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REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS SOB ENFOQUE CTS NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA
Rosangela Rodrigues de Oliveira - UFABCEixo 02: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da
Educação Bá[email protected]
INTRODUÇÃO
Ao longo de minha trajetória acadêmica, sempre questionei a forma como se
dá a educação científica e durante muito tempo imaginei como seria uma abordagem
diferente do tradicional, que levasse em consideração os aspectos sociais, políticos,
tecnológicos e ambientais que levaram a ciência ao status que ela tem hoje.
Durante minha formação, em contato com pesquisadores diversos e muita
bibliografia, meu interesse foi cada vez mais aguçado, muitos trabalhos realizados
com professores em exercício e com alunos de licenciatura apontam para uma
predominância de visões equivocadas e/ou simplistas de ciência, visões estas, que
enfatizam resultados e produtos e não a construção do conhecimento científico, que
utilizam a História das Ciências como ferramenta auxiliar nos conteúdos tradicionais e
não como instrumento de reflexão, que não fazem a ponte entre o conhecimento
científico e suas aplicações, influencias e efeitos sobre a sociedade, a tecnologia e o
ambiente.
Muito embora existam várias propostas historiográficas, didáticas, pedagógicas
e metodológicas diferentes que propõem a interação entre ciência e história da
ciência, inúmeros pesquisadores mostram que a história das ciências quando inserida
nos cursos de licenciatura em ciências, contribuem de maneira efetiva para um novo
olhar sobre ciência, apontando para uma visão de ciência historicamente produzida,
fruto da interação sociedade-tecnologia-ambiente (CTS). (MATTHEWS, 1995; FREIRE
JR., 2003 ANGOTTI E AUTH, 2001; BARRA, 1998; GIL-PEREZ, 1993; NASCIMENTO,
2004; PEDUZZI, 2001)
É notório os problemas enfrentados no ensino tradicional de ciências e em
especial ao ensino de química, muito se tem discutido no meio acadêmico sobre isto,
porém, apesar dos esforços, ainda prioriza-se um ensino conteudista, caracterizado
pela aquisição máxima de informações em detrimento da compreensão dos aspectos
da natureza da ciência e da dinâmica da atividade científica na sociedade, assim o
trabalho do professor limita-se a mera transmissão de conhecimentos e informações
imutáveis, considerando-se que para ser um bom professor basta dominar conteúdos
químicos específicos, porém, esta prática já não satisfaz mais um público com acesso
ilimitado a informações, que a Era tecnológica possibilita.
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Reconhecer que esta prática tradicional se tornou obsoleta é um desafio para o
professor deste século, faz-se necessário conhecer o processo dinâmico que
caracteriza a ciência, as informações que influenciam e constroem estes conceitos e
sua relação intrínseca com a sociedade, portanto focar na formação do professor é,
sem dúvida um caminho lógico e coerente para a educação cidadã.
A formação dos professores tem se mostrado uma preocupação constante nos
documentos oficiais brasileiros que impulsionam as políticas educacionais em seus
diversos níveis. Um exemplo disto é o Plano Nacional de Educação – PNE (2014-
2024), que traz em suas 20 metas, duas que tratam especificamente da formação
docente, além das novas orientações apresentadas nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM e as novas Diretrizes Curriculares para os
cursos de graduação, que discutem e apresentam uma necessidade urgente de
formação docente em ciências com maior teor humanístico, cultural, ambiental e
tecnológico.
A formação de um profissional capaz de compreender a ciência como fruto de
interações históricas e sociais podem fornecer subsídios importantes para o
surgimento de um professor reflexivo, capaz de promover ações efetivas para quebra
de paradigmas ainda tão presentes na educação científica brasileira. O diálogo entre
história das ciências e ensino de ciências deve ser bem mais que mera sobreposição
de temas, deve ser mais que pequenos boxes em livros didáticos e deve ser mais que
ilustração, este diálogo deve considerar as tendências historiográficas emergentes, as
relações CTS, bem como a relação destas com as diversas práticas pedagógicas
também emergentes, de forma a contribuir para a formação do professor da educação
básica do séc. XXI.
Assim sendo, a Universidade tem um papel decisivo nesta transformação,
através da reestruturação de suas grades curriculares nos cursos de licenciatura e em
parceria com a escola, por meio de cursos de formação continuada para professores
em exercício. Esta formação, como aponta Schnetzier (2002), deve estar centrada no
professor como agente ativo no processo de formação, refletindo sobre as propostas
de ensino e partindo para a reflexão-ação, numa troca constante de saberes entre a
pesquisa e a ação.
Este trabalho apresenta uma reflexão sobre a formação continuada de
professores de química em exercício, buscando verificar de que forma a História das
Ciências em uma perspectiva CTS pode contribuir para o desenvolvimento do pensar
sistêmico e reflexivo do professor de química, desembocando em ações efetivas para
educação transformadora.
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Por ser parte de uma pesquisa em andamento, o presente trabalho ainda está
em construção e, portanto, vale ressaltar que os conhecimentos discutidos até aqui,
não são dados como regras a serem seguidas cegamente, mas sim como uma
imersão em referenciais teóricos, que nos ajudará a compreender o universo de
possibilidades que a História das Ciências e o Movimento CTS nos apresentam.
HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
O ensino de ciências, em especial a área da química, atravessa uma crise de
proporções mundiais, na qual é notório o crescente desinteresse dos estudantes por
matérias científicas e a proliferação de visões equivocadas sobre a natureza deste
conhecimento. Paralelamente a este problema vive-se uma globalização onde os
efeitos da ciência e da tecnologia se fazem sentir de forma marcante e de onde surge
a emergência de uma alfabetização científica (Chassot, 2007).
Santos e Schnetzler, 2003 defendem que o ensino de química tem papel
fundamental na formação cidadã, uma vez que o desenvolvimento tecnológico tem
estreita relação com esta ciência. Freire, Jr (2002) destaca que os cursos de
licenciatura não preparam o futuro professor para enfrentar a dimensão tecnológica e
social em sala de aula.
Uma formação adequada que prepare o futuro professor para estas dimensões
é fundamental, porém, os poucos egressos das universidades públicas têm se
destinado aos bons colégios particulares e a grande maioria do professorado das
escolas estaduais e municipais está sendo formada em faculdades de baixo padrão
educacional, necessitando, quase que imediatamente após a sua imersão no mercado
de trabalho, de ser reciclada (Vianna, Costa e Almeida, 1988).
Com base nisto, podemos pensar em uma questão relevante que diz respeito à
eficiência dos cursos de formação. Será que estes cursos têm preparado bons
professores para nossas escolas? Ainda sobre este tema, podemos questionar a
qualidade dos cursos de formação continuada oferecidos aos professores das escolas
oficiais. Quem recebe e quem ministra esses mesmos cursos? Estes cursos
respondem aos anseios dos professores? Quem ministra tem clareza da importância
da formação de professores?
Ultimamente, muitos trabalhos têm tratado da importância da formação
continuada do professor, Chantraine-Demailly (1995), Perrenoud (2002), Falsarella
(2004), Carvalho et al (1999), Huberman (1992). Esses pesquisadores destacam em
suas obras a necessidade de responder aos anseios da sociedade do séc. XXI, que
necessita de um ensino de qualidade com práticas pedagógicas inovadoras que
preparem os alunos para o verdadeiro exercício da cidadania, apresentando
instrumentos que relacionem diferentes saberes. É neste sentido que entender a
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formação de professores torna-se fundamental, sendo assim os pesquisadores devem
se preocupar em diagnosticar, descrever ou construir caminhos que superem as
dificuldades apresentadas pelos sistemas de ensino ou mesmo pelos educadores em
geral.
Segundo Carvalho, et. al., 1999, formar professores é trabalhar numa situação
muito particular, na qual o conhecimento que se domina tem de ser constantemente
redimensionado, reelaborado, devido às mudanças que ocorrem na sociedade em que
se vive, consequência, em grande parte, dos avanços da ciência e da tecnologia,
tendo em vista que o processo de formação não cessa, envolvendo sempre novos
contingentes de professores. Assim deve-se ter clareza de que esta formação não
ocorre de forma linear, é na verdade um processo complexo e dialético, que favorece o
surgimento de formas de dominação e de resistência, provocando vários conflitos, que
devem ser superados tanto pelos professores formadores quanto pelos formandos
(ALBUQUERQUE, 2008).
Repensar a formação inicial e continuada de professores implica na busca
incessante de respostas aos desafios decorrentes das novas relações entre
sociedade, ciência, tecnologia e educação, uma vez que a escola do séc. XXI exige
profissionais preparados, que atendam às exigências dos avanços da ciência e
tecnologia, que redimensionem as articulações sociais entre os atores envolvidos,
sendo a escola a instituição responsável em preparar os profissionais que atuam
nessa sociedade (GIL, 1993). Desse modo, Victório Filho (2002) afirma que:
A prática docente transformadora seria, então, um conjunto de açõesque deveria se desenvolver a partir do reconhecimento daimportância de elementos e informações tradicionalmentedesconsiderados no estudo das questões da educação, entre esses,estão os indispensáveis indícios que emergem constantemente nocotidiano.
Gil e Carvalho, 1992, defendem que para sermos coerentes com nossa visão
construtivista de ensino, temos, igualmente que sermos construtivistas também com a
formação de professores, ou seja, romper com os paradigmas e propor uma formação
de professores com a reconstrução do conhecimento específico sobre o ensino e a
aprendizagem das ciências. Neste sentido, para Cajas (2001) a abordagem CTS no
ensino de química contribui para o reconhecimento do pensar sistêmico, complexo e
ético, que possa caracterizar a prática educativa, substituindo uma visão tradicional do
conhecimento, como algo estável e seguro por algo dotado de complexidade tendo
que se adaptar constantemente aos diferentes contextos, cuja natureza é incerta.
Os conteúdos de ciência, tecnologia e sociedade (CTS) são considerados
atualmente um importante indicador de qualidade na inovação de um ensino de
ciências destinado a conseguir a alfabetização científica e tecnológica de todas as
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pessoas. O enfoque CTS no ensino de ciências pretende tornar explícitas as relações
entre ciência, tecnologia e sociedade (DIÁZ, et. al., 2002).
Assim sendo, a abordagem CTS salienta a importância da contextualização de
conceitos científicos, considerando aspectos da tecnologia e sua relação com a
sociedade, integrando temas do cotidiano e preocupações ambientais. Neste sentido a
introdução de conhecimentos sobre a História das Ciências (HC) no ensino de química
apresenta-se como uma ferramenta importante para que os professores compreendam
a natureza do pensamento científico.
Vários estudos convergem para esta proposta teórica (Angotti e Auth, 2001;
Barra, 1998; Gil, 1993; Matthews, 1992, Nascimento, 2004; Peduzzi, 2001) como
fundamento essencial para a compreensão das implicações sociais da ciência.
Abrantes (2002) destaca que a ausência de estudos em HC consolida uma visão
distorcida das ciências, ou seja, reforça a ideia da neutralidade científica. Acevedo
(1997) relataram uma experiência de desenvolvimento de atividades didático-
pedagógicas com professores de ciências em uma perspectiva CTS, tendo como base
aspectos históricos e epistemológicos envolvendo relações de valores-ação das
pessoas em uma sociedade, apresentando resultados positivos desta abordagem,
mostrando que desta forma a compreensão das relações CTS dependem das
pressões das inovações tecnológicas na sociedade, destacando a tecnologia como
processo de produção social dependente do período e contexto histórico e da
sociedade envolvida.
A importância da história das ciências (HC) para uma formação científica de
qualidade vem sendo amplamente discutida e defendida no meio acadêmico,
principalmente no que se refere ao ensino de ciências e a formação de professores,
porém o que se tem observado é que ainda há uma distância muito grande entre as
pesquisas e apontamentos e a inserção efetiva da história das ciências no ensino
básico (FREIRE JR., 2003).
A discussão de aspectos sócio científicos articuladamente aos conteúdos
químicos e aos contextos é fundamental, pois propicia que os alunos compreendam o
mundo social em que estão inseridos e desenvolvam a capacidade de tomada de
decisão com maior responsabilidade, na qualidade de cidadãos, sobre questões
relativas à Química e à Tecnologia, e desenvolvam também atitudes e valores
comprometidos com a cidadania planetária em busca da preservação ambiental e da
diminuição das desigualdades econômicas, sociais, culturais e étnicas (BRASIL,
2006).
Neste sentido Freire Jr., 2002 destaca o papel do professor, pois para ele, ao
projetar uma imagem de ciência como produto acabado e não como um processo que
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envolve seres humanos e contextos, acaba por criar e/ou reforçar a imagem
equivocada da ciência enquanto construção humana, assim, para promover a
alfabetização científica é necessário que a mudança ocorra nos professores, através
de disciplinas em sua graduação e cursos de formação continuada ao longo de sua
carreira.
HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS E ENSINO DE QUÍMICA
Atualmente um dos principais objetivos do ensino de ciências é ajudar os
alunos a compreenderem e superarem os obstáculos para construção de
conhecimentos, estabelecendo estratégias e conteúdos que permitam ao aluno
realizar um trabalho cognitivo aglutinador, envolvendo diversas disciplinas.
A inclusão da HC no ensino não é uma atividade recente, alguns trabalhos
apontam para sua introdução já ao final do séc. XIX na Inglaterra onde a Associação
Inglesa para o avanço da ciência defendia a possibilidade de demonstrar através da
HC, que ela é uma atividade humana como as outras, defendendo a utilização de sua
história no ensino de ciências. (SEQUEIRA; MAGALHÃES, 1988).
As razões para incluir a HC no ensino de ciências têm raízes filosóficas e
epistemológicas, que segundo Sequeira e Magalhães (1988) terá um lugar mais ou
menos importante de acordo com os objetivos do que se pretende ensinar em
ciências, se o objetivo é demonstrar os caminhos sinuosos e intempestivos da
construção da ciência lhe conferindo um caráter humanístico e cultural fruto de
interações sociais, ela terá um papel importante num ensino de ciências mais crítico e
reflexivo.
A partir da década de sessenta, os debates em torno do uso da HC no ensino
se intensificaram. Matthews (1995) enfatiza que as pesquisas nesta área cresceram
junto com novas metodologias de ensino-aprendizagem e com o movimento Ciência,
Tecnologia e Sociedade – CTS, possibilitando novas perspectivas para investigações
sobre a utilização da HC no ensino de ciências, desembocando em sua inserção nos
currículos escolares de vários países.
Muitos pesquisadores destacam a importância da HC no ensino de Ciências
(MATTHEWS, 1994; FREIRE JR., 2003; ANGOTTI; AUTH, 2001; BARRA, 1998; GIL-
PEREZ, 1993; NASCIMENTO, 2004; PEDUZZI, 2001), outros tantos discorrem sobre
a HC no ensino de química (PAIXÃO; CACHAPUZ, 2003; LIMA; NUÑES, 2011; NIAZ,
2009; SPILLIANE, 2013; OKI; MORADILLO, 2008), estes autores discutiram em seus
trabalhos diversas formas de incluir HC em diferentes segmentos da educação, desde
a sala de aula à formação de professores e apontam diferentes caminhos e
abordagens que ela pode ter. Destaco a seguir o trabalho de Matthews, pois sintetiza
bem os resultados possíveis dos trabalhos destes autores.
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Matthews defende a inclusão da HC no ensino, pois: promove uma melhor
compreensão dos conceitos e métodos científicos, liga o desenvolvimento do
pensamento individual com o das ideias científicas, torna familiar aos discentes os
episódios importantes da história da ciência e da cultura, é necessária para
compreender a natureza da ciência, neutraliza o cientificismo e o dogmatismo que são
comumente encontrados nos livros didáticos e consequentemente perpetuados em
salas de aulas, por inspecionar a vida e a época individual dos cientistas, humaniza o
conteúdo da ciência, tornando-o menos abstrato e mais envolvente para os discentes,
e mostra a natureza integrada e interdependente das realizações humanas
(MATTHEWS, 1994, p. 49-50).
Desta forma, Matthews (1995), argumenta em favor da HC na formação de
cidadãos críticos,
O problema hermenêutico de interpretação na história da ciência,longe de dificultar ou impedir o uso da história, pode tornar-se umaboa ocasião para que os alunos sejam apresentados a importantesquestões de como lemos textos e interpretamos os fatos, isto é, aocomplexo problema do significado: a partir de seu dia a dia, os alunossabem que as pessoas vêem as coisas de formas diferentes;portanto, a história da ciência constitui-se num veículo natural para sedemonstrar como esta subjetividade afeta a própria ciência.(MATTHEWS, 1995, p. 177)
Callegario (2015) realizou uma revisão de publicações em HC no ensino de
química, consultando periódicos da área de Ensino de Ciências (CAPES) entre 2003 e
2013, encontrando 19 artigos relevantes, sendo 5 voltados para a formação de
professores e 14 para avaliação do impacto da abordagem histórica em sala de aula.
O autor considera que apesar das crescentes produções, a HC no ensino de química,
principalmente para formação de professores ainda é um campo bastante vasto, cheio
de lacunas a serem preenchidas.
Santos (2009) aponta que o ensino de ciências numa perspectiva histórica
deve se dar na forma de uma ciência como cultura, ou seja, um novo contexto que
aponta para uma nova educação científica, pois o ensino de ciências ainda é
tradicional, conteudista e não prepara os alunos para a prática da cidadania, muito
embora os PCNEM em especial o de química, propõem que a contextualização dos
conteúdos a serem apreendidos é um importante recurso para “retirar o aluno da
condição de espectador passivo” e “tornar a aprendizagem significativa ao associá-la
com experiências da vida cotidiana ou com os conhecimentos adquiridos
espontaneamente” (BRASIL, 2000b, p. 91).
A discussão de aspectos sócio científicos articuladamente aos conteúdos
químicos e aos contextos é fundamental, pois propicia que os alunos compreendam o
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mundo social em que estão inseridos e desenvolvam a capacidade de tomada de
decisão com maior responsabilidade, na qualidade de cidadãos, sobre questões
relativas à Química e à Tecnologia, e desenvolvam também atitudes e valores
comprometidos com a cidadania planetária em busca da preservação ambiental e da
diminuição das desigualdades econômicas, sociais, culturais e étnicas (BRASIL,
2006).
Santos e Schnetzler (2003) corroboram com esta ideia e defendem que o
ensino de química tem papel fundamental na formação cidadã, uma vez que o
desenvolvimento tecnológico tem íntima relação com esta ciência, assim surge a
emergência de uma alfabetização científica reflexiva e cidadã (CHASSOT, 2007).
A educação científica que tem como requisito e instrumento geradorde cidadania a ciência como cultura ao propor-se ensinar a cadapotencial cidadão o indispensável para se tornar cidadão de factotorna-se numa educação cidadã que ajuda a redefinir o ser através dosaber, a dar sentido à participação informada do cidadão no processode tomada de decisões e a estimular o "aprender a aprender" umconhecimento estratégico para continuar a aprender que não seconfina à conceptualização. (SANTOS, 2009).
Diante disto, um papel a ser questionado é o papel da escola na formação de
cidadãos capazes de compreender os avanços tecnológicos e científicos de forma
crítica, permitindo não somente a compreensão do fenômeno e seus aspectos
conceituais, mas também, possibilitando estabelecer relações da construção do
pensamento científico, com sua natureza social, política, ambiental e econômica.
Assim sendo, a principal função da HC no ensino é a da desconstrução, ou
seja, desenvolver o senso crítico relacionado a imagem das ciências e de natureza
que prevaleceram em diferentes momentos históricos, muitas vezes veiculadas de
maneira distorcida, reforçando a visão mítica dos grandes gênios, esta desconstrução
deve contribuir para localizar a atividade científica na sociedade, estabelecendo
relações com outros elementos culturais (ABRANTES, 2002; SANTOS, 2009).
A HC pode contribuir para a alfabetização científica pois, segundo Matthews,
Podem humanizar as ciências e aproximá-las dos interessespessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; podem tornar asaulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, dessemodo, o desenvolvimento do pensamento crítico; podem contribuirpara um entendimento mais integral de matéria científica, isto é,podem contribuir para a superação do “mar de falta de significação”que se diz ter inundado as salas de aula de ciências, onde fórmulas eequações são recitadas sem que muitos cheguem a saber o quesignificam; podem melhorar a formação de professores auxiliando odesenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e maisautêntica, ou seja, de uma maior compreensão da estrutura dasciências bem como do espaço que ocupam no sistema intelectual dascoisas. (MATTHEWS, 1995, p.165)
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Alguns educadores importantes defendem a inclusão da HC no currículo de
química (CHASSOT, 1993; 2000; KAUFFMAN, 1989; SCHNETZLE, 1981), pois para
eles a formação inicial do químico sem a inserção da HC permanece insatisfatória e
incompleta, porém percebe-se que ainda estamos longe de conseguir que isto se
efetive nos cursos de graduação. Para estes autores entender a dinâmica da ciência e
da tecnologia torna a educação científica parte fundamental na consciência cidadã.
Neste sentido, Silva (2008) destaca o papel do professor, pois para ele, ao
projetar uma imagem de ciência como produto acabado e não como um processo que
envolve seres humanos e contextos, acaba por criar e/ou reforçar a imagem da ciência
enquanto atividade neutra imparcial e superior, assim, para mudar esta imagem e
promover a alfabetização científica é necessário que a mudança ocorra nos
professores, através de disciplinas em sua graduação e cursos de formação
continuada ao longo de sua carreira, pois os livros didáticos, que quase sempre, são
as únicas leituras realizadas pelos professores, ainda tratam a HC como ilustrações,
pequenos boxes, grandes gênios e feitos lineares
Carneiro e Gastal (2005) analisando a HC em livros didáticos de biologia
dividiram-na em quatro características:
Histórias anedóticas – “Os episódios históricos, geralmente centradosna biografia de um cientista” que podem “reforçar ou induzir os alunosà construção de uma imagem na qual a produção do conhecimentocientífico se limita a eventos fortuitos, dependentes da genialidade decientistas isolados”; Linearidade – “como se o conhecimento científico atual fosse sempreo resultado linear de conhecimentos preexistentes (...) privilegiacertos eventos da História da Ciência, em detrimento de outros demenor apelo; Consensualidade – Mostram-se apenas as concordâncias, osconsensos na construção do conhecimento científico. Quando ospontos de vista conflitantes são apresentados, em geral, é parareforçar a idéia de que trata-se de um conflito entre visões “corretas”e “equivocadas”; Ausência do contexto histórico mais amplo – “Passa a idéia de que aciência é hermética, que não sofre influência dos aspectossocioculturais de sua época” (CARNEIRO; GASTAL, 2005, p.35-38).
Os livros didáticos de Química também não se diferenciam muito disto como
aponta Saito (2010) “a perspectiva histórica dominante que permeia o material didático
para o ensino não só da Química, mas também de outras áreas da ciência, continua
ainda a valorizar os feitos dos “grandes homens da ciência”, dando ênfase ao
progresso contínuo do pensamento científico” (SAITO, 2010, p. 04)
Corroborando com Saito, Zanon (2007) destaca que os cursos superiores ainda
apresentam um modelo de formação de professores decorrente da visão positivista,
técnica, onde valoriza-se a compreensão e aplicação de técnicas, teorias e
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procedimentos baseados em métodos repetidos sem muita reflexão, deixando de lado
a compreensão de como tais conhecimentos foram construídos e suas implicações
sociais e contextos. Neste sentido Schnetzler destaca:
[...]o domínio do conhecimento químico é condição necessária para opropósito e desenvolvimento de pesquisas no ensino, mas não ésuficiente, dada a complexidade de seu objeto, das interaçõeshumanas e sociais que o caracterizam. Por isso, precisamos recorrera contribuições teóricas das várias Ciências Humanas, não setratando de mera utilização ou aplicação das mesmas à área daEducação Química (SCHNETZLER, 1981, p. 23)
Para sanar, ou minimizar este problema a HC no ensino de química pode se
apresentar como um importante objeto de reflexão, pois é a partir dela que podemos
compreender como a ciência foi construída, como destaca Penha (2001),
A História da descoberta de um conceito mostra não somente como oconceito foi criado, mas, sobretudo, seu porquê; a História mostra asquestões para cujas soluções o conceito foi introduzido, revela o quêo conceito faz na teoria, sua função e seu significado. A Históriarevive os elementos do pensar de uma época, revelando, pois, osingredientes com que o pensamento poderia ter contado na época emque determinada conquista foi feita. Ela desvenda a lógica daconstrução conceitual; nesse esforço, ela revela, também, os“buracos lógicos” que o conceito preenche, revivendo o próprio atointelectual da criação científica. (p. 227)
Assim sendo, a HC fornece importantes subsídios para compreensão da
natureza da ciência, desmistificando a ciência de grandes gênios, imunes às
atividades humanas, sociais e ambientais, permite o desenvolvimento do senso crítico,
traz a luz as suas influências políticas e culturais, apresentando indivíduos sujeitos a
estas inquietações, possibilitando ao professor e ao estudante uma certa identificação
e aproximação, que os permite refletir e se tornar parte, criando um ambiente propício
para a reflexão-ação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos referenciais pesquisados nos possibilitam enxergar um panorama
geral das pesquisas em HC no ensino e educação CTS. Este panorama mostra-se
positivo no sentido do aumento significativo de pesquisas nestas áreas, principalmente
no que se refere a concepções sobre a natureza da ciência e contextualização das
aulas de química por meio do enfoque CTS. Podemos notar também a crescente
preocupação em inserir a HC e a educação CTS na formação de professores, pois
estes ainda são formados em sua grande maioria por currículos focados em conteúdos
e métodos, uma educação positivista, que acaba por desembocar em uma
compreensão de ciências simplista e descontextualizada.
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Apesar de vários estudos apontarem para as vantagens da utilização de HC e
educação CTS na formação de professores, é de se observar que muitos destes
trabalhos ainda abordam a HC apenas como complementos da aprendizagem, ou
como ferramentas para explicar certos conteúdos da química e não como parte da
construção do conhecimento científico e tecnológico e sua natureza mutável. Da
mesma maneira a educação CTS é inserida com o objetivo principal de contextualizar
as aulas de ciências trazendo aspectos muito pontuais.
Há que se destacar, no entanto, que alguns pesquisadores têm se preocupado
em modificar estas concepções simplistas, reconhecendo que a HC e a educação CTS
devem extrapolar o processo de ensino-aprendizagem, sendo capazes de desenvolver
uma educação mais crítica, investigativa, reflexiva e inovadora, que possibilite a
construção de novas formas de ensinar e aprender, substituindo um ensino dogmático,
por um ensino plural que leve em conta aspectos culturais, sociais e ambientais.
Este processo de reconstrução do ensino de química, através da HC e
educação CTS, deve ser realizado à luz da historiografia da HC, pois as antigas
concepções de HC, associadas a uma educação CTS superficial, podem gerar
problemas no processo de ensino-aprendizagem, haja visto que muitos professores
tem uma imagem de ciências ahistórica enraizada devido, principalmente, à sua
trajetória formativa e acabam por influenciar decisivamente nas concepções de seus
futuros alunos.
Sem dúvida, este é um trabalho árduo, que requer um esforço centrado na
transdisciplinaridade, articulado a uma rede de saberes que possa relacionar os
conhecimentos científicos e tecnológicos aos seus contextos culturais, sociais,
ambientais e políticos, e é neste sentido que a HC, em uma perspectiva CTS, pode
contribuir sobremaneira para efetivação desta abordagem.
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