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394 A EXPERIÊNCIA DA DOCÊNCIA POR MEIO DE ATIVIDADES DE MONITORIA: REFLEXOS E REFLEXÕES Wellington Adriano Fernandes de Sena 1 ; Carlos Henrique Weber Neves 2 Discentes. Curso de Licenciatura em Física. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Faculdade de Engenharia, Departamento de Física e Química, câmpus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. E-mail: 1 [email protected] ; 2 [email protected] Fernanda Cátia Bozelli 3 Docente. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Faculdade de Engenharia, Departamento de Física e Química, câmpus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected] Apoio: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Eixo Temático 01: Formação inicial de professores da educação básica 1. Introdução É quase comum encontrarmos alunos em um processo de escolarização reclamando da disciplina de Física. Frases como "chata" e "não entendo aquilo" podem ser consideradas comumente elucidações por parte deles quando se pergunta "O que você acha da disciplina?". Mas qual seria a diferença entre não entender e não gostar da disciplina de Física? Pode-se dizer que, frequentemente, na vida cotidiana nos deparamos com situações das quais não gostamos, mas por uma necessidade, dita de sobrevivência, temos que conviver e saber enfrentá-las. Por esse ponto de vista a rejeição do aluno com a disciplina de Física não estaria relacionado com o seu “entender” ao invés do “gostar”? Duas das possíveis causas desse afastamento, quando analisado o ponto de vista do aluno em relação à disciplina, poderiam ser a falta de participação nas aulas e a ausência do processo de abstração, o qual não lhe foi ensinado (HOSOUME; KAWAMURA; MENEZES, 1994), que é essencial não só para o ensino da disciplina de Física, mas para o ensino de Ciências. Já que aparentemente as causas estão definidas podemos nos perguntar por que o professor não altera o modo de ensinar a Física? Podemos considerar que: "É quase natural que aceitemos os objetivos principais do ensino da Física como sendo o aprendizado de leis gerais, em nível abstrato e, complementarmente, o complemento da capacidade de aplicação de tais leis" (HOSOUME; KAWAMURA; MENEZES, 1994, p.01). Um dos meios para o ensino de Física, o laboratório, por exemplo, que poderia unir o processo da abstração com a aplicação de leis gerais, pode ser considerado uma

A EXPERIÊNCIA DA DOCÊNCIA POR MEIO DE ATIVIDADES DE ...200.145.6.217/.../ArtigosCongressoEducadores/6370.pdf · e articulação entre atividades experimentais com o curso. Com isso

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394

A EXPERIÊNCIA DA DOCÊNCIA POR MEIO DE ATIVIDADES DE MONITORIA:

REFLEXOS E REFLEXÕES

Wellington Adriano Fernandes de Sena1; Carlos Henrique Weber Neves2

Discentes. Curso de Licenciatura em Física. Universidade Estadual Paulista “Júlio deMesquita Filho” – UNESP, Faculdade de Engenharia, Departamento de Física e Química,

câmpus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]; 2

[email protected]

Fernanda Cátia Bozelli3

Docente. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Faculdade deEngenharia, Departamento de Física e Química, câmpus de Ilha Solteira, São Paulo,

Brasil. E-mail: [email protected]

Apoio: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

Eixo Temático 01: Formação inicial de professores da educação básica

1. Introdução

É quase comum encontrarmos alunos em um processo de escolarização

reclamando da disciplina de Física. Frases como "chata" e "não entendo aquilo" podem

ser consideradas comumente elucidações por parte deles quando se pergunta "O que

você acha da disciplina?". Mas qual seria a diferença entre não entender e não gostar da

disciplina de Física? Pode-se dizer que, frequentemente, na vida cotidiana nos

deparamos com situações das quais não gostamos, mas por uma necessidade, dita de

sobrevivência, temos que conviver e saber enfrentá-las. Por esse ponto de vista a

rejeição do aluno com a disciplina de Física não estaria relacionado com o seu “entender”

ao invés do “gostar”?

Duas das possíveis causas desse afastamento, quando analisado o ponto de vista

do aluno em relação à disciplina, poderiam ser a falta de participação nas aulas e a

ausência do processo de abstração, o qual não lhe foi ensinado (HOSOUME;

KAWAMURA; MENEZES, 1994), que é essencial não só para o ensino da disciplina de

Física, mas para o ensino de Ciências. Já que aparentemente as causas estão definidas

podemos nos perguntar por que o professor não altera o modo de ensinar a Física?

Podemos considerar que: "É quase natural que aceitemos os objetivos principais do

ensino da Física como sendo o aprendizado de leis gerais, em nível abstrato e,

complementarmente, o complemento da capacidade de aplicação de tais leis"

(HOSOUME; KAWAMURA; MENEZES, 1994, p.01).

Um dos meios para o ensino de Física, o laboratório, por exemplo, que poderia

unir o processo da abstração com a aplicação de leis gerais, pode ser considerado uma

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das grandes deficiências da rede pública de ensino. De acordo com Laburú, Barros e

Kanbach (2007, p.206) alguns dos motivos para essa deficiências são:

[...] indisponibilidade ou qualidade de material, excessivo número dealunos em sala de aula, formação precária dos professores, poucabibliografia para orientá-los, restrições institucionais, como falta de tempopara as aulas, disponibilidade da sala de laboratório estar à disposiçãoquando se precisa (Tsai, 2003, p. 855), ausência de horário específico naprogramação, necessidade de laboratorista, inexistência de programaçãoe articulação entre atividades experimentais com o curso.

Com isso o professor fica limitado, a usar no pouco tempo que tem em sala de

aula em seu auxílio para ensinar ciências, a aula expositiva e o livro didático, que é objeto

de ensino, o qual "pela ignorância científica do despreparo didático-pedagógico de

grande parte dos autores, legitimados pela inconsequência de editoras, inúmeros livros-

textos atrapalham mais do que ajudam e seu uso deve ser francamente desestimulado."

(HOSOUME; KAWAMURA; MENEZES, 1994, p. 09).

Desse modo, pode-se dizer que, é no âmbito desse contexto que se encontra o

futuro professor, inserido no ambiente escolar seja participando por meio da realização de

estágios ou por meio de projetos. Nessa condição de futuro docente, imerso em um

cenário complexo, pode estar criando consciência de um processo que Contreras (2002)

chama de “Processo de Proletarização”. Processo que se dá pela perda de inúmeras

qualificações que envolve o trabalho docente fazendo-o perder a sua autonomia, qual

pode ser tanto técnica quanto ideológica. O autor ainda acrescenta que, outro dos temas

controversos é a deterioração das condições de trabalho do professor que lhe dava

esperança de alcançar status. É esse fenômeno que passou a ser chamado de processo

de proletarização (CONTRERAS, 2002).

É com esse novo olhar de professor, que o futuro docente adentra nas

necessidades e limitações educacionais percorrendo percalços burocráticos, técnicos e

didáticos. Neste processo de formação do professor, o futuro docente pode se questionar

sobre quais são suas verdadeiras competências e “o que é educar?”. Ao mesmo tempo,

pode-se dizer que, o mesmo fica imerso no universo polissêmico de significados, como

para a palavra “educação”, que de forma repetitiva pela grande mídia, por políticos ou

público em geral, podem ter contribuído para o esvaziamento de seu significado, o que,

consequentemente, altera a percepção de educação da sociedade, do professor e do

aluno. Processo, como o citado antes, também pode contribuir para questões em torno

da proletarização do trabalho docente.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é construir olhares, constatações e

reflexões, por meio de narrativas redigidas por futuros docentes de um Curso de

Licenciatura em Física, acerca da experiência de atuar como professor em atividades de

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monitoria em uma escola pública de Ensino Médio do estado de São Paulo, em que o

mesmo está inserido em um cenário como o delineado anteriormente.

Nada mais natural do que adotar a narrativa para tentar dar sentido auma experiência educativa ou a uma prática social. As salas de aulapodem ser vistas como uma prática social complexa em que professores,alunos e, por vezes, pesquisadores estão tentando compreender econstruir significados. É assim que alguns professores (...) exploram, emsala de aula, experiências de contar e narrar ao outro, pois estas, alémde formativas, podem, também, ajudar na aquisição significativa doconhecimento [...]. (FREITAS; FIORENTINI, 2007, p. 65)

2. Desenvolvimento e constituição das narrativas

Este trabalho está ancorado em pressupostos da pesquisa de natureza qualitativa

e foi desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência

(PIBID), por meio da parceria entre um curso de Licenciatura em Física, de uma

Universidade pública do estado de São Paulo e uma escola estadual do interior de São

Paulo. Um dos subprojetos do Curso de Licenciatura em Física desta Universidade é

constituído de 10 bolsistas de iniciação à docência, um professor coordenador de área e

um professor supervisor da escola parceira de realização do projeto. O subprojeto tem

atuado na escola parceira juntamente com o professor supervisor em turmas de alunos

dos segundos e terceiros anos do Ensino Médio, em diferentes frentes de ação, tais

como: acompanhamento em sala de aula do professor supervisor, realização de

monitorias, reuniões de planejamento, reunião de pais, oferecimento de minicursos,

construção de experimentos didáticos, etc. Todas as ações são registradas e

acompanhadas por meio da escrita de narrativas pelos bolsistas.

Assim, nada mais significativo do que registrar as ações, os sentimentos,as experiências possibilitadas por esses espaços de vivência. Esseregistro consistiu em narrativas autobiográficas produzidas pelosbolsistas. Ao utilizar as narrativas como instrumento de investigação eformação parte-se do pressuposto de que ao narrar, o sujeito elege eavalia o que foi significativo para ele, no que se refere a construção dasua identidade, as práticas formativas, as vivências de aprendizagem,aos questionamentos sobre suas práticas e sobre a construção de suahistória. Assim, “ao narrar-se, a pessoa parte dos sentidos, significados erepresentações que são estabelecidos á experiência” (SOUZA, 2006, p.104).

Com relação às atividades, os bolsistas foram previamente divididos em

duplas para os acompanhamentos das aulas junto ao professor supervisor, para

planejamento de monitorias e minicursos entre as outras ações. Cada dupla, além do

acompanhamento em sala de aula, também era responsável por planejar e oferecer

monitorias para as turmas que acompanhavam. Para as monitorias os bolsistas

elaboravam o plano de ensino e o submetia para orientação e análise dos professores

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coordenador de área e supervisor, além dos próprios colegas antes de serem realizadas.

Eram oferecidas em horários contrários aos das aulas pelo menos duas vezes por

semana, durante duas horas cada.

De forma específica, serão analisadas neste trabalho duas narrativas dos

bolsistas em termos de suas expectativas, dificuldades e experiência em relação às

atividades de monitorias.

3. Análise das narrativas

São trazidas aqui algumas das narrativas escritas pelos bolsistas PIBID, durante a

participação no projeto nas atividades de monitoria, buscando compreender e analisar a

experiência docente nesse âmbito. Para esta compreensão, foram estabelecidas algumas

categorias de forma a permitir, pelas partes que compõem a ação da monitoria, a

experiência como um todo.

Narrativa 1

Com alguns dias de antecedência, divulgamos nas salas de segundos colegiais que

seria ofertada monitoria de Física, com revisão de conteúdo, resolução de listas de

exercícios, textos e simulações. Tendo isso em mente, preparamos um plano de

aula. Após algumas modificações, o plano continhadois objetivos: Ensinar aos

alunos os conceitos de Calor e Temperatura. Os alunos pareciam empolgados com a

ideia, principalmente por muitos carregarem dependência de outros anos em Física.

De maneira geral, a maior reclamação fora por conta do horário, pois muitos alunos

trabalham outros fazem curso técnico e não poderiam frequentar. Alguns insistiram

bastante para que a monitoria fosse ofertada outro período, ou até aos fins de

semana. Isso, a priori, foi bastante animador. Pois bem, a monitoria fora marcada:

Terça feira dia 5 de maio, sala de informática da escola, das 14h às 16h. Para meu

alívio e frustração apenas um aluno compareceu. Alívio, pois eu estava realmente

nervosa. Sentindo-me insegura e despreparada. Frustração por esperar maior

interesse da parte dos alunos pelo que estávamos oferecendo. Mas antes da

monitoria, devo relatar a confecção do plano. Ainda é complicado para eu redigir um

plano de aula, pois gasto muito tempo no mesmo e acho que nunca está realmente

bom. Espero que com a prática isto melhore. Enquanto faço o plano, imagino-me na

sala de aula. Iniciando com um diálogo, perguntas, respostas. Os alunos sendo

capazes de identif icar, solucionar problemas entre outras expectativas. Às vezes

sinto que espero demais, mas ao mesmo tempo vejo que não faz sentido eu me

conformar com a situação, aceitar o fracasso principalmente estando na condição de

iniciante à docência. Mas é difícil manter-se otimista quando tudo cai por terra logo

nos primeiros minutos. A mera tentativa de iniciar um diálogo e ver o quanto a

maioria dos alunos estão completamente alheios a sua presença. Tento então ser

398

mais racional, acabo cortando mais da metade do que havia planejado para tentar

obter sucesso, e com sucesso quero dizer que seja de fato concluído o que fora

planejado, e que grande parte dos alunos possa aprender. Iniciamos a monitoria às

14h. Havia um aluno. Fiquei contente com a presença dele.No início, eu estava

bastante tímida e insegura, então meu colega acabou assumindo a monitoria nos

primeiros minutos. Pediu ao aluno que respondesse um questionário no computador.

Depois iniciamos a leitura do texto selecionado. Dividimos. Cada um leria uma parte.

A cada parágrafo que líamos, pausávamos e perguntávamos se ele estava

entendendo. Ele dizia que sim. Contudo, chegada sua vez de ler ele apresentou

dificuldades na leitura, e ao pedirmos para que ele explicasse o que havia acabado

de ler, percebemos ainda maior dificuldade de interpretação. Lemos novamente,

explicamos. Recorremos à lousa, trouxemos exemplos mais táteis para que ele

pudesse tentar compreender o que estávamos querendo dizer. Ainda assim, não

obtivemos sucesso. Recorri à internet. Procurei vídeos que pudessem explicar de

forma mais clara, ou animações. Ainda assim, quando o indagávamos ele não

conseguia responder. Pedimos para que ele respondesse o questionário novamente.

Deixamos que ele consultasse o texto e mesmo assim ele não conseguia responder.

Então notei que além de tudo, ele t inha dif iculdade na escrita e em expressar-se. Às

vezes, enquanto eu estava explicando algo, ele completava minhas frases, então,

agora, após refletir muito sobre o assunto, penso que ele possa ter tido uma

evolução sim, mas a carência de outras habilidades, como a leitura, a interpretação

e a escrita, pode ter mascarado isso, fazendo que passada às duas horas, ao

finalizarmos a monitoria, ficamos com aquele sentimento de fracasso. Indagando-

nos do que teríamos feito de errado, e como sempre, terceirizar a culpa acaba

diminuindo o fardo, e acabamos por atribuirás dif iculdades do garoto a alguma

patologia cognitiva. Agora, com mais clareza posso perceber que houve evolução e

que é mais fácil às vezes culpar alguém do que voltar para o próprio método,

analisá-lo, perceber se houve falhas e principalmente, repará-las. Desta forma,

acredito que uma parte falha tenha sido a escolha do texto, ou até mesmo a maneira

como fora efetuada a leitura. Por mais simples que parecia, eu sei que havia

palavras que talvez o aluno não conhecesse, e acredito que seja impossível alguém

imaginar ou explicar algo se ela não consegue entender por inteiro o que tal texto

diz. Deste modo, me atentarei mais na escolha dos futuros textos, e se for preciso,

pausar a leitura ainda mais e explicar minuciosamente o signif icado de palavras que

possam ser desconhecidas pelos alunos. Por fim, o que ficou desta experiência,

pode ser óbvio, mas difícil de aceitar é que o ensinar física está além de apenas

ensinar física. Devo identificar a dificuldade do meu aluno, e infelizmente dar o

suporte que ele necessita. Seja ajudá-lo com a leitura, a escrita, a interpretação, a

matemática. Aspectos que não são da minha competência, mas se desejo de fato

que ele aprenda, devo assumir essa responsabilidade. Talvez seja demais, mas

extremamente necessário para poder sair da sala de aula em paz. (Bolsista 1)

399

Para análise e compreensão da narrativa do Bolsista 1, a mesma foi lida em

termos das categorias: Monitoria, Planejamento de Aula, Estrutura, Monitor, Aluno,

Sentimentos do Monitor e Responsabilização. Na categoria Monitoria, por meio da

narrativa é visto que o futuro docente se arma de todos os materiais de apoio para tentar

a atenção e atração do aluno: revisão de conteúdo, resolução de listas de exercícios,

leitura de textos e simulações. Na categoria Plano de Aula o futuro docente se impõe dois

objetivos básicos: ensinar o conceito de calor e o conceito de temperatura. Na categoria

Estrutura é possível verificar as dificuldades encontradas, como o horário da monitoria,

que causam desistências principalmente dos alunos que tem dependência na disciplina

por trabalharem ou por fazerem curso técnico no horário da mesma. Na categoria

Monitor, o futuro docente, por ter muitas expectativas sobre a sua atuação e dos alunos

acaba aumentando sobre si o nervosismo e a insegurança. Na categoria Aluno, são

apontados problemas de leitura, interpretação e incapacidade de relacionar e

compreender conteúdos, o que contribui de forma quase que exclusiva para a categoria

Sentimentos do Monitor, na qual, o mesmo se depara com expectativas não

correspondidas, sentimento de fracasso e o processo de assumir, dividir ou terceirizar

culpa. E finalmente, na última categoria, Responsabilização, o futuro docente assume a

culpa e elege como erros principais: escolha do texto, forma de leitura e sentimento de

obrigação de assumir o ensino de outras competências como a matemática e a leitura.

Essa narrativa, e por consequente as categorias, evidenciam ou demonstram

processos citados por Hosoume, Kawamura e Menezes (1994, p. 01):

Visto assim, o objetivo de cada curso é o conhecimento da disciplina deque trata e, para tanto, lança-se mão geralmente de localizações deobjetos ou de situações. (...) para maior brevidade de idealizações esimplificações são previamente selecionadas e não são desenvolvidasjuntamente com os alunos.

Vendo como “curso” a própria monitoria, o “conhecimento da disciplina” o de

Física e “objetos ou de situações” os processos contidos no Plano de Aula, especula-se

que uma das possibilidades do futuro docente não ter conseguido concluir seu plano de

aula poderia ser por justamente não tê-lo desenvolvido junto aos alunos. Ouvi-los, ou

consultá-los, poderia evidenciar suas principais dificuldades. No papel de futuro docente,

entende-se também que isso seria complicado, geralmente pelo aluno não ter

consciência de suas dificuldades e, ou, pelo futuro docente sempre se sentir obrigado a

preencher a lacuna deixada pelo professor titular da disciplina ou pelo plano de ensino da

escola. O que pode levar aos iniciantes a docência, a se armarem com todos os materiais

de apoio possíveis. O que geralmente, e infelizmente, por maior que seja a boa intenção,

400

pode acabar atropelando o aluno pelo excesso de ferramentas de apoio. Hosoume,

Kawamura e Menezes também apontam que:

[...] ao se omitir ou ao deixar de ensinar o próprio processo de produçãoda abstração, essencial à ciência. [...] Quando se percebe esseinsucesso no aprendizado, a busca subsequente é a de reformularem osmeios do ensino. (1994, p. 01).

Esta citação traduz a categoria Problema do Aluno e Responsabilização. Ao

perceber as dificuldades do aluno o primeiro passo do docente é assumir a culpa, ou

dividi-la ou terceirizá-la. No caso da narrativa, sente-se que o futuro docente assume a

culpa, levantando possibilidades de assumir competências que não são de sua

obrigação. Para, segundo ele, “poder sair da sala de aula em paz”. Para os futuros

docentes é necessário refletir até onde vai à aceitação da licitude de não conseguir

ensinar. Nas próprias categorizações é possível perceber muito dos acontecimentos além

do controle do docente. Perguntamos-nos se, com essa nova preocupação de se

responsabilizar por outras competências, o futuro docente não estaria colocando em

perigo sua saúde mental, extrapolando a própria capacidade e tencionando sua saúde

emocional. Pois, se o futuro docente está se dedicando além de sua competência na

intensão de sair da sala de aula em paz consigo mesmo, com o sentimento de dever

cumprido, qual será a sua reação, caso mesmo com toda essa dedicação, ele não tiver

essa sensação? Na verdade, por uma necessidade de corporativismo e de simpatia com

o caso vivido, ou até mesmo por ainda vivê-lo, a pergunta pode ser reescrita da seguinte

forma: se EU como futuro docente estou ME dedicando além de MINHA competência na

intensão de sair da sala de aula em paz COMIGO mesmo, com o sentimento de dever

cumprido, qual será a MINHA reação caso mesmo com toda essa dedicação EU não tiver

essa sensação?

Narrativa 2

Para iniciar os trabalhos de monitoria, divulguei a data e horário na quarta e quinta

feira, três dias antes da monitoria. Passei na sala deles, pedi autorização para o

professor que estava trabalhando no momento, e divulguei tanto data quanto o que

seria feito nessa monitoria. Chegado o dia, f iquei com medo de não vir nenhum

aluno, o que talvez não seria nenhuma surpresa, mas o contrário ocorreu, três

alunos os quais não eram os que mais demonstravam interesse nas aulas

compareceram a monitoria. O planejamento para esta aula já estava feito a um bom

tempo, porém como havia várias listas a serem resolvidas e eles estavam com

dúvidas de como foi a prova, resolvi aplicar o planejado junto com resolução de

exercícios. A monitoria foi basicamente sobre a lei de Coulomb, ao final desta

narrativa anexarei o planejamento que foi executado. Os três presentes se

401

mostraram atentos e até mesmo interessados tanto no lado físico como também se

mostraram interessados em aprender as ferramentas matemáticas a quais eles

possuíam (possuem) muitas dificuldades. Debati a teoria com eles e fui

buscando montar a lei de Coulomb tentando usar as mesmas analogias feitas pelo

Batatais, porém dei muita ênfase a física e busquei fazer tudo com mais calma.

Surpreendentemente chegamos juntos a informação de que a intensidade da força

elétrica tem que ser proporcional à distância dos corpos de interação. Foi um

momento muito especial pois sei que não é fácil para muitos alunos chegarem a esta

conclusão. Segui em um ritmo lento e pausado até chegar na lei de Coulomb, não

senti forte aceitação pela equação, mas ao menos vi que os alunos prestavam

atenção e as vezes até faziam perguntas. Na segunda parte da monitoria, dediquei a

exercícios da lista e um da prova que eles fizeram dias atrás. Nessa parte f ica obvia

a dificuldade com a matemática. Sendo assim a aula foi mais de como usar a

matemática do que como interpretar a física. Mas não fico frustrado pois sei que

entender um pouco da matemática já é um bom passo para tentar compreender a

física e os futuros problemas que irão surgir. Ao final da monitoria, os alunos me

agradeceram, disseram que gostaram e me perguntaram se sempre teria. Diante da

minha resposta afirmativa, se mostraram animados e prometeram comparecer

sempre que possível. Essas falas são sempre muito gratificantes para mim. Abaixo

segue a aula planejada. (Bolsista 2)

Para a narrativa do Bolsista 2 foram feitas as seguintes categorias para auxiliar na

compreensão da experiência vivenciada pelo mesmo na monitoria: Processo,

Sentimentos, Problema do Aluno, Plano de Aula, Espelhamento, Responsabilização e

Sentimento. Na categoria Processo foram utilizados os meios disponíveis para

comunicação sobre a realização da monitoria: definição de data, de hora e a divulgação

em sala em sala. Divulgação de monitoria na escola pública pode se tornar um trabalho

político que exige corpo a corpo. Podendo se tornar, infelizmente, um processo de

convencimento ao invés de conscientização sobre a mesma, pois, geralmente lhe falta,

ao aluno, consciência da importância da monitoria para a sua escolarização. Na categoria

Sentimento e, talvez, um coletivo de todos outros, é o medo. É implícito que o medo

carrega as mesmas angústias da primeira narrativa. O medo traz o temor do fracasso, da

possibilidade de não dominar o conteúdo tão bem quanto supõe que deveria, do

nervosismo, da insegurança, da expectativa não correspondida. Na categoria Problema

do Aluno, antevendo dificuldades, o futuro docente já se prepara para passar o conteúdo

em ritmo lento e pausado, o que é possível aumentar, consideravelmente, o

entendimento da matemática por parte do aluno. Na categoria Plano de Aula uma

estratégia simples: resolução de exercícios. Considerando que são apenas duas horas de

monitoria acredita-se que esta seja a melhor estratégia. A resolução de exercícios pode

402

sanar as lacunas deixadas pelo professor titular da disciplina, ao mesmo tempo, em que

o aluno se sente mais confiante para perguntar e enunciar dúvidas, o que permite ao

futuro docente entrar de forma convidativa aos enunciados e teorias da Física. É possível

dizer que, neste processo, o aluno convida o professor a ensinar, da mesma forma que o

professor convida o aluno a aprender. Em monitoria o processo de ensino e

aprendizagem pode começar principalmente por meio do convite do aluno ao professor,

podendo caracterizar principalmente um processo de confiança. Na categoria

Espelhamento, e esta não estava na narrativa anterior, evidencia-se a sensibilidade de

repetir as analogias e exemplos usados pelo professor titular da disciplina. Uma decisão

simples que pode contribuir para o aluno não configurar o pensamento de professores

distintos, matérias distintas. Um exemplo que geralmente é visto na prática do ensino de

Física é o caso em que o aluno não reconhece a matemática usada na disciplina de

Física sendo a mesma usada na disciplina de Matemática. Na categoria

Responsabilização, o futuro docente tem que passar de maneira tangível o uso da

matemática nos exercícios de Física, sendo muitas vezes, obrigado a sacrificar a teoria

física devido à temporalidade de execução da monitoria. E na categoria Sentimento, a

surpresa, o momento em que o medo é superado, o plano de aula se mostra efetivo, e o

aluno se enuncia satisfeito e o futuro docente se percebe em paz. Este, o pequeno

momento em que a expectativa não se mostra quebrada, no texto de Hosoume,

Kawamura e Menezes, é visto na seguinte passagem:

A ”simplificação” do objeto, o abstrair de muitas das suas propriedadespara que fiquemos com as “variáveis relevantes do processo” é parteessencial do procedimento científico. Saber conduzir este exercício deabstração deve ser parte integrante da formação científica. Desde cedo,o aluno deveria se dar conta do humor implícito em “um ponto materialazul [...]”. (1994, p.06).

A preocupação do futuro docente, evidentemente não ilícita, com a explicação

dos exercícios e com ensino minucioso dos processos matemáticos, lhe tira a

possibilidade, por exemplo, de exercitar a condução do aluno ao processo de abstração

como citado no texto. Pois, em ambiente de monitoria, o futuro docente pode se deparar

pensando sobre qual meio utilizar para se chegar a determinado fim. E este fim seria a

aprendizagem do aluno. Mas seria egoísmo da parte do futuro docente, ou até ilícito, o

mesmo se preocupar primeiramente em exercitar diferentes caminhos para melhor se

formar ao invés de não focar na preocupação de acertar com o aluno?

Até que ponto a preocupação com suas diferentes funções, assumindo a

responsabilidade, às vezes, de dar conta de competências que vão além das suas, pode

estar contribuindo para a alienação do processo de ensino do que propriamente para o

aprendizado do aluno? Mas como perceber, ou aprender, a distinguir uma ou outra?

403

Acerca disso torna-se pertinente aqui trazer o que Contreras (2002) escreveu em

seu texto intitulado “A Autonomia de Professores” sobre as três características básicas

que fazem os operários se especializarem em etapas cada vez mais reduzidas da cadeia

produtiva, fazendo-os perder a perspectiva de conjunto: a) a separação entre concepção

e execução; b) a desqualificação; c) a perda de controle sobre o próprio trabalho. Nesse

sentido, ao voltar para a compreensão da experiência de monitoria do bolsista 2, no item

a, a construção do Plano de Aula, o futuro docente se equivale à concepção, porém, no

momento de executá-lo se vê obrigado a abandoná-lo quase que imperceptivelmente

devido à visão comum que tem de se ver obrigado a desempenhar outras competências

(CONTRERAS, 2002). Com isso o futuro docente possivelmente, de forma inconsciente,

pode intensificar um processo no qual ele passa a ser um “executador” de tarefas.

Processo em que ele é obrigado a sanar dificuldades alheias a sua disciplina, mas não do

seu trabalho. No item b, a desqualificação, faz o futuro docente perder conhecimentos,

habilidades, compreensão e ação sobre sua própria competência, já que diariamente, ele

está empregando esforços para sanar conteúdos de outras disciplinas não aprendidos

por seus alunos (CONTRERAS, 2002). Esse desafio imposto pelo meio, tira do futuro

docente, a possibilidade de desenvolver o seu “agir docente”, ou “saber docente”, de

forma organizada e estruturada. No item c, a perda de controle sobre o próprio trabalho,

acontece quando se fica submetido ao controle e as decisões de outros, perdendo a

capacidade de resistência (CONTRERAS, 2002). Assim ocorre com o futuro docente,

quando em uma monitoria, ele fica obrigado, para conseguir concluir o seu Plano de Aula

em duas horas, recorrer aos mesmos exercícios utilizados pelo professor e os mesmos

exemplos. Com isso, o futuro docente, perde a possibilidade de desenvolver seus

próprios métodos de ensino e o seu próprio glossário de exemplos.

Em uma formação acadêmica em que reconhecemos e apontamos a

semiformação diariamente, somos postos entre a cruz e a espada para reflexão do que

devemos ser, o que queremos ser e o que esperam que sejamos. O que devemos ser é o

momento em que o futuro docente compreende que ensinar o aluno é o mais importante

mesmo que isso peça que ele ensine outras competências em detrimento da sua. O que

queremos ser está relacionado com a expectativa pessoal e o tipo de professor que o

futuro docente se imagina sendo ao ensinar Física com a atenção, a simpatia e a

aplicação de todos os alunos. E o que devemos ser é o que o sistema espera de nós, ou

nos obriga a ser, submissos, com a sua remuneração e estrutura precária e métodos de

avaliação desarticulados com a realidade. E com isso, inevitavelmente, ocorre a

proletarização do professor. E por consequência, por esse caminho, está o futuro

docente, que por meio de uma experiência como a da monitoria pode se perguntar o

quanto está contribuindo para a proletarização da profissão docente.

404

4. Algumas considerações

Por meio da análise das narrativas foi possível verificar que, o futuro professor em

contato com a experiência de ministrar aulas de Física por meio da atividade de

monitoria, pode se deparar com alunos com dificuldades não só do conteúdo de Física,

mas também de outras áreas como matemática e língua portuguesa, e se questionar

sobre o que fazer diante dessa realidade. Realidade esta que o solicita a trabalhar

lacunas de aprendizagem que o aluno acumulou ao longo da sua jornada escolar para

não se sentir desmotivado diante das suas próprias expectativas docentes. Esta situação

pode acabar fazendo com que este futuro professor entenda como comum a prática de

ensinar outras competências no lugar da sua. Um futuro professor que assuma na sua

identidade profissional se responsabilizar por competências de outros pode cair no

processo de proletarização da sua disciplina e também das outras? Segundo Contreras

(2002), este é o momento no qual o futuro professor executará processos fazendo-o

perder o “controle e o sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, à perda de autonomia”.

Podemos dizer então, que o valor do conhecimento dos fenômenos Físicos pode estar se

perdendo por causa do Processo de Proletarização? Nesse sentido, a monitoria vêm se

mostrando como um espaço frutífero para olhar o processo de iniciação a docência, pois

permite ao futuro professor o contato com profissão docente de forma estreita e real. Ao

mesmo tempo, também torna-se local de reflexão sobre o processo de constituição da

identidade profissional docente por contemplar aspectos subjetivos que exigem reflexões

de sua realidade, e de como ele vê o exercício da profissão. Essas questões e esse

universo são importantes de serem trabalhados no seu processo de formação, já na

universidade, e o programa PIBID tem oportunizado esse momento, juntamente com a

escrita de narrativas e posterior análise.

Referências

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