3
A FAMÍLIA COMO REFERÊNCIA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A REDE SOCIOASSISTENCIAL EM TERESINA-PI (ZONAS SUL E SUDESTE) Karla Rayane Alves da Silva (bolsista do PIBIC/CNPQ), Solange Maria Teixeira (Orientadora, Depto de Serviço Social) Introdução A família é uma importante instituição societária que historicamente esteve relacionada às funções de cuidado, educação e socialização. Contudo, houve um processo de publicização da esfera privada, no qual o Estado passou a intervir nas famílias através das legislações, das políticas demográficas, das políticas sociais, econômicas e da cultura dos especialistas. Essa relação entre Estado e família permanece até hoje no âmbito das políticas sociais brasileiras, as quais têm adotado a centralidade na família como parâmetro desde a década de 1990. Essa centralidade, no entanto, não implica na imediata incorporação da família como um sujeito de direito a especial proteção do Estado. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa foi analisar como a família é inserida na política de assistência social e mapear a rede de proteção social básica das regiões sul e sudeste do município de Teresina-PI. Metodologia Para tanto, utilizou-se a metodologia quanto-qualitativa com base nas pesquisas bibliográfica, documental e de campo. Na pesquisa documental foram analisados a PNAS/2004, a NOB/SUAS/2005, o PAIF, o Catálogo de endereços e serviços da rede socioassistencial de Teresina e o Diagnóstico dos territórios dos CRAS e CREAS. A pesquisa de campo foi realizada no período de 20 de abril a 20 de maio no Conselho Municipal de Assistência social (CMAS), com o objetivo de levantar dados sobre as entidades de assistência social. Resultados e Discussões Observou-se que os elementos legais e operacionais referentes à Política de Assistência (PNAS/2004, NOB/SUAS/2005, PAIF) são marcados por uma contradição no que diz respeito à centralidade na família. Se, por um lado, a política reconhece a família como um sujeito de direitos e espaço a ser protegido pela política pública de modo a garantir a convivência familiar e comunitária, por outro, busca reforçar as suas responsabilidades na proteção social. A Política de Assistência Social não toma a família como referência no sentido de independentizá-la do seu papel tradicional; ao contrário, as suas funções são reforçadas independentemente das suas condições objetivas e/ou subjetivas de vida. Desse modo, a Política de Assistência Social brasileira incorpora a família na perspectiva familista apostando legalmente na sua capacidade protetiva. No que diz respeito à rede socioassistencial básica das regiões sul e sudeste de Teresina-PI, constatou-se a sua fragilidade. As unidades públicas estatais (CRAS) ainda são em quantidades limitadas, o que acaba por sobrecarregar os serviços comprometendo o exercício de um trabalho de qualidade. A maior parte das organizações sociais não está registrada no CMAS, o que implica na sua exclusão da rede e compromete a qualidade dos serviços prestados, visto que a falta de fiscalização e controle abre espaço para práticas clientelistas, patrimonialistas confessionalistas e etc. As entidades que estão registradas no CMAS, em que pese a fiscalização, realizam seus trabalhos de forma fragmentada e pulverizada, recaindo muitas vezes para a linha do assistencialismo. Esses problemas dificultam a operacionalização da rede socioassistencial e a articulação entre os diversos agentes sociais, de modo que a população usuária tende a ficar cada vez mais a mercê de um atendimento precário e

A FAMÍLIA COMO REFERÊNCIA NA POLÍTICA DE …sis.ufpi.br/22sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Humanas/KARLA... · imediata incorporação da família como um sujeito de direito a

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A FAMÍLIA COMO REFERÊNCIA NA POLÍTICA DE …sis.ufpi.br/22sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Humanas/KARLA... · imediata incorporação da família como um sujeito de direito a

A FAMÍLIA COMO REFERÊNCIA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A REDE SOCIOASSISTENCIAL EM TERESINA-PI (ZONAS SUL E SUDESTE)

Karla Rayane Alves da Silva (bolsista do PIBIC/CNPQ), Solange Maria Teixeira (Orientadora, Depto de Serviço Social)

Introdução

A família é uma importante instituição societária que historicamente esteve relacionada às funções de

cuidado, educação e socialização. Contudo, houve um processo de publicização da esfera privada,

no qual o Estado passou a intervir nas famílias através das legislações, das políticas demográficas,

das políticas sociais, econômicas e da cultura dos especialistas. Essa relação entre Estado e família

permanece até hoje no âmbito das políticas sociais brasileiras, as quais têm adotado a centralidade

na família como parâmetro desde a década de 1990. Essa centralidade, no entanto, não implica na

imediata incorporação da família como um sujeito de direito a especial proteção do Estado. Nesse

sentido, o objetivo da pesquisa foi analisar como a família é inserida na política de assistência social

e mapear a rede de proteção social básica das regiões sul e sudeste do município de Teresina-PI.

Metodologia

Para tanto, utilizou-se a metodologia quanto-qualitativa com base nas pesquisas bibliográfica,

documental e de campo. Na pesquisa documental foram analisados a PNAS/2004, a

NOB/SUAS/2005, o PAIF, o Catálogo de endereços e serviços da rede socioassistencial de Teresina

e o Diagnóstico dos territórios dos CRAS e CREAS. A pesquisa de campo foi realizada no período de

20 de abril a 20 de maio no Conselho Municipal de Assistência social (CMAS), com o objetivo de

levantar dados sobre as entidades de assistência social.

Resultados e Discussões

Observou-se que os elementos legais e operacionais referentes à Política de Assistência

(PNAS/2004, NOB/SUAS/2005, PAIF) são marcados por uma contradição no que diz respeito à

centralidade na família. Se, por um lado, a política reconhece a família como um sujeito de direitos e

espaço a ser protegido pela política pública de modo a garantir a convivência familiar e comunitária,

por outro, busca reforçar as suas responsabilidades na proteção social. A Política de Assistência

Social não toma a família como referência no sentido de independentizá-la do seu papel tradicional;

ao contrário, as suas funções são reforçadas independentemente das suas condições objetivas e/ou

subjetivas de vida. Desse modo, a Política de Assistência Social brasileira incorpora a família na

perspectiva familista apostando legalmente na sua capacidade protetiva. No que diz respeito à rede

socioassistencial básica das regiões sul e sudeste de Teresina-PI, constatou-se a sua fragilidade. As

unidades públicas estatais (CRAS) ainda são em quantidades limitadas, o que acaba por

sobrecarregar os serviços comprometendo o exercício de um trabalho de qualidade. A maior parte

das organizações sociais não está registrada no CMAS, o que implica na sua exclusão da rede e

compromete a qualidade dos serviços prestados, visto que a falta de fiscalização e controle abre

espaço para práticas clientelistas, patrimonialistas confessionalistas e etc. As entidades que estão

registradas no CMAS, em que pese a fiscalização, realizam seus trabalhos de forma fragmentada e

pulverizada, recaindo muitas vezes para a linha do assistencialismo. Esses problemas dificultam a

operacionalização da rede socioassistencial e a articulação entre os diversos agentes sociais, de

modo que a população usuária tende a ficar cada vez mais a mercê de um atendimento precário e

Page 2: A FAMÍLIA COMO REFERÊNCIA NA POLÍTICA DE …sis.ufpi.br/22sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Humanas/KARLA... · imediata incorporação da família como um sujeito de direito a

pouco efetivo do ponto de vista de suas necessidades e a família a ser crescentemente

responsabilizada pela proteção, promoção e inclusão dos seus membros, tendo reforçada as suas

capacidades protetivas.

Considerações finais

Conclui-se que a política de assistência social brasileira avançou ao tomar a família como referência,

entretanto, ainda há inúmeros desafios a serem enfrentados para que se consolide como uma política

desfamilizante que reconheça a família como um sujeito de direito a especial proteção do Estado.

Alguns desses desafios são as contradições e os equívocos presentes no texto dos elementos legais

e operacionais que regem a política e a organização em rede. Diante desses desafios, faz-se

necessário, no âmbito da Política de Assistência Social, empreender uma revisão crítica dos

elementos legais e operacionais que a regulamentam de modo a alterar os equívocos e contradições

referentes à participação da família como parceira do Estado na proteção social. No que concerne ao

desafio posto pela tendência da organização em rede, é imprescindível entendê-la como um

dispositivo que deve ser fomentado sob a primazia do Estado na condução das políticas de proteção.

Especificamente em relação à rede socioassistencial das regiões sul e sudeste de Teresina-PI faz-se

necessário reavaliá-la, buscando superar os seus problemas e aperfeiçoar as suas virtudes, tendo

sempre em vista o reconhecimento da família como uma instituição que, apesar de sua função de

proteção primária, deve antes de tudo ser protegida enquanto sujeito de direitos.

Palavras-chave: Política de assistência social. Família. Rede socioassistencial.

REFERÊNCIAS

BOURGUIGNON, Jussara Ayres. Concepção de rede intersetorial. 2001. Disponível em: www.uepg.br/nupes/intersetor.htm. Acesso em 15 de abril de 2013. BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 2012a. BRASIL. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004, Norma Operacional Básica da Assistência Social – NOB/SUAS/2005. Brasília: MDS/SNAS, 2005. BRASIL. Orientações técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília: Editora Brasil, 2011. BRASIL. Orientações Sobre a Gestão do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília: Editora Brasil, 2011. BRASIL. Orientações técnicas sobre o PAIF. Brasília: MDS/SNAS, 2012b. BRASIL. LOAS anotada. Brasília: MDS/SNAS, 2009. CAMPOS, M. S.; LIMA, T. C. S.; MIOTO, R. C. T. Quem cobre as insuficiências das políticas públicas?: contribuição ao debate sobre o papel da família na provisão de bem-estar social. Revista de Políticas Públicas, São Luís-Maranhão, v. 10, n. 1, p. 165-185, jan./jun. 2006. CAMPOS, M. S.; MIOTO, R. C. T. Política de Assistência Social e a posição da família na política social brasileira. Ser Social, Brasília, v. 1, n. 1, p. 165-190, jan./jun. 2003. Direitos sociais para construir cidadania. Psicologia, Ciência e Profissão – Diálogos, Brasília-DF, ano 7, n. 7, p. 12-16, jul. 2010. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. A ação em rede na implementação de políticas e programas sociais públicos. 2003. Disponível em: <www.lasociedadcivil.org/docs/ciberteca/a_ao_em_rede_na_implementao.pdf>. Acesso em 15 de abril de 2013. BATTINI, Odária. Suas: Sistema Único de Assistência Social em debate. São Paulo: Veras editora, 2007. CMAS. Relação das entidades e organizações socioassistenciais inscritas junto ao CMAS (Território do Cras sul). Teresina. 2013. CMAS. Relação das entidades e organizações socioassistenciais inscritas junto ao CMAS (Território do Cras sudeste). Teresina. 2013.

Page 3: A FAMÍLIA COMO REFERÊNCIA NA POLÍTICA DE …sis.ufpi.br/22sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Humanas/KARLA... · imediata incorporação da família como um sujeito de direito a

ESPING-ANDERSEN, G. A Economia da Unidade Familiar Doméstica. In: ESPING-ANDERSEN, G. Social Foundations of Pos-industrial Economies. New York: Oxford, 1999, p. 47-70. FONSECA, M. T. N. M. Famílias e políticas públicas: subsídios para a formulação e gestão das políticas com e para famílias. Pesquisas e práticas psicossociais, São João Del Rei, v. 1, n. 2, p. 1-13, dez. 2006. FREITAS, N. E. O SUAS e o princípio da universalidade. Psicologia, Ciência e Profissão – Diálogos, Brasília-DF, ano 7, n. 7, p. 17-19, jul. 2010. GONÇALVES, Antonio Sérgio; GUARÁ, Isa Maria E. Rosa. Redes de proteção social na comunidade. In: GUARÁ, Isa Maria E. Rosa. Redes de proteção social. São Paulo: Associação Fazendo História, 2010. MARTINS, Carlos Estevão; MINHOTO, Laurindo Dias. As redes e o desenvolvimento social. Cadernos Fundap, São Paulo, n. 22, p. 81-101, 2001. MIOTO, R. C. T. A família como referência nas políticas públicas: dilemas e tendências. In: MOURA, M. M. D. Família contemporânea e saúde: significados, práticas e políticas públicas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010a, p. 51-60. MIOTO, R. C. T. Novas propostas e velhos princípios: a assistência às famílias no contexto de programas de orientação e apoio sociofamiliar. In: LEAL, M. C.; MATOS, M. C.; SALES, M. A. Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010b, p. 43-59. MIOTO, R.C.T. O trabalho com redes como procedimento de intervenção profissional: o desafio de requalificação dos serviços. Revista Katályses, Florianopólis, v. 5, n. 1, p. 51-58, jan./jun., 2002. PEREIRA, P. A. P. Mudanças estruturais, política social e papel da família: crítica ao pluralismo de bem-estar. In: LEAL, M. C.; MATOS, M. C.; SALES, M. A. Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010, p. 25-42. RIZZINI, I. Para além da centralidade da família. Psicologia, Ciência e Profissão – Diálogos, Brasília-DF, ano 7, n. 7, p. 20-22, jul. 2010. SEMTCAS. Diagnóstico dos territórios de CRAS e CREAS. Teresina. 2012. SEMTCAS. Catálogo de endereços e serviços da rede socioassistencial de Teresina. Teresina, 2012. TEIXEIRA, S. M. Família na política de assistência social: avanços e retrocessos com a matricialidade sociofamiliar. Revista de Políticas Públicas, São Luís-Maranhão, v. 13, n. 2, p. 255-264, jul./dez., 2009. TEIXEIRA, S. M. A família na trajetória do sistema de proteção social brasileiro: do enfoque difuso à centralidade na política de assistência social, Emancipação, Ponta Grossa, v. 10, n. 2, p. 535- 549, 2010. TEIXEIRA, S. M. A centralidade da família nas políticas sociais e o trabalho social com famílias. 2012.