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8010 CONCEPÇÕES DE DOCÊNCIA DE ESTÁGIÁRIOS DE PEDAGOGIA, A PARTIR DA CONSTRUÇÃO DE FANZINES Késsia Mileny de Paulo MOURA José Edilmar de SOUSA Universidade Federal do Maranhão Eixo 01: Formação inicial de professores de educação básica [email protected] 1. Introdução Os estágios curriculares obrigatórios são pensados hoje, como possibilidades dos futuros professores desenvolverem uma consciência crítica da profissão, ou seja, que a dimensão da profissão possa ser assumida por esses estudantes, já no seu processo formativo. Nessa perspectiva, o aluno pode construir uma compreensão da atividade docente, que exige uma reflexão sobre o fazer docente, uma contextualização do tempo e espaço de atuação e, principalmente, um compromisso de mudança, pois como destaca Freire (1992), o ensino é uma atividade especificamente humana, uma forma de intervenção no mundo, que retira a docência do campo da neutralidade ou tendência vocacional. É importante destacar ainda que o ensinar implica fazer aprender algo a alguém. Dessa forma, insere-se aqui a relação sujeito-objeto da ação. Além dessa clareza quanto à relação, é necessário ressaltar que as intervenções dos sujeitos não são dotadas de passividade. Nesse exercício do fazer aprender, a intervenção do professor visa influir sobre o desenvolvimento de alguém, que modifica e é modificado pelo objeto. Há um movimento dialético, um processo de negociação entre os sujeitos. Essa compreensão da atividade docente torna-se importante, nos processos formativos dos futuros professores. Afinal, remete a aprendizagem do conhecimento profissional, requisito para uma atuação docente significativa. Com o intuito de problematizar as nuances que envolvem a docência, no Estágio em Educação Infantil e Anos Iniciais, lançamos como atividade aos alunos do nono período de pedagogia, a oficina de construção de fanzines, que fundamentasse ou elucidasse as concepções de docência dos estagiários.

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CONCEPÇÕES DE DOCÊNCIA DE ESTÁGIÁRIOS DE PEDAGOGIA, A PARTIR DA

CONSTRUÇÃO DE FANZINES

Késsia Mileny de Paulo MOURA José Edilmar de SOUSA

Universidade Federal do Maranhão Eixo 01: Formação inicial de professores de educação básica

[email protected]

1. Introdução

Os estágios curriculares obrigatórios são pensados hoje, como possibilidades dos

futuros professores desenvolverem uma consciência crítica da profissão, ou seja, que a

dimensão da profissão possa ser assumida por esses estudantes, já no seu processo

formativo.

Nessa perspectiva, o aluno pode construir uma compreensão da atividade

docente, que exige uma reflexão sobre o fazer docente, uma contextualização do tempo

e espaço de atuação e, principalmente, um compromisso de mudança, pois como

destaca Freire (1992), o ensino é uma atividade especificamente humana, uma forma de

intervenção no mundo, que retira a docência do campo da neutralidade ou tendência

vocacional.

É importante destacar ainda que o ensinar implica fazer aprender algo a alguém.

Dessa forma, insere-se aqui a relação sujeito-objeto da ação. Além dessa clareza quanto

à relação, é necessário ressaltar que as intervenções dos sujeitos não são dotadas de

passividade. Nesse exercício do fazer aprender, a intervenção do professor visa influir

sobre o desenvolvimento de alguém, que modifica e é modificado pelo objeto. Há um

movimento dialético, um processo de negociação entre os sujeitos.

Essa compreensão da atividade docente torna-se importante, nos processos

formativos dos futuros professores. Afinal, remete a aprendizagem do conhecimento

profissional, requisito para uma atuação docente significativa.

Com o intuito de problematizar as nuances que envolvem a docência, no Estágio

em Educação Infantil e Anos Iniciais, lançamos como atividade aos alunos do nono

período de pedagogia, a oficina de construção de fanzines, que fundamentasse ou

elucidasse as concepções de docência dos estagiários.

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Diante dessa proposta, este texto tem como objetivo apresentar as concepções de

docência da turma do nono período de pedagogia, do segundo semestre de 2015, a partir

da oficina de fanzines, na ocasião do cumprimento do estágio obrigatório. Os dados que

serão apresentados são resultados das construções e reflexões dos alunos, durante a

oficina. Para fundamentar nossa atividade, nos reportamos em autores como Tardif

(2012)(2007), Freire (1992)(2007), Pimenta(2010), dentre outros autores.

2. Aprendizagem da docência: que movimento é este?

Discutir a docência é tarefa que envolve a consideração de várias nuances que o

exercício da profissão suscita. Nuances que vão desde as tendências que foram

elencadas a profissão ao longo dos anos e circunstancias, ou seja, as especificidades

que constituem a docência, como também a consideração das conjunturas em que a

profissão é pensada e exercida, em termos de investimentos, formação, infraestrutura,

salários, condições de trabalho em geral.

Ao pensar nas tendências, é necessário destacar que as mudanças que se

produziram no seio das sociedades, influenciaram e influenciam na maneira como a

docência era exercida. Nas sociedades mais tradicionais, a profissão tinha objetivos mais

específicos, transmitir as novas gerações os valores e conhecimentos acumulados pelos

mais antigos. À medida que as sociedades vão se complexificando, a docência ganha

novas problematizações, e seu exercício passa a se constituir por fios interconectados,

que conduzem a respostas por vezes diferentes, mas que tem a mesma base, a

formação de novas gerações de sujeitos, na escola, espaço determinado pela sociedade

para que essa função aconteça.

Esses aspectos formatam a profissionalidade docente, que no dizer de Passos

(2002, p.01):

É um conceito em constante elaboração, cuja compreensão deve ser situada num determinado contexto sócio-histórico. Professores e professoras são os responsáveis pelos processos instituicionalizados de educação, ainda que muitos outros agentes educacionais nele interfiram. A atividade dos(as) professores(as) diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem que ocorre nas instituições de ensino. A função docente, suas características, a forma de desempenha-la, a importância a ela atribuída e as exigências feitas em relação à profissão variam de acordo com as diferentes concepções e valores atribuídos à educação e ao processo de ensino-aprendizagem nos diferentes tempos e espaços.

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Essas características dão pistas da complexidade da docência e revelam que as

práticas podem ser diferentes, baseados em conhecimentos, técnicas e destrezas que o

professor acumula ao longo de sua trajetória pessoal e profissional. Para Tardif (2014,

p.61), esse acúmulo é fruto dos saberes que podem se diferenciar e se amalgamar na

identidade que o professor vai construindo para sua carreira, “parecem ser, portanto,

plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem a tona, no próprio exercício de trabalho,

conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados e

provenientes de fontes variadas.”

Ainda em Tardif (2014), encontramos uma classificação dos diversos saberes dos

professores, sendo: saberes experienciais, oriundos do processo de socialização, das

vivencias pessoais e profissionais desse trabalhador; saberes disciplinares, que refere-se

aos adquiridos na formação para o magistério; saberes curriculares, que diz respeito aos

que são provenientes dos programas de ensino e, os saberes profissionais, que

sintetizam os demais e se efetivam no exercício profissional.

Esses saberes são utilizados pelos docentes, servindo de base para o ensino, que

não se resume a aplicação de racionalidade técnica, visto que a docência é

compreendida como uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu objeto de

trabalho, que é justamente o outro ser humano, consequentemente, uma profissão que

ocorre por meio das interações humanas.

A docência não pode abstrair-se dessa interação. O professor então é mediador

de um processo que transforma e é transformado pelo outro sujeito da relação. De

acordo com Roldão (2007) apud Silvestre(2011, p.184), saber fazer esta mediação:

Não é um dom, embora alguns o tenham; não é uma técnica, embora requeira uma excelente operacionalização técnico-estratégica; não é uma vocação, embora alguns a possam sentir. É ser um profissional de ensino, legitimado por um conhecimento específico exigente e complexo.

Num projeto formativo em que se pretenda formar professores críticos, reflexivos

e capazes de pensar e reinventar a própria prática, surge a necessidade de romper com

visões que reduzam a formação à mera aquisição de técnicas a serem aplicadas aos

contextos de ensino e aprendizagem. Embora essa dimensão do processo seja

importante, compreendemos que o processo de ensino e aprendizagem é complexo que

envolve múltiplos fatores. De acordo com Passos (2002, p. 01):

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O ensino é uma prática social concreta, dinâmica, multidimensional, interativa, sempre inédita e imprevisível. É um processo que sofre influências de aspectos econômicos, psicológicos, técnicos, culturais, éticos, políticos, institucionais, afetivos, estéticos.

O nosso pressuposto é o de que a aprendizagem da docência é um processo

dinâmico porque envolve movimentos diversos de produção de saberes, antes da

formação inicial e na atuação docente. Ao mesmo tempo, trata-se de um processo

dialético porque envolve diferentes sujeitos e concepções, num “jogo” de formas de

compreensão dos processos formativos.

A partir desse pressuposto, em nossa atuação no âmbito do Curso de Pedagogia,

com especial foco no Estágio Curricular em Docência, temos procurado refletir junto com

os formandos, sobre a dinamicidade da formação e da atuação docente, aspirando a que

os futuros professores desenvolvam uma postura criativa, reflexiva e indagadora acerca

dos processos de ensino e aprendizagem.

Ao mesmo tempo, compreendemos que estamos inseridos nesse contexto como

formadores e como professores em formação, pois como afirma Freire (2007, p.23): “É

preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais

claro que, embora diferentes entre si, quem forma se re-forma ao formar e quem é

formado forma-se e forma ao ser formado”

Nesse processo de formar e ir sendo formado, temos procurado desenvolver

estratégias metodológicas, em que os estudantes de Pedagogia possam refletir

criticamente sobre a realidade educacional, onde o estágio curricular funciona como um

lócus de articulação teoria-prática e do desenvolvimento de atitudes investigativas sobre

a ação docente.

No desenvolvimento de tais estratégias, temos encontrado dentre os diferentes

recursos para a promoção do debate e reflexão, a produção de fanzines somados às

leituras, exibição de filmes, seminários e produções textuais, que têm se constituído

como recursos metodológicos profícuos. No presente trabalho focalizamos a produção de

fanzines, como recurso que possibilita ao mesmo tempo o diagnóstico das concepções e

a promoção do debate sobre a docência.

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3. Pistas sobre as concepções de docência, na utilização de fanzines como

recurso metodológico

Fanzine é uma produção livre e independente a partir de bricolagens, pinturas em

que o seu autor expõe de forma livre suas impressões, sentimentos em relação a

determinados temas. O termo tem origem na aglutinação de duas palavras inglesas

fanatic e magazine, que se tomou a primeira e a última sílaba dessas palavras,

respectivamente. Traduzindo o vocábulo magazine, por revista em português e a primeira

sílaba de fanatic por fã, tem-se dessa forma fanzine podendo ser traduzida como revista

do fã.

Segundo Fernandes (2013), o fanzine se insere no campo da comunicação

alternativa, campo emergente no âmbito dos estudos na área da comunicação. Segundo

o autor, a história dos fanzines remete ao ano de 1920, no entanto, de acordo com o

autor, o termo foi cunhado nos Estados Unidos por volta dos anos 40. No Brasil, o

contexto de censura à imprensa imposta pela ditadura militar favoreceu a utilização dos

fanzines como imprensa alternativa, em que servia de resistência contra hegemônica,

aos impositivos da época após o golpe militar.

Franco (2014) desenvolveu um estudo, em que focaliza a utilização dos fanzines

como recurso para o ensino de Geografia, bem como para a investigação dos repertórios

e representações sociais, que os sujeitos constroem cotidianamente em torno dos

conceitos abordados pela ciência geográfica.

Para Nascimento (2010), mais que recortar papéis, fazer pinturas e bricolagens e

depois reproduzir em papel xerocado, fazer fanzines é além de um instrumento de

comunicação informal, uma possibilidade de produção de saberes e expressá-los de um

modo livre e independente. Mais que um modo de comunicação alternativa, o fanzine

possibilita também ultrapassar as paredes institucionais da escola e da sala de aula.

Nessa perspectiva, temos adotado a oficina de fanzines como um espaço

privilegiado para a reflexão sobre a realidade educacional e suas problemáticas, bem

como a articulação de saberes, leituras envoltas da formação docente, a partir do estágio

curricular. Lembrando que essas oficinas se desenvolveram ao longo de três semanas,

sendo construída por etapas, a primeira de fundamentação sobre a docência; em seguida

a divisão dos grupos das oficinas; por último a construção e apresentação dos resultados.

Apresentamos a seguir algumas imagens dos fanzines, resultantes da oficina realizada

no semestre 2015.2, dos quais dividimos por eixos temáticos.

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A função social e a formação para o futuro

Fonte: oficina de Fanzine

A consciencia da não neutralidade

Fonte: Oficina de Fanzine

Nesses primeiros registros, os alunos destacam o compromisso social que a

docência exerce, frente as gerações futuras. Essa preocupação é pertinente, pois o

exercício da docência se legitima nessa tarefa de formar os sujeitos, sobretudo na

capacidade de atuar de forma consciente e capaz de transformar a realidade. Freire

(2007, p. 81), nos lembra de que, “a despolitização do futuro numa compreensão

mecanicista da história, leva necessariamente à morte ou a negação autoritária do sonho,

da utopia, da esperança.”

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A natureza da profissão docente

Fonte: Oficina de Fanzine

Os alunos

Fonte: Oficina de Fanzine

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Profissão de interações

Fonte: Oficina de Fanzine

Fonte: Oficina de Fanzine

Nesses esboços acima, introduziram a questão do objeto de trabalho da docência,

que parte das interações humanas. Tardif(2007, p. 31) destaca que ensinar é trabalhar

com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos. Esta impregnação do

trabalho pelo objeto humano é a própria natureza desse objeto, como fundamentamos

acima.

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Os saberes e a experiência

Fonte: Oficina de Fanzine

Fonte: Oficina de Fanzine

Fonte: Oficina de Fanzine

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Os saberes docentes, como sabemos, são saberes oriundos de diversas fontes e

dão forma a profissionalidade construída pelos docentes. Acrescenta Tardif (2002) apud

Carmensita (2004, s/p), “os saberes docentes mobilizam diversas fontes de diferentes

espaços e tempos, sempre aberto e inacabado, continuamente reconstruído a partir de

novos conhecimentos, novas experiências e novas necessidades.”

4. Conclusão

As reflexões dos estagiários sobre docência, a partir da oficina de fanzine parece-

nos conduzirem a compreensões bem elaboradas sobre as nuances que envolve a

profissão docente e a construção da profissionalidade. Destacaram a especificidade da

docência, a função social que a profissão assume e ainda referenciam os saberes na

constituição da profissão.

A oficina de fanzine proporcionou uma atividade integradora, de construção

coletiva sobre as concepções de docência. As reflexões trazidas foram produzidas de

forma prazerosa e fundamentaram-se nos autores que trabalhamos durante o estágio.

As avaliações do trabalho desenvolvido permitem destacar que, inúmeros foram

os elementos problematizados pelos estagiários, que demonstraram capazes de olhar

para a profissão, para os alunos, para a escola e para a função assumida pela escola, de

forma critica e reflexiva.

Referenciais Bibliográficas

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construção de conhecimento. Porto Alegre: Dissertaçao de Mestrado em Geografia – UFRGS, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.

São Paulo: Paz e Terra, 2007, 36ª edição.

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______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo:

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(Coleção docência e formação. Séries saberes pedagógicos) SILVESTRE, M.A. Sentidos e significados dos estágios curriculares obrigatórios: a fala do sujeito aprendente. In: GOMES, M.O. Estágios na formação de professores:

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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

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