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3076 EPISÓDIOS DE RECONTEXTUALIZAÇÃO DE UMA POLÍTICA: O PIBID E OS SUBPROJETOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA Milena ENGELS DE CAMARGO Gicele Maria CERVI Denis Augusto DE CAMARGO FURB – Universidade Regional de Blumenau Eixo 05: Políticas de formação de professores [email protected] 1.Discurso inicial Olá professora, seja bem-vinda ao inferno! Foi diante da inquietação advinda dessa frase, que se iniciou esta pesquisa. Esse discurso estimulou-nos a pensar a trajetória docente como um desafio. Um desafio não só pessoal, mas um desafio coletivo. Como nós, professores, encontraremos o mundo do trabalho? Aliás, que mundo é esse? Que discursos circulam por esse espaço? O que se pode falar? O que faz possível que esses discursos sejam ditos ou pronunciados? Para Gatti, Barreto e Andre (2011), é amplamente reconhecida a importância dos professores para uma educação de qualidade, porém, ainda são desafios para as políticas educacionais no Brasil questões como a formação inicial e continuada, os planos de carreira, as condições de trabalho e a valorização desses profissionais, entre outros aspectos. Os desafios apontados pelas autoras envolvem tanto licenciandos (como futuros professores) quanto docentes em seu processo contínuo de formação e atuação no ambiente escolar. A pesquisa foi desenvolvida buscando problematizar seu objeto no campo da política. Pela análise da política PIBID e seus subprojetos de Educação Física é que seguimos, procurando conhecer a respeito das políticas, políticas públicas, políticas educacionais e da Educação Física, pensando como se inventam e se movimentam. Provocados por esse desejo de pensar os movimentos da política em diferentes contextos, é que definimos o problema de pesquisa: como acontece a recontextualização da política educacional PIBID e dos subprojetos de Educação Física em diferentes IES do estado de SC? A pesquisa tem como objetivo geral: problematizar a recontextualização da política educacional PIBID e os subprojetos de Educação Física, em três IES do estado de Santa Catarina. Nesse sentido, problematizar não envolve encontrar soluções, mas propor uma distância crítica em relação ao objeto, deslocar-se, desprender-se. Conforme Revel

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EPISÓDIOS DE RECONTEXTUALIZAÇÃO DE UMA POLÍTICA: O PIBID E OS

SUBPROJETOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Milena ENGELS DE CAMARGOGicele Maria CERVI

Denis Augusto DE CAMARGO FURB – Universidade Regional de Blumenau

Eixo 05: Políticas de formação de [email protected]

1.Discurso inicial

Olá professora, seja bem-vinda ao inferno! Foi diante da inquietação advinda

dessa frase, que se iniciou esta pesquisa.

Esse discurso estimulou-nos a pensar a trajetória docente como um desafio. Um

desafio não só pessoal, mas um desafio coletivo. Como nós, professores, encontraremos

o mundo do trabalho? Aliás, que mundo é esse? Que discursos circulam por esse

espaço? O que se pode falar? O que faz possível que esses discursos sejam ditos ou

pronunciados?

Para Gatti, Barreto e Andre (2011), é amplamente reconhecida a importância dos

professores para uma educação de qualidade, porém, ainda são desafios para as

políticas educacionais no Brasil questões como a formação inicial e continuada, os planos

de carreira, as condições de trabalho e a valorização desses profissionais, entre outros

aspectos. Os desafios apontados pelas autoras envolvem tanto licenciandos (como

futuros professores) quanto docentes em seu processo contínuo de formação e atuação

no ambiente escolar.

A pesquisa foi desenvolvida buscando problematizar seu objeto no campo da

política. Pela análise da política PIBID e seus subprojetos de Educação Física é que

seguimos, procurando conhecer a respeito das políticas, políticas públicas, políticas

educacionais e da Educação Física, pensando como se inventam e se movimentam.

Provocados por esse desejo de pensar os movimentos da política em diferentes

contextos, é que definimos o problema de pesquisa: como acontece a recontextualização

da política educacional PIBID e dos subprojetos de Educação Física em diferentes IES do

estado de SC?

A pesquisa tem como objetivo geral: problematizar a recontextualização da política

educacional PIBID e os subprojetos de Educação Física, em três IES do estado de Santa

Catarina.

Nesse sentido, problematizar não envolve encontrar soluções, mas propor uma

distância crítica em relação ao objeto, deslocar-se, desprender-se. Conforme Revel

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(2005), a história do pensamento se interessa por objetos, regras de ação ou modos de

relação de si. E na medida em que ela os problematiza, interroga-se sobre sua forma

historicamente singular e sobre a maneira pela qual eles apresentaram, numa dada

época, um certo tipo de resposta a um certo tipo de problema.

A pesquisa se justifica, tendo em vista a importância em compreender as políticas

e os discursos que nela circulam, que relações de poder a envolvem e como essas

políticas são interpretadas e praticadas de diferentes maneiras pelos sujeitos que nela

envolvidos. Esta pesquisa também contribui para que os sujeitos que atuam no PIBID

possam refletir a respeito da política na qual são sujeitos e, em um contexto mais amplo,

contribui para a análise de uma política nacional em diferentes momentos de sua

efetivação.

Desenvolvemos a metodologia desta pesquisa orientados pelas pesquisas pós-

críticas. Quando se trata de fazer investigação ou propor uma metodologia, as pesquisas

pós-críticas se apresentam em um caráter mais inventivo do que prescritivo. O percurso

de pesquisa não aparece como algo definido e estático, mas como fluxos e movimentos

que se realizam em torno do objeto. “Aproximamo-nos daqueles pensamentos que nos

movem, colocam em xeque nossas verdades e nos auxiliam a encontrar caminhos para

responder nossas interrogações” (MEYER; PARAÍSO, 2014, p. 19).

Nos movimentos de idas e vindas, contornos, aprofundamentos e afastamentos

em relação ao objeto da pesquisa, o método da Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP)

proposto pelo sociólogo inglês Stephen Ball (1994) foi o caminho que pareceu melhor

possibilitar o diálogo com as problematizações. A ACP foi utilizada em nossa pesquisa,

como um método de pesquisar e teorizar a política educacional PIBID.

Conforme Ball (1994), uma política, além de processos e consequências, é texto e

também discurso. Textos são documentos, representações produzidas a partir de

disputas e embates por sentidos e significados, enquanto discursos atuam no que pode

ser dito e pensado, sobre quem, quando e com que autoridade pode falar. Nesse sentido,

essas duas conceituações, texto e discurso, são complementares e estão implícitas uma

na outra.

E é dessa forma que nossa pesquisa analisou os textos e discursos produzidos

pelas diferentes Instituições de Ensino Superior (IES) frente à política educacional PIBID.

Realizamos a análise no movimento de dialogar com as aproximações e singularidades

existentes entre os textos e discursos produzidos pelas IES. Dentre os determinismos

gerados pela política educacional PIBID, o caminho se aproxima em perceber as

possibilidades de diferentes apropriações e produções dos discursos por cada IES e cada

subprojeto, suas recontextualizações.

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2.As políticas, o PIBID e a Educação Física

Políticas e discursos emergem em meio a relações de poder. Segundo Foucault

(1999, p. 22), “a política é a guerra continuada por outros meios”, resultante de relações

de poder na sociedade, tem por base relações de força estabelecidas por meio da guerra

e como resultado dela. Políticas são, assim, processos de decisões construídas, por meio

de relações de poder, em múltiplas instituições e dinâmicas sociais.

As relações de poder, envolvendo a ação do Estado, são o que definem as

políticas públicas. “O conceito de políticas públicas implica considerar os recursos de

poder que operam na sua definição e que têm nas instituições do Estado, sobretudo na

máquina governamental, o seu principal referente” (AZEVEDO, 2004, p. 5).

Nessa direção, as políticas educacionais se apresentam como políticas públicas

que se dirigem a resolver questões educacionais. São as ações do governo que orientam

e regulam as questões educacionais em dado momento histórico, considerando suas

necessidades sociais.

Buscando compreender um pouco mais a respeito das políticas e políticas

educacionais, partiremos da Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP), que adota uma

orientação pós-moderna, formulada pelo sociólogo inglês Stephen Ball (1994).

A utilização da ACP como método, segundo Mainardes (2006), permite que

realizemos a análise crítica da trajetória de programas e políticas educacionais desde sua

formulação inicial até a sua implementação no contexto da prática e seus e efeitos.

Conforme Ball (1994), uma política, além de processos e consequências, é texto e

também discurso. E essas duas conceituações, texto e discurso, são complementares e

estão implícitas uma na outra.

A política como texto entende as políticas como representações que são

codificadas de maneiras complexas, que permitem uma pluralidade de leituras em razão

da pluralidade de leitores (BALL, 1994). Diferentes interpretações, por meio dos textos

produzidos, são realizadas, possibilitando processos de recontextualização.

Os textos são produzidos com diversas influências e incorporam significados

constituídos pelo embate entre diferentes discursos. “O discurso não é simplesmente

aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se

luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2008, p. 10). Os discursos

atuam no que pode ser dito e pensado, mas também sobre quem, quando, onde e com

que autoridade pode falar.

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A política, como texto e discurso, circula no contexto social. Quando textos são

produzidos sofrendo a influência de discursos, eles carregam consigo seus sentidos e

poderes e serão influenciadores de novos discursos.

Assim, fica estabelecida uma dimensão dentro da qual as políticas se movem e os

consensos e conflitos acontecem, denominada por Ball (1994) de contextos: o contexto

da influência, o contexto da produção de textos, o contexto da prática, o contexto dos

resultados (efeitos) e o contexto da estratégia política. Esses contextos compõem o que

Ball (1994) trata como a Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP). E, apesar de estarem

inter-relacionados, os contextos não têm dimensão temporal ou sequencial, não são

etapas lineares. Cada um desses contextos apresenta lugares e grupos de interesse

diferentes, sendo assim, envolve disputas e embates diversos.

O contexto da influência é aquele no qual os discursos políticos são construídos,

onde normalmente as políticas públicas se iniciam. “Atuam nesse contexto as redes

sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo. É

também nesse contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso

de base para a política” (MAINARDES, 2006, p. 51).

O contexto da produção de textos, é aquele no qual os textos políticos são

produzidos. Mainardes (2006) argumenta que o contexto de influência está

frequentemente relacionado aos interesses mais estreitos e ideologias dogmáticas e os

textos políticos normalmente estão articulados à linguagem do interesse público mais

geral.

Segundo Mainardes (2006), o contexto da prática é aquele cuja política está

passível a diferentes interpretações e recriação e será também nesse contexto que a

política produzirá efeitos e consequências que poderão representar mudanças e

transformações significativas na política original. O discurso presente nos textos está

sujeito a novas vozes quanto chega ao contexto da prática. Nesse contexto, as políticas

não são simplesmente postas em prática, implementadas na forma como se encontram

nos textos, elas estão sujeitas a diferentes compreensões e à recriação, segundo Lopes

(2006), sujeitas a recontextualizações.

Ball (1994), se referindo ao contexto dos resultados (efeitos), se preocupa com as

questões de justiça, igualdade e liberdade individual. Para o autor, as políticas não geram

somente resultados, mas acima de tudo, produzem efeitos. Os efeitos são resultados dos

discursos efetivados e decorrentes de relações de poder, e são capazes de produzir,

criar, suscitar, fazer circular. Dessa forma, nesse contexto, as políticas deveriam “ser

analisadas em termos do seu impacto e das interações com desigualdades existentes”

(MAINARDES, 2006, p. 54).

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O contexto de estratégia política envolve a reflexão acerca das questões

conjunturais e as desigualdades sociais criadas ou reproduzidas pela política investigada.

A partir disso, a criação de novas políticas é articulada.

Nesse sentido, a ACP foi proposta nesta pesquisa como um método de análise

das políticas por meio da sua circulação pelos diferentes contextos e orienta o processo

de análise da política PIBID e seus subprojetos de Educação Física.

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) se caracteriza

como uma política educacional voltada à formação de professores e foi criado no

contexto da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação

Básica, por meio do Decreto n.º 6755/2009 que institui a Política Nacional de Formação

de Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplina a atuação da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no fomento a

programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências.

Em dezembro de 2007, foi lançada a primeira chamada pública do Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), “com vistas a fomentar a

Iniciação à docência de estudantes das instituições federais de educação superior e

preparar a formação de docentes em nível superior, em cursos de licenciatura presencial

plena, para atuar na educação básica pública” (CAPES, 2007).

Vigente pela Portaria n.º 96 de 18/07/2013, conforme Art. 2º, o PIBID “tem por

finalidade fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da

formação de docentes em nível superior e para a melhoria da qualidade da educação

básica pública brasileira”.

O programa também procura incentivar a formação de professores para a

educação básica e elevar a qualidade da escola pública, promover a inovação e a

renovação dos processos educacionais por intermédio de experiências metodológicas de

caráter inovador e interdisciplinar. É uma proposta que busca valorizar os futuros

profissionais desde o processo de formação, visando à melhoria da educação brasileira.

O programa se desenvolve através da atuação de diferentes subprojetos de área,

representados pelas licenciaturas, dentre elas a Educação Física.

Nesse sentido, a Educação Física por meio dos seus textos e discursos que

envolvem o seu objeto de estudo, é uma área de atravessamento da política a ser

estudada em relação à atuação dos subprojetos de Educação Física.

A cultura corporal de movimento, como atual objeto de estudo da Educação Física

az parte dos textos que circulam no contexto da Educação Física Escolar, faz parte de

sua política. Em algumas realidades, esse mesmo contexto abriga também a circulação

da política educacional PIBID e seus subprojetos de Educação Física. Dessa forma,

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entendemos que políticas, ao circularem por diferentes contextos, serão atravessadas por

outras políticas e podem, assim, influenciar o seu processo de recontextualização.

3.O PIBID a partir dos documentos

Nos movimentos de idas e vindas, contornos, aprofundamentos e afastamentos

em relação ao objeto da pesquisa, o método da Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP)

proposto pelo sociólogo inglês Stephen Ball (1994) foi o caminho que pareceu melhor

possibilitar dialogar com as problematizações. A ACP foi utilizada nesta pesquisa, como

um método de pesquisar e teorizar a política educacional PIBID e sua relação com a

Educação Física.

Como fonte de coleta de dados, foram utilizados documentos. “De fato, tudo o que

é vestígio do passado, tudo o que serve de testemunho, é considerado como documento

ou fonte” (POUPART et al., 2012, p. 296). Os documentos são fontes de ideias, opiniões,

ações, etc. Segundo Silva et al (2009), os documentos são produtos de uma sociedade e

manifestam o jogo de força dos que detêm o poder. Assim, não são produções isentas,

ingênuas; traduzem leituras e modos de interpretação do vivido por um determinado

grupo de pessoas em um dado tempo e espaço.

Participaram desta pesquisa três diferentes IES: IES-1; IES-2; e IES-3. As

instituições foram selecionadas a partir dos seguintes critérios: instituições semelhantes

quanto à natureza, porte e localização e que possuíssem projetos PIBID e subprojeto de

Educação Física. As IES foram contatadas a partir de uma carta de autorização de

pesquisa, enviada por e-mail para a coordenação institucional do PIBID de cada

universidade. Esta carta de autorização apresentava a pesquisa, solicitava uma

autorização para seu desenvolvimento junto à IES e o encaminhamento dos seguintes

documentos:

1- Projeto Institucional (PI): documento produzido pela IES, submetido à

aprovação pela CAPES, que descreve o projeto PIBID para a IES;

2 – Subprojeto de Educação Física: documento produzido por professores da IES

da área específica e apresenta as ações a serem desenvolvidas no subprojeto;

Estabelecemos uma organização para a análise dos documentos a partir do que

determinamos como “episódios de recontextualização”. Os episódios permitiram, assim,

uma análise sem categorizar a política num determinado contexto, mas que

contemplasse sua circulação e os diferentes contextos de forma concomitante num

mesmo episódio.

O primeiro episódio de recontextualização da política foi tratado a partir da análise

do PI, formulado pela IES, frente à portaria n.º 96 de 18 de julho de 2013 e seu respectivo

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edital de seleção. Utilizamos como critério de análise o disposto no item 4.3 do Edital de

Seleção (CAPES, 2013a) que dispõe sobre as especificações do projeto institucional.

Mesmo atendendo à mesma portaria, como base para a organização, as IES têm

a possibilidade de construção do documento com base em respostas que se aproximem

de seus contextos particulares, o que possibilita que a construção das respostas carregue

diferentes discursos incorporados na elaboração dos textos.

Percebemos aproximações nos discursos propostos em questões como ações

inovadoras, práticas interdisciplinaridades e envolvimento com tecnologias, o que faz

parte dos objetivos do Programa, porém, caracterizam-se também diferentes eixos

norteadores de trabalho nas IES.

Seguindo as disposições do Edital de Seleção (CAPES, 2013c), os projetos

institucionais devem incluir as especificações quanto às “ações/estratégias para inserção

dos bolsistas nas escolas, envolvendo o desenvolvimento das diferentes características e

dimensões da iniciação à docência, de forma a privilegiar a articulação entre as

diferentes áreas do conhecimento e a integração dos subprojetos”.

AIES-1 organiza suas ações respondendo à pergunta “quais as ações/estratégias

para a inserção dos bolsistas nas escolas?”. Com a utilização de tópicos, alguns em

destaque no quadro 04, percebemos um eixo específico de trabalho, a inclusão e a

diversidade, constituído a partir de práticas de inclusão social e de defesa do meio

ambiente, da produção artística e do patrimônio cultural. O PIBID da IES-2 faz sua

proposta de ação a partir da “Proposta Metodológica” apresentada, que se baseia nos

objetivos do PIBID da IES-2 e nos eixos norteadores do projeto, que são a formação

estética e a competência comunicativa. Já o PIBID da IES-3 responde ao questionamento

“quais as ações/estratégias para a inserção dos bolsistas nas escolas?” a partir da

produção de um texto, no qual são descritas as ações/estratégias onde acentua-se a

perspectiva do letramento, em especial o digital.

A presença de novos discursos incorporados ao projeto como a Formação

Estética e Competência Comunicativa do projeto da IES-2, o letramento/letramento digital

do PIBID da IES-3 e as práticas de inclusão social e de defesa do meio ambiente, da

produção artística e do patrimônio cultural da IES-1, evidenciam que novos significados

podem ser incorporados à prática da política. “Professores e demais profissionais

exercem um papel ativo no processo de interpretação e reinterpretação das políticas

educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e no que acreditam têm implicações

para o processo de implementação das políticas” (MAINARDES, 2006, p. 53). Políticas,

ao serem apresentadas como textos, são interpretadas de diferentes maneiras, carregam

limitações, mas também possibilidades, permitindo as recontextualizações. Discursos não

são produzidos independente de poder e interesses e cada IES traz incorporada, nos

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seus discursos, um pouco de seus docentes, suas pesquisas, seus grupos, seus

interesses, o que marca e ressalta as recontextualizações.

O segundo episódio de recontextualização da política se refere à análise do

subprojeto de Educação Física frente à portaria n.º 96/2013 e ao PI elaborado por cada

IES. Analisamos de que forma os discursos presentes na portaria e no Projeto

Institucional são recontextualizados no subprojeto de Educação Física.

Os novos textos produzidos são recontextualizados não somente a partir da

política, mas sofrem influências dos projetos institucionais e da área específica de

atuação. Nesses movimentos, a política circula ganhando força, ora se aproximam dos

textos, ora criam novos discursos.

O primeiro episódio de recontextualização se constituiu na análise do PI. O

segundo episódio de recontextualização tem o foco na análise do subprojeto de

Educação Física, compreendendo de que forma os discursos presentes na portaria e no

Projeto Institucional são recontextualizados neste documento.

Nos subprojetos de Educação Física das três IES, percebemos que o disposto na

política nacional é trabalhado de acordo com a aproximação aos objetivos do programa,

mantêm-se os atravessamentos produzidos pelas temáticas propostas no Projeto

Institucional e se desenvolvem, também, características singulares, que aproximam o

subprojeto à sua área de atuação.

Além das ações em consonância com os objetivos do programa, que sofreram

influências do discurso presente no texto da política em questão, as IES apresentam,

também, ações com características singulares, únicas em cada subprojeto. “Os textos

políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro dos

diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as representações da

política” (MAINARDES, 2006, p. 52).

Discursos que, além da influência do texto da política PIBID, trazem outras

disputas em sua constituição, como influências do contexto onde se realiza e dos atores

participantes da elaboração dos subprojetos. Discursos que enfatizam o caráter de

recontextualização da política PIBID, permitindo compreender que, mesmo em uma

política nacional, é possível a constituição de discursos singulares, como pode ser

observado através de excertos dos documentos fornecidos pelas IES.

O subprojeto de Educação Física da IES-1 propõe ações que levem ao

desenvolvimento da autonomia por parte do licenciando, “com suporte das abordagens

pedagógicas vivenciarão um processo contínuo de ação-reflexão-ação no cotidiano da

prática pedagógica, que os permitam se compreender como construtor desta e não um

mero executor”. O desenvolvimento da autonomia por parte do licenciando não

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representa uma temática de trabalho específica a ser desenvolvida no subprojeto, mas,

orienta as ações a serem desenvolvidas, é um princípio.

O subprojeto de área da IES-2, no seu processo de recontextualização, traz

características advindas do PI e novas características singulares, o que pode ser

observado com a expressão em destaque: “Desenvolver projeto de mobilização estética

com a reorganização do ambiente para brincar”. O foco de trabalho voltado à formação

estética já havia sido abordado no projeto institucional e mantém o seu discurso no

subprojeto de Educação Física. Uma nova temática é abordada para o direcionamento

das ações do subprojeto, o brincar criativo, representando sua característica singular.

No subprojeto de área da IES-3, veem-se implantadas as características do

Projeto Institucional, o que pode ser observado ao buscar promover a “inserção de

práticas de letramento nas aulas de Educação Física”. A temática proposta no projeto

institucional, o letramento, é aproximada ao contexto de aplicação, o subprojeto de

Educação Física, “incluindo o incentivo à leitura e interpretação de regras esportivas,

códigos gestuais adotados por árbitros, legendas e pontuação das modalidades

esportivas, entre outros como as placas de sinalização para segurança nos espaços

aquáticos”.

Com a análise do subprojeto de área, foi possível perceber que os novos textos

produzidos são recontextualizados não somente a partir da política, mas sofrem

influências dos projetos institucionais e da área específica de atuação. Nesses

movimentos, a política circula ganhando força, ora se aproximam dos textos, ora criam

novos discursos.

A cultura corporal (do movimento), como uma política da área da Educação Física,

considerando que políticas são textos e também discursos (BALL, 1994), passa a

também a atravessar os subprojetos, como pode ser observado nos seguintes excertos.

O subprojeto da IES-3, “[...]como forma de apropriação do conhecimento referente à

diversidade da cultura corporal”, e da IES-2, “desenvolvimento do brincar como cultura

corporal de movimento”. Ainda que o termo não apareça de forma explícita no subprojeto

da IES-1, o discurso “organizar/planejar/sistematizar o ensino da Educação Física, a

partir de estudos pedagógicos e didáticos que os permitam (re)construir(re)inventar a

prática com referência em ações/experiências e em reflexões/teorias” permite inferir o

desenvolvimento da cultura corporal na medida em que nessa perspectiva o corpo e suas

práticas expressam a sociedade na qual estão inseridos, ou seja, são construções

históricas, constituem a cultura corporal.

O segundo episódio de recontextualização, caracterizado pela análise do

subprojeto de Educação Física, permitiu perceber o que Ball (1994) propõe ao falar sobre

o contexto de influências, o qual possibilita uma migração das políticas, que não são

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simplesmente transferidas, mas são recontextualizadas dentro de contextos específicos.

O disposto na política nacional é trabalhado de acordo com a aproximação aos objetivos

do programa, mantêm-se os atravessamentos produzidos pelas temáticas propostas no

Projeto Institucional e se desenvolvem, também, características singulares, que

aproximam o subprojeto à sua área de atuação.

4.Conclusões

Entendemos que, quando falamos em políticas, é impossível não falar a respeito

das relações de poder, visto que são elas que vão constituindo os discursos de verdades

e as políticas. As relações de poder, envolvendo a ação do Estado, são o que definem as

políticas públicas. E as políticas educacionais são políticas públicas que se dirigem a

resolver questões educacionais, a exemplo do PIBID, uma política com abrangência

nacional, voltada para a formação de professores.

Problematizar uma política, a partir da abordagem do ciclo de políticas, envolve

compreendê-la como uma construção a partir de sua circulação pelos diferentes

contextos de produção das políticas. Uma política que, ao circular por diferentes

contextos, carrega consigo textos e discursos, provenientes de relações de saber e

poder, que vão sendo recontextualizados na sua circulação e produzindo, assim, novos

textos e discursos.

Os processos de recontextualização permitem a construção de novos textos e

discursos e, assim, garantem a singularidade dos espaços e das pessoas e anunciam a

possibilidade de um diferente, tanto na produção dos textos, como na prática. Esses

processos puderam ser observados na medida em que realizamos a análise dos

documentos produzidos pelas IES relativos à política PIBID.

Estabelecemos uma organização para a análise dos documentos a partir do que

determinamos como “episódios de recontextualização”. Os episódios permitiram, assim,

uma análise sem categorizar a política num determinado contexto, mas que

contemplasse sua circulação e os diferentes contextos de forma concomitante num

mesmo episódio.

Com a análise da política PIBID e seus processos de recontextualização junto aos

subprojetos de Educação Física, foi possível compreender um pouco mais acerca da

política e suas movimentações. Entendemos que a partir dessas relações e

atravessamentos, dos discursos originados pela política, daqueles produzidos em cada

IES e dos advindos das relações entre o PIBID e a cultura corporal de movimento,

desenha-se uma outra Educação Física. Que passa a fazer uma relação em rede, em

fluxo, que não foca essencialmente na cultura corporal do movimento, mas que perpassa

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a diversidade, a inclusão, a competência comunicativa, a estética, o letramento, que

dialoga com a escola e os estudantes. Uma Educação Física que dialoga com as

tecnologias, que inova, que reconhece o momento atual e as diferentes formas de

construção das subjetividades.

Esse novo desenho representa a circulação da política PIBID nas três IES que

participaram de nossa pesquisa, mas, frente às outras IES, que outros discursos seriam

possíveis de circular? E será que em todos os subprojetos de Educação Física

encontraríamos a relação estabelecida com a cultura corporal de movimento? Como

outras IES recontextualizam a política PIBID?

E para além, lembrando que uma política não se restringe a ela mesma. Será que

os discursos produzidos pela política PIBID e pelos projetos de Educação Física são

capazes de influenciar a prática da Educação Física pelos demais professores que não

participam ativamente dessa política?

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