218
FERNANDO ORTIZ Professor da Universidade de Havana u A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITAS ESTUDO DE FILOSOFIA JURÍDICA SÃO PAULO

A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITASarquimedes.adv.br/livros100/A Filosofia Penal dos Espítas... · Que relação tem o direito penal com o espiritismo? É justamente neste ponto que

  • Upload
    dodat

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

FERNANDO ORTIZProfessor da Universidade de Havana

u

A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITASESTUDO DE FILOSOFIA JURÍDICA

S Ã O P A U L O

FERNANDO ORTIZ

Professor da Universidade de Havana

*

A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITASESTUDO DE FILOSOFIA JURÍDICA

T R A D U Ç Ã O D E CARLOS IMBASSAHY ★

R. RIACHUELO, 108 — SÃO PAULO

\

A memória de César Lombroso11835-1909)

Apresentação 1Prefácio 2Ao leitor 4I — Objeto deste estudo 12II — As bases ideológicas do espiritismo 16III — As leis da evolução anímica 29IV — O delito 34V — Determinismo e livre-arbítrio 37VI — A questão nos textos de Allan Kardec 45VII — Os fatores da delinquência 61VIII — Caracteres anatômicos do criminoso 66IX — O homem criminoso 79X — Atavismo dos criminosos 81XI — A hereditariedade criminal 85XII — Classes de criminosos 94XIII — A escala dos espíritos 105XIV — Os fatores cósmicos 116XV — Os fatores sociais 119XVI — Epidemias delituosas 135XVII — Substitutivos penais 138XVIII — Fundamento da responsabilidade 140XIX — Fundamento da pena 145XX — Os incorrigíveis 148XXI — A pena de morte 151XXII — Não há penas eternas ou perpétuas 156XXIII — O código penal de além-túmulo 168XXIV — A pena de talião 183XXV — A condenação condicional 195XXVI — A sentença indeterminada 198XXVII — A reparação do dano pessoal 199XXVIII — Lombrosianismo criminal e espiritismo penal 202

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 1

APRESENTAÇÃO

Esta obra, que o Pense disponibi­liza agora em versão digital, é um

dos grandes clássicos do pensamen­to social espírita. Trata-se de um livro essencial na estante de qualquer estudioso da filosofia espírita e da jurisprudência.

O autor, o escritor e antropólogo cubano Fernando Ortiz Fernández, deixa bem claro logo no início do livro que não é espírita, fato esse que lhe dá uma isenção filosófica que pode ser conferida na leitura desse amplo estudo quer faz acerca da filosofia penal espírita, confrontando-a com várias correntes filosóficas.

■ A puntes para un estudio crim inal: ■ Los negros brujos (1906); ■ Los negros esclavos (1916);■ Los cabildos a frocubanos (1921); ■ H istoria de la arqueología indocubana (1922);■ G losario de afronegrism os (1924); ■ Martí y las razas (1942); ■ El engano de las razas (1946);■ El huracán, su m ito log ia y sus sím bolos (1947); ■ La filosofia penal de los espiritistas (1951);

P ó s tu m a s - ■ Hampa afro-cubana... Los negros curros (1986); ■ La santería y la brujería de los blancos (2000); ■ Culecció d'els mal-noms de Ciutadélla (2000); ■ Visiones sobre Lam (2002).

Fonte: Fundación Fernando Ortiz - http://www.fundacionfemandoortiz.ory

Antropólogo, etnólogo, sociólogo, jurista e linguista, Ortiz é cubano, nascido em 16 de julho de 1881. É considerado um dos maiores intelec­tuais da América Latina. Escreveu mais de 100 obras sobre os mais variados assuntos. Dotado de uma pro­digiosa cultura geral, foi professor uni­versitário, fundador de várias institui­ções culturais e uma das maiores autori­dades no estudo da cultura africana. Desencarnou em 1969.

Escrito em 1951, o livro foi traduzido pelo escritor e pensador espírita Carlos Imbassahy e aqui lançado no mesmo ano pela editora LAKE.

W<CQO

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 2

P R E F Á C I O

Fernando Ortiz e a criminologia modernaDeolindo Amorim

(Da S o c ie d a d e B ra s ile ira de F ilo so fia )

A evolução da criminologia ampliou muito a perspectiva dos estudos inerentes à delinqüência. A nteriorm ente, ainda que se tivesse a intuição do problema criminal em suas relações com as ciências sociais, apenas os especialistas, divididos em grupos, segundo as escolas tradicionais e suas tendências doutrinárias, se preocupavam com as questões atinentes à criminologia, cujo campo não tinha, como tem hoje, tanta elasticidade. O prob le­ma criminal, a bem dizer, era assunto exclusivo dos juristas e, como especialização, dos estudiosos do direito penal. Hoje, p o ­rém, a não ser quanto à técnica do direito penal, que exige, é claro, cultura especializada, o problema criminal interessa tanto ao penalista, como ao sociólogo, ao jornalista, ao teólogo. Não há quem não deseje, em sã consciência, uma sociedade melhor.

Como decorrência desta proposição, diversos tipos de pesquisa convergem para o problem a criminal, porque o índice de crim i­nalidade, tanto em alta como em baixa escala, é um reflexo das condições sociais. Não se pode estudar um a sociedade, sob o ponto de vista do com portam ento humano em face dos fenôme­nos sociais, sem conhecer a posição de seu coeficiente criminal, quais os fatores que preponderam no aumento ou na diminuição dos delitos, assim como o seu sistema de sanções e prevenção. Sob este aspecto, a criminologia já não pode mais ser um depar­tam ento indevassável, fechado à curiosidade dos que, não sendo especialistas em m atéria criminal, são obrigados, por força de outros estudos, a fazer incursões na seara dos penalistas. Quem estuda, por exemplo, a organização social, os costumes, as re a ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz

ções dos grupos humanos, ainda que o faça do ângulo puram ente sociológico, não pode deixar de tocar em determ inadas teses de direito penal, principalm ente quanto à figura do criminoso, con­siderado em relação às influências mórbidas ou mesológicas.

Fora da esfera profissional, demarcada pelos limites a que estão circunscritos os diversos ram os de atividade, não há, p re ­sentem ente, a rigor, o que se possa chamar assunto im penetrá­vel, um a vez que a cultura geral se aplica à solução de muitos problem as em cuja discussão se encontram criminalistas, educa­dores, m oralistas, homens públicos, técnicos etc. Claro é, p o r­tanto, que a criminologia, sobre ser um campo vastíssimo e com­plexo, comporta estudos especiais, luz de prism as novos, n a tu ­ralm ente estranhos às velhas escolas penais: clássica, positiva e sociológica. Todavia o direito terá sempre uma técnica própria, como a sociologia, a psicologia etc., sem que deixe de haver entrosam ento entre as ciências. A própria ciência penal m oder­na já se desvencilhou muito do tradicionalismo acadêmico, em consequência do ecletismo, fenômeno que também se verifica nos círculos de outras ciências, como reação, aliás inevitável, a tudo quanto se transform e em cristalização ou estagnação das ideias.

Sob estas premissas, o direito penal também pode ser encarado por aspectos novos, desde que através de tais aspectos algumas questões, ainda sujeitas a discussão, venham a ser de algum modo elucidadas. A ciência, em qualquer de seus ramos, não p o ­de rejeitar contribuições honestas, seja qual for a crença ou a orientação filosófica daquele que, inspirado no desejo de p ro ­curar a verdade, se propõe a aum entar o patrim ônio científico da hum anidade com alguma observação ou experiência pessoal.

O professor Fernando Ortiz, da Universidade de Havana, é um revolucionário em m atéria penal. Que o diga, logo à p r i­meira vista, o título de um de seus livros, publicado há pouco, na A rgentina, pela Editorial Victor Hugo, de Buenos A ires: La F ilosofia Penal de Los E sp ir itistas . É, como diz o subtítulo, u m e s tu d o de f i lo s o f ia ju r íd i c a , n ã o é u m a a p o lo g ia ou um a c rític a do esp iritism o sob o aspecto fenom enológ ico ou religioso. Diga-se, desde já, que Fernando Ortiz não é espiritis- ta . Pretende ele, porém, colocado simplesmente na posição de criminalista, aliás avançado senão corajoso, m ostrar que a filo­sofia espírita pode esclarecer alguns aspectos da criminologia moderna. A atitude é arrojada, mas não é, como parece, fruto

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 4

do arrebatam ento ou da imaginação. O trabalho de Fernando Ortiz não pode ser condenado como heresia jurídica, porque está bem condensado, embora defenda uma tese capaz, até, de p ro ­vocar escândalo entre ju ristas pouco familiarizados com os te ­mas da metapsíquica ou do espiritismo. Na América Latina, ao que parece, é a prim eira vez que um crim inalista se dispõe, ac i­ma de preconceitos religiosos ou de convencionalismos acadêm i­cos, a discutir princípios da ciência penal à luz do espiritismo. Atese de Fernando Ortiz poderá ser discutida e, por fim, re je i­tada, mas a verdade é que o seu livro deve ser lido pelos crim i- nalistas, porque põe em foco um tem a inteiram ente novo em di­reito penal. Que relação tem o direito penal com o espiritism o? É justam ente neste ponto que está a originalidade do livro. Não se trata, porém, de uma originalidade estravagante ou de uma das m uitas "criações cerebrinas" de nosso século: tra ta-se de um estudo filosófico, de um confronto prudente e desapaixonado en ­tre Lombroso e Kardec. Trabalhos de tal ordem não devem ser criticados a priori, apesar do espanto que possa causar tal ap ro ­ximação, embora Lombroso tenha dado testem unho público de convicção a respeito dos fenômenos espíritas.

Diz Fernando Ortiz:

"O espiritismo pode chegar na magnitude de sua con­cepção evolucionista a um atavismo mais radical, e como qual não sonhou o gênio de Lombroso, o atavismo in­terp lanetário ."

Fernando Ortiz toma por base precisam ente o livro que contém a parte filosófica do espiritism o: O Livro dos Espíri­to s . Sem fazer profissão de fé, sem querer, po rtan to , form ar nas file iras dos d iscípu los de A llan K ardec, o ilu stre p ro ­fessor cubano, que já publicou, entre outros trabalhos especia­lizados, La criminalita dei negri in Cuba no "Arquivo de P si­quiatria e Medicina Legal e Antropologia", e Supertizioni Cri- minose, Turin, não nega o atavismo criminal, mas recorre à fi­losofia espírita para esclarecer a questão. Fá-lo com im par­cialidade, com a isenção espiritual de todos os homens infensos a dogmatismos de qualquer espécie. Argum enta Fernando Or- tiz: já se compreenderá facilmente como o evolucionismo espí­rita pode explicar a herança moral, comprovada cientifica­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 5

mente até certo ponto pela antropologia. Os antropologistas fi­liados à escola m aterialista procuram explicar as anomalias psíquicas pela constituição somática, o que leva o crim inalista a um círculo muito acanhado, porque há, como se sabe, dege- nerescências morais que não apresentam qualquer indício de anorm alidade física. Não se vai, com isto, ao extremo de dizer que as aberrações físicas do tipo lombrosiano não sejam a ex ­pressão evidente, na maioria dos casos, de anorm alidades p s í­quicas. Entretanto, a predisposição criminal pode ser explica­da pelos antecedentes espirituais do indivíduo. Este ponto é muito transcendental ou metafísico, mas não deve ser despre­zado quando se procura, como no caso de Ortiz, estabelecer paralelo entre o estado moral do criminoso e as suas caracte­rísticas físicas. Existe, de fato, relação entre o estado moral e o estado físico? Sob este aspecto, a tese de Ortiz inclina-se para a solução espírita: o estado moral vem da inferioridade do espírito, não procede, portanto , de causas orgânicas. Neste caso, segundo a tese espírita, as deformações do corpo, as fisionomias m onstruosas e outras chamadas "aberrações da natu reza" têm certa relação com a vida espiritual, com aquilo que poderíamos chamar a vida pregressa do espírito em anteriores existências. Tais deformações, pelo princípio da reencarnação, defendido por A llan Kardec, são efeitos e não causas. O livro de Ortiz estuda a criminologia m oderna precisam ente sob este ponto de vista. Daí a associação aparentem ente inexplicável de Lombroso e Kardec no livro do crim inalista cubano. Resta, porém, exam i­nar a questão sem qualquer ideia preconcebida. Lê-se, em La Filosofia Penal de los Espiritistas, pág. 56:

"Se é certo que a ciência descobriu que a herança psi­cológica existe, demonstrando a persistência de caracteres nas mesmas famílias e até nos mesmos povos através do tempo e de gerações, também é certo que as leis da he­rança não estão descobertas como o está o fenômeno."

Para esclarecer a questão, fora do círculo, já conhecido, das escolas penais, o prof. Ortiz recorre à filosofia espírita, com o que corrobora o seu pensam ento. Apóia-se ele no seguinte p r in ­cípio da codificação doutrinária de Allan Kardec: "Com frequên­cia, os pais transm item aos filhos a semelhança física. Transm i­tem eles também a semelhança moral ?" Resposta:

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 6

"Não, porque têm almas ou espíritos diferentes. O corpo procede do corpo, porém o espírito procede do espírito.Entre os descendentes de uma raça não existe mais do que consanguinidade."

As qualidades morais residem no espírito, e não podem ser transm itidas pelos caracteres somáticos. Basta verificar, na p rá ­tica, o que ocorre em diversas famílias: pais, filhos, e irmãos com inclinações e graus de moralidade muito diferentes uns dos ou­tros. A hereditariedade não explica este fenômeno. A história do Brasil tem um exemplo frisante no contraste psicológico entre Pedro I e Pedro II. Admite-se a influência, aliás relativa, de cer­tas pecualiaridades ancestrais no tem peram ento, no caráter do indivíduo, mas daí não se infere que todo o processo de form a­ção e desenvolvimento de suas qualidades psicológico-morais obedeça, de modo absoluto, à sequência das vias hereditárias. O autor de La F iloso fia Penal de los E sp iritistas p refere , neste particular, a tese espírita, apoiada, aliás, no processo reencar- nacionista. A cor e a raça não têm influência no estado moral, porque a superioridade ou inferioridade do homem está no es­pírito. Este princípio, defendido por Allan Kardec, é aceito, hoje, por eminentes pesquisadores, inclusive aqueles que, co­mo o nosso ilustre e saudoso A rtur Ramos, que teve ocasião de citar o prof. Ortiz, não se filiam a qualquer pensam ento re li­gioso. Allan Kardec não era especialista em antropologia, mas a verdade é que as suas ideias contrárias ao preconceito racial, sustentadas na segunda m etade do século 19, coincidem com o que afirmam, nos dias atuais, verdadeiras expressões desta ciência.

A rtur Ramos, como se sabe, nunca se revelou simpático ao espiritismo. E ntretanto a sua grandiosa e hum anitária cam ­panha contra o preconceito de cor, campanha sempre apoiada na ciência, nunca inspirada em sentim entalism o ou dem ago­gia, afirmou exatam ente o princípio de que a superioridade ou a inferioridade, tanto do indivíduo como dos grupos, só se afe- re pelas qualidades do espírito, e não pela epiderme. Pois bem, este mesmo princípio fora sustentado por Allan Kardec, no século passado. O prof. Ortiz verificou, assim, o que os an tro ­pólogos ainda não verificaram : o espiritismo é um a doutrina fundamentalmente contrária ao preconceito de cor, tanto por

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz

sua organização filosófica, como por suas conseqüências m o­rais. No embasamento de sua filosofia, o espiritismo vincula alguns aspectos positivos do problem a criminal aos anteceden­tes espirituais do criminoso. Diante deste postulado, torna-se discutível, assume outro caráter a figura do criminoso nato. É aqui, precisamente neste ponto, que está a parte nevrálgica do livro de Fernando Ortiz. O criminoso nato, segundo a doutrina espírita, é um doente do espírito, é um indivíduo que traz, de seu passado espiritual, um acervo de culpas e mazelas morais. Logo, dentro desta tese, o instinto criminal não tem a sua fon­te nas deficiências orgânicas, embora estas (efeitos e não cau­sas) tenham influência nas paixões como nas atitudes. Por ou­tras palavras, isto significa nada mais nada menos que a p re ­disposição criminal é uma degenerescência de origem moral, nunca de origem física. Tendo partido deste ponto, F e rn an ­do Ortiz vê a escola de Lombroso dentro de um campo muito maior e mais claro. Faltou ao glorioso criminalista e psiqu ia­tra italiano, m estre consagrado, um passo para subir da evo­lução puram ente hum ana à evolução espiritual.

Fernando Ortiz, escudado em Allan Kardec (O Livro dos E s­píritos e A G ênese), assim como em Gabriel Delanne (A Evolu - ção Aním ica), não nega que haja tipos predispostos ao crime. A predisposição, porém, segundo a filosofia espírita, vem do espírito. O conceito de criminoso nato, portanto, em face das duas teses — a espírita e a lombrosiana — m agistralm ente e s ­tudadas e d iscu tidas por Fernando O rtiz, não desaparece, tan ­to mais que Ortiz é um lombrosiano convicto. Entretanto, o t r a ­balho de Ortiz dilata a visão geral do problema, não apenas em relação à escola positiva, mas em relação, também, às ou­tras escolas.

O fato de haver criminoso nato (escola positiva) não leva ao determinismo biológico. Foi sob este ponto de vista, espe­cialmente, que Ortiz estudou o assunto à luz do espiritismo. Sendo a tendência criminal um defeito do espírito, m uitas ve­zes ligado a causas rem otas, através de outras existências (p rin ­cipio reencarnacionista) a regeneração espiritual, por meio da educação e da reform a de costumes, pode modificar o com por­tamento do delinquente nato. Esta proposição exclui, como se vê, o determinismo absoluto. O determinismo sociológico tam ­bém não se harmoniza com a doutrina espírita, porque nem

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz

sempre o criminoso é um escravo do meio social. O indivíduo liberta-se das influências sociais, da imposição do meio à p ro ­porção que vai fazendo m elhor uso de seu livre-arbítrio. Não se pense, porém, que a filosofia penal do espiritismo cai na e s ­cola clássica. Aliás, Fernando Ortiz passa tam bém por esta e s ­cola em seu interessante livro. O livre-arbítrio — afirma a doutrina espírita — não é absoluto, porque depende da ele­vação do espírito. Logo, perante o espiritismo, é falso o p r in ­cípio de que o criminoso é sempre responsável, porque é livre, tem vontade própria. A liberdade está na razão direta doadiantam ento espiritual, cuja base é a reforma moral do in ­divíduo. Por todos estes motivos, o livro de Fernando Ortiz merece a atenção dos penalistas, dos homens emancipados, que não têm receio de tom ar conhecimento de qualquer discussão. A ssim, pois, A Filosofia P en a l de los E sp iritis ta s, publicado, ago­ra, em português, pela livraria "Allan Kardec", de São Paulo (tradução de Carlos Imbassahy) é um livro discutível, não há dúvida, mas é um livro sério, profundo e avançado.

G A Z E T A J U D IC IÁ R IA - R io d e J a n e ir o , 31 de m a io d e 1951

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 9

A O L E I T O R

Há quatro lustros, nas aulas de minha muito que­rida Universidade de Havana, cursava eu os estudos de di­reito penal, no programa do professor González Lanuza, naquela época o mais científico nos domínios espanhóis; iniciava-me, então, nas ideias do positivismo criminoló- gico e intercalava, nessas leituras escolares, obras m ui­to alheias à universidade, obras essas que o acaso punha ao meu alcance ou que minha curiosidade investigadora buscava com fervor.

Entre estas últimas estavam as leituras religiosas, que ainda agora me produzem especial deleite e me des­pertam no ânimo singular interesse. Foi, então, que co­nheci os livros fundamentais do espiritismo, escritos por Hippolite Léon Denizard Rivail, ou seja, Allan Kardec, como lhe aprazia chamar-se, revivendo o nome com que, segundo dizia, fo i conhecido no mundo, em encarnação anterior nos tempos druídicos.

A simultaneidade dos estudos universitários sobre criminologia com os acidentados estudos filosóficos acer­ca da doutrina espírita, fez com que o entusiasmo em mim,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 10

despertado pelas teorias lombrosianas e ferrianas, me le­vasse a investigar especialmente o modo por que pensa­va a propósito dos mesmos problemas penais aquele in­teressante francês, que ousava apresentar-se como um druida redivivo.

Logo que minha mente tomou essa direção, percebi, não sem alguma surpresa, que o materialismo lombrosia- no e o espiritismo de Allan Kardec coincidiam notavel­mente, em não poucos lugares; que, partindo de premis­sas materialistas, e conduzidos pelo mais franco positi­vismo, ou tomados de conceitos espiritualistas e levados pelo mais sutil idealismo, poderíamos chegar às mesmas teorias criminológicas.

Tomei, então, alguns apontamentos, e não poucas no­tas marginais deixei nos livros que li naqueles dias dis­tantes; meu trabalho mental, porém, não passou daí. Ou­tros estudos e outras necessidades, primeiro acadêmicas, depois profissionais, distrairam-me desse curioso tema, embora não o esquecesse. Anos depois, em 1905, pude, na Itália, fa lar incidentemente a Lombroso da curiosa coincidência de suas principais teorias penais com as dos espíritas. Ele me prometeu que redigiria, sobre esse as­sunto , um t raba lho p a r a o seu A rch ivo di Ps ichia tr ia ; mas, a minha ausência da Itália, os vaivéns da vida, e a morte do mestre da criminologia contemporânea, fize­ram-me suspender, descuidar, olvidar quase aquele meu compromisso; finalmante, quando professor da Faculda­de de Direito da Universidade de Havana, fu i designado, em 1911, para pronunciar o discurso regular com que

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 11

anualmente se inaugura a academia teórico-prática da faculdade.

Toquei, então, no tema, dando-lhe forma de discur­so, e o li naquela sessão; mas a pressa com que fo i prepa­rado e meu natural desejo de retocar o trabalho, impe­diram sua publicação.

Enfim, vê ele agora a luz; documentado pelas pági­nas dos livros originais de Allan Kardec, este tema, novo e virgem, como creio, de todo trato público com os es­tudiosos da filosofia do direito, aqui aparece, evocador dos meus longínquos dias de estudante, graças à genero­sa insistência do p ro f J. A. González Lanuza, o neófito decano da Faculdade Havanesa, e do prof. A. S. Busta- mante, o sábio catedrático da mesma faculdade, diretor da "Revista Jurídica".

A esses, a expressão do meu reconhecimento, e ao leitor o pedido de indulgência, de serenidade de julga­mento, e de seriedade em sua intenção, visto que, nos dias em que vivemos, por estas terras de recente passa­do colonial, nada mais frequente que a crítica desapieda- da, que a condenação apriorística e a falta de atenção, quando se nos apresenta qualquer tema filosófico, o qual, direta ou indiretamente, nos traça o mais transcenden­tal problema da vida e o da filosofia da morte.

FERNANDO ORTIZProfessor na Universidade de Havana

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 12

I OBJETO DESTE ESTUDO

Não sou espírita.Nem sou também dos que opinam como a q u e ­

le biólogo ilustre, que declarava a William James: a inda que as provas científicas da telepatia e dos demais fenômenos anímicos fossem concludentes e demonstrativas, os homens de ciência deveriam fi­car de acordo p a ra faze-las desaparecer, pois que tais fenômenos transtornariam as leis da natureza, das quais não podem prescindir os sábios p a ra con­tinuar suas investigações.

Não creio, pois, na intangibil idade dos dogma- tismos, a inda quando lhes chamem científicos; por fortuna, porém, até hoje, a razão que me afastou de outros credos religiosos, os quais a temorizaram minha infância, impede-me de aderir ao dos espí­ritas, apesar da doçura de sua mística e do suges­tivo progresso de sua concepção religiosa.

Não admito, nem repilo, nem sequer discuto os princípios da filosofia espírita; nem mesmo analiso e critico os fenômenos supranormais que os espíri­tas chamam de medianímicos e que Richet chamou de metapsíquicos, pois prescindo deles em absolu­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 13

to. Limito-me a recordar as ideias nas quais os espíritas, especialmente Allan Kardec, seu apósto­lo, cristalizam suas crenças acerca da criminologia, que poderíamos chamar cósmica ou universal , e compará-las com outras cristalizações filosóficas de criminologia h um ana do nosso mundo.

Apresso-me a esta negação rotunda, em come­ço a este trabalho, pa ra que não se veja nele a obra de um sectário, nem a de um propagandis ta , nem a de um impugnador fanatizado, senão a tarefa serena e fria de quem trata de refletir objetivamente ob­servações e conclusões de uma das filosofias reli­giosas modernas mais sugestivas e divulgadas, e obtidas pela análise, sob o ponto de vista da crimi- nologia ou da filosofia penal.

Penso que tal estudo não se fez até agora e que não será inútil conhecer a criminologia espíri­ta; o estudo dos seus princípios não é mais do que um capítulo de outro estudo da filosofia criminal, mais amplo e mais frutífero, e, entretanto, virgem de qualquer arroteamento científico, qual é o estu­do da criminologia de Deus de que talvez trate­mos algum dia. Ou seja, dos princípios criminais que a história das religiões vai descobrindo atra­vés da evolução da ideia religiosa, nos quais se re ­fletem as crenças sobre o princípio do mal, o deli­to do homem, o castigo divino, as penas ultratum- bas, o purgatório correcional, o clássico inferno per­pétuo e todos os sistemas teológicos com que, no

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 14

transcurso das idades, se tem querido explicar o di­reito de castigar, que possuem os deuses , e o fim de suas p en as e métodos penitenciários . E, sem dúvida, a criminologia teológica é u m a rica mina de filões p a r a o estudo da filosofia penal a través dos séculos, tão fecunda, acaso, como o exame das instituições dos povos e dos códigos penais .

Por outro lado, o e s tu d o da c r im ino log ia do es­piritismo, dessa crença que p re tendem ser um n o ­vo avanço da evolução religiosa moderna , religião que se quis ap re sen ta r como racional e exper im en­tal, n e g a d o r a do materia lismo imperante , mas usu- frutuária de toda a sua tecnologia, produziu em meu ânimo impressões inesperadas , que tentarei r ep ro ­duzir; não serão menos curiosas as que derivam da observação de que muitos dos princípios que p a ­recem orientar a ciência criminal con tem porânea , e s tavam compreendidos em livros anter iores da fi­losofia espírita; o positivismo criminal de nossos dias, que quase poder íamos cham ar de materialis- mo penal, chega a afirmações bás icas de teorias, perfe itamente explicáveis e m an t idas também pelo antitético espiri tualismo, pelo mais radical , acaso representado no estádio das ideias modernas , em par te ao menos, o espiritismo de Allan Kardec e de seus discípulos e continuadores .

Os extremos se tocam, p o d e rá dizer-se, e assim acontece em nosso estudo.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz

Não merecerá , pois, a a tenção do estudioso, essa curiosa convergênc ia do materia lismo cientí­fico e do espiritualismo idealista no campo da cri- minologia? E, se porven tura dem ons t rada essa convergência , a filosofia não pode r ia descobrir coincidências mais transcendenta is? Discutir o fundamento do castigo não é discutir o fundamen­to do bem e do mal, não é discutir a base angular de toda a filosofia?

Seja como for, o aspecto criminal do espiritismo é suficientemente curioso p a r a merecer um esforço. Outras considerações seriam impróprias deste lu­g a r e por completo fora da finalidade m odes ta des ­te trabalho.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 16

II

AS BASES IDEOLÓGICAS DO ESPIRITISMO

A filosofia espíri ta par te da existência de um Ser supremo, Deus, criador de todas as coisas, e da exis tência imortal dos espíritos.

O espiritismo se distingue, porém, de outros credos religiosos, po rque vem a ser u m a teoria evo- lucionista da alma, teoria cer tamente an t iga (1 ) m as cuja revivescência m o d e rn a se deve ao espiri­tismo e à teosofia.

Com efeito, os espíritos são criados imperfeitos, e sua existência se desenvolve depois de u m a série enorme de p rovas dolorosas que os despertam, que lhes fortalecem as faculdades e os e levam até às al­turas da evolução ps íquica, de m an e i ra que, se ­gundo os biólogos mate ria li s tas como Sergi, os se ­res que entram em seu campo de v isual idade , da a m e b a aos g ran d es mamíferos, progr idem, t rans­formam-se e se fazem inteligentes pe la dor que ex­per imentam, na série imensa de provas , o que supõe o contato constante com o meio ambiente.

(1) Bramanistas, budistas, pitagóricos etc. podiam ser citados como antigos partidários desta doutrina nascida na Índia.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 17

O fim do espírito é progredir , ascender, e levar­-se sempre e acercar-se de Deus. Na história na tu ­ral dos espíritos não há regressões; pode haver p a ­radas , si tuações de quie tudes, n u n c a retrocesso.

Para a lcançar esse progresso, o espírito pode aproveitar todos os instantes, q ua lquer que seja o seu estado, mesmo o da erra tic idade ou de imate- ria lização , fora dos m u ndos estelares, ou em um estado de encarnação, de trânsito em um mundo qua lq u e r dos muitos que se supõe serem habitados.

A v ida do espírito pressupõe, portanto, u m a sé­rie de ava ta re s em um ou em vários mundos, se­gundo seu es tado de ad ian tamento ; sua p e r so n a ­lidade e terna percorre essas t ransmigrações , de for­ma tangível e material , com o caráter próprio, so- freado, ao mesmo tempo, o peso da m até r ia a que está l igado o perispírito e contra cuja inércia ética te rá que lutar, vencendo-a . E aí está a prova, a dor que p r e p a r a a consc iência e é o acicate da exper iência, propulsora do progresso.

Essa m etem psicose , dogm a de vár ias religiões antigas, é tão longa, segundo os espíritas, que não só aprox ima o espírito, por deg raus infinitos, de Deus, sem jamais se confundir com ele, como, no extremo oposto, essa evolução começa, p a r a os ev o lu c io n is ta s d a a l m a , d a s fo rm as m a i s r u d i m e n ­tares e primitivas do espírito, quase me a trever ia a dizer; desde os espíritos infinitamente imperfeitos, desde os micro-espíritos, p a ra seguir a escala ascen­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 18

dente, até as formas mais e levadas dos espíritos angélicos, os g randes espíritos, os macro-espíri tos, se assim lhes podemos chamar.

Fazendo caso omisso dos demais m undos que conhecemos, não seria um absurdo p a r a a filoso­fia do espírito supor em nosso p la n e t a duas e sca ­las pa ra le la s evo lu c io n is ta s , a m a te r ia l e a e sp i r i ­tual, am bas perfeitas e constan temente entrosadas , a t ravés de seculares e milenár ias g en ea lo g ia s das espécies e de suas transformações evolutivas.

Se o biólogo fala, por exemplo, nos protozoá- rios, no gérmen que se há de converter no homo sapiens, não seria difícil sustentar, como o admite o espiritismo, que também em c ad a um dos proto- zoá r io s , se en ca rn a um espírito primitivo; seu p ro ­gresso, h u m a n a m e n te incomensurável, há de con­vertê-lo em um ser superior, p e rm a n en te e sapien- te, em um spiritus hum anus, como diria um Lineu dos espíritos.

Aquilo, portanto, que cham am os vida hum ana , não é mais que um a de tan tas épocas de estratifi- cação, de prova, de encarnação , a t ravés das quais os espíritos vão apu ran d o suas faculdades e acer­cando-se cada vez mais das perfeições absolutas. Por isto, o espírito, ao en ca rn a r em um corpo h u ­mano, traz do além e de suas vidas p a s sa d as , um a pe rsona l idade já p l a s m a d a com carac te res p ró ­prios; e este princípio ou lei, como que iram cha-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 19

mar-lhe, não deverá ser esquecido, porque servirá de base mais adiante, a curiosas deduções .

Esse evolucionismo dos espíritos é tão fatal como o dos biólogos. Há que recorrer à escala evolutiva, degrau por degrau. Se os natura li s tas dizem na tu ra non facit saltum, os espíritas poderão dizer, ana logam ente : spiritus non facit saltum; o espírito há de subir, p a u s a d a ou rap idam en te , se­gundo seu esforço, porém grau a grau, até à su p e ­rior idade dos anjos. Assim o expõe Allan Kardec, no parágrafo 271 do seu O Livro dos Espíritos:

271 — Estando o espírito na erraticidade, nas di­versas condições em que poderá progredir, como o conseguiria se nascesse, por exemplo, entre canibais?

"Entre canibais não nascem espíritos já ad ian tados , mas os da na tu reza dos canibais, ou a inda inferiores.

Sabemos que os nossos antropófagos não se acham no último d eg rau da escala espiritual e que há m undos onde o embrutecimento e a ferocidade não têm an a log ia na Terra.

Os espíritos que aí se enca rnam são infe­riores, portanto, aos inferiores deste mundo. Nascer, pois, entre os nossos selvagens r e p re ­senta p a r a eles um progresso, como seria p a ra nossos an t ropófagos a profissão em que der ra ­m assem sangue . Não podem pôr as vistas

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 20

mais alto pois sua inferioridade moral não lhes permite com preender maior progresso. O es­p í r i to avança g ra d a t iv a m e n te . Não lhe é dado transpor de salto a d is tância que vai da b a r b á ­rie à civilização, e esta é u m a das razões da necess idade da r e e n c a r n a ç ã o , q u e , v e rd a d e i ­ramente , corresponde à just iça de Deus. De outro modo, que seria desses milhões de cria­turas que morrem todos os dias na maior d e ­g rad ação , se não t ivessem meios de a lcançar a super ior idade?

Por que os p r ivar ia Deus dos favores con­cedidos aos outros h om ens?”

Com maior clareza se vê esse para le li smo nos seguintes parágrafos da A Gênese de Allan Kardec:

”Da sem e lhança de formas exteriores que existe entre o corpo do homem e o do macaco, certos fisiologistas concluiram que o primeiro era u m a transformação do segundo. Isto não é abso lu tam ente impossível, sem que a d igni­dade h u m a n a tenha algo que perder. Corpos de monos poder iam ter servido de vest imenta aos primeiros espíritos hum anos , que , n e c e s ­sar iamente pouco avançados , v ieram encarnar na Terra; essas vestes eram mais própr ias às suas necess idades e ao exercício de suas fa­culdades que o corpo de qua lquer outro an i­mal. Em vez de se p re p a ra r um a roupagem

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 21

especial p a r a o espírito, ele j á a encontrar ia feita. Pôde vestir-se, portanto, com a pele do macaco , sem deixar de ser espírito humano; também o homem se reveste, por vezes, com a pele de certos animais, sem deixar de ser h o ­mem.

Advirta-se que não se trata de u m a hipótese admit ida como princípio, mas ap resen tada , so­mente, p a r a mostrar que a origem do corpo não prejudica o espírito; que este é o principal e que a sem e lhança do corpo do homem com o do m acaco não implica a p a r id a d e entre os dois espíritos.

Admitindo essa hipótese, pode-se dizer que sob a influência e por efeito da a tiv idade in te ­lectual do seu novo habi tan te , e invólucro m o ­dificou-se, embelezado nos detalhes, sem alte­rar a forma geral do conjunto.

Os corpos aperfeiçoados, ao procriar, se r e ­produziram nas m esm as condições, como acon­tece nas árvores enxer tadas ; deram n asc im en ­to a nova espécie, que foi, aos poucos, a fas tan­do-se do tipo primitivo, à m ed ida que o espí­rito progredia . O espírito de m acaco que não foi an iquilado continuou procriando corpos de macaco p a r a seu uso, tal como o fruto da á rvo­re silvestre que rep roduz árvores silvestres, e o espírito hum ano tem procriado corpos de ho-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 22

mens, var ian tes do molde primitivo onde se e s ­tabelecera.O tronco bifurcou-se: produziu um ramo e este ramo se transformou em tronco.Como não há transições bruscas na na tureza , é provável que os primeiros homens que n a s ­ceram na Terra pouco se diferenciassem do m a ­caco, na forma externa e, sem dúvida, também pouco q uan to à inteligência.Existem a inda hoje se lvagens que , pelo t a m a ­nho dos braços e pés, têm tão evidente o an d a r e o porte do macaco , que só lhes falta o pelo p a r a completar a semelhança . (1)À medida , porém, que o espírito r e c u p e ra a consciência de si mesmo, perde a memória do passado , sem perder as faculdades, as qua l i ­dades e as aptidões adquir idas anteriormente , aptidões que se a ch av am em estado latente, m om en taneam en te , e que, re tom ando sua ati­v idade, vão ajudá-lo a fazer mais e melhor do que antes ; nele renasce o que adquir iu em t ra ­balho anterior. A presente existência é novo ponto de part ida , novo d eg rau a subir. T am ­bém aqui se manifes ta a b o n d a d e do Criador, porque a lem b ran ça de um passado , mui tas vezes penoso ou humilhante , unido às a m a r ­guras de nova existência, poder ia per tu rbá- lo

(1) De A Gênese, cap. X I, "Hipótese sobre a origem do corpo humano" - n.° 16. (Nota do tradutor)

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 23

e estorvá-lo; ele só se lembra do que aprendeu, porque isto é que lhe é útil. Se, por vezes, con­serva v a g a intuição dos acontecimentos p a s s a ­dos, é como a lem brança de um sonho fugitivo. Trata-se, pois, de um homem novo, por mais antigo que seja seu espírito; cam inha em n o ­vos carreiros, auxil iado pelo que adquiriu, o que o vulgo ch am a disposições natura is . Quando torna à v ida espiritual, o p a ssad o se lhe desenrola diante dos olhos e ele ju lga se em pregou bem ou mal o tempo.

Tomando a h u m a n id a d e no g rau ínfimo da es­cala intelectual, entre os mais a t rasados selva­gens, indagam os se este é o ponto de par t ida da a lm a hum ana .

Segundo a opinião de a lguns filósofos espiri­tualistas, o princípio inteligente, distinto do princípio material , individualiza-se e se e labo ­ra, p a s sa n d o pelos diversos g raus da espir i tua­lidade; é aí que a a lm a se ensa ia p a ra a vida e desenvolve suas primeiras faculdades pelo exercício; seria, por assim dizer, seu tempo de incubação .

C h e g a d a ao ponto de desenvolvimento m áx i ­m o , q u e ta l e s t a d o p e r m i t e , e l a r e c e b e as fa ­culdades especiais, que consti tuem a a lm a h u ­m a n a ; h a v e r i a , a ss im , fi l iação e sp i r i tu a l como há filiação corporal.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 24

Este sistema, fundado na g rande lei de u n id a ­de que pres ide a criação, é preciso convir, e s ­tá conforme à b o n d a d e e à just iça do Criador, dá um fim, um destino aos animais; estes de i­xam de ser cria turas d e se rdadas , encontrando, no futuro que lhes é reservado, u m a com pen­sação aos seus sofrimentos. O que constitui a homem espiritual não é sua origem, senão os atributos especiais de que é dotado, a sua en t rada na h u m an idade ; esses atributos o transformam e fazem dele um ser distinto, como é distinto o fruto saboroso da ra iz a m a r g a de que saiu.Por haver p a ssad o pe la fieira da an imal idade , o homem não deixar ia de ser homem. Não seria animal, como o fruto não é a raiz, como o sábio não é o feto informe pelo qual com e­çou sua vida no claustro materno.A ve rd ad e i ra v ida do animal como a do h o ­mem, não está em seu invólucro corpóreo, que não p a s s a de um a veste; reside no princípio inteligente que p recede e sobrevive ao corpo. Este princípio tem necess idade do corpo p a ra desenvolver-se pelo trabalho sobre a matér ia bruta; o corpo gasta -se e desfaz-se neste t r a b a ­lho. O espírito, po rém , não se ga s ta , pelo con­trário, fica sempre mais robusto, mais lúcido, m ais capaz . Que importa, pois, que o espírito mude, com mais ou menos frequência, de envol­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 25

tório? Não deixa por isto de ser espírito, como o homem não deixa de ser homem porque mude cem vezes de roupa no ano. Nos seres inferiores da criação, onde não existe o sentido moral e em que a inteligência não substituiu o instinto, a luta não pode ter outro móvel que não seja a satisfação das necess idades materiais. Uma das mais imperiosas é a da a l im en tação ; lutam uni­camente p a r a viver, p a ra a p a n h a r ou defender u m a presa , porque não podem ser estimulados por móvel mais elevado. É nesse período da existência que o espírito se vai formando p a ra os t rabalhos da vida; a lcançando , então, o grau de desenvolvimento necessário p a ra sua t rans­formação, recebe de Deus novas faculdades: o livre-arbítrio e o sentido moral, a cente lha di­vina, que, em u m a pa lavra , dá novo rumo a suas ideias e o dota de novas proporções.

As novas faculdades se desenvolvem g ra d u a l ­mente, visto que não há saltos na natureza . H á um período de transição em que o homem mal se diferencia do bruto nas primeiras idades ; p re ­domina o instinto animal e a luta g ira em torno das necess idades materia is. Mais tarde equi- va lem-se o instinto e o sentido moral, e o homem luta, não já pelo sustento, mas para satisfazer a ambição , o orgulho, o desejo de domínio, e p a r a isso é preciso destruir.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 26

À m ed ida que predomina o sentido moral, v a i ­-se desenvolvendo a sensibilidade: a necessida­de de destruir vai d e sa p a rec e n d o até extinguir- -se e tornar-se odiosa.O homem nesse estado tem horror à violência e ao de r ram am ento de sangue .A luta, entretanto, é sempre n eces sá r ia p a r a o progresso do espírito, porque , a inda chegado a esse ponto, que nos pa rece culminante , está muito longe da perfeição.Só à força de apl icação e a tiv idade pode a d ­quirir conhecimentos e exper iência, e despoja r­-se dos últimos vestígios da animalidade. Mas, nesse grau de elevação, a luta, em vez de san ­gren ta e brutal, torna-se p u ra m e n te espiri tual: luta contra as dificuldades e não contra seus semelhan tes” .

Anos depois, Gabriel Delanne, a rm ado com o arsenal de dados que lhe minis traram os biologistas e na tura l is tas do século passado , dá maior prec isão à teoria da evolução do espírito em re lação com a evolução física, em seu muito in te ressan te livro A Evolução Aním ica (1895), do qual extraio estes p a r á ­grafos sintéticos:

”Quer sob o ponto de vista do instinto, quer sob o da inteligência ou o do sentimento, não existe outra diferença senão de grau entre a a lm a dos animais e a do homem. O mesmo

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 27

princípio imortal a n im a a todas as cria tu ras vivas. De começo, manifesta-se de modo ele­mentar, nas ínfimas g radações da existência; pouco a pouco se vai aper fe içoando na sua g rande evolução, desenvolve as qua l idades que t inha em gérm en e as manifesta de forma mais ou menos a n á lo g a à nossa, à m ed ida que se aprox ima da hum an idade .Não podem os conceber porque hav ia de criar Deus seres sensíveis ao sofrimento, sem lhes outorgar, ao mesmo tempo, a faculdade de se benef iciarem com os esforços que fazem por progredir .Se o princípio inteligente que os an im a esti­vesse condenado a ocupar e ternamente a m es­ma posição inferior, Deus não seria justo, fa­vorecendo o homem às expensas das outras criaturas.Diz-nos, porém, a razão, que não é possível que tal suceda , e a observação demonstra que há identidade substancial entre a a lm a dos brutos e a nossa, que tudo se harmoniza e en­cade ia est re itamente no universo, desde o átomo ínfimo ao sol gigantesco perd ido na noite do espaço; desde a m onera até o espírito superior que pa i ra nas regiões serenas da er- raticidade.Se supusermos que a a lma se individualiza len­tamente por um a e laboração das formas in­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 28

feriores da na tu reza até chegar g rad a t iv am en - te à h u m an id ad e , quem não se a s s o m b ra rá com a m arav i lhosa g ra n d e za de semelhante a scensão?Através de milhares de formas inferiores, nos labirintos de u m a ascensão não interrompida; m edian te m oda l idades ra ras e sob a p ressão dos instintos e a sevícia de formas inverossí­meis, a cega ps ique se dirige p a ra a luz, p a r a a consciência esclarecida, p a r a a l iberdade.Os inúmeros ava ta res , em milhares de o rg a ­nismos diferentes devem dotar a a lm a de todas as forças que lhe hão de servir mais tarde; têm por objeto desenvolver o envoltório fluídi- co, fixar nele as leis c ad a vez mais complica­das que regem as formas vivas, e criar-lhes um tesouro por meio do qual chegará , com o tempo, a m an ipu la r a m até r ia de modo incons­ciente, p a r a que o espírito possa prosseguir sem o óbice dos l iames terrestres".

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 29

III

AS LEIS DA EVOLUÇÃO ANÍMICA

Assim como a evolução dos seres orgânicos deste mundo se determina, segundo os biologistas, p e la ação complexa de um a multidão de leis, des ­de as e lementares físicas da g rav idade e da inér­cia dos corpos, por exemplo, até às pouco defini­das da he red i ta r iedade e do atavismo, também a evolução espíri ta se desenvolve, mercê de leis de diferentes índoles, que às vezes são fixadas com se­g u r a n ç a dogmática, e que outras vezes se tornam confusas, porém não menos necessá r ias dentro de tal sistema filosófico.

Assim, Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, de­fine as leis da adoração , do progresso, da l iberda­de etc. , n em mais nem m enos como o fazem cer­tos dogmáticos da sociologia.

Pelo que in teressa ao nosso estudo, d igamos que os espíritas admitem entre as leis da evolução dos espíritos, como fundamental , a que cham am lei divina ou natura l , que outra coisa não é senão um direito natural aplicado a toda v ida cósmica e também, como é lógico deduzir, à vida dos homens.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 30

Esta lei na tura l é e te rna e imutável, e Kardec a define dizendo que é a lei de Deus; ap esa r disso, porém, não é fácil compreendê- la e explicá-la, e, sobretudo, ap esa r de seu conceito absoluto como um dogma, tão absoluto como foi o direito natural p a r a certos filósofos juristas, essa lei divina ou na­tural, eterna e imutável, de que falam os espíritas, se nos ap re sen ta tão re la tiva e m ovediça na expe ­riênc ia das sociedades h u m a n a s e nas concepções teóricas de aplicações terrenas, como relativo, ins­tável e pouco seguro se mostrou o famoso direito natural .

Saiba-se, entretanto, que os espíri tas o confes­sam claramente , e o que é mais, harmonizam o a b ­soluto da lei com a re la tiv idade de sua ap a rên c ia neste mundo.

Escreve Allan Kardec:

617 — É dado ao homem aprofundar as leis morais?

"Sim, porém não lhe b a s ta u m a só existência. Que são, com efeito, a lguns anos p a ra a a q u i ­sição de tudo o que constitui o ser perfeito, em­bora se tenha em conta a d is tância que s e p a ­ra o se lvagem do homem civilizado? P a ra is­to seria insuficiente a mais longa existência possível; e com mais forte razão o será q u a n ­do curta, como sucede em g rande número de casos".

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 31

E não somente o espiritismo deriva essa relati­v idade da de nossos conhecimentos e faculdades, como a explica com critério evolucionista com pa­rável ao mais rigoroso evolucionismo sociológico de nossos dias, dizendo:

618 — As leis diversas são as mesmas para todos os mundos?

"Diz a razão que devem ser própr ias à n a tu re ­za de c ad a mundo e proporciona is ao g rau de ad ian tam en to dos seres que os habitam."

Dentro, ainda, desta re la tiv idade, existe uma lei de Deus, e o progresso se a lcança por seu cum­primento. No aceitá-la está o bem, no n egá- la es­tá o mal.

O b em traz consigo o melhoramento do ser, a aquis ição de mais poderosas faculdades, u m a ati­v idade de raio mais amplo, um avanço na senda que conduz à felicidade angélica, que se aproxima de Deus.

Ao contrário, o mal aca r re ta a pa ra l isação de s ­se movimento ascensional, o embotamento das for­ças do espírito, até que este, pe la dor, a d q u i ra a consciência de seu erro e triunfe em novas provas, vença o obstáculo e renove sua m arch a infinita. Há, portanto, um a sanção à infração da lei natural.

Claro está, porém, que os conceitos do bem e do mal serão relativos, do ponto de vista de nosso p laneta , pe la re la tiv idade de nossos conhec im en­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 32

tos e pe la re la tiva imperfeição de nossa consc iên­cia; ne ssa está escri ta a lei de Deus, ou seja a defi­nição do bem; de q ua lquer modo ambos os concei­tos se impõem: o bem e o mal, o que a consciência ap rova e o que lhe repugna .

Dir-se-á, porém: sendo a consciência individual a definidora do bem e do mal, d e pendendo do ad ian tam ento ou atraso das faculdades do espíri­to e havendo espíritos de diversos graus , o bem e o mal poderão ser os mesmos p a r a todos os homens? Poderão ter p a ra todos eles o mesmo valor ético?

636 — São absolutos, para todos os homens, o bem e o mal?

Responde Kardec:

”A lei de Deus é a m e sm a p a r a todos; porém, o mal depende principalmente da vontade que se tenha de praticá-lo. O bem é sempre o bem e o mal sempre o mal, qua lq u e r que seja a p o ­sição do homem. Diferença só há quanto ao g rau da r e sp o n sab i l id ad e”.

E acrescenta , como exemplo:

637 — Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana?

”Eu disse que o mal depende da vontade . Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, q u a n ­to melhor sabe o que faz”.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 33

As circunstâncias dão rela tiva g rav idade ao bem e ao mal. Muitas vezes comete o homem faltas q u e , n e m por serem consequência da posição em que a sociedade o colocou, se tor­nam menos repreensíveis . Mas , a sua res­ponsab i l idade é p roporc ionada aos meios de que ele dispõe p a r a compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus, o homem instruído que pra tica um a sim­ples injustiça, do que o se lvagem ignorante que se en t rega aos seus instintos".

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 34

IV

O D E L I T O

Que será, portanto, o delito p a ra os espíri tas? Se queremos definir um delito absoluto, por assim dizer, si tuando-nos em um ponto de vista que a b a r ­que a to ta lidade da vida dos espíritos, o delito será a violação da lei de Deus; confessemos, porém, que não fizemos u m a definição, mas um a substituição de pa lavras .

Mas, se restringirmos o conceito ao campo vi­sual da h u m a n id a d e a que pertencemos, tendo em consideração a re la tiv idade de conceitos, em tal caso, p a r a o espiritismo; e tendo a inda em vista o sentido evolucionista dessa doutrina, p o d e rá então definir-se o delito hum ano, segundo os espíritas, como o definia e legan tem ente o Dr. M. C. Piepers, que não era espírita, ao que eu saiba.

Assim dizia, no relatório que enviou ao V Con­gresso Internacional de Antropologia Criminal de Amsterdam (1): O delito é a lesão social produzida pelo estado egoístico da psique hum ana (leia-se es­pírito) na qual a evolução altruística não está su-

(1) A noção do crime no ponto de vista evolucionista.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 35

ficientem ente avançada para dominar as tendên­cias egoísticas dentro do limite que exige determi­nado estado social.

De modo que, fora de um delito absoluto, mera abs t ração dogmática, o delito p a r a os espíri tas é um conceito relativo que pode concretizar-se un i ­camente quando se re lac iona com esse limite exi­gido por de terminado estado social. Nem outra coisa quis dizer a criminologia científica, desde o famoso antigo princípio nullum crimen sine le g e , que resiste vitorioso a toda tenta tiva de definição do delito como conceito absoluto perse, ou como conceito de fenôm eno natural, segundo p re tendeu Garófalo.

O delito, portanto , não é mais do que um fenó- meno de a traso na evolução espírita, em re lação com um ambiente mais ad ian tado , donde dedu- zem os espíritas como os sociólogos atuais, que um delito em determinado ambiente (em tal m undo ou em tal país) deixa de sê-lo em outro.

E p a r a que se veja até onde chega o espiritis­mo em seu critério evolucionista e relativo do deli­to, leia-se em Allan Kardec o que se refere a um a das formas mais selvagens da m a ld a d e :

670 — Poderiam ter sido agradáveis a Deus os sa­crifícios humanos praticados com intenção piedosa?

"Não. Nunca. Deus, porém, j u l g a p e la in ten­ção. Sendo ig n o r a n t e s , os h o m e n s p o d e r i a m

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 36

crer que pra t icassem ato louvável, imolando seus semelhantes. Nesses casos, Deus a ten ­tava mais na ideia do que no fato. Melhoran­do, os homens deviam reconhecer seu erro e reprovar esses sacrifícios, que as inteligências esc la recidas não pode r iam a c e i t a r ” .

Confessemos, pois, que o espiritismo, nesse conceito do delito, se a p a r ta dos dogmatismos das religiões, absolutos e fechados, que não admitem essa re la tiv idade na ideia do pecad o e do delito, e que se ap rox im a das conclusões científicas da razão.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 37

V

DETERMINISMO E LIVRE-ARBÍTRIO

Para os positivistas, o criminoso, como todo h o ­mem, é um ser cujos atos são de terminados por complexíssimos fatores, que o impulsionam, fatal e cegam ente , p a r a tal ou qual direção; p a ra os cha ­mados clássicos, o criminoso e o homem têm o seu controle próprio e absoluto, a l iberdade de fazer o bem ou o mal conforme queira.

Determinis tas e l ivre-arbit r is tas se a co m e te m com ardor p a ra o império de seu princípio cardeal na ciência criminal; esta questão carece, en t re tan ­to, de importância fundamental no campo da cri- minologia, visto que se to rna desnecessá r ia q u a n ­do se t ra ta de expor o direito de castigar.

Com efeito, u m a parte dos l ivres-arbitristas, os clássicos da filosofia penal (Carrara , por exemplo) par tindo a p en a s do princípio do l ivre-ar- bítrio, vêem-se forçados a admitir restrições de fato a essa abso lu ta l iberdade, q u ando tratara do grau na força do delito.

O delinquente vê cerceado seu l ivre-arbítrio, em re lação à idade, inteligência, loucura, idiotez,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 38

em br iaguez e u m a porção de causa s que lhe a l t e ­ram o equilíbrio absoluto, p a r a discernir abso lu ta ­mente entre o bem e o mal; de sorte que, por vezes, concebe como bom o delito, e a inda o sabendo mau, é a r ras tado p a r a ele muito a seu pesar.

De modo que, por absoluto que seja o princí­pio, difícil seria distinguir os diversos g raus na ação criminosa, por existir nos indivíduos vár ios motivos ou circunstâncias que a lte ram a suposta l iberdade absoluta.

Onde está, pois, esse livre-arbítrio absoluto, que a lguns querem conceber e pelo qual o homem pode resistir, só, impassível e vitorioso, a um a c a ­ta ra ta de solicitações externas?

De outra parte, porém, observa-se que os d e ­terministas, por mais radicais que sejam, a inda quando anali sem e expliquem a imensa complexi­dade de fatores que influem nas de terminações do homem, terão sempre de admitir que entre esses inúmeros fatores codete rminantes estão os fatores íntimos da indiv idua lidade psicológica do ser, que reúnem sua força à de todos os demais fatores, p a ­ra de terminar o ato hum ano. Donde resulta que ante iguais fatores externos, o hom em se de te rm i­n a r á de m a n e i ra distinta, segundo o coeficiente que à soma de energ ias tr agam os fatores in tr ínse­cos do seu ser, do seu e u .

Onde está, pois, pe rguntam , esse de termin is ­mo absoluto, que alguns querem impor, e pelo qual

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 39

o ser h um ano é um grão de areia, joguete da ma- ru lhada , sem persona l idade , sem indiv idualidade , sem cará te r?

E muito bem se a rgum enta , como Ferri, con­testando a Van Calker, e, defendendo o determinis­mo absoluto, ao dizer que essa individualidade , es­se caráter, esse eu não p a s s a do reconhecimento implícito do determinismo fundamental da originá­ria consti tuição o rgân ica e ps íquica ( t em peram en­to e caráte r) de todo indivíduo, determinismo que o homem tem de comum com todos os seres vivos.

Se esse caráter, porém, e esse eu é fruto de um determinismo na originária consti tuição orgânica e ps íquica, convenhamos que não menos certo é que esse determinismo criador de uma. constitui­ção individual, desde seu início, teve que a tuar so­bre algo, sobre um a célula protoplásmica cheia de vida ; esse algo com vida, que em seu começo sig­nifica muito pouco na causa l idade dos fenômenos na tura is que o in te ressavam, foi evolvendo, ad q u i ­rindo faculdades e forças p a ra depois de um t rans ­curso de idades incalculáveis, chegar a ser homem; este ser é g ran d em en te influenciável em todos os momentos da v ida ; chegou, porém, por sua vez, a ter um caráte r formado pelo poderoso núcleo de energias acum uláve is em seu ser, que lhe pe rm i­tem raciocinar, às vezes, até com consciência, con­tra solicitações do ambiente externo e de seu p ró ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 40

prio organismo, o que em idades anteriores, p a r a estados e seres menos evoluídos, seriam fatais em absoluto.

Pois bem. Nessa maior a cu m u lação de faculda­des e nessa maior concentração de forças de termi­nan tes conscientes que se ch am a hom em , parece-me estar em posição o conceito que muitos tomam por l iberdade moral. Isso vem a ser, a meu juízo, o conceito espírita da l iberdade moral do homem; esse conceito é relativo, porque, por mui tas que se­jam as energias concen tradas no mesmo núcleo hum ano (chame-se espírito), g randes são as ener­gias que o rode iam; o conceito, porém, se afasta um pouco de um determinismo absoluto, que al ­guns ju lgam como abs t ração metafísica n e g a d o r a da ind iv idua l idade e do ser, como de um livre-ar­bítrio, que equivale à metafísica concepção d i u r n a divindade.

Neste terreno, repito, pa rece poder-se encon­trar o espiritismo. Pa ra este, o livre-arbítrio é u m a faculdade que o espírito vai adquir indo à m ercê de u m a g rande evolução, e à m ed ida que vai despe r ­tando e saindo do primitivismo e das enca rnações grosse iras e p ré -hum anas .

Por que, porém, o espírito progr ide nessas pri ­mitivas e vas tas idades , q uando não demonst ra li- v r e - a rb í t r io , nem c o n sc iê n c ia do seu ser e do seu progresso?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 4 !

Pela exper iência que adquire , rea lizando atos que são prejudiciais e atos que lhe trazem felici­dade.

E assim, pouco a pouco, o espírito vai p e rc e ­bendo a vida, adquir indo ciência e consciência e chegando a essa fase de evolução na qual d e s ­prende força própr ia consciente, e a lcança o pleno livre-arbítrio. De tudo resu l ta um livre-arbítrio, fi­lho do determinismo.

Será um absurdo? Será, acaso, m era questão de pa lavras?

Neste terreno da re la t iv idade de ambos os con­ceitos (livre-arbítrio e determinismo) a ques tão de que vimos t ra tando desapa rece , seguindo-se Allan Kardec.

Com efeito, não será o mesmo dizer: indivíduo livre mora lmente em seu arbítrio, cuja l iberdade, porém, é res tr ingida por suas especiais condições subjetivas, orgânicas , de civilização e pe la ação do ambiente; e indivíduo constante e fatalmente d e ­terminado em seus atos morais pelo influxo do a m ­biente e do próprio organismo que é influenciado consciente ou inconsc ientemente por certas condi­ções pessoais que carac te rizam a individualidade in­fluenciada, fazendo-a agir de m a n e i ra distinta da que agiriam seus semelhantes em igual caso?

Não é igual um livre-arbítrio e um determinis­mo não absoluto?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 42

Não é o mesmo im ag inar um ser, cuja indivi­dua l idade caracter ís t ica tem que se inclinar, mais ou menos, aos embates do ambiente , segundo a força deles e a t êm pera do seu caráter; e o que su­põe u m a av a lan ch e de elementos concomitantes, que a rras tam um ser, porém lhe modificam o rumo, aqui ou acolá, segundo as resistências da indivi­dua l idade com bat ida?

Que importância terá então a questão do livre- -arbítrio e do determinismo, se os privam do seu ca ­rá te r absoluto? Em resumo, o homem não pode resist ir, impassível , ao fluxo e refluxo do mar da vida, pe la única virtude do seu arbítrio, como as d iv indades que cam inham sobre as ondas, sem submergir , pelo império de sua vontade so b re n a ­tural; nem é o homem um grão de a re ia perdido no oceano impotente de sua imensidade.

O homem não é um deus, nem um átomo; é simplesmente hom em e n a d a no m ar da vida; e ch eg a rá ou não à pra ia , tais sejam as suas facul­dades na ta tórias, a d is tância da margem, a força das ondas e sobre tudo sua vontade de nadar .

O ato hum ano e por tanto o delito, terá que ser concebido como u m a resultante das forças com­b inadas , subjetivas e objetivas, do indivíduo e do ambiente. Assim o entende a cr iminologia moder­na e assim o explica o espiritismo, a in d a que o conceito de am bos sobre o l ivre-arbítrio seja bem diferente, pelo menos em suas fórmulas.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 43

Não deixa de ser curioso observar como a éti­ca espiritista, que é a antítese do materia lismo p e ­nal, e que presume como princípio básico da evo­lução dos espíritos o livre-arbítrio, pode romper com os antigos dogmas religiosos e metafísicos, part idários do arbítrio absoluto dos homens , com premios e p en as e te rnas no fim da vida, p a r a ex­pl icar um livre-arbítrio influenciado por circunstân­cias es t ranhas à von tade do próprio espírito.

Ainda que repetindo, direi que o espiritismo, por seu mérito evolucionista, supõe u m a infinita g r a d a ç ã o dos espíritos, cujo progresso, se b em que devido aos próprios esforços, é lento e pesado no início, por estarem as faculdades ps íquicas em em­brião e pouco desenvolvidas; o progresso vai cres­cendo e d e p en d e n d o cada vez mais do esforço consciente e do arbítrio do espírito, e menos sujei­to aos influxos estranhos.

Com o crescimento de suas faculdades, a u m e n ­ta sua in d e p en d ê n c ia subjetiva, seu poder próprio e com o aumento deste ag igan ta-se a eficácia de sua self direction.

Se a princípio o espírito é ru d e , com u m a ru ­deza além da primitiva best ial idade , e depois, co­mo um a criança, incapaz de dirigir-se por si p ró ­prio, reag indo com o ambiente, no transcurso de suas encarnações , progr ide e se governa como um sábio ou um homem de forte inteligência e von­tade.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 44

Nem outra, como parece , era a concepção de Gabriel Tarde, q u an d o em artigo referente ao 2° Congresso de Antropologia Criminal, im p u g n a v a a classificação tríplice dos fatores da de linquência , s e ­gundo Ferri, n e g a v a a influência independen te dos cham ados físicos e cósmicos, e dizia que quanto mais se e leva um organismo, mais e scapa à servidão das excitações físico-químicas, e a inda que ob te ­nha delas toda a energ ia a rm a ze n a d a , quanto mais as aproveita, tanto melhor delas dispõe e li­vremente as dirige p a ra seus fins convenientes.

De sorte que há espíritos a trasados, cujo livre- -arbítrio se acha como em crisálida, sem crescimen­to n e m d e sen v o lv im en to , e c a e m faci lmente, im p u l ­sionados por espíritos m aus ou por causas externas de na tu reza diferente.

E outros espíritos há, mais ad ian tados , com maior l iberdade, que se dirigem e defendem da ten­tação, resistindo vitoriosamente.

É, pois, um livre-arbítrio relativo ou um deter­minismo relativo, como se queira, a base crimino- lógica do espiritismo, no que toca ao p rob lem a da responsabil idade.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 45

VI

A QUESTÃO NOS TEXTOS DE ALLAN KARDEC

Veja-se, agora, como se podem documentar as observações e os raciocínios do capítulo anterior, com textos de Allan Kardec sobre o livre-arbítrio segundo o espiritismo:

120. Todos os espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem?

— "Pela fieira do mal, não; pe la fieira da ign o rân c ia”.

121 — Por que é que alguns espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?

"Não têm eles o l ivre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tan ta ap t idão p a r a o bem q uan to p a ra o mal. Os que são maus, assim se to rnaram por von tade própr ia" .122 — Como podem os espíritos, em sua origem, quando ainda mão têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum princípio, qualquer tendência que

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 46

os encaminhe para uma senda de preferência a outra?

"O livre-arbítrio se desenvolve à m ed id a que o espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não h aver ia l iberdade, desde que a esco­lha fosse d e te rm inada por u m a causa in d ep en ­dente da vontade do espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém na g rande figura emblemát ica da q u e d a do homem e do p eca d o original: uns cederam à tentação, outros resistiram". a) — Donde vêm as influências que sobre eles se exercem?

"Dos espíritos imperfeitos, que p rocuram a p o ­derar-se deles, dominá-los, e que rejubilam com o fazê-los sucumbir.Foi isso o que se intentou simbolizar na figu­ra de Sa tanás" .

a) — Tal influência só se exerce sobre o espirito em sua origem?

" A com panha-o na sua v ida de espírito, até que haja conseguido tanto império sobre si mesmo, que os m aus desistem de obsidiá-lo".

127 — Os espíritos são criados iguais quanto às di­ficuldades?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 47

"São criados iguais, porém, não sabendo don­de vêm, preciso é que o livre-arbítrio siga seu curso. Eles progr idem mais ou menos ra p id a ­mente tanto em inteligência como em mora l ida ­de". "Os e s p í r i to s que desde o p r i n c íp io s e ­guem o caminho do bem, nem por isso são pe r ­feitos. Não têm, é certo, m aus pendores , mas prec isam adquirir a exper iência e os conheci­mentos indispensáveis p a r a a lcançar a perfei­ção. Podemos compará- los a crianças que, seja qual for a b o n d a d e de seus instintos natura is, necessi tam de se desenvolver e esclarecer, e que não passam , sem transição, da infância à madureza . Simplesmente, assim como há ho ­mens que são bons e outros que são maus des­de a origem, com a diferença capital de que a criança tem instintos j á inte iramente formados, enquan to que o espírito, ao formar-se, não é nem bom nem mau; tem todas as tendências e toma u m a ou outra direção, por efeito do seu livre-arbítrio."

189 — Desde o inicio de sua formação, goza o es­pírito da plenitude de suas faculdades?

"Não, pois que p a r a o espírito, como p a ra o h o ­mem, tam bém há infância. Em sua origem, a vida do espírito é a p en a s instintiva. Ele mal tem consciência de si mesmo e de seus atos.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 48

A inteligência só pouco a pouco se desenvolve.

190 — Qual o estado da alma na sua primeira en­carnação?

"O da infância na v ida corporal. A in teligên­cia então a p e n a s desabrocha: a alma se en­saia para a v ida”.368 — Após sua união com o corpo, exerce o espí­rito, com liberdade plena, suas faculdades?

"O exercício das faculdades d epende dos ór­gãos que lhes servem de instrumento. A gros­ser ia da m atér ia as enfraquece".

a) — Assim, o invólucro material é obstáculo à li­vre manifestação das faculdades do espírito, como um vidro opaco o é à livre irradiação da luz?

"É, como vidro muito opaco".Pode comparar-se também a ação que a matéria grosseira exerce sobre o espírito à de um charco lodoso sobre um corpo nele mer­gulhado, ao qual tira a liberdade dos movimentos.

369 — O livre exercício das faculdades da alma es­tá subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?

"Os órgãos são os ins trumentos da manifesta­ção das faculdades da alma, manifestação que se acha subo rd inada ao desenvolvimento e ao g rau de perfeição dos órgãos, como a exce­lência de um t rabalho o está à da fe rramenta própr ia à sua execução".

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 49

564 — Haverá espíritos que se conservem ociosos, que em coisa alguma útil se ocupem?

"Há, m as esse estado é temporário e depende do desenvolvimento de suas inteligências. Há, cer tamente , como há homens que só p a r a si mesmos vivem. Pesam-lhes, porém, essa ociosi­dade e, cedo ou tarde, o desejo de progredir lhes faz necessá r ia a a tiv idade e felizes se sen­tirão por poderem tornar-se úteis. Referimo- -nos aos esp ír i tos que chega ram ao ponto de ter consciência de si mesmos e do seu livre-ar- bítrio; porquanto , em sua origem, todos são quais crianças que a c a b a m de nasce r e que obram mais por instinto qu e por von tade p ró ­pria".

843 — Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos?

"Pois que tem a l iberdade de pensar, tem igua lm en te a de agir. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máqu ina" .844 — Goza o homem do livre-arbítrio desde o seu nascimento?

"Há l iberdade de agir, desde que haja vonta­de de fazê-lo. Nas primeiras fases da vida, quase nu la é a l iberdade, que se desenvolve e m u d a de objeto com o desenvolvimento das faculdades. Estando seus pensam en tos em concordânc ia com o que a sua idade reclama,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 50

a criança aplica o seu livre-arbítrio àquilo que lhe é necessário" .

845 — Não constituem obstáculos ao exercício do livre-arbítrio as predisposições instintivas que o ho­mem já traz consigo ao nascer?

"As predisposições instintivas são as do espí­rito antes de encarnar. Conforme seja este mais ou menos ad ian tado , elas podem a r ra s ­tá-lo à prá t ica de atos repreensíveis , no que será secundado pelos espíritos que simpatizam com essas disposições. Não há, porém, arras- tamento irresistível, u m a vez que se tenha a von tade de resistir. Lembrai-vos de que q u e ­rer é poder".846 — Sobre os atos da vida nenhuma influência exerce o organismo? E, se essa influência existe, não será exercida com prejuízo do livre-arbítrio?

"É inegável que sobre o espírito exerce influên­cia a matéria , que pode embaraçar- lhe as m a­nifestações. Daí vem que, nos m undos onde os corpos são menos mate ria is do que na Ter­ra, as faculdades se desdobram mais l ivremen­te. Porém, o instrumento não dá a faculdade. Além disso, cumpre se dis t ingam as faculda­des morais das intelectuais. Tendo um homem o instinto do assassínio, seu próprio espírito é, indubitave lmente, quem possui esse instinto e quem lho dá; não são seus órgãos que lho dão.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 51

S e m e l h a n t e ao b ru to , e a i n d a p io r do q u e este , se t o r n a a q u e l e q u e nu l i f ica o s eu p e n s a m e n ­to, p a r a s ó se o c u p a r c o m a m a té r i a , p o i s q u e n ã o c u id a m a i s de se p r e m u n i r c o n t r a o mal . Nis to é q u e in co r re e m falta, p o r q u a n t o a s s im p r o c e d e p o r v o n t a d e p r ó p r i a " .

847 — A aberração das faculdades tira ao homem o livre-arbítrio?

"Já n ã o é s e n h o r do seu p e n s a m e n t o a q u e l e cu ja i n t e l i g ê n c i a se a c h e t u r b a d a p o r u m a c a u ­sa q u a l q u e r e, d e s d e e n t ã o , já n ã o t e m l ib e r ­d a d e . E s s a a b e r r a ç ã o const i tu i m u i t a s v e z e s u m a p u n i ç ã o p a r a o espír i to q u e , p o r v e n t u r a , t e n h a sido n o u t r a e x i s t ên c ia , fútil e o rg u lh o so , ou t e n h a feito m a u u s o de s u a s f a c u l d a d e s . P o ­de e s se espír i to , e m ta l c a so , r e n a s c e r no co r­po de u m id io ta , c o m o o d é s p o t a no de u m e s ­c ra v o e o m a u rico no de u m m e n d i g o . O es ­píri to , p o r é m , sofre p o r efeito d e s s e c o n s t r a n ­g im e n to , de q u e t e m p e r f e i t a c o n sc iê n c ia . E s ­tá aí a a ç ã o da m a t é r i a " .

849 — Qual a faculdade predom inante no hom em em estado de selvagerias: o instinto, ou o livre-ar- bítrio?

"O ins tin to , o q u e n ã o o i m p e d e de agir co m in te i r a l i b e r d a d e , no t o c a n t e a c e r t a s co isas . M a s , a p l i c a , c o m o a c r i a n ç a , e s s a l i b e r d a d e

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 52

às s u a s n e c e s s i d a d e s e e la se a m p l i a c o m a in t e l ig ê n c i a . C o n s e g u i n t e m e n t e , tu, q u e és m a i s e s c l a r e c id o do q u e u m s e l v a g e m , t a m ­b é m és m a i s r e s p o n s á v e l p e lo q u e fazes do q u e u m s e l v a g e m o é p e lo s seus a to s" .

851 — Haverá fa ta lidade nos acontecimentos da vi­da, conforme ao sentido que se dá a este vocábulo? Q uer dizer: todos os acontecimentos são predeter­minados? E, neste caso, que vem a ser do livre-ar- bítrio?

"A f a t a l i d a d e ex is te u n i c a m e n t e p e l a e s c o lh a q u e o espír i to fez, ao e n c a r n a r , d e s t a ou d a ­q u e l a p r o v a p a r a sofrer. E s c o lh e n d o - a , in s­t i tu iu p a r a si u m a e s p é c i e de des t ino , q u e é a c o n s e q u ê n c i a m e s m a da p o s i ç ã o e m q u e v e m a a c h a r - s e co lo ca d o . Fa lo d a s p r o v a s físicas, po is , p e lo q u e to c a às p r o v a s m o r a i s e às t e n ­t a ç õ e s , o espíri to, c o n s e r v a n d o o l iv re -a rb í t r io q u a n t o ao b e m e ao m al , é s e m p r e s e n h o r de c e d e r ou de resist ir . A o vê- lo f r aq u e ja r , um b o m espíri to p o d e v ir - lhe e m auxí l io , m a s n ã o p o d e influir n e le de m a n e i r a a d o m i n a r - l h e a v o n t a d e . U m espír i to m a u , isto é, inferior, m o s ­t r a n d o - lh e , e x a g e r a n d o a o s seus olhos u m p e ­r igo físico, o p o d e r á a b a l a r e a m e d r o n t a r . N e m p o r isso, e n t r e t a n t o , a v o n t a d e do e s p í ­rito e n c a r n a d o d e i x a de se c o n s e r v a r l ivre de q u a i s q u e r p e i a s " .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 53

852 — Há pessoas que parecem perseguidas p o r uma fatalidade, independente da maneira p o r que procedem. Não lhes estará no destino o infortúnio?

"São , ta lvez , p r o v a s q u e lhes c a i b a sofrer e q u e e la s e s c o lh e r a m . Po rém , a i n d a a q u i l a n ç a i s à c o n ta do d e s t i n o o q u e as m a i s d a s v e z e s é a p e n a s c o n s e q u ê n c i a de v o s s a s p r ó p r i a s fal­ta s . T r a t a de te r p u r a a c o n s c i ê n c i a e m m e io dos m a l e s q u e te a f l ig e m e j á b a s t a n t e c o n s o ­l a d o te s en t i r á s " .

As ideias falsas ou exatas que formamos das coisas, fazem-nos triun far ou sucumbir, segundo nosso caráter e posição so c ia l. Acham os mais simples e menos hum ilhante ao nosso amor próprio, atribu ir nossos infortúnios à sorte ou ao destino, e não à nossa pró­pria fa lta . Se às vezes contribui para isso a influência dos esp íri­tos, poderemos sempre subtrair-nos a essa in fluência , repelindo as ideias que nos sugerem, quando m ás.

861 — Ao escolher a sua existência, o espírito da­quele que comete um assassínio sabia que viria a ser assassino?

" N ã o . E s c o l h e n d o u m a v i d a de l u t a s , s a b e q u e t e r á ense jo de m a t a r u m de s eu s s e m e l h a n t e s , m a s n ã o s a b e se o fará, v is to q u e ao c r im e p r e ­c e d e r á q u a s e s e m p r e , de s u a p a r t e , a d e l i b e ­r a ç ã o de p ra t i c á - lo . O ra , a q u e l e q u e d e l i b e ­ra sob re u m a c o i sa é s e m p r e l iv re de fazê-la, ou n ão . Se s o u b e s s e p r e v i a m e n t e q u e , com o h o m e m , te r ia q u e c o m e t e r u m cr ime, o espír i to

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 54

e s t a r i a a isso p r e d e s t i n a d o . Ficai , p o r é m , s a ­b e n d o q u e n i n g u é m h á p r e d e s t i n a d o ao c r im e e q u e todo c r ime, co m o q u a l q u e r ou tro a to , r e ­su l ta s e m p r e da v o n t a d e e do l ivre-arb í t r io . "D em a is , s e m p r e confund is d u a s co isa s m u i to d i s t in t a s : os a c o n t e c i m e n t o s m a t e r i a i s da v i d a e os a to s da v i d a m ora l . A fa t a l i d a d e , q u e a l ­g u m a s v e z e s há , só ex is te co m r e l a ç ã o à q u e l e s s u c e s s o s m a te r i a i s , cu ja c a u s a r e s id e fora de vós e q u e i n d e p e n d e m da v o s s a v o n t a d e . Q u a n t o a o s a to s da v i d a m ora l , e s s e s e m a n a m s e m p r e do p r ó p r io h o m e m q u e , p o r c o n s e g u i n ­te, t e m s e m p r e a l i b e r d a d e de e sco lhe r . N o t o ­c a n te , po is , a e sse s a tos , n u n c a há f a t a l i d a d e " . 872 — A q u e s t ã o do l iv re -a rb í t r io p o d e r e s u ­m ir -se ass im: o h o m e m n ã o é f a t a lm e n te l e v a ­do ao m a l ; os a tos q u e p r a t i c a n ã o fo ram p r e ­v i a m e n t e d e t e r m i n a d o s ; os c r im es q u e c o m e t e n ã o r e s u l t a m de u m a s e n t e n ç a do des t ino . E le p o d e , p o r p r o v a e p o r e x p i a ç ã o , e s c o lh e r u m a e x i s t ê n c ia e m q u e se ja a r r a s t a d o ao c r im e , q u e r p e lo m e io o n d e se a c h e co lo ca d o , q u e r p e l a s c i r c u n s t â n c i a s q u e s o b r e v e n h a m , m a s se­r á s e m p r e l ivre de a g i r ou n ã o a g i r . A ss im , o l iv re -a rb í t r io ex is te p a r a ele, q u a n d o no e s t a d o de espíri to, ao faze r a e s c o l h a da e x i s t ê n c i a e d a s p r o v a s e, co m o e n c a r n a d o , na f a c u l d a d e de c e d e r ou de re s is t i r aos a r r a s t a m e n t o s a q u e to d o s n o s t e m o s v o l u n t a r i a m e n t e s u b m e t id o .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 55

C a b e à e d u c a ç ã o c o m b a t e r e s s a s m á s t e n ­d ê n c i a s . Fá - lo -á u t i lm en te , q u a n d o se b a s e a r no e s tu d o a p r o f u n d a d o da n a t u r e z a m o r a l do h o m e m . Pelo c o n h e c im e n to d a s leis q u e r e ­g e m e s s a n a t u r e z a m ora l , c h e g a r - s e - á a m o d i ­ficá-la, com o se modif ica a in te l ig ê n c i a p e l a in s t ru ç ão e o t e m p e r a m e n t o p e l a h ig ie n e . D e s p r e n d i d o da m a t é r i a e no e s t a d o de e rra- t i c id ad e , o espíri to p r o c e d e à e s c o lh a de suas fu turas ex i s t ên c ia s co rpo ra is , de a c o r d o com o g r a u de p e r f e iç ã o a q u e h a j a c h e g a d o e é n i s ­to, com o tem o s dito, q u e cons is te s o b re tu d o o seu l ivre-arb í t r io . Es ta l i b e r d a d e , a e n c a r n a ­ção n ã o a a n u la . Se ele c ed e à influência , é q u e s u c u m b e n a s p r o v a s q u e p o r si m e s m o esco lheu . P a r a ter q u e m a ju d e a v e n c ê - l a s , c o n c e d id o lhe é in v o c a r a a s s i s t ê n c ia de D eu s e dos b o n s espíri tos.Sem o l iv re -a rb í t r io , o h o m e m n ã o te r ia n e m . c u lp a po r p r a t i c a r o mal, n e m m ér i to em p r a t i ­car o b e m . E isto a ta l p o n to e s tá r e c o n h e c i ­do q u e , no m u n d o , a c e n s u r a ou o e logio são feitos à in ten ção , isto é, à v o n t a d e . Ora , q u e m diz v o n t a d e , diz l i b e r d a d e . N e n h u m a d e s c u l ­p a p o d e r á , p o r t a n to , o h o m e m b u s c a r , p a r a os seus deli tos, na s u a o r g a n i z a ç ã o física, sem a b d i c a r da r a z ã o e da s u a c o n d iç ã o de ser h u ­m a n o , p a r a se e q u i p a r a r ao b ru to . Se fora a s ­sim q u a n t o ao mal , a s s im n ã o p o d e r i a d e ix a r

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 56

de ser r e l a t i v a m e n t e ao b e m . M as , q u a n d o o h o m e m p r a t i c a o b e m , tem g r a n d e c u i d a d o de a v e r b a r o fato à su a conta , com o méri to , e n ã o cog i ta de p o r ele gra ti f icar os seus ó rg ã o s , o q u e p r o v a que , p o r instinto, n ã o r e n u n c ia , a p e ­sar da o p in iã o de a l g u n s s is tem át icos , ao m a i s be lo p r iv i lég io de s u a e spéc ie : a l i b e r d a d e de p e n s a r .

A fa ta l id ad e , como v u l g a r m e n t e é e n t e n d i d a , s u p õ e a d e c i s ã o p r é v i a e i r r e v o g á v e l de todos os su cesso s da v ida , q u a l q u e r q u e seja a im ­p o r t â n c i a de les . Se ta l fosse a o rd e m d a s co i­sas, o h o m e m ser ia q u a l m á q u i n a sem v o n t a d e . De q u e lhe serv i r ia a in te l igênc ia , d e s d e q u e h o u v e s s e de e s ta r i n v a r i a v e l m e n t e d o m in a d o , em to d o s os seus a tos , p e l a força do des t ino? S e m e l h a n t e do u t r in a , se v e r d a d e i r a , c o n te r ia a d e s t r u i ç ã o de t o d a l i b e r d a d e m o r a l ; j á n ã o h a v e r i a p a r a o h o m e m r e s p o n s a b i l i d a d e , n e m p o r c o n s e g u in te , b e m , n e m mal , c r imes ou v ir ­tu d es . N ã o se r ia p o s s ív e l q u e Deus, s o b e r a ­n a m e n t e jus to , c a s t i g a s s e s u a s c r i a tu ra s po r faltas cujo c o m e t im en to n ã o d e p e n d e r a de las , n e m q u e as r e c o m p e n s a s s e po r v i r tu d es de q u e n e n h u m m ér i to t e r iam . D em ais , ta l lei s e ­r ia a n e g a ç ã o da do p ro g r e s so , p o r q u a n t o o h o m e m , tu d o e s p e r a n d o da sorte, n a d a t e n t a ­r ia p a r a m e lh o r a r a su a p o s içã o , vis to q u e n ã o c o n s e g u i r i a ser m a i s n e m m e n o s .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 57

C o n tu d o , a f a t a l id a d e n ã o é u m a p a l a v r a vã . Existe na p o s i ç ã o q u e o h o m e m o c u p a n a Terra e n a s funções q u e aí d e s e m p e n h a , em conse- q u ê n c i a do g ê n e r o de v id a q u e seu espíri to e s ­co lheu com o p ro v a , e x p i a ç ã o ou m is sã o . Ele sofre f a ta lm en te t o d a s as v ic is s i tudes d e s s a ex i s t ên c ia e t o d a s as t e n d ê n c i a s b o a s ou m ás , q u e lhe são ine ren tes . Aí, p o ré m , a c a b a a fa­t a l i d a d e , po is da su a v o n t a d e d e p e n d e cede r ou n ã o a e ssa s t e n d ê n c i a s . O s p o r m e n o r e s dos a c o n te c im e n to s , e sses ficam s u b o r d i n a d o s às c i r c u n s tâ n c ia s q u e ele p ró p r io c r ia pe lo s Seus atos, s en d o q u e n e s s a s c i r c u n s t â n c i a s p o ­d em os espíri tos influir p e lo s p e n s a m e n t o s q u e su g i ram .

H á f a ta l id a d e , p o r t a n to , nos a c o n te c im e n to s qu e se a p r e s e n t a m , por s e rem es tes c o n s e q u ê n - c ias da e sc o lh a q u e o espíri to fe z da su a ex i s ­t ê n c i a de h o m e m . Pode d e ix a r de h a v e r fa­t a l i d a d e no r e s u l t a d o de ta is a co n te c im e n to s , vis to ser p o s s ív e l ao h o m e m , p e l a sua p r u d ê n ­cia, m odif icar- lhe o curso.N u n c a h á f a t a l i d a d e nos a tos da v id a m ora l . N o q u e c o n c e r n e à m o r te é q u e o h o m e m se a c h a s u b m e t id o , em a bso lu to , à in e x o rá v e l lei da f a ta l idade , po r isso q u e n ã o p o d e e s c a p a r à s e n t e n ç a q u e lhe m a r c a o te rm o da e x i s t ên ­cia, n e m ao g ê n e r o de m or te q u e h a j a de lhe cor ta r o fio.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 58

S e g u n d o a d o u t r i n a vu lga r , de si m e s m o t i r a ­r ia o h o m e m todos os seus instintos, que , e n tão , p rov i r iam , ou da s u a o r g a n i z a ç ã o física, p e l a q u a l n e n h u m a r e s p o n s a b i l i d a d e lhe toca, ou da sua p r ó p r i a n a t u r e z a , c aso em q u e lícito lhe fora p r o c u r a r d e s c u l p a r - s e co n s ig o m e sm o , d i ­z en d o n ã o lhe p e r t e n c e r a c u lp a de ser feito como é . Muito m a i s m o ra l se m os t ra , in d i s c u ­t iv e lm e n te , a d o u t r i n a esp ír i ta . Ela a d m i t e no h o m e m o l iv re -a rb í t r io em t o d a a s u a p l e n i t u ­de e, se lhe diz que , p r a t i c a n d o o mal , ele c ed e a u m a s u g e s t ã o e s t r a n h a e m á , em n a d a lhe d im inu i a r e s p o n s a b i l i d a d e , pois lhe r e c o n h e c e o p o d e r de resist ir, o q u e e v i d e n t e m e n t e lhe é m ui to m a i s fácil do q u e lu ta r co n t ra a sua p r ó ­p r i a n a t u r e z a . Ass im, de a c o r d o c o m a do u ­t r ina espír i ta , n ã o há a r r a s t a m e n t o irresist ível: o h o m e m p o d e s e m p r e c e r r a r o u v id o s à voz ocu l ta q u e lhe fala no íntimo, indu z in d o -o ao mal, com o p o d e cer rá - los à voz m a te r i a l d a q u e ­le q u e lhe fale o s t e n s i v a m e n t e . P o d e -o p e l a a ç ã o da su a v o n t a d e , p e d i n d o a D e u s a força n e c e s s á r i a e r e c l a m a n d o , p a r a tal fim, a a s s i s ­t ê n c i a dos b o n s espíri tos. Foi o q u e Jesus nos e n s in o u p o r m e io da su b l im e p r e c e q u e é a O r a ç ã o dom in ica l , q u a n d o m a n d a q u e d i g a ­m os : "N ão nos de ixes s u c u m b i r à t e n t a ç ã o ,m a s l iv ra-nos do m al" .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 59

E s s a t e o r ia da c a u s a d e t e r m i n a n t e dos n o s so s a tos r e s s a l t a com e v i d ê n c i a de todo o ens ino q u e os espír i tos têm d a d o . N ã o só é su b l im e de m o r a l i d a d e , m a s t a m b é m , a c r e s c e n t a r e m o s , e l e v a o h o m e m aos seus p ró p r io s olhos. M o s ­t r a - o livre de s u b t ra i r - s e a u m j u g o obsesso r , com o livre é de fechar su a c a s a ao s im p o r tu ­nos . Ele d e ix a de ser s imples m á q u i n a , a t u a n d o por efeito de u m a im p u l s ã o i n d e p e n ­d e n te da s u a v o n ta d e , p a r a ser u m en te r a c i o ­na l , q u e ouve , j u l g a e e sco lh e l iv rem e n te de dois co n se lh o s um. A d i te m o s q u e , a p e s a r d i s ­to, o h o m e m n ã o se a c h a p r i v a d o de in ic ia t iva , n ã o d e ix a de ag i r p o r im pu lso p rópr io , pois q u e , em definitivo, ele é a p e n a s u m espíri to e n c a r n a d o q u e co n se rv a , sob o envo l tó r io cor­pora l , as q u a l i d a d e s e os defe itos q u e t in h a c o ­mo espírito.C o n s e g u i n t e m e n t e , as faltas q u e c o m e t e m o s têm por fonte p r i m á r i a a im p e r fe ição do n o s so p r ó p r io espírito, q u e n ã o c o n q u i s to u a s u p e ­r i o r i d a d e m o ra l q u e u m d ia a l c a n ç a r á , m a s qu e , n e m p o r isso, c a r e c e de l ivre-arb í t r io . A v i d a c o r p ó r e a lhe é d a d a p a r a se e x p u n g i r de s u a s im perfe ições , m e d i a n t e as p r o v a s por que p a s s a , im per fe ições que , p r e c i s a m e n t e , o tor­n a m m a i s fraco e m a i s a c e s s ív e l às s u g e s tõ e s de ou t ros espír i tos imperfe itos, q u e d e l a s se a p r o v e i t a m p a r a t e n ta r fazê-lo su c u m b i r na

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 60

lu ta em q u e se e m p e n h o u . Se d e s s a lu ta sa i v e n ce d o r , ele se e leva; se f racassa , p e r m a n e c e o q u e era , n e m pior, n e m melhor . S e rá u m a p r o v a q u e lhe c u m p r e r e c o m e ç a r , p o d e n d o su­c e d e r q u e lo n g o t e m p o g a s t e n e s s a a l t e rn a t iv a . Q u a n t o m a is se d e p u r a , t a n to m a i s d im in u e m os seus p o n to s fracos e t a n to m e n o s a c e s so o fe re ­ce ao s q u e p r o c u r e m a t ra í - lo p a r a o mal . N a r a z ã o de s u a e l e v a ç ã o , c resce- lhe a força m o ­ral, fazendo q u e de le se a fa s tem os m a u s e sp í ­ri tos."

N o te -se como A llan K a rd ec , a p e s a r de falar a l ­g u m a s v e ze s em livre-arbítrio em toda a sua p le n i­tude (que n ã o significa, c e r t a m e n te , a b so lu to ) , r e s ­t r i n g e e s s a p l e n i tu d e p e l a in fe r io r idade ou im p e r fe i ­ç ão do espíri to, d o n d e se v e m a e s s a r e l a t i v i d a d e do conceito , j á expos ta .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 61

V II

OS FATORES DA DELINQUÊNCIA

C o m os p r in c íp io s q u e a n t e c e d e m , j á se c o m ­p r e e n d e r á com o o esp ir i t ismo a d m i t e a t e o r i a p o s i ­t iv a dos fa to res da d e l i n q u ê n c ia .

Se em todos os a tos do h o m e m , e, p o r t a n to , do cr iminoso , h á q u e d e sc o b r i r - se a co n ju n çã o c a u s a l de e l e m e n to s d ive rsos q u e e m b o t a m o l iv re -a rb í t r io do espír i to e m od if icam s u a d i re ç ão , e se es tes e l e m e n ­tos se a c h a m r a d i c a d o s no p ró p r io in d iv íd u o e no a m b i e n t e q u e o envo lve , n ã o h a v e r á d i f icu ldade em adm it i r a f a m o s a d iv i são t r i p a r t i d a de Ferri, q u e d i s ­t i n g u e na d e l i n q u ê n c i a fa tores an t ro p o ló g ic o s , cós ­m icos e soc ia is ; é o m e s m o q u e falar dos fatores q u e i m p e d e m o a b so lu to im pér io do espíri to sobre seu l iv re-arb í t r io e d a q u e l e s q u e o a t r a e m ao delito, q u e são d e r i v a d o s da p r ó p r i a cons t i tu ição ind iv idua l , p s í q u i c a e fisiológica, da n a t u r e z a do a m b i e n t e fí­sico em q u e v ive e dos c a r a c t e r e s do a m b i e n t e social em q u e se ag i ta .

A d e t e r m i n a ç ã o d e s s e s fatores, s e g u n d o o p o s i ­t iv ismo p e n a l , a i n d a q u e nos l im i tá s sem o s aos p r i n ­c ipa i s , e de c o m o são a d m i t id o s e a p l i c a d o s p e lo es­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 62

pir i t ismo, l e v a r -n o s - ia ao c o m p le to c o n v e n c im e n to da r e a l i d a d e de les , do p o n to de v is ta da filosofia de Al lan K ardec ; e j á a p a r t i r d e s t a a n á l i s e , as co inci­d ê n c i a s t e ó r i c a s v ã o - s e fazendo c o n c r e ta s e s u r p r e ­e n d e n te s .

Fatores antrop o lóg icos — Tem os q u e d is t ingu ir no h o m e m , s e g u n d o os esp ír i tas , dois e l e m e n to s b e m distintos: o co rpo e o espíri to, u n id o s p o r um te rce i ro e l e m e n to q u e serve de v íncu lo de r e l a ç ã o en t re a m ­b o s — o perispíri to .

O espíri to é a e s s ê n c ia , o corpo a forma; o p r i ­m e i ro é o autor, o s e g u n d o o in s t ru m en to . A m b o s se influem r e c i p r o c a m e n t e em p r o p o r ç ã o de su as r e s p e c t iv a s forças, conforme o m a io r ou m e n o r a d i a n ­t a m e n t o do espíri to, ou seja, sua força consc ien te .

Ass im o e n t e n d e A l lan K a rd ec , no c ap í tu lo do Livro dos Espíritos, d e s t i n a d o a exp l ic a r a influência do organ ism o s ob re o espírito, nos s eg u in t e s p a r á ­grafos:

”367 — Unindo-se ao corpo, o espírito identifica-se com a matéria?

"A m a t é r i a n ã o é m a i s do q u e o envol tó r io de espírito, com o o ves t ido o é do corpo. O esp í­rito u n in d o - s e a corpo c o n s e r v a os a t r ib u to s da n a t u r e z a esp i r i tua l" .

368 — Depois de sua união com o corpo, exerce o espírito suas faculdades com ampla liberdade?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 63

"A e x i s t ên c ia d a s f a c u l d a d e s d e p e n d e dos ór­g ã o s q u e lhes s e rv em de in s t ru m e n to ; a g r o s s e ­r ia da m a t é r i a as deb i l i ta" .

a) — O envólucro material será obstáculo à livre manifestação das faculdades do espírito, como um vidro opaco à irradiação da luz?

"Sim, com o u m v idro m ui to o p a c o " .Pode-se comparar também a ação da matéria grosseira do corposobre o espírito à da água lodosa que priva de liberdade os movi­mentos do corpo nela submergido.

370 — Da influência dos órgãos pode induzir-se uma analogia entre o desenvolvimento dos órgãos cerebrais e o das faculdades morais e intelectuais?

"Não se c o n fu n d a o efeito com a c a u s a . O es­pí ri to tem s e m p r e as f a c u ld a d e s q u e lhe sãop r ó p r i a s . N ã o são os ó r g ã o s q u e p r o d u z e m as f a c u ld a d e s , m a s e s ta s q u e d e t e r m i n a m o d e ­s en v o lv im e n to dos ó rg ã o s " .D e d u z i r - se -á d a í q u e a d i v e r s i d a d e d a s a p t id õ e s no h o m e m d e p e n d e u n i c a m e n t e do e s t a d o do espírito?" U n ica m e n te , n ã o é o t e rm o exa to . As q u a l i ­d a d e s do espírito, q u e p o d e ser m a i s ou m e n o s a d i a n t a d o , co ns t i tuem o p r inc íp io . C u m p re , p o r é m , se t e n h a em c o n ta a in f luênc ia da m a ­té r ia q u e d i f icu l ta , m a i s ou m e n o s , o exerc íc io d a s f a c u ld a d e s " .

A o e n c a r n a r - s e , o e s p í r i t o faz c e r ta s p r e d i s p o s iç õ e s , e se p a r a cada u m a se a d m i t e u m ó r g ã o c o r r e s p o n d e n t e no c é r e b r o , o d e s e n v o l v i -

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 64

mento será efeito e não causa. Se as faculdades tivessem princí­pio nos órgãos, o homem seria máquina, sem livre-arbítrio e irres­ponsável nos seus atos.Seria preciso admitir que os maiores gênios, sábios, poetas, artistas, assim o são porque o acaso lhes deu órgãos especiais; e daí se segue que, sem eles, não seriam gênios, e que o maior dos imbecis pode­ria ter sido um Newton, um Vergílio, um Rafael, se fosse dotado de certos órgãos.Mais absurda se torna a suposição, quando se aplica às qualidades morais. Segundo esse sistema, S. Vicente de Paulo, dotado de tal ou qual órgão, poderia ter sido um malvado, e ao maior dos facíno­ras bastaria um órgão para ser Vicente de Paulo.Admita-se ao contrário, que os órgãos especiais, se existem, são consequentes, que se desenvolvem com o exercício da faculdade, como os músculos com o movimento, e a nada irracional se chega­rá. Tomemos uma comparação trivial, à força de ser exata. Por certos sinais fisionômicos se conhece o homem dado à bebida; se­rão eles que caracterizarão o ébrio ou é a embriaguez que origina os sinais? Pode dizer-se que os órgãos recebem o cunho das facul­dades.

86 — Poderia deixar o mundo corporal de existir, ou nunca ter existido, sem que se alterasse a essên­cia do mundo espírita?

"Sim, po is são i n d e p e n d e n t e s ; co n tu d o é i n c e s ­s a n te a c o r r e l a ç ã o en t re a m b o s , p o r q u a n t o r e a ­g e m i n c e s s a n t e m e n t e u m sob re o outro" .

Assim, po is , n a d e t e r m i n a ç ã o ou c a u s a do de l i ­to, e n c o n t r a m o s d u a s c la s se s de fa tores no p ró p r io in d iv íd u o d e l i n q u e n t e : as f a c u ld a d e s do espíri to e as in f luênc ias com q u e a m a t é r i a dificulta o exerc íc io de las , ou o q u e v e m a d a r no m e sm o ; caracteres psí­q u icos e fatores ou caracteres an atôm icos .

V e jam o s com o eles são e x p l i c a d o s p e lo s esp ír i tas .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 65

Caracteres psíquicos do criminoso.São os m a is im p o r tan te s e s ig n i f ic a m o a t ra so do

e s p í r i t o . O h o m e m c r i m i n o s o é a q u e l e no q u a l e n ­c a r n o u u m espíri to a t r a s a d o .

N ã o h á n e c e s s i d a d e de l e m b r a r t o d a a sér ie de c a r a c t e r e s p s íq u ic o s po s to s em re lev o po r Lom broso , M ar ro , Ferri , L a c a s a g n e etc. Todos se p o d e m r e ­duzir a u m a s ín te se : in fe r io r idade ou a t r a s o mora l .

A t ra so m o ra l q u e n e m s e m p r e signif ica a t r a so in te lec tua l .

O espir i t i smo, p o ré m , ao levar o e v o lu c io n ism o a o u t ra s v id a s ou e n c a r n a ç õ e s , a d m i te u m n o v o fa­tor p s íqu ico .

Às vezes , o espíri to d e s e n c a r n a d o , in te l e c tu a l ­m e n te p ro g re s s i s ta , l a m e n t a ter ca ído no m al , e, n a ­t u r a lm e n te , d e se ja e x p ia r su a cu lpa , v e n c e r as su­g e s tõ e s q u e o d o m i n a r a m n a e n c a r n a ç ã o p a s s a d a , e vo lu n tar iam en te se a p r e s e n t a à lu ta p e lo p r o g r e s s o mora l , p a r a c o m b a t e r no p ró p r io a m b i e n t e em que foi ven c id o , a fim de vence r , en tão , po r sua vez, a r ­m a d o da e x p e r i ê n c i a e do dese jo de p r o g r e d i r r a p i ­d a m e n t e .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 66

V I I I

CARACTERES ANATÔMICOS DO CRIMINOSO

O espir i t ismo n ã o d e s c e u aos c a r a c t e r e s a n a t ô ­micos do c r iminoso , n e m p ô d e , d e n t ro dos seus p r i n ­c íp ios , s u s t e n t a r , po r e x e m p l o , a c r im in a l id a d e dos h o m e n s com o re lh a s a s in in a s , ou a dos p la t icéfa los , p o r q u e este e s tu d o f o g e c o m p l e t a m e n t e a o s p r o b l e ­m a s co n c re to s da filosofia e sp í r i t a .

É c la ro q u e o espiri t ismo, a s s im com o os a p a i x o ­n a d o s p e l a a n t r o p o l o g i a c r im in a l , n ã o p o d e g a r a n ­tir q u e todo h o m e m q u e t e n h a ta l ou q u a l c a r á t e r fi­s ionômico , seja u m c r im inoso . E isto p o r q u e se v e e m m u i t a s v e ze s h o m e n s com físico repu ls ivo , q u e n ã o são c r iminosos , e v ice -v e r sa . E se é certo d izer-se q u e n ã o s ó os d e c l a r a d o s p e l a lei são cr im inosos , s e n ã o q u e h á m u i to s q u e e s c a p a m ao im pér io da m e s m a , e q u e e s tã o em e s t a d o la ten te , n ã o é m e n o s certo q u e o deli to é o r e s u l t a d o de u m a in f in idade de fa to res h e t e r o g ê n e o s ; a c o in c i d ê n c i a de u n s t a n ­tos n ã o b a s t a p a r a c a r a c t e r i z a r o cr iminoso , o q u e só se p o d e ob te r p e l a c o n c o m i t â n c i a de u m p o d e r o s o feixe de c a r a c t e r e s .

M a s o esp ir i t ismo diz q u e é o espír i to q u e m m o ­de la , em re g ra , o co rpo a d e q u a d o a seu e s t a d o de

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 67

p ro g r e s s o , ou q u e o espíri to se a c h a in f luenc iado p e lo ó r g ã o por q u e se h á de m an ife s ta r , a i n d a q u e ao e n c a r n a r - s e n ã o o h a j a escolh ido , e isto lhe s irva de e x p ia ç ã o .

O o r g a n i s m o a n o r m a l m e n t e defe ituoso , cujos c a r a c te re s d e m o n s t r a m , s e g u n d o a a n t r o p o l o g i a c r i ­m ina l , u m re t ro c e s so ao s e l v a g e m e ao a n im a l , em r e l a ç ã o com o e s t a d o de p r o g r e s s o físico da r a ç a , em sum a, a fo rma a t r a s a d a do corpo, p o d e ser p a r a os esp í r i ta s , p r ó p r i a t a m b é m p a r a u m espír i to a t r a s a ­do, cujo e s c a s s o a d i a n t a m e n t o é c o n t e m p o r â n e o d a s i d a d e s p r im i t ivas , e c o r r e s p o n d e ao co rpo a n a ­crônico.

Ass im, espíri to e co rpo se c o m p l e t a r i a m ; da m e s m a fo rma q u e os v e lh o s n ã o g o s t a m de vesti r conforme as e x i g ê n c i a s da m o d a a tua l , e se c o m p r a - zem nos a d o r n o s da l o n g í n q u a j u v e n t u d e , tam bém , os espíri tos q u e n ã o c h e g a r a m a a d a p t a r - s e ao p r o ­g re s so a t u a l do seu a m b i e n t e de e n c a r n a d o s , p a r e ­cem d e le i ta r - se com as a n t i g a s r o u p a g e n s c o r p o ­ra is , p r ó p r i a s de s u a s e n c a r n a ç õ e s p a s s a d a s .

E se ass im não fosse, se em um corpo de c a r a c ­te re s q u a s e s im iescos se o b s e r v a u m a p e r s o n a l i d a d e h o n r a d a , s e r á p o r q u e s u a c r i m i n a l i d a d e e s tá la­ten te , ou se t r a t a de u m espíri to e n c a r n a d o p a r a e x p ia r faltas do p a s s a d o e resistir, t r iunfan te , ao c o n s t a n t e p e r ig o d a s t e n t a ç õ e s so m á t ica s . Se, ao con trá r io , v e m o s em u m co rpo n o r m a l m e n t e co n ­fo rm ado a i n d i v i d u a l i d a d e de u m a sno , s e r á p o r ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 68

q u e se t r a t a de u m espíri to da i d a d e da p e d r a , e n ­c a r n a d o p a r a cum pr i r o m a n d a t o , de f in a l id a d e m is te r iosa , dos espíri tos su p e r io re s , v iz inhos da d i ­v i n d a d e .

Em re su m o , os c a r a c t e r e s c o rp o ra i s dos delin- q u e n t e s in d i c a d o s p e l a a n t ro p o lo g ia n ã o d e s d i z e m os p r in c íp io s do espir i t i smo, p o d e n d o ser e x p l i c a d o s e e n t e n d i d o s d i a n t e dos seus p r e c e i t o s e v o l u c i o - nis tas.

Ve ja-se com o A l lan K a r d e c e x p l ic a a c o r r e s p o n ­d ê n c i a en t re c a r a c t e r e s p s íq u ic o s e a n a t ô m i c o s :

369 — O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?

"Os ó r g ã o s são os in s t ru m e n to s de m a n i f e s t a ­ç ã o d a s f a c u ld a d e s da a l m a e a m a n i f e s t a ç ã o e s t á s u b o r d i n a d a ao d e s e n v o lv im e n to e ao g r a u de p e r fe iç ão dos m e s m o s ó rg ã o s , com o a e x c e l ê n c i a de u m t r a b a l h o à p e r fe iç ão da fer­r a m e n t a " .370 — D a influência dos órgãos poder-se-á inferir a analogia entre o desenvolvimento dos órgãos ce­rebrais e o das faculdades morais e intelectuais?

"Não c o n fu n d a o efeito com a c a u s a . O e sp í ­rito p o s su i s e m p r e as f a c u ld a d e q u e lhe são p ró p r i a s ; n ã o são os ó r g ã o s q u e p r o d u z e m as f a c u ld ad e s , m a s e s ta s q u e d e t e r m i n a m o d e ­s en v o lv im en to dos ó rg ã o s " .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 69

371 — Tem fundam ento a opinião segundo a qual os cretinos e idiotas possuem uma alma de nature­za inferior?

"N en h u m . Trazem u m a a lm a h u m a n a , com f r eq u ê n c ia m a i s in te l ig en te do q u e se p o d e crer, m a s sofrem p e l a insu f ic iênc ia de meios p a r a c o m u n ic a r - se , com o sofre o m u d o por n ã o p o d e r falar".

372 — Qual o objetivo da Providência criando se­res desgraçados como os cretinos e idiotas?

"Os q u e h a b i t a m corpos de id io ta sofrem um cas t igo . P a d e c e m p e lo c o n s t r a n g i m e n t o q u e e x p e r i m e n t a m e p e l a im p o s s i b i l id a d e de m a ­n i fes ta r -se por ó r g ã o s n ã o d e se n v o lv id o s e im­perfe itos" .

— Não é, pois, exato dizer que os órgãos não in­fluem nas faculdades?

" N u n c a o d is sem os ; inf luem e m ui to na m a n i ­fe s tação d a s f a c u ld a d e s , p o r é m n ã o as or ig i ­n a m . V e ja-se a d iferença: U m b o m m ús icon ã o e x e c u t a r á b e m com u m m a u in s t rum en to , o q u e n ã o o i m p e d i r á de ser u m b o m m úsico ."

"É preciso distinguir entre o estado normal e o patológico. No es­tado normal, o moral vence os obstáculos que a matéria lhe opõe. Há casos, porém, em que a matéria oferece tal resistência que as manifestações ficam estorvadas ou desnaturadas, como no idiotismo e na loucura. São casos patológicos, e como a alma não desfruta neles de ampla liberdade, até a lei humana a isenta da responsabi­lidade de seus atos".

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 70

375 — Qual a situação do espírito na loucura?

"O espíri to em e s t a d o de l i b e r d a d e r e c e b e d i ­r e t a m e n t e s u a s im p r e s s õ e s e e x e r ce d i r e t a m e n t e a ç ã o sob re a m a té r i a . E n c a r n a d o , p o ré m , e n ­c o n t ra - s e em c o n d içõ e s m ui to d ife rentes , e na c o n t i n g ê n c i a de u t i l iza r-se dos ó r g ã o s e s p e ­ciais. Se p a r t e ou o con jun to d e s s e s ó r g ã o s se modif ica , i n t e r ro m p e - s e com r e l a ç ã o a e les o q u e d e le s d e p e n d e . Se p e r d e os olhos , fi­ca cego , se se lhe a l t e r a o ouv ido , to rn a - s e su r ­do. I m a g in e - se , a g o r a , q u e se t r a t a do ó rg ã o q u e p r e s id e à i n t e l ig ê n c i a ou à v o n ta d e , e s e ­rá fácil c o m p r e e n d e r q u e d i s p o n d o o espíri to s o m e n te de ó rg ã o s in co m p le to s ou a l t e r a d o s , da í r e s u l t a r á u m a p e r t u r b a ç ã o de q u e e le t e rá c o n sc iê n c ia em seu foro íntimo, m a s cujo cur­so n ã o p o d e r á deter ."

— E ntão, o desorganizado é sempre o corpo e não o espírito?

"Certo. M as c o n v ém n ã o p e r d e r de v is ta que , ass im com o o espíri to a g e na m a té r i a , e s ta r e a ­ge sobre ele a té cer to pon to , e q u e o espírito p o d e im p r e s s i o n a r - s e m o m e n t a n e a m e n t e com a a l t e r a ç ã o dos ó r g ã o s por q u e se m a n i f e s t a e r e c e b e im p ressõ es . P ode a i n d a s u c e d e r que , d u r a n d o m u i to a loucura , a r e p e t i ç ã o dos m es-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 71

m os a tos e x e r ç a in f luênc ia no espíri to, de q u e s ó se l i b e r t a r á com a c o m p le t a l i b e r t a ç ã o de t o d a i m p r e s s ã o m a te r i a l " .

E n t re t an to , com m a io r a m p l i tu d e , A l la n K a rd ec , ao e x p l a n a r s u a t e o r i a da be lez a , a s s e n t a e sse s p r in c íp io s de c o r r e l a ç ã o en t re c a r a c t e r e s p s íq u ic o s e a n a tô m ic o s . Ass im, d e p o i s de co p ia r e lo q u e n t e s parágrafos de Charles Richard, do seu livro As revolu­ções in e v itá v e is no g lobo e na h u m a n id a d e , co ­menta : (1)

"Vê-se d e s t a s j u d i c io s a s o b s e r v a ç õ e s q u e o co rpo se tem m od i f icad o em sen t ido d e t e r m i ­n a d o e s e g u n d o u m a lei, à m e d i d a q u e o ser m o r a l se d e s e n v o l v e ; q u e a fo rma e x t e r n a se a c h a em r e l a ç ã o c o n s t a n t e com o ins tin to e os a p e t i t e s do ser m o r a l ; que , q u a n t o m a i s se a p r o x i m a da a n i m a l i d a d e , m a i s a fo rma se a n im a l i z a , e, enfim, à m e d i d a q u e se pur i f icam os ins t in tos m a t e r i a i s e d ã o lu g a r a o s s en t i ­m e n to s m o ra i s , a e n v o l tu r a e x te r n a , q u e j á n ã o e s tá d e s t i n a d a à s a t i s fação d a s n e c e s s i d a d e s g ro s se i r a s , r e v e s t e fo rmas m e n o s p e s a d a s , m a i s d e l i c a d a s , em h a r m o n i a com a e l e v a ç ã o e a d e l i c a d e z a dos p e n s a m e n t o s .A p e r f e i ç ã o da fo rma é a ss im c o n s e q u ê n c i a da p e r f e i ç ã o do espíri to, d o n d e se p o d e conclu i r q u e o id ea l da fo rma d e v e ser a q u e r e v e s te

(1) Obras Póstumas. ed. espanhola, 1905. Págs. 175 e 136.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 72

o espíri to em e s ta d o de p u r e z a , a q u e i m a g i ­n a m os p o e t a s e v e r d a d e i r o s ar t i s tas , p o r q u e es tes p e n e t r a m pe lo p e n s a m e n t o n o s m u n d o s su p e r io re s .Diz-se h á m ui to q u e o ros to é o e sp e lh o da a l ­m a . Es ta v e r d a d e , j á a x io m á t i ca , e x p l ic a o fato v u l g a r de d e s a p a r e c e r e m ce r ta s f e a ld a d e s ao reflexo d a s q u a l i d a d e s m o r a i s do espírito, e a p re f e r ê n c i a d a d a , m u i t a s vezes , a u m a p e s ­soa feia, d o t a d a de e m i n e n t e s q u a l i d a d e s , em vez da q u e só p o s su i a b e l e z a p lá s t i ca . É q u e a f e a l d a d e s ó consis te n a s i r r e g u l a r i d a d e s da fo rm a; n ã o exclui , p o ré m , a d e l i c a d e z a dos t r a ­ços, n e c e s s á r i o s à e x p r e s s ã o dos s e n t im en to s de l ic ad o s .D o q u e p r e c e d e p o d e conclu i r -se q u e a b e l e z a r e a l cons is te n a fo rm a q u e m a i s se a f a s ta da a n i m a l i d a d e e m e lh o r ref le te a s u p e r i o r i d a d e in te le c tu a l e m o ra l do espíri to, q u e é o ser p r i n ­cipal . Influindo o m o r a l sob re o físico, q u e ele a p r o p r i a às su a s n e c e s s i d a d e s físicas e m ora is , s e g u e - s e que : 1°, o t ipo de b e l e z a cons is te na forma m a i s p r ó p r i a à e x p r e s s ã o d a s m a i s a l ­ta s q u a l i d a d e s m o r a i s e in te lec tua is : 2°, à m e ­d id a q u e o h o m e m se e l e v a m o r a l m e n t e o seu invó luc ro se a p r o x i m a do idea l da be lez a , q u e é a a n g é l i c a .O n e g r o p o d e ser be lo p a r a o n e g ro , como um g a to p a r a outro, p o r é m n ã o é o be lo no senti-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 73

do abso lu to , p o r q u e os t raços g rosse i ros , os láb ios g ro s so s a c u s a m a m a t e r i a l i d a d e dos ins ­t intos; p o d e m expr im ir as p a i x õ e s v io len tas , n u n c a , p o ré m , as d e l i c a d a s v a r i e d a d e s do s e n ­t im e n to e as m o d e l a ç õ e s de u m espíri to e l e ­v a d o .Eis por que , p a r e c e - m e , p o d e r e m o s , sem fatui- d a d e , j u l g a r - n o s m a is b e lo s q u e os n e g r o s e ho ten to te s , m a s se rem os , ta lvez, p a r a as g e r a ­ções futuras a p e r f e i ç o a d a s o q u e os h o ten to - tes são p a r a nós; e, q u a n d o e las e n c o n t r a r e m os n o s so s fósseis, os t o m a r ã o por a l g u m a v a ­r i e d a d e de a n im a i s " .V e ja-se enfim o q u e o p r ó p r io K a r d e c d isse em

ou t ro e s tu d o in t i tu l ad o A carne é fraca : (1)"Há p e n s a m e n t o s v ic iosos q u e são e v i d e n t e ­m e n t e do espíri to, p o r q u e d izem m a i s com a m ora l do q u e com o físico; ou tros m a is p a r e c e m a c o n s e q u ê n c i a do o r g a n i s m o e por e s s a r a ­zão exis te m e n o s r e s p o n s a b i l i d a d e .Tais são as p r e d i s p o s i ç õ e s à cólera , à p r e g u i ­ça, à s e n s u a l i d a d e etc.É hoje p e r f e i t a m e n t e r e c o n h e c id o p e lo s filóso­fos e sp i r i tu a l i s t a s q u e os ó r g ã o s c e r eb ra i s , cor­r e s p o n d e n d o às d iv e r s a s ap t id õ e s , d e v e m seu d e s e n v o lv im e n to à a t i v i d a d e do espíri to. Esse d e s e n v o lv im e n to é efeito e n ã o c a u s a . Um h o m e m n ã o é m ú s ic o p o r q u e t e n h a a b o s s a da

(1) Ibid - págs. 172 e seguintes.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 74

m ús ica , m a s tem a b o s s a da m ú s i c a p o r q u e seu espír i to é mús ico .Se a a t i v id a d e do espíri to a g e sob re o cé reb ro , d e v e ag i r i g u a lm e n te sobre as d e m a i s p a r t e s do o rg a n i s m o . O espíri to é, p o r t a n to , o a r t i s ­ta do p ró p r io corpo, q u e a m o ld a , po r a ss im di­zer, com o fim de a p r o p r i á - lo às su a s n e c e s s i - d a d e s e à m a n i f e s t a ç ã o de suas t e n d ê n c i a s . Assim, a pe r fe ição n a s r a ç a s a d i a n t a d a s s e ­r ia o r e s u l t a d o do t r a b a l h o do espírito, q u e a p e r f e i ç o a seu o r g a n i s m o à m e d i d a q u e as f a c u ld a d e s a u m e n t a m . (A G ên ese seg u n d o o Espiritismo, cap . XI - G ê n e se espiritual).Por u m a c o n s e q u ê n c i a n a t u r a l des te p r inc íp io , as d i spos ições m o r a i s do espír i to d e v e m m o d i ­ficar as q u a l i d a d e s do s a n g u e , d a r - lhe m a io r ou m e n o r a t iv id a d e , p r o v o c a r u m a s e c r e ç ã o m a is ou m e n o s a b u n d a n t e de bílis e outros fluidos, como o g lu tão a q u e m c h e g a a sal iva, ou a á g u a à b o ca , à v is ta de um m a n ja r a p e ­titoso. N ã o é o m a n ja r q u e s o b re e x c i t a o ó r ­g ã o do p a l a d a r , v i s t o q u e n ã o h á c o n t a t o , é o espír i to que , pe lo p e n s a m e n t o , a t u a sob re o ó rg ã o , ao p a s s o q u e a v is ta do m a n ja r n ã o p ro d u z q u a l q u e r efeito em outro espírito. O m e s m o su ce d e com todos os ape t i tes , com t o ­dos os dese jos p r o v o c a d o s p e l a vista.C o m o ser esp i r i tua l i n d e p e n d e n t e , p r e e x i s t e n ­te e so b re v iv e n te ao corpo, a r e s p o n s a b i l i d a ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 75

de é a b so lu t a ; p a r a a m a io r i a , pois , o p r im e i ro e p r in c ip a l m ó v e l da c r e n ç a em o n a d a é o e s p a n t o q u e c a u s a es ta r e s p o n s a b i l i d a d e , fora da lei h u m a n a , e à q u a l s u p õ e m e s c a p a r fe­c h a n d o os olhos.Até hoje n e n h u m a b o a def in ição h a v i a p a r a e s t a r e s p o n s a b i l i d a d e : N ã o e ra m a i s q u e u m te m o r v a g o , fundado , é p re c i so re c o n h ec ê - lo , em c r e n ç a s n e m s e m p r e a d m is s ív e i s p e l a r a ­z ã o : o esp ir i t ismo o d e m o n s t r a com o u m a r e a ­l i d a d e p a t e n t e , efetiva, sem re s t r ição , como u m a c o n s e q u ê n c i a n a t u r a l da e s p i r i t u a l id a d e do ser; p o r isso c e r t a s p e s s o a s têm m e d o do espir i t i smo, q u e as p e r t u r b a r i a , c o lo ca n d o - lh e s em frente o te rr íve l t r i b u n a l do futuro. P ro v a r q u e o h o m e m é r e s p o n s á v e l po r todos os seus a tos é p r o v a r s u a l i b e r d a d e de açã o , e p o r t a n ­to e l e v a r s u a d i g n i d a d e . A p e r s p e c t i v a da r e s p o n s a b i l i d a d e fora da lei h u m a n a é o m a i s p o d e r o s o e le m e n to m ora l iz ad o r ; o espir i t i smo co n d u z a e sse fim p e l a força d a s coisas . S e g u n d o as p r e c e d e n t e s o b s e r v a ç õ e s fisioló­g icas , p o d e adm it i r - se , pois , q u e o t e m p e r a ­m e n to é ao m e n o s em p a r t e d e t e r m i n a d o p e l a n a tu re za do esp ír i to , que é causa e não efe ito . D izem os em p a r t e , p o r q u e h á casos em q u e o físico influi e v i d e n t e m e n t e no m ora l , q u a n d o , p o r ex., u m e s t a d o m ó r b i d o ou a n o r m a l e s tá d e t e r m i n a d o por u m a c a u s a e x t e r n a a c id e n -

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 76

tal, i n d e p e n d e n t e do espíri to, com o a t e m p e ­r a tu r a , o c lima, os víc ios h e r e d i t á r io s de c o n s ­ti tu ição , u m m a l p a s s a g e i r o etc.A m o r a l do espíri to p o d e e n t ã o e s ta r a f e t a d a em su as m a n i f e s t a ç õ e s p e lo e s t a d o p a t o l ó g i ­co, sem q u e se ja m o d i f i c a d a s u a n a t u r e z a in ­t r ínseca .E sc u sa r - s e d a s m á s a ç õ e s p e l a d e b i l i d a d e da c a r n e n ã o é m a i s q u e u m p re te x to p a r a e s c a ­p a r à r e s p o n s a b i l i d a d e . A c a r n e é fraca p o r ­q u e o espíri to é fraco, o q u e t ro c a a q u e s t ã o e d e ix a ao espír i to c o m p le t a r e s p o n s a b i l i d a d e de seus atos.A c a rn e , q u e n ã o tem p e n s a m e n t o n e m v o n ­ta d e , n u n c a p r e v a l e c e sobre a q u e l e q u e p e n ­sa e quer ; o espíri to é q u e m dá à c a r n e a q u a ­l i d a d e c o r r e s p o n d e n t e a seus ins tin tos, como u m a r t i s ta im p r im e à s u a o b r a m a t e r i a l o selo do gên io . O espíri to, l ivre dos ins tin tos da b e s t i a l i d a d e , const ró i u m corpo q u e j á n ã o é u m t i r an o p a r a s u a s a s p i r a ç õ e s , p a r a a sua e s p i r i t u a l i d a d e : ass im , o h o m e m com e p a r a v i ­ver, p o r q u e v iv e r é u m a n e c e s s i d a d e , p o r é m j á n ã o v ive p a r a comer.C o n s e r v a - s e , p o r t a n to , ín teg ra , a r e s p o n s a b i ­l i d a d e m o r a l dos a tos da v ida ; diz, po rém , a r a z ã o q u e as c o n s e q u ê n c i a s d e s t a r e s p o n s a ­b i l i d a d e d e v e m ser p r o p o r c i o n a i s ao d e s e n ­v o lv im e n to in te lec tu a l do espírito; q u a n t o m a is

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 77

i lu s t rado , m e n o s d e s c u lp á v e l , p o r q u e com a i n te l ig ê n c i a e o senso m o ra l n a s c e m as n o ç õ es do b e m e do mal, do ju s to e do injusto. O sel ­v a g e m , m ui to p ró x im o da a n i m a l i d a d e , que c ed e ao inst in to do bru to , c o m e n d o o s e m e ­lhan te , é, sem d ú v id a , m e n o s c u lp a d o q u e a c iv i l ização q u e co m e te s im p le sm e n te u m a in ­jus t iça" .

A in d a m ais . A l lan K a r d e c e s t e n d e e s ta t e o ­r ia do p a r a l e l i s m o en tre os c a r a c t e r e s do espíri to e os do corpo, ao a f i rm ar q u e o espíri to d e s e n c a r n a ­do, em su as a p a r i ç õ e s aos h a b i t a n t e s da te rra , a d o ­ta fo rmas q u e t a m b é m o b e d e c e m a este p r inc íp io .

N em o u t r a co isa se d e d u z d e s te s p a r á g r a f o s : (1) " P o d e n d o to m a r to d a s as formas, o espíri to se a p r e s e n t a sob a q u e l a q u e m e lh o r o dá a co ­nhece r , se a ss im o dese ja . E m b o ra , com o es­píri to, n ã o t e n h a n e n h u m defeito físico, a p r e ­s en ta - s e defe i tuoso , coxo, ferido com c ica tr i­zes, se é n e c e s s á r i o m o s t r a r a su a id e n t id a d e . O m e s m o q u a n t o ao v e s tu á r io .O dos espír i tos q u e j á n a d a c o n s e r v a m dos a p e t i t e s te r renos , c o m p õ e - se o r d i n a r i a m e n t e de u m a tú n ic a de lo n g a s p r e g a s f lu tuan tes com u m a c a b e l e i r a g r a c i o s a e o n d u la n t e .Os espír i tos a p r e s e n t a m - s e em g e ra l com os c a rac te r í s t i co s de sua e l e v a ç ã o , com o u m a

(1) Obras Póstumas, 1a Parte - Manifestações dos Espíritos.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz Z8

au ré o la , e q u e lhes d ã o a s p e c to de an jos res- p l e n d e n t e s e lu m in o so s ; outros , en t re t an to , se m o s t r a m de a c o r d o com su as o c u p a ç õ e s t e r r e ­n a s ; u m g u e r r e i r o a p a r e c e r á com sua a r m a ­d u ra , u m s áb io com u m livro, um a s s a s s in o com u m p u n h a l .Nos esp ír i tos s u p e r io r e s se n o t a u m a f igura for m o sa , n o b r e e t r a n q u i l a ; os inferiores têm a lgo de feroz e bes t ia l , e em cer tas o c a s iõ e s c o n se r ­v a m os s inais dos c r im es q u e c o m e t e r a m ou dos c as t igos q u e s u p o r t a r a m . Es ta a p a r ê n c i a é r e a l p a r a eles, e a s s im s u p õ e m ser o q u e m o s ­t ram, e isto se lhes t o r n a u m cas t igo" . T a m b é m se u t i l i z a e s s a c o r r e l a ç ã o e n t r e a c a ­

ra c te r í s t i c a m o ra l do espíri to e sua c a r a c t e r i z a ç ã o ex te rn a , q u a n d o A l lan K a r d e c fala da i m p r e s s ã o q u e p r o d u z i a m os espíri tos em cer tos m édiuns:

M éd iu n s s en s ív e is e im p ress ion áveis . D e s ig ­n a m - s e , ass im , as p e s s o a s su scep t ív e i s de senti r a p r e s e n ç a dos espíri tos, po r u m a v a g a im p r e s sã o , po r u m a e s p é c ie de a r re p io nos m e m b r o s , sem q u e o p o s s a expl icar . E ssa f a c u ld a d e p o d e a d q u i r i r tal sub t i leza , q u e a q u e l e q u e a e x p e r i m e n t a r e c o n h e ­ce a n a t u r e z a b o a ou m á do espíri to, a sua ind iv i ­d u a l i d a d e , como o cego r e c o n h e c e i n s t i n t i v a m e n ­te a a p r o x i m a ç ã o de ta l ou q u a l p e s s o a . U m bom espíri to p r o d u z s e m p r e u m a im p r e s s ã o doce e a g r a ­dável ; a do m a u é d e s a g r a d á v e l e p e n o s a ; é com o se e s t ives se n u m a m b i e n t e im puro" .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rt iz 79

IX

O HOMEM C RIM INO SO

Do exposto , fac i lmente se d e d u z q u e o delito n ã o é p a r a o espir i t i smo u m a a b s t r a ç ã o que tem e x is t ên c ia a p e n a s n a lei, como e n t e n d i a m cer tos p e n a l i s t a s ; ao contrár io , como j á p e n s a m hoje os m o d e r n o s c r im inologis ta s , o deli to é o s in tom a de u m a a n o m a l i a an ti ssocia l , isto é, o deli to d e s a p a ­rece como e n t id a d e de v id a p r ó p r i a p a r a d a r lu g a r ao h o m e m criminoso, no q u a l te m o s q u e e s tu d a r o m óve l do deli to, s u a t e r a p ê u t i c a e s u a profi laxia .

P a r a os esp ír i tas , com o p a r a os pos i t iv is tas da c r imino log ia , existe o h o m e m criminoso, o h o m e m qu e co m ete delitos, p o r q u e e s t á em sua n a t u r e z a cometê- los , p o r q u e r e s p o n d e , po r h á b i to ou p a ix ão , às so l ic i tações do a m b i e n t e social em q u e se agita , ou por a c id e n te do a ca so , como u m espíri to a t r a ­sa d o em su a e v o lu çã o m o ra l .

Bem p o d e m dizer os esp ír i ta s como o au to r do já c i tado es tudo , A n oção do crime sob o ponto de vista evolucionista:

"N orm a lm en te , o e s t a d o cr iminal é inato ; e s s a t e n d ê n c ia , en t re tan to , n ã o é p a t o ló g ic a n e m efeito

PEN SE - Pensam ento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 80

de d e g e n e r e s c ê n c i a , m a s s im p le sm e n te u m a d e ­t e n ç ã o p a r c i a l no d e s e n v o lv im e n to da evo lução , em u m ind iv íduo q u e se a c h a a t r a s a d o com r e l a ç ã o ao m e io n o r m a l da s o c i e d a d e em q u e v ive .

N ã o h á confundir e s s a n a t u r e z a c r im ina l do h o m em , a d m is s ív e l p a r a os esp ír i tas , com a fa ta l i ­d a d e de seus crimes, no sen t ido a b so lu to do t e rm o . N e m todo d e l in q u e n te de l inque , e m b o r a isto p a r e ç a u m p a r a d o x o .

Da mesma forma que para os positivistas, um h o m e m p o d e ser criminoso, p r e d i s p o s to ao deli to po r seus c a r a c t e r e s p e s s o a i s , sem c h e g a r a cair n a s m a l h a s do cód igo p e n a l , g r a ç a s a u m a a ç ã o fav o ­rá v e l do a m b i e n t e q u e n e u t r a l i z a e a m o r t e c e a e s ­p o n t a n e i d a d e de seus im pulsos an t issoc ia is . Pode ass im, p a r a os k a r d e c i s t a s , e s ta r u m espíri to p r e ­p a r a d o p a r a a d e l i n q u ê n c i a e n ã o ca i r n a s t e n t a ­ções m a l sã s , p e l a b o n d a d e confor tan te de u m a m ­b ie n te a t ivo de mora l .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rt iz 81

X

ATAVISMOS DOS CRIMINOSOS

O h o m e m criminoso, s e g u n d o os esp ír i tas , n ã o é m a is do q u e u m a t r a s a d o , u m espíri to que , em r e l a ç ã o com seu e s t a d o de e v o lu çã o mora l, signifi­ca u m d e m o r a d o , que p e r m a n e c e u es tac ionár io , im ob i l izado no e s t a d o m o r a l d a s i d a d e s p a s s a d a s ; é um espíri to p a r a o q u a l foram vãs as r e i t e r a d a s e n c a r n a ç õ e s em n o s so m u n d o ou em outro a n á lo g o , e pe rs is te a fe r ra d o ao p r o c e d im e n t o de e n c a r n a ­ções r em otas .

Se ass im é, com efeito, se a e x p l i c aç ão da d e - l in q u ê n c ia é p re c i s a e franca por p a r t e dos esp ír i ­tas, o b se rv e - se com o em s u a filosofia, a b a s e da i n t e r p r e t a ç ã o c r im ino lóg ica é a t e o r ia do a tav i sm o , t ão c a r a a L om broso e seus discípulos.

Os cr iminosos , p a r a os espír i tas , são seres a t á ­vicos, que r e t ro c e d e m m o ra lm e n te , n ã o em re l a ç ã o ao p róp r io p ro g res so , p o r q u e o espírito n ã o r e g r i ­de n u n c a , s e g u n d o Al lan K ardec , m a s em re l a ç ã o aos d e m a i s espíri tos e n c a r n a d o s n a s o c i e d a d e em que todos v ivem juntos , e onde a m a io r i a c h eg o u a um nível m ora l m a is alto.

PEN SE - Pensam ento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 82

Há, po is , u m a t a v i s m o esp ir i tua l , com o é cer to q u e há u m a t a v i s m o co rpo ra l , e se no c rân io dos c r iminosos se e n c o n t r a com f r eq u ê n c ia a fosseta o c c i p i t a l m e d i a n a p r ó p r i a de r a ç a s e x t in t a s , t a m b é m se p o d e r i a m e n c o n t r a r espíri tos com c a r a c t e r e s p r ó ­pr ios dos da i d a d e d a s c a v e r n a s .

C la ro é, p o rém , q u e e sses a t a v i s m o s n ã o se d e v e m e n t e n d e r no sen t ido a b so lu to da p a l a v r a , de m o d o q u e o c r im inoso e m p e d e r n i d o dos n o sso s d ia s r e p r o d u z a com f ide l idade ex a ta , em seu corpo e em seu espírito, t ipos p ró p r io s da p a leo n to lo g ia , m a s o a t a v i s m o c r im ina l dos espíri tos d e v e exp l i ­car -se como o lo m b ro s ia n o , s e g u n d o a fórmula g e ­n ia l de Fe rre ro , u m a t a v i s m o por e q u iv a l e n t e s , de m o d o q u e a d e l i n q u ê n c i a de n o s so s d ia s n ã o se rá a r e p r o d u ç ã o fiel de a tos p ré-h is tó r icos , s e n ã o a r e s u l t a n t e da r e l a ç ã o en t re o a m b i e n t e a tu a l e os espír i tos primit ivos. N es te sentido, u m a vez a i n d a se h a r m o n i z a m p e r f e i t a m e n t e o m a te r i a l i s m o p o s i ­t ivis ta de Lom broso e o e sp i r i tu a l i sm o re l ig ioso de Allan K ardec .

O espir i t i smo p o d e a té ir a lém de sse a t a v i s m o p a leo n to ló g ico , com o Sergi, po r exem plo , q u e q u e r u l t r a p a s s a r o a t a v i s m o de Lom broso , com sua t e o ­r ia do a t a v i s m o p r é - h u m a n o ; p o r q u e o espir i t i smo é f r a n c a m e n te e v o lu c io n is ta e a b r a ç a a e s c a l a e v o ­lu tiva h u m a n a e t o d a a e s c a l a da zoologia ; des ta r te .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 83

não seria impossível admitir um atavismo espiritual pré-humano, como claramente sustenta um espírita de grande cultura científica, Gabriel Delanne, em sua curiosa obra A Evolução Anímica.

Neste sistema evolucionis ta têm necessa r ia ­mente explicação espiritista as teorias da equiva­lência ps íquica do delinquente com o selvagem e com a criança, tão grata a certos antropologis tas, porque re f le tem estados de involução espíri ta, o p r im eiro em re lação com a m a io r ia dos sem e­lhantes que habitam este planeta e o terceiro em relação com os homens de pleno desenvolvimento da própria raça e da sociedade.

E o espiritismo pode chegar, na magnitude de sua concepção evolucionista, a um atavismo mais radical e com o qual não sonhou certamente o gê ­nio de Lom broso , o atavismo interp lanetár io . A d­mit ida a plura lidade de mundos habitados pelos espíritos e admitindo-se o diferente grau de pro­gresso moral e intelectual, que, segundo os espíri­tas, existe nesses infinitos mundos, e ainda admi­tindo-se a possib il idade da encarnação em um ou em outro mundo segundo as necessidades de sua transmigração, não será possível acreditar que cer­tos monstros da criminalidade, entre nós, sejam a encarnação de espíri tos proceden tes de um mundo pior, mergulhado no atraso moral?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 84

Se n o s dizem, po r exem plo , q u e M ar te e s tá m e n o s a d i a n t a d o q u e a T e r r a e q u e e s ta o é m e n o s que V ên u s , n ã o é cab ív e l c o n c e b e r q u e a e n c a r ­n a ç ã o de u m espíri to e x - m a r c i a n o na T e r ra h á de ocas iona r , po r exem plo , o n a s c i m e n t o de um n o v o Jack, o estripador? E a e n c a r n a ç ã o de um de n o s ­sos espíri tos n o r m a i s de h om em do M undo, no solo de V ênus , n ã o ser ia, a c a s o , p a r a os v en u s in o s , o q u e p a r a nós s ignif icar ia a a p a r i ç ã o a t á v i c a de um sáti ro c a p r in o e de chifres n a s n o s s a s p o v o a d a s ruas?

A l lan K a r d e c e x p õ e c l a r a m e n t e su a te o r ia a ta - v ís t ica do c r im inoso no n.° 272 de O L ivro dos E sp í­ritos:

272 — Poderiam nascer entre nossos povos civiliza­dos espíritos que procedessem de mundo inferior à Terra, ou de um povo muito atrasado, como os cani­bais?

"Sem d ú v id a . A lg u n s há q u e se e x t r a v ia m por q u e r e r subir mui to . F icam, e n tão , d e s lo c a d o s , p o r p o s su í r e m c o s tu m es e ins tin tos d i fe rentes dos outros.

Tais se res nos o fe recem o tr iste e x e m p l o da fe­r o c i d a d e em m e io à c iv il ização. R e n a s c e n d o en t re os c a n ib a i s , n ã o r e t r o c e d e r i a m ; v o l t a ­riam, a p e n a s , a o c u p a r seu v e r d a d e i r o pos to e com isso g a n h a r i a m " .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 85

XI

A HEREDITARIEDADE CRIMINAL

C o m p r e e n d e r - s e - á como o evo lu c io n ism o e sp í ­r i ta p o d e t a m b é m ex p l ic a r a h e r a n ç a c riminal, a té cer to p o n to c o m p r o v a d a p e l a an t ro p o lo g ia . Digo a té cer to pon to , p o r q u e , se é certo q u e a c i ên c ia d e s ­cobr iu q u e a h e r e d i t a r i e d a d e p s ico ló g ica existe, p e l a p e r s i s t ê n c i a de c a r a c t e r e s n a m e s m a família, e a té nos m e s m o s povos , a t r a v é s do t e m p o e d a s g e r a ­ções , n ã o é m e n o s cer to q u e as leis dá h e r a n ç a n ã o e s tã o d e s c o b e r t a s como e s tá o fenôm eno .

O m e s m o s u c e d e aos e sp í r i ta s q u e t r a t a m da h e r a n ç a e sp ir i tua l , po is se a d m i t e m e s s a p e r s i s t ê n ­c ia de c a r a c t e r e s e sp i r i tua is n o s ind iv íd u o s q u e for­m a m as famílias e os povos , n ã o a d m i te m , e n t r e ­tan to , q u e e la seja fatal e s u b m e t i d a à r e g u l a r i d a d e c o n h e c id a .

O q u e d e t e r m i n a a e n c a r n a ç ã o de v á r io s c a r a c ­t e re s p a r e c id o s , s e n ã o igua is , em u m a família ou em um povo , é o q u e se p o d e r i a c h a m a r a lei espir i t is ta d a s a f in id a d e s ou s im p a t ia s .

Os esp ír i tos q u e e n c a r n a m l iv rem en te p r o c u r a m seus s e m e l h a n t e s em a d i a n t a m e n t o e c a r á t e r ; p o ­d em r e e n c a r n a r n a m e s m a família h u m a n a a que

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 86

j á p e r t e n c e r a m , p a s s a n d o a a n i m a r , talvez, o corpo dos próprios netos ou outros pa ren tes menos próximos.

Ass im se exp l ica q u e h a j a famílias o n d e têm m o r a d a to d a s as d e g r a d a ç õ e s ou to d a s as v i r tudes : e ssa h e r e d i t a r i e d a d e ps ico lóg ica , com o o d e m o n s ­tram os a n t ro p ó lo g o s e a d m i t e m os esp ír i tas , n ã o é fatal e v i g o r o s a m e n t e e q u iv a l e n t e , no sen t ido de q u e u m p a t r i a r c a a s s a s s in o t e n h a q u e ram if ica r -se em to d a u m a famíl ia de a s s a s s in o s , ou s e q u e r de c r imi­n osos ; m a s u m a h e r a n ç a q u e se p u d e r a dizer, po r e q u iv a l en te s , a d o t a n d o a feliz e x p r e s s ã o de F e r re ro sobre o a t av i sm o , de m o d o que, de um p a i ferido por u m a d e g e n e r e s c ê n c i a q u a l q u e r ou por a t r a so mora l, su rge com f r eq u ê n c ia u m a d e s c e n d ê n c i a t o m a d a de diferentes formas de d e g e n e r a ç ã o p s ico ló g ica — delitos, prostituição, epilepsia, loucura, vad iagem etc.

T a m b é m n ã o é a b s o l u t a a h e r a n ç a p s íq u ica , p o r q u e su as leis, se ex is tem, são d e s c o n h e c i d a s e p e rm i te m g r a n d e s s u r p r e s a s e d e c e p ç õ e s , fazendo n a s c e r de la res h o n r a d o s g r a n d e s criminosos , e de famílias c o r ro m p id a s , m o d e lo s de v i r tudes .

Os e sp í r i ta s e x p l icam isso de vá r io s m o d o s ; a e n c a r n a ç ã o do d e l i n q u e n t e em famíl ia h o n r a d a , por exem plo , é d e s e j a d a p o r q u e ele p e n s a a p r o v e i t a r na v id a t e r r e n a a tu te la da v i r tude , ou se rá im p o s ta co ­m o p r o v a e dor p a r a a famíl ia h o n r a d a , ou por a m ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 87

b a s as coisas. E a e n c a r n a ç ã o do h o n r a d o entre os vic iosos , po r q u a i s q u e r outros t an to s v ice -ve r sa s .

V e ja - se A l lan K a r d e c em c o r r o b o r a ç ã o do e x ­p o s to :

207 — Com frequência os pais transmitem aos f i ­lhos a semelhança física. Transmitem também a moral?

"Não, p o r q u e têm A lm a s ou espíri tos d i fe ren ­tes. O corpo p r o c e d e do corpo, m a s o espíri to n ã o p r o v é m do espírito. Ent re os d e s c e n d e n ­tes de u m a r a ç a s ó existe c o n s a n g u i n i d a d e " .

— D e onde procedem as semelhanças morais que existem às vezes entre pais e filhos?

"São espíri tos s im pá t icos , a t r a íd o s p e l a s e m e ­l h a n ç a de inc l inações" .

209 — Por que pais bons e virtuosos têm filhos de natureza perversa? Por outra: p o r que as boas qualidades dos pais não atraem sempre, em virtude da simpatia, um bom espírito para lhes animar o

filho?

"Um espíri to m a u p o d e p e d i r b o n s p a i s com a e s p e r a n ç a de que , com seus conse lhos , se en ­c a m i n h e melhor . E m u i t a s v e ze s D eus o co n ­cede .

211 — De onde procede a semelhança de caráter que existe com frequência entre irmãos, principal­mente se são gêmeos?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 88

"São espíri tos s im pá t icos q u e se a t r a e m p e la s e m e l h a n ç a de s e n t im e n to s e q u e se sen tem felizes e s t a n d o ju n to s " .

260 — Como pode o espírito desejar nascer entre gente de má vida?

"É p rec iso q u e seja e n v i a d o a u m m e io o n d e p o s s a sofrer a p r o v a q u e p e d iu . Pois b em , é n e c e s s á r io q u e h a ja a n a l o g i a . P a r a lu ta r con t ra o inst into do ro u b o é mis te r e n c o n t r a r p e s s o a s com a m e s m a índole" .

T a m b é m se rá e s ta a e x p l i c a ç ã o do c a r á te r m a n ­tido por p o v o s e r a ç a s , p e l a lei da s im p a t i a dos esp í­ritos. Se, p o r t a n to , L om broso exp l ica a r a z ã o por que ce r tas c id a d e s são, h i s to r i c a m e n te , foco de cri­m es ou oás is de h o n ra d e z , do m e s m o m o d o p o d e m explicá-lo os espír i tos, sem pô r de la d o a sua crença .

Assim, e sc re v e Al lan Kardec :

215 — Donde procede o caráter distintivo que se observa em cada povo?

"Os espír i tos fo rm am t a m b é m famílias p e l a se ­m e l h a n ç a de s u a s t e n d ê n c i a s m a i s ou m e n o s p u r a s , conforme a e l e v a ç ã o q u e p o s s u a m . Pois b em . U m p o v o é u m a g r a n d e famíl ia o n ­de se r e ú n e m espíri tos s im pá t icos . N a t e n d ê n ­c ia q u e e s s a s famílias a p r e s e n t a m p a r a se uni-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 89

rem, e s t á a o r ig em da s e m e l h a n ç a q u e existe com o c a r á t e r d is t in tivo de c a d a povo . P e n s a q u e os espír i tos b o n s e h u m a n i t á r i o s b u s c a r ã o um p o v o r u d e e g rosse i ro?N ão . Os espíri tos s im p a t i z a m com as colet iv i­d a d e s com o s im p a t i z a m com os ind iv íduos , e a q u e l a s lhes p r o p o r c i o n a m o m e io q u e d e s e ­j a m " .

E em outro e s tudo : (1)

"M ui tas vezes se r e n a s c e n a m e s m a fam í l ia ou os m e m b r o s da m e s m a fam í l ia r e n a s c e m ju n to s p a r a const i tu ir n o v a famíl ia em d i fe ren te p o s i ­ção socia l , com o fim de es t re i tar os laços de afeto e r e p a r a r c u lp a s re c íp ro c a s .Por c o n s i d e r a ç õ e s de o r d e m g e ra l , r e n a s c e o espírito, po r vezes , no m e s m o m eio , na m e s m a n a ç ã o , n a m e s m a r a ç a , p o r s im p a t ia , p a r a co n ­t in u a r com os e l e m e n to s j á e l a b o r a d o s , os e s ­tu d o s feitos, a fim de a p e r f e i ç o a r - s e e p r o s s e ­gu ir nos t r a b a l h o s c o m e ç a d o s e q u e a b r e v i ­d a d e da v id a ou as c i r c u n s t â n c i a s n ã o d e i x a ­r a m concluir . Es ta r e e n c a r n a ç ã o no m e s m o m eio é a do c a r á t e r dist in tivo dos p o v o s e da s r a ç a s . C o m a m e l h o r a p ro g r e s s i v a , os ind iv í ­d u o s c o n s e r v a m os ca rac te r í s t i c o s pr im it ivos , a té q u e o p r o g r e s s o os t r a n s fo rm a c o m p l e t a ­m en te .

(1) Obras Póstumas, págs. 187 e 188.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 90

O s f ranceses de hoje são os do ú lt im o século , os da I d a d e M éd ia , os dos t e m p o s dru íd icos ; são os a lg o ze s e as v í t im as do feuda l i sm o , os q u e e s c r a v i z a r a m os p o v o s e l u t a r a m por e m a n c ip á - lo s , q u e v o lv e r a m à F r a n ç a t r a n s ­fo rm ada , o n d e u n s e x p ia m em h u m i ld e s p o s i ­ções o o rgu lho da r a ç a , e ou tros d e s f ru tam o p ro d u to de seus esforços.Q u a n d o se p e n s a nos c r imes d e s s e s t em p o s , em q u e a v i d a dos h o m e n s e a h o n r a d a s fa­míl ias n ã o m e r e c i a m n e n h u m a conta , em q u e o fana t i sm o l e v a n t a v a fogue i ra s em h o n r a da d iv in d a d e ; q u a n d o se p e n s a em todos os a b u ­sos do po d e r , em to d a s as in jus tiças c o m e t id a s com d e s p r e z o dos m a i s s a g r a d o s direi tos , q u e m p o d e e s ta r certo de n ã o te r t o m a d o p a r t e em tu d o isso, e q u e m se a d m i r a r á de ve r g r a n ­des e te r r íve is e x p ia ç õ e s co le t ivas?Mas , de s e m e l h a n t e s co n v u lsõ e s socia is há s e m p r e um m e lh o r a m e n to ; os espír i tos e s c l a ­r e c e m - s e com a e x p e r iê n c ia ; a d e s g r a ç a é o e s t ím ulo q u e os co n d u z a p r o c u r a r r e m é d i o p a r a seus m a le s ; ref le tindo n a e r r a t i c id a d e , t o ­m a m n o v a s r e so lu çõ e s , e q u a n d o r e e n c a r n a m , p r o c e d e m com m a i s ace r to , de g e r a ç ã o em g e ­r a ç ã o .

N ã o se p o d e d u v i d a r q u e h á famílias, c id a d e s , n a ç õ e s e r a ç a s c u l p a d a s , p o r q u e , d o m i n a d a s pe lo o rgu lho , pe lo ego ísm o, p e l a a m b i ç ã o , p e l a

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 91

cobiça ; v ã o po r m a u c a m i n h o e fazem c o le t iv a ­m e n t e o q u e faz i s o l a d a m e n t e o ind iv íduo . U m a famíl ia e n r i q u e c e a e x p e n s a s de out ra , u m p o v o s u b j u g a outro povo, l e v a n d o - lh e a d e s o l a ç ã o e a ru ína ; u m a r a ç a p r o c u r a a n i ­q u i la r a ou t ra " . (O b ra s P ó s tu m a s).

Expl ica , enfim, m a i s s e g u r a m e n t e , a o r ig em e s ­p i r i tu a l da s r a ç a s :

"A in d a q u e os p r im e i r o s c h e g a d o s fossem p o u ­co a d i a n t a d o s , p e lo fato de e n c a r n a r e m em corpos m ui to imperfe itos , d e v e r i a h a v e r en t re e les d i fe re n ç as sens íve is n o s c a r a c t e r e s e n a s a p t id õ e s , s e g u n d o o g r a u de d e s e n v o lv im e n to m o ra l e esp ir i tua l ; os espír i tos s e m e l h a n t e s a g r u p a r a m - s e , n a t u r a l m e n t e , po r a n a l o g i a e s im pa t ia . A T e r r a viu-se p o v o a d a de di fe ren­tes c a t e g o r i a s de espíri tos, m a i s ou m e n o s a p to s ou r e b e l d e s ao p ro g r e s so . Os co rpos a d q u i r e m , n a t u r a l m e n t e , a a p a r ê n c i a e a for­m a c o r r e s p o n d e n t e ao c a r á t e r do espíri to q u e os a n im a , e, p e l a r e p r o d u ç ã o s e g u n d o o t ipo re sp ec t iv o , r e s u l t a r a m d ife ren tes r a ç a s , com seus c a r a c t e r e s físicos e m o ra i s . Os espíri tos s imi­la re s q u e c o n t i n u a r a m a e n c a r n a r - s e , de p r e ­fe rênc ia en t re seus afins, p e r p e t u a r a m o c a r á ­ter dis t intivo, físico e m o ra l da s r a ç a s e dos povos , q u e n ã o se p e r d e com o t r a n s c u r s o do

(1) A Gênese - págs. 212 e 213.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rt iz 92

tem po , a n ã o ser p e l a fusão e o p r o g r e s s o dos espíri tos". (Revue Spirite, ju lh o de 1860, p á g . 198). P o d e r ia m c o m p a r a r - s e os espír i tos q u e v ie ram p o v o a r a t e r ra às e x p e d iç õ e s de e m i g r a n t e s de d iv e r s a s o r igens , q u e se v ã o e s t a b e l e c e r n u m a r e g i ã o v i rgem . E n c o n t r a m aí m a d e i r a s , p e ­d ras e ou tros m a te r i a i s p a r a constru ir su a s h a ­b i t a ç õ e s ; c a d a um, p o ré m , dá à su a um c u n h o p rópr io , conforme o r e sp ec t iv o g r a u de s a b e r e in te l igênc ia . A g r u p a m - s e por a n a l o g i a de o r ig en s e de gostos, e a c a b a m po r formar t r i ­bos, e m a is t a rde , p o v o s com seu c a r á t e r e cos ­tu m e s p e cu l i a re s .O p r o g r e s s o n ã o tem sido un i fo rm e em to d a e sp é c ie h u m a n a ; as r a ç a s m a i s in te l igen tes têm n a t u r a l m e n t e a v a n ç a d o , sem con ta r q u e os espír i tos r e c é m - n a s c i d o s na v id a esp i r i tua l v i e r a m r e e n c a r n a r na Terra , d e p o i s dos p r im e i ­ros p o v o a d o r e s , fazendo m a is sens íve l a dife­r e n ç a do p ro g res so .S e r ia impossível, com efeito, supo r q u e os se l­v a g e n s , q u e m a l se d i s t in g u e m dos m a c a c o s , t e n h a m , na c r iação , a m e s m a a n t i g u i d a d e dos ch ineses , e m ui to m e n o s a dos e u r o p e u s civi­l izados.E sses espír i tos de s e lv a g e n s , e n t re tan to , p e r ­t e n c e m t a m b é m à h u m a n i d a d e ; e les a t in g i r ã o um d ia o n íve l dos q u e os p r e c e d e r a m , não ,

PEN SE - Pensam ento Socia l Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rt iz 93

p o r é m , e m c o r p o s da m e s m a r a ç a f í s i c a , i m ­p ró p r io s a certo d e se n v o lv im e n to in te lec tua l e mora l .Q u a n d o o in s t ru m en to n ã o e s tá m a is em r e ­l a ç ã o com seu d e s e n v o lv im e n to , e m i g r a r ã o de sse m eio p a r a e n c a r n a r - s e em u m g r a u su­p e r io r , e a ss im s u c e s s i v a m e n t e , a t é q u e t e ­n h a m c o n q u i s t a d o todos os g r a u s te r re s t r e s , d ep o is dos q u a i s d e i x a r ã o a T e r ra p a r a p a s s a r a m u n d o s c a d a vez m a i s a d i a n t a d o s " . (Revue Spirite, abri l de 1862, p á g . 97)

PEN SE - Pensam ento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 94

XI I

C L A S S E S DE C R I M I N O S O S

C o m p r e e n d e r - s e - á , a g o r a , como é poss íve l o u ­t ra i n e s p e r a d a c o in c i d ê n c ia en tre o pos it iv ismo p e ­na l e o espir i t i smo criminal, q u e se o b s e r v a na c l a s ­s if icação de d e l i n q u e n t e s . T a n to q u a n t o eu sei, os esp í r i ta s n u n c a se o c u p a r a m em no tá - la , m as , ev i ­d e n t e m e n t e , p o d e m adm it i r - se , den t ro do espir i t i smo, d iv e r s a s c lass i f icações de c r iminosos , p r ó p r i a s da c iên c ia m a te r ia l i s t a , e s p e c i a l m e n t e a f a m o s a de Ferri, em cinco g ru p o s , a saber , natos, loucos, h a b i­tuais, o ca s io n a is e p a ss io n a is .

Se d i s se rm o s aos c ren tes d a s re l ig iões m a is em voga , q u e h á h o m e n s q u e n a s c e m c r im inosos e q u e o serão , fa ta lm en te , t o d a a v ida , a c r e d i t a r ã o ouvir u m a b la s fêm ia . Ao contrá r io , os esp ír i tas , cuja c o n c e p ç ã o da d i v i n d a d e e dos h o m e n s e s tá mui to m a is suti l izada , d i rão q u e b e m p o d e ser. N ão a c r e ­d i t a r ã o em espíri tos c r im inosos n a to s , m a s em h o ­m e n s d e l in q u e n te s na tos .

Cabe, e fe t ivam en te , na filosofia re l ig io sa e s ­pír i ta a id e ia do h o m e m c r im inoso na to , como em n e n h u m a das re l ig iões do n o s so a m b ie n te . Estas,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 95

q u e n ã o a d m i t e m a p l u r a l i d a d e d a s e n c a r n a ç õ e s , c o n c e b e m o n a s c i m e n t o do h o m e m com o o n a s c i ­m e n t o t a m b é m do espíri to; c la ro q u e este, s e g u n d o dizem, v e m ao m u n d o com o u m livro em b ra n c o , no q u a l a a l m a e s c r e v e r á o q u e d i ta r sua l ib é r r im a v o n t a d e e, confo rm e for a obra , a s s im s e rá a c e n ­su ra i r remiss íve l e def in it iva no d ia do ju ízo final.

M as , os e sp í r i ta s s e p a r a m o n a s c i m e n t o do h o ­m e m do n a s c i m e n t o do espíri to e s u s t e n t a m que , em corpos novos , e n c a r n a m espíri tos ve lhos , de c e n t e n a s de e n c a r n a ç õ e s p r o g r e s s i v a s a té m e r e c e r a h o n r a de u m a e n c a r n a ç ã o n e s t e p o b r e m u n d o .

A dm it indo , a in d a , com o p r in c íp io e s s e n c ia l de sua do u t r in a , o ev o lu c io n ism o dos espíri tos, facil­m e n te se p o d e exp l ica r a p o s s ib i l i d a d e e a té a fre­q ü ê n c i a de m u i to s h o m e n s c r im inosos n a to s , p o r ­que , ao n a s c e r e m n e s te m u n d o , t r a z e m u m espí­ri to a t r a s a d o , m e r g u l h a d o no erro m o ra l da delin- q u ê n c i a , t ã o p r o f u n d a m e n t e , q u e , com p r o b a b i l i ­d a d e s q u a s e dec i s iv a s , p o d e - s e dizer q u e a t r a v e s ­s a r ã o a v i d a na e s t e i r a do crime, visto q u e e s ta s e r á m u i to c u r ta p a r a a r e g e n e r a ç ã o de q u e m se m a n ­tém em d e g e n e r a ç ã o tão atroz.

Os s eg u in t e s tex tos de A l lan K a r d e c d o c u m e n ­ta m a te o r ia do h o m e m cr im inoso na to :

"Não é r a c i o n a l c o n s id e r a r a in fânc ia com ou m e s t a d o n o r m a l da consc iênc ia . N ã o v e ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rt iz 96

m os c r i a n ç a s d o t a d a s dos p io re s ins tin tos em id a d e n a q u a l a e d u c a ç ã o n ã o p o d e r i a exer­cer q u a l q u e r influência? N ã o as v e m o s , q u e p a r e c e m h a v e r t raz ido ao n a s c e r a a s tú c i a , a fa ls idade , a pe r f íd ia e a t é os ins tin tos do r o u ­bo e do a ssa ss ín io , n ã o o b s t a n t e os b o n s e x e m ­plos de q u e e s tã o c e r c a d a s ? A lei civil lhes a b so lv e os crimes, p o r q u e , s e g u n d o diz, a g e m sem d is ce rn im en to . E tem r a z ã o p o r q u e , com efeito, o b r a m m a is por ins tinto q u e d e l i b e r a ­d a m e n t e . De o n d e p o d e m provir , po rém , tão d ife ren tes ins tin tos de c r i a n ç a s da m e s m a i d a ­de, e d u c a d a s n a s m e s m a s co n d içõ es e s u b m e ­t idas às m e s m a s in f luênc ias? De onde , a n ã o ser da in fe r io r idade do espírito, p r o m a n a e s s a p e r v e r s i d a d e p reco ce , p o s to q u e n e l a n ã o in­terfira a e d u c a ç ã o ?

H á vic iosos p o r q u e seus espír i tos p r o g r e d i r a m m e n o s ; sofrem, en tão , as c o n s e q u ê n c i a s , n ã o de seus a tos de c r i a n ça s , m a s as de su a s ex is ­tê n c i a s a n t e r io r e s ; a ss im existe u m a lei ig u a l p a r a todos e a todos a l c a n ç a a ju s t i ç a de Deus."

228 — Conservam, os espíritos algumas de suas paixões humanas?

"Os espír i tos e le v a d o s , ao d e ix a r e m o invólucro m a te r ia l , a b a n d o n a m as m á s p a i x õ e s e s ó c o n ­s e r v a m as b o a s ; os espír i tos inferiores, po rém ,

PEN SE - Pensam ento Socia l Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 97

as c o n s e r v a m , sem o q u e p e r t e n c e r i a m à p r i ­m e i r a c a te g o r i a . "

229 — Por que os espíritos, ao deixar a terra, não abandonam suas más paixões, desde que lhes veem os inconvenientes?

"Nesse m u n d o h á p e s s o a s e x c e s s i v a m e n t e in ­v e josas . P e n s a que , ao a b a n d o n á - l o , p e r d e m ta l defeito? D e i x a n d o a Terra, e n v o lv e a q u e ­les q u e p o s s u í r a m p a i x õ e s d o m i n a n t e s , u m a e sp é c ie de a tm osfera , q u e os faz c o n s e r v a r e s ­sas co isas m á s , visto q u e o espíri to n ã o e s tá c o m p l e t a m e n t e d e s p r e n d i d o de la s , e s ó em cer tos m o m e n t o s e n t r e v ê a v e r d a d e , q u e lhe a p a r e c e com o q u e p a r a e n s in a r - lh e o b o m c a ­m in h o " .

362 — Qual a origem das boas e más qualidades morais do homem?

"São as do espíri to n e le e n c a r n a d o . Q u a n t o m a i s p u r o é, m a i s p r o p e n s o ao b e m é o h o ­m em".

Segue-se daí que o homem de bem é a encarnação de um espírito bom, e o mau a de um vicioso?

"Sim. Dirá m e lh o r — um espír i to imperfe ito , p o is de outro m o d o , p o d e r - s e - i a crer em esp í­ri tos s e m p r e m a u s , a q u e c h a m a m d e m ô n io s " . 362 — Qual o caráter dos indivíduos em que encar­nam espíritos desassizados e levianos?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 98

"Estúrdios , t r a v e s s o s e n ã o r a r o m alfe i to res"

365 — Por que homens muito inteligentes, que re­velam um espírito superior, são ao mesmo tempo profundam ente viciosos?

"É q u e o espíri to e n c a r n a d o n ã o é b a s t a n t e p u r o e o h o m e m c e d e à in f luênc ia de outros espír i tos p iores . O espíri to p r o g r id e a s c e n ­d e n d o in s e n s iv e lm e n te ; o p r o g r e s s o , p o rém , n ã o se r e a l i z a s i m u l t a n e a m e n t e em todos os sen t idos . P o d e r á a d i a n t a r - s e c ien t i f icam en te n u m pe r ío d o , e em outro, m o r a lm e n te . "

845 — Não são obstáculo ao exercício do seu livre- -arbítrio, as predisposições instintivas que o homem traz ao nascer?

"As p r e d i s p o s i ç õ e s ins t in t ivas são as do e sp í ­rito a n t e s da e n c a r n a ç ã o . C onfo rm e seu a d i a n ­ta m e n to , e las p o d e m a r r a s t á - lo a a tos r e p r e ­ens íve is , no q u e s e r á s e c u n d a d o p o r espír i tos q u e s im p a t i z a m com a q u e l a s d i s p o s iç õ e s ; n ã o existe, p o r é m so l ic i tação irres is t ível q u a n d o há v o n t a d e de resist ir. R ec o rd e - s e de q u e o q u e ­re r é p o d e r" .

993 — Não há homens que têm unicamente o ins­tinto do mal e são inacessíveis ao arrependimento?

"Já d isse q u e se h á de p r o g r e d i r i n c e s s a n t e ­m e n te . O q u e n e s t a v id a só p o s su i o inst in to do m al , t e r á n o u t r a o do b e m , e por isto n a sce

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 99

m uitas v ezes; é p re c i so q u e to d o s p r o g r i d a m e a l c a n c e m o objetivo; u n s em m a is te m p o , o u ­tros em m e n o s , conforme a v o n t a d e de c a d a um. Q u e m p o s su i u n i c a m e n t e o inst in to do b e m j á e s t á pur i f icado , e ta lvez t e n h a t ido o do m a l em e x is t ên c ia an te r io r" .

V e jam o s mais es te p a r á g r a f o de outro livro, AG ênese:

"À m e d i d a q u e o espíri to ao e n c a r n a r r e c o b r a a consc iênc ia , p e r d e a m e m ó r i a do p a s s a d o , sem p e r d e r as f a c u ld a d e s e as ap t id õ es a n t e ­r io r m e n te a d q u i r i d a s e q u e e s t a v a m m o m e n ­t a n e a m e n t e em e s t a d o la ten te ; ao r e c o b r a r a a t iv id a d e , v ã o servir -lhe p a r a fazer m a i s e m e ­lhor do q u e an tes : r e n a s c e o q u e a d q u i r i u por um t r a b a l h o an ter io r , e a p r e s e n t e e x i s t ên c ia é u m n o v o p o n to de p a r t i d a , u m n o v o d e g r a u a subir . A q u i t a m b é m se o s te n t a a b o n d a d e do Cr iador , p o r q u e a r e c o r d a ç ã o de u m p a s ­sado , ta lvez p e n o s o , e h u m i lh a n te , u n id o às p e n a l i d a d e s de u m a n o v a ex is tênc ia , se r ia p a r a o espíri to e m b a r a ç o s a e d e s a n i m a d o r a . Volta , a p e n a s , com o q u e a d q u i r i u e q u e lhe p o ­de ser útil, q u e são as a p t id õ e s e f a c u ld a d e s esp i r i tua i s . Se a l g u m a vez c o n s e r v a in tu ição v a g a do p a s s a d o , é com o a m e m ó r i a de um sonho fugaz e indefinido. É po is um h o m e m novo , po r m a i s an t ig o q u e seja seu espírito, e

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 100

c a m i n h a por n o v a s p r o v a s , a j u d a d o p e l a s a q u i s i ç õ e s an te r io re s , q u e o v u lg o c h a m a de d isp o s iç õ e s n a t u r a i s . Q u a n d o t o r n a à v id a e s ­p i ri tual , o p a s s a d o se lhe r e p r o d u z d i a n t e da v is ta e j u l g a se a p l i c o u b e m ou m a l o t e m p o " .

Se em todos os m u n d o s há deli tos e os e sp í r i ­tos t e r ã o q u e p a s s a r fo r ç o s a m e n te em s u a d e p u r a ­ção m o ra l p e lo filtro dos m u n d o s , não h a v e r á um só espír i to q u e n ã o h a j a sido c r i m i n o s o n a to em a lgum a e n c a r n a ç ã o .

A l l a n K a r d e c r e s p o n d e c l a r a m e n t e ao p r o b l e ­ma, com o s e g u e :

”755 — Como pode suceder que no seio da mais adiantada civilização se encontrem, às vezes, seres tão cruéis como os selvagens?"C om o n u m a á rv o re c a r r e g a d a de b o n s frutos se e n c o n t r a m a bo r to s .São, com o que i ra , s e l v a g e n s q u e da c iv il iza­ção, s ó têm a c a p a , lobos e x t r a v i a d o s no m e io de c o rd e i ro s . Esp ír i tos de u m a o r d e m in fer ior e m ui to a t r a s a d o s p o d e m e n c a r n a r en t re h o ­m e n s a d i a n t a d o s , com a e s p e r a n ç a de p r o g r e ­dir; se a p r o v a é m ui to p e s a d a , p r e v a l e c e a índo le p r im i t iva" .

E x p l i c a d a e s ta c a t e g o r i a de c r iminosos , a m a i s d i s cu t id a e sa l i en te e a q u e me p a r e c e u m a i s difícil de incluir n u m a c o n c e p ç ã o esp ír i ta , as d e m a i s n ã o ofe recem o b s tácu lo . As c lass i f icações têm s e m p r e

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 101

u m p o n to c o n v e n c io n a l , e n q u a n t o os a s s u n to s c l a s ­s if icados n ã o se a c o m o d a m n u n c a às c a t e g o r i a s a b s o l u t a s q u e a i n t e l ig ê n c i a a b s t r a i .

Assim, h a v e r i a c r im inosos loucos: a q u e l e s cujo espíri to, c h e g a d o a cer to m o m e n t o da v i d a de p ro v a , s e n te m t r a n s f o r m a d a s s u a s f a c u ld a d e s por u m a pe r ­t u r b a ç ã o no o r g a n i s m o físico ou por u m desfaleci- m e n t o p s íq u ico , q u e p r i v a o espíri to dos im pu lsos p r o g r e s s i s t a s com q u e e n c a r n o u e t o rn a ao a t r a so da v id a an ter ior , p e r d e n d o a p r o v a des ta .

En t re tan to , o d e l i n q u e n t e louco, ou com o m ui tos dizem, a lie n a d o , feito outro, tem e x p l i c a ç ã o d i fe rente p a r a o espiri t ismo, o da p o s s e s s ã o do espíri to e n c a r ­n a d o po r outro im puro , d e s e n c a r n a d o .

Se ta l s u c e d e , o espír i to do h o m e m se d e s d o b r a ­r i a em su a p e r s o n a l i d a d e , a p a r t i r da p o s s e s s ã o , d e i ­x a r i a de ser ele p a r a ser outro: "não se r ia ele m e s ­m o — com o d ir ia G r ie s in g e r — seu a n t ig o eu ter-se- - ia t r a n s f o r m a d o e se fa ria e s t r a n h o a si p ró p r io " ; e s ­t a r i a no caso de ser u m v e r d a d e i r o a l i e n a d o no sen t id o m a i s l i teral da p a l a v r a . E q u e isto p o d e su­ceder , s e g u n d o os esp í r i ta s , d e m o n s t r a m - n o s es tes tex tos de A l lan K ardec :

474 — Se não há possessão propriam ente dita, isto é, coabitação de dois espíritos no mesmo corpo, pode a alma estar sob a dependência de outro espírito, de modo a se achar subjugada ou obsediada a ponta de fica r sua vontade, de certo modo paralisada?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 102

"Sem d ú v id a . E são e sse s os v e r d a d e i r o s pos - sessos; m a s é p re c i so s a b e r q u e e s s a d o m i n a ­ç ão n ã o se e fe tu a sem a p a r t i c i p a ç ã o d a q u e l e q u e a e x p e r im e n t a , q u e r po r d e b i l i d a d e , q u e r p o r dese já - la . A m i u d a d a m e n t e t ê m sido t o m a ­d o s p o r p o s s e s s o s m u i t o s e p i l é t i c o s o u l o u ­cos, q u e m a i s p r e c i s a v a m de m é d ic o s q u e de exo rc ism os" .

A p a l a v r a p o sse sso , em s u a a c e p ç ã o vu lg a r , s u p õ e a e x i s t ê n c ia de d e m ô n io s , isto é, de u m a c a t e g o r i a de seres , m a u s por n a tu r e z a , e a coa- b i t a ç ã o de u m d e le s com a a l m a de u m in d i ­v íduo , em seu corpo . Pois que , n e sse sentido , n ã o há d e m ô n io s , e dois espíri tos n ã o p o d e m h a b i t a r s i m u l t a n e a m e n t e o m e s m o corpo, n ã o h á p o s s e s s o no sen t ido v u l g a r da p a l a v r a . O t e rm o p o s se s s o só se deve ad m i t i r no sen t ido da d e p e n d ê n c i a a b s o l u t a em q u e p o d e e n c o n t r a r ­-se u m a a lm a em r e l a ç ã o a espír i tos im pe r fe i ­tos q u e a s u b ju g u e m " .

O d e l i n q u e n t e h a b i t u a l s e r á p a r a os e sp í r i t a s a q u e l e cujo espíri to, se b e m q u e a d a p t a d o in te lec ­t u a l m e n t e ao m e io a m b i e n t e de n o s s a s o c ie d a d e , e s tá um ta n to a t r a s a d o m o r a l m e n t e em r e l a ç ã o a e sse meio ; sua c r im in a l id a d e , e n t re tan to , p o d e ser m a s c a r a d a por p r e c o n c e i to s socia is e a té m e r e c e r h o n r a s e a p l a u s o s . É sua c a r a c te r í s t i c a p r e c i s a ­m e n te a a d a p t a ç ã o e a norm alidade subjetiva, e m ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 103

b o r a n ã o a objetiva, de s u a s a ç õ e s d e l i tu o s a s em r e ­l a ç ã o ao meio .

" O d e l i n q u e n t e o c a s i o n a l s e r á o q u e n ã o s a b e resist i r à t e n t a ç ã o q u e se a p r e s e n t a à su a v is ta e lhe faz c ó c e g a s ao espíri to, no q u a l os ex t ra to s de m o r a ­l i d a d e são p o u c o d e n so s e p e r m i t e m e sses d e s g a r ­res a c id e n ta i s , ao s a b o r da o c as iã o .

O d e l i n q u e n t e p a s s i o n a l s e rá a q u e l e cujo e sp í ­rito, d e p o i s de lu ta c o n sc ie n te ou in c o n sc ie n te com o mal , a c i c a t a d o po r e s t ím ulo v io len to e in c e s s a n te , n ã o p ô d e resist i r à p r o v a da v id a e, em d a d o m o ­m e n to , q u e b r a - s e lhe o a l t ru ísm o e ca i no delito, d epo is , r e s s u r g e n o v a m e n t e a natureza h o n r a d a do espírito, p e lo a r r e p e n d i m e n t o , p e l a confissão, c h e ­g a n d o a té à e q u í v o c a e x p i a ç ã o pe lo su ic íd io ; este v e m a ser p a r a o espíri to a l i q u i d a ç ã o ou q u e b r a da vida presente e a necessidade de nova encarnação.

Sem d ú v id a , t a m b é m se e x p l i c a r i a m pe lo e sp i­ri t ismo o u t r a s c lass i f icações de d e l in q u e n te s , e s p e ­c i a l m e n te se b a s e a d a s em p o n to s de v is ta p s i c o ló ­g icos , com o a de In g e n ie ro s , po r e x e m p l o ; n ã o acho , p o r é m n e c e s s á r i o d e s c e r a ta l a n á l i s e .

N ã o creio, e n t r e tan to , inútil, p r o c e d e r em sen t i ­do inverso , isto é, em vez de fixar u m a c lass i f icação po s i t iv i s ta e re feri- la d e p o i s ao c re d o espír i ta , a n a ­lisar a c lass i f icação dos e sp í r i t a s e refleti- la sobre a c r im in o lo g ia esp ír i ta .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 104

N ã o é q u e Al lan K a r d e c se a c h e de t ido n e s s e e s tu d o criminal, m a s de s u a c lass i f icação g e r a l dos espíri tos p o d e m o s ex tra i r as c a t e g o r i a s c o r r e s p o n ­d e n te s aos m a u s espíri tos, aos d e l in q u e n te s , e c o m ­p a r á - l a s com os t ipos a n a l i s a d o s p e lo s c r im ina l i s ta s c o n t e m p o r â n e o s .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 105

X I I I

A ESCALA DOS ESPÍRITOS

O e v o lu c io n i sm o esp í r i t a ex ige u m a e s c a l a de g r a u s , e, com efeito, A l lan K a r d e c n o s a p r e s e n t a dez g r a u s de espír i tos .

S igam o- lo em s u a e x p l i c aç ão :

" O b servações prelim inares. A c lass i f icação dos espíri tos e s t á b a s e a d a no seu g r a u de p r o ­g re s so , n a s q u a l i d a d e s q u e a d q u i r i r a m e n a s im pe r fe ições de q u e a i n d a t e r ã o q u e d e s p o ­ja r - se .Es ta c lass i f icação n ã o é ab so lu t a ; c a d a ca te ­g o r i a n ã o ofe rece em seu conjunto m a i s q u e um c a r á t e r sa l ien te ; é insens íve l , p o ré m , a t r a n s i ç ã o de u m g r a u a outro, e n o s e x t r e ­m o s d e s a p a r e c e m os m a t izes , como n o s re inos da n a t u r e z a , n a s cores do arco-í ri s e nos dife ­r e n t e s p e r í o d o s da v i d a do h o m e m . P o d e -se . pois , fo rmar m a io r ou m e n o r n ú m e r o de c l a s ­ses, conforme o p o n to p o r q u e se c o n s id e re a q u e s t ã o . D á-se a q u i o m e s m o q u e n o s s is te­m a s de c lass i f icação científica, q u e p o d e m ser m a i s ou m e n o s c o m p le ta s , m a i s ou m e n o s ra-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 106

c iona i s e c ô m o d a s p a r a a in te l igênc ia , m a s q u e em n a d a a l t e r a m as b a s e s da c iênc ia .Os espíri tos a d m i te m , g e r a l m e n t e , três c a t e g o ­r ia s p r i n c ip a i s ou t rês g r a n d e s d iv isões . N a ú l t im a e s t ã o c o m p r e e n d i d o s os espíri tos im ­perfeitos , c a r a c t e r i z a d o s p e lo p r e d o m í n i o da m a t é r i a sobre o espíri to e a p r o p e n s ã o ao m al . Os da s e g u n d a se c a r a c t e r i z a m p e l a p r e d o ­m i n â n c i a do espíri to sob re a m a t é r i a e pe lo dese jo do b e m ; c o m p r e e n d e os espíri tos pu ros , q u e a l c a n ç a r a m o m á x i m o da pe r fe ição .E s ta d iv i são n o s p a r e c e p e r f e i t a m e n t e r a c i o ­na l , com c a r a c t e r e s b e m dis tin tos. R e s t a v a ­- n o s a p e n a s p ô r e m d e s t a q u e , p o r u m n ú m e r o sufic iente de su b d iv i sõ es , os p r in c ip a i s m a t i ­zes do con junto . Foi o q u e fizemos com o co n cu r so dos espíritos, cujas b e n é v o l a s ins t ru ­ções n u n c a nos têm fa l tado" .V e jam o s a de f in ição dos espír i tos imperfe itos: C aracteres g e r a is . P r e d o m í n io da m a t é r i a so­b re o espíri to, p r o p e n s ã o ao m al , ig n o r â n c i a , o rgu lho , e g o í sm o e t o d a s as m á s p a i x õ e s q u e da í de r iv am .

Têm a in tu ição de Deus , m a s n ã o o c o m p r e e n ­dem.N em todos são e s s e n c i a l m e n t e m a u s . E m a l ­g u n s há m a i s l e v i a n d a d e , i n c o n s e q u ê n c i a e m al íc ia , q u e v e r d a d e i r a p e r v e r s i d a d e . U ns n ã o fazem b e m n e m mal , m a s por n ã o fazerem

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 107

o b e m d e m o n s t r a m j á a sua in fe r io r idade . O u ­tros, ao con trá r io , se c o m p r a z e m no mal , e r e ju b i l a m q u a n d o têm o c a s iã o de o p ra t ic a r . N e le s a i n t e l ig ê n c i a p o d e a c h a r - s e , a l i a d a à m a l d a d e e à m al íc ia ; q u a l q u e r , p o ré m , q u e lhes se ja o d e s e n v o lv im e n to in te lec tua l , su a s id e ia s são p o u c o e l e v a d a s e seus s e n t im en to s m a i s ou m e n o s ab je tos .

S e m e l h a n t e s espíri tos v ê e m a fe l ic idade dos b o n s e e sse e s p e t á c u l o lhes é u m to rm en to in c e s s a n te , vis to q u e e x p e r i m e n t a m t o d a s as a n g ú s t i a s q u e p o d e m c a u s a r a inve ja e o cri­me. P o d e m div id ir -se em cinco c l a s se s p r in ­cipais:

"Décim a c la sse . Espíritos im puros.

São p r o p e n s o s ao mal , de q u e fazem o obje to de s u a s p r e o c u p a ç õ e s .C o m o espíri tos, d ã o c onse lhos pérf idos , p r o ­m o v e m a d i s có r d ia e a d e sc o n f ia n ç a , e p a r a e n g a n a r melhor , t o m a m to d a s as a p a r ê n c i a s . A p o d e r a m - s e dos c a r a c t e r e s fracos e os a r r a s ­t a m à p e r d i ç ã o po r força suges t iva ; e f icam satisfei tos q u a n d o lhes c o n s e g u e m r e t a r d a r o p r o g r e s s o e os fazem su c u m b i r n a s p r o v a s por q u e p a s s a m .

A lg u n s p o v o s os t i n h a m com o d i v i n d a d e s m a ­léficas e outros os d e s i g n a m com os n o m e s de d e m ô n io s , g ê n io s m a u s , espír i to do m al .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 108

Os seres v ivos a q u e m a n i m a m d u r a n t e a e n ­c a r n a ç ã o e n t r e g a m - s e a todos os víc ios q u e e n g e n d r a m as p a i x õ e s vis e d e g r a d a n t e s , c o ­mo o s en s u a l i sm o , a c ru e ld a d e , a felonia, a h ipoc r i s ia , a cup idez , a a v a r e z a só rd ida . F a ­zem o m a l p o r p ra z e r , as m a i s d a s v e ze s por a v e r s ã o ao b e m ; e sc o lh e m q u a s e s e m p r e suas v í t im a s en t re as p e s s o a s h o n r a d a s .Q u a l q u e r q u e seja a c a t e g o r i a socia l q u e o c u p e m , são flagelos da h u m a n i d a d e , e o v e r ­niz da c iv i l ização n ã o os l ivra do op ró b r io e da ig n o m ín ia " .

C re io q u e e s t a m o s em p r e s e n ç a de d e l in q u e n - te s n a to s .

S e g u e A l lan K ardec :

"Nona c lasse . Espíritos lev ia n o s .S ão ig n o r a n te s , m a l ig n o s , i n c o n sc ie n te s e z o m ­b e te i r o s ; in t r o m e te m -s e em tu d o e a tu d o r e s ­p o n d e m sem lhes im p o r ta r a v e r d a d e . G o s ­ta m de c a u s a r p e q u e n o s d i s s a b o r e s e a l eg r i a s , de i n t r i g a r , de i n d u z i r m a l i c i o s a m e n t e e m e r ro po r m e io de mis ti f icações , e de fazer e sp e r te - zas . A e s ta c las se p e r t e n c e m os espír i tos c h a ­m a d o s v u l g a r m e n t e d u en d e s , trasgos, g n o m o s e diab retes . D e p e n d e m dos espíri tos s u p e r i o ­res q u e os e m p r e g a m , com o o fazemos com os n o s so s c r iados .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 109

N a s c o m u n i c a ç õ e s com os h o m e n s têm l i n g u a ­g e m po r v ezes e n g e n h o s a e chis tosa ; é q u a s e s e m p r e , p o ré m , superf ic ia l , e se a p r o v e i t a m d a s e x t r a v a g â n c i a s e dos r id ícu los h u m a n o s , q u e e x p õ e m em frases m o r d a z e s e sa tí r icas . Q u a n d o u s u r p a m a l g u m n o m e , o fazem m a is p o r m a l í c i a do q u e p o r m a l d a d e " .N ã o s e r i a m estes , q u a n d o e n c a r n a d o s , del in- q u e n t e s h a b i t u a i s ?V eja-se a c la s se o itava:"Oitava c la sse . Espíritos de fa lsa instrução(P seu d o -sá b io s ) . Têm a m p lo c o n h ec im e n to s , p o r é m s u p õ e m s a b e r m a i s do q u e r e a l m e n t e s a b e m . T e n d o r e a l i z a d o a l g u m p r o g r e s s o em d ive rsos sen t idos , a p r e s e n t a m u m a l i n g u a g e m g r a v e , q u e p o d e e n g a n a r ; m a s q u e n ã o p a s s a do reflexo de p r e c o n c e i to s e id e ia s s i s te m á t i ­cas da v id a te rres t re ; m e s c l a de v e r d a d e s e erros a b s u r d o s , a t r a v é s dos q u a i s se d e s c o ­b r e m a p r e s u n ç ã o , o o rgu lho , o c iúm e, a o b s ­t i n a ç ã o de q u e n ã o se p u d e r a m e m a n c i p a r " . Es ta c a t e g o r i a é in te lec tu a l e n ã o m ora l , ao m e ­nos n a i n t e n s i d a d e de l i tuosa .

A g o r a a c las se sé tima:"Sétima c lasse . Espíritos neutros.

N e m b a s t a n t e b o n s p a r a p r a t i c a r o b e m , n e m b a s t a n t e m a u s p a r a fazer o m al . P e n d e m ta n to p a r a u m com o p a r a outro l a d o e n ã o ul-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 110

t r a p a s s a m a c o n d iç ã o c o m u m da h u m a n i d a d e , m o ra l ou in t e l e c tu a lm e n te . A p e g a m - s e às co i sa s des te m u n d o , cu jas g r o s s e i r a s a l e g r i a s os a t r a e m " .

S ão d e l i n q u e n t e s o c a s io n a i s e a té h a b i t u a i s , em c e r t a e sp é c ie de im o r a l i d a d e s q u e n ã o s e ja m m ui to an t i s soc ia is . N e s t a c lasse , m o r a l m e n t e fraca, d e ­v e m co loca r - se t a m b é m os d e l i n q u e n t e s loucos ob sed ia d o s e os p a ss io n a is .

A sex ta c la s se p o u c o nos in te re ssa .

"Sexta c la sse . Espíritos b a ted o res e perturba­dores.N ã o form am u m a classe dis t in ta , t o m a n d o - s e em c o n s i d e r a ç ã o as q u a l i d a d e s p e s s o a i s . P o ­d e m p e r t e n c e r a t o d a s as c l a s ses de t e r c e i r a o rdem . M an i f e s ta m g e r a l m e n t e su a p r e s e n ç a p o r efeitos sens íve is e físicos, com o p a n c a d a s , m o v im e n to s e d e s l o c a m e n t o a n o r m a l de cor­p o s sólidos, a g i t a ç ã o do ar etc. P a r e c e m m a is a p e g a d o s à m a t é r i a q u e os outros e são os p r in c ip a i s a g e n t e s da s v ic i s s i tudes dos e l e ­m e n t o s do globo; a t u a m no ar, n a á g u a , no fogo, q u e r em corpos duros , q u e r n a s e n t r a ­n h a s da terra . Q u a n d o os f e n ô m e n o s d e n o ­ta m um c a r á t e r i n t e n c io n a l e in te l igen te , v ê -se q u e não são d e v id o s a c a u s a for tuita e física. Todos os espír i tos p o d e m produzi- los , m a s os e l e v a d o s os conf iam, o r d i n a r i a m e n t e , aos su ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 111

b a l t e r n o s , m a i s a p to s p a r a as co isa s m a t e r i a i s do q u e p a r a as da in te l igênc ia ; q u a n d o a q u e ­les j u lg a m o p o r t u n a s as m a n i f e s t a ç õ e s des te g ê n e r o , s e r v em - se d e le s com o au x i l i a re s" .

A s e g u n d a o rd e m é de espíritos b o n s e a te r ­c e i r a de espíritos puros. Já n ã o se e n c o n t r a m n e ­las os d e l in q u e n te s .

N ã o o b s tan t e , v e ja m o - lh e s a e x p l i c aç ão , p a r a a p r e c i a r m e lh o r o e v o lu c io n ism o e sp í r i ta :

" S egu n d a ordem .

107 — C aracteres g era is . — P r ed o m ín io do e s ­píri to sob re a m a t é r i a e dese jo de fazer o bem . S u a s q u a l i d a d e s e o p o d e r de p ra t i c á - lo e s tão em r e l a ç ã o com o g r a u de a d i a n t a m e n t o q u e t e n h a m a l c a n ç a d o ; u n s p o s s u e m a c iênc ia , o u ­tros a p r u d ê n c i a e a b o n d a d e ; os m a i s a d i a n ­t a d o s r e ú n e m ao s a b e r as q u a l i d a d e s m o ra i s . N ã o e s t a n d o , a in d a , c o m p l e t a m e n t e d e s m a t e - r ia l izados , c o n s e r v a m m a is ou m e n o s , confor­m e a c a te g o r ia , os ves t íg ios da e x i s t ên c ia cor­pora l , o ra n a fo rma de l i n g u a g e m , o ra n o s h á ­bi tos , en t re os q u a i s se d e s c o b r e m a l g u m a s de s u a s m a n i a s . A n ã o ser ass im , se r iam esp í ­ri tos perfe itos.

C o m p r e e n d e m D e u s e o infinito e j á g o z a m da fe l ic idade dos b ons ; s en te m -s e felizes p o r fazer o b e m e im p e d i r e m o m al . O a m o r q u e os l iga lhes é fonte de ine fáve l v e n tu r a , j a m a i s alte-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 112

r a d a p e l a inveja , pe lo re m o rso , ou p o r q u a l ­q u e r d a s m á s p a i x õ e s q u e a t o r m e n t a m os es­p ír i tos imperfe itos . Todos te rão , p o ré m , q u e s u p o r ta r as p ro v a s , a té a l c a n ç a r e m a p e r fe i ­ção a b so lu t a .C o m o espíri tos, s u sc i tam b o n s p e n s a m e n t o s , a f a s t a m os h o m e n s do c a m i n h o do mal , p r o t e ­gem , d u r a n t e a v ida , os q u e se fazem m e r e c e ­dores d e s s a , p ro te ç ã o , e n e u t r a l i z a m a influên­cia dos espíri tos imperfe itos n a q u e l e s q u e a n ã o d e se ja m .Q u a n d o e n c a r n a d o s , são b o n s e b e n é v o l o s p a ­ra com os s e m e lh a n te s , não c a e m em orgulho, em ego ísm o , em a m b i ç ã o ; n ã o s e n te m ódio, r a n c o r , inveja , c iúmes; p r a t i c a m o b e m pe lo bem .A e s ta o r d e m p e r t e n c e m os espír i tos c o n h e c i ­dos n a s c r e n ç a s v u l g a r e s p o r g ê n io s b o n s , g ê ­nios protetores e espíritos do b em . Em é p o c a s de s u p e r s t i ç ã o e i g n o r â n c i a têm s ido e l e v a d o s à c a t e g o r i a de d i v i n d a d e s b e n fa ze ja s .P o d e m ser d iv id idos em q u a t r o g r u p o s p r in c i ­pa is .108 — Q uinta c lasse . Espírito b en é v o lo s . Aq u a l i d a d e d o m i n a n t e n e le s é a b o n d a d e ; g o s ­ta m de p r e s t a r b o n s serv iços aos h o m e n s e p r o ­tegê- los; são, p o ré m , de s a b e r l imi tado , po is p r o g r e d i r a m m a i s no sen t ido m o ra l q u e no in ­te lec tua l .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 113

109 — Q uarta c la sse . Espíritos sáb ios . Dis- t i n g u e m -s e , p r in c ip a lm e n te , p e l a e x t e n s ã o dos c o n h e c im e n to s . O c u p a m - s e m e n o s d a s q u e s ­tões m o r a i s q u e d a s científ icas, p a r a as q u a i s têm m a i s a p t id õ e s . E n t re tan to , só c o n s id e r a m a c iên c ia do p o n to de v i s ta da u t i l id ad e , e n ã o o b e d e c e m às p a i x õ e s p r ó p r i a s dos espíri tos imperfe itos.

110 — Terceira c lasse . Espíritos prud en tes.S e u c a r á t e r dist in tivo são as q u a l i d a d e s m o ­ra is m a i s e l e v a d a s . A p e s a r de l im i tados c o ­n h e c im e n to s , a c h a m - s e d o ta d o s da c a p a c i d a d e q u e p r o p o r c i o n a u m juízo re to sobre os h o m e n s e as coisas .

111 — S eg u n d a c lasse . Espíritos superiores.R e ú n e m a c iênc ia , a s a b e d o r i a e a b o n d a d e . A l i n g u a g e m , q u e só b e n e v o l ê n c i a r e sp i ra , é c o n s t a n t e m e n t e d ig n a , e l e v a d a e, p o r vezes , sub l im e . S u a s u p e r i o r i d a d e os t o r n a m a i s a p ­tos q u e os ou tros , p a r a ministrar-nos m a i s e x a ­t a s n o ç õ e s a c e r c a d a s co i sa s do m u n d o incor- p ó re o , nos l imites do q u e é p e rm i t id o ao h o ­m e m sabe r .

C o m u n i c a m - s e v o l u n t a r i a m e n t e com os q u e b u s c a m a v e r d a d e de b o a fé, e cu ja a lm a , já b e m e m a n c i p a d a dos laços te r res t res , p o d e m c o m p r e e n d ê - l a . A fas tam -se , p o ré m , dos q u e só p r o c u r a m a c u r io s id a d e , ou dos a q u e m a

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 114

in f luênc ia da m a t é r i a d is t ra i da p r á t i c a do b e m .Q u a n d o , po r e x c e ç ão , e n c a r n a m - s e n a Terra, o fazem p a r a r e a l i z a r m i s s ã o de p ro g r e s so , e n o s ofe recem o t ipo da p e r f e iç ã o a q u e p o d e a s p i r a r a h u m a n i d a d e n e s t e m u n d o .Terceira ordem .112 — C aracteres gera is . In f luênc ia da m a ­té ria , n u l a ; s u p e r i o r i d a d e in te le c tu a l e m o ra l a b s o l u t a com r e l a ç ã o aos espír i tos d a s ou t ra s o rdens .113 — Primeira c la sse e ún ica . P e r c o r r e r a m todos os g r a u s da e s c a l a e se d e s p o j a r a m de t o d a s as i m p u r e z a s da m a té r i a . H a v e n d o a l ­c a n ç a d o a s o m a da p e r fe ição de q u e é s u s c e p ­tível a c r ia tu ra , n ã o t e r ã o m a i s p r o v a s n e m ex- p i a ç õ e s q u e sofrer, e n ã o s en d o o b r i g a d o s a r e e n c a r n a r em corpos p e re c ív e i s , v iv em a v i ­da e t e r n a no seio de Deus.G o z a m de v e n t u r a in a l te rá v e l , p o r q u e n ã o sen te m n e c e s s i d a d e s , n e m e s tã o exp o s to s às v ic is s i tudes da v i d a m a t e r i a l ; p o r é m a q u e l a v e n t u r a n ã o consis te n a oc io s id a d e m on ótona de um a co n tem p la çã o perp étu a .São m e n s a g e i r o s e m in is t ros de Deus, cujas o rd e n s e x e c u t a m a c e r c a da c o n s e r v a ç ã o da h a r m o n i a u n iv e r s a l . D ir igem todos os espír i­tos q u e lhes são inferiores , a j u d a m - n o s a a p e r ­fe içoarem -se e lhes d e s i g n a m as m issões . É

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 115

p a r a e les o c u p a ç ã o a g r a d á v e l a de ass is t i r ao s h o m e n s em s u a s aflições, conci tá- los ao b e m ou à e x p i a ç ã o d a s faltas q u e os a f a s ta m da fe l ic idade s u p r e m a . São às v e z e s d e s i g n a d o s com os n o m e s de an jos, a r c a n jo s ou seraf ins. Os h o m e n s p o d e m c o m u n ic a r - s e com eles, m a s se r ia m ui to p r e s u n ç o s o q u e m p r e t e n d e s s e t ê ­-los c o n s t a n t e m e n t e às s u a s o rd e n s" .

D a a n á l i s e dos c a r a c t e r e s dos espíri tos i m p u ­ros, d e n t ro de cu jas c a t e g o r i a s e s t ã o c o m p r e e n d i ­dos os e n c a r n a d o s q u e se t o r n a m d e l in q u e n te s , de- duz-se q u e , s e g u n d o os esp ír i ta s , n ã o e s t a v a m u i to d e s e n c a m i n h a d o G arófa lo , q u a n d o diz q u e n ã o é a o c a s i ã o q u e faz o l a d r ã o , s e g u n d o ve lh o p r o ­v é r b io ; a o c a s i ã o só favorece o l a d r ã o q u e o é l a ­ten te po r s u a n a tu r e z a .

C o m efeito, p a r a q u e u m h o m e m r o u b e ou c o ­m e t a um deli to, é n e c e s s á r io , d e n t ro do evo luc io - n i sm o e s p e c i a l de A l lan K a rd ec , q u e o espíri to d e s ­se h o m e m , q u e n ã o p o d e re t ro ced e r , t r a g a à s u a e n c a r n a ç ã o esse m o r b o de l i tuoso em e s t a d o l a t e n ­te, p a r a cujo t r a t a m e n t o lhe foi im p o s ta p re c i s a ­m e n t e a n o v a v i d a t e r r e n a .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 116

XIV

OS FATORES CÓSMICOS

Estão d e m o n s t r a d o s ? É certo, com o d izem os pos it ivis tas , que n a c a u s a da d e l in q u ê n c ia in te rv êm n ã o só os fa tores p e s s o a i s e os socia is , com o t a m ­b é m os q u e se e n c o n t r a m em todo o re s to da n a t u ­r e z a có sm ica?

Pois t a m b é m é cer to p a r a os esp ír i tas .É c laro q u e es tes n ã o se o c u p a r a m com e s tu ­

dos e s p e c i a i s e conc re to s a c e r c a d e s te t e m a , com o o fizeram Ferri , Corre , L o m b ro so e outros; n e m p o r isto, p o ré m , o a m b i e n t e físico d e ix a de ser p a r a e les u m a c o d e t e r m i n a n t e dos a to s h u m a n o s , e, p o r ­tan to , da d e l in q u ê n c ia .

O ca lor in c e n t iv a as p a i x õ e s e e x a l t a os â n im o s , q u e d e m o n s t r a m o fe n ô m e n o fisiológico da in f luên­cia q u e exis te na t e m p e r a t u r a e tem a ç ã o d e l e t é r i a no n o s so o r g a n i s m o e no d e se n v o lv im e n to ou o sc i ­la çõ es da in te l igênc ia .

Pois os e sp í r i ta s a c r e s c e n t a m : s en d o isto cer to, o calor ao influir no ó rg ã o corpora l , v i r á influir t a m ­b é m no espírito, p o r q u e este , p a r a ex te r io r izar -se ,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 117

e n c o n t r a r á um in s t rum en to , o corpo, cuja t e m p e r a ­t u r a n o r m a l se a l t e r a r á f a v o r a v e l m e n te p a r a as s e r e n a s m a n i f e s t a ç õ e s t e r r e n a s do espírito.

A l lan K a r d e c e sc re v e o segu in te :

" S e g u n d o as p r e c e d e n t e s o b s e r v a ç õ e s fisioló­g icas , p o d e ad m i t i r - se q u e o t e m p e r a m e n t o é, em p a r t e ao m e n o s , d e t e r m i n a d o p e l a n a t u r e ­za do espírito, q u e é c a u s a e n ã o efeito. Di­zem os , em p a r t e , p o r q u e há ca so s em q u e o fí­sico influi sob re o m ora l ; q u a n d o , p o r exem plo , u m e s t a d o m ó rb id o ou a n o r m a l é d e t e r m i n a d o p o r u m a c a u s a e x t e r n a a c id e n ta l , i n d e p e n d e n ­te do espíri to, com o a t e m p e r a t u r a , o c lima, os vícios h e r e d i t á r io s de const i tu ição , u m m a l p a s ­s a g e i r o etc. A m o r a l do espír i to p o d e ser e n ­t ã o i n f l u e n c i a d a em su as m a n i f e s t a ç õ e s pe lo e s t a d o p a to ló g ic o , sem q u e fique m o d i f i ca d a su a n a t u r e z a in t r ín seca" .

O m e s m o d i r ã o no q u e se re fe re ao frio g la c ia l q u e fustiga os p o b r e s , no q u e diz r e s p e i to às m á s ou b o a s co lhe i tas , à to p o g ra f i a m o n t a n h o s a ou p l a ­n a . O d e l in q u e n te , p a r a o espiri t ista, é t ã o in ­f luenc iado , com o o é p a r a o m a te r i a l i s t a , d e v e n d o - s e ter em c o n ta q u e A l lan K a r d e c n ã o qu is p e n e t r a r no lab i r in to da a s t ro log ia , t ã o g r a t a a ou tros e s p i ­r i tua l i s ta s .

N a t u r a l m e n t e , n e n h u m fator cósm ico po r si só b a s t a r á p a r a c a u s a r u m deli to; isto, p o ré m , n ã o po-

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 118

d e r a l e v a r à n e g a ç ã o , p o r q u e o m e s m o se d á co m os soc ia l is tas e a n t ro p o lo g i s t a s ; m a te r i a l i s t a s e esp i- r i t is tas c o n v ê m e m q u e n ã o é p r e c i s a m e n t e t a l ou q u a l f e n ô m e n o o q u e d e t e r m i n a a d e l i n q u ê n c i a , m a s a c o n ju n ç ã o de infinitos f en ô m en o s , o q u e p r e ­c ip i ta o ser h u m a n o p a r a ta l ou q u a l p re c ip íc io m o ­ral . (*)

(*) Convém fique acentuado que causas externas, como o calor, o frio, o ambiente ou outras não podem ser causa de delitos; serão, quando muito, fatores predisponentes. Fac ilitarão o im pulso, a eclosão c rim in a l, mas a semente está no espírito . É no espírito que existe o germe do crim e. Não há crime quando o espírito é puro, qualquer que seja a in­fluência atmosférica ou cósm ica. (Nota do tradutor).

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 119

XV

O S F A T O R E S S O C I A I S

O ca ldo de c u l tu ra do m o r b o cr iminoso , como d i r ia L a c a s s a g n e , é f r a n c a m e n te a d m i t id o p e lo s e s ­p í r i tas . A v id a in te i ra de n o s so m u n d o e a e n c a r ­n a ç ã o do espíri to n ã o s e r ã o p r e c i s a m e n t e u m c a l ­do de cu l tu ra , p a r a q u e ele d e se n v o lv a , p e l a g r a n ­de sér ie de d e p u r a ç õ e s p s ico ló g ica s , t o d a s as s u a s b o a s f a c u l d a d e s ?

P a r a q u e v im o s a este m u n d o , s e n ã o p a r a nos s u b m e t e r m o s a u m a p ro v a , a de re s i s t i r às solic ita­ções m a l i g n a s do a m b i e n t e ?

O espíri to e n c a r n a d o é, pois, como q u a l q u e r ou t ro ser, u m p o n to de c o n v e r g ê n c i a de infinitas in f lu ên c ia s de t o d a s as c lasses , en t re as q u a i s e s ­t ã o as socia is , d e r i v a d a s da r e l a ç ã o com os d e m a i s esp ír i tos e n c a r n a d o s n e s t e p l a n e t a .

Assim, a r iq u e z a , a m isé r ia , a e d u c a ç ã o social, o a lcoo l ism o, a e c o n o m i a p ú b l ic a , a l e g i s l a ç ã o e tc . , in f lu irão n a d e t e r m i n a ç ã o dos a tos dos espíri tos- -h o m e n s , q u e r p a r a seu a d i a n t a m e n t o , q u e r p a r a seu e s t a c i o n a m e n t o no b a ix o n íve l m o ra l dos a n i ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 120

m ais , s e g u n d o o t e m p e r a m e n t o dos espíri tos e a p o t ê n c i a do fator ou fa tores a t u a n t e s .

P o d e r i a a p r e s e n t a r p á g i n a s in te i ra s de A l lan K a r d e c p a r a d e m o n s t r a r seu re la t ivo d e t e r m in i s ­m o sociológico.

V a l h a m p o r t o d a s as s e g u in t e s :"Todos os espír i tos t e n d e m à pe r fe ição , e D eu s lhes p r o p o r c i o n a m e io s de c o n se g u i - l a p e l a s p r o v a s da v i d a co rp ó rea ; em su a jus t iça , p o ­rém, p e rm i te - lh e s q u e c u m p r a m em n o v a s ex i s ­t ê n c i a s o q u e n ã o p u d e ra m fazer ou terminar na p rova anterior.

N ã o e s t a r i a de a c o r d o com a e q u i d a d e ou a b o n d a d e de D e u s c a s t i g a r e t e r n a m e n t e os q u e ta lvez p u d e s s e m e n c o n t r a r o b s t á c u lo s a lhe io s à sua v o n t a d e , no m e io em q u e v iv e ra m , e por isso r e t a r d a r a m o seu a p e r f e i ç o a m e n to . Se a sor te do h o m e m ficasse i r r e v o g a v e l m e n t e d e c i ­d i d a d e p o i s da mor te , D e u s n ã o te r ia p e s a d o n a m e s m a b a l a n ç a as a ç õ e s de todos, n e m os t e r i a t r a t a d o com i m p a r c i a l i d a d e .

639 — O mal que fazem os não é, p o r vezes, resul­tado da posição em que nos colocam os outros ho­mens? E quais os mais culpados?

"O m a l r e c a i em q u e m o p r a t i c a . O h o m e m q u e é l e v a d o ao m a l p e l a p o s i ç ã o q u e lhe c r i a ­r a m seus s e m e lh a n te s , é m e n o s c u lp á v e l do q u e a q u e l e q u e o cau so u ; c a d a u m sofrerá a

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 121

p e n a , n ã o só do m a l q u e t e n h a feito, s e n ã o a i n d a do q u e h a j a p r o v o c a d o " .

644 — O meio em que vivem certos homens não é para eles a origem de muitos vícios e crimes?

"Sim. Es ta é a i n d a u m a p r o v a e sc o lh id a pe lo e sp í r i to em es tado de l ib e rd a d e ; qu is expo r -se à t e n t a ç ã o p a r a a d q u i r i r m ér i to r e s is t indo a e la" .

645 — Quando o homem está de certo modo sub­merso na atmosfera do vício, o mal não se lhe tor­na um arrastamento quase irresistível?

" A r ra s t a m e n to , sim; irresist ível , n ã o . N e s s a a tm o s fe r a de víc ios e n c o n t r a m - s e v i r tudes , por vezes . São espíri tos q u e n ã o t iv e ra m forças p a r a resist ir, e q u e , ao m e s m o te m p o , v i e r a m com a m i s s ã o de e x e r c e r u m a b o a in f luênc ia em seus s e m e l h a n t e s " .

813 — Há quem caia na infelicidade e na miséria p o r culpa própria? Não caberá à sociedade a res­ponsabilidade p o r isto?

"Já o d is sem os ; e la é com f r eq u ê n c ia a p r i m e i ­r a r e s p o n s á v e l p o r e s t a s f a l t a s . N ã o t e m e la q u e v e l a r p e l a e d u c a ç ã o m ora l? F r e q u e n t e m e n t e , a m á e d u c a ç ã o é q u e lhe fal­se i a o cri tério em vez de sufocar as t e n d ê n c i a s p e r n i c io s a s " .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 122

825 — Qual a mais difícil das provas para o ho­mem, a da desgraça ou a da fortuna?

"A m b as . A m is é r i a p r o v o c a as q u e i x a s c o n ­t ra a P ro v id ên c ia , a r i q u e z a conduz a todos os excessos" .

816 — Se o rico é rodeado de más tentações, não terá meios, igualmente, de fa zer o bem?

"É j u s t a m e n t e o q u e n e m s e m p r e faz; c o n v e r ­te -se em egoís ta , o rgu lhoso , i n s a c i á v e l ; su a s n e c e s s i d a d e s a u m e n t a m com a fortuna, e n ã o as j u l g a suf icientes .A e l e v a ç ã o n e s te m u n d o e a a u t o r i d a d e s o ­b r e os s e m e l h a n t e s são p r o v a s t ã o g r a n d e s e p e r i g o s a s com o a d e s g r a ç a ; p o r q u e , q u a n t o m a i s r ico e p o d e r o s o é o h o m e m , m ais ob r iga­çõ es terá q u e cumprir, e m a i o r e s lhe s e r ã o os m e io s de fazer o b e m e o mal . D eus e x p e r i ­m e n t a os p o b r e s por m e io da r e s i g n a ç ã o e o rico pe lo u so q u e ele faz dos seus b e n s e p o ­derio."A r i q u e z a e o p o d e r d ã o o r ig e m às p a i x õ e s q u e n o s p r e n d e m à m a t é r i a e a f a s t a m da p e r ­feição e sp ir i tua l . Por isto d isse Jesus:— É m a i s fácil p a s s a r um c a m e lo por um fun­do de a g u l h a q u e e n t r a r u m rico no re in o de Deus" .208 — Não exercem influência os espíritos dos pais sobre os filhos, depois do nascimento destes?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 123

"E xercem e m ui ta , po is o d is sem os , os espír i tos d e v e m con tr ibu ir p a r a o p r o g r e s s o rec íp roco . Os espír i tos dos p a i s t êm a m i s s ã o de d e s e n v o l ­ver, po r m e io da e d u c a ç ã o , os de seus filhos; const i tu i - lhes isto u m a ta refa .Se falir, tornar-se-á cu lpad o.

850 — Não é, às vezes, a posição social um obs­táculo à inteira liberdade dos atos?

"A s o c i e d a d e tem su as e x ig ên c ia s , sem d ú v i ­da . D eu s é ju s to e s a b e lev a r tu d o em conta; p o r é m vos faz r e s p o n s á v e i s p e lo s e s c a s s o s e s ­forços em v e n c e r os o b s tác u lo s " .

685 — Tem o homem direito de repousar na ve­lhice?

"Sim, po is q u e só é o b r i g a d o a t r a b a l h a r s e g u n d o suas forças".

— Mas, que recursos terá o velho que precisa tra­balhar para viver e não o pode fazer?

"O forte d e v e t r a b a l h a r p a r a o fraco, e, na fal­ta da família, a s o c i e d a d e tem q u e fazer as s u a s vezes . Es ta é a lei de c a r i d a d e " .

"Há um elemento com o qual não se tem contado bastante, e sem ele a ciência não passa de uma teoria. Este elemento é a educação, não a intelectual, mas a moral; não, porém, a educação moral que os livros ensinam, mas a que consiste na arte de formar o caráter, a educação dos costumes, porque a educação é o conjunto de hábitos adquiridos. Quando se pensa na massa de indivíduos lançados dia­riamente na torrente da população, sem freios, sem princípios, e entregues a seus próprios instintos, não há que admirar suas desas­trosas consequências."

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 124

"Quando se conhecer, compreender e praticar aquela arte, o homem levará à sociedade hábitos de ordem e previsão para si e para os seus, de respeito ao que for respeitável, hábitos que lhe permitam passar menos penosamente os maus dias incontáveis.A desordem e a imprevidência são chagas que só uma educação bem compreendida poderá curar. Este é o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor de segurança de todos".

Até a q u i há p e r fe i t a c o in c i d ê n c i a en t re espir i­t i sm o c r im ina l e pos i t iv ismo p en a l . A q u e le , p o ­rém , q u a n t o à q u e s t ã o dos fa to res socia is , c a r a c t e ­r iza -se por d u a s p a r t i c u l a r i d a d e s , que , e s t á claro, n ã o são a d m i t i d a s no m a te r i a l i s m o cr iminal.

C om efeito, n ã o s o m e n te ex is tem p a r a os espí- r í t as os fa tores socia is em to d a a s u a t r a m a inex- tr icáve l , com o t a m b é m e s s a r e a l i d a d e da c o n co r ­r ê n c i a dos fa tores socia is n a c a u s a ou d e t e r m i n a ­ção dos a tos do espír i to, c h e g a a ser em a lg u n s c a ­sos so l ic i tada a Deus, p e d i d a ou e sc o lh id a pe lo s espíri tos; estes, t e n d o a c e r t ez a do e l e m e n to d e t e r ­m in is ta , q u e r e m p r e c i s a m e n t e , p o r q u e o c o n h ec e m , a r ros tá - lo , res is t i r- lhe e v e n cê - lo p a r a o seu p ró p r io p ro g re s so m ora l .

Espír i tos q u e fo ram la d rõ e s , p o r ex em p lo , n u m a e n c a r n a ç ã o , c h e g a m a c o m p r e e n d e r , em e s t a d o de e r r a t i c id a d e , o m a l d e s s a c o n d u t a e q u e r e m , o que às v e ze s lhes é co n ce d id o , e n c a r n a r n o v a m e n t e no a m b i e n t e im ora l do b a n d o le i r i s m o , p a r a e x p e ­r im e n ta r a p r o v a e v e n c e r em seu t r a n s cu r so .

De m o d o que , s e g u n d o o espir i t i smo, n ã o só ex is tem fa tores soc ia is q u e inf luem n a b o a ou m á o r i e n t a ç ã o dos h o m e n s , com o são eles p e r f e i t a m e n ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 125

te c o n h e c id o s p e lo s espíri tos de cer to d e s e n v o l v i ­m e n to in te lec tua l .

E sc re v e A l lan K a r d e c :

258 — Em estado errante e antes de tomar uma nova existência corpórea, tem o espírito consciên­cia e previsão do que lhe sucederá durante a vida?

"Ele e sco lhe o g ê n e r o de p r o v a s a q u e se d e ­ve s u b m e t e r e n is to consis te seu l iv re-a rb í t r io ."

— Não é Deus quem impõe, como castigo, as tribu- lações da vida?

" N a d a su c e d e sem p e r m i s s ã o de Deus , p o r q u e E le e s t a b e l e c e u t o d a s as leis q u e r e g e m o U n i ­v e rso . P e r g u n ta i , a g o r a , p o r q u e ditou e s ta lei e n ã o a q u e la . D a n d o ao espíri to a l i b e r d a d e de esco lha , d e ix a - lh e to d a a r e s p o n s a b i l i d a ­de de seus a tos e su a s c o n s e q u ê n c i a s ; n a d a lhe e s to r v a o futuro, e p e r t e n c e - lh e a ss im o c a ­m in h o do b e m ou o do mal.F ica - lhe , p o ré m , o conso lo de q u e , s u c u m b i n ­do, n e m tu d o e s tá a c a b a d o , e q u e Deus , em s u a b o n d a d e , lhe d e ix a a l i b e r d a d e de r e c o ­m e ç a r o q u e foi m a l feito. A lém disso, é p r e ­ciso d is t ingu i r en t re o q u e é o b r a da v o n t a d e de D eus e o q u e p r o c e d e do h o m e m . Se vos a m e a ç a u m pe r ig o , foi D e u s q u e m o criou; sois l ivres, p o ré m , de vos e x p o r d e s a ele, p o r q u e é um m e io de p r o g r e s s o e D e u s o pe rm i t iu " .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 126

259 — Se é o espírito quem escolhe o gênero de provas, segue-se que prevê e escolhe todas as tribu­tações da vida que experimenta?

"Todas, n ã o , p o r q u e n ã o se p o d e dizer q u e h a ja p re v is to as m ín im a s co i sa s q u e lhe v ã o a c o n t e ­cer. Esco lheu , a p e n a s , o g ê n e r o d a s p ro v a s ; as p a r t i c u l a r i d a d e s são c o n s e q u ê n c i a , m u i t a s v e ­zes, d a s p r ó p r i a s a çõ es . Se o espíri to qu is n a s ­cer, po r ex em p lo , en t re malfe i tores , s a b i a a q u e p e r ig o s se ir ia expor; ig n o r a v a , po rém , q u a i s os a tos q u e r e a l iza r ia , po is q u e es tes d e r iv a m da v o n t a d e e do l ivre-arbít r io .

O espíri to s a b e q u e e s c o lh e n d o ta l c a m i n h o t e r á q u e s u s te n ta r d e t e r m i n a d o g ê n e r o de luta; co n h ec e , pois , a n a t u r e z a d a s v ic is s i tudes com q u e se há de avir, p o r é m n ã o s a b e q u a l a su ­c e s s ã o dos a c o n te c im e n to s . Os a c o n t e c i m e n ­tos s e c u n d á r i o s n a s c e m d a s c i r c u n s t â n c i a s e d a f o r ç a d a s c o i s a s . S ó e s t ã o p r e v i s t o s o s g r a n d e s a c o n te c im e n to s , os q u e influem no d e s ­t ino. Se é esco lh ido um c a m i n h o che io de su l­cos, são n e c e s s á r i a s m u i t a s p r e c a u ç õ e s por c a u ­sa dos p e r ig o s de cair . M as n i n g u é m s a b e o n ­de v a i cai r e ev itá-lo é de p r u d ê n c i a . Se ao p a s s a r por u m a r u a lhe cair u m a t e lh a n a c a ­b e ç a , n ã o c re ia q u e e s t a v a escri to, com o v u l ­g a r m e n t e se diz."

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 127

264 — Que é que dirige o espírito na escolha das provas p o r que tem de passar?"As q u e s e rv em de e x p i a ç ã o , confo rm e a n a t u ­r e z a de s u a s faltas e o l e v em a p r o g r e d i r m a i s d e p r e s s a . U ns se im p õ e m u m a v i d a de m i s é ­r i a s e p r o v a ç õ e s p a r a e x p e r i m e n t á - l a s com valor; ou tros p o d e m prefer i r as t e n t a ç õ e s da fo r tuna e do po d e r , m u i to m a i s p e r i g o s a s p e lo m a u u so e a b u s o q u e d e la s se p o d e r á fazer e p e l a s m á s p a i x õ e s q u e o r ig in am ; outros , enfim, q u e r e m as lu ta s q u e t e r ã o de s u s te n ta r d i a n te do vício" .260 — Como pode o espírito querer nascer entre gente de má vida?

"É p re c i so q u e seja e n v i a d o a u m m e io em q u e p o s s a sofrer a p r o v a q u e p ed iu . É n e c e s s á r i a a a n a l o g i a , e p a r a lu ta r co n t ra o inst in to do r o u b o é m is te r e n c o n t r a r p e s s o a s do m e s m o g ê ­n e ro " .

265 — Se há espíritos que escolhem como prova o contato do vício, haverá também quem o busque por simpatia e desejo de viver num meio conforme seus gostos, ou para poder inclinar-se, livremente, a suas tendências materiais?

"Certo q u e os há; p o r é m s ó en t re a q u e l e s cujo sen so m o r a l e s t á a i n d a p o u c o d e s e n v o lv id o e e n t ã o a p r o v a v e m po r si e e les a sofrem por

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 128

m a io r t e m p o . T a r d e ou c e d o c o m p r e e n d e m q u e a sa t i s fação de su as p a i x õ e s b r u t a i s lhes t r a r á d e p l o r á v e i s c o n s e q u ê n c i a s , q u e sofrerão d u r a n t e u m t e m p o q u e se lhes a f i g u r a r á e te rno . D eu s p o d e de ixá - lo s n e s t e e s t a d o a té q u e p e r ­c e b a m a falta e solic item rem i- l a s com p r o v a s p r o v e i to s a s " .

”266 — Não parece natural a escolha de provas m e­nos penosas?

"A vós, sim, n ã o ao espírito. Q u a n d o d e s p r e n ­d ido da m a té r i a , c e s s a a i lu são e p e n s a de m o ­do d i ferente ."

A l lan K a r d e c a c r e s c e n t a :

" O h o m e m na T e r r a e sob a in f luênc ia d a s id e ia s c a r n a i s só vê o a s p e c to p e n o s o d a s p r o v a s , e p o r isso, é n a t u r a l e sco lhe r a q u e l a s q u e , a seu m o d o de ver, p o d e m a l ia r - se aos gozos m a t e ­riais ; na v id a esp ir i tua l , p o r é m c o m p a r a os g o ­zos fugit ivos e g ro s se i ro s com a in a l t e r á v e l feli­c i d a d e q u e p re v ê , e n a d a s e r ã o a lg u n s sofri­m e n to s p a s s a g e i r o s . Pode o espírito, p o r t a n ­to, e sco lhe r a m a i s r u d e p ro v a , e, p o r t a n to , a m a i s p e n o s a , com a e s p e r a n ç a de c h e g a r m a is d e p r e s s a a m e lh o r e s tad o , como o en fe rm o e s ­colhe o r e m é d io m a is d e s a g r a d á v e l p a r a c u r a r ­-se com m ais rap idez . O que d e se ja unir seu

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 129

n o m e ao d e s c o b r i m e n t o de u m p a í s d e s c o n h e ­c ido n ã o e sco lhe u m c a m i n h o s o m b r e a d o de flores; s a b e os p e r ig o s q u e corre, m a s t a m b é m a g ló r i a q u e o e s p e r a se c o n s e g u e b o m êxito. A d o u t r i n a da l i b e r d a d e n a e s c o lh a de n o s s a s ex i s t ên c ia s e d a s p r o v a s q u e te m o s de sofrer d e i x a de p a r e c e r e x t r a o r d in á r i a , se c o n s i d e r a r ­m o s q u e os espír i tos d e s p r e n d i d o s da m a t é r i a a p r e c i a m as co isa s de m o d o m ui to d ive rso de nós . A d v e r t e m o fim, m u i to m a i s g r a v e p a r a e les q u e os gozos fugit ivos do m u n d o ; d e p o is de c a d a e x i s t ên c ia v e e m o p a s s o q u e d e r a m e c o m p r e e n d e m o q u e lhes falta a i n d a p a r a se pur i f ica rem ; d a í a r a z ã o p o r q u e se s u b m e te m , v o l u n t a r i a m e n t e , a t o d a s as v ic i s s i tudes da v id a corpora l , p e d i n d o , p o r si p róp r io s , aq u i lo q u e p o d e fazer p r o g r e d i r com m a is p r e s t e z a É sem ra z ã o , pois , q u e a l g u n s se a d m i r a m de q u e o espíri to n ã o dê p re f e r ê n c i a a e x i s t ên c ia m a i s a g r a d á v e l . E m seu e s t a d o de im per fe i ­ção n ã o p o d e g o z a r de u m a v i d a i s e n t a de a m a r g u r a s ; ele a en t revê , e p a r a c o n se g u i - l a p r o c u r a m e lh o ra r .

N ã o se o fe recem todos os d ia s a n o s so s olhos e x e m p l o s de l ições s e m e lh a n te s ? O h o m e m qu e t r a b a l h a u m a p a r t e do d ia sem d e s c a n s o p a r a o seu b e m - e s t a r , n ã o se im p õ e u m a t a re fa com o intuito de um futuro m e lho r? O mil i t ar q u e se o ferece p a r a m i s s ã o p e r ig o s a , o v i a ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

j a n t e q u e d e sa f i a os a c id e n te s , a serv iço da c i­ê n c ia ou da fortuna, q u e fazem s e n ã o a c e i t a r p r o v a s v o lu n tá r i a s q u e lhe h ã o de r e d u n d a r em h o n r a s e p rove i tos , se d e la s s a i rem sa lvos? A q u e n ã o se s u b m e t e ou e x p õ e o h o m e m p o r in ­t e r e s s e ou g ló r ia? T odos os c e r t a m e s n ã o são p r o v a s v o lu n tá r i a s a q u e n o s s u b m e t e m o s com a in te n ç ã o de n o s e l e v a r m o s à p ro f issão q u e e sco lhem os?

N ã o se c h e g a a q u a l q u e r p o s i ç ã o e l e v a d a na c iênc ia , n a s a r te s e n a indús t r ia , sem p a s s a r p e l a série de p o s iç õ e s inferiores, q u e são ou t ra s t a n t a s p ro v a s .

A v id a h u m a n a e s t á c a l c a d a na esp ir i tua l , po is e n c o n t r a m o s n a q u e l a , a i n d a q u e em p o n to m e ­nor, as m e s m a s v ic is s i tudes des ta .

Logo, se na v i d a e sc o lh e m o s com f r eq u ê n c ia as m a i s ru d e s p r o v a s , com o fim de c o n se g u i r p o s ­to m a i s e lev a d o , po r q u e o espíri to q u e vê m a i s qu e o corpo, e p a r a q u e m a v id a c o r p ó r e a n ã o é m a is q u e u m in c id e n te fugitivo, n ã o há de e sco lhe r u m a e x i s t ê n c ia p e n o s a e l abo r io sa , se e la o co n d u z à fe l ic idade e t e r n a?Os q u e d izem q u e se o h o m e m e sc o lh e s se a e x i s t ên c ia p e d i r i a ser p r ín c ip e ou mil ionár io , são com o os m ío p es , q u e só v ê e m o q u e tocam , ou com o os m e n in o s g lu tões , q u e ao lhes p e r ­g u n t a r e m a c e r c a da p ro f issão q u e m a i s lhes

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 130

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 131

a g r a d a r i a , r e s p o n d e m : p a s t e l e i r o ou confe i ­te iro.U m v ia j a n t e q u e se e n c o n t r a em m e io de u m v a l e e s c u r e c i d o p e l a b r u m a , n ã o vê a l a r g u r a e os e x t re m o s do c am in h o ; c h e g a , p o ré m , ao c u m e da m o n t a n h a , d e s c o b r e o q u e p e r c o r r e u e o q u e lhe falta p e rco r re r , d i s t in g u e os o b s t á ­culos q u e a i n d a lhe r e s t a m po r v e n c e r e p o d e ve r com m a is s e g u r a n ç a o q u e lhe é n e c e s s á ­rio p a r a c h e g a r ao fim. O espíri to e n c a r n a d o e s t á como o v ia j a n t e q u e se a c h a ao pé do monte ; d e s p r e n d i d o dos laços te r re s t re s , d o m i ­na o t e r r e n o como o q u e c h e g o u ao alto. O fim da v i a g e m é o d e s c a n s o d e p o i s d a s f ad igas ; e do espíri to, a d i ta s u p r e m a d e p o i s d a s t r ibu- l a ç õ e s e d a s p r o v a s .T odos os espír i tos d izem q u e no e s t a d o e r r a n t e i n d a g a m , e s t u d a m e o b s e r v a m p a r a escolher . N ã o t e m o s e x e m p l o d e s s e caso n a v i d a m a t e ­r ia l? N ã o b u s c a m o s , m u i t a s vezes , d u r a n t e v á ­rios anos , a c a r r e i r a q u e d e v e m o s seguir , p o r ­q u e a a c r e d i t a m o s m a i s p r o p íc i a aos n o s so s d e se jo s? Se sa ím o s m a l em u m a , p r o c u r a m o s outra , e c a d a p ro f i ssão q u e a b r a ç a m o s é u m a fase, u m p e r ío d o de n o s s a v ida . N ã o e m p r e ­g a m o s o d ia em p r o c u r a r o q u e fa rem os a m a ­n h ã ? E q u e s ão as d i fe ren tes e x i s t ên c ia s cor- p ó r e a s p a r a o espírito, s e n ã o fases, p e r ío d o s , d ia s de sua v i d a esp ir i tua l , q u e , com o s a b e m o s ,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 132

é a n o rm a l , n ã o s en d o a física m a i s do q u et r a n s m i s s o r a e p a s s a g e i r a ? " .

O espir i t i smo v a i a i n d a a lém , c h e g a a a m p l i a r a esfera dos fa to res sociais, em u m ra io c e r t a m e n t e n ã o a d m i t id o n e m s o n h a d o p e lo s pos i t iv is tas .

P a r a estes , a s o c i e d a d e , ou seja o a m b i e n t e s o ­cial d o n d e s u r g e m a q u e l e s fatores, r e d u z - se à s o ­c i e d a d e f o r m a d a p e lo s h o m e n s q u e v iv e m n e s t e m u n d o , ao p a s s o q u e os e sp í r i ta s a d m i t e m u m a so ­c i e d a d e i m e n s a m e n t e maior , — a i n d a q u e só se r e ­firam à s o c i e d a d e do a m b i e n t e h u m a n o — q u e é a s o c i e d a d e fo r m a d a p e lo s espíri tos e n c a r n a d o s n e s te p l a n e t a e os espíri tos e r r a n t e s q u e com eles e s tão em c o m u n i c a ç ã o c o n s ta n te .

E q u i v a l e isto a dizer que , do p o n to de v is ta dos fa tores sociais crimino lóg icos , n ã o s e r ã o fa to res so ­ciais s o m e n te os q u e p r o m a n a m da s o c i e d a d e de n o s so s s e m e lh a n te s , m a s t a m b é m os q u e d e r iv a m de n o s s a s c o n s ta n te s e po r v e ze s m ui to ín t im as r e ­la ç õ e s com os espír i tos d e s e n c a r n a d o s .

É a a n t i g a teor ia , t o d a v i a s u s t e n t a d a p e l a s r e ­l ig iões m a i s em v o g a , dos an jos b o n s e m a u s , q u e sempre a c o m p a n h a m o h o m e m p a r a s u a g u a r d a ou seu p e c a d o . São as t e n t a ç õ e s do d i a b o e a a s ­s i s tênc ia ce les tia l dos d e u se s .

A l i t e ra tu ra e sp í r i t a a c e r c a da s r e l a ç õ e s en t re espíri tos e n c a r n a d o s e d e s e n c a r n a d o s é t ã o n u m e ­rosa , q u e se r ia prolixo em d e m a s i a oferecer a i n d a

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 133

q u e u m r e s u m o da m e s m a p a r a a d o c u m e n t a ç ã o d e s s a s id e ia s so b re a s o c i e d a d e , n ã o só h u m a n a ou in terhu m ana, c om o t a m b é m interespírita , da so ­c i e d a d e en t re os espír i tos q u e v ivem n a T e r r a e os q u e fazem v i d a m e ta -e té r ea .

P o d e ser q u e n ã o a g r a d e a a l g u n s a in c lu são da in f luênc ia dos espíri tos en t re os fa tores sociais; ou d en t ro da filosofia de A l lan K a r d e c j u l g u e m p r e ­ferível admit ir , a l ém dos fa tores an t ro p o ló g ico s , có s ­m icos e socia is , u m a q u a r t a c a teg o r ia : a dos fatores esp í r i ta s .

M as a im p e r fe ição ou a v i r tu d e de u m a c la s s i ­ficação, com o a p r o p r i e d a d e ou i m p r o p r i e d a d e de u m a s p a l a v r a s , n ã o p o d e c o n t ra d ize r a a f i rm a ç ã o de q u e p a r a os esp í r i ta s , en t re os fa to res d e t e r m i ­n a n t e s da d e l i n q u ê n c i a , e s tão os espíri tos e r r a n te s . Mefistófeles é p a r a o e sp í r i ta o s ím bolo de u m a r e a ­l idade , n ã o a s im ples c o n c e p ç ã o g e n ia l de um p o e ta .

Q u a n d o os e sp í r i t a s se d e d i c a r e m com m a io r e m a i s i n t e n s a e s p e c i a l i z a ç ã o ao a s p e c to c rimino- lógico de su a filosofia, p o d e r ã o ex p l ica r como as r e ­la çõ es d e l i tu o s a s do h o m e m com os espíri tos, b o n s ou m a u s , p o d e m rea l iza r - se , ou em sonhos, ou p e l a r e v e l a ç ã o , ou por s u g e s tõ e s inco n sc ien te s , ou por c o m u n i c a ç õ e s m a t e r i a l i z a d a s (m o v im en to s de m e ­sa, ru ídos , f a n t a s m a s etc.) ou por ou tros meios ; o p r in c íp io da c o m u n i c a b i l i d a d e com as a l m a s dos

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 134

m ortos é q u a s e p e c u l i a r (*) ao s esp í r i ta s , e e s tes c o s t u m a m t r a t a r c o m f requênc ia , n u m e r o s a b i b l i o ­g ra f ia e d e n s a e r u d i ç ã o , e sse a s p e c to de s u a teo r ia , q u e lhes é t ã o caro .

N ã o m e a t r e v o a e s c r e v e r m a i s n e s t e sen tido; s e r -m e - ia n e c e s s á r i a a luz de u m a fé q u e n ã o p o s su o .

(*) Digo quase peculiar porque, ainda que em mais restrito senti­do, o admitem outras crenças, até as religiões oficiais de nossos dias.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 135

XVI

E P ID E M IA S D E L IT U O S A S

Pelo q u e diz r e s p e i to ao p r o b l e m a d a s g r a n d e s s u g e s tõ e s co le t ivas com os fa tores sociais da crimi­n a l i d a d e , v e m o s q u e t a m b é m o esp ir i t ismo r e c o ­n h e c e este f e n ô m e n o e o adm ite .

É o q u e se d e d u z d e s te p a r á g r a f o de A l lan K a r ­dec:

”482 — Como se pode desenvolver em toda uma p o ­pulação o estado anormal dos convulsionários e dos nervosos?

"Efeito s im pá t ico . As d i sp o s içõ es m o r a i s se c o m u n i c a m m uito fac ilmente , em cer tos casos . N ã o sois tão e s t r a n h o s aos efeitos m a g n é t i c o s p a r a n ã o c o m p r e e n d e r d e s isto, e a p a r t e q u e cer tos espíri tos d e v e m t o m a r ne le s , po r s i m p a ­t ia p e lo s q u e os p r o v o c a m " .

O espir i t i smo, p o ré m , v a i m a is longe .

O pos i t iv ism o c r iminológico , ao adm it i r as e p i ­d e m i a s c r im ina is , n ã o c h e g o u a p e n s a r em r e s p o n ­s a b i l i d a d e s co le t ivas , como a c o n te c i a em id a d e s p a s s a d a s ; n e l a s o p o v o e as c id a d e s e r a m r e s p o n ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 136

sáve is pe lo s deli tos de u m ou de a l g u n s de seus h a b i t a n t e s .

O espiri t ismo, se a d m i te as g r a n d e s r e s p o n s a ­b i l i d a d e s co le t ivas , n ã o é no sen t ido de q u e u m a co le t iv id ad e d e v a r e s p o n d e r p e l a c u lp a de q u a l ­q u e r de seus m e m b ro s , p o r é m no de q u e h a v e n d o s o c i e d a d e s c a r a c t e r i z a d a s por seu a t r a s o m o ra l co ­letivo, sofrem c o le t iv a m e n te t a m b é m a p e n a l i d a d e q u e lhes im põe f a ta lm en te as leis e t e r n a s da e v o ­lu ç ão espír i ta .

V e ja - se a este re sp e i to o q u e d isse A l lan Kar- dec, e s t e n d e n d o o ra io da s o l i d a r i e d a d e social, con­forme lhe c h a m a m os pos i t iv i s ta s :

" H á famíl ias, p o v o s e r a ç a s sob re os q u a i s p e s a a p e n a de Talião .

Q u em com ferro fere, com ferro será ferido, d is ­se o Cristo, e e s ta s p a l a v r a s p o d e m ser ass im t r a d u z i d a s : a q u e l e q u e d e r r a m a r s a n g u e v e r á o seu d e r r a m a d o ; q u e m le v a r o facho in c e n ­d iá r io à c a s a a lhe ia , vê - lo -á a p l i c a d o à s u a ; a q u e l e q u e espol iar , s e r á e s p o l i a d o ; o q u e e s ­c ra v iza r e m a l t r a t a r o fraco, s e rá fraco, e s c r a ­v iz a d o e m a l t r a t a d o , q u e r se t r a t e de ind iv íduo , n a ç ã o ou r a ç a , p o r q u e os m e m b r o s de u m a i n d i v i d u a l i d a d e co le t iva são so l idá r ios t a n to no m a l com o no bem .E n q u a n t o o esp ir i t ismo d i la ta o c a m p o da so­l i d a r i e d a d e , o m a te r i a l i s m o o re d u z às m e sq u i -

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 137

n h a s p r o p o r ç õ e s da e x i s t ên c ia e f ê m e r a de u m h o m e m . T r a n s fo rm a -a em u m d e v e r socia l sem ra ízes , sem o u t r a s a n ç ã o q u e a b o a v o n ­t a d e e o in te re s se do m o m e n t o ; c o n v e r te - a em um a x i o m a filosófico cuja p r á t i c a n ã o é im ­p o s t a po r n i n g u é m .P a r a o espir i t i smo, a s o l i d a r i e d a d e é um fato q u e se b a s e i a em u m a lei u n iv e r s a l da n a t u ­reza , q u e a b r a ç a todos os se re s do p a s s a d o , do p r e s e n t e e do porvir , e a cujas c o n s e q u ê n c i a s n i n g u é m p o d e fugir".

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 138

X V I I

S U B S T IT U T IV O S P E N A IS

A d m i t in d o o d e t e r m i n a d o de cer tos fa tores, e s ­p e c i a l m e n t e dos socia is , com o c a u s a de d e l i n q u ê n ­cia, o q u e Ferr i c h a m a a lei de sa tu ração criminal, im p õ e -se a o u t r a t e o r ia dos subs t i tu t ivos p e n a i s .

Se h á c a u s a s r e m o v ív e i s da c r im in a l id a d e , cujo d e s a p a r e c i m e n t o ou a t e n u a ç ã o e s t á em n o s ­sas m ã o s , p o r q u e a s u p r im im o s ou r e d u z im o s p a r a q u e d i m i n u a ou d e s a p a r e ç a ta l ou q u a l forma cor- r e l a t i v a de d e l i n q u ê n c i a ?

Es ta é a b a s e s e g u r a da m o d e r n a po l í t ica cri ­mina l .

A l e g i s l a ç ã o c o m p a r a d a c o n t e m p o r â n e a n o s tem m o s t r a d o com o e s s a id e ia cientif ica v a i g a ­n h a n d o te r r e n o n o s p a í s e s civ il izados, com o v a i te n d o p r e f e r ê n c i a a po l í t ica p reven tiva da c r im i­n a l i d a d e , r e s t r in g in d o - s e o c a m p o da r e p r e s s ã o .

É o q u e p r o p õ e Ferri , e n c a m i n h a n d o a a t i v i d a ­de do futuro leg i s lad o r p a r a as r e fo rm as p r o g r e s ­sivas, que , n ã o se c h o c a n d o com os n a t u r a i s im ­pu lsos h u m a n o s , os di ri jam p o r v ia s n ã o c r im in o ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 139

sas, diminuindo as tentações e as ocasiões de de- linquir.

" N ã o n o s l i m i t e m o s c o m o a té a g o r a , d iz F e r - ri, a d e c r e t a r n o v a s p e n a s ou a a g r a v a r as j á ex is ­ten te s ; p r o c u re - s e in v e s t ig a r as c a u s a s dos f e n ô m e ­n o s c r imina is , e l im in a n d o - a s , c a n a l i z a n d o - a s , ou a t e n u a n d o - a s , p a r a influir e f ic azm en te em seus efeitos." (Sociologia Criminal - Turim, 1900, pág. 399)

A l lan K a r d e c d is se com ra z ã o , p e n s a n d o s e g u ­r a m e n t e no p r o b l e m a q u e Ferr i h a v e r i a de t r a ç a r t e m p o s depois : "por d esg ra ça , as le is p e n a is se d es ­t in am de preferência a punir o m al já feito do que a secar-lhe a fonte." (O Livro dos E sp ír ito s , 796)

Em v á r io s textos de suas o b r a s t r a t a de d iv e r ­sos a s p e c to s d e s s a id e ia fu n d a m e n ta l , q u e e x cu sa - m o s rep roduz i r .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 140

X V I I I

FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE

A r e s p o n s a b i l i d a d e do h o m e m d e l in q u e n te , s e ­g u n d o o espir i t i smo, é de d u a s c lasses , q u e p o d e ­r í a m o s c h a m a r : a h u m an a ou socia l e a espiritual; socia l a q u e l a em q u e o h o m e m se c h o c a com as r e ­g r a s v a r i á v e i s r e l a t iv a s à c o n v iv ê n c i a em d e t e r m i ­n a d a s o c ie d a d e ; esp i r i tua l , a em q u e o h o m e m r e s ­p o n d e p o r seus a tos, n a e v o lu ç ã o do seu espíri to imortal , s u b m e t i d a a leis a b s o l u t a s e im u táve is .

U m a é i ludível, p rescri t ível , a c o m o d á v e l a ex i ­g ê n c i a s de l u g a r e tem po ; e s tá n a s m ã o s da so c ie ­d a d e ofendida ; a o u t ra é in iludível, imprescr it íve l , a b s o l u t a , i m p o s t a p o r D e u s . D a í se d e d u z q u e s e u s fu n d a m e n to s têm q u e ser d iversos .

A r e s p o n s a b i l i d a d e espiritual, qu e é subje t iva , funda -se na n e c e s s i d a d e de cu m p r i r a lei d iv ina , q u e im p õ e o p r o g r e s s o aos espíritos, e e s tes e x p e ­r i m e n t a m fatal, in i lu d iv e lm e n te , as c o n s e q u ê n c i a s d o lo ro sa s de su as faltas, a té q u e a dor p r o d u z a a c o n sc iê n c ia do m a l e a firme v o n t a d e de n ã o r e i n ­cidir, e p o r t a n to u m n o v o e s t ra to de p r o g r e s s o é tn ico.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 141

A r e s p o n s a b i l i d a d e h u m a n a , q u e é obje tiva , funda -se n a n e c e s s i d a d e q u e a s o c i e d a d e tem de d e f e n d e r - s e c o n t ra os q u e r e a l i z a m a tos r e g r e s s i ­v o s e opos to s à o r d e m de v id a ex is ten te . A lei de c o n s e r v a ç ã o im p õ e à s o c i e d a d e , d e n t ro e fora da filosofia esp ír i ta , a n e c e s s i d a d e de lu ta r po r si e por su a i n t e g r i d a d e ; d e s t a n e c e s s i d a d e os e sp í r i ta s e os p os i t iv is tas fazem d e r iv a r a r a z ã o do cas t igo , ou melhor , da r e a ç ã o social.

Pois b e m , se a m b a s as r e s p o n s a b i l i d a d e s são dife rentes , n ã o é p o r se rem a n t a g ô n i c a s ; ao c o n t r á ­rio, o p r o g r e s s o c a d a d ia m a i s a c e n t u a d o da civili­z a ç ã o h u m a n a , a p r o x i m a c a d a vez m a i s os c o n c e i ­tos d a q u e l a s r e s p o n s a b i l i d a d e s , e, so b re tu d o , as fo rmas e p r o c e s s o s de s u a s a n ç ã o .

N ã o há n e c e s s i d a d e de refletir so b re t o d a a e v o lu ç ã o da p e n a e da r e s p o n s a b i l i d a d e , q u e os e s ­p í r i t a s c h a m a m h u m a n a , d e s d e as p r im i t iv a s v i n ­g a n ç a s d e s e n f r e a d a s a té os re fo rm ató r io s c o n t e m ­p o r â n e o s , p a r a p o d e r a f i rm ar o p r o g r e s s o da r e a ­ção socia l a t r a v é s dos séculos .

A s o c i e d a d e , q u a l q u e r q u e seja a filosofia q u e t e n h a s egu ido , r e a g i u s e m p r e no sen t ido d e fe n s i ­vo c o n t ra o d e l in q u e n te , e s o m e n t e em n o s so t e m ­po, o p r o g r e s s o in te l e c tu a l e m o ra l e s t a b e l e c e u u m a r e l a ç ã o en t re o d ire ito de c o n s e r v a ç ã o e o d e fe n s i ­vo da s o c i e d a d e , com o dire ito de c o n s e r v a ç ã o e o d e l i n q u e n t e no sen t ido do seu m e l h o r a m e n t o p r o ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 142

gress ivo . A ntes , a s o c i e d a d e d e fe n d ia - s e c e g a m e n ­te, sem q u e lhe i m p o r t a s s e a p e s s o a do r é u ; as r e a ­ções se le t ivas e r a m m a i s f r equen te s . Hoje, a so ­c i e d a d e se d e fe n d e c o n s c i e n t e m e n t e e a u x i l i a o cri ­m inoso a a l c a n ç a r seu n íve l m é d i o ou s u b je t i v a ­m e n te supe r io r de m o ra l e de in te l ig ên c ia , a d a p ­t a n d o - s e ao a m b ie n te .

Assim, n a t u r a l m e n t e se d e d u z q u e a r e s p o n s a ­b i l i d a d e h u m a n a se v a i a p r o x i m a n d o da r e s p o n ­s a b i l i d a d e esp ir i tua l , e q u e as formas de r e a ç ã o social c o n t ra o deli to c o l a b o r a m no m e s m o sen t ido , com a in t e r v e n ç ã o m is te r io sa da d i v i n d a d e n e s te p l a n e t a e no além, t e n d e n t e s a m b a s a corr ig ir o c u lp a d o e fazê-lo subir em s u a e v o lu ç ã o m ora l .

O p r o g r e s s o do h o m e m , isto é, o p r o g r e s s o do espírito, é a f in a l id a d e p s i c o l ó g ic a e s u b je t iv a da p e n a ; ass im , n e s te m u n d o com o no u n i v e r s o infini­to, o p r o g r e s s o dos se res é a f in a l id ad e p s ico ló g ica e sub je t iv a da dor n a i m e n s i d a d e da v i d a c ó sm i ­ca. A c o n s e r v a ç ã o dos seres , s e g u n d o as leis da n a t u r e z a e da s o c i e d a d e , eis a f in a l id ad e p s ic o ló g i ­ca e sub je t iv a do cas t igo e d a s r e s p e c t i v a s r e a ç õ e s do lo ro sa s co n t ra os q u e d e s c o n h e c e m e m e n o s p r e ­z am a q u e l a s leis.

E a ss im o esp ir i t i smo e a m o d e r n a filosofia p e ­n a l se e n l a ç a m n o v a m e n t e , l ivre dos e x a g e r o s p o u ­co s e n s a to s dos p r im e i ro s e n t u s i a s m o s da n o v a e s ­cola.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 143

Os espír i tos su p e r io re s , e n c a r n a d o s ou e r r a n ­tes, c o l a b o r a m na o b r a de c o o p e r a ç ã o u n iv e r s a l , p e l a e v o lu ç ã o p r o g r e s s i v a de todos os seres .

N o t e r re n o p e n a l d e s te m u n d o , as c o r re n te s e d o u t r i n a s p o s i t i v a m e n t e c o r re c io n a i s de n o s so s d ias , c o n s i d e r a n d o u m c r im inoso como u m a táv ico , ou com o u m a t r a s a d o , s u b s t i t u em os s i s te m a s p e n i ­t e n c i á r io s p o r s i s tem as re fo rm ató r io s e co r rec iona is , n o s q u a i s os espír i tos m o r a l m e n t e inferiores a d q u i ­r e m auxí lio , conse lhos , tu te l a s e p a t r o n a t o s dos es­p ír i tos s u p e r io re s em m o r a l i d a d e , p a r a a l c a n ç a r e m na T e r r a o p r o g r e s s o q u e , sem o socorro dos m a is civil izados, só p o d e r i a ser a d q u i r i d o d e p o is de u m a d e s e n c a r n a ç ã o .

Es ta t e o r ia e sp í r i t a da r e s p o n s a b i l i d a d e tem q u e ser e s t u d a d a n a i n t e g r i d a d e da s o b r a s de seusp a r t id á r io s , j á q u e se p o d e dizer q u e t o d a a filoso­fia e sp í r i t a se b a s e i a na c r e n ç a da r e s p o n s a b i l i d a ­de e t e r n a do espíri to com o u m a m a n i f e s t a ç ã o de su a e v o lu ç ã o infinita. Es ta t e o r ia p o d e ser d o ­c u m e n t a d a com a l g u n s p a r á g r a f o s sin té ticos de A l lan K a rd ec , j á l e m b r a d o s :

"Até q u e os espíri tos a l c a n c e m cer to g r a u depe r fe ição , se a c h a m sujeitos a falir, q u e r nae r r a t i c id a d e , q u e r n a e n c a r n a ç ã o . F a l ta r é in ­fringir a lei de Deus, e a i n d a q u a n d o e s te ja e la e sc r i t a no c o r a ç ã o de todos, o espíri to só a c o m p r e e n d e g r a d u a l m e n t e e à m e d i d a q u e

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 144

su a in te l ig ê n c i a se d e se n v o lv e . Q u e m infrin­ge a lei p o r i g n o r â n c i a e falta de e x p e r i ê n c ia , a q u a l s ó se a d q u i r e com o te m p o , incorre em r e s p o n s a b i l i d a d e r e l a t i v a ; m a s a falta d a q u e ­le cuja in t e l ig ê n c i a e s t á d e s e n v o lv id a , do q u e tem os m e io s n e c e s s á r i o s p a r a e sc la rece r - se , e infr inge v o l u n t a r i a m e n t e a lei, p r a t i c a n d o o m a l com c o n h e c im e n to de c a u s a , e s s a falta é um v e r d a d e i r o a to de r e b e l i ã o c o n t ra o au to r da lei.O de s t ino do espíri to é a v id a esp ir i tua l , p o ­ré m n a s p r im e i r a s fases da s u a e x i s t ên c ia cor- p ó r e a só tem n e c e s s i d a d e s m a t e r i a i s a s a t i s ­fazer; faz-se p r e c i s a a a ç ã o d a s p a i x õ e s a fim de c o n v e r te r os espír i tos e a e sp éc ie , m a t e r i a l ­m e n te fa lando . F o r a des te p e r ío d o p o s su i o u ­t ras n e c e s s i d a d e s sem im o ra i s .É aí q u e o espíri to d o m i n a a m a té r i a ; s a c o d e ­-lhe o jugo , per lus t ra o seu caminho p ro v id e n ­cial e se a p r o x i m a do seu v e r d a d e i r o dest ino . Se se d e ix a d o m i n a r po r ela, a t r a s a - s e , a s s e ­m e l h a n d o - s e ao b r u t o . N e s t a s i t u a ç ã o , o q u e a principio era bem , porque um a n e c e s s id a d e da natureza converte-se em m al, não só por­que já não se trata de um a n e c e ss id a d e , com o porque é um obstáculo à espiritualiza- ção do ser. O mal, p o r ta n to , é r e la t ivo e a r e s ­p o n s a b i l i d a d e p r o p o r c io n a l ao g r a u de a d i a n ­t a m e n to " .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 145

XIX

FUNDAMENTO DA PENA

D e u s é um n e o r o e d e r i a n o , s e g u n d o a filosofia e sp í r i t a ; n ã o é u m p e n a l i s t a m e d ie v a l , confo rm e as id e ia s ca tó l ica s ou tom is ta s , p o r m a i s q u e e s ta s q u e i r a m re iv in d ic a r p a r a si a p r i o r i d a d e correcio- n a l i s ta .

Se c lass i f icarm os a t e o r i a e sp í r i t a da p e n a l i ­d a d e en t re as c o n h e c i d a s t e o r i a s de c i ê n c ia c r imi­na l , t e r e m o s q u e incluir a p e n a l o g i a e sp í r i t a na e s ­co la n e o c o r r e c io n a l i s t a de filosofia p e n a l , o q u e n ã o q u e r dizer, com o j á se viu, q u e o espir i t ismo n ã o a d m i t i a a p e n a com o n e c e s s á r i a r e a ç ã o socia l e h u m a n a c o n t r a o deli to, com o u m a defesa . M as a d e fe sa socia l h u m a n a é p a r a o esp ir i t ismo um fu n d a m e n to im e d ia to da p e n a l i d a d e en t re os h o ­m e n s ; seu fu n d a m e n to m e d i a t o e s u p r e m o é a t u ­te la , a c o r r e ç ã o do d e l in q u e n te , seu m e l h o r a m e n t o m ora l , seu p ro g r e s so .

A ex p ia ç ã o q u e , com o se dirá , A l lan K a r d e c ex ige em su a p e n a l o g i a j u n t a m e n t e com o arre­p en d im en to e a r e p a r a ç ã o , é a n t e s um p rocesso , u m m o d u s corrigendi, do q u e u m a f in a l id a d e da

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 146

p e n a , com o n a s t e o r i a s r e t r ib u c io n i s t a s , j á d e s a ­c r e d i t a d a s , po r m a i s q u e f r e q u e n te m e n te a r e v i v a m na filosofia e a c o n t in u e m v iv e n d o n a s l eg i s laçõ es .

É p re c i so a b a n d o n a r a c o n c e p ç ã o p e n a l retri- b u t iv a e cau sa l i s t a , e p a r t i r de o u t r a c o n c e p ç ã o tu ­telar, p r e v e n t iv a , f inalista, te leo ló g ica . (*)

A p e n a l i d a d e d e ix a de ser u m m a l p a r a c o n ­ve r te r - se em u m b e m , em u m t r a t a m e n t o de m e d i ­c ina social , a q u e t ê m dire ito os d e l in q u e n te s , c o ­m o j á têm di re ito à a s s i s t ê n c i a m é d i c a ou tros e n ­fermos en t re os p o v o s c iv il izados. A m e d i c i n a so ­cial p o d e a p l i c a r p e n a s , as q u a i s , com o as a m p u ­ta çõ e s do c i ru rg ião , t r a z em co n s ig o a f in a l id a d e de b em , de cura , de r e a d a p t a ç ã o , de co r reção .

Es ta d o u t r i n a de K a r d e c vem , pois , re fundir a q u e in sp i rou C ar lo s D a v id A u g u s t o R o e d e r na p r i ­m e i r a m e t a d e do s écu lo 19, o g r a n d e p e n a l i s t a a l e m ã o , "cuja escola , no dizer de D o ra d o , foi s en d o t r a b a l h a d a , a i n d a q u e p a u l a t i n a m e n t e , no espíri to de m u i t a s p e s s o a s , de sorte q u e ho je se p o d e r i a d i ­zer q u e q u a n t o s c u l t i v a m t e o r i c a m e n t e o direito p e ­n a l ou o a p l i c a m na p rá t i c a , s ão m a i s ou m e n o s cor- r e c io n a l i s ta s " .

"Por o u t ra p a r t e , c o n t i n u a o g r a n d e p e n a l i s t a e sp a n h o l , os a n e lo s da re fo rm a p e n a l e p e n i t e n c i á ­r ia q u e m a n i f e s t a m to d a s as e sco la s ex is ten te s (p o ­

(*) P . Dorado, De Crim inologia e penologia, Madrid, 1906, pág. 51. Leia-se esta obra do genial P rofessor de Salam anca : especialm ente, po­rém, seu outro livro Bases para um nuevo derecho penal, para conhecer em suas linhas gerais esta interessante teoria crim inológica preventista.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 147

s it ivis tas ou n ã o , a m i g a s ou in im ig a s da lom bro- s i a n a ) , t o d a s as s o c i e d a d e s c o n s t i tu íd as p a r a e s ­tu d a r , p r o m o v e r e c o n s e g u i r a q u e l a re fo rm a (as p r in c ip a i s já m e n c i o n a d a s ) , e a g e n e r a l i d a d e dos e s tu d io so s e p u b l ic i s ta s , p e r t e n ç a m ou n ã o às e s ­co las e s o c i e d a d e s r e fe r idas , d e m o n s t r a m de m o d o su f ic ien tem en te no tó r io e exp ress ivo , q u e a id e ia diret riz de seus esforços é a de cura r, a t e n d e r e a u ­xi l iar os d e l in q u e n te s ; m e lh o rá - lo s ou in te n ta r m e ­lhorá-los , p o n d o em a ç ã o u m a sér ie o r g a n i c a m e n t e c o m b i n a d a de m e io s prof ilá t icos q u e p r e v i n a m a f o r m aç ã o de futuros deli tos e futuros d e l i n q u e n t e s " .

O esp ir i t ismo de K a r d e c e s tá n e s s a g r a n d e co r­re n t e de o p in iã o cient íf ica c r iminal, e de a c o r d o com ela e x p l ica a p e n o l o g i a do seu Deus.

E com o b o m co r rec iona l i s ta , esse D eus e s t a b e ­le ceu no a l é m - tú m u lo e a i n d a n e s t a e n c a r n a ç ã o te r r e n a , u m s i s t e m a de p e n a l i d a d e , de t r a t a m e n t o p e n a l , de a c o r d o com as id e ia s do c o r re c io n a l i sm o c o n t e m p o r â n e o , l ivre de cer tos l ir ismos do g e n ia l p e n a l i s t a a l e m ã o , p o r é m ro b u s t e c id o p e lo s a c r é s ­cimos do pos i t iv ism o evo luc ion is ta .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 148

XX

OS INCORRIGÍVEIS

Dir-se-á, po rém : N ã o n o s diz a f i losofia p e n a l c o n t e m p o r â n e a , p e lo m e n o s a c h a m a d a e sc o la a n ­t ropo lóg ica , q u e h á d e l i n q u e n t e s incorr ig íveis?

Sim, m a s s e g u n d o a fi losof ia esp ír i ta , n ã o há espíri tos incorr ig íveis ; todos são c a p a z e s de e m e n ­da r -se e p ro g red i r . C h o c a r - s e - ã o , d e s s e m o d o , a f ilosofia esp í r i ta e a m a t e r i a l i s t a l o m b r o s i a n a ? N ão ; a m b a s se h a r m o n i z a m .

O incorr ig ível dos h o m e n s de c iên c ia é p a r a e les u m te rm o q u a s e ab so lu to , vis to n ã o a d m i t i r e m ou t ra v ida , ou melhor , u m a im o r ta l i d a d e ; d e s c o ­b rem , en tão , h o m e n s incorr ig íveis , p o r q u e a té a morte , ou e n q u a n t o ex is tem, n ã o há , em cer tos c a ­sos, co r re çã o . E e s t ã o cer tos.

O espir i t i smo, po rém , em seu id ea l i sm o , v a i m a i s a lém do p o n to em q u e p a r a m os c ien t is tas , a lém da m or te do h o m e m . A d m i te a incorr ig ibil i- d a d e t e r r e n a de cer tos espíri tos m u i to a t r a s a d o s , p o ré m em seu e v o lu c io n ism o an ím ic o a f i rm a o p r o ­gresso dos espíritos e, po r tan to , sua corrigibil idade,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 149

ced o ou t a rd e , o q u e n ã o é só poss íve l , m a s fata l .S e g u n d o os e sp í r i t a s há , pois , h om en s incorri­

g ív e is em sua d e lin q ü ên c ia , m a s n ã o há espíri tos in c o r r ig iv e lm e n te m a u s .

Ass im d isse A l lan Kardec :

"Há espíritos que nunca se arrependem?

"Há a q u e l e s cujo a r r e p e n d i m e n t o é m u i to t a r ­dio, m a s p r e t e n d e r q u e n u n c a m e lh o r e m equi- v a l e r i a a n e g a r a lei do p r o g r e s s o e a dizer q u e o m e n in o n ã o c h e g a r á a adu l to" .

T ra ta - se , s im p le sm e n te , de u m a q u e s t ã o de p o n to s de vista. O p e n s a d o r de c i ên c ia p os i t iv is ­ta, q u e e n c e r r a su a s id e ia s no c a m p o de v isual i - d a d e rest ri to da o b s e r v a ç ã o p o s i t iv a dos f e n ô m e ­n o s da v ida , n ã o vê a l ém do q u e e s ta v id a lhe ofe­rece ; q u a n d o a n a l i s a o a t r a s o m o ra l de cer tos s e ­m e l h a n t e s , a i n d a m e s m o a c e i t a n d o a corr ig ib i l ida- de, o p r o g r e s s o evo lu t ivo ético de todos os h o m e n s , tem q u e adm it i r a i n c o r r ig ib i l id a d e de a lg u n s , p o r ­q u a n t o a v id a n ã o c o n c e d e o t e m p o n e c e s s á r i o p a r a q u e o a t áv i co suba , d e g r a u por d e g r a u , a e s ­c a l a mora l , d e s d e as p r o f u n d i d a d e s o n d e e s t a c io ­n o u a té o e s c a l ã o o n d e a h u m a n i d a d e es tá p r e ­sen te .

Os esp ír i ta s , po r seu ev o lu c io n i sm o an ímico , s i tuam -se , com o todos os r e e n c a r n a c i o n i s t a s , em

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 150

u m p o n to de v is ta m a i s e l e v a d o , q u e lhes e m p r e s ­ta a meta fís ica , ou m e lh o r a m e te m p s ic o s e . E p o ­dem ver ou c r ê em ver, u m c a m p o m ui to m a i s d i l a t a ­do, suficiente p a r a q u e em s u a g r a n d e e p e n o s a m a r c h a a t r a v é s do m e s m o e de seus múl t ip los a v a - ta res , p o s s a o m a i s r e t a r d a d o dos espír i tos a p r e s ­sar o p a s s o e i n c o rp o ra r - s e à m a s s a da e sp i r i tu a l i ­d a d e p ro g r e s s iv a .

Se a co r r ig ib i l id ad e é u m p r o b l e m a de d u r a ç ã o na ins is ten te a ç ã o dos fa tores evolu tivos , os p o s i ­t iv istas e r r a m por vezes , visto q u e o t e m p o de que d i spõem p a r a seus d ia g n ó s t i c o s éticos é e sca sso , d u ra so m en te u m a v ida . Os e sp í r i t a s p o d e m crer- -se vitoriosos, p o r q u e sua m e ta f í s ica lhes a m p l i a in d e f in id a m e n te o t e m p o p a r a a a ç ã o co rrec iona l , lhes c o n c e d e v á r i a s v idas , ou melhor , lhes dá o in ­finito.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 151

XXI

A PENA DE MORTE

Se é cer to q u e há d e l i n q u e n t e s inco r r ig íve is e n is to c o n v ê m os esp í r i ta s , a c e i t a r ã o eles a p e n a de m o r t e im p o s ta p e lo s h o m e m ?

É s a b id o q u e a lg u n s , sem d ú v i d a p o u c o s já , a i n d a m e s m o en t re os pos i t iv is tas r a d i c a i s da cri- m in o lo g ia , p r e t e n d e m f u n d a m e n t a r a p e n a de m o r ­te , en t re o u t ra s r azõ es , n a lei n a t u r a l de s e le ç ão , q u e se r ia r a z o á v e l c o n t r a os c r im inosos in co r r ig í ­ve is , ao i n sp i ra r - s e n e l a a s o c i e d a d e .

O u t ro s a r e p e l e m p o r v e r d a d e i r a m u l t i d ã o de rac io c ín io s , e en t re eles, a d i f i cu ldade ex t rem a , q u a n d o n ã o a i m p o s s i b i l i d a d e de d i a g n o s t i c a r se um d e l i n q u e n t e é incorr ig ível , e p e l a r e c o r d a ç ã o d a s a n t i g a s p e n a s v i n g a t iv a s , q u e a p e n a de m o r ­te r e s su s c i t a ao m a t a r e m u m d e l i n q u e n t e in co r r ig í ­ve l em n o m e da d e fe sa social.

C om efeito, d e s a p a r e c i d a a i m p u t a b i l i d a d e c láss ica , p a r a da r lu g a r ao d e te rm in ism o , d e s a p a ­r ece , em vez de v igo ra r , a p e n a de morte .

Hoje, a n t e s n ã o e r a ass im . A n i n g u é m ocor ­re, pe lo m e s m o p r in c íp io de d e fe sa social , m a t a r

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 152

u m leproso in cu ráve l ; e, a m e n o s q u e se t e n h a m em co n ta m ot ivos de v i n g a n ç a n a r e a ç ã o socia l con tra o del i to n ã o há r a z ã o cient íf ica p a r a r a c i o ­c inar e de u m m o d o c o n t ra o d e l in q u e n te , e de ou tro contra o en fe rm o i n c u r á v e l e c o n tag io so .

P ô d e a m o r te de a m b o s ser d e s c u l p á v e l em id a d e s b á r b a r a s , q u a n d o se i g n o r a v a m outros meios de d e fe sa e de h u m a n a s o l id a r i e d a d e ; hoje, po rém , são in ex p l ic áv e is . Ass im o e n t e n d e a c i ê n ­cia c o n t e m p o r â n e a e a ss im t a m b é m o e n t e n d e o espiri tismo, n e g a n d o e x p r e s s a m e n t e a n e c e s s i d a ­de e a jus t iça da p e n a de mor te . É p re c i so q u e o h o m e m n ã o feche a p o r t a ao a r r e p e n d i m e n t o n e s t a v ida , d isse A l lan K a rd ec , ou o q u e é o m e sm o , o h o ­m e m n ã o d ev e , com o hom ic íd io n e m com a p e n a de morte , cor ta r a p r o v a de u m a e n c a r n a ç ã o h u ­m a n a ; d ev e , an te s , c o o p e r a r com os espíri tos su ­pe r io re s n a o b r a p e d a g ó g i c a de fazer p r o g r e d i r o espírito a t r a s a d o . A i n d a q u a n d o o c r im inoso n ã o a a p ro v e i t e i n t e g r a lm e n te , no q u e lhe r e s t a de v ida , q u a n d o o l a b o r é eficiente, t e r á fac il i tado o p r o g r e s ­so na e r r a t i c i d a d e ou em o u t ra e n c a r n a ç ã o .

Le ia -se A l lan Kardec :

760 — A pena de morte desaparecerá algum dia da legislação?

"A p e n a de m o r te d e s a p a r e c e r á in c o n te s ta v e l - m e n te e su a s u p r e s s ã o m a r c a r á u m p r o g r e s s o n a h u m a n i d a d e . Q u a n d o os h o m e n s e s t iv e rem

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 153

m a is e sc la rec idos , a p e n a de m o r te se rá c o m ­p l e t a m e n t e a b o l i d a n a Terra. N ã o h a v e r á m a i s n e c e s s i d a d e de se rem os h o m e n s j u l g a d o s p e ­los h o m e n s .

Fa lo de u m t e m p o q u e a i n d a e s tá b a s t a n t e longe .O p r o g r e s s o socia l d e ix a a i n d a m ui to a d e s e ­ja r . Seria , p o ré m , injusto com a s o c i e d a d e m o ­d e r n a q u e m n ã o v isse p r o g r e s s o n a s re s t r ições p o s t a s à p e n a de m or te n o s p o vos m a i s a d i a n ­tad o s , e a n a t u r e z a dos c r im es a q u e a s u a a p l i ­c a ç ã o se a c h a l im i tada .Se c o m p a r a m o s as g a r a n t i a s de que , n e s s e s m e s m o s p o v o s , a ju s t i ç a costuma c e r c a r os a c u s a d o s ; a h u m a n i d a d e com q u e os t ra ta , m e s ­m o c o n s id e r a n d o - o s c u lp ad o s ; se a c o m p a r a r ­m os com o q u e se p r a t i c a v a em é p o c a q u e n ã o é m u i to r e m o ta , n ã o se p o d e r á n e g a r o c a m i ­n h o de p r o g r e s s o em q u e m a r c h a m o s " .

762 — A lei de conservação dá ao homem direito de preservar a vida, e usará ele desse direito quando eli­mina da sociedade um membro perigoso?

"Há ou tros m e ios de p r e s e r v a r - s e do p e r ig o sem m a ta r . É p rec iso , a l ém disso, ab r i r ao c r im in o ­so a p o r t a do a r r e p e n d i m e n t o e n ã o fechá- la" .

762 — Se a pena de morte pode ser banida das so ­ciedades civilizadas, não teria sido necessária em épo­cas menos adiantadas?

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 154

"N ecessá r io n ã o é o te rmo. O h o m e m crê s e m ­p re n e c e s s á r i a u m a c o i s a q u a n d o n ã o e n c o n ­t ra o u t ra melhor . À m e d i d a q u e se e sc la re ce , c o m p r e e n d e o q u e é ju s to e injusto, e r e p e l e os ex cesso s co m e t id o s em n o m e da jus t iça , em é p o c a s de i g n o r â n c i a " .

763 — A restrição de casos em que se aplica a pena de morte é indício de progresso?

"Sem d ú v id a . N ã o se r e v o l t a o seu espíri to lendo a n a r r a t i v a d a s carn i f ic inas h u m a n a s , r e a l i z a d a s em outros t em p o s , em n o m e da j u s ­t iça e com f r e q u ê n c i a em h o n r a da d i v i n d a d e ; dos to rm e n to s q u e se i m p u n h a m ao c o n d e n a d o e a té ao a c u s a d o p a r a a r r a n c a r - lh e , p e lo sofri­m en to , a conf is são de u m crime q u e m u i t a s v e ­zes n ã o c o m e t e r a ? Talvez h o u v e s s e a c h a d o m ui to n a t u r a l e como juiz feito o m e sm o . A s ­sim, o q u e p a r e c i a ju s to em um tem p o , p a r e c e b á r b a r o em outro. Só as leis d iv in a s são e te r ­n a s ; as h u m a n a s se t r a n s fo rm a m com o p r o ­g re s so e m u d a r ã o a i n d a a té q u e se h a r m o n i z e m com as d iv in a s" .

764 — Jesus disse: Quem m atar com a espada, m or­rerá pela espada. Não são estas palavras a consa­gração da pena de Talião, e a morte imposta ao assas­sino não é a aplicação daquela pena?

"A nde com c u id a d o , p o r q u e se tem e q u i v o c a d o com e s ta s p a l a v r a s como com m u i t a s o u t ra s .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 155

A p e n a de T a l ião é a ju s t i ç a de D eus e é Ele q u e m a ap l ica .Todos sofrem a c a d a in s t a n te e são c a s t i g a d o s p o r o n d e p e c a r a m , n e s t a ou em ou t ra v ida . O q u e fez seu s e m e l h a n t e sofrer e n c o n t r a r - s e - á em s i t u a ç ã o i d ê n t i c a à d a q u e l e a q u e m fez m al . Tal é o sen t id o d a s p a l a v r a s de Jesus. T a m b é m ele d i s se : P e r d o a i a vossos in imigos ,e e n s in o u a p e d i r a D e u s q u e p e r d o e n o s s a s o fensas com o h o u v e r m o s p e r d o a d o , isto é, na m e s m a p r o p o r ç ã o em q u e h o u v e r m o s p e r d o a ­do. E n t e n d e b e m isto?"

765 — Que se há de pensar da pena de morte impos­ta em nome de Deus?

"Signif ica q u e o h o m e m t o m a o l u g a r de D eus n a d i s t r ib u iç ã o da ju s t iça . Os q u e a s s im p r o ­c e d e m d e m o n s t r a m q u e e s t ã o lo n g e de c o m ­p r e e n d e r Deus e que muito têm a i n d a que ex ­p ia r . A p e n a de m o r te a p l i c a d a em n o m e de D eus é u m cr ime e os q u e a im p õ e m a c a r r e t a m a r e s p o n s a b i l i d a d e dos a s s a s s ín io s " .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 156

XXII

NÃO HÁ PENAS ETERNAS OU PERPÉTUAS

N ã o se ad m i te , p o r t a n to , no espir i t i smo, a p e n a de morte , como n ã o se a d m i t e m as su a s e q u i v a ­lentes, as p e n a s e te rn as .

A in justiça d a q u e l a s en t re os h o m e n s m or ta i s c o r r e s p o n d e à in jus tiça d e s ta s en t re os espíri tos imortais.

A i r r e p a r a b i l i d a d e , a d e s p r o p o r c i o n a l i d a d e , a i n c o r re c io n a b i l i d a d e , a i n e x e m p l a r i d a d e q u e o b r i ­g a m a repe l i r en t re os h o m e n s a p e n a de morte , l ev am a q u e se c o n c e b a m com o a b s u r d a s en t re os espíri tos as p e n a s e t e r n as .

O p a t íb u lo d e s a p a r e c e r á q u a n d o d e s a p a r e c e r o inferno. A forca e as c a l d e i r a s de c h u m b o fer- v e n te nos a n t ro s in ferna is c h e g a r ã o a ser s im ples l e m b r a n ç a s de é p o c a s de a t r a so , com o c r ia çõ e s de m e n te s s e lv a g e n s .

O espiri t ismo, n e s t e pon to , p r e t e n d e a p a g a r do p e n s a m e n t o re l ig io so e filosófico es te e s t i g m a a t á ­vico dos c r e d o s v u lg a r e s . O inferno, a p e n a e t e r ­na é u m a g r a n d e injustiça, u m g r a n d e a b s u r d o . A D eus n ã o c o n v ém o ofício de v e r d u g o d a s a lm a s .

PENSE - Pensamento Social Espírita

N a c r im in o lo g ia de D eus n ã o há , pois , n e m p e n a de m or te n e m c a d e i a s p e r p é t u a s . O inferno e s t á subs t i tu ído p e lo p u r g a tó r io , p e l a p e n a t e m ­pora l , e n q u a n t o os espír i tos p u r g a m s u a s faltas, e n q u a n t o sofrem em p r o p o r ç ã o ao q u e fizeram so­frer, e n q u a n t o a p r e n d e m o q u e n ã o s a b ia m , e n ­q u a n t o se pur i f icam, e n q u a n t o p r o g r id e m , e n q u a n ­to se corrigem .

C o m o d is se A l l a n K a r d e c e m seu l iv r o O C éu e o Inferno, que vem a ser o t r a t a d o de sua p e n a l o g i a espír i ta :

"O p u r g a t ó r i o n ã o é po is u m a id e ia v a g a e incer ta ; é u m a r e a l i d a d e m a te r i a l q u e v e m o s , to c a m o s e sofremos; e s t á nos m u n d o s de exp ia - ção, e a t e r r a é um de les ; aí os h o m e n s e x ­p i a m o p a s s a d o e o p r e s e n t e em p ro v e i to do futuro.Depende de cada u m protrair (*) ou abreviar sua p e r m a n ê n c i a s e g u n d o o a d i a n t a m e n t o a t in ­g ido . O l i v r a m e n to se dá , n ã o por c o n c lu s ã o do tem p o , m a s pe lo p ró p r io méri to , s e g u n d o as p a l a v r a s do Cristo: A c a d a um seg u n d o su asobras, o q u e r e s u m e a ju s t i ç a de Deus.Q u e m sofre n e s t a v i d a d e v e c o n v e n c e r - s e de qu e n ã o se pur if icou su f ic ien tem en te na p r e ­c e d e n t e ex is t ênc ia , e se n ã o o fizer ne s ta , s o ­frerá a i n d a na seg u in te . Isto é e q u i t a t iv o e lógico. S e n d o o p a d e c i m e n t o in e re n te à im ­pe r fe ição , t a n to m a i s t e m p o se sofre q u a n t o

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 157

(*) Adiar (Nota do Pense)

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 158

m a is imperfe ito se for, ta l com o n u m a en fe r ­m i d a d e , e n q u a n t o n ã o se e s tá c u ra d o . A s ­sim, e n q u a n t o o h o m e m for o rgu lhoso , sofrerá as c o n s e q u ê n c i a s do o rg u lh o ; e n q u a n t o for ego ís ta , sofrerá po r seu ego ísm o.

O espíri to c u l p a d o sofre p r im e i ro na v id a e s ­pi r i tua l , em p r o p o r ç ã o às s u a s im perfe ições , s en d o - lh e f a c u l t a d a a v i d a c o rp o ra l com o m e io de r e p a r a ç ã o . N e s ta se a c h a n o v a m e n t e com as p e s s o a s a q u e m ofendeu ou em m e io s a n á ­logos aos em q u e p r a t i c o u o mal , ou a i n d a em s i tu a çõ e s o p o s ta s , como, por ex em p lo , na m i ­séria, se foi r ico a v a r e n t o , em s i t u a ç ã o h u m i ­lh an te , se foi o rgu lhoso .

A e x p i a ç ã o no m u n d o dos espíri tos e na T e r ra n ã o é u m d u p lo cas t igo , m a s u m a e s p é c ie de c o m p le m e n to , t e n d o por fim facil i tar o p r o g r e s ­so po r u m t r a b a l h o efetivo. C a b e ao espíri to ap ro v e i tá - lo . C o n s i d e r a n d o - s e com o é g r a v e o p a d e c i m e n t o de cer tos espíri tos c u l p a d o s no m u n d o invis ível , com o é te r r íve l a s i t u a ç ã o de a lg u n s , q u e a n s i e d a d e os d e v o ra , e com o é p e n o s a p e l a im p o s s i b i l i d a d e de lhe ve r o fim, d i r -se- ia q u e e s t a v a m no inferno, se este t e r ­m o n ã o s ignif icasse a id e ia de u m c a s t ig o e te r ­no e m a te r ia l .

G r a ç a s à r e v e l a ç ã o dos espíri tos e aos e x e m ­plos q u e nos o ferecem, s a b e m o s q u e a d u r a ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 159

ção do sofr imento é r e g u l a d a p e lo m e l h o r a ­m e n t o do c u lp a d o .O espir i t i smo, p o r t a n to , n ã o n e g a , a n t e s c o n ­firma a p e n a l i d a d e futura. O q u e des t ró i é o in ferno lo c a l i z a d o com seus fornos e p e n a s ir- rem iss íve is . N ã o c h e g a o p u r g a t ó r i o , po is p r o v a q u e e s t a m o s n e l e ; define-o, p re c i sa -o , ex p l i c a a r a z ã o d a s m is é r i a s t e r r e n a s e faz q u e c re ia m n e l e os q u e o n e g a v a m .Q u e r o c a s t ig o se ve r i f ique n a v id a e sp i r i tua l ou em te r ra , q u a l q u e r q u e seja a sua d u r a ­ção , t em s e m p r e u m te rm o , p ró x im o ou rem oto . N ã o h á p a r a o espíri to m a i s q u e d u a s a l t e r n a ­tivas: ca s t igo t e m p o r a l e g r a d u a d o s e g u n d o a c u l p a b i l i d a d e , e r e c o m p e n s a s e g u n d o o m é r i ­to. O espir i t ismo r e p e l e a t e r c e i r a a l t e rn a t iv a , a da c o n d e n a ç ã o e t e rn a . O inferno r e d u z - se à f igura s im bó l ica d a s m a i o r e s p e n a s cujo te rm o é d e sc o n h e c id o . O p u r g a t ó r i o é a r e a l i d a d e . A p a l a v r a p u r g a t ó r i o r e v e l a a ide ia de u m lu­g a r c i rcunscr i to ; eis p o r q u e se a p l i c a n a t u r a l ­m e n t e à Terra , l u g a r de e x p ia ç ã o , q u e e s t á no e s p a ç o infinito o n d e e r r a m os espíri tos sofre­d o re s ; a l ém disso, a n a t u r e z a dos sofrimentos t e r re s t r e s é u m a v e r d a d e i r a e x p ia ç ã o .D eus é s o b e r a n a m e n t e jus to . A s o b e r a n a j u s ­t iça n ã o é a in ex o ráv e l , n e m a q u e d e ix a im ­p u n e a falta; é a q u e l ev a em co n ta r i g o r o s a o b e m e o m a l , q u e r e c o m p e n s a e c a s t i g a na

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 160

m a is e q u i t a t i v a p r o p o r ç ã o e n u n c a se e n g a n a . Se po r u m a falta t e m p o ra l , q u e é s e m p r e o r e ­su l tad o da n a t u r e z a im per fe i ta do h o m e m e às v e z e s do m e io em q u e se e n co n t r a , a a lm a p o d e ser c a s t i g a d a e t e r n a m e n t e , sem e s p e r a n ­ça de al ív io n e m p e r d ã o , n ã o h á q u a l q u e r p r o ­p o r ç ã o en t re a falta e o c a s t i g o ; logo, n ã o há jus t iça .

"Então, n ã o s e r ã o e t e r n a s as p e n a s im p o s ta s? " P e r g u n t e a seu sen t ido c om um , à su a r a z ã o se n ã o ser ia a n e g a ç ã o da b o n d a d e de D e u s u m a c o n d e n a ç ã o p e r p é t u a por a l g u n s m o m e n t o s de erro? Q u e é a d u r a ç ã o da v id a c o m p a r a d a à e t e r n i d a d e ? C o m p r e e n d e e s ta p a l a v r a ? Tor­tu r a s sem fim e sem e s p e r a n ç a s por a l g u m a s faltas?

Q u e os a n t ig o s v i s se m no S e n h o r do U n iv e r ­so um D e u s te r r íve l e v in g a t iv o , c o m p r e e n d e ­-se . E m sua i g n o r â n c i a a t r i b u í a m à D i v i n d a ­de as p a i x õ e s dos h o m e n s . N ã o é esse , p o ­rém, o D eu s dos c r i s tãos q u e co loca o amor , a c a r i d a d e , a m i s e r i c ó rd ia e o e s q u e c i m e n t o d a s o fensas no n ú m e r o d a s p r i n c ip a i s v i r tudes? N ã o é con t rad i tó r io a t r ibu i r - lhe a b o n d a d e in ­finita e a infinita v i n g a n ç a ? A ju s t i ç a n ã o e x ­clui a b o n d a d e , e Ele n ã o se r ia b o m se c o n d e ­n a s s e a p e n a s ho rr íve is , p e r p é t u a s , o m a io r

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 161

n ú m e r o de s u a s c r ia tu ra s . P o d e r i a im por a seus filhos a ju s t i ç a com o u m a o b r i g a ç ã o se não lhe t ivesse dado meios para com preendê - la? F a z e r d e p e n d e r a d u r a ç ã o d a s p e n a s dos e s ­forços do c u l p a d o p a r a p ro g r e d i r n ã o é a su­b l i m i d a d e da jus t iça u n i d a à b o n d a d e ? Nisto cons i s tem as p a l a v r a s segu in te s : A c a d a ums e g u n d o as suas o b ra s " .

Santo A gostinho (*)

"D ed ica i -vos por todos os m e ios a vosso a l c a n ­ce a c o m b a te r , a a n iq u i l a r a i d e ia d a s p e n a s e t e r n as , p e n s a m e n t o b la s fem a tó r io da jus t iça e da b o n d a d e de Deus , o r igem, m a is q u e q u a l ­q u e r outra , da in c r e d u l id a d e , do m a te r i a l i sm o , da in d i f e re n ç a q u e i n v a d i r a m as m a s s a s , d e s ­de q u e a i n te l ig ê n c i a se lhes p r in c ip io u a d e ­senvolver .M as c o m e ç a a e sc la re ce r - s e , logo p e r c e b e o espíri to e s s a m o n s t r u o s a in jus tiça; r e p e l e - a a su a r a z ã o , e d e ix a de c o m p r e e n d e r a lei q u e o re v o l t a e a D eus a q u e m a a tr ibui.Daí os m a l e s p a r a os q u a i s v im os t r a ze r os r e ­m éd io s . A t a re fa q u e in d i c a m o s s e rá t an to m a i s fácil q u a n t o as a u t o r i d a d e s em q u e se a p o i a m os d e fe n so re s de s e m e l h a n t e c r e n ç a se a b s t ê m de p a r t i c u la r i z a r . N e m os Concí l ios,

(*) Convém assinalar que a maioria dos trechos acima não é atri­buída por Kardec a Santo Agostinho. (Nota do tradutor)

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 162

n e m os P a d r e s da Ig re ja d e c id i r a m e s t a q u e s ­tão . Se, s e g u n d o os e v a n g e l i s t a s , e t o m a n d o l i t e ra lm en te as p a l a v r a s e m b l e m á t i c a s do Cristo, ele a m e a ç a v a os c u l p a d o s com o fogo e terno, n a d a h á n e s t a s p a l a v r a s q u e p r o v e os h a ja c o n d e n a d o e t e r n a m e n t e .P o b res o v e lh a s d e s g a r r a d a s , s a b e i com o c h e ­ga a vós o Bom Pastor; longe de d e s te r r a r - v o s p a r a s e m p r e de sua p r e s e n ç a , v e m ao vosso enco n t ro p a r a vos r e c o n d u z i r ao redil . Filhos p ród igos , a b a n d o n a i o d e s te r ro vo lu n tá r io , e n ­c a m i n h a i vossos p a s s o s à m o r a d a p a t e r n a , q u e o Pa i tem s e m p r e os b r a ç o s a b e r to s e e s tá s e m p r e d ispos to a c e l e b r a r vosso r e g r e s s o " .

L am enais

" Q u e s tã o de p a l a v r a s ! N ã o fizestes a i n d a d e r r a m a r b a s t a n t e s a n g u e ? É n e c e s s á r i o a c e n d e r as fogue i ras? D iscu te-se sobre a e t e r n i d a d e d a s p e n a s , dos cas t igos . N ã o sa- b e i s q u e aq u i lo q u e e n t e n d e i s hoje por e t e r n i ­d a d e n ã o e ra e n t e n d i d o do m e s m o m o d o pe lo s an t igos?C o n su l t a i os crimes, vós e os teó logos , e desco- br i re is q u e o texto h e b r e u n ã o t i n h a o m e s m o s ignif icado q u e o dos g reg o s ; os la t inos e os m o d e r n o s t r a d u z i a m - n o s p o r p e n a s sem fim, i r remiss íve is . A e t e r n i d a d e dos cas t ig o s cor­r e s p o n d e à e t e r n i d a d e do mal .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 163

Q u a n d o os h o m e n s , pe lo a r r e p e n d i m e n t o , v e s ­t i rem a t o g a da in o cên c ia , t e r m i n a r ã o os g e ­m id o s e o r a n g e r de d e n te s . V o ss a r a z ã o é li­m i t a d a , m a s com o aux í l io d e s s a r a z ã o n ã o h a v e r á u m a só p e s s o a de b o a v o n t a d e q u e c o m p r e e n d a de o u t r a fo rma a e t e r n i d a d e dos cas t igos .E t e r n i d a d e dos cas t igos ! Ser ia adm it i r q u e o m a l é e te rno . Só D eu s é e te rno e n ã o p o d e r i a c r ia r o m a l e terno , o q u e ser ia n e g a r o m a i s p re c io so dos seus a t r ibu tos , o p o d e r s o b e r a n o , po is n ã o ser ia s o b e r a n a m e n t e p o d e r o s o q u e m c r i a s s e u m e le m e n to d e s t ru id o r de s u a s o b ra s . H u m a n i d a d e , n ã o leves os teus tr istes o lh a re s às p r o f u n d i d a d e s da t e r r a p a r a a c h a r c as t ig o s n e la . C h o ra , e s p e r a , e x p ia e re fug ia - te n a id e ia de u m D e u s in f in i tam en te bom , p o d e r o s o em a b so lu t o e e s s e n c i a l m e n t e jus to" .

Platão

" G r a v i t a r p a r a a u n i d a d e d iv in a , t a l é o o b j e ­t ivo da h u m a n i d a d e ! P a r a isto três co isas são n e c e s s á r i a s : ju s t iça , am o r e c iên c ia ; três lhe são opos tas : i g n o r â n c i a , ódio e injustiça. F a l ­ta is à q u e l e s três p r inc íp io s c o m p r o m e t e n d o a i d e ia de D eus com o e x a g e r o da s e v e r i d a d e ; c o m p r o m e te i - a d u p l a m e n t e d e i x a n d o p e n e t r a r no espíri to da c r i a tu r a a c r e n ç a de q u e e la tem m a i s c l em ên c ia , m a n s i d ã o , a m o r e ju s t i ç a do

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 164

q u e o ser infinito. E des t ru ís a i d e ia do infer­no, fazendo-o r id ícu lo com o horr íve l e s p e t á ­culo dos v e r d u g o s , fogue i ra s e to rm en to s da Id a d e M édia .Q u a n d o a e ra d a s c e g a s r e p r e s á l i a s j á foi d e s ­t e r r a d a d a s l e g i s laç õ e s h u m a n a s , e s p e r a i s c o n se r v á - l a no ideal?A id e ia do inferno com seus fornos a r d e n t e s e c a ld e i r a s em e b u l i ç ã o p ô d e ser p e r d o á v e l ou to le ráv e l em u m século de ferro; no a tu a l n ã o é m a is do q u e f a n t a s m a ; a p e n a s se rve p a r a e s p a n t a r as c r i a n ça s . Ins is t indo n e s s a h o r r o ­ro sa mito log ia , e n g e n d r a i s a i n c r e d u l id a d e , m ã e de t o d a e s s a o r g a n i z a ç ã o social; t em o ver to d a u m a o rd e m socia l a b i s m a d a por falta de s a n ç ã o p e n a l .H o m e n s de fé a r d e n t e e v iva, m ã o s à obra , n ã o p a r a m a n t e r v e t u s t a s e j á d e s a c r e d i t a d a s fábu las , m a s p a r a r e a n i m a r e veri ficar a v e r ­d a d e i r a s a n ç ã o p e n a l , sob formas a p r o p r i a d a s a vossos cos tum es , aos s en t im en to s e luzes de v o s s a é p o ca . Q u e m é o c u lp a d o ? O q u e por um extravio , po r u m m o v im e n to falso da a lm a , se s e p a r a do obje to da c r iação , q u e co n ­siste no culto h a r m o n io s o do b e lo e do bom , idea l izado pe lo a rq u é t ip o h u m a n o , Jesus Cristo. Q u e é o cas t igo? A s o m a d as dores n e c e s s á ­r ia s p a r a a fa s ta r o h o m e m da d e fo rm id a d e .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 165

É o a g u i l h ã o q u e exc i t a a a l m a p o r m e io da a m a r g u r a , a fim de q u e se e n co n t r e a si m e s ­m a e v o lv a aos d o m ín io s do Bem.Seu obje to é a r e a b i l i t a ç ã o , a e m a n c i p a ç ã o . Q u e r e r q u e o c a s t ig o de u m a falta n ã o e t e r n a se ja e te rna , e q u i v a l e a n e g a r t o d a a su a r a ­zão de ser.C e s s a i de p ô r em p a r a l e l o o Bem, e s s ê n c i a do Cr iador , com o Mal, e s s ê n c i a da c r ia tu ra . A s ­s e g u r a i , ao con trá r io , a a m o r t i z a ç ã o g r a d u a l dos c as t ig o s e p e n a s por m e io d a s t r a n s m ig r a - ções e c o n se g u i r e i s a u n i d a d e d iv in a com a r a z ã o u n i d a ao sen t im en to" .

Paulo, A póstolo

" A d o u t r in a d a s p e n a s e t e r n as conver te o Ser S u p r e m o n u m D e u s im p la c áv e l . S e r ia lógico dizer q u e u m s o b e r a n o é m ui to bom , m ui to benfe itor, m u i to i n d u lg e n te , e ao m e s m o t e m ­po, i rado , v in g a t iv o , inflexível, e q u e c o n d e n a a p e n a ú l t im a as três q u a r t a s p a r t e s de seus súd i tos por u m a in f ração às su a s leis, a i n d a m e s m o os q u e n ã o as c o n h e c e r a m . N ã o s e ­r ia u m a c o n t r a d i ç ã o ? S e rá D eu s p ior q u e u m h o m e m ?

H á o u t r a c o n t r a d i ç ã o . Se D eus s a b e tudo, d e v ia sab e r , ao c r ia r u m a a lm a , q u e e la p e c a ­ria, e, p o r t a n to , foi c o n d e n a d a d e s d e s u a for­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 166

m a ç ã o à e t e r n a d e s g r a ç a . É isto poss íve l? É r a c io n a l ? C o m a d o u t r i n a d a s p e n a s r e l a t i ­v a s tu d o se justif ica. D eu s s ab ia , i n d u b i t a v e l ­m e n te , q u e a a l m a d e l in q u i r ia , com o s a b i a os m e ios de e s c l a r e c e r - s e p e l a e x p e r i ê n c i a e p e ­las q u e d a s . É p re c i so q u e exp ie os e r ros p a ­ra fi rmar-se no B em ; as p o r t a s da e s p e r a n ç a n ã o lhe e s tão f e c h a d a s p a r a s e m p r e ; a e m a n ­c ip a ç ã o d e p e n d e dos esforços q u e fizer p a r a c h e g a r a ela. Isto o c o m p r e e n d e to d a a g e n te e o a d m i te a m a i s r i g o r o s a lógica . Se as p e ­n a s fu turas fossem a p r e s e n t a d a s sob este a s ­pec to , h a v e r i a m e n o s cépticos .A p a l a v r a eterno se a m p l i a f i g u r a d a m e n t e na l i n g u a g e m v u l g a r p a r a in d ica r u m fato de lon­ga d u r a ç ã o e cujo fim n ã o se d e m o n s t r a , a i n ­da q u e se s a i b a q u e ele existe. Dizemos, po r ex em p lo , os ge lo s e t e r n o s d a s a l t a s m o n t a ­n h a s , dos pólos , a p e s a r de s a b e r q u e o m u n d o físico t e r á um fim e q u e o e s t a d o d a q u e l a s r e ­g iões p o d e m u d a r p e l a d e s l o c a ç ã o n o r m a l do eixo ou po r u m ca tac l i sm o . A p a l a v r a etern o , n e s te caso , não q u e r d iz e r p e r p é tu o ao in f in i to . Q u a n d o sofremos lo n g a e n fe r m id a d e , d izem os q u e o n o s so m a l é e te rno . N ã o será , p o r t a n to , e s t r an h o , q u e espíri tos sofredores p o r anos , séculos , ou m i lh a r e s de an o s , d ig a m o m e s m o . N ã o e s q u e ç a m o s q u e n ã o lhes p e r m i t in d o a in fe r io r id ad e ve r o t e rm o do c a m in h o , c reem

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 167

q u e h ã o de sofrer s em p re , o q u e é u m cas t igo p a r a eles.A d o u t r in a do fogo m a te r ia l , d a s fogue i ra s e dos to rm en tos , c o p ia d o s do t á r t a r o do p a g a n i s ­mo, es tá hoje c o m p l e t a m e n t e a b a n d o n a d a p e ­la a l ta teo log ia ; só n a s e sco la s se d ã o com o v e r d a d e s p o s i t iv a s e sses ho rr íve is q u a d r o s a l e ­gór icos , po r p e s s o a s ze losas , q u e i n s p i r a d a s nos e q u ív o c o s m e n c i o n a d o s , s u p õ e m q u e as jo v e n s im a g i n a ç õ e s , l i b e r t a d a s do seu terror, p o d e r ã o e n g r o s s a r o n ú m e r o dos inc rédu los . A t e o lo g ia r e c o n h e c e hoje q u e a p a l a v r a fogo se e m p r e g a f i g u r a d a m e n te , t r a t a n d o - s e de u m fogo mora l . Os q u e a c o m p a n h a m as p e r i p é ­c ias da v id a e os sof rimentos do a lém - tú m u lo , p e l a s c o m u n i c a ç õ e s dos espíritos, p o d e m co n ­v e n c e r - s e de que , e m b o r a n a d a m a te r i a i s , n ã o s ão eles m e n o s a g u d o s .Do p o n to de v is ta da d u r a ç ã o , cer tos t eó logos c o m e ç a m a admit i- los no sen t ido estrito, e c re em q u e a p a l a v r a eterno p o d e e n t e n d e r - s e com r e l a ç ã o às p e n a s , em si m e s m a s , como c o n s e q u ê n c i a de u m a lei im utáve l , e n ã o de sua a p l i c a ç ã o a c a d a ind iv íduo . Q u a n d o a r e l ig iã o adm it i r e s ta i n t e r p r e t a ç ã o , com o o u ­tras , filhas do p r o g r e s s o e da s luzes, m u i t a s o v e lh a s d e s g a r r a d a s s e r ã o a t r a í d a s " . (*)

(*) O Livro dos Espíritos - Comentário de Allan Kardec à questão 1009. (Nota do Pense)

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 168

X X I I I

O CÓDIGO PENAL DE ALÉM-TÚMULO

A s s e n ta d o s os p r inc íp io s f u n d a m e n t a i s do cor- rec iona l i sm o espír i ta , a s s im como se d e d u z facil­m en te a im p o s s ib i l id a d e filosófica da p e n a de m o r ­te e da s p e n a s p e r p é t u a s , t a m b é m se d e d u z e m o u ­tras c o n s e q u ê n c i a s da t e o r i a c o r r e c io n a l i s t a c r im ino- lógica, como p o d e r á ve r q u e m ler os s eg u in t e s t e x ­tos q u e A l lan K a r d e c in ti tu la e n f a t i c a m e n te "C ó ­digo p e n a l da s p e n a s fu turas" . A in d a à c u s ta das a c o s t u m a d a s e i n c e s s a n t e s r e p e t i ç õ e s do autor, creio n ã o d e v e r sup r im ir n e m u m a , p a r a te rm os ide ia m a i s c o m p le t a e d i re ta do s i s tem a da p e n a - logia espíri ta:

"O espir i t i smo n ã o vem, pois , com su a a u to r i ­d a d e p r i v a d a formular u m cód igo de fa n ta s ia ; sua lei, no q u e toca ao futuro da a lm a , d e d u z i ­das da s o b s e r v a ç õ e s dos fatos, p o d e resumir-se nos s eg u in t e s pon tos :1. A a lm a ou espíri to sofre na v id a esp i r i tua l to d a s as im per fe ições de q u e n ã o se d e sp o jo u d u r a n t e a v id a c o rp ó re a . Seu e s tado , feliz ou

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 169

d e s g r a ç a d o , é in e r e n t e ao g r a u de s u a d e p u ­r a ç ã o ou de s u a s im perfe ições .2. A fe l ic idade c o m p le t a é i n e re n te à p e r fe i ­ção, isto é, à d e p u r a ç ã o c o m p le t a do espírito. T o d a im p e r fe iç ão é p o r su a vez c a u s a de so ­frimento, da m e s m a fo rma q u e to d a p e r fe iç ão a d q u i r i d a é c a u s a de p r a z e r e a t e n u a ç ã o de sofrimentos.3. N ã o h á u m a só im p e r fe ição da a l m a q u e n ã o a c a r r e t e c o n s e q u ê n c i a s m o le s t a s e i n e v i ­táve i s , n e m b o a q u a l i d a d e q u e n ã o dê o r ig e m a um p raze r .A s o m a d a s p e n a s é a ss im p r o p o r c i o n a l à d a s im perfe ições , com o a s o m a d a s a l e g r i a s e s tá n a r a z ã o da s o m a de b o a s q u a l i d a d e s .A a l m a q u e tem dez im perfe ições , po r exem plo , sofre m a i s do q u e a q u e tem três ou q u a t ro ; e q u a n d o d e s s a s dez im per fe ições só lhe r e s t a r m a i s q u e m e t a d e ou u m q u a r to , sofrerá m e ­nos; e q u a n d o n ã o t iver n e n h u m a , j á n ã o so­frerá e s e r á e t e r n a m e n t e feliz. Ass im su c e d e n a Terra: q u e m p o s su i m u i t a s e n f e r m i d a d e so ­fre m a i s do q u e a q u e l e q u e só tem u m a ou n ã o as possu i .4. E m v i r tu d e da lei do p ro g r e s so , q u e dá a t o d a a l m a a p o s s i b i l i d a d e de a d q u i r i r o b e m q u e lhe falta e des fazer -se do q u e tem de m a u , s e g u n d o os seus esforços e s u a v o n t a d e , d e ­p r e e n d e - s e q u e o futuro n ã o e s tá f ech ad o a

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 170

n in g u é m . D e u s n ã o r e p u d i a a n e n h u m de seus filhos e os r e c e b e em seu seio à m e d i d a q u e a l c a n ç a m a p e r fe ição , d e i x a n d o a c a d a um o m ér i to de s u a s o b ra s .5. S e n d o o sof rimento i n d i s p e n s á v e l à i m p e r ­feição, com o o p r a z e r à pe r fe ição , a a l m a t r a z cons igo o p r ó p r io c as t ig o o n d e q u e r q u e se e n ­c o n t re ; n ã o h á n e c e s s i d a d e de l u g a r c i r c u n s ­crito. O infe rno exis te o n d e há a l m a s so f redo­ras , a s s im com o o céu o n d e há a l m a s felizes.

6. O b e m e o m a l q u e fazem os são o p ro d u to d a s b o a s ou m á s q u a l i d a d e s q u e p o s su ím o s . N ã o fazer o b e m q u a n d o p o d e m o s é r e s u l t a d o de u m a im pe r fe ição . Se a im p e r fe ição é c a u s a de sofrimento, o espíri to d e v e sofrer n ã o só po r todo o m a l q u e fez com o p e lo b e m que , p o d e n ­do, d e ix o u de fazer n a v i d a te r res t re .

7. O espír i to sofre p e lo m a l q u e fez, de m o d o q u e s e n d o a s u a a t e n ç ã o c o n s t a n t e m e n t e d i r i ­g i d a p a r a as c o n s e q u ê n c i a s d e s s e mal , c o m ­p r e e n d e m e lh o r os seus i n c o n v e n i e n t e s e é l e ­v a d o a corrigi r -se.

8. S en d o infinita a ju s t i ç a de Deus , são l e v a ­dos em r ig o r o s a c o n ta o b e m e o m a l ; se n ã o h á u m a s ó m á a ç ã o , u m s ó m a u p e n s a m e n t o q u e n ã o t e n h a m su as c o n s e q u ê n c i a s fatais, t a m b é m n ã o h á u m a s ó b o a a ç ã o , u m s ó b o m m o v im e n to da a lm a , o m a i s l ige iro méri to , q u e

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 171

se p e rca , m e s m o p a r a os m a is p e rv e r so s , p o r ­q u e isso consti tu i um p r inc íp io de p ro g res so .9. T o d a falta com et ida , todo m a l r e a l i z a d o é u m a d ív ida q u e se co n t ra i e q u e d e v e ser p a ­ga; se n ã o o for n u m a ex is tênc ia , se- lo-á na s e g u in t e ou seg u in te s , p o r q u e as ex i s t ên c ia s são so l id á r ia s u m a s com as ou tras . A q u e le q u e p a g o u n a e x i s t ên c ia p r e s e n t e n ã o te rá que p a g a r s e g u n d a vez.

10. O espíri to sofre as c o n s e q u ê n c i a s de suas im perfe ições , o ra no m u n d o esp ir i tua l , o ra no m u n d o corpora l . As m isé r ia s , as v ic is s i tudes sofridas na v id a física são o r e s u l t a d o de n o s ­sas im perfe ições , a e x p i a ç ã o de faltas co m et i ­das , n e s t a ou em p r e c e d e n t e s ex i s tênc ia s .P e la n a t u r e z a dos sofr imentos e da s vicissi tu- des da v id a co rp ó rea , p o d e - s e j u l g a r da s fal­ta s c o m e t id a s em p r e c e d e n t e e x i s t ên c ia e as im pe r fe ições q u e lhes d e r a m c a u s a .

11. A e x p i a ç ã o v a r i a s e g u n d o a n a t u r e z a e a g r a v i d a d e da falta; a m e s m a falta p o d e d e ­t e r m in a r e x p ia ç õ e s d iferentes, conforme se jam as c i r c u n s t â n c i a s a t e n u a n t e s ou a g r a v a n t e s .

12. N ã o há r e g r a a b s o l u t a e un ifo rm e q u a n t o à n a t u r e z a e d u r a ç ã o do cas t igo ; a ú n i c a lei g e r a l é q u e a to d a falta c a b e um c as t ig o e to ­da a ç ã o b o a é r e c o m p e n s a d a s e g u n d o seu v a lo r .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 172

13. A d u r a ç ã o do c as t ig o d e p e n d e da m e l h o ­ra do espíri to c u lp a d o . N ã o se p r o n u n c i a co n ­t ra ele n e n h u m a c o n d e n a ç ã o por t e m p o d e t e r ­m in a d o . O q u e D eus ex ige p a r a o t e rm o dos seus sofrimentos é a m e l h o r a séria, efetiva, sin­cera, a vo l ta ao bem .U m a c o n d e n a ç ã o por t e m p o d e t e r m i n a d o t e ­r ia dois i n c o n v e n i e n t e s : o de c o n t in u a r o c a s ­t igo do espír i to r e g e n e r a d o , ou o do seu t e rm o q u a n d o ele a i n d a p e r m a n e c e s s e no mal. Deus, q u e é jus to , só c a s t i g a o mal, e n q u a n t o existe; d e ix a de punir , q u a n d o n ã o existe. Por o u ­tra, s en d o o m a l m o ra l c a u s a de sofrimento, este d u r a r á e n q u a n t o o m a l subsist ir ; à m e d i ­da q u e o m a l d ec resce r , a i n t e n s i d a d e do so­frimento d im inu i rá .14. E s t a n d o a d u r a ç ã o do cas t igo d e p e n d e n ­do da m e lh o ra , o c u l p a d o q u e n ã o m e l h o r a s s e sofreria s e m p r e o q u e p a r a ele se r ia u m a p e n a e te rna .15. C o n d iç ã o in e re n te à in fe r io r id ad e dos es­pír i tos é a de n ã o v e r e m o fim de sua s i tu a ­ção e a c r e d i t a r e m q u e sofrerão sem p re .S e rá u m cas t igo q u e lhes p a r e c e r á e te rno . (*)

(*) Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se: o limite das neves per­pétuas; os gelos eternos dos polos. E se diz também: o Secretário Perpé­tuo da A cad em ia , o que não significa que o seja perpetuam ente, senão por tempo ilimitado. Eterno e perpétuo se em pregam , pois, em sentido indeterminado. Nesta acepção pode-se dizer que as penas são eternas, se se entende que não têm uma duração lim itada; são eternas para o esp íri­to que não lhes vê o fim . (Nota de A llan Kardec)

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 173

16. O arrepend im ento é o p r im e i ro p a s s o p a ­ra a r e g e n e r a ç ã o ; n ã o é suficiente, p o ré m ; fa­zem -se n e c e s s á r i a s a e x p ia ç ã o e a rep a ra çã o . A rrepend im ento , e x p ia çã o e rep a ra çã o são astrês c o n d içõ e s n e c e s s á r i a s p a r a a p a g a r os t r a ç o s de u m a falta e su a s c o n s e q u ê n c i a s .O a r r e p e n d i m e n t o s u a v i z a as d o re s da exp ia - ção , e p e l a e s p e r a n ç a p r e p a r a os c a m i n h o s da r e a b i l i t a ç ã o ; só a r e p a r a ç ã o , p o ré m , p o d e r á a n u l a r o efeito, d e s t r u in d o a c a u s a . O p e r d ã o é u m a g r a ç a e n ã o u m a a n u l a ç ã o .17. O a r r e p e n d i m e n t o p o d e r á d a r - s e em q u a l ­q u e r l u g a r e em q u a l q u e r t em po ; se for ta rd io , m a i s longo s e r á o sofrimento. A e x p i a ç ã o cons is te n o s sofr im entos físicos e m o ra i s , con- s e q u ê n c i a s d a s fa ltas co m e t id a s , n e s t a v i d a ou na e sp i r i tu a l ou em n o v a e x is t ên c ia c o rp ó re a , a té q u e se a p a g u e m os ves t íg io s da falta.A r e p a r a ç ã o cons is te em fazer o b e m a q u e m se fez o m al . Q u e m n ã o r e p a r a n e s t a v i d a as faltas c o m e t id a s , p o r im p o s s i b i l i d a d e ou m á v o n ta d e , a c h a r - s e - á , n u m a e x i s t ên c ia p o s t e ­rior, em co n tac to com as p e s s o a s q u e p r e j u d i ­cou e em c o n d içõ e s p o r ele m e s m o e sco lh id a s , q u e lhe facil i tem p r o v a r às v í t im a s o de se jo de lhes fazer t a n to b e m , q u a n t o fora o m a l q u e lhes fizera.N e m to d a s as faltas o c a s i o n a m s e m p r e u m p r e ­juízo d i re to e efetivo; n e s te caso , a r e p a r a ç ã o

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 174

consis te em fazer-se o q u e n ã o se h a v i a feito, c u m p r in d o - s e os d e v e r e s d e s c u i d a d o s e as m i s ­sões n ã o p r e e n c h i d a s ; p r a t i c a n d o - s e o b e m em c o m p e n s a ç ã o do m a l p r a t i c a d o , isto é, t o r n a n ­do-se o in d iv íd u o h u m i ld e se e r a o rg u lhoso , a m á v e l se a u s te ro , ca r i t a t ivo se ego ís ta , b e n é ­volo se m a lé v o lo , l a b o r io so se p re g u iç o so , útil, sóbrio se dis solu to , t r o c a n d o os m a u s p o r b o n s e x em p lo s . É ass im q u e p r o g r i d e o espírito, a p r o v e i t a n d o o p a s s a d o . (*)

18. Os espíri tos imperfe i tos são ex c lu íd o s dos m u n d o s felizes, cuja h a r m o n i a p e r t u r b a r i a m ; p e r m a n e c e m n o s m u n d o s inferiores, o n d e , po r m e io d a s a t r i b u l a ç õ e s da v ida , e x p i a m as fal­ta s e se pu r i f icam d a s im per fe ições , a té q u e m e r e ç a m e n c a r n a r em m u n d o s m a i s a d i a n t a ­dos, m o r a l e f i s icamente .

(*) A necessidade da reparação é um princípio de rigorosa ju stiça , que pode considerar-se verdadeira lei de reabilitação moral dos espíritos. É uma doutrina que ainda nenhuma religião proclamou.

Algum as pessoas a repelem porque achariam mais cômodo apagar suas más ações com um simples arrependimento. São livres de se ju l­garem satisfe itas; mais tarde verão se isto lhes basta.

Perguntamos se este princípio não está consagrado pela lei hum a­na e se a justiça de Deus é inferior à dos homens.

E bastaria que o indivíduo que houvesse arruinado outros por abuso de confiança, se dissesse infinitam ente sentido? Como deixar de ladouma obrigação que todo homem honrado tem o dever de cumprir na me­dida de suas forças?

Quando a perspectiva de reparação for inculcada na crença das mas­sas, será um freio muito mais poderoso que o do inferno e das penas eter­nas, visto que se refere à atualidade da vida, e o homem compreenderá a razão de ser das penosas circunstâncias em que se encontra colocado. (Nota de Allan Kardec)

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 175

Se é poss íve l c o n c e b e r u m lu g a r de cas tigo circunscrito, é o dos m u n d o s de e x p iação , em torno dos q u a i s p u l u l a m os espíri tos imperfei­tos d e s e n c a r n a d o s , à e s p e r a de n o v a ex is tên­cia que , p e rm i t indo - lhes r e p a r a r o m al q u e fi­zeram, coopere p a r a seu a d ia n t a m e n to .19. C om o o e sp í r i t o t em se m p r e o l i v r e - a r b í - trio, a l g u m a s vezes é lento o p rog resso , e m u i ­to t e n a z sua o b s t in a ç ã o no mal. Pode p e r s i s ­tir an o s e séculos ; chega , porém , o m om en to em q u e a te im os ia no desaf ia r a jus tiça de Deus cede p e r a n t e o sofrimento e, a p e s a r do seu m e sq u in h o orgulho, r e co n h ece a po tên c ia super io r q u e o domina . D esde q u e se lhe m a ­nifes tam os p r im ei ros r e s p le n d o r e s do a r r e ­pend im en to , Deus lhe faz en t rever a esperança . N ã o há e sp í r i to que não p o s s a p r o g r e d i r , p o i s ne s se caso e s t a r i a d e s t in ad o a e t e r n a inferio­r id a d e e fora da lei infalível de evo lução que rege to d a s as c r ia tu ra s .20. Q u a i s q u e r que sejam a in fer ior idade e a p e r v e r s i d a d e dos espíritos, D eus jam ais os aban donará . Todos têm seu anjo da g u a r d a , que por eles ve la , o b se rv a - lh e s os m ov im en to s da a lm a e se esforçam em suscitar- lhes b o n s p e n s a m e n to s , o dese jo de p ro g red i r e r e p a r a r em n o v a ex is tênc ia o m a l que fizeram. Essa in te r fe rênc ia do g u ia é q u a s e s em pre oculta,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 176

s a b e q u e s e r á p u n i d a se fizer mal ; m a s s a b e t a m b é m q u e o c a s t ig o t e m p o r a l é u m m e io de fazê- la c o m p r e e n d e r o erro e e n t r a r na b o a s en d a , em q u e c h e g a r á t a r d e ou cedo.S e g u n d o a d o u t r i n a d a s p e n a s e t e r n as , s a b e - s e q u e falirá e a n t e c i p a d a m e n t e se a c h a c o n d e n a ­da a t o rm en to s sem fim.21. C a d a u m r e s p o n d e po r s u a s faltas; n i n ­g u é m sofre p e l a s a lh e ia s , sa lvo se lhes d e u ori ­gem , p r o v o c a n d o - a s p e lo e x e m p l o ou d e i x a n ­do de im p ed i - la s , q u a n d o o p o d e r i a fazer. Ass im, po r ex em p lo , o su ic ida é s e m p r e cas t i ­g a d o ; m a s a q u e l e q u e , po r m a l d a d e , im pe le outro a cometê- lo , sofre u m a p e n a maior .22. E m b o r a seja infinita a d i v e r s i d a d e dos cas t igos , a l g u n s são in e re n te s à in fe r io r idade dos espíri tos e cujas c o n s e q u ê n c i a s , sa lvo os p o r m e n o r e s , são m a i s ou m e n o s id ên t icas .A p u n i ç ã o im e d i a t a en t re os q u e se a c h a m a fe r r a d o s a v i d a m a te r ia l , em d e s p r e z o do p r o ­g re s so esp ir i tua l , cons is te n a l e n t id ã o do d e s ­p r e n d i m e n t o , n a s a n g ú s t i a s q u e a c o m p a n h a m a m or te e o d e s p e r t a r na o u t r a v id a em p e r t u r ­b a ç ã o , o q u e p o d e d u r a r m e s e s e anos .Ao con t rá r io , p a r a os q u e têm a c o n sc iê n c ia p u r a , q u e se iden t i f ic a ram com a v id a e sp i r i ­tual , q u e se d e s p r e n d e r a m d a s co isa s m a t e ­ria is , a s e p a r a ç ã o é r á p i d a , sem a b a lo s , o d e s ­p e r t a r pacífico, q u a s e n u l a a p e r t u r b a ç ã o .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 177

23. F e n ô m e n o f r eq u e n te en t re os espír i tos de ce r ta in fe r io r id ad e m ora l , cons is te em se cre- r em vivos; e s t a i lu são p o d e p r o l o n g a r - s e p o r m ui tos anos , d u r a n t e os q u a i s s en te m t o d a s as n e c e s s i d a d e s , todos os to rm en to s , t o d a s as p e r ­p l e x i d a d e s da v ida .24. P a r a o cr iminoso , a v is ta i n c e s s a n t e d a s v í t im as e d a s c i r c u n s t â n c i a s do c r ime são um suplíc io cruel.25. Cer tos espír i tos se v e e m m e r g u l h a d o s em d e n s a s t revas ; o u t ro s , n u m a b so lu to i s o l a m e n ­to no e s p a ç o , a t o r m e n t a d o s p e l a i g n o r â n c i a da s u a p o s i ç ã o e da s u a sorte. Os m a i s cu l ­p a d o s sofrem to rm e n to s indiz íveis , t a n to m a i s p u n g e n t e s q u a n t o m e n o s lhes e n t r e v ê e m o t e r ­mo. M uitos se a c h a m p r i v a d o s dos se re s q u e ­ridos . Todos sofrem com u m a i n t e n s i d a d e r e ­la t iv a a o s m a le s , às d o re s e às p r o v a ç õ e s q u e o c a s i o n a m aos outros , a té q u e o a r r e p e n d i ­m e n to e o dese jo de r e p a r a ç ã o lhes f açam d i ­v i s a r a p o s s i b i l i d a d e de p o r e m um te rm o a e s ­sa s i tu a çã o , p o r si p róp r io s .26. É um suplíc io p a r a o o rg u lh o so ve r a c i m a dele , che ios de g lória , e s t im a d o s , a c a r i c i a d o s , a q u e l e s a q u e m h a v i a m m e n o s p r e z a d o n a T e r ­ra, e n q u a n t o se a c h a m eles r e l e g a d o s a p o s i ­ção inferior. P a r a o h ipócr i ta , sen t i r -se t r e s ­p a s s a d o p e l a luz q u e p õ e a n u seus m a i s r e ­cônd i tos p e n s a m e n t o s , de sorte q u e todos os

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 178

p o s s a m ler, sem m e ios de ocu l ta r -se ou d iss i ­m ula r ; p a r a o s en su a l , ter t o d a s as t e n ta ç õ e s , t odos os dese jos sem p o d e r satisfazê- los; p a r a o a v a r e n t o , ve r os b e n s m a l b a r a t a d o s e n ã o o p o d e r evitar; p a r a o ego ís ta , v e r - se a b a n d o ­n a d o e p a d e c e r o q u e os outros p a d e c e r a m por su a c au sa ; t e r á s ed e e n ã o lhe d a r ã o de b e ­ber, t e r á fome e n ã o lhe d a r ã o de comer; n ã o h á m ã o a m i g a q u e v e n h a a p e r t a r a sua; n e ­n h u m a voz c o m p a s s i v a v i rá consolá -lo ; só p e n ­sou em si d u r a n t e a v ida , n i n g u é m p e n s a r á n e le d ep o is da morte .27. O m e io de ev i ta r ou a t e n u a r as conse- q u ê n c i a s d a s faltas na v id a futura é d e s faz e r ­-se d e la s o m a is d e p r e s s a poss íve l na v id a p r e ­sente ; o de r e p a r a r o mal , a fim de n ã o o r e ­p a r a r m a i s t a rd e , de m a n e i r a pior. Q u a n t o m a i s d e m o r a r o desfazer - se do mal, m a i s p e ­n o s a s s e r ã o as c o n s e q u ê n c i a s e r i g o r o s a a r e ­p a r a ç ã o .28. A s i t u a ç ã o do espíri to na e n t r a d a da v id a e sp i r i tua l é a q u e p r e p a r o u na v id a c o rpó rea . M a is t a r d e lhe é f a c u l t a d a o u t r a e n c a r n a ç ã o p a r a e x p i a ç ã o e r e p a r a ç ã o p o r n o v a s p ro v as ; o a p r o v e i t a m e n t o se rá de a c o r d o com o seu li- v re -a rb í t r io . Se n ã o co rr ig i r -se t e r á q u e r e ­c o m e ç a r a m is são , c a d a vez em c o n d içõ e s m a is p e n o s a s , de sorte q u e a q u e l e q u e m ui to so­fre na T e r ra p o d e dizer q u e m ui to t in h a q u e ex ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 179

piar; os q u e g o z a m u m a fe l ic idade a p a r e n t e , a p e s a r de seus víc ios e de sua inu t i l idade , p o ­d em es ta r cer tos de q u e p a g a r ã o ca ro em e x i s ­t ê n c i a pos ter io r . É a s s im q u e d iz ia Jesus: B e m - a v e n t u r a d o s os aflitos, p o r q u e s e r ã o c o n s o ­lados.29. A m is e r i c ó rd ia de D eus é infinita, p o r é m n ã o é cega . O c u l p a d o a q u e m p e r d o a n ã o fi­ca e x o n e r a d o , e e n q u a n t o n ã o satisfaz à j u s ­tiça, sofre as c o n s e q u ê n c i a s de su a s faltas. Por infinita m i s e r i c ó rd ia d e v e m o s e n t e n d e r q u e D eus n ã o é in ex o ráv e l , e d e ix a s e m p r e a b e r t a a p o r t a da r e d e n ç ã o .30. S e n d o as p e n a s t e m p o r a i s e s u b o r d i n a ­das ao a r r e p e n d i m e n t o e à r e p a r a ç ã o , q u e d e ­p e n d e m da l ivre v o n t a d e do h o m e m , são e las ao m e s m o t e m p o cas t igo e r e m é d i o a u x i l i a r e s à c u ra do m al . O s espíri tos em p r o v a n ã o são como os c o n d e n a d o s a certo te m p o , m a s com o enfe rm os em hosp i ta l , sofrendo de m o lé s t ia c o n s e q u e n t e da p r ó p r i a falta, e u s a n d o de m e ios t e r a p ê u t i c o s do lorosos , n e c e s s á r i o s à cura , q u e é t a n to m a is r á p i d a q u a n t o m e lh o r s eg u i r em as p r e s c r i ç õ e s do m é d ic o q u e v e l a po r eles com a n e lo . Se p r o l o n g a m p o r d e s c u id o os sofrimentos, a c u lp a é do m éd ico .

31. Às p e n a s q u e o espír i to sofre na v id a e s ­p i r i tua l se a ju n t a m as da v id a co rp ó re a , q u e são c o n s e q u ê n c i a d a s im per fe ições do h o m e m ,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 180

das s u a s p a ix õ es , do m a u e m p r e g o de su as fac u ld ad e s , e a e x p i a ç ã o d a s faltas p r e s e n t e s e p a s s a d a s .N a v id a c o r p ó r e a o espíri to r e p a r a o m a l de su as a n t e r io r e s ex is t ênc ia s , p o n d o em p r á t i c a as r e s o lu ç õ e s t o m a d a s n a v i d a esp ir i tua l . Ass im se e x p l i c a m as m i s é r i a s e v ic i s s i tudes q u e , à p r im e i r a vis ta , p a r e c e n ã o t e r e m c a b i ­m e n to e são in t e i r a m e n te ju s ta s , d e s d e q u e são a c o n s e q u ê n c i a do p a s s a d o e s e rv em ao n o s so p ro g r e s so .32. Dizem a lg u n s : N ã o p r o v a r i a D eus a m o r às s u a s c r i a tu ra s c r i a n d o - a s infa lidas , e, p o r t a n ­to, i s en t a s da s v ic is s i tudes in e re n te s à im p e r ­feição?S e r ia p re c i so q u e c r ia sse se res perfe itos , n a d a t e n d o a a d q u i r i r em c o n h e c im e n to s e m o r a l i ­d a d e .C e r t a m e n t e , p o d e r i a fazê-lo, m a s , se n ã o o fez, é que , em sua s a b e d o r i a , qu is q u e o p r o g r e s s o fosse a lei g e ra l .Os h o m e n s são imperfe itos , e po r isso sujei­tos a v ic is s i tudes m a i s ou m e n o s p e n o s a s . É p r e c i so a c e i t a r o fato, d e s d e q u e existe. Infe­rir da í q u e Deus n ã o é b o m n e m jus to , se r ia u m a re b e ld ia .H a v e r i a in jus tiça n a c r i a ç ã o de se res p r iv i le ­g i a d o s , m a i s ou m e n o s favorec idos , g o z a n d o sem t r a b a l h o o q u e ou tros c o n s e g u e m com p e ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 181

n a s ou n u n c a o c o n s e g u i r ã o . O n d e r e s p l a n ­d ece a su a j u s t i ç a é na i g u a l d a d e a b s o l u t a q u e p r e s id e à c r i a ç ã o de to d o s os esp ír i tos ; todos têm o m e s m o p o n to de p a r t i d a e n e n h u m é m a i s a q u i n h o a d o q u e ou t ro ; n e n h u m te rá , po r e x c e ç ã o , m a io r e s fac i l idades no seu p r o g r e s ­so; os q u e c h e g a r a m ao fim p a s s a r a m , i n v a r i a ­v e lm e n te , p e l a s fases de in fe r io r id ad e e suas p ro v a s .N a d a m a i s jus to , p o r t a n to , do que, a l i b e r d a d e de a ç ã o d e i x a d a a c a d a um. Es tá a b e r to a todos o c a m i n h o da fe lic idade; são as m e s m a s p a r a todos as co n d içõ e s p a r a a l c a n ç á - l a ; a lei e s tá g r a v a d a na c o n sc iê n c ia de todos. Deus fez da fe l ic idade o p r ê m io do t r a b a l h o e n ã o do favor, p a r a q u e todos t iv e s sem o seu m é r i ­to. C a d a q u a l é l ivre de t r a b a l h a r ou n ã o fa­zer n a d a p a r a seu a d i a n t a m e n t o ; o q u e t r a b a ­lha m a i s d e p r e s s a , m a i s ced o é r e c o m p e n s a d o ; o q u e se e x t r a v i a ou p e r d e tem p o , r e t a r d a - s e , e só de si p o d e q u e ix a r - s e .O b e m e o m a l são v o lu n tá r io s e faculta t ivos; l ivre, o h o m e m n ã o é f a ta lm e n te im pe l ido p a r a n e n h u m .33. A p e s a r dos d i fe ren tes g ê n e r o s e g r a u s de sofr imento dos espír i tos imperfe itos , o cód igo p e n a l da v id a fu tura p o d e re s u m i r - s e nos três p r in c íp io s s e g u i n t e s :O sofr imento é i n e re n te à im per fe ição .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 182

A im p er fe ição e a falta c o n s e q u e n t e t r a z e m o p ró p r io cas t igo nos seus r e s u l t a d o s n a t u r a i s e inev i táve is ; ass im , a d o e n ç a p r o v é m dos e x ­c es so s , o t éd io da o c io s i d a d e , sem n e c e s s i d a ­de de c o n d e n a ç ã o e s p e c i a l p a r a c a d a falta e c a d a in d iv íd u o .L ib e r t a n d o - s e o h o m e m de su as im per fe ições p o r v o n t a d e p ró p r ia , ev i ta os m a l e s q u e d e la s d e c o r r e m e p o d e a s s e g u r a r a fe l ic idade fu tura. Tal é a lei da ju s t i ç a d ivina: A c a d a um s e g u n ­do as su a s ob ra s , a s s im n a t e r r a com o no c é u . ”

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 183

XXIV

A P E NA DE T A L IÃ O

A o t r a t a r a n t e r i o r m e n t e da p e n a de morte , c o ­p i a m o s u m texto m u i to i m p o r t a n t e de O Livro dos E sp ír ito s , de A l l a n K a rd ec , n.° 764, o q u a l d e c l a r a que a jus t iça t a l io n a l é a ju s t iça d iv ina .

D esse p a r á g r a f o , i n t e r p r e t a d o l i t e ra lm e n te e sem os r e l a c i o n a r com os d e m a i s escri tos do autor, p o d e r á d eduz i r - se o s e g u i n t e : q u e a ju s t iça e sp í r i ­ta é um re t ro c e sso à p r im i t iv a ju s t iça t a l io n a l dos te m p o s p a s s a d o s .

N ã o p o d e r e m o s e n te n d ê - lo ass im.N ã o signif icam a q u e l e s textos q u e q u e m e n v e ­

n e n a r a o p a i n e s t a ou em o u t r a e n c a r n a ç ã o , t e n h a q u e ser e n v e n e n a d o por seu filho.

N ã o , a p e s a r do q u e se p o d e r i a d e d u z i r do l a n ­ço do livro Obras P óstum as, q u e diz:

" Q u e m m a t a r à e s p a d a m o r r e r á p e l a e s p a d a , d isse o Cristo, e e s ta s p a l a v r a s se p o d e m t r a ­duzir ass im: Q u e m d e r r a m o u s a n g u e , v e r ád e r r a m a d o o s e u . . . " .A ju s t iç a t a l io n a l d iv in a é, p a r a e x p re s sá - lo em

f r a s e s j á a c r e d i t a d a s em c r i m i n o l o g i a , u m t a l i ã o

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 184

por e q u iv a len te s , com o d ir ia g e n i a l m e n t e Ferrero , ou u m a represá lia , com o d i r ia G u n th e r .

N ã o são , p o ré m , os h o m e n s com suas leis q u e a p o d e m ap l icar ; a j u s t i ç a t a l iona l é ex c lu s iv a deDeus . É ele q u em a ap lica .

E a p e n a de ta l i ã o d iv in a cons is te em q u e o in d iv íd u o r e c e b a u m d a n o ig u a l ao q u e m a l e v o l a ­m e n t e causou ; ou a q u e l e q u e fez sofrer p a s s e por p e n a de igua l va lo r ético.

N ã o p o s so resist i r à t e n t a ç ã o de a n o t a r a q u i a e q u i v a l ê n c i a f u n d a m e n t a l en t re as d i fe ren tes a c e p ­ções da p a l a v r a " p e n a " (em c a s t e l h a n o com o em o u t ro s id io m a s ) : P e n a - C a s t ig o im p o s to p e l a so ­c i e d a d e . E P e n a - Dor, s e n t i m e n to , t r a b a l h o , d i ­f icu ldade.

P e n a e q u i v a l e a sofrimento, se ja im pos to p e ­las c i r c u n s t â n c i a s c o m p le x í s s im a s da v ida , sejaim pos to po r u m a c i r c u n s t â n c i a e sp e c ia l , a v o n t a d e c o n sc ie n te socia l com o r e a ç ã o co n t ra u m deli to r e a l ou suposto .

N ã o se t r a t a de i g u a l d a d e de a ç õ e s e x te r n a s , n e m de e q u i v a l ê n c i a s r i g o r o s a m e n t e físicas ou o b ­je t iv a s , m a s de e q u i v a l ê n c i a s sub je t ivas , m ora is , p s ico ló g ica s .

Ass im disse Al lan Kardec no n° 12 de O Céu e o Inferno, C ó d ig o P e n a l d a s P e n a s Futuras:

"Não há r e g r a a b s o l u t a e un ifo rm e q u a n t o àn a t u r e z a e d u r a ç ã o do cas t igo ; a ú n i c a lei g e ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 185

ra l é q u e a to d a falta c o r r e sp o n d e um c a s t i ­go, e to d a b o a a ç ã o é r e c o m p e n s a d a seg u n d o seu valor."

E com m a io r a m p l i t u d e e sc re v e m a is a d ia n t e :

"Com efeito, t e m o s vis to os a v a r e n t o s sof rerem à v is ta do ouro, q u e p a r a e les e ra v e r d a d e i r a q u im e ra ; os o rgu lhosos , a t o r m e n t a d o s p e l a in ­v e ja d a s h o m e n a g e n s q u e se p r e s t a v a m aos outros, sem se fazer caso de les ; os q u e g o v e r ­n a v a m n a te rra , h u m i l h a d o s pe lo p o d e r inv i­sível q u e os o b r i g a v a a o b e d e c e r e p e l a p r e ­s e n ç a dos seus s u b o r d i n a d o s q u e j á n ã o se c u r v a v a m d ia n t e de les ; os a t e u s s u p o r t a r e m as a g o n i a s da incer teza , a c h a n d o - s e n u m iso la ­m e n to a b so lu to em m e io à i m e n s i d a d e , sem e n c o n t r a r q u e m os e s c la r e c e s s e .N o m u n d o dos espíri tos, se h á gozos p a r a t o ­d a s as v i r tudes , h á c as t igos p a r a t o d a s as fal­tas; a q u e l a s q u e a lei dos h o m e n s n ã o a l c a n ­çam , são a ç o i t a d a s p e l a lei de Deus.É de a c r e s c e n t a r q u e as m e s m a s faltas, a i n d a q u e c o m e t id a s em c o n d içõ e s idên t icas , são c a s t i g a d a s com p e n a s d iferentes , conforme o g r a u de a d i a n t a m e n t o do espír i to . Aos espí­ri tos m a i s a t r a s a d o s , de n a t u r e z a b r u t a l com o os de q u e nos o c u p a m o s , são im p o s ta s p e n a s m a i s m a t e r i a i s q u e m ora is , e n q u a n t o s u c e d e o con t rá r io à q u e l e s cuja i n t e l ig ê n c i a e sens ib i -

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 186

l id ad e se a c h a m em m a io r d e se n v o lv im e n to . A os p r im e i r o s c o n v ém u m cas t igo a p r o p r i a d o à r u d e z a do seu invólucro , p a r a os fazer c o n h e ­cer os in c o n v e n i e n t e s de sua p o s içã o , in sp i ­r a n d o - l h e s o dese jo de sa i r em de las ; a v e r g o ­n h a , po r ex em p lo , q u e p o u c a im p r e s s ã o lhes c a u s a r i a , s e r ia in to le ráv e l aos d e m a i s .

N es te cód igo p e n a l divino , a p r u d ê n c i a , a b o n d a d e e a p r e v i s ã o de D eu s se r e v e l a m até n a s m e n o r e s cousas ; tu d o é p r o p o r c io n a d o ; tu ­do e s tá c o m b i n a d o com a d m i r á v e l so lic itude p a r a facil itar ao s c u l p a d o s o m e io de se r e a ­b i l i ta rem ; t o m a m -s e - lh e s em con ta as m e n o r e s a s p i r a ç õ e s da a lm a .Pelos d o g m a s d a s p e n a s e t e r n as , no inferno se c o n fu n d e m os p e q u e n o s e os g r a n d e s c u lp o ­sos, q u e fa li ram u m a só vez, os r e in c id e n t e s e n d u r e c i d o s e os a r r e p e n d i d o s . Es tá tu d o c a l ­c u l a d o p a r a os re te r no fundo do ab ism o ; n ã o se lhes ofe rece t á b u a de s a lv a ç ã o ; u m a ú n ic a falta p re c ip i t a - o s p a r a s em p re , sem q u e se t e ­n h a em con ta o b e m q u e h a j a m feito. D e q u e lado e s t a r á a v e r d a d e i r a ju s t i ç a e a v e r d a d e i r a b o n d a d e ? " .

Se o espíri to c a u s a v e r d a d e i r o sofrimento a outro ser é p o r q u e seu a t r a s o m o ra l lhe i m p e d e à c o n sc i ê n c i a q u e c o n c e b a u m a r e g r a de c o n d u t a ou de u m d e v e r corre la t ivo .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 187

P a ra que o d e v e r su r j a com o fo rça p s i ­cológica, capaz de determinar a atividade do espíri to, é preciso que a dor lhe dê origem; essa dor deverá ser a p rec isamente necessária à reação ps íqu ica que deve produzir o dever co r­responden te : é a fo rça coerc i t iva que impedirá o espír i to de p roduzir novo mal e, consequen te ­mente, evitará nova dor.

Se a dor que, como sanção, é produzida pelo não c u m p r im e n to de u m a n e c e s s i d a d e m o ra l , e sem a rigorosa fatalidade da consciência dolorosa, a necessidade não seria satisfeita, o dever como movim ento ps íquico não se conceber ia , nem o progresso do espírito no absoluto.

A dor é a alavanca do progresso psíquico mental ou moral, tanto no universo dos espíritas como nas teorias ps icológicas , r igorosamente c ien ­tíf icas de um materialismo como Sergi (L O r ig in e

del Fenomeni Psichici, Turim).Por estas razões, são de apreciar como exatas,

dentro de um sistema fi losóf ico como o espírita, as apreciações de Allan Kardec acerca dos três requisitos que devem concorrer para que seja satisfeita a justiça suprema, e fiquem apagadas as consequências de uma falta moral.

Allan Kardec exige, como já vimos, a expiação, o arrependimento, a reparação.

A expiação consiste nos sofrimentos — nas pe­nas, pode r íam os d izer — fís icas e m ora is que,

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 188

fa ta lm en te , n e s t a ou em o u t ra v ida , s e g u e m a falta co m et id a .

A este e l e m e n to se c h a m a i m p r o p r i a m e n t e o ta l i ã o da d iv in a jus t iça espír i ta : q u e m fez sofrer t e r á a m e s m a p e n a . A e x p i a ç ã o e x ig e a c o r r e la ­ç ão pe r fe i ta com o mal .

C o m o e x e m p l o s cur iosos e t íp icos da ju r i sp ru ­d ê n c i a de a lém - tú m u lo , ou de com o o esp ir i t ismo e n t e n d e a ju s t iça d iv in a e a e x p i a ç ã o ta l iona l , in ­se r im os vá r io s casos , s e g u n d o A l lan K a rd ec , de c o m u n i c a ç õ e s de espíri tos d e s e n c a r n a d o s , m e d i a n ­te a i n t e r v e n ç ã o de m é d iu n s a d e q u a d o s , c o m u n i ­c a ç õ e s e s s a s p u b l i c a d a s no livro do dito au to r , O C éu e o In ferno .

"Franc isco Riquier, h o m e m m ui to conhec ido , e ra u m ve lh o a v a r e n t o e so lte irão . M o r re u em C.. . e m 1857, d e i x a n d o a s e u s c o l a t e r a i s c o n ­s id e r á v e l fortuna. E m tem p o s , fora a m a n t e de u m a s e n h o r a q u e o e s q u e c e u po r comple to , a p o n to de n ã o s a b e r se ele a i n d a p e r t e n c i a a este m u n d o .

Em 1862, a filha d e s t a s en h o r a , q u e sofria cri­ses c a ta l é p t i c a s , s e g u i d a s de sonhos m a g n é ­ticos e s p o n t â n e o s , s en d o , a l ém disso, m é d i u m p s icog rá f ica , viu, n u m a d as crises, o Sr. Ri­qu ie r , q u e d iz ia q u e r e r falar à m ã e de la . P a s s a d o s a lg u n s d ias , com ele se e n t a b o l o u a s e g u in t e c o n v e r s a ç ã o :

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 189

P — Q u e q u e r e s de nós?R — M eu d inhe i ro , q u e os m i s e r á v e i s me t o ­m a r a m p a r a d iv idir en t re si. V e n d e r a m m i ­n h a s g ra n ja s , m i n h a s c a s a s , tu d o p a r a se lo ­c u p le t a r e m . D e l a p i d a r a m m e u s b e n s , com o se n ã o m a i s m e p e r t e n c e s s e m . Faze i com q u e h a j a jus t iça , p o r q u e n ã o m e o uvem , n e m q u e ­ro ve r ta is in fames .

Dizem q u e eu e ra u m u s u r á r i o e g u a r d a m o m e u d inhe i ro . Por q u e n ã o m o dev o lv em , se ele foi m a l a d q u i r id o ?

P — M as , e s tá s morto , m e u caro; n ã o ten s n e ­c e s s i d a d e de d inhe i ro . P e d e a D e u s te c o n c e ­da u m a n o v a e x i s t ên c ia p o b r e p a r a e x p ia r e s a a v a r e z a da ú l t ima.

R — Eu n ã o p o d e r i a v ive r o u t r a vez, vis to q u e m e a c h o vivo.

O suicídio da S am aritana

A 7 de abr i l de 1858, p e l a s se te da no ite , um h o m e m de u n s 50 an o s , ves t id o d e c e n t e m e n t e , a p r e s e n t o u - s e no e s t a b e l e c i m e n t o da S a m a r i ­t a n a , em Paris, e m a n d o u p r e p a r a r u m b a n h o . A d m i r a d o o m o ço de serviço, d e p o i s de u m e s ­p a ç o de d u a s h o ra s , de q u e o dito ind iv íduo n ã o o c h a m a s s e , r e s o lv e u e n t ra r no g a b i n e t e , p a r a ve r se ele e s t a v a ind ispos to . Foi t e s t e ­m u n h a , en tão , de u m horr íve l e s p e t á c u l o : o

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 190

d e s g r a ç a d o h a v i a c o r t a d o o p e s c o ç o com u m a n a v a l h a e o s a n g u e se m i s t u r a v a à á g u a do b a n h o . N ã o p o d e n d o ser identi ficado, foi o c a d á v e r c o n d u z id o à M o rg u e .Seu espíri to, e v o c a d o n a S o c i e d a d e de Paris, seis d ia s d epo is , d e u as s eg u in te s r e sp o s ta s :1. E v o c a ç ã o (R e sp o s ta do g u i a do m é d iu m ) . E sp e re . . . ele e s t á aí.2. Onde estás agora? R — Não sei. Diga­-m e o n d e estou.3. Es tás n u m a r e u n i ã o de p e s s o a s q u e se o c u p a m c o m e s t u d o s e s p í r i t a s . R — D i g a - m e se vivo. A fogo-m e no a t a ú d e .

Francisco S. Louvet

A c o m u n i c a ç ã o s e g u in t e foi d a d a e s p o n t a n e a ­m e n te n u m a r e u n i ã o esp ír i ta , no H avre , a 12 de fevere i ro de 1863.T e n d e p i e d a d e de u m p o b r e m i s e r á v e l q u e so­fre há m ui to t e m p o os m a i s c rué is p a d e c i m e n - tos. Oh!, o v a z i o . . . o e s p a ç o . . . ca io , socor­r o ! . . . D eus m eu , t ive u m a v i d a tão m i s e r á ­vel! .. . E ra u m p o b r e d iabo ; sofri v á r i a s vezes a fome em m i n h a velh ice ; e n t r e g a v a - m e por isso à e m b r i a g u e z , e me e n v e r g o n h a v a e d e s g o s t a v a de tudo . Por q u e o dese jo de a c a b a r q u a n d o e s ­t a v a tão p ró x im o do fim? R o g a i p a r a q u e eu n ã o ve ja s e m p r e e s t e vaz io d e b a i x o de mim. V ou d e s p e d a ç a r - m e de e n co n t ro a e s s a s pe -

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 191

dras . Eu vo-lo suplico, a vós, q u e c o n h ec e i s as m isé r i a s dos q u e já n ã o e s t ã o n e s t e m u n d o , a i n d a q u e n ã o m e c o n h e ç a i s , p o r q u e sofro m u i to ! Por q u e q u e r e i s p r o v a s ? Sofro, n ã o é b a s t a n t e ? Se eu t ivesse fome, em lu g a r d e s ­te sofrimento, m a is terrível , p o r é m invis ível p a ­ra vós, n ã o v a c i l a r í e i s em m e da r u m p e d a ç o de p ã o . Peço q u e ore is por mim. N ã o p o s ­so p e r m a n e c e r por m a is te m p o . P e r g u n t a i a u m d e s s e s felizes q u e a q u i e s t ã o e s a b e re i s q u e m sou. R o g a i po r mim. F ra n c isc o S. L ouve t.

O assa ss in o do A rceb ispo de Paris

A 3 de j a n e i r o de 1857, m o n s e n h o r S ibour , a r ­c e b i s p o de Paris , ao sair da Ig re ja de Saint É t ien n e du Mont, foi ferido m o r t a l m e n t e por um jo v e m s a c e r d o te c h a m a d o V erg e r . O c u l p a ­do, c o n d e n a d o à morte , foi e x e c u t a d o a 30 de j a n e i ro . Até o ú lt imo in s ta n te n ã o m an i fe s to u sen t im en to , a r r e p e n d i m e n t o ou e m o ç ã o .

P — Q u e r i a s r e e n c a r n a r na Terra?R — Sim. Peço-o e dese jo e n c o n t r a r - m e c o n s ­t a n t e m e n t e ex p o s to a q u e me m a te m , e t e m e r q u e isto s u c e d a . . .

BenoistU m espíri to a p r e s e n t a - s e e s p o n t a n e a m e n t e ao

m é d iu m , sob o n o m e de Benoist ; d isse h a v e r

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 192

morrido em 1704 e padecer horríveis sofrimentos.1. Q u e m e ra s em v id a ? R — M onge sem fé.2. A falta de c r e n ç a e ra a su a ú n i c a falta? R — B a s ta p a r a a r r a s t a r as ou tras .3. P o d e s d a r -n o s a l g u n s d e t a l h e s sobre tu a v id a ? A s i n c e r i d a d e de t u a conf issão se rá l e ­v a d a em conta . R — Sem for tuna e p r e g u i ç o ­so, tom e i o rdens , n ã o po r v o c a ç ã o , m a s p o r s e ­gu i r u m a c a r re i ra . In te l igen te , c o n se g u i u m a p o s ição ; influente , a b u s e i do pode r ; vic ioso, co r ro m p i a q u e l e s q u e t i n h a po r m i s s ã o salvar; im p la c áv e l , p e r s e g u i os q u e p ro f l ig a v a m m e u s excessos ; os pacíf icos foram in q u i e t a d o s por mim. A fome to r tu rou m u i t a s v í t imas; seus gri tos e r a m sufocados , m u i t a s vezes , p e l a v io ­lência . Depois , expiei , sofri todos os t o r m e n ­tos do inferno; m i n h a s v í t im as a t i ç a m o fogo q u e me d e v o ra . A lu x ú r ia e a fome m e p e r s e ­guem ; a sed e m e irri ta os láb ios a r d e n t e s sem q u e n e l e s c a i a u m a g o t a re f re scan te . To­dos os e l e m e n to s se a d u n a m c o n t ra mim. O ra i p o r m im . (1)

1. — (A S. Luís) — Pode is d ize r -nos o g ê ­n e r o de suplíc io d e s te espíri to? R — É atroz. Foi c o n d e n a d o a m o r a r na c a s a em q u e c o m e ­te u o crime; n ã o p o d e dirigir o p e n s a m e n t o a

(1) Trata-se do Espírito de Castelnaudary, o que, talvez por erro tipográfico, se acha omitido no original. (Nota do tradutor).

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 193

o u t r a co isa q u e n ã o seja e sse c r ime, q u e tem s e m p r e d i a n t e dos olhos e se crê c o n d e n a d o p a r a s e m p r e a e sse to rm en to . V ê-se c o n s t a n ­t e m e n te na o c a s i ã o do crime. E m te r ra , só p o d e p e r m a n e c e r n a c a sa , se va i ao e sp a ç o , e n c o n t r a - s e n a s t r e v a s e na solidão.— D o n d e p r o c e d e u e s se espíri to a n t e s da e n ­c a r n a ç ã o ?

R — T ev e u m a e x is t ên c ia n o s m a i s ferozes e s e l v a g e n s po v o s , v in d o a n t e r i o r m e n t e de um p l a n e t a inferior.— Esse espíri to é m u i to s e v e r a m e n t e c a s t i g a ­do. Se-lo- ia i g u a l m e n t e pe lo s c r im es q u e c o ­m e t e u en t re os s e l v a g e n s ?R — Foi m e n o s c a s t i g a d o p o r q u e , i g n o r a n te q u e era , c o m p r e e n d i a m e n o s o q u e fazia.O e s t a d o em q u e se e n c o n t r a e sse espír i to é o dos se res v u l g a r m e n t e c h a m a d o s c o n d e n a d o s ? R — P r e c i s a m e n te . M a s há c o n d içõ e s a i n d a p io res . Os sofr imentos n ã o são os m e s m o s p a ­ra todos , a i n d a q u e h a j a c r imes s e m e lh a n te s , p o r q u e v a r i a m s e g u n d o o a r r e p e n d i m e n t o do c u lp a d o . P a r a este , a c a s a em q u e c o m e t e u o c r ime é um inferno; ou tros o c o n s e r v a m em si p róp r io s , p e l a s p a i x õ e s q u e os a t o r m e n t a m e q u e n ã o p o d e m d o m i n a r . "

C o m o p o d e ver -se , o esp ir i t ismo sem d e ix a r de ser c o r rec iona l i s ta , j u l g a q u e o h o m e m m a u t e rá

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 194

q u e sofrer, com o na a n t i g a ju s t i ç a s im p le s m e n te re- t r ibu t iva , u m m al , ou melhor , u m a dor, u m sofri­m e n to , u m a p e n a . O m a l n ã o s e r á a q u i p a l a v r a a p r o p r i a d a , d a d o o v a lo r ético de q u e n ã o se p o d e s e p a ra r .

P e n a ou dor n ã o é e t i c a m e n te u m mal , s e n ã ou m b em , p o r q u e só p o d e r á s ignificar o m e io p s i c o ­lógico n e c e s s á r i o p a r a p ro d u z i r o a r r e p e n d i m e n t o , ou seja, a c o r r e ç ã o mora l , o p r o g r e s s o ét ico do es­píri to.

Sem e s s a dor, fal ta c o n s e q u ê n c i a do m a l c a u ­sado , o espírito, a n te o u t ra s e x c i t a ç õ e s do losasigua is , o b r a r i a im o ra lm e n te ; se a c o n sc iên c ia , isto é, a e x p e r i ê n c i a m ora l , lhe m o s t r a s s e q u e o a to d a ­n o s o n ã o lhe p r o d u z i a m a l n e n h u m , es te lhe ser ia e t i c a m e n t e indiferente .

A dor, p e lo con t rá r io , e n s i n a ao ego ísm o , m e ­ta fí s ica e v i t a lm e n te e s s e n c ia l do espírito, a n ã o r e p r o d u z i r o m a u ato, a d e fe n d e r - se da dor infalí­vel , a n ã o re p e t i r o mal , a re tif icar sua c o n d u t a em id ê n t i c a s so l ic i tações da s c i r c u n s ta n c ia s , a m u d a r de ca rá te r , a corrigi r-se, a m e lh o ra r .

E m v e r d a d e , n e s t a s teo r ia s , com o j á te m o s d a ­do a e n te n d e r , o esp ir i t ismo es tá com a c i ên c ia c o n ­t e m p o r â n e a .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 195

XXV

A CONDENAÇÃO CONDICIONAL

S e g u n d o o espir i t i smo, o a r r e p e n d i m e n t o é n e ­ces sá r io ao p r o g r e s s o d a q u e l e q u e ca iu no mal. N ã o b a s t a a e x p ia ç ã o , i g u a l m e n t e n e c e s s á r i a ; é p rec i so o a r r e p e n d i m e n t o , isto é, a e m e n d a mora l , o d e s a p a r e c i m e n t o dos fatores sub je t ivos d e t e r m i ­n a n t e s do a to d e l in q u e n te .

C om o d issem os , D eus é um neoroed er ian o .É claro, pois , q u e t o d a s as ins t i tu ições corre-

c ionais e x ig id a s p e l a c i ên c ia p e n a l s e r ã o g r a t a s ao espirit ismo.

A p e n i t e n c i á r i a e sp í r i t a a p r o x i m a - s e do refor- m atório, de o r ig em a m e r i c a n a ; de te s ta , n a t u r a l ­m en te , t o d a s e s s a s j a u la s -p r i sõ e s , o n d e os delin- q u e n te s são a b a n d o n a d o s a té q u e a p o d r e ç a m co­m o os c a d á v e r e s n a s s e p u l tu ra s .

A dm ite a c o n d e n a ç ã o co nd ic iona l , p o r q u a n t o aí se p r o c u r a ev i ta r o in c o n v e n i e n t e da s e g r e g a ­ção ce lu la r do d e l i n q u e n t e p r im ár io , ao m e s m o t e m p o q u e se e s p e r a o efeito m o ra l q u e a c o n d e n a ­ção, e s sa e s p a d a de D âm o c le s , p o s s a p ro d u z i r no ind iv íd u o sobre o q u a l e s tá e r g u i d a em c o n s ta n te

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 196

a m e a ç a . (Veja-se o t r a t a d o de A. Ravizza, La Con- d a n n a C ond izion ale , Milão, 1911).

O s e sp í r i t a s n ã o v a c i l a r i a m em a p o i a r e s s a r e ­forma p e n a l de n o s so s d ia s — "filha q u e r i d a — como d iz ia Listz, da U n iã o I n t e r n a c io n a l de Direito Pena l , a i n d a q u e , em rigor, n a s c e s s e n a neóf ita A m ér ica . (Ao m en o s ne la rev ive , se aceitarm os q u e h á traços da m esm a no D igesto e no C ódigo Justiniano).

Assim sendo , n ã o c o n t ra d i r ia m , c e r t a m e n te , a teo r ia q u e ex ige a e x p ia ç ã o , a dor, u m a p e n a fa­t a lm e n te im p o s ta ao c u lp a d o . E isso p o r q u e a ex- p ia ç ã o , s e g u n d o eles, n ã o é a p e n a da a n t i g a filo­sofia re t r ib u t iv a , q u e s e g u e o r é u como sua s o m ­bra , a fim de r e s t a b e l e c e r um equ i l íb r io ju r íd ico ou m o ra l p e r t u r b a d o p e lo ato doloso , s e n ã o u m fenô­m e n o cuja f in a l id ad e n ã o e s tá em si, m a s em sua função, com o u m m e io de c h e g a r à c o r r e l a çã o .

D e s c o n h e c e r o s ignif icado te leo lóg ico da ex- p i a ç ã o , tal como a e x p l icam os esp ír i ta s , s e r ia co n ­c e b ê - l a a m a i s im per fe i ta d a s m a n i f e s t a ç õ e s da j u s ­tiça, i n c o m p a t ív e l com a c o n c e p ç ã o de u m a en t i ­d a d e pe r fe i ta ou div ina .

Bem p o d e m os k a r d e c i s t a s , p o r t a n to , a c e i t a r a c o n d e n a ç ã o cond ic iona l , ou melhor , a " s u s p e n s ã o c o n d ic io n a l da e x e c u ç ã o da p e n a " , com o d ir ia o p ró p r io Listz, o b s e r v a n d o a in s t i tu ição com seus c a r a c t e r e s e u r o p e u s , a lg o dist in tos , e m b o r a m a is

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 197

g e n e r a l i z a d o s q u e a q u e l e s q u e e la ofe rece no n a ­tivo M a s s a c h u se t t s .

Sem dúv id a , po r isso, Seuffert , r e p e l in d o as ide ias p e n a i s k a n t i a n a s , diz ia q u e a e x p i a ç ã o j u s t a e ra u m a id e ia q u e só p o d e r i a ser e x p l i c a d a se a t r a s l a d a s s e m do a m b i e n t e h u m a n o a u m m u n d o super ior, divino, o n d e se p o d e r i a , com infinita ci ­ênc ia , p r e d e t e r m i n a r sua t r a n s c e n d e n t a l i d a d e , r e ­c o r d a n d o a e x p r e s s ã o de Moisés : "A v i n g a n ç a é m in h a , d isse o Senhor" .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 198

XXVI

A SENTENÇA INDETERMINADA

O espir i t ismo é t a m b é m p a r t i d á r i o da s e n t e n ç a i n d e t e r m i n a d a , de o r ig e m a m e r i c a n a . " E s t a b e l e ­cer u m t r a t a m e n t o de d u r a ç ã o d e t e r m i n a d a p a r a c a d a deli to, é com o se u m m é d ic o p r e s c r e v e s s e um t r a t a m e n t o a um en fe rm o e lhe i m p u s e s s e o d ia em q u e d e v e r i a sair do hosp i ta l , e s t ives se ou n ã o c u r a ­do". Ass im o diz a c iên c ia c o n t e m p o r â n e a com o juiz Villert, e a ss im o diz o espir i t i smo.

O a b s u r d o de d e t e r m i n a r a priori a d u r a ç ã o da p e n a , com o d e c l a r o u u m e s p a n h o l d e s a p a r e c i ­do n e s te s d ias , F r an c i s co G in e r de los Rios, é t a m ­b é m u m a b s u r d o p a r a Allan K ardec .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 199

XX VI I

A REPARAÇÃO DO DANO PESSOAL

N ã o b a s t a p a r a o espir i t ismo a ex p ia ç ã o ou arrependim ento; ele ex ige a rep aração .

V ejam os em q u e consis te : "A r e p a r a ç ã o c o n ­siste em se fazer b e m à q u e l e a q u e m se fez mal: q u e m n ã o r e p a r a n e s t a v id a as faltas co m e t id a s , por im p o s s ib i l id a d e ou po r falta de v o n t a d e , a c h a r - - s e -á e m e x i s t ê n c ia pos te r io r , e m co n ta to co m as m e s m a s p e s s o a s a q u e m p r e ju d ic o u e em c o n d i ­ções por ele m e s m o e sco lh id a s , de sor te q u e lhe fa­cilitem o dese jo de lhes fazer t a n to b e m q u a n t o m a l lhes h o u v e r a feito".

Têm r a z ã o os e sp í r i t a s q u a n d o p r o c l a m a m que o p r inc íp io da r e p a r a ç ã o , f a ta lm e n te n e c e s s á r i a , é u m p r inc íp io de a l ta i d e a l i d a d e m ora l , n ã o p r o c l a ­m a d o p e l a s r e l ig iões v u lg a r e s .

N es te a s p e c to da c r im ino log ia , os e sp í r i ta s v ã o muito a lém dos h o m e n s de c iência .

A c r im in o lo g ia c o n h e c e a i m p o r t â n c i a da r e ­p a r a ç ã o do d a n o p e s s o a l do delito. (*)

(*) Chamo dano pessoal do delito àquele que sofre uma determ ina­da pessoa e impessoal o que sofrem em geral todas as pessoas sem indi- vidualização alguma (Veja-se Fernando O rtiz: Base para um estudo sabre a chamada reparação civil, M adrid, 1901).

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 200

É p r e c i s a m e n t e u m m ér i to da n u o v a scu o la h a ­v e r s a l i e n t a d o a sua t r a n s c e n d ê n c i a e refletir sobre e s s e t e m a os d a d o s da c i ên c ia c o n t e m p o r â n e a , q u e há já um século foi tão g ra to a M elchor G io i a e a B en th am .

S pencer , e m a i s t a r d e Garó fa lo , no seu livro A in d en iza çã o às v ítim as do delito , e com ele Fioretti , P r ins e outros , e m r e i t e r a d o s in form es aos c o n g r e s ­sos de c iên c ia s p e n a i s , c u i d a r a m d e s s e t e m a in te ­r e s s a n t e , e todos , u n a n i m e m e n t e , t r a t a r a m da n e c e s ­s á r i a r e a ç ã o co n t ra o e s q u e c i m e n t o em q u e ficam os p r e j u d i c a d o s pe lo delito.

S ão v á r io s os p ro je tos d iscu t idos , p o r é m todos se r e fe rem q u a s e e x c lu s iv a m e n te à r e p a r a ç ã o p e ­c u n i á r i a do d a n o m a t e r i a l do deli to, ou, q u a n d o mui to , à r e p a r a ç ã o , po r m e io s e conôm icos , do d a n o m ora l .

O p r o b l e m a da r e p a r a ç ã o do d a n o m o r a l é de im p o ss ív e l s o lu çã o p a r a os p e n a l i s t a s , e da r e p a ­r a ç ã o do m a l m a t e r i a l o é em, m ui tos casos .

S o m e n te as c o n c e p ç õ e s dos e sp i r i tu a l i s t a s p o ­d e m a l c a n ç a r u m a so lução te ó r ic a p a r a o p r o b l e ­ma. O ev o lu c io n ism o e te rn o dos esp í r i ta s p o d e co n ­c e b e r u m c o n s t r a n g i m e n t o p s íq u ic o sufic iente p a r a lo g ra r o r e s s a r c im e n to do d a n o m o ra l do deli to pe lo p ró p r io d e l in q u e n te . O esp ir i t ismo a f i rm a q u e p o s ­sui os m e ios coerc i t ivos n e c e s s á r i o s p a r a e s s a e m ­p r e s a de c o r re c io n a l i s m o s o b r e - h u m a n o q u e nós os h o m e n s n ã o tem os .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 201

Assim, p o d e m os e sp í r i t a s s u s te n ta r q u e sua filosofia p e n a l a t r ib u i à p e n a um fim e m i n e n t e m e n ­te r e p a r a d o r : r e p a r a ç ã o do d a n o c a u s a d o à so c ie ­d a d e (d an o obje tivo im p e s so a l ) ; r e p a r a ç ã o do d a ­no p ro d u z id o à v í t im a ou o in d iv íd u o p a s s iv o do a to doloso ( d a n o obje tivo p e s s o a l ) e r e p a r a ç ã o do d a n o e x p e r i m e n t a d o p e lo p ró p r io a u to r do cr ime (dano subjet ivo).

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 202

X X V I I I

LOMBROSIANISMO CRIMINOLÓGICO E ESPIRITISMO PENAL

P o d e r i a c o n t in u a r e x a m i n a n d o outros a sp e c to s pos i t iv is tas da c r im in o lo g ia e c o m p a r a r as c o n c lu ­sões c ientí f icas d e s s e s p r o b l e m a s com as q u e se de- d u z e m do espir i t i smo, p a r a as m e s m a s q u e s tõ e s . E v e r í a m o s como existe em t o d a s as o c a s iõ e s o p a ­ra le l i sm o teór ico en t re a c r im in o lo g ia pos i t iv is ta e a esp ír i ta .

Será , p o ré m , d e s n e c e s s á r io , po is q u e o fim d e s ­te t r a b a l h o é d e m o n s t r a r e s ta c o in c id ê n c ia sur­p r e e n d e n t e em su as l inhas f u n d a m e n ta i s e o b ­se rv a r q u e , a n t e s de L om broso com seu U o m o d e - l in q u en te e su a escola , h a v e r e m r e v o l u c i o n a d o a c r im ino log ia , a s s e n t a n d o t eo r ia s e p r in c íp io s hoje v u l g a r i z a d o s e a té p a r c i a l m e n t e aco lh id o s p e l a s l eg is lações , j á b o a p a r t e de ta is p r inc íp io s e teo r ia s h a v i a m sido l a n ç a d o s n a c i r c u laç ã o p o r u m a filo­sofia, cuja f in a l id a d e p r in c ip a l se s e p a r a da crimi- n o log ia , com o e s ta d i sc ip l ina é c o n c e b id a , m a s q u e se a p r o x i m a b a s t a n t e do id e a l i sm o de u m a crimi- n o lo g ia de leis e te rn a s , q u e a b r a n g e m todo o U n i ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 203

verso, o id ea l i sm o de r e p r e s e n t a r a a b so lu t a , im u ­tável e infinita c r im in o lo g i a de Deus.

Se rá q u e Lom broso , q u a n d o em fria m a n h ã de d e ze m b ro de 1870, o b s e r v a v a a fosse ta oc ip ita l m e ­d i a n a do c rân io do b a n d i d o Vi le la e r e p e n t i n a m e n ­te d e s c o b r ia o a t av i sm o , c h a v e de su a teoria , n ã o fazia m a i s q u e refletir, i n c o n s c i e n t e m e n te , sobre a n a t u r e z a a n a t o m i c a m e n t e a t r a s a d a do d e l in q u e n - te, ide ia s a n á l o g a s e a n te r io re s de A l lan K a rd ec sobre o a t r a so dos espír i tos dos h o m e n s m a u s?

C o n h ec ia , e n t ã o Lom broso , a t e o r i a filosófica de Al lan K a rd ec , com o d e p o i s c o n h e c e u in t im a ­m en te os fatos do espir i t i smo, de q u e foi c ren te , e até su a filosofia s impl is ta em q u e n u n c a ac red i to u ? N ão o sei e d u v id o muito .

Além disso, n ã o n e c e s s i t a v a Lo m b ro so c o n h e ­cer o espir i t i smo, a fim de ter u m a b a s e filosófica p a r a a sua te o r ia do a tav i sm o , ch av e , po r ass im dizer, de t o d a a su a t e o r ia p e n a l . Lo m b ro so c o n h e ­cia o evoluc ion ism o.

Com efeito, a s in g u la r s e m e l h a n ç a en t re o p o ­sit ivismo e o espir i t i smo, no q u e to ca às ide ia s cri­m in o sas , p o d e ser e x p l i c a d a p o r q u e a m b o s p a r t e m de u m a id e ia -m a te r , a da ev o lu ção .

N ã o im p o r ta q u e se jam m o n is t a s ou d u a l i s ta s , m a te r i a l i s t a s ou e sp i r i tu a l i s t a s u n s ou ou tros p e n ­sado res , se todos s u b m e t e m seus r e sp ec t iv o s p r i n ­cípios ao da e v o lu ção . P a r a uns , a m a t é r i a evol-

PENSE - Pensamento Social Espírita

v e r á em u m futuro c o n s tan te ; p a r a outros, s e g u i ­rá em sua m a r c h a e v o lu t iv a o im p u lso do espíri to, c a u s a r e m o t a da t r a n s f o r m a ç ã o da m a té r i a , que , po r s u a vez, se t r a n s fo rm a rá , i n c e s s a n t e m e n t e , em um e te rn o p r o g r e s s o evolu tivo. D es ta r te , u n s e o u ­tros, s e n d o evo luc ion is ta s , t e r ã o q u e adm i t i r em seu m o n is m o ou em seu d u a l i s m o filosófico (1), as id e ia s de a d i a n t a m e n t o e a t r a so , m a te r i a l ou e s p i ­ri tual , em r e l a ç ã o a u m e s t a d o q u e s irva de te rm o de c o m p a r a ç ã o . E n e s s a id e ia de a t r a s o p o d e r ã o fu n d a m e n ta r , u n s e outros, o conce i to do deli to e su a c o n t i n u a ç ã o criminal.

A i n d a q u e em n o s so s d ia s a té Lam ark , D arw in , S p e n c e r e Huxley , a t e o r i a e v o lu c io n is ta n ã o t e n h a a l c a n ç a d o seu m a i s perfe ito conceito , n ã o de ixa , e n t re tan to , de ser b e m a n t ig a .

D e sd e os b r a m a n i s t a s , p a s s a n d o por S a k h y a , p e lo s jônicos , p o r Herác l i to , p e lo s a to m is ta s , po r Aris tó te les, p e lo s estóicos , pe lo s ep icu r i s t a s , pe lo s n e o p la tô n ic o s , p e lo s cri s tãos , p e lo s á r a b e s , po r G i o r d a n o Bruno, a té Schell ing, H egel , V on B ae r e Com te , p o d e e n c o n t r a r - s e u m a g r a n d e série de p re - d e c e s s o r e s do e v o lu c io n ism o c o n t e m p o r â n e o (V e­ja -se E, Clod. — I pioneri deU'Evoluzione (trad. it.) Torino. 1910. - J. D e la g e y M. Goldsmith. Les théo- ries de 1'Evolution. Paris, 1909).

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 204

(1) Não falo de um trialismo filosófico, porque nas doutrinas tria- listas o problema não varia, e porque essas doutrinas bem se podem redu­zir a um dualismo fundamental.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 205

Q u a n d o , e m 1854, H y p p o l i t e L é o n D e n i z a r d Ri- vail (Allan K ardec ) o u so u falar p e l a p r im e i r a vez d a s m e s a s g i r a n te s , e a i n d a m ais , q u a n d o p u b l i ­cou seu livro f u n d a m e n ta l (O Livro dos Espíritos), j á o e v o lu c io n ism o c o n t a v a com as co n t r ib u iç õ e s p ro fu n d as e b á s i c a s de L am arck . U m a n o depo is , (1858) D a rw in e W a l l a c e (1) p u b l i c a v a m a o b ra T eo­ria da S e leçã o Natural, e o p r im ei ro , em 1859, a O rigem das E sp éc ies , em q u e a t e o r i a evo luc ion is - ta a d q u i r iu seu p r e d o m í n i o científico.

E Rivail, q u e e ra cu lt ís s im o p e d a g o g o , d isc í ­pu lo e c o l a b o r a d o r de Pes ta lozzi, d o u to r e m m e d ic i ­na e f i lólogo n o tá v e l , b e m p o d i a te r c o n h e c id o , a n ­tes da le i tu ra do seu livro, os t r a b a l h o s j á p u b l i c a ­dos de H e rb e r t S p e n c e r sobre a e v o lu ç ã o h u m a n a (1850-1852), a e v o lu ç ã o d a s e sp é c i e s (1852) a e v o ­lução p s í q u i c a (1854-1855) e a e v o lu ç ã o g e ra l (1857). Q u a n d o Rivail p u b l i c o u s u a obra , o evo- luc ion ismo e s t a v a j á no a m b i e n t e d a s id e ia s com o teo r ia da a t u a l i d a d e (2).

Q u a n d o Lom broso , em 1870, fundou a d o u t r i n a do a t av i sm o , c o n s e q u ê n c i a do ev o luc ion ism o , j á S p e n c e r e H a e c k e l h a v i a m con s t ru íd o sobre o evo- luc ion ismo su as m o n u m e n t a i s s ín teses filosóficas, l e v a n d o à p s ico log ia a t e o r i a da evo lu ção ; H ux ley

(1) Diga-se de passagem que W allace e Lombroso acreditavam nos fenômenos chamados esp íritas . (Nota do tradutor).

(2) De nada ad iantariam a A llan Kardec as teorias evolucionistas da ép oca , v isto como as id e ias contidas nos liv ro s b á sico s do esp iritism o não foram dele, mas transm itidas pelos espíritos (Nota do tradutor).

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 206

f ixara a p o s i ç ã o do h o m e m na n a t u r e z a . Estes c o nce i to s e r a m in d i s p e n s á v e i s p a r a a a p r e s e n t a ç ã o do at iv ismo. (1)

Al lan K a rd ec , ao const ru i r a m o r a l evolucio- n i s t a e L o m b ro so ao exp l ica r a d e l i n q u ê n c i a po r um

(1) Muito próximo a Lombroso houve um pensador que se pode con­siderar como profundo espiritualista evolucionista. O grande italiano Maz-zini escrevia em 1855 (Scritti editi ed inediti, vol. V, p. 2 1 3 ), o que sesegue:

"Nosso dogma tende a d ivin izar, lento e progressivamente, o homem. A ideia da continuação da vida, manifestada em cada um de nós, é a afirm ação de que a existência atual é o degrau para a futura, que a Terra é uma estação de prova, onde, combatendo o mal e promovendo o bem, devemos alcançar o mérito de subir.

Da mente científica que não conhece a morte, mas unicamente atransform ação ; da voz da humanidade in te ira ; do instinto do coração, que é a intuição do ind ivíduo ; do culto que nós, crentes ou não, trib u ­tamos às tum bas; das formas referentes à eternidade, que nossa lingua­gem assume espontaneamente quando, melhores e portanto mais per­to do verdade, nos entregamos a transportes de amor e de v irtud e ; do halo de fé que ilumina a fronte do m ártir; da paz suprema que vi im ­pressa no rosto de seres aos quais não era dolorosa a morte; da impos­sibilidade de crer que os mais santos afetos são amarga ironia, que os mais santos sacrifíc io s, uma ilusão; que a onipotência do gênio uma fum arada enganosa, extinta ao primeiro fenômeno da m atéria ; de toda a contem plação, de todo o estudo, de todo o pressentimento: deduzique somos im ortais, que a lei da vida é uma; que o progresso pressenti­do e desenvolvido pela humanidade coletiva de geração em geração,se desenvolve para a humanidade ind ividual, de transform ação em tran s­form ação, de existência em existência ; que o desenvolvimento de um progresso alcançado e a memória são palavras idênticas; que conser­vam os, através destas transform ações, consciência e memória de nossaidentidade, e só as readquirimos lentamente, assim como a hum anida­de coletiva conquista o conhecimento do passado à medida que avan ­ça para o futuro. Deduzi que o amor é uma promessa que se cumpre no a lém , que a esperança é um fruto que germina, que o ataúde é o berço de uma vida nova".

O evolucionismo espírita , como o explicou A llan Kardec, não tevecrente mais fervoroso, nem mais puro apóstolo que M azzin i, seu con­temporâneo.

Se a ideia evolucionista por si só não houvesse sido suficientepara crista lizar na mente .do gênio lombrosiano a teoria atávica do de­lito, não lhe faltariam sugestões filosóficas. O descobrimento da fos-seta foi o selo científico de muitas intuições anteriores.

Daí a revolução lombrosiana.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 207

r e t a r d a m e n t o na e v o lu ç ã o m ora l , co in c id i ra m em suas co n c lu sõ es c r imina is , p o r t e re m sido in s p i r a ­dos p e l a m e s m a id e ia fu n d a m e n ta l . Q u e a ev o lu ­ção no s e g u n d o a tu e sob re a m a té r i a , ou q u e a tu e no p r im e i ro sobre o Espíri to e a M a té r ia , ao m e s m o tem po , é isso ind i fe ren te à d e d u ç ã o lóg ica d a s con- s e q u ê n c ia s .

C h e g a r ã o s e m p r e a p e n s a r q u e há h o m e n s m o ­r a lm e n te n ã o evolv idos , p r e c i p i t a d o s por isso fa ta l­m e n te no crime, e q u e a r e a ç ã o social co n t ra e sses atos, c o n h e c i d a a c a u s a d e t e r m in a n te , há de c o n ­sistir em d e fe n d e r a s o c i e d a d e c o n t ra os a t a q u e s d is so lven tes e em a ju d a r a e v o lu ç ã o é t ic a do de- l in q u en te , fazendo-o a v a n ç a r a té a l inha dos d e ­m a is h o m e n s q u e fo rmam a m a s s a social.

C o m o ev o lu c io n ism o , o conce i to do l iv re-arb í - trio de ixa , q u a n d o muito, de ser a bso lu to , e já v i ­m os no t r a n s c u r s o des te livro como, em r e a l i d a d e , e n t e n d e K a r d e c o l iv re-a rb í t r io e L o m b ro so o d e te r ­min ismo.

N ã o im p o r ta m as d i fe ren ças en t re a m b o s os p e n s a d o r e s sobre o p r o b l e m a da a l m a ; e las se d e s ­v a n e c e m d ia n te da i d e ia evo luc ion is ta , q u e as r e ú ­ne em u m a s ín tese super ior .

Es ta c o n v e r g ê n c i a do m o n i s m o m a te r i a l i s t a e do d u a l i sm o , q u a n t o ao fen ô m en o do l iv re-arb í t r io , já foi o b s e r v a d a por v á r io s p e n s a d o r e s .

P a r e c e q u e o e sp i r i tu a l i sm o dua l i s ta , po r v e ­zes, como s u c e d e com o k a rd e c i s m o , t an to se a p r o ­

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 208

x im a da d o u t r i n a do p a n t e í s m o ou do p a r a l e l i s m o psicofísico, q u e c h e g a a confundir -se com a do mo- n i sm o m a te r i a l i s t a h a e c k e l i a n o m a i s r ad ica l . A s ­sim o o b s e r v a v a , com r a z ã o , um m a te r i a l i s t a e m i ­n e n t e com o Enr ico Morsell i , q u e dizia:

" Q u a n d o nos p r e p a r a m o s p a r a c o n c e b e r sin- t e t i c a m e n t e o con jun to dos f enôm enos , p o d e m o s in ­t e rp re tá - lo s como as m a n i f e s t a ç õ e s de u m a R ea l i ­d a d e em q u e se iden t i f icam o sujeito e o objeto, e q u e se nos a p r e s e n t a m com o u m Todo único . É este, p r e c i s a m e n t e , o conce i to do m o n ism o , b a s e a ­do no fato f u n d a m e n t a l de q u e o h o m e m n a d a p o d e c o n h e c e r a l ém de su a s p r ó p r i a s s e n s a ç õ e s e q u e a série de fe n ô m e n o s se c o m p le ta em n o s s a c o n s ­c iên c ia sem n e c e s s i d a d e de n e n h u m e le m e n to a l h e i o à r e a l i d a d e p e r c e b i d a p e l o s s e n t i d o s e u n i ­f ic ad a pe lo in te lecto .

N a c o n c e p ç ã o m o n i s t a n ã o se ad m i te , pois , d i ­f e r e n ç a ou c o n t r a s t e e n t re a r e a l i d a d e c o n h e c i d a e a q u e a i n d a n ã o c o n h e c e m o s ; n ã o se s e p a r a m os f e n ô m e n o s em d u a s c a te g o r i a s , os da M a t é r i a e os do Espír i to ; não se s o b r e p õ e à E n e r g i a ú n i c a e u n i ­t á r i a dos fen ô m en o s , a ú n i c a q u e p o d e m o s c o n h e ­cer, po is som os p a r t e da m e s m a , n e n h u m a ou t ra e n e r g i a e x t r a f e n o m ê n i c a e d e s c o n h e c i d a p a r a nós .

A força, s e g u n d o o m o n ism o , n ã o é um "quid" q u e p o s s a d is t ingu i r - se a b s t r a t a m e n t e de su as m a ­n i fe s taçõ es na m a té r i a ; a s e n s a ç ã o e o p e n s a m e n -

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 209

to n ã o se p o d e m s e p a r a r do seu ó rg ão , po is o o b ­jeto é o q u e se sen te a si m e s m o com o sujeito.

"Os conce i tos fu n d a m e n ta i s do dualism o es tão em e x a t a e a b e r t a c o n t r a d i ç ã o com os p r e c e d e n t e s . O m u n d o , q u e p e r c e b e m o s , t o rn a - s e n e s te s i s tem a u m m u n d o re la t ivo , a lém do q u a l exis te u m a e n t i ­d a d e a b so lu t a , i n ace ss ív e l à c o n s c i ê n c i a h u m a n a e C a u s a P r im á r ia de tu d o o q u e e s tá fora dele; os fe­n ô m e n o s do espíri to n ã o se iden t i f icam n u n c a com os do corpo; a força e a m a t é r i a são d is t in tas e ir­re d u t ív e i s en t re si; a r a z ã o e a ide ia , a i n d a q u e d e ­r ivem da s e n s a ç ã o , têm e x is t ên c ia r e a l po r si m e s ­m as ; a lém do Real, q u e c h e g a m o s a c o n h e c e r a t r a ­vés dos fenôm enos , ex is te outro R ea l q u e p ro d u z iu ou criou o a n te r io r po r a to v o lu n tá r io e n ã o po r n e ­c e s s id a d e , de m a n e i r a q u e , sem este im p u lso ex- t r ín seco e r e a l i d a d e c o n h e c i d a n ã o ex is t i r ia na for­m a e nos m o d o s po r q u e a c o n h e c e m o s .

N ã o n e ce s s i to r e c o r d a r q u e n a d i s p u ta d e s se s s i s te m a s e s tá o n ú c le o e a r a z ã o de ser de t o d a a filosofia p a s s a d a , p r e s e n t e e futura. M a te r ia l i sm o e e sp i r i tua l i sm o , m e c a n i s m o p u r o e idea l i sm o , in ­t e n t a r a m em v ã o u m a c o n c i l i a ç ã o no t e r re n o do c h a m a d o "s incre t ismo" , s e g u n d o o q u a l o objeto e o sujeito, o r e a l e o ideal , o corpo e o espíri to, a m a ­té r ia e a força, coex is t i r iam s e m p r e e p a r a l e l a ­m e n te a i n d a q u e sem confundir-se n e m unif icar-se j a m a i s .

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 210

O conce i to s incre t i s ta a p l i c á v e l ao m u n d o e x ­terior sens íve l tem sua m a n i f e s t a ç ã o s en t i m e n ta l no p a n te i s m o ; a p l i c a d o ao m u n d o interior, ao espírito, à co nsc iênc ia , tem su a m a n i f e s t a ç ã o na d o u t r i n a do p a r a l e l i s m o psicofísico.

A p en e tra çã o , porém , da d iv in d ad e ou da for­ça em todas as partes do m undo ou da m atéria , a c a b a por confundir as d u a s ca teg o r ia s de reali­d ad e em um a só, e entre o p an te ism o e o m onism o não se p o d em verificar d iferenças e ssen c ia is .

D ig a -se o m e s m o d e s s a fo rma e s p ú r i a do d u a ­lismo, s e g u n d o a q u a l força e m a té r i a , a b so lu to e re la t ivo , esp í r i to e corpo , são c o e te rn o s e coexis- ten tes , po r n e c e s s i d a d e , no te m p o , no e s p a ç o e na c a u s a , e da í p a r a l e l o s n a função p s í q u i c a q u e c a ­ra c t e r i z a a n a t u r e z a h u m a n a : este d u a l i sm o , es ta h ip ó te s e do p a r a l e l i s m o a d m i t e dois p r inc íp io s n ã o idên t icos , p o r é m in s e p a r á v e i s , in c o n c e b ív e i s um sem o outro; um, p o ré m , incognosc íve l , e o outro m a i s ou m e n o s cognosc íve l , n ã o s a b e m o s por que d i fe re n ç a em su a n a t u r e z a " .

N ã o é tão a b s u r d o crer, p o r ta n to , com o à p r i ­m e i r a v i s ta p a r e c e , q u e en t re u m m a te r i a l i s m o p o ­sitivista, p ró p r io dos l o m b r o s ia n o s e um esp i r i tua - l ismo in tenso com o o dos d isc ípu los e s e g u id o r e s de A l lan K a rd ec , h á a p e n a s d i fe ren ças a p a r e n t e s e de índole p u r a m e n t e ex te rn a , q u a n d o se re ferem ao p r o b l e m a do l iv re -a rb í t r io e do d e te rm in ism o , e

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 211

ao da t r a n s c e n d e n t a l i d a d e soc io lóg ica d a s c o n c e p ­ções b á s i c a s (1).

Ent re um sincretism o, com o o q u e in sp i rou Al lan K a r d e c e um m o n is m o m a te r i a l i s t a , como o em q u e se b a s e i a m as c o n c e p ç õ e s p os i t iv is tas lom- b r o s i a n a s , n ã o há , em rigor, d i fe renças .

P o d e m o s r e c o rd a r (2) que o p r o b l e m a do livre- -arbít r io e do de te rm in ism o p e r d e u a im p o r tâ n c ia q ue se lhe d a v a em t e m p o s p a s s a d o s . E nos q u e correm, de i n d u b i t á v e l r e a ç ã o esp i r i tua l i s ta , o p r o ­b l e m a p a r e c e q u e n ã o r e n a s c e .

U m espir i tual ista de tanta coragem anti -haecke- l i a n a , c o m o L o d g e , s u s t e n t a no s e u l i v r o V ida e M atéria (p. 161) q u e o l iv re -a rb í t r io e o d e t e r m in i s ­m o n ã o se c o n t r a d i z e m .

"Na v id a r ea l v iv e m o s em um dos lados dos li­mites q u e s e p a r a m a r e g i ã o a lgo c o n h e c i d a do u n i ­ve rso d a q u e l a to t a lm e n te i g n o r a d a , e nos inc l in a ­m os a c o n s id e ra r a parte q u e n o s r o d e i a como se fosse o tod o .

C o n h e c e m o s , s o m en te , o q u e p e r t e n c e à r e g i ã o ex p lo ra d a ; e s ta m o s , po rém , s u b m e t id o s a c e r tas i lu­sões e e n c o n t r a m o s ce r ta s d if icu ldades: a i lusão da l i b e r d a d e de a ç ã o n ã o e s t i m u l a d a e n ã o m o t i v a d a

(1) Não estava muito longe de pensar analogamente H. Ta ine , na introdução ao seu livro Les ph ilosophes classiques du X IX siècle, ao pretender vigorizar a m etafís ica , assinando-lhe uma função ana lítico - -sintética suprema que abarcasse as afirmações positivistas e espiritualistas.

(2) Vejam -se páginas anteriores deste livro.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 212

e a d i f i cu ldade de conci l ia r isto com a s e n t i d a n e ­c e s s i d a d e de u m d e t e r m in i s m o g e r a l e de u m a c a u ­sa ge ra l .

Se fa lam os da p a r t e do u n iv e r s o com a q u a l e s t a m o s e m co n ta to c o n t ín u o e n o s é c o n h e c i d a , a c h a m o s q u e h á a t i v i d a d e l ivre no m u n d o o r g â n i ­co, no q u a l a l i b e r d a d e de a ç ã o é u m a e x p e r i ê n c i a de f in ida e rea l . Se p u d é s s e m o s , p o ré m , o b s e r v a r as co isas em su a p le n i tu d e , e c o n h e c e r o q u e ocor ­re a l ém de n o s s a l im i t ad a v i são , nos c o n v e n c e r í a ­m o s de q u e tu d o se r e l a c i o n a e se a c h a sujeito a in f luênc ia q u e p r o d u z e m os efeitos po r n ó s o b s e r ­v a d o s . . . n ã o o b s t a n t e o livre-arbítrio e o determ i­nism o serem a m b o s v erd a d e iro s , e em u n iv e r s o c o m p l e t a m e n t e c o n h e c id o d e ix a r i a m de ser c o n t r a ­di tór ios" .

Es ta teo r ia do Professor da U n i v e r s i d a d e de B i r m i n g h a n e o u t r a s a n á l o g a s (1) d e m o n s t r a m co-

(1) Muito semelhante é a do Diretor do Observatório de Bruxe­las, Adolfo Quetelet, em sua Física sociale: Tossia saggio intorno del'uomo (trad. it. p. 372). O leitor que deseja enriquecer suas ideias sobre as teorias espiritualistas contemporâneas em relação com o evolucionismo não pode prescindir de estudar as muito interessantes ideias filosóficas de Nola Pitti (que sustenta haver três formas de evolução: a do esp íri­to, a da matéria e a do espírito condicionado pela m atéria); as de Fre­derico Myers, em sua genial obra sobre a personalidade humana e sua sobrevivência (onde define o homem como um ser unitário, porém in­fin itam ente completo, com seu organismo polizóico, ou talvez polipsí- quico, unificado por um espírito diretor, com o qual ele vive em um dos mundos, tendo uma vida planetária neste mundo material e uma vida cósmica no mundo metaetéreo, que é o ambiente natural do Espírito); as de Fournier d'Alb, em seu livro sobre a im ortalidade; (declarando- se m onista-evolucionista, pensa que o corpo vivo é uma grande orga­n ização h ie rá rq u ica , com ordens g radu a is , que se perdem nas m inús­culas subdivisões do universo superatômico; e a alma é um conjunto de

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 213

mo as ide ias do livre-arbítrio e do determin ismo fi­ca ram p r iv a d a s do seu cará te r absoluto, m a n e i ra ún ica de ob terem livre c irculação no m oderno m er­cado científico; voltemos, entre tanto , à nossa con­clusão: um livre-arbítrio relativo exa tam en te igual a um determinismo não absoluto, o que vem a dar no m esm o: a m b a s as ideias p e rd e ram , pois, todo o seu significado.

* * *

Temos que concluir.Q u a lq u e r que seja a pos ição filosófica que se

adote, tenho como c o n seq u ên c ia das ide ias expos ­tas neste t rabalho, que os espíri tas (como j á suce ­deu ao publ icar-se an ter io rmente este estudo) ao no ta rem a a d a p t a ç ã o da sua concepção ét ica às doutr inas científicas da criminologia con tem porâ ­nea, deduzirão daí u m a nova razão p a r a sus ten ta ­rem seu credo e o cons idera rem v e rdade i ro ; cer ta ­mente , nós, os lombrosianos, podem os p e n sa r de m a n e i r a aná lo g a , com maior razão, ao observar a ap rox im ação que há de nossas ide ias pena is com as conclusões criminológicas dos espíritas, em sua filosofia. Isto nos dem ons t ra que se da ide ia -ma-

psicômeros ou elementos diretores repartidos por todas as células do corpo); as de I. Calderone, com seu sistema monista espiritualista, (uma espé­cie de haeckelianismo ao revés; não é um dualismo; compreende em uma inteligência, força e matéria, que, nos estados finais da evolução do espírito se irão sempre degradando até ficarem livres dos condições de espaço e de tempo) etc.

PENSE - Pensamento Social Espírita

A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 214

dre e v o lu ç ã o p r o m a n a m teo r ia s é t icas q u e n o s são t ã o c a r a s com o a do a ta v i sm o , a da ind iv id u a l iz a - ç ão da p e n a e tc . , q u a n d o a q u e l a id e ia se cri s ta l i­z a d e n t r o de u m e s p i r i t i s m o m e t a f í s i c o e m e t a p s í - qu ico , com m ui to m e lh o r f u n d a m e n to se d e v e m ter com o n e c e s s á r i a s e c e r ta s e s s a s teo r ia s , vis to q u e o p r in c íp io e v o lu c io n is ta p r e c ip i t a em r e a ç ã o da m a i s r i g o r o sa o b s e r v a ç ã o pos i t iv is ta . E o lom bro- s i a n i sm o s ignifica e v o lu c io n i sm o a p l i c a d o à crimi- no lo g ia . E n q u a n t o o e v o lu c io n ism o é um p r in c í ­p io da c iênc ia , o lo m b r o s ia n i sm o , em s u a a f i rm a ­ção fu n d a m e n ta l , s e r á u m a v e r d a d e , u m a e x i g ê n ­c ia da c iv il ização .

Digitalização: PENSE - Pensamento Social Espíritawww.viasantos.com/pense maio de 2009

PENSE - Pensamento Social Espírita