23
Revista Amicus Curiae – Direito – Universidade do Extremo Sul Catarinense. ISSN: 2237-7395. Vol. 13 – N. 1 – Jan./Jul. 2016. http://periodicos.unesc.net/amicus/about A FILOSOFIA DO DIREITO DE OSCAR A. ROMERO: PASTOR, PROFETA E PADRE DA IGREJA LATINO-AMERICANA 1 The philosophy of the Academy of Law A. Romero: Pastor, Prophet and Father of the Latin American Church Jesús Antonio de la Torre Rangel 2 RESUMO Ha trinta e cinco anos, em 24 de março de 1980, quando estava celebrando uma missa na capela do Hospital Divina Providência, na capital de El Salvador, foi assassinado o Monsenhor Oscar Arnulfo Romero, Arcebispo de San Salvador. Assim, quiseram calar a voz da justiça; a voz daquele que, junto com o pão e o vinho, ofereceu diariamente sua vida ao Pai de Jesus, ao denunciar a injustiça que se cometia contra o povo trabalhador, do qual se tomava o fruto do seu trabalho, do qual se tirava o pão que produzia. Romero fez Filosofia e Teologia do Direito, não de maneira sistemática, mas em suas mensagens e homilias, expressava a visão que tinha sobre o mundo jurídico. O objetivo destas linhas é falar de Direito, expressado como lei, direitos humanos e justiça, relacionado com o pensar e atuar de Monsenhor Romero. Palavras-chave: Filosofia do Direito; Teologia; Direitos Humanos. ABSTRACT Thirty-five years ago, on March 24, 1980, when celebrating Mass in the Divine Providence Hospital’s chantry, in El Salvador’s capital city, Monsignor Oscar Arnulfo Romero, Archbishop of San Salvador, was assassinated. Thus, they wanted to silence the voice of justice; the voice of one who, along with the bread and wine, daily offered his life to his Father Jesus, in denouncing the injustice that is committed to working people, from which he took the fruit of his labor, from which he took the bread he produced. Romero studied Philosophy and Theology of Law; not in a systematic way, but in his messages and homilies, expressed the view he had on the juridical world. The goal of these lines is to talk about Law, expressed as legislation, human rights and justice, related to the thinking and acting of Monsignor Romero. Keywords: Philosophy of Law; Theology; Human Rights. 1 Artigo traduzido por Lucas Machado Fagundes, professor do Curso de Direito da UNESC. 2 Professor-investigador da Universidad Autónoma de Aguascalientes (México).

A FILOSOFIA DO DIREITO DE OSCAR A. ROMERO: PASTOR, PROFETA …

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Revista Amicus Curiae – Direito – Universidade do Extremo Sul Catarinense.

ISSN: 2237-7395. Vol. 13 – N. 1 – Jan./Jul. 2016.

http://periodicos.unesc.net/amicus/about

A FILOSOFIA DO DIREITO DE OSCAR A. ROMERO:

PASTOR, PROFETA E PADRE DA IGREJA LATINO-AMERICANA1

The philosophy of the Academy of Law A. Romero:

Pastor, Prophet and Father of the Latin American Church

Jesús Antonio de la Torre Rangel2

RESUMO

Ha trinta e cinco anos, em 24 de março de 1980, quando estava celebrando uma missa na capela do Hospital Divina Providência, na capital de El Salvador, foi assassinado o Monsenhor Oscar Arnulfo Romero, Arcebispo de San Salvador. Assim, quiseram calar a voz da justiça; a voz daquele que, junto com o pão e o vinho, ofereceu diariamente sua vida ao Pai de Jesus, ao denunciar a injustiça que se cometia contra o povo trabalhador, do qual se tomava o fruto do seu trabalho, do qual se tirava o pão que produzia. Romero fez Filosofia e Teologia do Direito, não de maneira sistemática, mas em suas mensagens e homilias, expressava a visão que tinha sobre o mundo jurídico. O objetivo destas linhas é falar de Direito, expressado como lei, direitos humanos e justiça, relacionado com o pensar e atuar de Monsenhor Romero.

Palavras-chave: Filosofia do Direito; Teologia; Direitos Humanos.

ABSTRACT

Thirty-five years ago, on March 24, 1980, when celebrating Mass in the Divine Providence Hospital’s chantry, in El Salvador’s capital city, Monsignor Oscar Arnulfo Romero, Archbishop of San Salvador, was assassinated. Thus, they wanted to silence the voice of justice; the voice of one who, along with the bread and wine, daily offered his life to his Father Jesus, in denouncing the injustice that is committed to working people, from which he took the fruit of his labor, from which he took the bread he produced. Romero studied Philosophy and Theology of Law; not in a systematic way, but in his messages and homilies, expressed the view he had on the juridical world. The goal of these lines is to talk about Law, expressed as legislation, human rights and justice, related to the thinking and acting of Monsignor Romero. Keywords: Philosophy of Law; Theology; Human Rights.

1 Artigo traduzido por Lucas Machado Fagundes, professor do Curso de Direito da UNESC. 2 Professor-investigador da Universidad Autónoma de Aguascalientes (México).

7

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

1 INTRODUÇÃO

Há trinta e cinco anos, em 24 de março de 1980, quando estava celebrando uma

missa na capela do Hospital Divina Providência, na capital de El Salvador, foi assassinado o

Monsenhor Oscar Arnulfo Romero, Arcebispo de San Salvador. Precisamente no momento da

oferenda, quando oferecia ao pai o pão e o vinho, fruto da terra e do trabalho dos homens,

ouviu-se um disparo, e a bala assassina se alojou em seu corpo. Assim, quiseram calar a voz

da justiça, a voz daquele que, junto com o pão e o vinho, ofereceu diariamente sua vida ao

Pai, ao denunciar a injustiça que se cometia contra o povo trabalhador, do qual se tomavam-

lhe o fruto do seu trabalho, do qual se tiravam-lhe o pão que produzia.

Por meio de um decreto, no dia 3 de fevereiro de 2015, assinado pelo Papa

Francisco, foi reconhecido Romero, oficialmente, como mártir, iniciando-se as bases para sua

beatificação. Tal reconhecimento é uma satisfação, pois, para muitos salvadorenhos e centro-

americanos e cristãos em geral, ele é considerado um santo, pela defesa que fez dos pobres e

pelas suas denúncias sobre a repressão e violação dos direitos humanos (JORGE;

MELÉNDEZ, 2015).

Romero fez Filosofia e Teologia do Direito; não de uma maneira sistemática, mas,

em suas mensagens e homilias, expressa a visão que tinha sobre o mundo jurídico. O objetivo

destas linhas é falar de Direito, expressado como lei, direitos humanos e justiça, relacionado

com o pensar e atuar de Monsenhor Romero. Sobre este tema, escrevi recentemente o martírio

de Romero3; agora retomo-o e apresento um trabalho mais profundo e ampliado.

2 ALGUNS DADOS BIOGRÁFICOS

Oscar Arnulfo Romero y Galdámez nasceu em Cidade Barrios, El Salvador, América

Central, em 15 de agosto – festa da Assunção de Maria – de 1917. Seus pais foram Santos

Romero e Guadalupe Galdámez.

Ingressa desde muito jovem no Seminário Menor, localizado em San Miguel, capital

do oriente do país. Depois ele passa a estudar no Colégio Pío Latino-americano de Roma, com

3 Se publicó originalmente en Christus 567-568, México, agosto-septiembre de 1983 (una primera versión la

publicó Garantía, revista jurídica de alumnos de la Universidad Autónoma de Aguascalientes, marzo-abril de 1983), se tituló: “La legalidad vista desde los oprimidos. Derecho y justicia en Monseñor Romero.” Pasó después a formar parte de mi libro El derecho que nace del pueblo, Ed. Centro de Investigaciones Regionales de Aguascalientes y Fideicomiso Profesor Enrique Olivares Santana, 1986; Fundación para la Cultura Jurídica (FICA), Asonal Judicial e Instituto Latinoamericano de Servicios Legales Alternativos, Bogotá, 2004; y Ed. Porrúa, México, 2005.

8

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

os jesuítas. Em 1942 é ordenado sacerdote. Foi um sacerdote tradicionalista, e, “em que a

caridade refere-se, Romero era insuperável”. Agrega seu biógrafo Delgado que “A

espiritualidade de Monsenhor Romero sempre esteve cultivada pelas duas margens de um

mesmo rio: a espiritualidade jesuíticas e a obediência eclesiástica da Opus Dei.” (DELGADO,

1990, p. 32).

Em 1967, aos vinte e cinco anos de sua ordenação sacerdotal, recebe o título

honorífico de monsenhor pela Santa Sede, e é nomeado secretário da Conferência de El

Salvador (CEDES). Em 1970, o Papa o nomeia Bispo, e ele passa a auxiliar o Arcebispo de

San Salvador, Luis Chávez y González.

Em 1974, é designado Bispo da diocese de Santiago de María. Ali começa a

conhecer de perto a repressão ao povo, e o assassinato de trabalhadores e campesinos, mas

suas ações como Bispo seguem sendo extremamente conservadoras e próximas ao governo,

como havia sido secretário da CEDES e como auxiliar nas arquidioceses de San Salvador.

Em oito de fevereiro de 1977, Romero é nomeado arcebispo de San Salvador; é

amigo do Presidente, Coronel Arturo Armando Molina, de políticos protegidos e dos grandes

proprietários de terras; o clero mais próximo ao povo esperava que ele fosse nomeado para o

cargo de Bispo auxiliar Arturo Rivera y Damas, que seguia as linhas da renovação eclesial

impulsionadas pelo Concílio Vaticano II e pela Conferência Episcopal Latino-americana

celebrada em Medellín, Colômbia, em 1968; logo não viram com bons olhos a sua nomeação.

Porém, em Romero deu-se uma mudança total de atitude. Isto começou há poucos

dias, após assumir seu novo cargo eclesial, motivado pelo mal-intencionado assassinato do

sacerdote jesuíta Rutilio Grande e de dois campesinos que o acompanhavam, em 12 de março

de 1977. Precisamente Rivera y Damas escreve:

Conocí a Monseñor Romero como hombre, como sacerdote y como obispo. Estoy de acuerdo con aquellos que hablan de una ´conversión´ de Monseñor Romero, en el momento en que asumió el cargo pastoral de la arquidiócesis de San Salvador. Un mártir dio vida a otro mártir. Delante del cadáver del Padre Rutilio Grande, Monseñor Romero, en su vigésimo día de arzobispo, sintió el llamado de Cristo para vencer su natural timidez humana y llenarse de la intrepidez del apóstol. Desde aquel momento, Monseñor Romero dejó las tierras paganas de Tiro y Sidón, y marchó libremente hacia Jerusalén. (RIVERA Y DAMAS, 1990, p. 3)

Romero, ainda surpreendido pela notícia do assassinato do Padre Grande, recebe a

primeira chamada de “pésame”, precisamente do Presidente Molina. Em princípio, a

interpreta como “sinal de amizade”, mas, de imediato, se dá conta que é cinismo, ao ter

notícia certa de que o assassinato procedia de homens a serviço do Estado. O fato é que o

9

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

novo arcebispo de San Salvador começa a conhecer a dura realidade de seu país e a atuar de

maneira consequente com ela, enquanto cristão, Pastor do seu povo, defendendo suas ovelhas,

seus sacerdotes e pessoas comuns. Na homilia da missa de funeral de Rutilio Grande e dos

campesinos, em frente às autoridades civis e eclesiásticas, além de solicitar que se

esclarecessem o assassinato, disse que a solução para os problemas de El Salvador era a que

oferecia a Igreja: fé, doutrina social e amor, assinalando que “o primeiro grande dom e

milagre que estava sendo produzido com a morte do padre Grande era a unidade do clero em

torno de seu novo arcebispo” (DELGADO, 1990, p. 75-80).

Iniciava-se, assim, o caminhar de Romero em direção ao seu próprio martírio.

Começava a ser autêntico Pastor, Profeta e Padre da Igreja.

3 PASTOR, PROFETA Y PADRE

Monsenhor Romero foi autêntico Pastor e autêntico Profeta, consequentemente,

Mártir.

Como Profeta, tocou a dimensão social e histórica. Como Profeta abordou, então, o

jurídico, a legalidade, as questões de Direito e justiça.

La primera afirmación fundamental sobre el profeta es que proclama la voluntad de Dios – escribe Sobrino – y la proclama en directo sobre la realidad histórica en toda su complejidad cultural, social, económica, política y cultual […] La palabra profética versa sobre la vida y la muerte de los hombres, sobre las relaciones de justicia e injusticia que se generan entre ellos; sobre la opresión y la liberación. (SOBRINO, 1981, p. 15)

Isso em todo o seu discurso profético, pois aborda o jurídico. Refere-se à legalidade

em geral, a certas leis em especial e o relativo à administração da justiça. Denuncia a

legalidade estrutural injusta, por um lado, e a violação das normas jurídicas vigentes que

protegem os direitos fundamentais da pessoa humana, por outro.

Oscar Arnulfo Romero aborda o jurídico como Profeta e também como Pastor.

Explico-me: como Profeta, ao abordar toda a problemática histórica, toca o relativo ao

Direito, e se inscreve, poderíamos dizer, em um linha teológica-filosófica do Direito, segundo

a tradição do Antigo Testamento; e como Pastor, está inscrito também na tradição do

pensamento jurídico-político da Igreja, e ademais, também como parte de sua missão pastoral,

cuida das ovelhas, busca proteger seu povo, concretamente dando apoio com socorro jurídico.

Ao fazer as afirmações escritas acima estou pisando em terreno da teologia eclesial,

ao referir-me à pastoral e à profecia sintetizadas na pessoa de um Bispo. Portanto, devo

10

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

intentar desentranhar a questão. Habitualmente entende-se como uma tensão dialética dentro

do seio da Igreja, a que se dá entre o conservador, a tradição e a instituição, que seria a

missão do Pastor, do bispo, e, por outro, o profetismo, a inovação. Estes dois carismas no seio

da Igreja, em muitas ocasiões, a dividem, fazem que atrevesse o conflito dentro de si mesma.

Sobrino escreve: “Profecia e instituição são elementos indispensáveis, mas historicamente

estão em combate, e por isso surge o conflito” (SOBRINO, 1976, p. 26).

Instituição e profecia são elementos indispensáveis, os dois, na Igreja:

La institución se va haciendo para tomar decisiones a nivel doctrinal, ético y de vida litúrgica y comunitaria. Se necesita la creación de una tradición sobre Jesús que se mantenga viva, puede ser mantenida a lo largo de la historia, y mantenida en pureza, por lo que toca a lo fundamental… Pero la

profecía es la que justifica en último término a la misma institución. Sin profecía la Iglesia desaparecería literalmente. Se convertiría en depósito de una verdad abstracta; negaría su verdad fundamental de que Jesús es el Hijo y es capaz de hacer de los hombres hermanos suyos que recorran en la historia el camino que el él recorrió. (SOBRINO, 1976, p. 26)

Em Monsenhor Romero se dá essa raríssima síntese do profético e do institucional

em uma pessoa. Apesar do afirmado acima, isto é possível porque Oscar Arnulfo Romero

busca a unidade eclesial “não embasada na uniformidade importada, nem em uma fé

expressada genericamente, e sim na mesma missão, em fazer como Jesus em uma situação

determinada” (SOBRINO, 1976, p. 29).

Oscar Arnulfo Romero encontrou-se, historicamente, como bispo, responsável por

conservar o estabelecido, a tradição da Igreja; mas ao mesmo tempo soube discernir o

momento histórico do povo, oprimido, humilhado, maltratado. Então, como homem de Deus,

teve que assumir a missão da Igreja de fazer presente ao Jesus histórico que busca o Reino do

seu Pai. E teve que assumir essa missão profética sem deixar de ser o bispo responsável de

uma instituição, de uma comunidade eclesial.

Estas raríssimas sínteses de Pastor e Profeta são possíveis só assumindo a missão de

Jesus, só se pode dar em homens fidelíssimos a Deus e a seu povo. Monsenhor Romero sem

desatender à instituição que lhe foi encomendada, foi capaz de denunciar a injustiça e

anunciar o Reino de Deus.

Graças a Deus “não têm desaparecido de todo da Igreja esses bispos dos quais São

Ambrósio dizia que eram de ouro e que consagravam o vinho em cálices de madeira”.

(PAOLI, 1977, p. 42). Porque felizmente enquanto

11

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

[…] es verdad que se establecerá siempre una dialéctica entre el misterio establecido y el carisma innovador. Sin embargo, en los grandes momentos históricos de cambio, donde la Iglesia debe comprometerse con los más pobres, el episcopado ha brillado frecuentemente […]. (DUSSEL, 1982, p. 395)

3.1 Padre da Igreja Latino-americana

Oscar Arnulfo Romero é também Pai da Igreja. E, como tal, justifica-se que me

ocupe do seu pensamento jurídico, de sua Filosofia do Direito.

Como é sabido, o jusnaturalismo clássico da tradição cristã toma e expõe seus

fundamentos da Patrística, dos chamados Pais da Igreja. Tradicionalmente, entende-se por um

conjunto de pensadores cristãos dos primeiros séculos da Igreja, que escrevem com intenção

pastoral e em defesa da fé; mas que, marginalmente, abordam em seus escritos questões

sociais e jurídicas, embora não de uma maneira sistemática. Podem-se dividir em dois grupos:

grego e latino; e são considerados, desde a segunda geração de cristãos – depois dos

apóstolos, companheiros de Jesus – até o século V. Não existe uma lista oficial. Segundo

Comblin, as qualidades desses Santos Padres são:

1. La santidad de vida […] 2. La ortodoxia de la fe; todos fueron luces que iluminaron al pueblo de Dios a través de la profunda inteligencia de la Biblia; 3. La comprensión de las señales de los tiempos, lo que les permitió imprimir en la Iglesia orientaciones que estuvieron vigentes durante muchos siglos; 4. Ser reconocidos y aclamados por el pueblo de Dios. (COMBLIN, 2009, p. 654).

Menciono a seguir uma a mostra de como alguns Padres se referem às questões

relacionadas com temas de Filosofia Jurídica.

São Ireneo (137-202[?]), embora nascido em Esmirna, Ásia Menor, escreve em

latim. Seu mestre Policarpo envia-o às Galias, a Lugdunum (Lyon). Justifica de uma maneira

teológica a existência do poder na comunidade – o que hoje seria o Estado – como um

organismo coercitivo; funda a necessidade do Estado como poder coercitivo, para evitar – diz

– “que os homens se devorem mutuamente como fazem os peixes”.

Mas São Ireneo, segundo o bispo de Lyon, com sua teologia, põe as bases de uma

antropologia que fundamenta a justiça e os direitos humanos individuais e sociais ao afirmar

que “a glória de Deus é o homem vivo”4. Nesse sentido, Alonso escreve:

El compromiso con lo humano, con cada uno de los hombres, implica una liberación con todo lo que los minoriza: liberarlos de los que los arrojan a planos

4 Citado por ALONSO, J. del, Adversus Haereses (Contra las herejías), en “La Liberación del hombre es la

gloria de Dios. (Una fundamentación teológica)”, en dos partes Christus 446 y 447, de enero y febrero de 1973, respectivamente; primera parte, p. 19.

12

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

infra-humanos de la alienación, del no ser hombre. La gloria de Dios es la manifestación plena del hombre. Ésta manifestación es la glorificación de su carne. Los diferentes signos de ésta gloria se muestran en su ser histórico. (ALONSO, 1973, p. 17).

Orígenes (185-254), da Escola de Alexandria, fala do direito natural de resistência.

Ante a acusação de que os cristãos formavam entre si sociedades secretas “contra a lei”,

Orígenes responde: “Não é, consequentemente, contrarrazão formar associações que vão

contra a lei, mas são em favor da verdade. Se uns quantos conjuraram secretamente matar ao

tirano que se apoderou da cidade, obrarão licitamente [...]” (ORÍGENES, 1967, p. 40).

Outro Padre, da tradição grega, é São João Crisóstomo (354-407) ou São João de

Antioquía. Esse extraordinário orador, com relação ao direito de propriedade privada, pensava

o seguinte: “Apenas o fato de não compartilhar os teus bens já é uma rapina! [...] não

unicamente roubar ao alheio, mas também não compartir com outros o que é seu, é roubo e

avareza injusta e desapropriação [...] os ricos que retêm o que é dos pobres, embora lhes

chegue por herança paterna ou de outra parte qualquer [...]”5.

Tomando exemplos da tradição latina, citamos São Ambrósio (340-397), bispo de

Milão. Ele disse que “a justiça é uma virtude social” (AMBROSIO, 1966, p. 101) e a une ao

que considera a plenitude das virtudes, a misericórdia; e pergunta: “O que é a justiça, senão a

misericórdia?” (AMBROSIO, 1966, p. 141).

Por outro lado, considera que a propriedade privada não é de direito natural, mas

propriedade coletiva: “As riquezas não são nossas, posto que elas estão fora da nossa natureza

e, certamente, não nasceram conosco, nem conosco perecerão.” (AMBROSIO, 1966, p. 141).

Outro exemplo de Padre latino é São Agostinho (354-430), discípulo de São

Ambrósio. Agostinho foi bispo de Hipona, no norte da África. Considera que o direito

positivo humano tem sua fonte e medida no direito (SICHES, 1947, p. 33). Sustenta que o

direito é o que é justo, “e não tudo o que é chamado direito é direito [...] só é verdadeiro

direito aquilo que é justo” (RAMIREZ RUIZ, 1988, p. 70). Para Agostinho, o fim do direito

positivo é a paz; mas para que a paz seja possível, requer-se a justiça. “Cumpre a justiça e terá

a paz, a fim de que se beijem entre si, a justiça e a paz. Se você não amar a justiça não terá

paz, pois ambas se amam e se abraçam” (LEURIDAN, 1978, p. 130), escreve. Sustenta,

ainda, que: “Se dos governos tiramos a justiça, em que se convertem senão em bandos de

5 San Juan Crisóstomo, Obras Completas Tomo II, versión directa del griego por Rafael Ramírez Torres, S. J.

Ed. Jus, México, 1966, p. 85. (Palabras tomadas de la Homilía Segunda acerca de Lázaro.)

13

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

ladrões em grande escala? E estes grupos, o que são senão reinos menores?” (AGUSTÍN,

2013, p. 150).

De um tempo para cá, cada vez com mais força, se fala dos Padres da Igreja latino-

americana, referindo-se a dois grupos; um primeiro, a Igreja primitiva indiana, e a outro grupo

de Padres, já no século XX, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência Episcopal

celebrada em Medellín, Colômbia, em 1968. Dussel escreve:

Una de las etapas más bellas y más cubierta por el olvido de América Latina es la lucha que en favor del indio llevó a cabo un grupo de obispos hispanoamericanos en el período comprendido entre 1544-1568. En nuestra América, más que a los ‘Padres de la Iglesia’ bizantina o latina (los ejemplares Basilio, Gregorio, Agustín…) deberían hoy leerse las obras de Las Casas, los sínodos de Juan del

Valle, o las cartas del Valdivieso, obispo de Nicaragua (1544-1550), los ´Padres de la Iglesia´ latinoamericana. (DUSSEL, 1974, p. 95)

Esses Padres da Igreja inicial da América Latina incursionaram forte em temas de

Filosofia do Direito e Direitos Humanos; fazem defesa teórica e prática dos direitos dos

empobrecidos das Índias. São de fato os iniciadores da Tradição Ibero-americana de Direitos

Humanos (TIDH) (DE LA TORRE RANGEL, 2014; ROSILLO, 2011). Desses Padres,

destacam-se com obra jurídica o domínico Bartolomé de Las Casas (DE LA TORRE

RANGEL, 2007), o agostiniano Alonso de la Veracruz (DE LA TORRE RANGEL, 1998) e o

grande juiz (ouvidor) primeiro e bispo despois, Quiroga (QUIROGA, 1985).

Bartolomé de Las Casas (1474 ou 1484-1566). A vida desse religioso sevilhano é

apaixonante; de explorador dos índios e comerciante, se converteu em acérrimo defensor dos

direitos dos empobrecidos das Índias. A defesa fez como religioso domínico, como bispo de

Chiapas e também como jurista; como homem conhecedor do Direito, recorreu aos

memoriais, tratados e litígios; fez uso jurídico para a causa dos direitos humanos, levando-o a

cabo na teoria e na prática.

Em sentido estrito, Las Casas não tem uma filosofia do direito sistemática ou

completa; tem em seus vários escritos, no entanto, visões filosóficas sobre a lei, valiosas e

interessantes.

Como um precioso exemplo de pensamento jurídico e de atividade gestora e litigiosa

de Las Casas, temos sua intervenção na defesa que faz de si mesmo Francisco Tenamaztle,

senhor caxcan de Nochistlán, um dos principais insurgentes da chamada “guerra de mixtón

(mizton)” (1541-1542), frente ao conselho das Índias e à justiça de Valladolid. Tenamaztle

14

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

gestiona poder voltar à sua terra, já que havia sido deportado da Espanha pela Audiência de

México em 1552.

O documento de defesa e demanda de justiça do cacique caxcán, elaborado por

Bartolomé de Las Casas, é um fabuloso exemplo de prática jurídica na Tradição Ibero-

americana de Direitos Humanos. O ponto de partida é a reclamação por justiça daqueles que

padecem na injustiça; é uma exigência de direitos, por aquele que tem sua situação de

violação agravada. Trata-se de proclamar direitos em concreto, aqui e agora, historicamente,

precisamente desde o lugar do pobre, isto é, o empobrecido, que foi reduzido à pobreza

porque foi tirada sua liberdade, seu poder de decisão, e porque ele foi privado das condições

materiais que possibilitam sua vida digna.

Ademais, trata-se de uma alegação argumentativa que contradiz “uma espécie de

inversão da ideia de direito e justiça”, pois põe às claras que na “guerra delmiztón”, em

especial, e na “guerra chichimeca”, em geral, o agressor é o conquistador espanhol e não o

índio.

Vejamos um parágrafo-chave do documento Tenamaztle ao Conselho de Índias, por

meio do litigante Las Casas:

Este huir, y esta natural defensa, muy poderosos señores, llaman y han llamado siempre los españoles, usando mal de la propiedad de los vocablos, en todas las Indias, contra el Rey levantarse. Juzgue Vuestra Alteza, como espero que juzgará justa y católicamente, como jueces rectísimos, quién de las naciones, aunque carezcan de Fe de Cristo, ni de otra ley divina ni humana, sino enseñada por sola razón natural y qué especie de bestias hubiera entre las creaturas irracionales a quien no fuera lícito y justísimo el tal huir, y la tal defensa, y el tal levantamiento como ellos lo quieren llamar. Cuánto más que ellos han deservido a su rey y violado su fidelidad porque nunca nos han dado a entender a otro [fol.3r] rey sino a sí mismos. Y cuando han usado del nombre del rey no a sido sino para imponer y levantarnos culpas y pecados que nunca pensamos cometer, y para excusar sus injusticias y violencias tiránicas, extrañas de toda humanidad, en nosotros por ellos inhumanísimament cometidas. (CÁZARES, 2000, p. 516)

Na sequência, citamos uma preciosa reflexão teológica de Las Casas, que, como

veremos, é equiparado ao sentido mais profundo do Direito que tinha Oscar Arnulfo Romero,

ao expressar a injustiça como violação de direitos humanos que ultraja a Deus mesmo. Na sua

gestão de defesa dos direitos dos índios ante um funcionário da Corte, Las Casas diz: “[…] yo

dejo en las Indias a Jesucristo, nuestro Dios, azotándolo y afligiéndolo y abofeteándolo y

crucificándolo, no una sino millones de veces, cuanto es de parte de los españoles que

asuelan y destruyen aquellas gentes […]” (LAS CASAS, 1981, p. 309).

15

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

Alonso de la Veracruz (1507-1584). As obras de Direito do agostiniano são sobre

questões jurídicas concretas, com o objeto de iluminar, debater e dar soluções a problemas

reais de relações humanas no tempo mesmo em que se dão, e onde requer seu sentir; assim

aborda a encomenda, a urgente necessidade do respeito às terras dos povos indígenas, os

dízimos dos indígenas, etc.

Veracruz é um iniciador da Tradição Ibero-americana de Direitos Humanos, pelos

seguintes motivos. O agostiniano é receptor do modo de entender o Direito pela Escola de

Salamanca, por meio de seu mestre Vitoria; e em segundo lugar, junto com Las Casas e vários

outros missionários indianos, dirige e impulsiona o modo de entender a juridicidade, e com

ela os direitos humanos em hisponoamérica. Veracruz é um fiel representante da Escola de

Salamanca, tem clareza com relação aos direitos subjetivos acentuando sua importância como

direitos humanos naturais, e embora fiel ao tomismo, considera como prioritário no Direito o

justo objetivo, como análogo do principal. E, por outro lado, o professor da Universidade do

México radicaliza suas posturas, tanto teórica como prática, e dá um salto ao conceber o

mundo jurídico a partir daqueles que padecem na injustiça e lhes são violados seus direitos,

até o pobre.

Em seu tratado ou reeleição “De Dominio Infidelium et Iusto Bello”, Veracruz:

De esta octava conclusión se sigue que el Virrey y los Oidores, obraron injustamente cuando en tierra donde se cultiva gossypium que llamamos algodón, se imponen los tributos en vestidos, o lienzos elaborados, o tejidos con dicha materia, lo cual es contra el derecho y la justicia. Es claro: porque, aunque en la tierra haya algodón, sin embargo, no hay lienzos o sabanas, que llaman mantas, y que las mujeres tejen con enorme trabajo, y gran peligro para su cuerpo y para su alma. Yo vi y no solo una vez que las mujeres trabajan en esto día y noche, encerradas por fuerza y violencia en un lugar como si estuvieran condenadas a la cárcel y con sus niños que están nutriendo. Y de tal reclusión se sigue que si están embarazadas sufran aborto a causa del excesivo trabajo; si amamantan y debido a que trabajan demasiado y comen mal y fuera de hora, dan a sus hijos una leche pésima y así estos mueren. Y ahí mismo los hombres que dirigen este tipo de trabajos tienen ocasión de ofender a Dios. Hablo por experiencia, porque vi estas cosas que tan injustamente se hacen, pues se les señala la tarea, se les da la medida de ancho y largo, y tejen tan fuertemente y las hiladas deben ser tan apretadas y compactas que difícilmente podría pasar una aguja. Estas cosas y otras aún mayores son fruto de tal tributo, quienes exigen esas cosas pecan y están obligados a restitución, porque de acuerdo al mandato del emperador sólo están obligados a dar el algodón y nada más. (VERACRUZ, 1994, p. 65)

Vasco de Quiroga (1470[?]-1565) foi uma das grandes figuras do século XVI

mexicano. Forjador – como jurista, ouvidor, evangelizador e Bispo – da Tradição Ibero-

americana de Direitos Humanos (TIDH) pela promoção e defesa dos direitos dos indígenas.

Como promotor de seus direitos ao formar as repúblicas de indígenas, seus povos-hospitais,

16

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

para que pudessem viver com pleno respeito à sua dignidade, tendo um desenvolvimento

integral como pessoas e comunidades, e ao mesmo tempo podendo viver sua fé cristã na

esperança e na caridade mútua e até os demais; e como defensor dos direitos, porque fez “uso

do direito em defesa dos indígenas” (HURTADO, 1999. p. 125).

Na obra jurídica de Vasco de Quiroga, claramente encontra-se a noção de direitos

humanos, porque o jurista castelhano segue ao nominalista Juan Gerson (+1429) e desenvolve

a ideia de direito subjetivo como liberdade. Gerson aparece na obra de Dom Vasco

implicitamente, animando toda sua concepção de Direito, e explicitamente em muitos lugares

citados.

A obra jurídica mais importante de Dom Vasco de Quiroga é sua Informação em

Direito, que foi publicada no México em 24 de julho de 1535. O título completo do

documento é Informação em direito do licenciado Quiroga sobre algumas provisões do Real

Conselho das Índias. Seu objetivo é deixar sem efeito uma provisão real que permitia a

escravidão dos índios e insistir em seu remédio geral para o “Novo Mundo”: a criação dos

seus povos-hospitais (PEREDO, 1985, p. 9).

Também, uma das raízes da TIDH é a Patrística. E muito se diz da influência

específica de São Ambrósio em Vasco de Quiroga, sobretudo por sua ideia de propriedade

comunitária. A influência do Bispo de Milão sobre o Bispo de Michoacán é também no modo

de entende a justiça ligada à misericórdia.

Na tradição do mundo grecolatino estão as festas em honra de Cronos ou Saturno,

chamadas de Saturnália. Por meio dos escritos de Luciano (120-180) e de Macrobio (S. IV),

sabemos que se trata de uma festa muito antiga; durante a ação festiva se concedia aos

escravos um período de liberdade absoluta, comiam com os patrões e durante o baquete estes

serviam aos escravos. Há uma inversão simbólica do status entre patrões e escravos

(DESTRO; PESCE, 2002, p. 96-99; SAMOSATA, 1966, p. 511-531).

Tem-se isso em conta porque Vasco de Quiroga, em sua Informação em Direito, faz

alusão aos Saturnais de Luciano. Nesse texto, Quiroga faz uma enérgica defesa da liberdade

dos índios e elogios da sua bondade e de suas relações em justiça. Recorda como no reinado

de Saturno todos eram iguais, na chamada “idade dourada”. Quiroga faz referência aos índios,

naturais do “Novo Mundo” (QUIROGA, 1985, p. 195).

Como homem do seu tempo, como intelectual do século XVI, Quiroga recorre aos

clássicos. Mas seu alegado é de profunda raiz cristã e mais adiante é explícito nisso. Em sua

17

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

mente está essa outra inversão simbólica, no rito que narra o Evangelho de João, quando o

Mestre Jesus lava os pés dos seus discípulos (13, 1-20). É o serviço ao outro. É a concepção

da justiça do antigo Oriente, que implica paz e plenitude, misericórdia e ação benéfica.

(DESTRO; PESCE, 2002, p. 98-99). Assim entendia “Tata Vasco”, como os índios o

chamavam carinhosamente, o Direito.

Comblin disse que no século XX “aparecem também na América Latina vários

bispos que merecem o título de Santos Padres, porque traçaram os caminhos da Igreja no

continente” (COMBLIN, 2009, p. 654). Silva Arévalo, no mesmo sentido, diz: “A questão

social, a doutrina social da Igreja, o catolicismo social é o que defenderam os Padres da Igreja

latino-americana, verdadeiro enxame de gigantes que se dão muito tarde na Igreja [...]

(SILVA ARÉVALO, 2005, p. 29). Tanto Comblin como Silva Arévalo mencionam Oscar

Arnulfo Romero entre esses Padres6.

O teólogo Jon Sobrino nos recorda que Ignacio Ellacuría, logo após o assassinato de

Romero, disse: “[...] com Monsenhor Romero, Deus passou por El Salvador”; e mais tarde

escreveu: “[..] foi um enviado de Deus para salvar seu povo”; Sobrino agrega que desde “esta

perspectiva teologal nos aproximamos a Monsenhor Romero, ‘Padre da Igreja” (SOBRINO,

1976, p. 727).

4 A TRADIÇÃO JURÍDICO-POLÍTICA DO JUSNATURALISMO CLÁSSICO

24 de março, dia do seu martírio, foi uma segunda-feira. No domingo anterior

Monsenhor Romero havia retirado toda a legitimidade do sistema. Se durante anos da sua vida

havia estado denunciando, dias após dias, a injustiça e a violação dos direitos humanos de que

era objeto seu povo, nenhuma de suas denúncias havia calado tão fundo como a homilia do

dia 23 de março. Foi a gota que derramou a água do vaso, mas a mais pesada de todas:

tocando o terreno da mais estrita moral, mandou rechaçar toda a ordem injusta.

Yo quisiera hacer un llamamiento de manera especial, a los hombres del Ejército y en concreto a las bases de la Guardia Nacional, de la Policía, de los cuarteles. Hermanos, son de nuestro mismo pueblo, matan a sus mismos hermanos campesinos, y ante una orden de matar que dé un hombre debe prevalecer la ley de Dios que dice: NO MATARAS… Ningún soldado está obligado a obedecer una orden contra la ley de Dios… una ley inmoral nadie tiene que cumplirla… La

Iglesia defensora de los derechos de Dios, de la ley de Dios, de la dignidad humana de la persona, no puede quedarse callada ante tanta abominación… En nombre de

6 La revista Christus que dedicó su entrega de marzo-abril de 2003 a esta temática fue el número 735, y se

tituló “Latinoamérica. El Buen Pastor da la vida por sus ovejas”. El artículo dedicado a Romero lo escribe Elizabeth Judd Moctezuma, se titula “Monseñor Romero: sentir con la Iglesia”.

18

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

Dios, pues, y en nombre de este sufrido pueblo, cuyos lamentos suben hasta el cielo, cada día más tumultuosos, les suplico, les ruego, les ordeno en nombre de Dios: cese la represión. (SOCORRO JURÍDICO, 1981, p. 253)

A alegação política, jurídica e moral de Monsenhor Romero vai encaminhando a

ruptura de uma ordem estabelecida – “desorden” diria Mounier – baseada na violência e na

injustiça. E o forte discurso é que vai dirigido precisamente a sustentar, em última instância,

dessa “ordem”: os soldados. Como escreve Alponte:

Monseñor Romero, no sólo eligió al pueblo, sino que estableció un propósito, en la historia social de la lucha, que merece, en este punto, extrema atención: la legitimidad de la desobediencia, es decir, la moral de la desobediencia, la moral, en síntesis, del pensamiento crítico ante la opresión. (ALPONTE, 1980, [s.p.])

E essa mora da desobediência de toda lei ou ordem injusta, que postulou Oscar

Arnulfo Romero, está inscrita dentro da mais pura tradição filosófica, política e jurídica,

jusnaturalista. Santo Tomás de Aquino e os teólogos juristas espanhóis Juan de Mariana e

Francisco de Suárez, para mencionar somente alguns, avaliam a postura de Monsenhor

Romero.

Santo Tomás afirma, na Suma Teológica, que as leis humanas que se estabelecem

contra a lei de Deus “de nenhum modo podem observar-se” e aquelas que são injustas, “o

homem não está obrigado a segui-las” (TOMÁS DE AQUINO, 1981, p. 42-43).

O jesuíta Suárez escreve:

Digo, pues, en primer lugar, que al concepto y a la esencia de la ley pertenece que mande cosas justas. Esta tesis no sólo es cierta según la fe, sino además clara según la razón natural… (SUÁREZ, 1967, p. 47). Hemos dicho que la ley humana puede obligar en conciencia; ahora investigamos si esto es intrínseco a la ley. Damos por supuesto que se trata de una ley verdadera y válida, porque, para que una ley obligue, es preciso que sea verdadera ley, pues la que no es verdadera ley tampoco puede obligar como ley. Y para que una ley sea verdadera ley, es preciso que tenga las propiedades esenciales a la ley que se pusieron en el libro 1º, y sobre todo que sea justa y razonable, porque una ley injusta no es ley y, por consiguiente, conforme a lo dicho en el mismo libro 1º tampoco puede obligar en conciencia. (SUÁREZ, 1967, p. 291)

Logo, se na homilia de domingo de 23 de março de 1980, Oscar Arnulfo Romero

ordenou aos soldados a resistência passiva, isto é, a desobediência legítima por razões de

cunho moral, isto é, por motivos de justiça, e com isto retirou do regime todo tipo de

legitimidade, durante os dois últimos anos de sua vida fez uma denúncia constante da

opressão sofrida pelo seu povo.

19

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

Monsenhor Romero, como Pastor, não somente recorreu à tradição filosófico-

jurídica-política de raiz cristã para defender, com seu discurso pastor, seu povo, como,

ademais, cuidou das suas ovelhas; se preocupou com os sofrimentos concretos do seu povo e

tratou de ajudar a resolvê-los. Tem uma prática social de acordo com seu discurso pastoral,

também no relativo à legalidade. Monsenhor Romero dá um impulso ao Socorro Jurídico e o

incorpora ao Arcebispado. O Socorro Jurídico havia sido formado em 1975 pelos advogados e

estudantes católicos para defender dos direitos dos pobres.

Com o apoio do Arcebispado, por um lado, e a crescente violação dos direitos

humanos, por outro, a importância do Socorro Jurídico em El Salvador se fez fundamental na

tarefa de aliviar o sofrimento do povo pelo ataque institucional a seus direitos.

O advogado Cuéllar, fundador do Socorro Jurídico, que por muitos anos advogou

essa causa, proporciona dados muito importantes dessa instituição que impulsionou

Monsenhor Romero:

A finales de 1975, estando en el segundo año de la carrera, organizamos nuestros servicios en función de la gente de las comunidades marginales, de los obreros, de la gente que necesitaba de nuestro conocimiento y representación ante la justicia, de nuestra participación como abogados de los pobres; fue entonces cuando formamos el Socorro Jurídico, que entonces no era del Arzobispado. Era un Socorro Jurídico Católico, formado por 10 abogados y 5 estudiantes de Derecho, yo entre ellos, para representar a los pobres y a los marginados en materia de Derecho, en la que se cometían muchas injusticias en el tratamiento del proceso legal. El 30 de junio de 1977 se dio la primera masacre con notable del régimen en contra del pueblo, asesinaron muchos estudiantes que participaban en una manifestación de protesta, por la represión a los estudiantes de occidente. En ese momento comenzamos a involucrarnos en los problemas de carácter político […]

En 1976 continuamos defendiendo a algunos presos políticos que había en El Salvador bajo el régimen del Coronel Molina. En 1977, con la llegada de Mons. Romero, la Iglesia de San Salvador reconoce el trabajo del Socorro Jurídico como una instancia oficial de la Arquidiócesis, para la defensa de los derechos básicos, sociales, económicos y políticos del pueblo salvadoreño. Nosotros no nos quedamos únicamente como abogados de la Iglesia, trabajando en el respeto a los derechos humanos, entendemos, como lo decía Mons. Romero, que éste se va a lograr en la medida en que el pueblo tenga un nivel de vida mínimo, donde pueda satisfacer sus necesidades básicas. Es por la iniciativa de Mons. Romero que el grupo de abogados del Socorro Jurídico aceptó asesorar a sindicatos, organizaciones campesinas y defender a los presos políticos. A quien debemos el impulso principal del Socorro Jurídico es a Mons. Romero. (RODRÍGUEZ, 1981, p. 4-8).

Como Pastor, pois, conservou a tradição da mensagem cristã, opondo-se à

conservação dos privilégios das classes dominantes e praticando caridade.

5 A LINHA JURÍDICA PROFÉTICA

20

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

Temos destacados o caráter filosófico-jurídico da última homilia dominical, a qual é

conectada com a mais pura tradição jusnaturalista, queremos seguir na mesma perspectiva e

afirmar que a denúncia dos sofrimentos do seu povo se inscreve na linha bíblico-profética,

enfatizando, em muitas ocasiões, como os profetas do Antigo Testamento, as denúncias da

legalidade opressora.

Sua denúncia profética às questões de Direito a que se refere se apresenta de duas

formas: 1) em geral, à legalidade opressora; 2) em concreto, à corrupção da administração da

justiça.

Com respeito à denúncia geral ao Direito vigente em El Salvador, sintetizou com

uma frase original ouvida por um campesino, a “legalidade da injustiça” – como diria Dussel:

“A lei é como a serpente. Só pica em quem está descalço”.

Monsenhor Romero constatou que as leis promulgadas e sua aplicação favoreciam

sempre aos poderosos e esmagavam o débil, o descalço. Em sua mensagem de primeiro de

janeiro de 1980, afirmou que a lei deve ser para defender o pobre e não uma lei, supostamente

imparcial, que de fato sempre só favorece aos poderosos.

Essas injustiças com trajes de legalidade foram denunciadas constantemente por

Romero em suas homilias dominicais. E o bispo mártir, em suas prédicas, mostra sua erudição

teológica e bíblica, ademais de sua ampla cultura. Mas também se constata que era um pastor

muito bem informado do que acontecia no mundo em geral – na Igreja e fora dela –, e em El

Salvador em particular. Em cada homilia, além da localização teológica de acordo com a data

litúrgica e a reiteração de suas linhas pastorais, faz comentários à realidade e se compromete

com ela. Na continuação, cito pontualmente algumas referências de Romero em diversas

homilias, sobre a legalidade da injustiça:

“No una legalidad que oculte injusticias, sino una estructura donde la justicia de Dios encuentre el encauce para que todos los salvadoreños podamos vivir a la luz de Cristo: la paz, la alegría, el amor” […] Y […] repito mil veces y no nos cansaremos de repetir: ´No es el hombre para la ley sino la ley para el hombre´ [...] Nos vamos a acercar al altar con el tercer pensamiento, ya solamente lo insinúo: la ley es necesaria pero no basta la letra, sino que es necesario el espíritu de la ley, sólo Cristo es la plenitud de la ley.” [...] “Así parecen las leyes: piedras. Sobre todo cuando el pueblo está cansado, qué pesadas son las leyes.” [...] “[…] cuántos crímenes se cometen en nombre de la legalidad.” (ROMERO, 1981a, p. 409)

Em concreto, se opôs às leis de garantia e defesa da ordem pública – pretexto

jurídico para matar ao povo –; protestou contra os decretos do Estado de Sítio; e sobre as leis

21

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

que introduziam supostas reformas sociais, vendo-as com reserva porque “vão machadas de

sangue” (ROMERO, 1980).

Em síntese, Monsenhor Romero concretizou a crítica à injusta legalidade opressora

de seu povo na acusação direta à administração da justiça por sua corrupção, e em concreto

culpou pelo mesmo motivo também o máximo tribunal da nação: a Suprema Corte.

Por otra parte, hermanos, no podemos olvidar que un grupo de abogados lucha por una amnistía, y publica sus razones que le han movido a pedir esta gracia a tantos que perecen en las cárceles. Estos abogados denuncian también anomalías en el procedimiento en la Cámara Primera de lo Penal, donde el juez no permite a los abogados a entrar con sus defendidos; mientras se permite a la Guardia Nacional una presencia que atemoriza al reo, que muchas veces lleva las marcas evidentes de la tortura. Un juez que no denuncia las señales de la tortura, sino que sigue dejándose influir por ellas en el ánimo de su reo, no es juez justo. Yo pienso hermanos, ante estas injusticias que se ven por aquí y por allá, hasta en la Primera Cámara y en muchos juzgados de pueblos, ¡ya no digamos: jueces que se venden! ¿Qué hace la Corte Suprema de Justicia? ¿Dónde está el papel trascendental de una democracia de este Poder que debía estar por encima de todos los poderes y reclamar la justicia a todo aquel que lo atropella? Yo creo que en gran parte del malestar de nuestra Patria tiene allí su clave principal. En el Presidente y en todos los colaboradores de la Corte Suprema de Justicia, que con más entereza debería de exigir a las Cámaras, a los juzgados, a los jueces, a todos los administradores de esa palabra sacrosanta LA JUSTICIA, que de verdad sean agentes de justicia. (ROMERO, 1981b, p. 193)

Frente ao requerimento da Corte de Justiça de que dissera os nomes dos juízes

“venais”, Monsenhor Romero em sua homilia dominical de 14 de maio de 1978 lhes

respondeu aprofundando a acusação e a denúncia de corrupção da administração da justiça,

fazendo-o pormenorizadamente, repassando cada um dos direitos fundamentais do homem e

do trabalhador que consagra a Constituição salvadorenha. E terminou dizendo que essa

denúncia que faz da injustiça que sofre o povo, impõe o Evangelho “[...] e estou disposto a

enfrentar o processo e a cadeia embora com eles não se faça mais que agregar outra injustiça”

(ROMERO, 1981b, p. 247).

Desta homilia de domingo de Pentecostes, apresentamos alguns parágrafos:

[...] los derechos fundamentales del hombre salvadoreño son pisoteados día a día, sin que ninguna institución denuncie los atropellos, y proceda sincera y efectivamente a un saneamiento de los procedimientos [...] Varias madres, esposas e hijos, que de extremo a extremo, en todo el territorio han recorrido el triste calvario de la búsqueda de aquel ser querido, sin encontrar absolutamente ninguna respuesta. Nos consta que existen cerca de ochenta familias con algún miembro que ha sido capturado, sin que hasta hoy hayan sido consignados a ningún tribunal [...] ¿Cuántos reos no han sido presentados ante los Tribunales con evidentes marcas, señales de malos tratamientos [...]? [...] Los obreros, de conformidad con el artículo 191 de nuestra Constitución “tienen derecho de asociarse libremente para la defensa de sus respectivos intereses, formando sindicatos”. Este principio [...] es vulnerado en diversas formas. Desde el hecho de restringir la libertad de dirigentes

22

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

obreros, hasta otorgar sutilmente prebendas y concesiones a aquellos laborantes que rechacen la organización sindical [...] Ya no digamos el derecho que “tienen los trabajadores a la huelga” (Art. 192 Constitución Política). Esta medida utilizada en caso extremo por el obrero salvadoreño ha sido reprimida y tergiversada a mansalva. Se dice que la mayoría de las huelgas son “subversivas”, “que obedecen a consignas internacionales”, a pesar de que como medida legal son puestas en práctica por el trabajador para defender contratos colectivos de trabajo, salarios, días de vacaciones reconocidos en la ley laboral, y para proteger sus intereses profesionales [...]. (ROMERO, 1981b, p. 247)

Sua denúncia jurídica, recorda aos profetas:

¿Hasta cuándo Yavé, te pediré socorro sin que tú me hagas caso, y te denunciaré que hay violencia sin que tú me liberes? ¿Por qué me obligas a ver la injusticia y te quedas mirando la opresión? Sólo observo robos y atropellos y no hay más que querellas y altercados. La ley, prácticamente, ya no existe, nadie se comporta como es debido. Como los malvados tienen atemorizados a los buenos, el derecho aparece más torcido que nunca. (Habacuq 1, 1-4)

6 A PALAVRAS E A PRÁTICA DE ROMERO, INSCRITAS NA TRADIÇÃO IBERO-AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (TIDH)

Sobre os direitos humanos, existem duas tradições teóricas: a do Iluminismo,

dividida por três fontes: as revoluções inglesas de XVIII, a Revolução Francesa e a

Independência dos Estados Unidos. As três de corte eminentemente individualista; e outra

tradição, a Ibero-americana, que se inicia no século XVI pela denúncia de injustiças e defesa

que fazem alguns dos primeiros evangelizadores das vítimas das ações de conquista e

colonização levadas a cabo pelos europeus.

A TIDH se caracteriza pelo seguinte: primeiro, sua base teórica é o jusnaturalismo

clássico, sobretudo cultivado pela Escola de Salamanca que segue os ensinamentos de Santo

Tomás de Aquino; segundo, tem influência do nominalismo, também, em parte, proveniente

da própria tradição salamanquina, por isso desenvolve a ideia de direito subjetivo ou de “suas

liberdades”, como escreve Vasco de Quiroga seguindo ao nominalista Juan Gerson; e terceiro,

concebe-se aos direitos humanos desde el pobre, desde sua defesa concreta.

As palavras e a prática de Monsenhor Romero, na defesa dos direitos humanos,

localizam-se na TIDH. Isto se demonstra com tudo o que já foi apresentado nas páginas

anteriores, e se reafirma com as seguintes palavras de Romero, pronunciadas na Universidade

23

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

Lovaina, ao receber por esta instituição o Doutorado Honoris Causa, referindo-se às ações da

Igreja de San Salvador em seu compromisso na defesa dos pobres:

La Iglesia no sólo se ha encarnado en el mundo de los pobres y les da una esperanza, sino que se ha comprometido firmemente en su defensa. Las mayorías pobres de nuestro país son oprimidas y reprimidas cotidianamente por las estructuras económicas y políticas de nuestro país. Entre nosotros siguen siendo verdad las terribles palabras de los profetas de Israel. Existen entre nosotros los que venden al justo por dinero y al pobre por un par de sandalias; los que amontonan la violencia y despojo en sus palacios; los que aplastan a los pobres; los que hacen que se acerque un reino de violencia, acostados en camas de marfil; los que juntan casa con casa y anexionan campo a campo hasta ocupar todo el sitio y quedarse solos en el país. Estos textos de los profetas Amós e Isaías no son voces lejanas de hace muchos siglos, no son sólo textos que leemos reverentemente en la liturgia. Son realidades cotidianas, cuya crueldad e intensidad vivimos a diario. Las vivimos cuando llegan a nosotros madres y esposas de capturados y desaparecidos, cuando aparecen cadáveres desfigurados en cementerios clandestinos, cuando son asesinados aquellos que luchan por la justicia y por la paz. En nuestra Arquidiócesis vivimos a diario lo que denunció vigorosamente Puebla: “Angustias por la represión sistemática o selectiva, acompañada de delación, violación de la privacidad, apremios desproporcionados, torturas, exilios. Angustias de tantas familias por la desaparición de sus seres queridos de quienes no pueden tener noticia alguna. Inseguridad total por detenciones sin órdenes judiciales. Angustias ante un ejercicio de la justicia sometida o atada” (n.42). En esta situación conflictiva y antagónica, en que unos pocos controlan el poder económico y político, la Iglesia se ha puesto del lado de los pobres y ha asumido su defensa. No puede ser de otra manera, pues recuerda a aquel Jesús que se compadecía de las muchedumbres. Por defender al pobre ha entrado en un grave conflicto con los poderosos de las oligarquías económicas y los poderes políticos y militares del Estado. (CADERNAL; MARTÍN-BARO; SOBRINO, 1987, p. 187)

Esse discurso lido na famosa Universidade Belga, Romero termina-o fazendo alusão

às palavras que temos visto de São Irineo, sem mencioná-lo; as recorda e as aprofunda,

estabelecendo qual é a glória de Deus em uma situação de tremenda injustiça:

Los antiguos cristianos decían: “Gloria Dei, viven homo” (la gloria de Dios es el hombre que vive). Nosotros podríamos concretar esto diciendo: “Gloria Dei, viven pauper” (La gloria de Dios es el pobre que vive). Creemos que desde la trascendencia del Evangelio podemos juzgar en qué consiste en verdad la vida de los pobres; y creemos también que poniéndonos del lado del pobre e intentando darle vida sabremos en qué consiste la eterna verdad del Evangelio. (CADERNAL; MARTÍN-BARO; SOBRINO, 1987, p. 193)

7 DIREITOS DOS POBRES, DIREITOS DE DEUS; DIREITOS DAS VÍTIMAS, DIREITOS DE DEUS: TEOLOGIA JURÍDICA DE ROMERO

As denúncias que fez Romero às violações dos direitos humanos foram constantes e

muito profundas, enraizadas na mais pura tradição cristã.

O Segundo Domingo de Advento de 1978 foi no dia 10 de dezembro. Nesse dia se

comemorou o XXX Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Antes da

24

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

homilia na Catedral, tomou a palavra o Doutor Roberto Lara Velado, em nome da Comissão

dos Direitos Humanos para El Salvador. Falou da união dessa instituição com Monsenhor

Romero e com todo o povo salvadorenho, assim como seu compromisso de “de fazer todo o

esforço que seja necessário para que em nosso país se vivam e se respeitem os direitos

humanos” (ROMERO, 1981b, p. 25). O compromisso de Lara Velado era autêntico. Por isso

foi constantemente ameaçado de morte e, frente a isso, se exilou no México7.

Para Monsenhor Romero, os direitos humanos têm seu fundamento na dignidade e

nas necessidades do próximo, que se identificam com Cristo. Os direitos poderão ou não estar

reconhecidos nas leis; ao fim e ao cabo, para o cristianismo, a obrigação de respeitar os

direitos de outros está em que são próximos identificados com Cristo.

Assim expressou:

El Adviento debía de llamarnos la atención para descubrir en cada hermano que saludamos, en cada amigo que le damos la mano, en cada mendigo que me pide pan, en cada obrero que quiere usar el derecho de organización en un sindicato, en cada campesino que va buscando trabajo en los cafetales, el rostro de Cristo. No sería capaz de robarle, […] de negarle sus derechos, es Cristo y todo lo que haga con Él, Cristo lo tomará como hecho a Él. Este es el Adviento, Cristo que vive entre nosotros. (ROMERO, 1978b, p. 15)

Nessa mesma homilia, Romero recorda que Advento é presença cristã no mundo; já

que celebramos a Encarnação. Dizemos isto, porque no Terceiro Domingo de Avento, o bispo

leu uma carta de três cardeais europeus solidarizando-se com sua luta pelos direitos humanos

do povo salvadorenho. Na carta lhe dizem: “As violações sistemáticas dos direitos humanos

são em si mesmas uma dura negação da fé na Encarnação.” (ROMERO, 1978a, p. 15). O

Pastor salvadorenho havia predicado minutos antes:

El Verbo se hizo carne […] La carne es el hombre concreto […] La carne es la situación concreta del hombre, del hombre en pecado, del hombre angustiado por sus situaciones, del hombre que es patria con una historia que perece que se ha metido en un callejón sin salida […] Eso se hizo el Verbo, se hizo carne”. (ROMERO, 1978b, p. 43)

7 Este jurista ligado a los compromisos de Romero, vivió en Aguascalientes, en donde fue profesor de la

Universidad Autónoma de Aguascalientes; continuó con su compromiso por los derechos humanos, ya que colaboró en el proyecto de educación jurídica popular del Centro de Estudios Jurídicos y Sociales P. Enrique Gutiérrez (CENEJUS). Roberto Lara Velado era doctor en Derecho y en Historia. En la Universidad Autónoma de Aguascalientes estuvo adscrito al Departamento de Sociología, y fue profesor de la carrera de Derecho, en donde impartió la cátedra de Derecho Mercantil de la que era experto; de hecho, su obra jurídica más importante, es su Introducción al Estudio del Derecho Mercantil, con varias ediciones. Mencionamos otras obras de carácter histórico: Los Ciclos Históricos en la Evolución Humana. Madrid: Ed. Estudium, 1963 y Latinoamérica en la Encrucijada. San José de Costa Rica: Ed. Universitaria Centroamericana (EDUCA), 1972.

25

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

Caso isto seja assim, a violação dos direitos humanos atenta contra o mistério da

Encarnação, fundamental na fé cristã. Assim entendia Romero. Ao não se respeitar os direitos

humanos, se vai contra Cristo, do mesmíssimo Deus.

Termino estas reflexões de Monsenhor Romero com suas primeiras palavras

pronunciadas na celebração da festa do Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi) de 1979.

Não faz aqui alusão explícita aos direitos humanos, mas crê que seu sentido mais profundo,

desde o ponto de vista teológico, está implícito, já que se refere a que todo sangue é sagrado;

e o sangue simboliza a vida, que é o primeiro direito e condição de possibilidade do exercício

dos outros direitos, entre os quais se encontram aqueles relacionados com as condições

materiais de vida digna.

Romero denuncia a injustiça constituída por tanto sangue derramado – vida truncada

–, e a equipara ao Sangue de Cristo.

Resulta bien oportuno un homenaje al Cuerpo y a la Sangre del Hijo del hombre mientras hay tantos ultrajes al cuerpo y a la sangre entre nosotros. Yo quisiera reunir en este homenaje de nuestra fe a la presencia del Cuerpo y de la Sangre de Cristo derramada por nosotros, tanta sangre en el amontonamiento de cadáveres masacrados aquí en nuestra Patria, en nuestra hermana República de Nicaragua y en el mundo entero. Sin duda que Cristo la recoge cada vez que se realiza ese misterio: “Este es mi cuerpo, esta es la sangre de la alianza de los hombres con Dios que se derrama por el perdón del mundo”. No toda la sangre derramada es santa como la de Cristo, lamentablemente, pero toda sangre es sagrada; y todo cuerpo inmolado, aunque sea bajo el asesinato, es una vida tronchada y la vida es sagrada. (ROMERO, 1979, p. 397)

Estas palavras do Pastor, Profeta e Padre da Igreja Latino-americana,

desgraçadamente, são atualíssimas. Penso neste México nosso, pelos dias que vivemos.

8 REFLEXÃO FINAL

Monsenhor Oscar Arnulfo Romero é Pastor, Profeta e Padre da Igreja Latino-

americana. Assumindo essa tríplice missão, aborda o Direito, teórica e praticamente. Como

Pastor, guia seu povo pelo jusnaturalismo clássico da tradição cristã, e faz valer a prevalência

da justiça frente à lei injusta. Como Profeta, denuncia as injustiças revestidas de legalidade, as

quais privam os pobres das mínimas condições materiais de vida, e denuncia também a

corrupta administração da justiça, cúmplice da repressão ao povo. E, finalmente, como Padre,

penetra no sentido mais profundo do Direito, cuja raiz está no mesmo ser humano, em sua

carne e em seu sangue, e, aprofundando no mistério da Encarnação, pode estabelecer,

26

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

implicitamente que os direitos dos seres humanos são direitos de Deus; por isso, como Padre,

clama, pela carne e pelo o sangue das vítimas, seus filhos.

REFERÊNCIAS

AGUSTÍN, S., La Ciudad de Dios, Edición preparada por DEL RIO, S. S. et al., Ed. Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, Libro 4, Cap. IV, 2013. ALONSO, J., del Adversus Haereses (Contra las herejías), en “La Liberación del hombre es la gloria de Dios. (Una fundamentación teológica)”, 1973. ALPONTE, J. M., “Monseñor Romero”. Unomasuno. México: 26 de marzo de 1980.

AMBROSIO, S., Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, en Obras de San Ambrosio I, Introducción y traducción de Manuel Garrido Bonaño, O.S.B., Ed. Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1966, Libro Segundo, Nº 30. CADERNAL, R.; MARTÍN-BARO; SOBRINO, J. (Introducciones, comentarios y selección de textos), “La dimensión política de la fe desde la opción por los pobres”, discurso con motivo del Doctorado Honoris Causa conferido por la Universidad de Lovaina el 2 de febrero de 1980, en La voz de los sin voz. La palabra viva de Monseñor Romero., Ed. UCA, Universidad Centroamericana José Simeón Cañas, San Salvador, 1987.

CÁZARES, A. C., El debate sobre la Guerra Chichimeca 1531-1585, Ed. El Colegio de Michoacán y el Colegio de San Luis, Vol. II Cuerpo de Documentos. 2000. p. 515-516.

COMBLIN, J., “Los Santos Padres de América Latina”, en Concilium. Revista Internacional de Teología, n. 333, Ed. Verbo Divino, Estella, noviembre, 2009.

CRISÓSTOMO, S. J., Obras Completas Tomo II, versión directa del griego por Rafael Ramírez Torres (Palabras tomadas de la Homilía Segunda acerca de Lázaro). México: S. J. Ed. Jus, 1966. DE LA TORRE RANGEL, J. A., Alonso de la Veracruz: amparo de los indios, Ed. Universidad Autónoma de Aguascalientes, 1998. ______, El uso alternativo del Derecho por Bartolomé de las Casas, Ed. Comisión Estatal de Derechos Humanos, Centro de Reflexión Teológica, A. C., Centro de Estudios Jurídicos y Sociales P. Enrique Gutiérrez, (CENEJUS) y Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de San Luis Potosí, México, 2007. ______, Tradición Iberoamericana de Derechos Humanos, Ed. Porrúa y Escuela Libre de Derecho, México, 2014. DELGADO, J., Oscar A. Romero. Biografía, Ed. UCA (Universidad Centroamericana José Simeón Cañas), San Salvador, 1990. DESTRO, A.; PESCE, M., Cómo nació el cristianismo joánico. Antropología y exégesis del Evangelio de Juan, Ed. Sal Terrae, Santander, 2002, p. 96-99. DUSSEL, E., Historia de la Iglesia en América Latina. Coloniaje y Liberación 1492/1973, Ed. Nova Terra, Barcelona, 1974.

27

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

______, “Orígenes del Episcopado.” Servir, n. 99, 1982.

HURTADO, J. M., Don Vasco de Quiroga. Una visión histórica, teológica y pastoral, Ed. Dabar, México, 1999.

JORGE, G.; MELÉNDEZ, J., “El Papa acelera la beatificación de monseñor Arnulfo Romero”, en El Universal, fev. de 2015.

LAS CASAS, B., Historia de las Indias III, edición de Agustín Millares Carlo, Ed. Fondo de Cultura Económica, México, Libro III, Cap. CXXXIX, 1981.

LEURIDAN, J., Justicia y Explotación en la tradición cristiana antigua, Ed. Centro de Estudios y Publicaciones, Lima, 1978.

ORÍGENES, Contra Celso, Introducción, versión y notas de Daniel Ruíz Bueno, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1967.

PAOLI, A., “Golpearé al Pastor: ¿Quién asesinó al obispo Angelelli?”, en Christus, n. 503, out. de 1977.

PEREDO, C. H. en la “Introducción” a Información en derecho de Vasco de Quiroga. In: QUIROGA, V., Información en Derecho, Introducción de Carlos Herrejón Paredo, Ed. Secretaría de Educación Pública, México, 1985. QUIROGA, V., Información en Derecho, Introducción de Carlos Herrejón Paredo, Ed. Secretaría de Educación Pública, México, 1985. RAMIREZ RUIZ, E., O. S. A., Introducción a la Filosofía Política de San Agustín, Guadalajara, 1988. RODRÍGUEZ, S. D., en entrevista a CUÉLLAR, R., “Abogado de los Pobres”, en Brecha, México, mayo-junio de 1981. ROSSILO MARTÍNEZ, A., Los inicios de la Tradición Iberoamericana de Derechos Humanos, Ed. Universidad Autónoma de San Luis Potosí y Centro de Estudios Jurídicos y Sociales Mispat, San Luis Potosí- Aguascalientes, 2011.

RIVERA Y DAMAS, A. Presentación. In: DELGADO, J., Oscar A. Romero. Biografía, Ed. UCA (Universidad Centroamericana José Simeón Cañas), San Salvador, 1990.

ROMERO, O. A., Su Pensamiento VI, Homilías Ciclo B Adviento-Pascua, 3 de diciembre de 1978-17 de junio de 1979, Publicaciones Pastorales del Arzobispado, San Salvador, 1981a.

______, Homilía dominical del 23 de marzo de 1980, en El Salvador. ______, Homilía dominical del 30 de abril de 1978, en Monseñor Oscar A. Romero. Su Pensamiento. IV. Publicaciones Pastorales del Arzobispado. San Salvador, 1981b. ______, Homilía del Primer Domingo de Adviento, 3 de diciembre de 1978a.

______, Homilía del Tercer Domingo de Adviento, 17 de diciembre de 1978b. ______, Homilía del 17 de junio de 1979.

______, La Carta es de los Cardenales Fr. Marty, de París, Basil Hume de Inglaterra y Josef Suenes, de Bélgica.

SAMOSATA, L., Novelas Cortas y Cuentos Dialogados, versión del griego de RAMIRÉZ TORRES, R., S. J, Tomo II, México: Ed. Jus, 1966.

SICHES, L. R., La Filosofía del Derecho de Francisco Suárez, Ed. Jus, México, 1947.

28

Revista Amicus Curiae, V.13, N.1, pp. 06-28, Jan./Jul.2016.

SILVA ARÉVALO, E., S. J., “Católicos más allá de liberales y conservadores”, en Mensaje n. 538, Santiago de Chile, mayo de 2005. SOBRINO, J., “Con Monseñor Romero Dios pasó por El Salvador”, en Concilium, 2009.

______, “La Conflictividad Dentro de la Iglesia.” Christus, n. 493. México, dez. de 1976. ______, Oscar Romero, profeta y mártir de la liberación, Ed. Centro de Estudios y Publicaciones, Lima, 1981. SOCORRO JURÍDICO, El Salvador. La situación de los Derechos Humanos: octubre 1979-julio 1981. Socorro Jurídico. Arzobispado de San Salvador. Impreso en México, 1981. SUÁREZ, F., Tratado de la Ley y de Dios Legislador. Edición bilingüe de Tractatus de Legisbus ac Deo Legislatore, versión castellana de José Ramón Muniosguren, Libro 1. Cap. IX, T. 1. Ed. Instituto de Estudios Políticos, Madrid, 1967.

TOMÁS DE AQUINO, S., Suma Teológica. Tratado de la Ley. Artículo Cuarto. Ed. Porrúa. Col. Sepan Cuantos, n. 301, México, 1981.

VERACRUZ, A., Sobre la Conquista y los Derechos de los Indígenas, texto íntegro en castellano del tratado De Dominio Infidelium et Iusto Bello. Trad. Rubén Pérez Azuela, O.S.A. Ed. Organización de Agustinos de Latinoamérica (OALA). México, 1994.