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Tratamento de familiar com câncer Recebido em: 06.05.2009 – Aprovado em: 05.04.2010 p.462 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 jul/set; 18(3):462-7. Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: O estudo em foco originou-se da questão: Quais são os sentimentos da família frente ao adoecer e ao tratamento de um familiar com câncer? Estudo de abordagem qualitativa, utilizando a entrevista semiestruturada para a coleta dos dados, que aconteceu em janeiro de 2008. Os sujeitos envolvidos foram 12 familiares de paciente com câncer em tratamento numa instituição especializada em oncologia, na cidade de Feira de Santana – Bahia. A interpretação dos dados, mediante análise de conteúdo, revelou a manifestação de determinados sentimentos, desde o diagnóstico, que vão se modificando, ou se reafirmando ao longo dos estágios da doença e do tratamento. Concluiu-se pela importância da inclusão da família, apoiada pelos profissionais de saúde, nos cuidados relativos ao enfrentamento da referida enfermidade. Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Família; câncer; quimioterapia; radioterapia. ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT: : : : : The study in focus was developed out of the question: what are the feelings a family experiences in face of a relative’s falling ill and having treatment for cancer? A study with qualitative approach was carried out on the basis of a semi – structured interview for data collection in January, 2008. The subjects involved were 12 relatives of a patient with cancer undergoing treatment at an oncology-specialized institution, in the city of Feira de Santana, Bahia, Brazil. The content analysis of the data unveiled a series of feelings undergoing consolidation or change from the time of the diagnosis and all the way along illness and treatment. Conclusions pointed to the relevance of the inclusion of the family, supported by health professionals, in the care related to coping with the illness. Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Family; cancer; chemotherapy; radiotherapy. RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: El estudio en foco se originó de la cuestión: ¿Cuales son los sentimientos de la familia delante del enfermar y del tratamiento de un familiar con cáncer? Estudio de abordaje cualitativo, utilizando la encuesta semiestructurada para la recolección de los datos, que ocurrió en enero de 2008. Los sujetos envueltos fueron 12 familiares de paciente con cáncer en tratamiento en una institución especializada en oncología, en la ciudad de Feira de Santana – Bahia, Brasil. La interpretación de los datos, mediante análisis de contenido, reveló la manifestación de determinados sentimientos, desde el diagnóstico, que se van modificando, o reafirmándose, a lo largo de los estadios de la enfermedad y del tratamiento. Se concluyó por la importancia de la inclusión de la família, apoyada por los profesionales de salud, en los cuidados relativos al enfrentamiento de la referida enfermedad. Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Família; cáncer; quimioterapia; radioterapia. A FAMÍLIA FRENTE AO ADOECER E AO TRATAMENTO DE UM FAMILIAR COM CÂNCER THE FAMILY IN FACE OF A RELATIVES FALLING ILL AND HAVING TREATMENT FOR CANCER LA FAMILIA DELANTE DEL ENFERMAR Y DEL TRATAMIENTO DE UN FAMILIAR CON CÁNCER Thâmara Sena Barreto I Rita da Cruz Amorim II I Enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde. Centro de Atenção Psicossocial David Capistrano Filho. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail: [email protected]. II Enfermeira do Hospital Geral Clériston Andrade, unidade de estabilização. Universidade Estadual de Feira de Santana. Departamento de Saúde. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected]. INTRODUÇÃO O câncer é uma doença crônica, que está se tornan- do cada vez mais frequente, cujo índice de mortalidade cresce a cada dia. No ano de 2007, ocorreram 161.491 óbitos no Brasil, desses, 7.633, no Estado da Bahia 1 . O número de mortes e o estigma do câncer fazem aumentar o sofrimento da pessoa que recebe esse diagnós- tico. Sofrimento que se estende para os seus familiares. A pesquisa partiu da questão: Quais os sentimen- tos da família frente ao adoecer e ao tratamento do cân- cer? Teve o objetivo de compreender os sentimentos das famílias dos clientes com câncer, desde a revelação do diagnóstico até a realização do tratamento. REFERENCIAL TEÓRICO “Os sentimentos têm por antecedente imedia- to um fato psíquico, sensível ou inteligível (imagem, representação)” 2:136 . A descoberta de uma doença de- Recebido em: 06.05.2009 – Aprovado em: 05.04.2010

A Familia Frente Ao Adoecer

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Como a família entende o doente e seu processo de adoecimento

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  • Tratamento de familiar com cncer

    Recebido em: 06.05.2009 Aprovado em: 05.04.2010p.462 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 jul/set; 18(3):462-7.

    Artigo de PesquisaOriginal Research

    Artculo de Investigacin

    RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: O estudo em foco originou-se da questo: Quais so os sentimentos da famlia frente ao adoecer e aotratamento de um familiar com cncer? Estudo de abordagem qualitativa, utilizando a entrevista semiestruturada para acoleta dos dados, que aconteceu em janeiro de 2008. Os sujeitos envolvidos foram 12 familiares de paciente com cncerem tratamento numa instituio especializada em oncologia, na cidade de Feira de Santana Bahia. A interpretao dosdados, mediante anlise de contedo, revelou a manifestao de determinados sentimentos, desde o diagnstico, que vose modificando, ou se reafirmando ao longo dos estgios da doena e do tratamento. Concluiu-se pela importncia daincluso da famlia, apoiada pelos profissionais de sade, nos cuidados relativos ao enfrentamento da referida enfermidade.Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave: Famlia; cncer; quimioterapia; radioterapia.

    ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT: : : : : The study in focus was developed out of the question: what are the feelings a family experiences in face of arelatives falling ill and having treatment for cancer? A study with qualitative approach was carried out on the basis of a semi structured interview for data collection in January, 2008. The subjects involved were 12 relatives of a patient with cancerundergoing treatment at an oncology-specialized institution, in the city of Feira de Santana, Bahia, Brazil. The contentanalysis of the data unveiled a series of feelings undergoing consolidation or change from the time of the diagnosis and allthe way along illness and treatment. Conclusions pointed to the relevance of the inclusion of the family, supported by healthprofessionals, in the care related to coping with the illness.Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Family; cancer; chemotherapy; radiotherapy.

    RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: El estudio en foco se origin de la cuestin: Cuales son los sentimientos de la familia delante del enfermar ydel tratamiento de un familiar con cncer? Estudio de abordaje cualitativo, utilizando la encuesta semiestructurada para larecoleccin de los datos, que ocurri en enero de 2008. Los sujetos envueltos fueron 12 familiares de paciente con cnceren tratamiento en una institucin especializada en oncologa, en la ciudad de Feira de Santana Bahia, Brasil. Lainterpretacin de los datos, mediante anlisis de contenido, revel la manifestacin de determinados sentimientos, desde eldiagnstico, que se van modificando, o reafirmndose, a lo largo de los estadios de la enfermedad y del tratamiento. Seconcluy por la importancia de la inclusin de la famlia, apoyada por los profesionales de salud, en los cuidados relativosal enfrentamiento de la referida enfermedad.Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave: Famlia; cncer; quimioterapia; radioterapia.

    A FAMLIA FRENTE AO ADOECER E AO TRATAMENTO DEUM FAMILIAR COM CNCER

    THE FAMILY IN FACE OF A RELATIVES FALLING ILL AND HAVINGTREATMENT FOR CANCER

    LA FAMILIA DELANTE DEL ENFERMAR Y DEL TRATAMIENTO DE UNFAMILIAR CON CNCER

    Thmara Sena BarretoI

    Rita da Cruz AmorimII

    IEnfermeira da Secretaria Municipal de Sade. Centro de Ateno Psicossocial David Capistrano Filho. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail:[email protected] do Hospital Geral Clriston Andrade, unidade de estabilizao. Universidade Estadual de Feira de Santana. Departamento de Sade. Feirade Santana, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected].

    INTRODUO

    O cncer uma doena crnica, que est se tornan-do cada vez mais frequente, cujo ndice de mortalidadecresce a cada dia. No ano de 2007, ocorreram 161.491bitos no Brasil, desses, 7.633, no Estado da Bahia1.

    O nmero de mortes e o estigma do cncer fazemaumentar o sofrimento da pessoa que recebe esse diagns-tico. Sofrimento que se estende para os seus familiares.

    A pesquisa partiu da questo: Quais os sentimen-tos da famlia frente ao adoecer e ao tratamento do cn-

    cer? Teve o objetivo de compreender os sentimentosdas famlias dos clientes com cncer, desde a revelaodo diagnstico at a realizao do tratamento.

    REFERENCIAL TERICO

    Os sentimentos tm por antecedente imedia-to um fato psquico, sensvel ou inteligvel (imagem,representao)2:136. A descoberta de uma doena de-

    Recebido em: 06.05.2009 Aprovado em: 05.04.2010

  • Barreto TS, Amorim RC

    Recebido em: 06.05.2009 Aprovado em: 05.04.2010 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 jul/set; 18(3):462-7. p.463

    Artigo de PesquisaOriginal ResearchArtculo de Investigacin

    anormais do organismo que, geralmente, formam um tu-mor. Essas clulas podem, tambm, se desprender do tumore migrar para outra parte do corpo, substituindo tecidossadios10. O tratamento do cncer pode ser realizado medi-ante vrias modalidades teraputicas, como quimioterapia,radioterapia, cirurgia, hormonioterapia e imunoterapia, quepodem ser utilizadas combinadas ou no11,12.

    A quimioterapia consiste no emprego de subs-tncias qumicas, isoladas ou em combinao, com oobjetivo de tratar as neoplasias malignas13:5. As medi-caes utilizadas nessa terapia agem interferindo noprocesso de diviso e crescimento celular, porm noso seletivas, agindo, tambm, em clulas sadias, comoas do tecido hematopoitico, germinativo, do folculopiloso e do aparelho gastrointestinal, devido a apre-sentarem rpida diviso celular.

    O tratamento quimioterpico pode serneoadjuvante, curativo, adjuvante e paliativo. No pri-meiro caso, utiliza-se a quimioterapia antes do trata-mento principal, no intuito de reduzir o tamanho dotumor para facilitar o seu controle. O curativo, paraque realmente seja atingido, dura, em mdia, nos adul-tos, cinco anos, enquanto que o terceiro, adjuvante, quando se administram os quimioterpicos aps a te-rapia principal para eliminar a doena residualmetasttica potencial. Na terapia paliativa, aquimioterapia no influencia a sobrevida da pessoa, utilizada para reduzir o tumor, aliviar os sintomas,melhorando a qualidade de vida da pessoa doente14.

    A quimioterapia um tratamento agressivo, na busca da cura de umsofrimento ainda maior, e que no se podedesconsiderar as alteraes na qualidade de vida dequem a ele se submete15:124.

    A radioterapia exerce seus efeitos no local daaplicao e atua no DNA das clulas atingidas, impe-dindo a multiplicao dessas e/ou induzindo sua mor-te por apoptose. Essa terapia menos agressiva s clu-las normais que a quimioterapia, visto que essas clu-las possuem maior capacidade de reparo do DNA queas malignas e, tambm, a radioterapia no um trata-mento sistmico, atinge apenas as clulas que se loca-lizam na regio para a qual a radiao direcionada16.

    METODOLOGIA

    Este estudo seguiu os princpios da pesquisa qua-litativa para tratar da compreenso dos sentimentosda famlia frente ao adoecer e ao tratamento do cncerde um familiar, e tem carter exploratrio, quanto aoobjetivo desse mtodo: conhecer as caractersticas deum fenmeno para procurar, posteriormente, explica-es das causas e conseqncias de dito fenmeno17:326.

    O campo do estudo foi o Instituto de Oncologiada Bahia (ION), criado em 1980, visando atender a

    sencadeia sentimentos, que podem variar, de acordocom o grau de conhecimento sobre a mesma, tantona pessoa doente quanto em sua famlia. Alm disso,as consequncias provocadas pelo tratamento, comono caso do cncer, tambm influenciam os sentimen-tos dos clientes e seus familiares3.

    Os sentimentos so reacionais visto que o ser huma-no responde s diversas situaes de forma diferente, so osresponsveis por modificar-lhe o comportamento4.

    Compreender os sentimentos dos clientes e dosseus familiares diante de eventos como a doena e otratamento importante para que a equipe de sadeplaneje aes adequadas e oriente estas pessoas deacordo com as suas necessidades, visto que os senti-mentos no so to fceis de identificar e interpretar.

    O cuidado humano uma atitude tica, em razode que os seres humanos estabelecem relaes de respei-to, promovendo o crescimento e o bem-estar do outro5.

    Cuidar do paciente na sua totalidade um grandedesafio. No basta apenas conhecimento tcnico ecientfico e tecnologia avanada para tal propsito, necessrio oferecer suporte humano ao cliente [...]6:243.

    Ainda, vale destacar que:O cncer uma doena familiar, no sob o ponto devista gentico, mas pelo impacto que provoca. Quan-do um membro da famlia diagnosticado, todos osfamiliares so tocados7:32.

    Portanto, o cuidado com a famlia torna-se in-dispensvel, as consequncias biopsicossociais que apresena dessa patologia promove no sistema famili-ar no so fceis de se enfrentar7.

    A comunicao do diagnstico de uma doenapode provocar alteraes fsicas, emocionais e sociaisno cliente e, frequentemente, se estendem sua fa-mlia. Em se tratando de uma doena como o cncer,que ainda tem ndice de mortalidade alto, a sua des-coberta pode desestruturar a famlia, pois as altera-es provocadas por ela e por seu tratamento somotivos de sofrimento para a pessoa doente e seusentes queridos.

    Apesar do desgaste fsico e emocional,a famlia organiza-se para cuidar do seu familiardoente, e presta este cuidado dando o melhor de sidentro de suas possibilidades, e este cuidado ajudasobremaneira no enfrentamento da doena8:55.

    Os sentimentos de perdas relacionadas com as es-peranas, sonhos e perspectivas futuras so respons-veis pelo sofrimento dos familiares. Provavelmente, aassociao que se faz entre o cncer e a morte despertaesses sentimentos, principalmente em relao aos pla-nos para o futuro, os quais tero que ser desfeitos oureformulados caso a pessoa vitimada venha a falecer9.

    O cncer uma doena crnica, no transmissvel,caracterizada pela proliferao descontrolada de clulas

  • Tratamento de familiar com cncer

    Recebido em: 06.05.2009 Aprovado em: 05.04.2010p.464 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 jul/set; 18(3):462-7.

    Artigo de PesquisaOriginal Research

    Artculo de Investigacin

    populao de Feira de Santana (Bahia), na prevenoe tratamento do cncer.

    Os sujeitos foram 12 familiares que acompanha-vam as sesses de quimioterapia e de radioterapia, sen-do considerado o perodo da primeira ltima sesso eque aceitasse participar do estudo mediante assinaturado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Emrelao ao grau de parentesco com a pessoa em trata-mento, quatro eram esposas, duas filhas, duas irms, duassobrinhas, uma me e um namorado.

    A tcnica para a coleta de dados foi a entrevista,que pressupe o encontro de duas pessoas por iniciati-va de uma delas, que tem um objetivo especfico, masque se consolida com a anuncia das duas partes18:8. Asentrevistas ocorreram no ms de janeiro de 2008.

    Foi utilizada a anlise de contedo para o trata-mento dos dados19. Na pr-anlise realizou-se leituraflutuante das entrevistas para organizar o material. Emseguida, foi codificado, classificado e categorizado, sen-do organizado a partir de ncleos de sentido, atravs dadesagregao do material. Por fim, os resultados obtidosforam discutidos com base no referencial terico.

    A pesquisa foi aprovada pelo Comit de ticaem Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Univer-sidade Estadual de Feira de Santana que atende Re-soluo no 196/9620, sob o nmero de protocolo 011/2007 (CAAE 0012.0.059.000-07).

    RESULTADOS E DISCUSSO

    Da anlise de contedo dos depoimentos dossujeitos, emergiram trs categorias: sentimentos dafamlia frente a um familiar com cncer; vivenciandoo processo de tratamento; e o familiar acompanhan-do a quimioterapia/ radioterapia.

    As referidas categorias so discutidas a seguir.

    Sentimentos da Famlia Frente a um Familiarcom Cncer

    A descoberta do cncer provoca sentimentosque impem, famlia, a tomada de decises em todoo decorrer do processo de adoecimento8. Tanto a pes-soa quanto seus familiares passam por estgios deadaptao doena, em nmero de cinco, e que soimportantes para lidar-se com os mecanismos ao lon-go de uma doena crnica21.Negao e isolamento

    A negao e o isolamento ocorrem logo aps adescoberta da doena e so usados por quase todas aspessoas, como uma defesa temporria, que pode ser logosubstituda pela aceitao parcial21. Identificamos, nes-sa fase, inconformao e tristeza, seguidos de confor-mao parcial, como podemos ver neste depoimento:

    Fiquei um pouco chateada com isso. No dia, vixe, eufiquei, fiquei chateada viu! Meus filhos ficaram chate-

    ados, mas com o tempo a gente foi se adaptando, seconformando. (E1)

    Na frente dela a gente s quer dar fora a ela, jamaisficar triste na frente dela, de jeito nenhum, porque apiora tudo. A gente procura mostrar sempre fora a ela,no deix-la se abater de jeito nenhum. (E3)

    Ento deixa enganado. Ele nem sabe que tem cncer,nem sabe que maligno. (E7)

    Quanto atitude da famlia, de esconder os sen-timentos diante do familiar com cncer, considere-se este parecer:

    Frequentemente, ouvimos parentes dizerem comorgulho que sempre tentaram manter um sorriso noslbios na frente do paciente, mas que um dia nopuderam continuar mantendo as aparncias. Pou-cos perceberam que as emoes genunas de umfamiliar so muito mais fceis de se aceitar do queuma mscara enganadora, atravs da qual o paci-ente enxerga de qualquer jeito e que, para ele, temmais o sentido de falsidade do que de solidariedadenuma situao triste21:183-4.

    RaivaA famlia pode manifestar raiva em relao

    equipe de sade, devido demora do tratamento e,tambm, desenvolver sentimentos de impotncia eautopunio3, como se pode observar neste relato:

    um sentimento muito dolorido, a gente queria quefosse com a gente para ela no passar por aquilo, mas,a gente fica tentando ajudar, mas no consegue, s con-versando, mas... (E3)

    No intuito de tornar menos sofrida a passagempor esse estgio e, tambm, facilitar a sua relao comos familiares, torna-se importante que a equipe desade proporcione, famlia, possibilidades de dilo-go, esclarecendo as suas dvidas e, assim, avaliar oimpacto causado pelo adoecimento no grupo famili-ar e tomar conhecimento das estratgias que esse uti-liza para enfrentar o processo22,23. Tambm a angstiafoi um sentimento manifestado pelos familiares di-ante do diagnstico:

    Foi horrvel a princpio, a gente s imaginava o pior,quando v a notcia a gente j pensa na pessoa morta, horrvel. (E11)

    Com referncia ao profissional de sade, im-portante que ele saiba identificar os sentimentos queemergem nas diversas situaes. As alteraesbiopsicossociais a que fica sujeita a famlia, no incioe ao longo de todo o processo da doena, devem seratentamente acompanhadas.

    NegociaoAparece aps a raiva e a equipe de sade precisa

    escutar o paciente/famlia evitando julgamentos esem lhe dar qualquer garantia. Geralmente feita comDeus21. Vale destacar que, neste estudo, no foi

  • Barreto TS, Amorim RC

    Recebido em: 06.05.2009 Aprovado em: 05.04.2010 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 jul/set; 18(3):462-7. p.465

    Artigo de PesquisaOriginal ResearchArtculo de Investigacin

    identificada a fase de negociao nos depoimentosdos sujeitos.

    DepressoOcorre quando o familiar no pode mais negar a

    doena, quando sobrevm um sentimento de perdaque, no caso do cncer, aguado pela sua sintomatologiaque, por vezes, impede a pessoa de manter uma vidanormal e ativa, como antes do diagnstico3. Esse senti-mento pode ser associado tanto mudana da rotinaquanto morte, como expressado neste fragmento:

    Eu s digo a ela que ela vai ficar boa, mas na verdadeeu sei que no bem por a, a gente tem que ver arealidade. Eu agora mesmo estou muito sentida, porque eu estou achando que ela vai [choro]. Eu no mevejo sem ela, no me imagino sem ela, eu sei que podeacontecer, mas eu no me imagino sem ela. (E8)

    Aceitao marcada pela cessao gradual da vontade de

    lutar, fazendo com que o familiar no mais tema ou seangustie diante da ideia da perda, nesse momento,inevitvel3. Em alguns depoimentos, essa fase estbem caracterizada:

    Agora eu sei que estou lutando na esperana de que vaichegar um dia, como, alis, chega para ns todos... sens nascemos, ns morremos. (E7)

    A gente tem que morrer um dia, minha filha, ou de cn-cer, ou de infarto, de qualquer coisa a gente morre [...].No dia que for para Deus levar, Deus leva. A gente sente,ningum quer que ningum v, quem tem o que seu noquer que v, mas est a nas mos de Jesus. (E9)

    Percebe-se essa aceitao principalmente entre fa-miliares de pessoas idosas como atestam os depoimen-tos anteriores, ou ento quando o prprio cliente aceita oseu diagnstico e passa para a famlia a sua segurana:

    Ela quem ajuda os outros, em vez dos outros ajud-la,ela quem d fora aos outros [...]. A vida essa, temmais que aceitar. A gente cuida, mas se vier... issoque eu disse ao povo l em casa, ela no foi atrs. (E12)

    Vivenciando o Processo de TratamentoFoi evidenciado que a maioria dos familiares v

    o tratamento como a possibilidade de cura ou de pro-longar a vida da pessoa com cncer, razo por que aincentiva para realiz-lo mesmo com as reaes ad-versas que provoca, como bem ilustram estas falas:

    Eu aceitei porque um meio de viver mais uns dias, aide ns que no tivesse isso a, quantos que j morreramquando no tinha. Eu aceitei de todo o prazer paraviver mais uns tempos, seno ele j tinha morrido se notivesse esse tratamento a. (E9)

    A gente aceitou sim, porque um jeito dela melhorar, delase curar, que com f em Deus ela vai ficar curada. (E2)

    A esperana na cura, por sua vez, gera ansiedadediante do tratamento:

    A gente aceitou porque atravs do tratamento que con-segue a cura dela, queramos que fizesse logo e rpido. (E3)

    A esperana foi expressada pelos familiares,acentuada pela religiosidade, pela f na cura. Est pre-sente em todos os estgios de adaptao da doena,quando ocorrem conflitos relacionados com esse sen-timento, provenientes da desesperana da famlia eda equipe de sade e, tambm, da incapacidade dosfamiliares em aceitar a morte da pessoa21.

    Quando eu descobri, o mdico falou para mim, eu pen-sei que fosse o fim [...] para mim, cncer a morte, otratamento no resolvia e no tinha cura. (E3)

    A religiosidade, frequente nos discursos, assumegrande importncia no processo de enfrentamento dadoena. A religio considerada como promotora desuporte emocional, instrumental e informativo24.

    O sofrimento e a dor gerados pelas reaes ad-versas da quimioterapia fazem com que esse tratamen-to receba o status de doena, devido despersonaliza-o e estigmatizao de pacientes e familiares25. As-sim, alguns tratam a quimioterapia como uma fase todifcil quanto descoberta da doena:

    Aqueles efeitos horrveis, da quimioterapia a pior par-te, eu no sei se pior saber que est com cncer demama ou se a quimioterapia [...]. A rdio at maisfcil, mas o pior a quimioterapia que aquela fasehorrvel [...] (E8)

    A equipe de sade torna-se, ento, fundamen-tal para que haja aceitao do tratamento, visto serela a responsvel por informar ao cliente e famlia eesclarecer as suas dvidas sobre os cuidados e os re-cursos teraputicos, colocando-se disposio delessempre que preciso.

    Aceitei bem porque tive apoio da equipe, isso me deufora. bom porque a gente sabe quando precisar, aquem procurar; primeiro a Deus, depois essas pessoas.Isso fortalece e a gente sente vontade de lutar. (E5)

    Observa-se ainda preconceito em relao spessoas portadoras de cncer, talvez devido ao fatodessa patologia [...] ainda possuir uma conotao decontgio e terminalidade, alm da estigmatizaoque envolve o tratamento26:223.

    Quando eu tive cncer, minha vizinha teve preconceitocomigo, mas com ele no. Todo mundo ficou normal,tanto na famlia dele como na minha. Ningum ficoucom preconceito de nada, todo mundo ficou bem, gra-as a Deus foi isso. Ningum se recusou a se aproximarda gente, todo mundo ficou beleza, se cuidando e levan-do a vida. (E4)

    Considerando o ltimo depoimento, no hou-ve preconceito das famlias e de conhecidos em rela-o ao seu familiar doente, o que, certamente, favo-receu o tratamento e a convivncia.

  • Tratamento de familiar com cncer

    Recebido em: 06.05.2009 Aprovado em: 05.04.2010p.466 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 jul/set; 18(3):462-7.

    Artigo de PesquisaOriginal Research

    Artculo de Investigacin

    O Familiar Acompanhando a Quimioterapia/Radioterapia

    Alguns dos familiares entrevistados relataramser o nico membro da famlia a acompanhar e a cui-dar da pessoa doente, diante da falta de disponibili-dade de tempo ou de aptido por parte dos demais.

    S eu venho [nas sesses]. As outras irms e a famliatoda me dizem que eu sou responsvel por ela [...] Ima-gine? Ficar responsvel por uma vida desse jeito? MasDeus me d foras. (E2)

    As falas evidenciaram que a famlia tornou-se maisunida aps o diagnstico e

    o processo de descoberta e tratamento da doena,embora causando um impacto inicial, representouum elo de unio para a famlia, proporcionando ummelhor enfrentamento da situao26:221.

    Ns ramos unidos, mas depois que aconteceu esse pro-blema, ficou mais ainda. (E3)

    A experincia de ser acompanhante, para al-guns familiares, um momento mpar, que favoreceum aprendizado importante:

    Eu acho que a gente cresce muito, a gente aprende mui-to que no deve se apegar a nada, porque a gente v quenuma hora dessas nada vale, s a sade, a gente ficamuito mais humano, muito mais humilde. (E8)

    Nota-se, tambm, o medo, a tristeza, o sofri-mento dos acompanhantes ao ver o familiar em pro-cesso de tratamento manifestando as desagradveisreaes advindas:

    muito doloroso, muito constrangedor para mim [...].Na primeira quimioterapia que ela tomou, ela desidra-tou demais e teve que ficar internada nove dias, a agora,na segunda, a gente estava com medo da reao. (E3)

    A presena do acompanhante importante,como forma de compartilhar a vivncia do tratamen-to, como, tambm, do apoio durante o momento emque esse tratamento se efetua. O acompanhante com-partilha os sentimentos, as angstias e todas as expe-rincias ento vividas pelo paciente, o que evidenciaa importncia de prestar-lhe cuidados favorecendo-o no cumprimento da tarefa27.

    CONCLUSO

    Da anlise de contedo dos depoimentos dos su-jeitos, emergiram trs categorias: sentimentos da fa-mlia frente a um familiar com cncer; vivenciando oprocesso de tratamento; e o familiar acompanhandoa quimioterapia/ radioterapia.

    O momento de se revelar o diagnstico de cncer o mais difcil. A aceitao ou adaptao doena passapor estgios negao, raiva, negociao, depresso eaceitao, nos quais essas reaes se manifestam poden-

    do se alterar ao longo do processo, porm este estudono evidenciou o estgio de negociao.

    O tratamento do cncer, apesar de ser um proces-so em que tem lugar o sofrimento, devido s reaesadversas, representa um motivo de esperana na cura ouno aumento da expectativa de vida. A religiosidade fun-ciona, por vezes, como um facilitador da aceitao dadoena e da morte.

    A importncia da equipe de sade em todo o pro-cesso de aceitao da doena e do tratamento foi reco-nhecida pelos familiares que se referiram mesma comouma espcie de porto seguro, buscada nos momentos dedvida e de fraqueza, o que aponta para a necessidade deinvestimentos na capacitao dos profissionais paracuidar da pessoa doente e dos familiares.

    REFERNCIAS

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