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A EXPERIÊNCIA DA DOCÊNCIA POR MEIO DE ATIVIDADES DE MONITORIA:
REFLEXOS E REFLEXÕES
Wellington Adriano Fernandes de Sena1; Carlos Henrique Weber Neves2
Discentes. Curso de Licenciatura em Física. Universidade Estadual Paulista “Júlio deMesquita Filho” – UNESP, Faculdade de Engenharia, Departamento de Física e Química,
câmpus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]; 2
Fernanda Cátia Bozelli3
Docente. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Faculdade deEngenharia, Departamento de Física e Química, câmpus de Ilha Solteira, São Paulo,
Brasil. E-mail: [email protected]
Apoio: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Eixo Temático 01: Formação inicial de professores da educação básica
1. Introdução
É quase comum encontrarmos alunos em um processo de escolarização
reclamando da disciplina de Física. Frases como "chata" e "não entendo aquilo" podem
ser consideradas comumente elucidações por parte deles quando se pergunta "O que
você acha da disciplina?". Mas qual seria a diferença entre não entender e não gostar da
disciplina de Física? Pode-se dizer que, frequentemente, na vida cotidiana nos
deparamos com situações das quais não gostamos, mas por uma necessidade, dita de
sobrevivência, temos que conviver e saber enfrentá-las. Por esse ponto de vista a
rejeição do aluno com a disciplina de Física não estaria relacionado com o seu “entender”
ao invés do “gostar”?
Duas das possíveis causas desse afastamento, quando analisado o ponto de vista
do aluno em relação à disciplina, poderiam ser a falta de participação nas aulas e a
ausência do processo de abstração, o qual não lhe foi ensinado (HOSOUME;
KAWAMURA; MENEZES, 1994), que é essencial não só para o ensino da disciplina de
Física, mas para o ensino de Ciências. Já que aparentemente as causas estão definidas
podemos nos perguntar por que o professor não altera o modo de ensinar a Física?
Podemos considerar que: "É quase natural que aceitemos os objetivos principais do
ensino da Física como sendo o aprendizado de leis gerais, em nível abstrato e,
complementarmente, o complemento da capacidade de aplicação de tais leis"
(HOSOUME; KAWAMURA; MENEZES, 1994, p.01).
Um dos meios para o ensino de Física, o laboratório, por exemplo, que poderia
unir o processo da abstração com a aplicação de leis gerais, pode ser considerado uma
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das grandes deficiências da rede pública de ensino. De acordo com Laburú, Barros e
Kanbach (2007, p.206) alguns dos motivos para essa deficiências são:
[...] indisponibilidade ou qualidade de material, excessivo número dealunos em sala de aula, formação precária dos professores, poucabibliografia para orientá-los, restrições institucionais, como falta de tempopara as aulas, disponibilidade da sala de laboratório estar à disposiçãoquando se precisa (Tsai, 2003, p. 855), ausência de horário específico naprogramação, necessidade de laboratorista, inexistência de programaçãoe articulação entre atividades experimentais com o curso.
Com isso o professor fica limitado, a usar no pouco tempo que tem em sala de
aula em seu auxílio para ensinar ciências, a aula expositiva e o livro didático, que é objeto
de ensino, o qual "pela ignorância científica do despreparo didático-pedagógico de
grande parte dos autores, legitimados pela inconsequência de editoras, inúmeros livros-
textos atrapalham mais do que ajudam e seu uso deve ser francamente desestimulado."
(HOSOUME; KAWAMURA; MENEZES, 1994, p. 09).
Desse modo, pode-se dizer que, é no âmbito desse contexto que se encontra o
futuro professor, inserido no ambiente escolar seja participando por meio da realização de
estágios ou por meio de projetos. Nessa condição de futuro docente, imerso em um
cenário complexo, pode estar criando consciência de um processo que Contreras (2002)
chama de “Processo de Proletarização”. Processo que se dá pela perda de inúmeras
qualificações que envolve o trabalho docente fazendo-o perder a sua autonomia, qual
pode ser tanto técnica quanto ideológica. O autor ainda acrescenta que, outro dos temas
controversos é a deterioração das condições de trabalho do professor que lhe dava
esperança de alcançar status. É esse fenômeno que passou a ser chamado de processo
de proletarização (CONTRERAS, 2002).
É com esse novo olhar de professor, que o futuro docente adentra nas
necessidades e limitações educacionais percorrendo percalços burocráticos, técnicos e
didáticos. Neste processo de formação do professor, o futuro docente pode se questionar
sobre quais são suas verdadeiras competências e “o que é educar?”. Ao mesmo tempo,
pode-se dizer que, o mesmo fica imerso no universo polissêmico de significados, como
para a palavra “educação”, que de forma repetitiva pela grande mídia, por políticos ou
público em geral, podem ter contribuído para o esvaziamento de seu significado, o que,
consequentemente, altera a percepção de educação da sociedade, do professor e do
aluno. Processo, como o citado antes, também pode contribuir para questões em torno
da proletarização do trabalho docente.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é construir olhares, constatações e
reflexões, por meio de narrativas redigidas por futuros docentes de um Curso de
Licenciatura em Física, acerca da experiência de atuar como professor em atividades de
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monitoria em uma escola pública de Ensino Médio do estado de São Paulo, em que o
mesmo está inserido em um cenário como o delineado anteriormente.
Nada mais natural do que adotar a narrativa para tentar dar sentido auma experiência educativa ou a uma prática social. As salas de aulapodem ser vistas como uma prática social complexa em que professores,alunos e, por vezes, pesquisadores estão tentando compreender econstruir significados. É assim que alguns professores (...) exploram, emsala de aula, experiências de contar e narrar ao outro, pois estas, alémde formativas, podem, também, ajudar na aquisição significativa doconhecimento [...]. (FREITAS; FIORENTINI, 2007, p. 65)
2. Desenvolvimento e constituição das narrativas
Este trabalho está ancorado em pressupostos da pesquisa de natureza qualitativa
e foi desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID), por meio da parceria entre um curso de Licenciatura em Física, de uma
Universidade pública do estado de São Paulo e uma escola estadual do interior de São
Paulo. Um dos subprojetos do Curso de Licenciatura em Física desta Universidade é
constituído de 10 bolsistas de iniciação à docência, um professor coordenador de área e
um professor supervisor da escola parceira de realização do projeto. O subprojeto tem
atuado na escola parceira juntamente com o professor supervisor em turmas de alunos
dos segundos e terceiros anos do Ensino Médio, em diferentes frentes de ação, tais
como: acompanhamento em sala de aula do professor supervisor, realização de
monitorias, reuniões de planejamento, reunião de pais, oferecimento de minicursos,
construção de experimentos didáticos, etc. Todas as ações são registradas e
acompanhadas por meio da escrita de narrativas pelos bolsistas.
Assim, nada mais significativo do que registrar as ações, os sentimentos,as experiências possibilitadas por esses espaços de vivência. Esseregistro consistiu em narrativas autobiográficas produzidas pelosbolsistas. Ao utilizar as narrativas como instrumento de investigação eformação parte-se do pressuposto de que ao narrar, o sujeito elege eavalia o que foi significativo para ele, no que se refere a construção dasua identidade, as práticas formativas, as vivências de aprendizagem,aos questionamentos sobre suas práticas e sobre a construção de suahistória. Assim, “ao narrar-se, a pessoa parte dos sentidos, significados erepresentações que são estabelecidos á experiência” (SOUZA, 2006, p.104).
Com relação às atividades, os bolsistas foram previamente divididos em
duplas para os acompanhamentos das aulas junto ao professor supervisor, para
planejamento de monitorias e minicursos entre as outras ações. Cada dupla, além do
acompanhamento em sala de aula, também era responsável por planejar e oferecer
monitorias para as turmas que acompanhavam. Para as monitorias os bolsistas
elaboravam o plano de ensino e o submetia para orientação e análise dos professores
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coordenador de área e supervisor, além dos próprios colegas antes de serem realizadas.
Eram oferecidas em horários contrários aos das aulas pelo menos duas vezes por
semana, durante duas horas cada.
De forma específica, serão analisadas neste trabalho duas narrativas dos
bolsistas em termos de suas expectativas, dificuldades e experiência em relação às
atividades de monitorias.
3. Análise das narrativas
São trazidas aqui algumas das narrativas escritas pelos bolsistas PIBID, durante a
participação no projeto nas atividades de monitoria, buscando compreender e analisar a
experiência docente nesse âmbito. Para esta compreensão, foram estabelecidas algumas
categorias de forma a permitir, pelas partes que compõem a ação da monitoria, a
experiência como um todo.
Narrativa 1
Com alguns dias de antecedência, divulgamos nas salas de segundos colegiais que
seria ofertada monitoria de Física, com revisão de conteúdo, resolução de listas de
exercícios, textos e simulações. Tendo isso em mente, preparamos um plano de
aula. Após algumas modificações, o plano continhadois objetivos: Ensinar aos
alunos os conceitos de Calor e Temperatura. Os alunos pareciam empolgados com a
ideia, principalmente por muitos carregarem dependência de outros anos em Física.
De maneira geral, a maior reclamação fora por conta do horário, pois muitos alunos
trabalham outros fazem curso técnico e não poderiam frequentar. Alguns insistiram
bastante para que a monitoria fosse ofertada outro período, ou até aos fins de
semana. Isso, a priori, foi bastante animador. Pois bem, a monitoria fora marcada:
Terça feira dia 5 de maio, sala de informática da escola, das 14h às 16h. Para meu
alívio e frustração apenas um aluno compareceu. Alívio, pois eu estava realmente
nervosa. Sentindo-me insegura e despreparada. Frustração por esperar maior
interesse da parte dos alunos pelo que estávamos oferecendo. Mas antes da
monitoria, devo relatar a confecção do plano. Ainda é complicado para eu redigir um
plano de aula, pois gasto muito tempo no mesmo e acho que nunca está realmente
bom. Espero que com a prática isto melhore. Enquanto faço o plano, imagino-me na
sala de aula. Iniciando com um diálogo, perguntas, respostas. Os alunos sendo
capazes de identif icar, solucionar problemas entre outras expectativas. Às vezes
sinto que espero demais, mas ao mesmo tempo vejo que não faz sentido eu me
conformar com a situação, aceitar o fracasso principalmente estando na condição de
iniciante à docência. Mas é difícil manter-se otimista quando tudo cai por terra logo
nos primeiros minutos. A mera tentativa de iniciar um diálogo e ver o quanto a
maioria dos alunos estão completamente alheios a sua presença. Tento então ser
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mais racional, acabo cortando mais da metade do que havia planejado para tentar
obter sucesso, e com sucesso quero dizer que seja de fato concluído o que fora
planejado, e que grande parte dos alunos possa aprender. Iniciamos a monitoria às
14h. Havia um aluno. Fiquei contente com a presença dele.No início, eu estava
bastante tímida e insegura, então meu colega acabou assumindo a monitoria nos
primeiros minutos. Pediu ao aluno que respondesse um questionário no computador.
Depois iniciamos a leitura do texto selecionado. Dividimos. Cada um leria uma parte.
A cada parágrafo que líamos, pausávamos e perguntávamos se ele estava
entendendo. Ele dizia que sim. Contudo, chegada sua vez de ler ele apresentou
dificuldades na leitura, e ao pedirmos para que ele explicasse o que havia acabado
de ler, percebemos ainda maior dificuldade de interpretação. Lemos novamente,
explicamos. Recorremos à lousa, trouxemos exemplos mais táteis para que ele
pudesse tentar compreender o que estávamos querendo dizer. Ainda assim, não
obtivemos sucesso. Recorri à internet. Procurei vídeos que pudessem explicar de
forma mais clara, ou animações. Ainda assim, quando o indagávamos ele não
conseguia responder. Pedimos para que ele respondesse o questionário novamente.
Deixamos que ele consultasse o texto e mesmo assim ele não conseguia responder.
Então notei que além de tudo, ele t inha dif iculdade na escrita e em expressar-se. Às
vezes, enquanto eu estava explicando algo, ele completava minhas frases, então,
agora, após refletir muito sobre o assunto, penso que ele possa ter tido uma
evolução sim, mas a carência de outras habilidades, como a leitura, a interpretação
e a escrita, pode ter mascarado isso, fazendo que passada às duas horas, ao
finalizarmos a monitoria, ficamos com aquele sentimento de fracasso. Indagando-
nos do que teríamos feito de errado, e como sempre, terceirizar a culpa acaba
diminuindo o fardo, e acabamos por atribuirás dif iculdades do garoto a alguma
patologia cognitiva. Agora, com mais clareza posso perceber que houve evolução e
que é mais fácil às vezes culpar alguém do que voltar para o próprio método,
analisá-lo, perceber se houve falhas e principalmente, repará-las. Desta forma,
acredito que uma parte falha tenha sido a escolha do texto, ou até mesmo a maneira
como fora efetuada a leitura. Por mais simples que parecia, eu sei que havia
palavras que talvez o aluno não conhecesse, e acredito que seja impossível alguém
imaginar ou explicar algo se ela não consegue entender por inteiro o que tal texto
diz. Deste modo, me atentarei mais na escolha dos futuros textos, e se for preciso,
pausar a leitura ainda mais e explicar minuciosamente o signif icado de palavras que
possam ser desconhecidas pelos alunos. Por fim, o que ficou desta experiência,
pode ser óbvio, mas difícil de aceitar é que o ensinar física está além de apenas
ensinar física. Devo identificar a dificuldade do meu aluno, e infelizmente dar o
suporte que ele necessita. Seja ajudá-lo com a leitura, a escrita, a interpretação, a
matemática. Aspectos que não são da minha competência, mas se desejo de fato
que ele aprenda, devo assumir essa responsabilidade. Talvez seja demais, mas
extremamente necessário para poder sair da sala de aula em paz. (Bolsista 1)
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Para análise e compreensão da narrativa do Bolsista 1, a mesma foi lida em
termos das categorias: Monitoria, Planejamento de Aula, Estrutura, Monitor, Aluno,
Sentimentos do Monitor e Responsabilização. Na categoria Monitoria, por meio da
narrativa é visto que o futuro docente se arma de todos os materiais de apoio para tentar
a atenção e atração do aluno: revisão de conteúdo, resolução de listas de exercícios,
leitura de textos e simulações. Na categoria Plano de Aula o futuro docente se impõe dois
objetivos básicos: ensinar o conceito de calor e o conceito de temperatura. Na categoria
Estrutura é possível verificar as dificuldades encontradas, como o horário da monitoria,
que causam desistências principalmente dos alunos que tem dependência na disciplina
por trabalharem ou por fazerem curso técnico no horário da mesma. Na categoria
Monitor, o futuro docente, por ter muitas expectativas sobre a sua atuação e dos alunos
acaba aumentando sobre si o nervosismo e a insegurança. Na categoria Aluno, são
apontados problemas de leitura, interpretação e incapacidade de relacionar e
compreender conteúdos, o que contribui de forma quase que exclusiva para a categoria
Sentimentos do Monitor, na qual, o mesmo se depara com expectativas não
correspondidas, sentimento de fracasso e o processo de assumir, dividir ou terceirizar
culpa. E finalmente, na última categoria, Responsabilização, o futuro docente assume a
culpa e elege como erros principais: escolha do texto, forma de leitura e sentimento de
obrigação de assumir o ensino de outras competências como a matemática e a leitura.
Essa narrativa, e por consequente as categorias, evidenciam ou demonstram
processos citados por Hosoume, Kawamura e Menezes (1994, p. 01):
Visto assim, o objetivo de cada curso é o conhecimento da disciplina deque trata e, para tanto, lança-se mão geralmente de localizações deobjetos ou de situações. (...) para maior brevidade de idealizações esimplificações são previamente selecionadas e não são desenvolvidasjuntamente com os alunos.
Vendo como “curso” a própria monitoria, o “conhecimento da disciplina” o de
Física e “objetos ou de situações” os processos contidos no Plano de Aula, especula-se
que uma das possibilidades do futuro docente não ter conseguido concluir seu plano de
aula poderia ser por justamente não tê-lo desenvolvido junto aos alunos. Ouvi-los, ou
consultá-los, poderia evidenciar suas principais dificuldades. No papel de futuro docente,
entende-se também que isso seria complicado, geralmente pelo aluno não ter
consciência de suas dificuldades e, ou, pelo futuro docente sempre se sentir obrigado a
preencher a lacuna deixada pelo professor titular da disciplina ou pelo plano de ensino da
escola. O que pode levar aos iniciantes a docência, a se armarem com todos os materiais
de apoio possíveis. O que geralmente, e infelizmente, por maior que seja a boa intenção,
400
pode acabar atropelando o aluno pelo excesso de ferramentas de apoio. Hosoume,
Kawamura e Menezes também apontam que:
[...] ao se omitir ou ao deixar de ensinar o próprio processo de produçãoda abstração, essencial à ciência. [...] Quando se percebe esseinsucesso no aprendizado, a busca subsequente é a de reformularem osmeios do ensino. (1994, p. 01).
Esta citação traduz a categoria Problema do Aluno e Responsabilização. Ao
perceber as dificuldades do aluno o primeiro passo do docente é assumir a culpa, ou
dividi-la ou terceirizá-la. No caso da narrativa, sente-se que o futuro docente assume a
culpa, levantando possibilidades de assumir competências que não são de sua
obrigação. Para, segundo ele, “poder sair da sala de aula em paz”. Para os futuros
docentes é necessário refletir até onde vai à aceitação da licitude de não conseguir
ensinar. Nas próprias categorizações é possível perceber muito dos acontecimentos além
do controle do docente. Perguntamos-nos se, com essa nova preocupação de se
responsabilizar por outras competências, o futuro docente não estaria colocando em
perigo sua saúde mental, extrapolando a própria capacidade e tencionando sua saúde
emocional. Pois, se o futuro docente está se dedicando além de sua competência na
intensão de sair da sala de aula em paz consigo mesmo, com o sentimento de dever
cumprido, qual será a sua reação, caso mesmo com toda essa dedicação, ele não tiver
essa sensação? Na verdade, por uma necessidade de corporativismo e de simpatia com
o caso vivido, ou até mesmo por ainda vivê-lo, a pergunta pode ser reescrita da seguinte
forma: se EU como futuro docente estou ME dedicando além de MINHA competência na
intensão de sair da sala de aula em paz COMIGO mesmo, com o sentimento de dever
cumprido, qual será a MINHA reação caso mesmo com toda essa dedicação EU não tiver
essa sensação?
Narrativa 2
Para iniciar os trabalhos de monitoria, divulguei a data e horário na quarta e quinta
feira, três dias antes da monitoria. Passei na sala deles, pedi autorização para o
professor que estava trabalhando no momento, e divulguei tanto data quanto o que
seria feito nessa monitoria. Chegado o dia, f iquei com medo de não vir nenhum
aluno, o que talvez não seria nenhuma surpresa, mas o contrário ocorreu, três
alunos os quais não eram os que mais demonstravam interesse nas aulas
compareceram a monitoria. O planejamento para esta aula já estava feito a um bom
tempo, porém como havia várias listas a serem resolvidas e eles estavam com
dúvidas de como foi a prova, resolvi aplicar o planejado junto com resolução de
exercícios. A monitoria foi basicamente sobre a lei de Coulomb, ao final desta
narrativa anexarei o planejamento que foi executado. Os três presentes se
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mostraram atentos e até mesmo interessados tanto no lado físico como também se
mostraram interessados em aprender as ferramentas matemáticas a quais eles
possuíam (possuem) muitas dificuldades. Debati a teoria com eles e fui
buscando montar a lei de Coulomb tentando usar as mesmas analogias feitas pelo
Batatais, porém dei muita ênfase a física e busquei fazer tudo com mais calma.
Surpreendentemente chegamos juntos a informação de que a intensidade da força
elétrica tem que ser proporcional à distância dos corpos de interação. Foi um
momento muito especial pois sei que não é fácil para muitos alunos chegarem a esta
conclusão. Segui em um ritmo lento e pausado até chegar na lei de Coulomb, não
senti forte aceitação pela equação, mas ao menos vi que os alunos prestavam
atenção e as vezes até faziam perguntas. Na segunda parte da monitoria, dediquei a
exercícios da lista e um da prova que eles fizeram dias atrás. Nessa parte f ica obvia
a dificuldade com a matemática. Sendo assim a aula foi mais de como usar a
matemática do que como interpretar a física. Mas não fico frustrado pois sei que
entender um pouco da matemática já é um bom passo para tentar compreender a
física e os futuros problemas que irão surgir. Ao final da monitoria, os alunos me
agradeceram, disseram que gostaram e me perguntaram se sempre teria. Diante da
minha resposta afirmativa, se mostraram animados e prometeram comparecer
sempre que possível. Essas falas são sempre muito gratificantes para mim. Abaixo
segue a aula planejada. (Bolsista 2)
Para a narrativa do Bolsista 2 foram feitas as seguintes categorias para auxiliar na
compreensão da experiência vivenciada pelo mesmo na monitoria: Processo,
Sentimentos, Problema do Aluno, Plano de Aula, Espelhamento, Responsabilização e
Sentimento. Na categoria Processo foram utilizados os meios disponíveis para
comunicação sobre a realização da monitoria: definição de data, de hora e a divulgação
em sala em sala. Divulgação de monitoria na escola pública pode se tornar um trabalho
político que exige corpo a corpo. Podendo se tornar, infelizmente, um processo de
convencimento ao invés de conscientização sobre a mesma, pois, geralmente lhe falta,
ao aluno, consciência da importância da monitoria para a sua escolarização. Na categoria
Sentimento e, talvez, um coletivo de todos outros, é o medo. É implícito que o medo
carrega as mesmas angústias da primeira narrativa. O medo traz o temor do fracasso, da
possibilidade de não dominar o conteúdo tão bem quanto supõe que deveria, do
nervosismo, da insegurança, da expectativa não correspondida. Na categoria Problema
do Aluno, antevendo dificuldades, o futuro docente já se prepara para passar o conteúdo
em ritmo lento e pausado, o que é possível aumentar, consideravelmente, o
entendimento da matemática por parte do aluno. Na categoria Plano de Aula uma
estratégia simples: resolução de exercícios. Considerando que são apenas duas horas de
monitoria acredita-se que esta seja a melhor estratégia. A resolução de exercícios pode
402
sanar as lacunas deixadas pelo professor titular da disciplina, ao mesmo tempo, em que
o aluno se sente mais confiante para perguntar e enunciar dúvidas, o que permite ao
futuro docente entrar de forma convidativa aos enunciados e teorias da Física. É possível
dizer que, neste processo, o aluno convida o professor a ensinar, da mesma forma que o
professor convida o aluno a aprender. Em monitoria o processo de ensino e
aprendizagem pode começar principalmente por meio do convite do aluno ao professor,
podendo caracterizar principalmente um processo de confiança. Na categoria
Espelhamento, e esta não estava na narrativa anterior, evidencia-se a sensibilidade de
repetir as analogias e exemplos usados pelo professor titular da disciplina. Uma decisão
simples que pode contribuir para o aluno não configurar o pensamento de professores
distintos, matérias distintas. Um exemplo que geralmente é visto na prática do ensino de
Física é o caso em que o aluno não reconhece a matemática usada na disciplina de
Física sendo a mesma usada na disciplina de Matemática. Na categoria
Responsabilização, o futuro docente tem que passar de maneira tangível o uso da
matemática nos exercícios de Física, sendo muitas vezes, obrigado a sacrificar a teoria
física devido à temporalidade de execução da monitoria. E na categoria Sentimento, a
surpresa, o momento em que o medo é superado, o plano de aula se mostra efetivo, e o
aluno se enuncia satisfeito e o futuro docente se percebe em paz. Este, o pequeno
momento em que a expectativa não se mostra quebrada, no texto de Hosoume,
Kawamura e Menezes, é visto na seguinte passagem:
A ”simplificação” do objeto, o abstrair de muitas das suas propriedadespara que fiquemos com as “variáveis relevantes do processo” é parteessencial do procedimento científico. Saber conduzir este exercício deabstração deve ser parte integrante da formação científica. Desde cedo,o aluno deveria se dar conta do humor implícito em “um ponto materialazul [...]”. (1994, p.06).
A preocupação do futuro docente, evidentemente não ilícita, com a explicação
dos exercícios e com ensino minucioso dos processos matemáticos, lhe tira a
possibilidade, por exemplo, de exercitar a condução do aluno ao processo de abstração
como citado no texto. Pois, em ambiente de monitoria, o futuro docente pode se deparar
pensando sobre qual meio utilizar para se chegar a determinado fim. E este fim seria a
aprendizagem do aluno. Mas seria egoísmo da parte do futuro docente, ou até ilícito, o
mesmo se preocupar primeiramente em exercitar diferentes caminhos para melhor se
formar ao invés de não focar na preocupação de acertar com o aluno?
Até que ponto a preocupação com suas diferentes funções, assumindo a
responsabilidade, às vezes, de dar conta de competências que vão além das suas, pode
estar contribuindo para a alienação do processo de ensino do que propriamente para o
aprendizado do aluno? Mas como perceber, ou aprender, a distinguir uma ou outra?
403
Acerca disso torna-se pertinente aqui trazer o que Contreras (2002) escreveu em
seu texto intitulado “A Autonomia de Professores” sobre as três características básicas
que fazem os operários se especializarem em etapas cada vez mais reduzidas da cadeia
produtiva, fazendo-os perder a perspectiva de conjunto: a) a separação entre concepção
e execução; b) a desqualificação; c) a perda de controle sobre o próprio trabalho. Nesse
sentido, ao voltar para a compreensão da experiência de monitoria do bolsista 2, no item
a, a construção do Plano de Aula, o futuro docente se equivale à concepção, porém, no
momento de executá-lo se vê obrigado a abandoná-lo quase que imperceptivelmente
devido à visão comum que tem de se ver obrigado a desempenhar outras competências
(CONTRERAS, 2002). Com isso o futuro docente possivelmente, de forma inconsciente,
pode intensificar um processo no qual ele passa a ser um “executador” de tarefas.
Processo em que ele é obrigado a sanar dificuldades alheias a sua disciplina, mas não do
seu trabalho. No item b, a desqualificação, faz o futuro docente perder conhecimentos,
habilidades, compreensão e ação sobre sua própria competência, já que diariamente, ele
está empregando esforços para sanar conteúdos de outras disciplinas não aprendidos
por seus alunos (CONTRERAS, 2002). Esse desafio imposto pelo meio, tira do futuro
docente, a possibilidade de desenvolver o seu “agir docente”, ou “saber docente”, de
forma organizada e estruturada. No item c, a perda de controle sobre o próprio trabalho,
acontece quando se fica submetido ao controle e as decisões de outros, perdendo a
capacidade de resistência (CONTRERAS, 2002). Assim ocorre com o futuro docente,
quando em uma monitoria, ele fica obrigado, para conseguir concluir o seu Plano de Aula
em duas horas, recorrer aos mesmos exercícios utilizados pelo professor e os mesmos
exemplos. Com isso, o futuro docente, perde a possibilidade de desenvolver seus
próprios métodos de ensino e o seu próprio glossário de exemplos.
Em uma formação acadêmica em que reconhecemos e apontamos a
semiformação diariamente, somos postos entre a cruz e a espada para reflexão do que
devemos ser, o que queremos ser e o que esperam que sejamos. O que devemos ser é o
momento em que o futuro docente compreende que ensinar o aluno é o mais importante
mesmo que isso peça que ele ensine outras competências em detrimento da sua. O que
queremos ser está relacionado com a expectativa pessoal e o tipo de professor que o
futuro docente se imagina sendo ao ensinar Física com a atenção, a simpatia e a
aplicação de todos os alunos. E o que devemos ser é o que o sistema espera de nós, ou
nos obriga a ser, submissos, com a sua remuneração e estrutura precária e métodos de
avaliação desarticulados com a realidade. E com isso, inevitavelmente, ocorre a
proletarização do professor. E por consequência, por esse caminho, está o futuro
docente, que por meio de uma experiência como a da monitoria pode se perguntar o
quanto está contribuindo para a proletarização da profissão docente.
404
4. Algumas considerações
Por meio da análise das narrativas foi possível verificar que, o futuro professor em
contato com a experiência de ministrar aulas de Física por meio da atividade de
monitoria, pode se deparar com alunos com dificuldades não só do conteúdo de Física,
mas também de outras áreas como matemática e língua portuguesa, e se questionar
sobre o que fazer diante dessa realidade. Realidade esta que o solicita a trabalhar
lacunas de aprendizagem que o aluno acumulou ao longo da sua jornada escolar para
não se sentir desmotivado diante das suas próprias expectativas docentes. Esta situação
pode acabar fazendo com que este futuro professor entenda como comum a prática de
ensinar outras competências no lugar da sua. Um futuro professor que assuma na sua
identidade profissional se responsabilizar por competências de outros pode cair no
processo de proletarização da sua disciplina e também das outras? Segundo Contreras
(2002), este é o momento no qual o futuro professor executará processos fazendo-o
perder o “controle e o sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, à perda de autonomia”.
Podemos dizer então, que o valor do conhecimento dos fenômenos Físicos pode estar se
perdendo por causa do Processo de Proletarização? Nesse sentido, a monitoria vêm se
mostrando como um espaço frutífero para olhar o processo de iniciação a docência, pois
permite ao futuro professor o contato com profissão docente de forma estreita e real. Ao
mesmo tempo, também torna-se local de reflexão sobre o processo de constituição da
identidade profissional docente por contemplar aspectos subjetivos que exigem reflexões
de sua realidade, e de como ele vê o exercício da profissão. Essas questões e esse
universo são importantes de serem trabalhados no seu processo de formação, já na
universidade, e o programa PIBID tem oportunizado esse momento, juntamente com a
escrita de narrativas e posterior análise.
Referências
CONTRERAS, J. A autonomia de professores. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. 296 p.
FREITAS, M. T.; FIORENTINI, D. As possibilidades formativas e investigativas danarrativa em educação matemática. Horizontes, v. 25, n. 1, p. 63-71, ja./jun. 2007.
HOSOUME, Y.; MENEZES, L. C.; KAWAMURA, M. R. D. Objetos e objetivos noaprendizado de física. In: IV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física, 1994,Florianópolis. Anais... 1994. p. 16-18.
LABURÚ, C. E.; BARROS, M. A.; KANBACH, B. G. A relação com o saber profissional doprofessor de física e o fracasso da implementação de atividades experimentais no Ensinomédio. Investigações em Ensino de Ciências, v. 12, n. 3, p. 305-320, 2007.