupo ocupava em algum momento a posição desejada. Mas, logo em seguida, tal posição dissipava-se pelo simples movimento dos demais. Essa situação indesejada era o estímulo para um novo combate de reconquista da posição perdida. Esse é o mecanismo que explica o permanente desalinhamento do sistema de preços e as constantes reivindicações de recuperação de perdas salariais durante o regime de alta inflação no Brasil.”

“Se na alta inflação os agentes abandonam a moeda-de-conta oficial, na hiperinflação abandonam os índices que refletem a inflação passada: os empresários adotam as variações do dólar como referência para os seus reajustes, enquanto os trabalhadores exigem a adoção da mesma regra para os salários (Merkin, 1988). Com a inflação se acelerando, uma

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média que reflete as variações de preços do mês anterior torna-se inútil para uma economia que tem seus preços se elevando diariamente. Os agentes deixam de considerar relevantes as variações de preços passadas. As economias contaminadas pela hiperinflação, ao mesmo tempo em que se dolarizam, se diarizam. O acirramento paulatino do conflito distributivo leva à diarização/dolarização das economias de inflação aguda.”

“Na fase mais avançada das hiperinflações, as estratégias defensivas são tão aprimoradas que qualquer tentativa de mudança de posição relativa torna-se ineficaz (Candim de Carvalho, 1990). Somente é possível permanecer na posição que os resultados do conflito determinaram. As remunerações permanecerão em algum ponto entre as antigas posições de pico e de vale. O poder de mercado de cada agente determinará se sua remuneração ficará mais próxima de um ponto ou de outro. A hiperinflação, portanto, congela um perfil de salários e preços relativos. Enquanto na alta inflação buscava-se o pico, na hiperinflação tenta-se permanecer na posição em que foi possível sobreviver”. 1

O autor explica que o sucesso do Plano Real exigia a reorganização das demandas pelo produto social versus renda real, expressando essa última em uma única moeda.

Essa reorganização se deu através da “diarização” da economia, e a moeda para exprimi-la era a Unidade Real de Valor (URV), introduzida no sistema brasileiro através da Medida Provisória n.º 434, de 28 de fevereiro de 1994, reeditada com os números 457 (D.O.U. de 30.03.94) e 482 (D.O.U. de 29.04.94) e, posteriormente, convertida na Lei nº 8.880, de 27.05.1994 (D.O.U. de 28.05.94).

3. A “URVERIZAÇÃO”

Dotada de curso legal, a Unidade Real de Valor - URV serviu exclusivamente como padrão de valor monetário (art. 1º, Lei Federal n.º 8.880/94) e, assim, atuando como ferramenta de diarização da economia, deveria “permitir que os preços de cada mercadoria aumentem todos os dias, como acontece com as economias dolarizadas, em que o indexador pe a variação de taxa de câmbio”2.

Essa sincronização dos aumentos dos preços era proporcionada pela variação diurna do valor da URV, situação prevista no art. 4.º da Lei Federal n.º 8.880/94, quando o legislador cometeu ao Banco Central do Brasil a tarefa de 1 SICSÚ, JOÃO, A URV e sua função de alinhar preços relativos, publicado na Revista de Economia Política, vol. 16, n.º 2(62), abril-junho/96.2 SICSÚ, JOÃO, ob. citada.

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fixar a paridade diária entre o Cruzeiro Real e a URV, tomando por base a perda do poder aquisitivo do Cruzeiro Real, até a emissão do Real.

A URV proporcionou um alinhamento de preços relativos na medida em que o valor real da renda era mantido, quer para preços, quer para salários. Portanto, quando a Lei Federal n.º 8.880/94 dispôs sobre o cálculo para conversão de salários, vencimentos, soldos e proventos, expressos em Cruzeiro Real para URV, os valores obtidos jamais poderiam implicar em prejuízos ou ganhos para quem os percebia.

Assim:

“10. Neutralizada a principal causa da inflação, que era a desordem das contas públicas, a criação da URV proporcionou aos agentes econômicos uma fase de transição para a estabilidade de preços. Padrão de valor que se integrou ao Sistema Monetário Nacional, com sua cotação fixada diariamente pelo Banco Central do Brasil com base na perda do poder aquisitivo do Cruzeiro Real, a URV veio restaurar uma das funções básicas da moeda, destruída pela inflação: a função de unidade de conta estável para denominar contratos e demais obrigações, bem como para referenciar preços e salários.”3

4. AS NORMAS DE CONVERSÃO

O termo a quo para a conversão foi o dia 1.º de março, embora a obrigatoriedade dessa data variasse conforme a natureza da obrigação a ser convertida, pois, em se tratando de obrigações pecuniárias de qualquer natureza, a conversão poderia ocorrer a partir de 1.º de março, inclusive, até à data da primeira emissão do Real, 1.º de julho de 1994.

Veja-se o art. 7.º do mencionado diploma normativo:

Art. 7º. Os valores das obrigações pecuniárias de qualquer natureza, a partir de 01 de março de 1994, inclusive, e desde que haja prévio acordo entre as partes, poderão ser convertidos em URV, ressalvado o disposto no artigo 16.

Parágrafo único. As obrigações que não forem convertidas na forma do caput deste artigo, a partir da data da emissão do Real prevista no artigo 3º, serão obrigatoriamente, convertidas em Real, de acordo com

3 Exposição de Motivos Interministerial n.º 205/MF/SEPLAN/MJ/MTb/MPS/MS/SAF, de 30 de junho de 1994.

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critérios estabelecidos em lei, preservado o equilíbrio econômico e financeiro e observada a data de aniversário de cada obrigação.

Todavia, disciplina diversa foi imposta ao salário mínimo, obrigatoriamente convertido naquele dia, mas segundo os moldes do art. 18 do mesmo diploma legal:

Art. 18. O salário mínimo é convertido em URV em 01 de março de 1994:

I - dividindo-se o valor nominal, vigente nos meses de novembro e dezembro de 1993 e janeiro e fevereiro de 1994, pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV do último dia desses meses, respectivamente, de acordo com o Anexo I desta Lei; e

II - extraindo-se a média aritmética dos valores resultantes do inciso anterior.

Parágrafo único. Da aplicação do disposto neste artigo não poderá resultar pagamento de salário inferior ao efetivamente pago ou devido, relativamente ao mês de fevereiro de 1994, em cruzeiros reais, de acordo com o artigo 7º, inciso VI, da Constituição.

O mesmo ocorreu para a conversão dos salários dos trabalhadores em geral (art. 19), benefícios mantidos pela Previdência Social (art. 20) e os valores das tabelas de vencimentos, soldos e salários e das tabelas de funções de confiança e gratificadas dos servidores públicos civis e militares (art. 22).

Para todas essas hipóteses era obrigatória a obtenção da média dos valores pagos de acordo com o cálculo estipulado nos respectivos artigos da lei federal no dia 1.º de março de 1994, mas o descumprimento desta obrigação não acarretaria distorção no cálculo da média nominal de vencimentos desde que atendidas as demais regras de conversão estatuídas.

Tome-se o exemplo dos servidores públicos civis e militares que nos é fornecido pelo artigo 22 da Lei Federal n.º 8.880/94: primeiro, divide-se o valor nominal, vigente nos meses de novembro e dezembro de 1993 e janeiro e fevereiro de 1994, pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV do último dia desses meses, respectivamente; e, de posse desses valores, extrai-se a média aritmética desejada.

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Esse resultado matemático não será influenciado pela observância, ou não, do dia 1.º de março, podendo ser realizado a qualquer momento, desde que mantida a fórmula prescrita em lei, o mesmo acontecendo para os demais casos.

De posse do equivalente em URV, quem se encontrasse obrigado a satisfazer obrigação salarial entre o período de 1.º de março de 1994 a 1.º de julho do mesmo ano deveria apenas encontrar o valor devido em cruzeiros reais4, ou seja, o devedor só precisaria converter a obrigação — agora expressa em URV— para cruzeiros reais, a moeda dotada de cunho liberatório.

Portanto, ao estipular o dia 1.º de março de 1994 como a data para a efetuação dos procedimentos de conversão, o Governo Federal tão somente determinou aos demais entes públicos que efetuasse o pagamento dos valores relativos a março usando o valor da URV.

Ressalte-se que, da conversão, não poderia, nem pode, resultar pagamento a maior ou a menor, sendo, para tanto, imprescindível a observância da fórmula de conversão prevista nos dispositivos da Lei Federal n.º 8.880/94. Aliás, ditos dispositivos são de direito econômico, ou seja, têm cunho obrigatório para todos os entes que integram a Federação.

5. OS ERROS NA CONVERSÃO

No entanto, não se pode perder de vista que, em se tratando dos servidores públicos, apenas uma parcela destes percebia no último dia do mês. De fato, o pagamento de vencimentos, salários, soldos ou proventos pode variar de acordo com a existência de legislação, organização de calendário de pagamentos, atrasos ou inadimplementos por parte da Fazenda Pública.

Necessário, portanto, por imperativo de justiça, o abandono da regra legal em prol do dia do efetivo pagamento, como explica o professor e economista Décio Munhoz em parecer acostado à ADIN – 1.244/SP, referido pela Juíza Federal Telma Maria Santos, ao sentenciar o Processo JF/SE n.º 98.000.0496-3 – Classe X – 3.ª Vara, da Seção Judiciária do Estado de Sergipe:

“A fixação do momento da conversão dos valores em cruzeiros reais para URV na data do efetivo pagamento atenderia, portanto, à condição necessária para manutenção, na nova moeda, do poder de

4 De se lembrar que a obrigação de converter obrigações pecuniárias em URV a partir de 1.º de março de 1994 não implicou na exclusão do cruzeiro real do sistema monetário nacional. Nesse sentido, dispõe o art. 1.º, § 1.º: “A URV, juntamente com o Cruzeiro Real, integra o Sistema Monetário Nacional, continuando o Cruzeiro Real a ser utilizado como meio de pagamento dotado de poder liberatório, de conformidade com o disposto no artigo 3º”.

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compra dos salários percebidos nos quatro meses anteriores. Se, nos cálculos, se levassem em conta datas diferentes daquelas do efetivo pagamento, as conseqüências seriam as seguintes:

a) se fosse considerada uma data anterios à do efetivo recebimento dos salários (usar, por exemplo, a URV do dia 1.º quando o salário do mês anterior era sistematicamente pago no dia 5), os cálculos do salário levariam a um valor superior ao salário médio, também em URV, anteriormente recebido (beneficiando o grupo com aumento nominal, em URV, para os meses futuros ou, o que tem o mesmo sentido, um aumento do poder de compra, comparativamente aos meses que antecederam a introdução da moeda);

b) se, diferentemente, fosse considerada (para os cálculos) uma data posterior à do efetivo pagamento (usar, por exemplo, o valor da URV no dia 30 para um salário efetivamente recebido no dia 25 do mês), o novo valor do salário médio em URV, a vigorar nos meses futuros, seria inferior ao salário médio em URV, anteriormente recebido (prejudicando o grupo, em face da redução do salário nominal, em URV,a ser pago nos meses futuros, pois o poder de compra dos salários a vigorar a partir de 1.º de março seria inferior ao poder de compra médio dos salários percebidos nos últimos quatro meses)“.

Portanto, a lei federal deveria ser adequadamente interpretada para que a conversão observasse o efetivo dia do pagamento de cada servidor, público sob pena de configurar aumento ou diminuição dos salários pagos.

Exemplo meridiano desse erro e dos conseqüentes prejuízos ao patrimônio jurídico dos servidores públicos é o caso daqueles que percebem de acordo com o art. 168 da Constituição Federal, para os quais foi detectado um prejuízo salarial à razão de 11,98%.

Com efeito, em função do dia do efetivo pagamento, distinguem-se dois grupos de servidores públicos: o primeiro, com os servidores do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público; o segundo, com os servidores do Poder Executivo. O motivo é que:

“(...) em relação aos membros do Judiciário, Legislativo e Ministério Público, inicialmente ficou determinado que seguiriam este mesmo critério de conversão, contudo, posteriormente, a Lei nº 8.880/94 os excluiu deste critério, apenas o adotando para os funcionários públicos strictu sensu.“Contudo, a Lei nº. 8.880/94 não foi cumprida em sua íntegra, visto que o salário dos servidores do Judiciário, Legislativo e Ministério

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Público não foi convertido pelo equivalente em URV na data do seu efetivo pagamento, mas sim pelo equivalente no último dia do mês.

Sendo assim, restou configurada infringência ao artigo 168 da Constituição Federal, o qual estabelece o dia vinte de cada mês como limite para o repasse das verbas para o Judiciário. Apesar deste dispositivo não fixar expressamente a data em que a remuneração dos servidores deva ser efetuada, é notório que o crédito mensal dos vencimentos é efetuado logo após a disponibilidade dos recursos para o Judiciário, ou seja, os servidores públicos federais comumente recebem seus salários entre os dias 20 e 23 de cada mês.

“Isto posto, a conversão dos vencimentos dos magistrados deveria ter por base o equivalente em URV na data do efetivo pagamento (dia 20), e não o do último dia do mês de competência.”

Assim, em função da data do repasse dos créditos orçamentários aos órgãos do Poder Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público, com os quais são pagos seus respectivos funcionários, adotou-se o dia 20 como data-base para a conversão, sendo intuitivo que o valor da URV desse dia passou a integrar os cálculos.

Atendo-se a essa data-base, foi fixado o índice de 11,98% apenas para esses servidores, como bem o demonstra a sólida fundamentação de aresto do STJ, proferido no Recurso Especial n.º 199.307/DF, relatado pelo Eminente Ministro Gilson Dipp, valendo dele destacar os seguintes excertos:

“A implantação de um novo padrão monetário, nos dizeres da proposta do Governo, não deveria atingir o poder de compra dos salários, mas ao contrário, assegurá-la. Por essa razão a conversão dos salários para URV deveria levar em conta a data do efetivo pagamento. Isso ocorreu com relação aos trabalhadores em geral, consoante dispôs o art. 19, inc. I, MP 457 – Lei n.º 8.880/94 (...).

Aos servidores públicos que recebiam seus vencimentos e proventos no último dia de cada mês, o critério utilizado para a conversão não representou alteração de valores. Assim, como aqueles servidores que percebiam os seus vencimentos em data posterior ao primeiro dia do mês, os quais até tiveram um pequeno ganho real.

No entanto, aqueles que recebiam seus valores em data anterior, como é o caso dos Recorridos, estes tiveram uma perda significativa, considerando a repercussão futura em período inflacionário.

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O art. 4.º, da Lei n.º 8.880/94, estabeleceu que o Banco Central, até a emissão do Real, passava a fixar a paridade diária entre o Cruzeiro Real e a URV, tomando por base a perda do poder aquisitivo daquela moeda. È inegável que durante o período de transição econômica houve desvalorização diária do Cruzeiro Real. Nessas Condições, a conversão dos valores dos vencimentos e proventos expressos em Cruzeiros Reais para URV, nos termos da Medida Provisória n.º 457, art. 22, inc. I e II, posteriormente reeditada e convertida na Lei n.º 8.880/94, provocou perda significativa do valor real da remuneração desses servidores que não percebiam na data ali estabelecida, mas no dia 20 de cada mês, sendo este o último dia da competência, a ser considerado para os efeitos do citado dispositivo legal.

A conclusão decorre de mero cálculo aritmético, considerando que esses servidores tiveram seus vencimentos fixados em um número menor de URV’s para efeito de pagamentos futuros, implicando em supressão de quantia que já estava integrada ao patrimônio jurídico desses servidores“.

O erro ínsito no diploma federal levou ao ajuizamento de inúmeras ações em todo o País pretendendo o ressarcimento das diferenças devidas, número que só veio a aumentar quando vários entes federados passaram a desrespeitar as normas de conversão, às vezes alterando seus parâmetros, outras efetivando a conversão e o pagamento em datas arbitrárias, gerando prejuízos de monta aos respectivos servidores públicos, nomeadamentre àqueles cuja data de pagamento não coincidia com o último dia do mês, consoante ditava a lei federal.

6. A FORMA DO CÁLCULO DE CONVERSÃO

Portanto, o primeiro passo para aferir as conseqüências da conversão procedida erroneamente é identificar a data do pagamento do servidor público, separando-se, assim, quem sofreu, ou não, prejuízo com a conversão estabelecida nos moldes da Lei Federal.

Na mesma situação encontram-se os servidores públicos estaduais e municipais cujo ente de direito público não respeitou a data do efetivo pagamento, observando quer o dia último dia, quer outra data arbitrária qualquer para a definição da média nominal dos salários pagos.

Alguns recursos interpostos pela Fazenda Pública questionam quais parcelas salariais integrariam os cálculos de conversão, em que pese a clareza com que a matéria foi disciplinada na lei federal, no art. 22:

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“Art. 22. Os valores das tabelas de vencimentos, soldos e salários e das tabelas de funções de confiança e gratificadas dos servidores públicos civis e militares, são convertidos em URV em 01 de março de 1994, considerando o que determinam os artigos 37, XII, e 39, § 1º, da Constituição, observado o seguinte:

I - dividindo-se o valor nominal, vigente nos meses de novembro e dezembro de 1993 e janeiro e fevereiro de 1994, pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV do último dia desses meses, respectivamente, de acordo com o Anexo I desta Lei, independentemente da data do pagamento;

II - extraindo-se a média aritmética dos valores resultantes do inciso anterior...................................................................................................................

§ 3º. O disposto nos incisos I e II aplica-se ao salário-família e às vantagens pessoais nominalmente identificadas, de valor certo e determinado, percebidas pelos servidores e que não são calculadas com base no vencimento, soldo ou salário.

§ 4º. As vantagens remuneratórias que tenham por base estímulo à produtividade e ao desempenho, pagas conforme critérios específicos de apuração e cálculo estabelecidos em legislação específica, terão seus valores em cruzeiros reais convertidos em URV a cada mês com base no valor em URV do dia do pagamento.”

Como se vê, o salário-família e as vantagens pessoais nominalmente identificadas, expressas em valor certo e determinado, se não forem calculadas com base nos vencimentos, soldos e salários, percebidas pelos servidores, serão forçosamente calculadas na forma prevista nos incisos I e II do artigo.

Isso não implica a necessidade de efetivar um cálculo de média nominal para o vencimento básico e outro para essas vantagens. Pode-se, simplesmente, tomar o valor pago a título de vencimentos e efetuar a conversão de uma única vez para fins de execução, sem que tal influencie o montante a ser pago obtido.

Apenas para fins de informação, para que conste do contracheque dos servidores, faz-se necessário o valor em URV e, posteriormente,

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em Real, dos valores do salário-família e de cada vantagem pessoal nominalmente identificada paga.

Quanto às vantagens pessoais que forem calculadas com base no

vencimento, soldos e proventos, pagos, o fato de não serem convertidas na forma dos incisos antes mencionados não significa que fiquem à margem da conversão. Em tais casos, a conversão ocorre automaticamente ao serem calculadas com base nos valores da média nominal de vencimentos expressos em URV. Porém, se a média nominal de vencimentos for erroneamente calculada, por exemplo, tomando como parâmetro a URV do dia 30 de cada mês, independentemente do dia do efetivo pagamento do servidor, então essas vantagens também irão refletir o mesmo erro.

A exemplo do que ocorre com as vantagens pessoais nominalmente identificadas, elas também podem ser calculadas isolada ou conjuntamente com as demais parcelas dos vencimentos, soldos ou proventos pagos sem alterar seu resultado final.5

Essa é uma aplicação óbvia do Quarto Postulado da Álgebra de Boole, também conhecido como lei distributiva, segundo o qual: a * (b + c) = (a * b) + (a * c). Ou seja, multiplicando-se um número (a) pela soma de outros dois (b + c), o resultado obtido será igual a soma do produto obtido pela multiplicação desse número (a) por cada um dos outros dois (b e c).

Finalmente, da quantia mensalmente devida em URV, deve-se deduzir aquela efetivamente paga aos servidores, obtendo-se, assim, o índice de recomposição salarial devido.

7. O LAPSO TEMPORAL PARA APURAÇÃO DAS DIFERENÇAS DEVIDAS

As sentenças condenatórias proferidas nesses casos asseguram a apuração das diferenças devidas dentro de determinado lapso temporal, invariavelmente entre março de 1994 até a data em que passaram a ser pagos os vencimentos, soldos ou proventos devidamente convertidos nos moldes da legislação federal e observada a URV do dia do pagamento.

Isso se dá porque o ilícito se materializa com o primeiro pagamento de vencimentos, soldos ou proventos realizados com base nos valores errados, ou seja, valores abaixo dos efetivamente devidos aos servidores. Nos termos da sempre citada lei federal, os valores relativos a março de 1994 já

5 Essa inalterabilidade dos valores a serem excutidos se dá por força do Quarto Postulado da Álgebra de Boole, também conhecido como lei distributiva, segundo o qual: a * (b + c) = (a * b) + (a * c).

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deveriam ser pagos com base no valor da média nominal expressa em URV, fixando-se, assim, o termo a quo para a apuração do débito.

O termo ad quem não poderia ser outro além da data em que passaram a ser pagos os valores devidos aos servidores públicos, expressos em URV e obtidos em consonância com as normas de conversão e de acordo com o valor da URV na data do efetivo pagamento.

Identificam-se, então, três obrigações contidas na sentença condenatória: a) conversão segundo os moldes da lei federal, de acordo com o dia do efetivo pagamento; b) obrigação de ressarcir os prejuízos causados durante o lapso temporal antes referido; e c) caso jamais tenha ocorrido a recomposição patrimonial em virtude de lei ou ato administrativo para esse fim específico, o dever de incorporar o índice de recomposição salarial aos vencimentos, soldos e proventos pagos.

8. A INCORPORAÇÃO DO ÍNDICE DE RECOMPOSIÇÃO

A obrigação de incorporar o índice de recomposição porventura encontrado emana do comando constante da sentença condenatória genérica de mérito proferida contra o Estado. Ali há determinação expressa no sentido de que o Estado proceda à conversão segundo os moldes da Lei Federal 8.880/94 e pague as diferenças porventura apuradas.

Seria ilógico assumir que tal sentença não contemplaria a incorporação, uma vez que implicaria em decisum que não tutelaria integralmente o direito afetado pela conduta ilícita do Estado, a não ser que se admita o evidente contra-senso de punir-se a ilicitude pelos seus efeitos pretéritos, mas chancela-la para o futuro, permitindo a continuidade da redução nominal dos vencimentos e proventos dos apelados em afronta a direito constitucionalmente garantido (CF, art. 7.º, inc. VI).

Portanto, a obrigação de incorporar dispensaria previsão expressa no título executivo judicial, emanando, como afirmado anteriormente, do próprio teor da sentença executória.

9. A TESE DA COMPENSAÇÃO ENTRE OS VALORES DEVIDOS E A CONCESSÃO DE AUMENTOS E REAJUSTE POSTERIORES

Convém, por oportuno, analisar a tese que vem sendo insistentemente esgrimida pelos entes públicos em sede de embargos à execução, segundo a qual a concessão de reajuste ou aumento salarial constituiria limite

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temporal ao direito pleiteado, restringindo-se os créditos às diferenças apuradas entre março e a data do primeiro aumento ou reajuste percebido pelos servidores.

O fundamento é o de que, auferida determinada diferença de salário ou de vencimentos pelo servidor, ela não se incorpora ad infinitum ao patrimônio deste, sendo inexigível após o advento de lei nova, instituidora de novos padrões de vencimentos, que os aumenta ou os reajusta.

Em geral, a Fazenda Pública assevera que entendimento diverso possibilitaria o efeito cascata de aumentos, prática expressamente repelida pelo art. 37, inc. XIV, da Constituição Federal, bem como afetaria a ordem orçamentária, cujas limitações encontram-se expostas nos artigos 167 e 169, dispositivos também da Magna Carta.

Via de regra, o argumento, suscitado apenas em sede de embargos à execução, mostra-se ofensivo à coisa julgada, situação que vem sendo judiciosamente reconhecida pelos tribunais. É que a matéria constitui fato limitativo ou extintivo do direito reconhecido em sentença e, como tal, deveria ser aventada em sede de contestação, quando do processo de conhecimento, ou em ação rescisória, se transitada em julgado a sentença.

Todavia, esse argumento se apresenta legítimo e cabível quando a limitação temporal é assestada contra servidores públicos que percebam de acordo com o salário mínimo, cujo valor foi alterado pela própria Lei Federal n.º 8.880, publicada no Diário Oficial da União no dia 28 de maio de 1994 e vigente a partir do dia 1.º de julho do mesmo ano, passando para R$ 64,79 (sessenta e quatro reais e setenta e nove centavos).

O advento da norma federal, de observância obrigatória em todo o território brasileiro, recompôs o patrimônio daqueles que percebiam de acordo com o mínimo, malgrado a ocorrência de erros na conversão de seus vencimentos, soldos e proventos. Logo, para a hipótese indicada, a apuração das diferenças devidas deve observar o período existente entre março e julho de 1994.

Quanto aos demais servidores, mesmo aqueles aposentados, não se pode falar em recomposição do patrimônio jurídico pela concessão de aumentos ou reajustes. Não apenas porque o índice de recomposição salarial devido tem natureza estritamente indenizatória, mas principalmente porque o art. 37, inc. XIV, fala tão somente em acréscimos, assim entendidos os que impliquem em aumento ou vantagem para os servidores públicos, o que, definitivamente não é o caso do referido índice.

Nesse sentido é pacífica a jurisprudência de nossos tribunais:14

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PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APLICAÇÃO DE MULTA - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO – NÃO CONHECIMENTO - ADMINISTRATIVO - SERVIDORES PÚBLICOS - LEI Nº 8.880/94 - CONVERSÃO DE URV's EM CRUZEIROS REAIS - DIFERENÇA A SER PAGA - LIMITAÇÃO TEMPORAL À EDIÇÃO DA LEI Nº 9.421/96 - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTE DO STF. 1 - Na esteira da Colenda Corte Especial deste Colegiado, o prequestionamento da peça recursal do especial deve individualizar os artigos de lei que reputar descumprido pelo v. acórdão recorrido. Trata-se do chamado prequestionamento explícito. Não observância no caso concreto. 2 - A edição da Lei nº 9.421/96 não é excludente do resíduo de 11,98%, pois, enquanto este refere-se a um equívoco na conversão da moeda então vigente, aquela, ainda que tenha trazido aumento real de remuneração, trata simplesmente da instituição do Plano de Carreira dos Servidores do Judiciário, consoante decidido pelo Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal nas ADInMC nºs 2.321/DF e 2.323/DF. 3 - Recurso especial conhecido, nos termos acima expostos e, neste aspecto, desprovido. (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, RESP 544215 / DF, v.u., DJ, pub.:03/05/2004, pág. 00204. Outros acórdãos no mesmo sentido: STJ - ROMS 13168-DF, RESP 488218-DF, RESP 315854-RS, AGRESP 388715-SC; STF - ADI 2321-DF, ADI 2323-DF, ADIMC 2323-DF, ADIMC 2321-DF)

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS. LEI Nº 8880/94. CONVERSÃO DE CRUZEIROS REAIS EM URV's. PERCENTUAL DE 11,98%. 1. Já decidido por esta Corte que aos servidores do Poder Judiciário, como é o caso vertente, como também aos seus membros, porque não recebem no último dia do mês, mas têm como data base do efetivo pagamento o dia 20, assiste o direito de perceber a diferença de 11,98%, resultante da conversão de cruzeiros reais em URV's, conclusão a que se chega, em virtude de interpretação sistêmica das Medidas Provisórias que regularam o assunto e da Lei nº 8.880/94. 2. No tocante à súmula nº 339 do STF, vale dizer que a diferença remuneratória devida ao servidores resulta do critério adotado de conversão dos vencimentos de Cruzeiros Reais para URV e, portanto, nada havendo com o aumento de vencimentos provido pelo Poder Judiciário. 3. Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único do CPC c/c o art. 255 do RISTJ), de confronto, que não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, entre o acórdão recorrido e trechos das decisões apontadas

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como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. Ausente a demonstração analítica do dissenso, incide a censura da súmula 284 do Supremo Tribunal Federal. 4. Recurso não conhecido. (STJ, Sexta Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, RESP 436158 / RN, v.u., DJ pub. 21/10/2002, pág. 00432. No mesmo sentido: STJ - RESP 199307-DF).

Em outras palavras, não há acréscimo pecuniário. E se não existe acréscimo, não há vedação à cumulação entre o índice de recomposição e qualquer aumento ou reajustes de salários ou vencimentos posteriores.

Há, ainda, o argumento de que a incorporação trará desequilíbrio às finanças estaduais, sendo patente a sua insubsistência porquanto não se pode admitir a invocação de ofensa ao art. 169, § 1.º, inciso I, da Constituição Federal, para negar direitos aos jurisdicionados, especialmente, aquele cravado no art. 7.º, inc. VI, da Carta Constitucional, assecuratório da irredutibilidade de salários.

Ademais, é permitido às pessoas jurídicas de Direito Público o requerimento de créditos adicionais para fazer face às despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento, de acordo com o art. 40 e seguintes da Lei n.º4.320, de 17 de março de 1964.

Finalmente, lei que conceda aumento ou reajuste ao funcionalismo público não implica necessariamente em inovação dos parâmetros remuneratórios da categoria. Para tanto, faz-se necessária modificação quanto à natureza, o grau de responsabilidade, à complexidade dos cargos componentes de cada carreira, os requisitos para a investidura ou as peculiaridades dos cargos, como se depreende da leitura do art. 39, § 1.º da Constituição Federal.

Sem que ocorram tais alterações substanciais, a concessão de reajuste não tem o condão de criar ou fixar novo padrão de vencimentos e, portanto, de coarctar os efeitos gerados pela indevida redução salarial sofrida.

10. A EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS CONDENATÓRIAS

Até agora, viu-se que existem:

a) servidores públicos (ativos ou inativos) que percebem no último dia do mês, seja por determinação legal, seja por mera organização do calendário de pagamentos da respectiva instituição. Para esses não há que se falar em prejuízos oriundos da conversão, uma vez que o efetivo dia de pagamento coincide com o estatuído na lei federal de regência;

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b) servidores públicos cujo pagamento depende do repasse previsto no artigo 168 da Constituição Federal. Para esses, a jurisprudência consolidada dos nossos tribunais estabeleceu o dia 20 de cada mês como o do efetivo pagamento, considerando-o assim a data-base para a conversão da URV, sendo essa a razão pela qual se fixou o índice de reposição de 11.98%;

c) servidores (ativos e inativos) que percebem em datas distintas das citadas nos itens anteriores. Para esses últimos há que se perquirir, caso a caso, o efetivo dia de pagamento para, só então, definir-se o índice de reposição.salarial a ser aplicado.

O primeiro passo para a execução das sentenças condenatórias é, sem dúvida alguma, encaixar o exeqüente em uma das categorias acima identificadas, bem como observar se o título executivo judicial já definiu o índice de recomposição salarial devido. Em caso positivo, a matéria estará amparada sob o manto da coisa julgada e não mais caberá qualquer discussão quanto ao assunto.

Na hipótese de o exeqüente pertencer a uma das categorias de funcionalismo público ligada ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público, ativos ou inativos, o percentual de recomposição — regra geral — já se encontra fixado e reconhecido em inúmeros acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, qual seja, 11,98%.

Em tese, a aplicação esse percentual no curso do processo de execução ou nos respectivos embargos, por decisão do Juízo, não é arbitrária ou despida de fundamentos jurídicos, pois decorre da aplicação de comando normativo (art. 168, CF), como já se explicou antes; sequer irá configurar ofensa aos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada por tratar-se de índice obtido em relação processual diversa, como costumam argüir os entes públicos executados. Simplesmente consubstanciará regra de experiência do juízo que, sopesando as características do caso e cotejando-as as de casos análogos já submetidos à liquidação e julgamento, afasta índice proposto pelas partes em prol de outro. Essa é uma aplicação direta do princípio do livre convencimento do juízo em relação às provas (incluindo-se aqui a perícia) produzidas nos autos, exigindo-se apenas que a conclusão do magistrado seja suficientemente motivada, nos termos do art. 131 do Código de Processo Civil:

“Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.”

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No entanto, ressalte-se que a aplicação do índice de 11,98% ou de qualquer outro índice que, por fundadas razões possa ser definido em relação a uma categoria de servidores, só é admissivel após o ajuizamento da ação executiva. Assim, ofende o princípio dispositivo o despacho liminar que determina a intimação do exeqüente para ajuizar ação executiva observando determinado índice de recomposição salarial.

A execução da sentença para os casos dos servidores públicos com pagamento regido pelo art. 168 da Constituição Federal dispensa a propositura de processo liquidatório prévio à execução, sendo satisfatória a adoção do rito processual preconizado no art. 604 do Código de Processo Civil:

“Art. 604. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor procederá à sua execução na forma do artigo 652 e seguintes, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.”

Por óbvio, os demonstrativos do cálculo aritmético deverão ser acompanhados de cópias dos respectivos contracheques ou dos comprovantes de pagamento dos vencimentos ou proventos, sendo dispensável sua apresentação na inicial caso estejam na posse de executado, quando, então, poderá ser requerida a apresentação desses documentos pelo devedor ou por terceiro que os detenha.

Para as demais hipóteses, sempre considerando a maioria das sentenças condenatórias prolatadas, há sempre um elemento a ser definido para a liquidação da sentença: a data do efetivo pagamento. Como dito anteriormente, é esse dado quem irá determinar a existência ou não de diferenças a serem apuradas e, conseqüentemente, do índice de recomposição devido, revelando-se, assim, a imprescindibilidade de seu conhecimento.

Nada impede, contudo, que, demonstrada a data do efetivo pagamento por documento hábil já ao tempo da propositura da ação executiva, o exeqüente opte pelo procedimento estatuído no art. 604, uma vez que restará apenas a realização de cálculos aritméticos para a definição do quantum debeatur.

Nesse sentido, o magistério de Cândido Rangel Dinamarco6:

“Constitui judicioso entendimento dominante o de que a liquidez do crédito se contenta com a determinabilidade do quantum debeatur, não sendo necessário que o título se refira desde logo, a um montante determinado. O que importa é que o título executivo forneça todos os

6 DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL, Execução civil, 7.ª edição revista e atualizada, São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 494.

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elementos imprescindíveis para que, mediante simples operação aritmética e aplicação da lei, possa ser encontrado o número de unidades (na maior parte dos casos, unidades de moeda) pelo qual a execução se fará: sendo necessário buscar elementos alliunde, faltará o requisito da liquidez.”

Exemplificando, seria documento hábil ofício elaborado por órgão competente ou qualquer certidão ou informação prestada por funcionário público no exercício de suas funções indicando as datas acima referidas.

No entanto, na prática, os exeqüentes não têm se preocupado em demonstrar as referidas datas, o que provoca a nulidade do processo executivo por falta de requisito formal ao título executivo judicial (art. 583, CPC): liquidez.

Por outro lado, seja qual for o índice de recomposição aplicado, sempre serão observadas as limitações temporais impostas pela prescrição dos créditos cobrados, a saber, aqueles que contavam mais de cinco anos quando do ajuizamento da ação de cobrança, desde que esta condição venha expressa no título executivo.

11. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA

Encontrado o montante devido é hora de submetê-lo à correção monetária e à incidência dos juros de mora.

Quanto aos juros, tem-se que:

“Na composição do juro entram três elementos: um montante em dinheiro, uma taxa expressa em forma de percentual ou decimal e um período de tempo. O montante em dinheiro correspondente ao juro forma-se durante um certo período de tempo, sob determinado percentual de taxa em relação ao capital. Os elementos taxa e tempo interagem resultando um valor expresso em dinheiro. No elemento tempo, três fatores concorrem para o resultado: o prazo total, o período de formação do juro e o momento de seu pagamento.”7

Portanto, a taxa de juro a ser aplicada ao caso será identificada em função do período de formação do juro, para o que existe norma legal, precisamente o art. 405 do Código Civil, assim vazado:

Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.

7 RIZZO, GIÁCOMO, Juros, capitalização e usura e seus reflexos em contratos de empréstimos bancários – comentários, normas aplicáveis e jurisprudência, São Paulo: IOB, 2002, p. 01.

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Assim, a data da citação constitui o termo a quo para a contagem da mora. Em relação à data de ajuizamento da ação, à primeira vista, nada impede que se distingam as ações ajuizadas sob a égide do Código Civil de 1916 daquelas propostas já na vigência da atual Lei Civil.

A distinção não produz maiores frutos, pois o art. 406 do novo diploma prescreve que:

“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

Claramente, o dispositivo constante do Código Civil será aplicado apenas quando inexistente previsão do pagamento dos referidos juros ou, embora previsto seu pagamento, não tenha sido estipulada a taxa a ele correspondente, quer por lei, quer por contrato.

Cuidando de execução contra a Fazenda Pública e do pagamento de juros moratórios que incidem sobre remuneração dos servidores ou empregados públicos, a hipótese encontra-se regida pelo art. 1.º-F, da Lei n.º 9.494, de 10 de dezembro de 1997, com a redação que lhe deu a Medida Provisória 2.180-35/2001, ainda em vigor:

Art. 1.º. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas aos servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano.

No que tange à correção monetária, visto que a norma federal impõe a conversão dos salários e benefícios para o dia 1.º de março de 1994, é intuitivo que os salários, vencimento, soldos, proventos e benefícios relativos ao mês de março daquele mesmo ano já deveriam ser expressos em URV. Portanto, a correção monetária incidirá, pois, desde março de 1994 até a data em que procedido o cálculo.

Abandonando longas digressões a respeito do assunto, as decisões judiciais simplesmente distinguem dois tipos de crédito, cada qual submetido a uma tabela específica quanto aos índices de correção monetária e juros de mora a serem aplicados.

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Essas são as tabelas modelo 01 e 02, elaboradas pela Seção da Justiça Federal local: enquanto os índices da Tabela modelo 02 são usados exclusivamente para cálculos de execuções envolvendo débitos de benefícios previdenciários, os demais créditos são submetidos aos índices expressos na Tabela 01.

12. AS ESPECIFICIDADES DAS AÇÕES DE COBRANÇA AJUIZADAS NO RIO GRANDE DO NORTE

Até agora foram discutidas as conversões e os prejuízos causados ao funcionalismo público em função da redação emprestada ao art. 22 da Lei Federal n.º 8.880/1994.

Analisaremos, agora, especificamente, a situação dos servidores públicos do Estado do Rio Grande do Norte em face da conversão estatuída na Lei Estadual n.º 6.612, de 16 de maio de 1994, O objetivo é demonstrar que o prejuízos sofridos por esses servidores foram além dos detectados quando da aplicação pura e simples do diploma federal de regência, tarjando, assim a necessidade de que, na execução dos julgados a eles referentes, preste-se especial atenção ao fato de que a conversão foi procedida no dia 30 de março de 1994.

Reza o artigo 1.º do diploma estadual:

“Art. 1.º: A partir do mês de abril de 1994, os vencimentos, salários e soldos dos servidores civis e militares do Estado do Rio Grande do Norte, constante dos Anexos (...) da Lei 6.568, de 24 de janeiro de 1994 (art. 1.º), e relativos ao mês de março do mesmo ano, são convertidos em Unidades Reais de Valor (URV) com base no valor desta no dia 30 do referido mês.”

Note-se que a norma estadual discrepa, profundamente, da norma federal que trata do mesmo assunto em flagrante ofensa à competência legislativa da União. Não cabia, pois, ao Estado do Rio Grande do Norte, inovar no tratamento da matéria, seja determinando a conversão em moldes distintos, seja pela data da conversão.

A fórmula preconizada pelo Estado mostra-se especialmente prejudicial aos seus servidores públicos civis e militares porque converteu os salários, vencimentos e soldos sem antes encontrar a média nominal prevista no art. 22 da Lei Federal n.º 8.880/94.

Ora, tal média, segundo a Exposição de Motivos Interministerial Nº 205/MF/SEPLAN/MJ/MTb/MPS/MS/SAF, de 30 de junho de 1994, era essencial para a neutralidade distributiva da URV como adiante se explica:

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“11. A introdução da URV nas relações econômicas começou pela conversão dos salários e benefícios previdenciários. Isto atendeu a considerações jurídicas, mas sobretudo a uma preocupação com a eqüidade social.

12. O pressuposto básico do Plano Real, na fase da URV, foi o da neutralidade distributiva. Para evitar as distorções que comprometeram o êxito de outras políticas anti-inflacionárias, notadamente o Plano Cruzado, seria essencial que a conversão dos contratos para a URV não interferisse no equilíbrio econômico das relações reguladas por esses contratos. No caso dos salários e benefícios, a aplicação deste critério excluía tanto a conversão "pelo pico", que traria de volta a espiral inflacionária depois de uma efêmera euforia de consumo, como a conversão "pelo piso", que imporia prejuízos injustificáveis aos trabalhadores e teria forte impacto recessivo sobre a economia. A alternativa foi a conversão pela média de quatro meses, levando em conta a periodicidade da atualização monetária dos salários conforme a política vigente quando da introdução da URV.

13. O intenso escrutínio a que esta regra de conversão foi submetida no Congresso Nacional, na Justiça e por especialistas e independentes esvaziou a alegação de "perdas salariais". Vale citar, a propósito o voto do Excelentíssimo Senhor Doutor Rubens Tavares Aidar, juiz relator do dissídio da greve dos metalúrgicos de São Paulo. Segundo ele, a Lei nº 8.880 "teve extremo cuidado com a proteção constitucional, legal e real dos salários". E acrescenta : '' a par da garantia de irredutibilidade, a lei nova está dando ao salário uma vantagem inédita, pois com a conversão em URV o salário passa a acompanhar dia-a-dia a inflação. Esta vantagem é por demais preciosa, devendo ser defendida com todas as forças pelos trabalhadores".

14. Não obstante a inconsistência da argumentação sobre "perdas", o Deputado Neuto de Conto, relator das Medidas Provisórias da URV no Congresso Nacional, teve o cuidado de incluir em seu substitutivo, após ampla negociação com os representantes do Governo, uma salvaguarda adicional para os trabalhadores: a garantia de reposição de eventuais diferenças a menor entre os salários efetivamente percebidos nos quatros meses subseqüentes à conversão para URV e os que teriam sido pagos no mesmo período se a política salarial anterior ainda estivesse em vigor.

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15. Mais do que inconsistente, francamente descabida foi a alegação de que os salários estariam "congelados" após a conversão para URV. Na verdade, ao contrário de congelados, os salários estiveram totalmente indexados nesta fase do Plano. Dado que a paridade da URV ao Cruzeiro Real segue, com a taxa de câmbio, a inflação do próprio mês, e o salário é apurado e pago no conceito de caixa, ou seja, pela URV do dia do pagamento, não há risco de perda salarial ocasionada pela inflação. Esta é uma proteção mais efetiva do que qualquer política salarial adotada ou proposta anteriormente, inclusive a reposição plena pela inflação passada.”

Ora, a diferença entre os valores da média nominal de vencimentos obtidos com base no dia do efetivo pagamento dos meses de novembro/dezembro de 1993 e janeiro/fevereiro de 1994 e aqueles fundados na URV do último dia desses meses redundará em determinado índice de recomposição salarial.

Esse índice, no entanto, não servirá para as ações propostas pelos servidores públicos do Estado do Rio Grande do Norte, que levam em consideração os valores devidos (média nominal de vencimentos obtidos com base no dia do efetivo pagamento dos meses de novembro/dezembro de 1993 e janeiro/fevereiro de 1994) e aqueles efetivamente pagos (valores pagos ao servidor em março divididos pelo valor da URV do dia 30 desse mês). A diferença encontrada nessa segunda hipótese será, sem dúvida, maior, como maior será o índice de recomposição salarial a ser aplicado.

Forçoso concluir pela inaplicabilidade dos índices de recomposição obtidos em função da mera aplicação das normas do art. 22 da Lei Federal sem considerar os valores pagos em abril pelo Estado do Rio Grande do Norte.

A peculiaridade, contudo, não invalida as sentenças condenatórias já proferidas cujo teor seja no sentido de obrigar o Estado a converter os vencimentos, soldos e proventos de seus servidores de acordo com as normas federais e observando a URV do dia do efetivo pagamento, bem como a pagar as diferenças porventura apuradas em liquidação entre o que é devido e o que foi efetivamente pago. Ela apenas impede a aplicação de índice de recomposição salarial definido sem consideração às especificidades das leis estaduais.

Ademais, induz à afirmação de que a execução dos títulos executivos judiciais jamais atingirá valor igual a zero, o que seria possível apenas se a norma estadual não inovasse no cálculo da conversão.

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Por fim, somente quando encontrados índices específicos ao caso de Rio Grande do Norte, seria possível utilizá-los em outros processos de servidores com a mesma data de pagamento.

Retomemos o caso dos servidores públicos vinculados aos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, em face da repetição do art. 168, da Constituição Federal, no art. 109 da Constituição Estadual, a seguir transcrito:

“Art. 109: Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais destinado sãos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, são entregues até o dia vinte (20) de cada mês”.

Assim encontrado percentual de recomposição específico a servidor público que perceba no dia 20 de cada mês, este se aplicará, inevitavelmente, aos demais servidores com a mesma data-base. A depender de sua categoria pertencer àquelas regidas pelo art. 109 da Constituição Estadual ou não, dispensar-se-á qualquer documento para a demonstração do dia do pagamento.

Em todo caso, o índice de 11,98% fixado para os casos de conversão de acordo com a norma federal, será inaplicável a esses servidores.

13. CONCLUSÃO

Assim, temos que:

a) a conversão dos vencimentos, soldos e proventos dos funcionários públicos civil e militares deve observar os moldes previstos na Lei Federal n.º 8.880/94, utilizando-se, nos seus cálculos, o valor da URV do dia do efetivo pagamento;

b) o índice de recomposição salarial expressa a diferença apurada entre os valores efetivamente devidos e aquele efetivamente pagos ao servidor e varia em função da data do efetivo pagamento e da observância ou não do cálculo para a definição da média nominal de vencimentos;

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Page 25: A EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS CONDENATÓRIAS QUE DISPÕEM SOBRE A CONVERSÃO DOS VENCIMENTOS, SOLDOS E PROVENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS EM URV

Maria Tereza Braga Capim de Miranda

c) caso a sentença determine a conversão dos vencimentos, soldos e proventos dos funcionários públicos civil e militares de acordo com os moldes estatuídos na Lei Federal n.º 8.880/94 e com o valor da URV do dia do efetivo pagamento, será considerada líquida, adotando-se o procedimento previsto no art. 604 do Código de Processo Civil;

d) para o caso dos servidores públicos do Estado do Rio Grande do Norte, duplamente prejudicados pelo art. 22 da Lei Federal antes referida e pelo art. 1.º da Lei Estadual n.º 6.6612/94, o índice de recomposição salarial será distinto;

e) a tese da compensação dos valores devidos com os oriundos da concessão de aumentos ou reajustes não impõe limitação temporal à execução dos créditos; e

f) a correção monetária e a aplicação dos juros de mora seguem os índices previstos na Tabela modelo 01 ou modelo 02, elaboradas pela Seção da Justiça Federal local, de acordo com a natureza do crédito.

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