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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 1 A FARSA SOBRE O DEMÔNIO Alexandre C. Carbonieri Parte I Primeiras descrições do demônio e seu surgimento A farsa sobre o diabo é uma ferramenta de repressão, opressão e imposição de certas religiões que nas mãos de seus fanáticos lideres religiosos vem se mostrando muito perigosa para a humanidade no decorrer dos séculos. No entanto, podemos ver que esse conceito não é tão antigo, a idéia de um ser maldoso que odeia a todos, muito utilizado no cristianismo antigo, mas principalmente usado nas novas igrejas cristãos, além da sua utilização no islamismo, espiritismo, etc.. Para compreendermos esse “mito” (no sentido popular de algo falso), devemos remontar às Tribos nômades que habitavam a Eurásia há mais de 6.000 anos atrás para vermos como se chegou a criar tal conceito falso acerca do ser diabólico e ainda, muitas outras supostas declarações “religiosas” ou datas comemorativas, tidas como sagradas, como o natal dos cristãos. Vale lembrar que, para as crenças cristãs, a Terra tem nada mais que 6.000 anos, sendo que em alguns casos chegam a falar de no máximo 4.000 anos apenas. Bem, esses pastores da Eurásia, que cultuavam um deus-touro, chamado por eles de Mithra, eram nômades e já tinham alcançados terras distantes chegando até a região de Portugal, na chamada era cristã, quando o culto à Mithra tornou-se muito comum e popular no Império Romano. Porém, para barrar tal prática, a igreja cristã adotou sua data sagrada no mesmo dia de adoração ao deus-touro Mithra, ou seja, no dia 25 de dezembro, para desviar a atenção das pessoas à aquela prática não-cristã, e assim foi criado natal cristão. Esse processo também está embasado no fato de que, nem mesmo os cristãos antigos sabem realmente qual o dia de nascimento de Jesus, criando assim muitas incertezas em outros estudiosos sobre a real existência desse homem. No entanto, depois do Concilio de Toledo, em 447 d.C., a igreja publica então a sua primeira descrição oficial, ou seja, a sua primeira invenção, descrita oficialmente, do demônio, o que seria difundido como a encarnação absoluta do mal. Nessas descrições constam a imagem de um ser medonho, muito grande e forte, de aparência escura, com chifres na cabeça, exatamente como o deus-touro Mithra da qual a igreja queria impedir a adoração. Nasce aqui a farsa do demônio (um mito falso) na cultura cristã que seria imensamente utilizado no futuro para dominar povos, impor seus costumes, derrubar outras religiões e até mesmo para plantar o medo nos corações de todas as pessoas que aderissem aos seus cultos, envolto de muita dor, medo e arrependimento. A busca pelo poder fez com que os cristãos no decorrer dos séculos mantivessem tal farsa inventiva através de práticas absurdas chegando-se a matar milhares de pessoas por serem consideradas “tomadas pelo diabo”. Isso ainda ocorre nos dias atuais, século XXI, mas de modo bem menos usuais e clandestinamente, ou ainda no imaginário de alguns grupos sociais assim como o aparecimento de fenômenos arcaicos da demonizaçãono imaginário do operário da modernidade[1]. Além disso, algumas seitas cristãs chegaram a cometer assassinatos de crianças baseadas nessa farsa como é a pesquisa publicada na revista especializadaTempo Social, em 2008, acerca do caso do assassinato de crianças por um grupo de “parceiros” convertidos à Igreja Adventista da Promessa em 1955[2]. Sobre o surgimento dessa farsa também encontramos como ele se construiu segundo alguns estudos e artigos que afirmam que:

A Farsa Sobre o Demônio

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Page 1: A  Farsa Sobre o Demônio

Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 1

A FARSA SOBRE O DEMÔNIO

Alexandre C. Carbonieri Parte I

Primeiras descrições do demônio e seu surgimento

A farsa sobre o diabo é uma ferramenta de repressão, opressão e imposição de certas

religiões que nas mãos de seus fanáticos lideres religiosos vem se mostrando muito

perigosa para a humanidade no decorrer dos séculos. No entanto, podemos ver que esse

conceito não é tão antigo, a idéia de um ser maldoso que odeia a todos, muito utilizado

no cristianismo antigo, mas principalmente usado nas novas igrejas cristãos, além da

sua utilização no islamismo, espiritismo, etc..

Para compreendermos esse “mito” (no sentido popular de algo falso), devemos remontar

às Tribos nômades que habitavam a Eurásia há mais de 6.000 anos atrás para vermos

como se chegou a criar tal conceito falso acerca do ser diabólico e ainda, muitas outras

supostas declarações “religiosas” ou datas comemorativas, tidas como sagradas, como o

natal dos cristãos. Vale lembrar que, para as crenças cristãs, a Terra tem nada mais que

6.000 anos, sendo que em alguns casos chegam a falar de no máximo 4.000 anos

apenas. Bem, esses pastores da Eurásia, que cultuavam um deus-touro, chamado por

eles de Mithra, eram nômades e já tinham alcançados terras distantes chegando até a

região de Portugal, na chamada era cristã, quando o culto à Mithra tornou-se muito

comum e popular no Império Romano. Porém, para barrar tal prática, a igreja cristã

adotou sua data sagrada no mesmo dia de adoração ao deus-touro Mithra, ou seja, no dia

25 de dezembro, para desviar a atenção das pessoas à aquela prática não-cristã, e assim

foi criado natal cristão. Esse processo também está embasado no fato de que, nem

mesmo os cristãos antigos sabem realmente qual o dia de nascimento de Jesus, criando

assim muitas incertezas em outros estudiosos sobre a real existência desse homem.

No entanto, depois do Concilio de Toledo, em 447 d.C., a igreja publica então a sua

primeira descrição oficial, ou seja, a sua primeira invenção, descrita oficialmente, do

demônio, o que seria difundido como a encarnação absoluta do mal. Nessas descrições

constam a imagem de um ser medonho, muito grande e forte, de aparência escura, com

chifres na cabeça, exatamente como o deus-touro Mithra da qual a igreja queria impedir

a adoração. Nasce aqui a farsa do demônio (um mito falso) na cultura cristã que seria

imensamente utilizado no futuro para dominar povos, impor seus costumes, derrubar

outras religiões e até mesmo para plantar o medo nos corações de todas as pessoas que

aderissem aos seus cultos, envolto de muita dor, medo e arrependimento. A busca pelo

poder fez com que os cristãos no decorrer dos séculos mantivessem tal farsa inventiva

através de práticas absurdas chegando-se a matar milhares de pessoas por serem

consideradas “tomadas pelo diabo”. Isso ainda ocorre nos dias atuais, século XXI, mas

de modo bem menos usuais e clandestinamente, ou ainda no imaginário de alguns

grupos sociais assim como o aparecimento de fenômenos arcaicos da demonizaçãono

imaginário do operário da modernidade[1]. Além disso, algumas seitas cristãs chegaram

a cometer assassinatos de crianças baseadas nessa farsa como é a pesquisa publicada na

revista especializadaTempo Social, em 2008, acerca do caso do assassinato de crianças

por um grupo de “parceiros” convertidos à Igreja Adventista da Promessa em

1955[2].

Sobre o surgimento dessa farsa também encontramos como ele se construiu segundo

alguns estudos e artigos que afirmam que:

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 2

“(...) a primeira representação do Rabudo teria surgido no século VI a.C., na Pérsia.

O profeta Zoroastro descreveu a figura de Arimã, o „príncipe das trevas‟ em seu

conflito com Mazda, o „príncipe da luz‟. Eram essas duas divindades, que expressam a

polaridade existente no universo e dentro da própria alma humana, que regiam o

mundo de Zoroastro. Durante o cativeiro na Babilônia, os hebreus tiveram contato com

o masdeísmo persa, religião que divinizava os seres naturais. Segundo alguns

historiadores, isso foi fundamental para a concepção do que viria a ser o Satã do

Judaísmo e do Cristianismo. Na antiga língua hebraica, Satanás quer dizer acusador,

caluniador, aquele que põe obstáculos. E foi assim, sem a face aterrorizante que

ganharia mais tarde, que o Diabo estreou no Velho Testamento. Agia como um

colaborador de Jeová, o Deus judaico-cristão, para testar a lealdade ou castigar os

seus escolhidos. Jeová, por exemplo, determinou a Satã que precipitasse o desobediente

rei Saul no poço da depressão.”[3]

[1] MARTINS, José de Souza. A aparição do demônio na fábrica, no meio de produção. Tempo

Social.Rev. Soc. da USP, São Paulo, V. 5, n. 1-2, Novembro, 1994.

[2] CASTALDI, Carlo. A aparição do demônio no Catulé. Tempo Social. Rev. Soc. da USP, São Paulo,

V. 20, n. 1, Junho, 2008.

[3] Revista Superinteressante, edição 174, março de 2002.

Assim também surge a noção de bem e mal dentro do cristianismo, difundido até hoje

em qualquer uma das suas milhares de vertentes, seitas e igrejas pelo mundo afora, ou

seja, tem origem no Zoroastro, uma cultura religiosa e filosófica que viria, no futuro ser

chamada e acusada pelos cristãos de pagã (termo aliás, que ficou difundido como algo

anticristão, numa conotação claramente pejorativa, ao contrário do seu real significado,

ou seja, uma religiosidade ou espiritualidade pagã, que está relacionada ao cultivo do

sagrado na natureza), dando então, a esse termo uma conotação erroneamente pejorativa

que geraria muitas mortes e massacres durante as inquisições.

Os nomes dados ao Diabo

É lamentável que exista uma difusão tão grande de uma farsa tão absurda como o de

um Mal Personificado, ou seja, um demônio e inimigo de Deus. Nesse sentido já

podemos analisar o quanto esse conceito de um demônio, passa a ser algo sem nenhum

sentido, do ponto de vista filosófico ou ontológico. Pois, se Deus é absoluto e supremo,

e isso é algo que todas as religiões concordam juntas, não se pode aceitar que esse Deus

possa ter um “concorrente”, tal como um demônio, de forma geral. E mesmo nas

atribuições antigas dadas a esse ser, parece muito controverso que ele instigue medo nos

próprios fiéis de Deus, ou seja, que essa farsa mitológica seja usada para controlar os

membros de uma dada religião através do medo.

Sabemos hoje que a farsa do demônio, capeta, diabo, asmodeu, belzebu, azazel, belial,

etc., (uma infinidade de nomes) é algo relativamente recente na humanidade, pois

religiões muito antigas que remontam a milhares de anos atrás não tinham qualquer

relação com isso e mesmo se analisarmos o significado da palavra religião, de forma

geral (aceito pela maioria dos religiosos), ou seja, religar o homem ao Homem

Supremo, Deus, nada importaria um suposto diabo, ou o iblis, como dizem os

muçulmanos ou o arimã, como o chamavam os seguidores de Zoroastro, na Pérsia.

No Brasil, os temerosos de mencionar-lhe o nome, o chamam de rabudo, tinhoso,

beiçudo, pai da mentira, cão e mais uma lista imensa de nomes que soam no mínimo

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 3

irônicos, mas que nos mostram a tendência a criar um ser que mistura homem e animal,

como dissemos acima. Para muitos estudiosos da religião, ou das religiões, diversos

conceitos utilizados hoje, forma se modificando com o passar dos tempos e tomando

forma que servisse para seu intento original, ou seja, a dominação dos povos pela

religião. Mesmo as religiões mais novas e recentes tiveram suas origens em conceitos

muito diferentes dos que hoje se apregoa. A palavra demônio (demon, devil, etc.), por

sinal, deriva do grego daimon, que significa simplesmente "espírito”. Espírito é o que

todos os seres vivos são, e isso é um conceito comum a qualquer religião, ou seja, está

ai mais uma contradição dentre muitas que aparecem na lista das supostas “verdades

reveladas” em torno desse mito que é fonte de rendimentos financeiros para muitos,

especialmente para as novas igrejas cristãs evangélicas, chamadas tecnicamente de neo-

pentecostais.

Lembramos que as idéias do inferno (a suposta morada do diabo), julgamento final,

castigo eterno e outros dogmas criados por líderes cristãos do passado, estão

diretamente relacionadas com a farsa do demônio, assim, como foram surgindo e se

reformulando com o passar dos tempos e as devidas alterações nas escrituras, como a

bíblia, inúmeras vezes alterada e sem nenhuma comprovação até hoje de sua veracidade,

em qualquer época ou parte, seja velho ou novo testamento, seja achados do mar morto

ou qualquer novas revelações, como é comum a algumas seitas cristãs, como os

mórmons, criada nos Estados Unidos e muito forte no estado de Utah, daquele país.

Onde se encontram a farsa do demônio

Os grandes santos e homens de verdadeira integridade espiritual sempre cultivaram o

amor a Deus, aos outros, á Terra, aos animais, assim como cultivavam, praticavam e

ainda praticam em suas vidas diariamente a bondade e a compaixão, a auto-realização, a

felicidade interior plena e a pureza de coração, mente e palavras, e claro, o total

destemor. Essas são algumas das qualidades cultivadas e facilmente vistas nessas

pessoas chamadas de “santas”[1], e isso podemos encontrar em muitos homens e

mulheres em diferentes seguimentos religiosos, sejam no Oriente ou no Ocidente, até

mesmo no cristianismo, onde esse mito do diabo, ou essa farsa, foi (e ainda é) mais

difundido e, segundo alguns, criado por antigos reis e/ou clérigos com o intuito de

arrebatar novos “fiéis” através do medo de não se tornarem cristãos como citamos no

inicio desse artigo.

De fato, outros seguimentos utilizaram-se desse conceito também, tal como o Islamismo

em suas vertentes diversas, o Espiritismo, vertentes do Judaísmo e até mesmo religiões

novas, as chamadas “new ages”, dentre outras, todas essas relacionadas à religiosidade

tida como Ocidentais, embora de surgimento longe de suas maiores difusões, como

Europa e as Américas.

No que se refere às linhas religiosas tidas como orientais, podemos encontrar menções a

seres malignos, mas não exatamente a um ser como o diabo, tal como descrevem as

tradições acima citadas. É muito raro, ou quase inexistente encontrar esse tipo de

conceito, nos moldes explícitos aqui, em linhas religiosas como as do chamado

“hinduismo” e em suas diversas vertentes (como os monoteístas chamados de

Vaishnava, ou seja, os Hare Krishna, e também nos impersonalistas Mayavadis, etc.) e

também no budismo (que embora não seja uma religião, do ponto de vista de um

conceito de Deus, ou ligação com esse ser Supremo, mas é vista como tal). Muito pouco

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 4

também se fala desse conceito do mal personificado no Jainismo, e em outras linhas

espiritualistas de origem oriental, assim como nos seguimentos do Judaísmo antigo

ortodoxo, porém sempre podemos encontrar esse conceito no cristianismo, que se

derivou do Judaísmo e mais explicitamente no cristianismo-protestante e nos chamados,

“novo protestantismo” ou “neo-protestantismo”, que seriam os evangélicos, ou

popularmente conhecidos como “crentes”.

[1] Ou religiosas, pois uma pessoa “santa” englobaria a noção de pureza, que não é aceita por algumas

denominações religiosas, como os neo-pentecostais (evangélicos) que não aceitam a santificação ou

pureza de ninguém, reconhecendo assim, no conceito exclusivamente deles, que ninguém na Terra é

santo ou puro, absolutamente ninguém.

Mas de forma geral, esse conceito, ou como preferimos chamar aqui, essa farsa, é muito

questionável, quando levamos em consideração a noção de Deus, em qualquer religião,

qualquer seguimento espiritualista, desde que baseados em escrituras autênticas das

quais cabe alguma discussão aqui.

Epistemologia do diabo

Como Deus, seja qual o nome que você preferir chama-lO, poderia ter um inimigo, um

inimigo supremo ? Isso é incongruente. Não cabe na noção de Deus, pois Ele não estaria

sujeito aos defeitos dos seres humanos condicionados pelos modos da matéria, ou seja,

aceitar algum inimigo, ter algum inimigo ou existir algo que realmente se coloque

perante Ele de forma contestadora, ou sequer sentir esse ranço, esse mal-entendido com

um ser, que de uma forma ou de outra, foi criado por Ele mesmo. Nem Ele, Deus,

poderia se sujeitar a tal postura, em qualquer situação que fosse passageira, pois isso

imediatamente o transformaria em um ser fraco, falível, emocionalmente volúvel, e não

em Deus propriamente dito.

Um bom exemplo, para uma explicação clara, são os antigos Vedas, seguidos pela

tradição monoteísta hindu denominada Vaishnava ou popularmente conhecida como

Hare Krishna. Devemos lembrar que os Vedas foram referencia para os estudos do

famoso sociólogo Max Weber, considerado o fundador da sociologia da religião. Além

dele, muitos estudiosos estudaram profundamente essa literatura, como Schopenhauer,

dentre outros. Segundo essas sagradas escrituras védicas, tidas como as mais antigas do

mundo, embora Deus tenha vindo em pessoa á Terra, na Sua forma eterna e original

como Krishna (reconhecida por seus seguidores como a Suprema Personalidade de

Deus), há mais de 5.000 anos, Ele jamais é ou foi controlado ou influenciado pelos

modos da natureza material, a saber, Bondade, Paixão e Ignorância, conforme a filosofia

védica. Isso é claramente afirmado no livro sagrado védico Bhagavad-Gita (considerado

a essência de toda a vasta literatura védica), que é o livro que registra a conversa entre

Krishna, a Suprema Personalidade de Deus para essa religião, e seu amigo e devoto

Arjuna.

Porém, independente da religião escolhida por alguém ou imposta por sua família ou

sociedade, qualquer pessoa religiosa, que, por sua vez acredite num Ser Divino, ou seja,

Deus, concorda que Ele é um Ser Supremo, criador e origem de tudo. Assim, acreditar

também no demônio implica em ter uma noção religiosa, transcendental, espiritual, pois

essa noção exposta pelos que cultivam esse conceito falso de demônio ou diabo está

diretamente relacionada com o sutil e não única e exclusivamente com a matéria, já que

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a farsa do demônio requer aceitar que ele está num Inferno, controlando e influenciando

as pessoas nesse mundo e até em outros, se é que acreditem essas pessoas em vida em

outros planetas, mas isso é outro assunto. Assim, de certa forma, tanto Deus como o

diabo, estariam na mesma plataforma, necessariamente, numa lógica simples e

facilmente aceita por seguidores pouco questionadores.

Sem dúvida que existem muitos planetas, sistemas e universos e muitas vidas em todos

eles, a própria ciência tem chegado a essa conclusão, ou avançará mais nesse sentido

nas próximas décadas. Assim, teríamos planetas superiores e inferiores á Terra. Dentro

dessa idéia, encontramos nos Vedas o conceito de que, nesses planetas inferiores a vida

é o que poderíamos de fato caracterizar como infernal, porém, não tem nenhuma relação

com a farsa do capeta ou satanás (satan, em inglês), como explicaremos a diante.

Nesse ponto temos que acrescentar que um ateu jamais poderia acreditar de fato num

demônio, como a farsa exposta, ou então não seria um ateu, já que se trata de algo além

da matéria, como acrescentamos brevemente acima. Sendo assim, só podemos aceitar

que essa mesma pessoa que acredita no demônio, seja como adorador dele ou não, tenha

em suas crenças a noção e aceitação de um ser tal como Deus, mesmo não o aceitando

como fonte de sua fé principal, pois tudo está num plano transcendental e sutil,

supostamente.

Sendo assim, toda a noção do transcendente deve estar pautada em escrituras sagradas

autorizadas e comprovadas, conforma as próprias religiões apregoam, pois de outra

forma não passa de especulação mental e malabarismos filosóficos. Ou criações

espiritualistas advindas de supostos seres superiores com poderes, por exemplo, de

grande intuição, no entanto, estando pautados apenas em suas criações mentais, embora

essas tenham tido antes fontes religiosas escriturais, pois nada é criado sem uma

referencia anterior[1]. E essas escrituras devem ser consideradas autorizadas e

fidedignas quando o seu conhecimento tem uma origem, como dizem os

Vedas, apauriseya, ou seja, que veio diretamente de Deus, do Absoluto Supremo, e não

criado por alguém ordinário.

Importante salientar que nós utilizaremos aqui as escrituras védicas como referencia por

serem as escrituras sagradas reveladas mais antigas que se tem registro e por

reconhecermos serem as mais adequadas para essa discussão, por isso a temos como

referencia em muitos aspectos, tal como o teve Max Weber, ao discutir alguns pontos

pendentes em muitas religiões, como a importante questão da teodicéia[2].

Dessa forma, se concordam todas as linhas religiosas que Deus é o criador e a origem de

tudo, então também concordam que Deus é o controlador supremo de tudo, como se

afirma até mesmo no sagrado livro védico Sri Brahma-samhita 5.1, uma antiga escritura

védica, “isvarah paramah krishnah”, ou seja, Krishna (Deus) é o Controlador Supremo.

Assim, podemos encontrar afirmações semelhantes no alcorão, na bíblia, etc.

[1] Sabemos que aqui esbarramos em discussões filosóficas abrangentes, sobre as origens das idéias ou

criações, referencias anteriores, etc., mas não entraremos nessas discussões nesse momento.

[2] Conforme consta em WEBER, Max. “Sociologia da religião (tipos de relações comunitárias

religiosas)”. In: Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. 1. Brasília:

UnB, 2009. pp. 350-355.

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 6

Parte II

As fontes, as alterações e os absurdos

O nome dado a Deus nessa literatura sagrada védica, ou seja Krishna, significa "aquele

que atrai a todos" ou "O Todo-Atrativo", e é o nome da Suprema Personalidade de

Deus, ou seja, o nome original de Deus segundo os antigos textos védicos. Logo, a frase

acima afirma que Deus é o controlador supremo de tudo e todos, sem exceção. Em

muitas passagens das escrituras védicas, há a afirmativa de que Deus, ou Krishna, é o

controlador e a origem de tudo, seja material ou espiritual, tal como a Suprema

Personalidade de Deus, o próprio Sri Krishna, afirma no Bhagavad-Gita 10.8, aham

sarvasya prabhuvo mattah sarvam pravartate, "Eu sou a fonte de todos os mundos

materiais e espirituais, Tudo emana de Mim"[1]. Também no Sri Isopanishad, outro

livro védico, no mantra de invocação, encontramos o famoso verso onde se afirma que o

Supremo é a origem de tudo, tudo provem dEle e Ele é Absoluto e Completo, e tudo que

provem dEle é Todo-Completo também, e mesmo assim, Ele jamais deixa de ser Todo-

Completo[2]. Da mesma forma, muitas outras escrituras sagradas de diversas religiões

chegaram à mesma conclusão em algum momento, de que Deus é Supremo, Absoluto e

Completo em Si mesmo, logo tudo é criado por Ele. Essa máxima das religiões deve

ficar claro para compreendermos como se enquadraria uma noção do mal ou a suposta

existência do diabo.

Claro que nem vamos falar muito sobre as inúmeras alterações que houveram em

algumas escrituras, principalmente na bíblia, que segundo alguns estudiosos, foi

alterada tantas vezes e modificada de forma tão bruta em suas traduções que perdeu

todo sentido e foge como "o diabo foge da cruz", quanto ao que seria o original.

Segundo estudiosos das religiões houveram mudanças no Alcorão também e há muitos

pontos mal-explicados em escritos de seguimentos como Mormos, judaísmo-mistico,

nas escrituras do budismo e nas interpretações espíritas ou afros, dentre outras. Talvez

isso tenha ocorrido por não existir uma tradição de sucessão de mestres ou líderes

nessas linhas que não estivessem ligados a poderes políticos e simplesmente fossem

dedicados aos rituais religiosos, no que se refere á manutenção dos ensinamentos em

sua forma original ao repassá-los aos seus seguidores, embora se saiba dos motivos

propositais visando poder e interesses próprios, por exemplo, em casos como a igreja

católica, em especial durante a idade média. Ainda há tradições como os impersonalistas

ou Mayavadis no hinduismo, que distorcem o conhecimento dos Vedas, e mantém esse

mesmo erro.

[1] PRABHUPADA, A. C. Bhaktivedanta Swami. Bhagavad-gita como ele é. São Paulo: Editora BBT,

1995. p. 492.

[2] PRABHUPADA, A. C. Bhaktivedanta Swami. Sri Isopanisad. São Paulo: Editora BBT, 1999. p. 01.

Curioso é que só se encontra referencia à farsa do demônio, tal como se conhece hoje,

em ditas escrituras que foram claramente alteradas como a bíblia ou em passagens

suspeitas e interpretativas de diversas escrituras complementares.

Dito isso, a única explicação até agora que poderíamos ter acerca do dito demônio é que

esse não passa de uma criação humana com intuitos escusos, baixos, mesquinhos e

desprezíveis, visando à instigação do medo ás pessoas numa tentativa de conversão

religiosa como muito se viu na Idade Média no Ocidente.

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 7

Desejando o poder, algumas instituições religiosas difundiram de diversas formas a

farsa do demônio para obter um maior controle sobre pessoas inocentes e carentes de

proteção. Infelizmente isso ainda é visto muito hoje em dia, em especial nas inúmeras

igrejas neo-protestantes ou neo-pentecostais, vertente protestante surgida nos anos 70,

chamados de "crentes" que são criadas a cada ano. Toda a multidão que freqüenta essas

igrejas buscam ser protegidas pelas tais orações de pastores enquanto esses tem suas

contas bancárias cada dia maiores e mais gordas. E também, de forma geral, sabemos

que o cristianismo foi o maior difusor de suas doutrinas através da força e da persuasão

armada ou em muitos casos pela imposição através do medo. O Vaticano incentiva que

os fiéis católicos considerem o diabo como "a causa do mal", cuja presença estaria

evidente desde a crença de que a felicidade está no dinheiro, aceita pela igreja católica

após a cisma e surgimento do protestantismo na Europa (em especial após Calvino), no

poder e na concupiscência carnal até o relativismo que induz o homem a não atender "à

vontade de Deus". Tudo isso seria culpa de satã e não do próprio homem, de sua mente

ou fraquezas.

O diabo tornou-se, para os católicos, e depois, mais forte ainda para os protestantes,

evangélicos ou "crentes" e outras linhas do cristianismo, com o passar dos séculos, um

ser sutil e requintado, com uma imagem diferente da antiga, mas ainda poderoso a ponto

de apossar-se dos homens, como esclarece o documento católico oficial "De Exorcismis

et Supplicationibus" ("De todos os Gêneros de Exorcismos e Súplicas"), de 1999, que

nada se diferencia das idéias mais exageradas dos evangélicos.

A função do diabo para a religião cristã é forte e nota-se isso muito bem, por exemplo,

no novo testamento, base da doutrina cristã, em que há mais citações do mal que do

bem. Mais referências a satã que a Deus, o que é no mínimo contraditório com um livro

que se diz sagrado e para ser usado com base para quem acredita e pretenda seguir a

Deus. "No Cristianismo a presença do mal é essencial como em nenhuma outra

religião", diz o filósofo Roberto Romano, da Universidade de Campinas (Unicamp) e

isso é facilmente visto por qualquer pessoa que estudar um pouco sobre esse conceito

nas religiões. A corporificação e invenção completa do diabo cristão levou cerca de 400

anos de debates e transformações passando pelos anos citados acima e só veio a

consolidar-se no século VII, com a ajuda da arte cristã que misturava motivos

animalescos com a idéia de um ser horrível, com aspecto nojento e claro, o mais

assustador possível. Até essa data, não havia uma personificação ou caracterização

física do Diabo, e depois dela tudo foi desenvolvido de uma forma realmente tão cruel

chegando ao ponto de realizar-se atos como a Inquisição, queima de seres humanos,

matanças, assassinatos dos próprios filhos ou pais que supostamente estariam com "o

diabo no corpo" e tantos outros fanatismo sem limites, tudo isso apoiado na idéia

absurda da existência de um mal que leva a pessoa e a sociedade ao caos. Mas será que

quem levou de fato a sociedade ao caos, destruindo famílias, culturas e indivíduos

inocentes, não teria sido aqueles que deflagraram a idéia do diabo e o fazem até hoje ?

Aqueles que culpam tudo e todos por supostamente ter associação com ele, e agem "em

nome de Deus" para livrar o mundo de tal peste ? E sabemos bem quem são essas

pessoas.

Vale lembrar que recentemente surgiu uma linha de estudiosos que tentam desvendar as

origens da pessoa Jesus, que seria a origem do cristianismo, pois de fato nada se sabe

até hoje sobre aquele homem. Nada se sabe com certeza sobre a bíblia e muito se

mudou ou se escondeu e ainda se esconde na igreja, o que de fato não parece segredo,

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 8

ou seja, todos sabem que a igreja católica, e consequentemente as religiões cristãs em

geral, escondem muito mais do que revelam.

Farsa filosófico-ideológica

Filosoficamente, alguns teóricos adeptos da farsa do demônio, aceitam que o demônio

também teria a sua origem em Deus, tal como tudo o mais, claro, haja vista a

superioridade, qualidades e características inerentes à noção de Deus, tal como

brevemente afirmamos acima. Então algumas perguntas nos vem imediatamente a

agredir nosso bom-senso: Como Deus poderia perder o controle de algo ou de alguém ?

Ou então, como e porque criaria por Sua própria vontade um ser inimigo dEle mesmo ?

O que levaria a esse ser ( o diabo) ter tanto ódio de Deus, ou seja, o seu criador e do

seres humanos (pois essa é a imagem pintada em especial pelos cristãos) ? Como

poderia Deus ter um eterno "concorrente" ? E pior, como esse "concorrente", ou

personificação do mal, poderia ter tanto poder sobre os humanos que muitas vezes,

especialmente no decorrer da história humana, encobriria ou superaria o poder de Deus

em muitos momentos ? Nesse conceito, muitos poderiam talvez dizer que Deus não

existe então, pois a característica principal que faz de Deus um Deus único, é a Sua

onipotência.

Muitos malabarismos filosóficos e especulações fraquíssimas foram jogadas no

mercado em milhares de livros, mas nenhuma apresenta realmente uma conclusão ou

explicação coerente sobre o assunto. Isso é chamado de teodicéia, ou seja, como

entender o mal na criação de Deus, a maldade, a dor, etc.

Então afirmamos como alguém poderia responder essas perguntas sem usar de pressão

ideológica, de dogmas escriturais ultrapassados ou de especulações da mente imperfeita

do homem? Está dito que o homem é imperfeito, ao menos no que se refere á suas

atividades mundanas, materiais, onde é terrivelmente influenciado pelos modos da

natureza material, ou seja, a bondade, paixão e ignorância, e veja que isso nada tem a

ver com a influência de satanás ou o "chifrudo". Aliás, já foi desvendado onde teria

surgido o estereótipo do demônio do qual apresentamos brevemente no inicio dessa

exposição. Uma junção de animal e homem, com um bafo insuportável, chifres de touro

ou bode, tido por muitos como um animal "demoníaco", etc. Sem dúvida chega a ser

ridículo a imagem criada desse capeta, que foi feita exclusivamente para assustar

inocentes e porque não dizer, crianças. No decorrer dos anos, alguns escritores e autores

de filmes tiveram a "excelente" idéia de transformar a figura do satanás em uma pessoa

sedutora e bela, mais uma "bela" jogada de marketing. O famoso número 666, por

exemplo, foi criado por escritores do século passado em seus livros de suspense e terror,

com a intenção de criar mistério e vender seus livros, o que torna mais ridículo ainda o

uso desse número como o "número da besta". Poderíamos citar aqui muitos exemplos,

com suas respectivas referencias, mas me resguardo ao direito de apenas cita-las

brevemente e incentivar a pesquisa pessoal de todos que lerem esse artigo e desejem

descobrir a verdade por trás de uma farsa, que nem merece ser chamada de mito, em sua

conotação popular e pejorativa.

Outro ponto interessante a ser levantado aqui são criações dogmáticas de idéias

absurdas como o inferno eterno. Um lugar onde o ser humano sofreria eternamente por

algum erro cometido. Isso nos parece sem nenhum sentido. Que deus é esse que manda

seu filho sofrer dores e castigos horríveis e impensáveis por toda a eternidade por ter

cometido um pequeno erro, um deslize ? Mas um ponto que o cristianismo não explica e

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 9

sequer permite questionamento sobre. Bem, saiba que essas idéias estão claramente

expostas na bíblia (possivelmente inclusas no período da criação da imagem do diabo) e

são seguidas à risca por seus divulgadores. Isso coaduna com a idéia do demônio, da

maldade, do castigador, da imposição do medo. Para exemplificar, podemos sugerir o

seguinte: Imaginem um pai castigando um filho eternamente porque esse filho cometeu

um erro, esqueceu algo, infligiu uma regra exposta. Essa pessoa, ou esse filho "mal"

seria enviado ao inferno aos cuidados de tal demônio após o suposto julgamento final,

outra farsa cruel criada pelas doutrinas cristãs, dentre outras, e pagaria com uma

eternidade de sofrimentos terríveis, atrozes, dores causadas por castigos inimagináveis,

por técnicas que não foram usadas nem nos campos de concentração comunista na

antiga URSS ou nos campos nazistas..

A personificação do demônio ou diabo e o verdadeiro local do mal

Na verdade percebe-se sem muita análise que essa noção de diabo é completamente

ilógica perante a noção de Deus, em qualquer linha espiritual ou religiosa que se queira

aceitar, e pautada, como dissemos acima, em bases sólidas e revelações originais, assim

como podemos facilmente questionar a noção de inferno, de julgamento final, etc.,

embora essas estejam relacionadas, como dissemos, ao cristianismo e suas milhares de

vertentes[1].

Outro ponto interessante é que se o diabo existisse e tivesse tanto poder como apregoam

seus "amigos" criadores, estaria inevitavelmente acima do conceito de ser humano, mas

de onde vem todo seu poder ? Quem os deu ? E se foi Deus, porque não os tira ? E se

Deus é a origem, porque não apenas adorar a Deus e esquecer o tal Diabo ? Se alguém

adora a Deus, porque e como o diabo poderia importuná-lo ? Essas perturbações estão

apenas em quem as quer ou se deixa ter sem questionar.

Na verdade, se tudo vem de Deus, mesmo o que nossas vãs mentes imaginem como

sendo o mal, então nada haveria para um religioso ou espiritualista se preocupar. Na

verdade o que existe é um relativo e minúsculo livre-arbítrio que leva qualquer pessoa a

praticar o bem ou o mal, e isso é da iniciativa de cada um, da consciência cultivada

individualmente de cada ser. Está afirmado nas escrituras Védicas que a existência

material está dividida em quatro eras, da qual a era atual, a quarta, chama-se Kali, que

poderíamos traduzir como a era das desavenças e hipocrisia. Sim, muita hipocrisia.

Nessa era de Kali, ou Kali-yuga, o bem e o mal existem dentro de cada ser vivo, o que

difere de outras eras passadas. Assim como a dualidade é perseverante. Essa noção está

também exposta no budismo e até mesmo alguns cristãos "alternativos" a aceitam. A

conclusão de que o bem e o mal existe dentro de todos nós é facilmente constatada por

nossas experiências diárias, quando atuamos de forma positiva ou negativa, quando

temos pensamentos positivos ou desejamos o bem e quando desejamos o mal, assim

como as possibilidades de agir de forma "divina" ou de forma "demoníaca".

[1] Vertentes essas possíveis devido a facilidade de interpretações diversificadas que a bíblia

proporciona, haja vista, sua composição feita através de parábolas e alterações incontáveis.

Essa dualidade existe no mundo material, que de um jeito ou de outro, pode ser visto

como um mundo temporário do ponto de vista do ser vivo, existente como atuante nele,

e difere de nossa natureza verdadeira, que é eterna e perfeita, como almas espirituais

individuais eternamente relacionadas com Deus em amor pleno, de um ponto de vista

religioso ou espiritual. No mundo espiritual, tudo deve ser, pela lógica, superior,

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 10

supremo e claro, absoluto. Logo, a dualidade do bem e mal não existe no mundo

espiritual, que por si só, e por característica diferentemente do material, deve ser eterno.

Existe apenas, segundo o conhecimento oriental, o chamado sat-cit-ananda, ou seja,

conhecimento e bem-aventurança eternos. As dualidades, o bem versus o mal, as

hipocrisias, as farsas, as dores, as doenças e castigos, que são atribuições humanas,

materiais e de interesses que poderiam ser classificados como demoníacos, seriam de

conotações exclusivamente mundanas, passageiras e não extramundanas ou

transcendentais e pós-morte, mesmo num conceito de inferno.

No entanto, um dos maiores defeitos do homem é tentar sempre culpar outros, ou culpar

Deus, ou claro, o diabo, mas a culpa pelos nossos erros, as reações a serem pagas por

tais atitudes e suas conseqüências são de responsabilidade exclusivamente nossas.

Culpar Deus ou o tal do diabo, que nem existe do ponto de vista exposto aqui, é tentar

achar justificativas para nossas imperfeições ou erros e só demonstram nossa natureza

mesquinha.

Está dito que quando nos encontramos nesses corpos materiais, nesse mundo material,

estamos inevitavelmente sujeitos aos defeitos tais como ser enganados, propensão a

enganar os outros, cometer erros, etc., sendo assim, as escrituras antigas védicas, as

mais antigas do mundo, afirmam que Deus (Bhagavan), ou Krishna, está acima de tudo,

haja vista que tudo vem dEle, e como afirmamos acima, todos os religiosos e

espiritualistas concordam com isso, mesmo se utilizando de nomes diversificados, como

Alá ou Pai. Assim, pode-se dizer que somente Deus e Seus associados eternos (nitya-

siddhas) estariam livres das influencias dos modos da natureza material, livres da ilusão

e das imperfeições. Quanto a nós, os Vedas afirmam que seriamos perfeitamente servos

eternos e amorosos da Suprema Personalidade de Deus também, associados dEle, mas

nos encontraríamos numa esfera material agora, da qual tudo e todos que não são

associados eternos em amor a Deus estão cada qual com sua função. Portanto, mesmo

de um ponto de vista religioso, espiritual e tão antigo como os Vedas, perder tempo com

farsas ao invés de encontrar a meta verdadeira da vida, é realmente algo triste de ver e

absurdo de se aceitar.

Em todos os lugares existem almas espirituais, seres vivos, seja em que forma se

encontrem, e a vida então está presente, a realidade é a vida, não a dor, a miséria, o

sofrimento e tudo o mais que os adoradores e falastrões do diabo tanto pregam em suas

igrejas. O que falta é a compreensão além dos dogmas cristãos, por exemplo. O que vai

além das tradições impostas por poder, delírio ou loucura. A verdade pode estar mais

próxima do que imaginamos, dentro de nós mesmos. Jesus, por exemplo, nunca disse

para criarem igrejas. Na verdade, pouco se sabe sobre ele de fato. Pouco se sabe sobre

muitas coisas nas filosofias advindas de teólogos que reproduzem as mesmas farsas ano

após ano.

Com pouco ou nenhum conhecimento coerente, centenas de mulheres foram queimada

vivas durante a inquisição, porque utilizavam raízes e folhas, por exemplo, para curar

pessoas enfermas, e foram assim classificadas como bruxas. Termo pejorativo que ainda

impera nas mentes de pessoas atrasadas ou com claras intenções pouco nobres por

detrás das atitudes e palavras bem versadas lingüisticamente. Essas mulheres chamadas

de bruxas eram imediatamente ligadas ao diabo e caracterizadas com imagens feias,

assustadoras ou de "mente e corações impuros" pertos dos "santos cristãos". Quanta

crueldade se encontra nas raízes de algumas religiões, quantas barbaridades foram

realizadas em épocas escuras da história da humanidade, como a Idade Média ?

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 11

Parte III

Onde está o diabo e onde estamos nós

Devemos lembrar também dos ditos semideuses, seres divinos ao serviço de Deus. Na

doutrina cristã-católica (assim como islâmica, etc.), eles são chamados de anjos ou

santos, como "São Pedro", "anjo Gabriel", etc.. Já nas doutrinas cristãs-evangélicas nem

sequer são aceitos. Segundo o livro Védico-Vaishnava intitulado Sri Harinam-

Cintamani, escrito pelo intelectual e juiz indiano do século XIX, Srila Bhaktivinoda

Thakura, o santo Haridas Thakur, numa conversa com a encarnação de Deus aceita

como Sri Krishna Caitanya Mahaprabhu, teria dito: "não há lugar para os semideuses no

mundo espiritual". Sendo assim, se até os seres divinos chamados de semideuses ou os

anjos e santos estariam num plano material e temporário, o que dizer do mesmo ser

criado, o demônio, que também se encontraria no plano dos defeituosos. Portanto,

comentem erros e estão propensos a serem enganados. Também podemos afirmar uma

máxima do filósofo Anselmo, que afirma que "Deus é aquele que nada pode superar",

ou seja, Deus é aquele ser que nada ou ninguém mais pode estar acima ou superior a

Ele. Isso significa que, na melhor da hipóteses da existência do tal do diabo, ele nada

mais seria que um ser comum e estaria entre nós, ou melhor ainda, poderia ser qualquer

um de nós em qualquer momento de nossas vidas, ou ainda, todos o são em algum

instante, geralmente aqueles que estão distantes de atividades tidas como humanísticas,

benditas ou espirituais, assim, no máximo, o diabo seria um "estado de espírito", o que

nem precisaria de tantas invenções em torno desse ser.

Os chamados semideuses, segundo os Vedas, são seres como nós também, porém num

nível mais elevado de relacionamento divino, embora ainda material e, logo, sujeitos a

erros também, assim como a morte inerente, tal como o seria um suposto diabo. No

entanto, os semideuses, anjos, ou seja o termo que preferir usar o religioso ou sua

denominação religiosa, são servos eternos de Deus, como todos nós também o seríamos,

segundo um conceito "natural" a todas as linhas verdadeiramente espiritualistas. Esses

seres superiores (semideuses ou anjos) servem a Deus em determinados "setores" da

criação e manutenção material, sempre na dependência divina do seu Senhor, chamado

nas escrituras antigas como Vishnu, ou o Senhor Vishnu. Inclusive o senhor da morte

(maranatha em sânscrito), conhecido nos Vedas como Yamaraja, nada tem a ver com

alguém maldoso, rancoroso, diabólico, mas sim um servo de Deus que cumpre o destino

de todos os seres nascidos nesse mundo material, ou seja, morrer, uma das misérias

inevitáveis da vida material.

Até aqui algum leitor atencioso já poderia se perguntar: Então o demônio seria cada um

de nós, dependendo de nossas atividades ? Dependendo do caso, sim. O inferno pode

estar ali na esquina, dependendo de onde você mora, ou quais as suas atividades, qual a

sua consciência e consequentemente quais as suas reações a serem pagas, em termos

orientais e/ou védicos, depende de seu Karma passado ou presente e de suas escolhas e

atitudes de hoje mesmo. É claro que as mesma linhas religiosas e/ou instituições ou

igrejas que não aceitam essa noção de Karma e reencarnação são as mesmas que

utilizam descaradamente a farsa do demônio e nada explicam acerca disso tudo. Apenas

impõe seus dogmas. Aqui nasce a discussão da teodicéia, da qual trataremos em outro

momento.

Sem dúvida que existem casos paranormais e difíceis de serem explicados por leigos ou

dogmáticos e difíceis de serem aceitos pelos humanos neófitos, mas não podemos

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 12

aceitar que isso possa ter relação com um ser de chifres, um garfo enorme em suas mãos

e que adora devorar pessoas em seu planeta repleto de fogo, dentre outras bobagens que

beiram o cômico, se não fossem absurdamente prejudiciais ás pessoas, pois as tornam

medrosas diante de tudo que parece estranho ou desconhecido e as fazem ficar tão

fascinadas com essa farsa, que não tem tempo para conhecerem acerca de Deus, dos

homens, das culturas diversas, de quem elas próprias são e o que pode ou não haver

após a morte. Há casos de se recusarem, a saber, qualquer coisa sobre Deus, pois vêem

até mesmo Deus como um ser temeroso. Transfere-se o temor até para Deus, que seria a

fonte do amor ou devoção. Falta de conhecimento mais profundo acerca dos casos

metafísicos. Ainda hoje em dia podemos facilmente encontrar a máxima de que uma

pessoa afirma em plenos pulmões e orgulhosamente que é um ser "temente a Deus".

Temente a Deus ? Medo até de Deus e de seus castigos.

A idéia de fantasmas e almas perdidas e com más intenções é de fácil aceitação para

qualquer teísta, mas acreditar que foram recrutadas para o "exército do mal", é algo que

poderíamos caracterizar como uma palavra que por si só já demonstra sua origem e

significado: tolice.

Mais uma vez concluímos que nós mesmos, todos nós, seres humanos somos as fontes

dos desastres, das maldades e misérias. Claro que alguns supostos líderes tentam desviar

essa culpa como nesse trecho que encontramos de uma afirmação em livro de um

famoso líder evangélico que reflete a idéia de todos os outros desse mesmo seguimento

religioso: "O diabo é a origem das doenças, da miséria, dos desastres e de todos os

problemas que afligem o homem desde que ele iniciou sua vida na Terra", afirma o

fundador e controverso bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, em

seu livro "Orixás, Caboclos e Guias - Deuses ou Demônios?", um dos vários livros em

que Macedo tenta convencer a humanidade de que satã existe e exerce poder quase

absoluto sobre as pessoas, impondo medo sobre elas e ganhando "rios" de dinheiro dos

fiéis imersos no sofrimento e pânico da vida cotidiana que por si só já é bastante penosa

nos dias atuais. Nesse mesmo livro vemos no próprio título a intenção tipicamente

evangélica de ridicularizar e desprezar as outras religiões, em especial atacar as de

origem afro

Além dele, que é só um exemplo, todos os outros diversos líderes evangélicos que

abraçam a mesma causa, abraçam a farsa do diabo como seu maior aliado na conquista

de novos fiéis para suas igrejas e no esforço para destruir as outras religiões publicam

livros e mais livros com poluições destrutivas ao cérebro e inteligência de quem os lê.

Não é difícil entender porque essas mesma pessoas, evangélicos de diferentes igrejas,

evitam ao máximo participar de debates religiosos, grupos inter-religiosos ou ao menos

discutir filosoficamente sobre esses assuntos com outras pessoas ou religiões.

Uma conclusão e um convite ao conhecimento

Atividades demoníacas existem, mas não o demônio, "o chefe da liga do mal". Isso mais

parece nome de desenho animado para adolescentes. Uma pessoa pode ser um "santo"

ou um "demônio", e lamentavelmente essas atividades demoníacas podem ser feitas até

mesmo em nome de uma suposta religião, como por exemplo, matar em nome de Deus,

explorar em nome de Deus, guerras em nome de um deus odioso, aterrorizar povos em

nome de um suposto deus, classificar um povo ou uma nação de diabólica, etc., como

infelizmente existe hoje e vemos desde a Idade Média em profusão, e antes desta em

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Alexandre C. Carbonieri A Farsa Sobre o Demônio 13

menor grau. Ainda hoje são reconhecidos como terroristas "religiosos", fanáticos

cristãos, crentes, desvirtuados, etc., etc.

Também há quem pratique atividades caracterizadas como demoníacas mesmo sendo

ateu, ou agnóstico. Sabemos de tantos casos, como estupros, assassinatos, roubos,

matanças de animais e humanos, exploração, etc., são tantos casos que não vale á pena

gerar tanta frustração diante do mundo aqui nesse mero resquício de uma reflexão tão

ampla, afinal não é essa a nossa intenção.

Nossa intenção aqui é instigar uma reflexão pessoal, individual e muito profunda acerca

de uma farsa terrível e tão prejudicial ao ser humano quanto qualquer censura acerca de

realidade material e espiritual. Não há nada que prove a existência de um demônio,

diabo, capeta, satanás, "cão", "chifrudo", etc., a não ser o desejo fervoroso de alguns ou

algumas instituições (e obviamente não me refiro somente à igreja católica, mas

especialmente às doutrinas evangélicas, e outros) para obter poder através do medo.

Algumas seitas atuais chegam ao cúmulo de falar tanto sobre o demônio que nada falam

de Deus, nada conhecem acera de uma divindade suprema, de uma vida mais positiva e

bondosa, apenas se prega o medo, um medo a algo ilusório e inexistente. É a religião do

medo, das pessoas que odeiam tudo e todos e vivem com medo, "tirando o diabo do

corpo" e chamando todos os que são diferentes religiosamente, de adoradores do diabo.

Essas pobres pessoas nem sequer sabem como é Deus, nem sequer tem uma vaga idéia

de um ser Supremo para meditarem em algum instante de sanidade que possam ter e,

desse ponto de vista, nem poderiam ser classificadas como religiosas ou espiritualistas,

mas como loucas ou na melhor das hipóteses, como seres inocentemente iludidos e/ou

enganados.

Como dissemos no início, é lamentável que exista uma difusão tão forte dessa farsa,

mesmo como um suposto mito, tão prejudicial ao bom senso e espiritualidade sã das

pessoas em geral. No entanto, embora lamentável, podemos superar a lamentação e

determo-nos no descobrimento acerca da realidade e na destruição de tal motivo para

lamentação de qualquer um que busque a verdade, ao menos no que se concerne a nós

mesmos. Assim pretendemos humildemente aqui ajudar a desvendar tal farsa com o

sincero desejo de ajudar a elevação de todo aquele que procura por algo superior, seja

no dia-a-dia ou na busca de Deus, pela Verdade Absoluta ou pelo transcendente. Se uma

pessoa puder ser agraciada com a compreensão que tentamos também encontrar aqui,

nosso objetivo estará cumprido.

Afinal, qualquer pessoa que se diz um líder espiritual ou religioso, ou um missionário,

ou algo parecido e nada saiba sobre a essência da divindade, da espiritualidade, de

Deus, mas que sim fale de diabos e demônios, pode ter certeza, essa pessoa não passa de

um charlatão, um enganador desprezível que no mínimo está profundamente

equivocado ou tem claramente definido em seu intimo o interesse de tirar proveito sobre

ti e tua sociedade.

Concluímos que aqueles que divulgam e ainda insistem na mentira da existência de um

ser que concentra todo o mal, a causa das doenças, etc., o inimigo de Deus, ou seja, o

demônio, nada mais é que um grande ofensor de Deus e do bom senso humano, pois

despreza a noção real de Deus, glorifica o ato de um ser que não existe, usa-se dessa

farsa para ganhar dinheiro sobre os inocentes e inventar a noção pseudoreligiosa de que

Deus não foi e não é capaz de cuidar de tudo sozinho, que não teria sido capaz de evitar

tal "anjo caído" e pior, planta a crença de que o ser humano não é capaz de assumir seus

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atos, de que nem é o culpado de fato e que deve continuar cultivando em seus corações

e mentes o medo, o ódio, a culpa, ao invés do amor, da lucidez e do conhecimento de si

mesmo e do transcendente.

Alguns chegam a declarar, sem receio da bobagem que afirmam, que conhecem tanto

sobre o diabo e suas atividades que nada sabem sobre Deus e sobre si mesmas e de fato

não podem saber, haja vista que estão tão imersos numa mentira febril que nada podem

saber sobre qualquer outra coisa, sobre a paz, o amor e muito menos o transcendente.

Cabe a cada um julgar como deseja viver, na busca pela verdade ou nos dogmas

enganadores de farsas terríveis.

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