Recontextualização Pedagógica e Comunidades Quilombolas

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    1/15

    CARTOGRAFANDO RECONTEXTUALIZAES PEDAGGICAS NO

    ENSINO DO DIREITO: COMUNIDADES QUILOMBOLAS E PLURALISMO

    JURDICO

    Ana Clara Correa Henning(Ms Educao - UFPel,

    mestranda Direito - PUCRS e Professora do Curso de

    Direito da Faculdade Anhanguera de Pelotas)

    CAPES e FUNADESP

    PALAVRAS-CHAVE: Cartografia. Recontextualizao Pedaggica. Ensino Jurdico.Comunidades Quilombolas.

    Introduo

    Cartografar: representar territorialidades. Pedaggicas, antropolgicas,

    econmicas, histricas, filosficas. E tambm jurdicas, sob a perspectiva de que o

    direito possui uma dimenso simblica, que constitui e constituda. Proponho, aqui,

    que a maneira pela qual apreendemos determinado sistema jurdico, o mtodo ou

    mtodos que aplicamos em nosso quotidiano para compreend-lo, traduzem-se em

    mapas que so, ao mesmo tempo, resultado de um certo pensamento e

    instrumentos de produo desse mesmo pensamento.Nessa esteira, a concepo moderna do direito est historicamente

    condicionada a um paradigma advindo do embate entre a dogmtica crist e a

    racionalidade de pensamento, construdo entre os sculos XVI e XIX. O sculo XVIII,

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    2/15

    especialmente, presenciou uma profunda mudana epistemolgica em nossa maneira

    de construir cincia, cujo mtodo de investigao produzia verdades, garantia

    certezas e impunha a neutralidade do pesquisador. Da a percepo jurdico-

    positivista sobre a norma estatal: regramentos indiscutveis, cuja aplicao

    realizada por um intrprete neutro, seguro de seu raciocnio lgico formal.

    Essa maneira de representar o direito subjaz ao seu ensino tradicional, em

    especial aquele desenvolvido pelas academias. Ele estabelece saberes legtimos,

    reconhecendo-os nas fontes jurdicas oficiais e centralizando-os na figura do

    professor. Este, detentor do conhecimento, frequentemente desconsidera qualquer

    tipo de regra que no aquela estatal, preferencialmente escrita e coercitiva.

    Hoje, entende-se necessrio repensar o formalismo da resultante, a fim de

    enriquecer a compreenso do direito e de seu ensino com o reconhecimento de

    inmeras variveis. Cada vez mais, atentamos para a coexistncia de diferentes

    culturas, para a necessidade de convivncia harmnica entre pessoas e grupos

    sociais. O direito - como artefato social que advm de relaes de poder local e

    historicamente situadas. Reconhecer este substrato considerar as mltiplas

    realidades que contribuem para a sua formao.

    A importncia do estudo do tema, assim, uma dimenso transdisciplinar,

    reunindo diversas reas do saber tais como: educao, direito, antropologia,

    sociologia, histria, filosofia, economia, entre outras indicaes possveis. A propostaaqui a de que so possveis modificaes em nossa epistemologia jurdica,

    percebendo o direito de maneira mais aberta a outros conhecimentos que no

    apenas aqueles advindos da estrita aplicao da letra da lei. A cultura jurdica, por

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    3/15

    tanto tempo moldada por critrios eurocntricos, hoje comea a levar em

    considerao prticas e realidades diferenciadas.

    Por outro lado, a necessidade de conjugarmos a teoria com a prtica abre

    inmeras possibilidades, tal como a experincia etnogrfica em comunidades

    quilombolas objetivando cartografar a forma como tais agrupamentos sociais

    elaboram e organizam seu prprio direito e de que maneira este ensinado entre

    seus membros. Os dados auferidos podem contribuir para uma recontextualizao de

    nossas prticas educativas, de contedos ministrados, alcanando, mesmo, a

    concretizao curricular em parceria com as prprias comunidades e nossos

    discentes.

    Necessrio, portanto, pensar em uma nova forma de conceituar o direito e de

    ensin-lo, mais flexvel e compreensvel para os cidados. No final de tudo, o que

    buscamos a compreenso maior de que a vida no pode ser desperdiada na

    estagnao, na rigidez de pensamento, na indiferena quanto ao resto de ns.

    Acredito firmemente que para isto que o ensino jurdico deve se voltar. E me

    identifico com Murilo Mendes, quando se compara a uma chama com dois olhos

    andando, sempre em transformao (MENDES, 2001, p. 69).

    Desenvolvimento

    Mapas possuem a finalidade de auxiliar o viajante a encontrar os lugares que

    procura. Traam caminhos, apontam obstculos, indicam distncias. Enfrentam um

    dilema vital, que o da impossibilidade, por um lado, de espelhar o territrio com

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    4/15

    absoluta fidelidade e, por outro, trazer elementos suficientes para guiar o raciocnio

    do interessado at o destino pretendido. Pressupem escolhas, portanto:

    Os mapas, junto a qualquer cultura, sempre foram, so e sero formas desaber socialmente construdo [...]. So imagens carregadas de julgamentosde valor. No h nada de inerte e passivo em seus registros. Comolinguagem, os mapas conjugam-se com a prtica histrica, podendo revelardiferentes vises de mundo. Carregam, outrossim, um simbolismo que podeestar associado ao contedo neles apresentado. Constituem um saber que produto social, ficando atrelado aos processos de poder (MARTINELLI, 2009,p. 08).

    Ao observar um mapa cartogrfico, percebe-se que da escala1 eleita para a

    representao do territrio sob estudo depende a maior ou menor apreenso dos

    detalhes relativos ao objeto. Isso porque ela [...] a relao constante que existe

    entre as distncias lineares medidas sobre o mapa e as distncias lineares

    correspondentes, medidas sobre o terreno (JOLY, 1990, p. 20). Acidentesgeogrficos, por exemplo, podem nem constar na carta devido ao tamanho menor

    da escala utilizada. Assim, quanto menor a escala, menor a constatao de

    peculiaridades, uma vez que, a fim de abarcar toda a face da terra, necessrio

    diminuir o tamanho dos continentes, para que caibam na representao pictria.

    Compara-se, aqui, essa representao grfica percepo que, muitas vezes,

    temos de um agrupamento social: as relaes ali desenvolvidas tendem a nos

    parecer homogneas, e falamos, por exemplo, em sociedade brasileira, em

    1A escala denominada numrica representada por uma frao assim estruturada: a) numerador,que a medida no mapa (por exemplo, 1) e b) denominador, a medida do terreno (por exemplo,50.000. A frao a de 1/50.000. Isso demonstra que cada 1mm (um milmetro) do mapacorresponde a 50.000 mm (cinquenta mil milmetros) ou 50 m (cinquenta metros) do terreno. Dessaforma, a escala menor quanto maior o denominador (JOLY, 1990).

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    5/15

    pensamento cientfico ou em sistema jurdico como se tais construes no

    albergassem a mirade de conflitos e composies que, na verdade, possuem. No a

    cultura e a histria de um grupo determinado, nem o pensamento cientfico

    ocidental, ou uma interpretao diferenciada do direito (SANTOS, 2001). Mas

    afirmaes que abarcam todo o fenmeno, reduzindo-o a caractersticas inconsteis:

    claras, completas, coerentes.

    Nessa representao cartogrfica resultante de uma escala menor, a episteme

    jurdica formal, advinda do pensamento moderno, percebe o sistema jurdico como

    um produto final seno perfeito, pelo menos com segurana e homogeneidade

    suficiente para pr-se acima de meras dissonncias eventuais. Sua estruturao,

    forjada pelo movimento iluminista (sc. XVIII) no neutra, mas construda atravs

    de um mtodo de percepo historicamente situado (GADAMER, 2008), de acordo

    com o entendimento de seus observadores/projetistas.

    Essa pretenso de completude, exatido e certeza baseia-se em uma

    metodologia assptica de elaborao das normas jurdicas (FACCHINI NETO, 2010),

    tpico da viso das cincias tal como a encontrada na modernidade. A racionalidade,

    a liberdade e a igualdade formais legitimam o distanciamento entre o direito e seu

    substrato social (HESPANHA, 2003), impondo-lhe uma representao auto-referente:

    no h elementos fora do sistema estatal que interfiram na compreenso da cincia

    jurdica (PASQUALINI, 1999; PERLINGIERI, 2008). Assim, deduz-se:

    [...] as normas jurdicas e a sua aplicao exclusivamente a partir dosistema, dos conceitos e dos princpios doutrinais da cincia jurdica, semconceder a valores ou objectivos extra-jurdicos (por exemplo religiosos,

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    6/15

    sociais ou cientficos) a possibilidade de confirmar ou infirmar as soluesjurdicas (WIEACKER, 1967, p. 492).

    A essa projeo do sistema jurdico - positivismo jurdico - possui, para Bobbio

    (1995), as seguintes caractersticas gerais: a) direito, sempre estatal, fato e no

    valor; b) necessidade de coao uma vez que a norma imposta pela fora; c) lei ,

    preeminentemente, a fonte do direito; d) norma um comando ao humana; e) e

    est inserida em um sistema normativo completo e coerente, que organiza a

    sociedade: coerente, pois no coexistem normas antinmicas em seu interior e

    completo, pois no h lacunas legais, podendo o jurista resolver a questo por

    alguma norma j prevista; f) o mtodo da cincia jurdica impe uma interpretao

    mecanicista, onde predomina a subsuno; g) o direito impe a absoluta obedincia

    lei.

    Recorrente a fundamentao terica na neutralidade cientfica e naunidisciplinaridade, que adquirem um carter epistemolgico na Teoria Pura do

    Direito (KELSEN, 1996): estudo exclusivo da norma, sem interferncias indevidas de

    outros conhecimentos, em uma anlise tcnica formal. Assim, a validade da regra,

    para a teoria do formalismo jurdico, diferente do valor que possa conter, a tal

    ponto que, confirmada a sua correta localizao normativa na pirmide hierquica-

    formal, a escravido ser considerada um instituto jurdico como qualquer outro,

    mesmo que dela se possa dar uma valorao negativa (BOBBIO, 1995, p. 136).Cabe, neste momento, trazer a contribuio do socilogo da educao Basil

    Bernstein (1996), em sua anlise sobre relaes de poder. Elas determinam a

    classificao (diferenciao) externa entre grupos e interna em um grupo

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    7/15

    determinado: quanto mais forte a classificao, mais individualizados os elementos

    entre si, os quais existem de maneira independente, de acordo com suas

    especificidades, como o que segue:

    Se as categorias [...] so especializadas, ento cada categorianecessariamente tem sua prpria identidade especfica e suas prpriasfronteiras especficas. O carter especial, especfico, de cada categoria

    criado, mantido e reproduzido apenas se as relaes entre as categorias,das quais uma dada categoria faz parte, so conservadas. O que deve serconservado? O isolamento entre as categorias. a intensidade doisolamento que cria um espao no qual uma categoria pode setornar especfica. Se uma categoria quiser aumentar sua especificidade,ela tem que se apropriar dos meios de produzir o isolamento necessrio,que a condio prvia para adquirir sua especificidade. Quanto maisforte o isolamento entre categorias, mais forte ser a fronteiraentre uma categoria e outra e mais definido o espao que qualquercategoria ocupa em relao a qual ela especializada (itlico nooriginal; grifei em negrito) (BERNSTEIN, 1996, p. 42).

    Percebe-se, assim, que para a modernidade, a cincia jurdica detm uma

    forte classificao frente s demais cincias. Histria, antropologia, economia e

    filosofia, para citar alguns exemplos, encontram-se individualizadas em relao a

    categoria jurdica, cada qual com sua voz, apartada das demais. Da mesma forma,

    os saberes denominados eruditos e populares. Se observarmos o interior do

    ordenamento jurdico moderno, perceberemos que existe uma forte relao de

    poder/classificao entre diferentes classes de conhecimentos e de direitos.

    Essa regulao da distribuio de poder perpetrada de diversas formas

    dentro das academias de direito. Existem, segundo Aline Kipper (2000), basicamente

    trs caractersticas do modelo tradicional do ensino jurdico: a descontextualizao, o

    dogmatismo e a unidisciplinaridade. Os contedos ministrados no possuem conexo

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    8/15

    com a realidade prtica e cotidiana, tanto da sociedade quanto dos alunos, que os

    recebem como verdades incontestes. A abstrao do conhecimento da concretude da

    vida impede a compreenso real do objeto estudado, restando apenas a teorizao,

    sob o domnio do professor. A cultura erudita e acadmica, portanto, ocupa posio

    de destaque, sendo, na maioria das vezes, o nico discurso legtimo.

    A figura do professor a detentora do saber especfico do seu componente

    curricular. Este considerado individualmente, sem existir o indispensvel dilogo

    entre os diversos conhecimentos, jurdicos ou no. Decorre da o reforo realizado

    pelo ensino jurdico da condio de alienao do aluno, a sua desconexo com o

    substrato material da sociedade e a conseqente falta de identificao com os

    contedos estudados, a dificuldade do desenvolvimento autnomo do raciocnio, a

    quase inexistncia da crtica ao conceito de direito.

    importante, igualmente, levar em considerao o que Boaventura de Sousa

    Santos denomina de vozes ausentes (SANTOS, 2001). No currculo do ensino

    jurdico, elas podem ser compreendidas sob duas modalidades: a primeira abrange

    as vozes efetivamente no includas, tais como aquelas oriundas das diversas

    comunidades existentes em nossa sociedade e de suas normas jurdicas localmente

    produzidas. A segunda modalidade corresponde quelas vozes recontextualizadas

    sob a hegemonia cultural, tornando-se meras representaes descaracterizadas de si

    mesmas. Assim, os direitos relacionados s mulheres e o direito de proteo contra oracismo, por exemplo.

    No que diz respeito ao pluralismo jurdico, a diversidade de regramentos

    existentes no interior de comunidades, elaborados a partir das experincias e

    dificuldades locais, nos faz ampliar o conceito de direito, ultrapassando as fronteiras

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    9/15

    impostas pelo sistema jurdico estatal, excluindo, assim, a tradicional concepo do

    direito como artefato exclusivo do Estado. Do contrrio:

    [...] tal posicionamento equivale a deduzir todo Direito de certas normas,que supostamente o exprimem, como quem dissesse que acar aquiloque achamos numa lata com a etiqueta acar, ainda que um gaiato ltenha colocado p-de-arroz ou um perverso tenha enchido o recipiente comarsnico (LYRA FILHO, 2006, p. 30).

    Esse tema recorrente na literatura relativa Sociologia e Antropologia

    Jurdicas, como o exposto a seguir, onde se reconhece que, se as sociedades so

    sociologicamente plurais, da mesma forma sero juridicamente plurais:

    A ordem jurdica estatal no a nica, como se cr e com muita freqncia ensinado: ela encima ordens jurdicas infra-estatais (as dos grupossecundrios) ou se avizinha delas e se inclina diante das ordens jurdicas

    supra-estatais [...] Portanto, o pluralismo jurdico permite superar aproblemtica do Estado de direito ao afirmar que o Estado no temo monoplio da produo do direito oficial. Para o antroplogo, alimitao jurdica do Estado no pode ser oriunda do prprioEstado, por intermdio de um direito cujo domnio ele conserva detodos os modos. No plano interno, ela vem mesmo da sociedade, daqual se deve reconhecer que produz sistemas de direito [...] Porm,mais ainda do que a constatao da pluralidade das ordens jurdicas, conta ada interao delas: essas ordens no so mnadas. Elas se enredam nofuncionamento concreto dos diversos sistemas de regulao [...] (grifei)(ROULAND, 2003, p. 173-174).

    Assim, a forte influncia da concepo de direito como sistema estatal de

    sanes e coeres nos representa o direito ocidental e seu ensino como cultura

    universal, nica escolha racional possvel em nosso horizonte jurdico. A lei estatal,

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    10/15

    soberana em sua razo, impe-se como a grande fonte do direito moderno e

    submete sua obedincia atravs da fora.

    Estudos sobre currculo de cursos de direito (LEITE, 2003) tm questionado

    essa preponderncia da cultura ocidental, trabalhando com noes de ps-

    colonialismo e de representaes do outro (SILVA; MOREIRA, 1995). A relao

    pedaggica pode, pelo exposto, ser fonte de pluralidade de pensamentos e culturas.

    Na sua prtica, temos que ter em mente que:

    [...] isto envolve a compreenso de como poder e controle introduzem-senestas construes para incluir ou excluir, ou para privilegiar oumarginalizar. A teoria procura mostrar a fora limitante de formas deregulao e suas possibilidade, de tal forma que estejamos melhorhabilitados a escolher as formas que criamos do que as formas aserem criadas para ns (grifei) (BERNSTEIN; SOLOMON, 1999, p. 275-276).

    Hans-Georg Gadamer (2008) ressalta que o conhecimento decorre de uma

    fuso de horizontes: o passado e o presente acompanham o pesquisador, trilhando o

    caminho com ele. Da mesma forma, essa fuso possibilita a ampliao dos saberes,

    concedendo maior complexidade, em detrimento da simplificao matemtica

    moderna. Nesse sentido, a citao de Norbert Rouland (2003, p. 204):

    Sejamos claros. No h mais que duas maneiras de alcanar a unidade emsociedades em que se afirma a pluriculturalidade. Quer se decrete auniformidade (a laicidade seria ento compreendida como a proibio dequalquer manifestao de pertencer a uma religio). O que pode sernecessrio nos casos em que as diferenas so interpretadas mais emtermos de antagonismos do que de complementaridades. Quer se prefiraa via mais difcil, porm infinitamente menos primitiva, da unidadena diversidade. Pois eis os que os partidrios da uniformidade querem ou

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    11/15

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    12/15

    fazem referncia e tomando parte daquilo que somos e desejamos ser(ANJOS; CIPRIANO, 2006, p. 75).

    A fora da recontextualizao de antigas e novas prticas pode ser observada

    na citao a seguir:

    Quando um texto apropriado por agentes recontextualizadores, atuando

    em posies deste campo, ele, geralmente, sofre uma transformao antesde sua recolocao. A forma dessa transformao regulada por umprincpio de descontextualizao. Este processo refere-se a mudanas notexto, na medida em que ele deslocado e recolocado. Este processoassegura que o texto no seja mais o mesmo texto: 1. O texto mudou suaposio em relao a outros textos, prticas e situaes. 2. O prprio textofoi modificado por um processo de seleo, simplificao, condensao eelaborao. 3. O texto foi reposicionado e refocalizado2 (grifos no original)(BERNSTEIN, 1996, p. 270).

    A recontextualizao no feita de maneira mecnica, mas adaptada a

    realidade a qual se dirige. Assim ocorre nessas comunidades. Assim, tambm, pode

    ocorrer no enfoque aqui proposto. Professores, alunos e comunidades, em um

    dilogo multicultural, podem elaborar novas formas de ensino do direito. A

    oxigenao de ambas as pedagogias (da comunidade tradicional e da academia)

    ocasionada por esta troca um dos horizontes possveis do pensamento ps-

    positivista.

    Concluso

    2No original: This involves understanding how power and control enter into these constructions toinclude or exclude, or to privilege or marginalise. The theory attempts to show both the limiting powerof forms of regulation and their possibilities, so that we are better able to choose the forms we createrather than the forms to be created for us. Traduo da autora.

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    13/15

    Atravs da discusso aqui iniciada, percebe-se que comunidades e grupos

    especficos possuem sistematizao de regramentos jurdicos prprios, advindos de

    embates e discusses contemporneas, mesclados a tradies e culturas

    conservadas atravs de geraes. o caso de comunidades remanescentes de

    quilombos, nas quais o passado , cotidianamente, recontextualizado a fim de

    resolver problemas atuais e necessidades do grupo.

    A maneira com a qual tais relaes se constroem e so reguladas, a forma

    com que so transmitidas entre seus membros podem proporcionar uma reinveno

    de nossa prpria prtica pedaggica. No para transport-las, mecanicamente, s

    nossas academias, em um movimento iconoclasta. Mas para permitir a oxigenao e

    o dilogo cultural, abrindo horizontes antes limitados, transpondo os muros cerrados

    do formalismo. Ao ensino jurdico neutro e eqidistante sucede outro,

    axiologicamente assumido, ligado dialtica do cotidiano.

    Referncias

    BERNSTEIN, Basil.A Estruturao do Discurso Pedaggico: Classe, Cdigos eControle.Traduo de Tomaz Tadeu da Silva e Luis F. G. Pereira. Petrpolis: Vozes,1996.

    _____; SOLOMON, Joseph. Pedagogy, Identity and Constrution of a Theory ofSymbolic Control: Basil Bernstein Questioned by Joseph Solomon. British Journalof Sociology of Education.London, v. 20, n. 02, p. 265-280. 1999.

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    14/15

    BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurdico: Lies de Filosofia do Direito.Traduo de Mrcio Pugliesi, Edsn Bini e Carlos E. Rodrigues. So Paulo: cone,1995.

    FACCHINI NETO, Eugnio. Reflexes Histrico-Evolutivas sobre aConstitucionalizao do Direito Privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.).Constituio, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2010. p. 37-75.

    GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo I: traos fundamentais de umahermenutica filosfica. Traduo de Paulo Meurer. 10 ed. Petrpolis: Vozes,2008.

    HENNING, Ana Clara Correa. Comunidades remanescentes de quilombos na Serrados Tapes/RS: marcas da escravido, autoreconhecimento e seu questionamentopela ADIN n. 3239. In: XXI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, Uberlndia,06-09 de junho de 2012. Anais do XXI Encontro Nacional do Conpedi. P. X-Y.Disponvel em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=e0cf1f47118daebc.Acessado em novembro de 2012.

    HESPANHA, Antnio Manuel. Cultura Jurdica Europeia: sntese de um milnio.3 ed. Mem Martins: Europa-Amrica, 2003.

    JOLY, Fernand. A Cartografia. Traduo de Tnia Pellerini. Campinas, So Paulo:Papirus, 1990.

    KELSEN, Hans.Teoria Pura do Direito. Traduo de Joo Baptista Machado. 5 ed.So Paulo: Martins Fontes, 1996.

    KIPPER, Aline. O Discurso Jurdico na Sala de Aula: Convencimento de um nicoParadigma. In: RODRIGUES, Horcio Wanderlei (org.). Ensino Jurdico: ParaQue(m)?Florianpolis: Fundao Boiteux, 2000. p. 64-73.

    LYRA FILHO, Roberto. O Que Direito?17 ed. So Paulo: Brasiliense, 2006.

  • 7/25/2019 Recontextualizao Pedaggica e Comunidades Quilombolas

    15/15

    MARTINELLI, Marcello. Mapas da Geografia e Cartografia Temtica. 5 ed. SoPaulo: Contexto, 2009.

    PASQUALINI, Alexandre. Hermenutica e Sistema Jurdico: Uma Introduo Interpretao Sistemtica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

    PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Traduo deMaria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

    ROULAND, Norbert. Nos Confins do Direito. Traduo de Maria Ermantina deAlmeida Prado Galvo. 2 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2008.

    SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crtica da Razo Indolente: contra odesperdcio da experincia. Para um Novo Senso Comum: a cincia, odireito e a poltica na transio paradigmtica. 3 ed. So Paulo: Cortez, 2001.

    SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antnio Flvio. Os Novos Mapas Culturais e oLugar do Currculo na Paisagem Ps-Moderna. In: SILVA, Tomaz Tadeu da;MOREIRA, Antnio Flvio (org.). Territrios Contestados.Petrpolis: Vozes, 1995.p. 184-202.

    WIEACKER, Franz. Histria do Direito Privado Moderno. Traduo de AntnioManuel Hespanha. 2 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1967.