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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS
Instituto de Ciência da Natureza
Curso de Geografia – Bacharelado
ROSANA DE CÁSSIA PEREIRA
A FOLIA DE REIS “FULÔ DA MANTIQUEIRA” DO
MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ – MG NA PERSPECTIVA
GEOGRÁFICA CULTURAL.
Alfenas – MG
2014
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ROSANA DE CÁSSIA PEREIRA
A FOLIA DE REIS “FULÔ DA MANTIQUEIRA” DO
MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ – MG NA PERSPECTIVA
GEOGRÁFICA CULTURAL.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como parte
dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em
Geografia pelo Instituto de Ciências da Natureza da
Universidade Federal de Alfenas – MG, sob orientação do
Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho.
Alfenas – MG
2014
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“Pela fé nos Reis andantes
Caminhamos noite e dia
Cantamo em terras distantes
Seguindo a Estrela Guia
Pretos, brancos, multicores
Empunhamos a bandeira
Espantando suas dores
Incensando a terra inteira
O coração do tambor
Ponteio de pau e aço
O peito que canta o amor
A fé que sustenta o passo...”
(Giovanni Guimarães e Ronaldo Pereira)
4
Agradecimentos
Agradeço ao incentivo, ajuda e paciência de meus pais e irmã; a Giovanni
Guimarães pela ajuda bibliográfica; a todos os foliões que cederam um pedacinho de si
pra essa pesquisa, tanto diretamente quanto indiretamente; aos entrevistados por doar um
pouco de seu tempo e conhecimento; a Carolina Kanashiro, Tomás Viana e Paulo Plá; a
Francielly Naves Fagundes e Talytha Accioly Simões Coelho pela ajuda em outros
trabalhos que contribuíram a construção deste; e ao meu orientador por me mostrar o
caminho.
5
Resumo
A geografia cultural vem ao longo de sua história estudando as diversas culturas
de uma sociedade, região, local; cultura esta que, vista por tal corrente, foi se recriando
até se tornar o que é hoje, um conjunto de tradições e crenças de um grupo de indivíduos
que a partir dessa cultura consegue modificar a sociedade em que vive. Dentro dessas
culturas há uma parte que leva o nome de Folclore, ou seja, o saber do povo, no qual se
encontram as festas tradicionais religiosas, as folias de reis, as congadas, que são
manifestações que dependem de suas gerações futuras, pois são oralmente passadas de
geração a geração e por esses e outros motivos estão desaparecendo.
A partir dessa linha de pensamento a Folia de Reis Fulô da Mantiqueira
localizada no município de Itajubá – MG será descrita e analisada, levando em conta as
questões de identidade, pertencimento, território e globalização da sociedade moderna.
Este trabalho tem como objetivo relacionar a Folia de Reis com a Geografia
Cultural e identificar a importância desta para a sociedade e município, para que haja um
maior reconhecimento desta manifestação.
A metodologia utilizada foi uma pesquisa qualitativa e dentro deste o estudo de
caso, onde foi utilizada a história oral com entrevistas semiestruturadas para o melhor
entrosamento com os entrevistados e assim ser possível obter informações mais ricas.
Esta pesquisa foi feita sob um olhar de quem de alguma forma participa dessa
manifestação, levando em conta a identidade cultural, religiosidade e simbolismo dos
entrevistados.
Palavra-chave: Cultura; Folclore; Folia de Reis.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7
2 METODOLOGIA ....................................................................................................... 11
3 BREVE HISTÓRICO SOBRE GEOGRAFIA CULTURAL .................................... 14
4 A CERCA DE CULTURA, FOLCLORE, RELIGIOSIDADE, IDENTIDADE
CULTURAL, PAISAGEM CULTURAL E TERRITÓRIO ......................................... 17
5 FOLIA DE REIS FULÔ DA MANTIQUEIRA: Uma descrição e análise ................ 23
6 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 58
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 60
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1. INTRODUÇÃO
A Folia de Reis surgiu na Espanha no século XIII e logo se espalhou por toda
Península Ibérica. Mas foram os portugueses que a trouxeram para o Brasil no século
XVI, por volta do ano 1534, com a finalidade de catequizar os índios e negros escravos.
Em Portugal era uma dança alegre que continha em sua composição guizos, gaitas, caixa,
violas e adufes (pandeiros) e seus foliões eram vestidos com trajes típicos de Portugal.
Ao longo do tempo, na Folia de Reis vinda para o Brasil ocorreram algumas adaptações,
inserindo traços brasileiros em seus ritos.
Essa manifestação foi criada a partir da junção de ofícios e missas natalinas na
qual se misturavam alguns personagens como anjos, pastores, a Sagrada Família, bichos,
dramatizações e danças que ocorriam até o dia 25 de dezembro e que ao longo do tempo
foi se estendendo até a festa da Epifania, que acontece 12 dias após a do Natal, dia dos
Santos Reis. Entram em cena então os personagens Herodes, seus soldados e os Três Reis
Magos, estes últimos com cada vez mais importância nas dramatizações. A partir disso
foi constituído então um drama litúrgico-popular natalino: o Officium Stalae, no qual o
Menino Jesus continua sendo a figura de referência, mas os Três Reis Magos é quem são
os protagonistas. E assim nasceu a Folia de Reis que representa a ida dos Três Reis Magos
ao encontro do Menino Jesus recém-nascido, no qual os Reis levavam presentes: a mirra,
o ouro e o incenso. Alguns membros da Folia representam personagens dessa passagem
bíblica.
Esta manifestação folclórico-religiosa foi por algum tempo feita dentro das
igrejas, isso desde o começo do cristianismo, e nas procissões promovidas pelas mesmas,
porém, desde a Colônia havia bispos e padres que tentavam proibir essas expressões
populares, fazendo acusações de que esse ritual era inadequado e profano e por isso era
inaceitável dentro da igreja. Com todas essas acusações feitas, aos poucos ocorreu uma
“purificação” do Ciclo de Natal e foram excluídos as dramatizações, danças e cantos
populares. Então esses rituais foram obrigados a migrarem de dentro da Igreja para as
ruas, para as praças, para a periferia e enfim para as áreas camponesas, longe do controle
direto das igrejas, assim, essa manifestação se tornou um ritual de devoção comunitário.
Com isso a finalidade da Folia passou a ser sair nos bairros visitando casas de devotos
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levando a benção para as famílias através das canções e bandeira, e nas residências que
passam pedem uma prenda/ajuda para a realização da Festa da Folia, que pode acontecer
tanto no dia ou depois do dia 06 de janeiro (dia dos Santos Reis) quanto depois do dia 20
de janeiro (dia de São Sebastião), esta festa é feita para as comunidades onde a Folia
passou e o local da festa é decidido pelo Mestre da Folia. Esse chamado “giro”, que é o
ciclo que a Folia faz, pode começar a partir do dia 25 de dezembro e vai até dia 06 de
janeiro em algumas regiões, já em outras é permitido que a Folia saia até dia 20 de janeiro,
após o término desse período a Folia não poderá mais sair em seu giro. Com essas
mudanças ocorridas ao longo da história da Folia de Reis, houve a separação da dança
nessa manifestação, apenas o palhaço (que é um dos personagens das Folias em algumas
regiões do Brasil) é que ainda mantém esta dança para divertir as pessoas que recebem a
Folia em suas casas.
Com o êxodo rural muitas das Folias de Reis voltaram às cidades e mais uma
vez sofreram modificações em vários aspectos, desde a composição até a estrutura do
ritual, já que a vida nas cidades tem, em geral, um ritmo diverso da vida no campo, as
pessoas normalmente não são mais autônomas, precisa-se mais de dinheiro para
sobrevivência e consequentemente é preciso trabalhar mais para isso, entre outras
diferenças.
Após o Concílio Vaticano II, acontecido entre 1962 e 1965, que foi uma
renovação litúrgica do catolicismo, houve uma reaproximação entre a igreja e as Folias
de Reis, porém, essas manifestações passaram por um grande domínio popular e hoje é
totalmente dispensável a presença de padres em seus rituais.
Contudo, devido à grandiosidade de nosso país, a Folia de Reis tem variações
em seu ritmo, letra, composição, regras, em sua festa, mas sempre com a mesma
finalidade. Será explicado mais detalhadamente como funciona a Folia de Reis estudada
nos capítulos seguintes, por enquanto foi feito um breve histórico e introdução do que
seria essa manifestação folclórico-religiosa.
A Folia de Reis que será estudada pertence a cidade de Itajubá – MG, que foi
palco de vários movimentos culturais folclóricos como algumas Folias de Reis, Catira,
Festas Religiosas, Congada, Tambu, Recomendação das Almas, Canto de Trabalho, que
não sobreviveram até os dias de hoje.
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Sabemos que a cultura é uma herança e, portanto, é dependente da passagem de
uma geração a outra, porém, em nossa cidade não vemos mais isto acontecer, os jovens e
crianças mal sabem o que são esses movimentos culturais folclóricos que seus pais, avós,
bisavós participaram. É deixado para trás toda a tradição que ali existia e vai se perdendo
sua identidade, sendo que “A tradição é a alma do povo” (MEGALE, 2001, p.17).
Mesmo diante dessa perda da tradição que podemos notar na maioria da
população da cidade, ainda resta uma Folia de Reis viva, de tantas que ali havia. E diante
disto, foi desenvolvido uma pesquisa para o trabalho de conclusão do curso, com o
objetivo de contribuir na busca de um maior conhecimento cultural, histórico e social, já
que “as sociedades humanas são construções culturais cujas raízes estão mergulhadas na
história” (CLAVAL, 2001, p.109).
Sendo esta a linha da pesquisa, o objetivo geral é através de pesquisas teóricas e
de campo conseguir entender como funciona o ritual da Folia de Reis, levando em conta
seu objetivo, sua importância para os foliões e para quem a recebe e relacionar tudo isso
à Geografia Cultural. E a partir daí mostrar a importância que essa tem para a sociedade
e cidade tanto social como geograficamente, na busca de um maior reconhecimento dessa
manifestação folclórico-cultural e suas consequências. Isto será feito a partir de um
levantamento histórico e geográfico da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira de Itajubá –
MG, onde a partir daí esta será relacionada à geografia cultural; nesta relação que será
feita, o pesquisador irá mostrar como a variabilidade geográfica afeta as manifestações
folclórico-culturais e analisar o processo de identidade que esta manifestação obtém para
quem é folião e para os que recebem a Folia de Reis em sua casa; essa pesquisa irá
mostrar também que ainda há um instinto de cooperação, consciência coletiva e
estreitamento dos laços entre os indivíduos; além de todos esse objetivos essa pesquisa
visa registrar esses movimentos que vem buscando uma identidade coletiva, ajudando
para que não haja apenas manifestações culturais de massa impostas pela mídia e através
da manifestação, articular a cultura popular com a academia.
Sabe-se que:
A valorização do folclore, o reconhecimento da importância das manifestações
populares na formação do lastro cultural da nação, constituem procedimentos
capazes de assegurar as opções necessárias ao seu desenvolvimento
(CARNEIRO, apud BRANDÃO, 2007, p. 24).
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Por isso e por manifestações folclóricas contarem a história de um povo, por o
fazer sentir parte de uma comunidade, sociedade ou nação e assim ter uma identidade e
uma crença é que esta pesquisa foi feita.
Essas manifestações são responsáveis pela manutenção da história de muitas
pessoas e lugares e por um melhor desenvolvimento social, geográfico, turístico e
econômico quando os agentes municipais e cidadãos conseguem aproveitá-las
devidamente.
Itajubá passou por transformações nas últimas décadas que levaram a uma perda
das tradições e das manifestações culturais, pesquisas são importantes para entender essas
mudanças sociais e geográficas e como essa perda prejudica a cidade e se é possível
melhorar isso. E para que haja uma visão mais crítica e científica sobre essa transformação
e consequentemente uma base mais concreta para que possa ocorrer alguma mudança que
traga também uma melhora no município no âmbito histórico, cultural, social, econômico,
turístico que este trabalho de conclusão de curso foi feito.
Diante disto serão abordados nos capítulos seguintes:
O capítulo MEDOTOLOGIA, será apontado as técnicas metodológicas usadas
para uma melhor análise sobre o assunto.
No capítulo BREVE HISTÓRICO SOBRE GEOGRAFIA CULTURAL, será
explicado resumidamente a história da Geografia Cultural, com seus principais autores,
seu desenvolvimento histórico e seu objeto de estudo.
No capítulo seguinte A CERCA DE CULTURA, FOLCLORE,
RELIGIOSIDADE, IDENTIDADE CULTURAL, PAISAGEM CULTURAL E
TERRITÓRIO, será feita uma revisão bibliográfica sobre os principais conceitos
utilizados nesta pesquisa, como Cultura, Folclore, Religiosidade, Identidade Cultural,
Paisagem Cultural e Território.
E finalmente no último capítulo, FOLIA DE REIS FULÔ DA MANTIQUEIRA:
Uma descrição e análise, será abordada a Folia de Reis Fulô da Mantiqueira e a partir de
observações feitas pelo pesquisador em trabalho de campo e as entrevistas feitas, essa
manifestação folclórico-religiosa será analisada.
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2. METODOLOGIA
Esta pesquisa foi feita com o intuito de relacionar e entender a Folia de Reis em
um aspecto geográfico cultural e, a partir disto, mostrar sua importância para a sociedade
e para a formação cultural dos indivíduos que nela habitam. Portanto, foi utilizado um
método de percepção, pois se trabalhou com a relação e visão pessoal que os indivíduos
têm com essa manifestação folclórica para depois relacionar a teorias científicas.
Primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre a geografia
cultural, identidade, território, territorialidade, cultura, folclore, Folia de Reis,
metodologia, paisagem cultural, religiosidade, para que a partir de então fosse possível
entender também o lado científico da pesquisa e norteá-la. Esta pesquisa foi realizada
com livros, teses, artigos, vídeos.
Feito a pesquisa bibliográfica, foi escolhido o método que se encaixava ao
objetivo da pesquisa, e o método utilizado então foi o qualitativo, que tem como objetivo
estudar as ações sociais individuais ou grupais, seu significado, motivações, valores e
crenças; a partir desse método será feito um estudo de caso, onde se estuda uma situação
em particular, levando em conta seus detalhes na procura do que há de mais essencial e
característico na situação estudada, no caso será usado o estudo de caso interpretativo,
onde se procura compreender como é o caso estudado pelo ponto de vista dos
participantes; no caso os integrantes da manifestação introduziram o pesquisador no
grupo e o deixaram com liberdade de observação, que neste caso é de observação
participante, onde o pesquisador/observador passa a fazer parte ativa da manifestação,
sendo a pesquisa descritiva com enfoque indutivo. Será utilizada também dentro do
método qualitativo, a história oral, que é uma técnica voltada para a elaboração de novos
documentos a partir de relatos e entrevistas de pessoas que de alguma forma tiveram uma
participação na manifestação que será pesquisada. Esta pode ser dividida em três gêneros:
a tradição oral, a história de vida e a história temática, entre esses três gêneros usarei a
história oral temática, na qual a entrevista é realizada com um grupo de pessoas sobre um
assunto específico e tem caráter de depoimento, os entrevistados tem uma participação na
manifestação.
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As entrevistas feitas foram semiestruturadas, ou seja, as questões são
previamente definidas, mas são feitas de forma muito parecida com uma conversa
informal, o que favorece as respostas espontâneas e uma proximidade maior entre
entrevistador e entrevistado, nesse tipo de entrevista também é possível que se faça uso
de recursos visuais, como fotografias, jornais, vídeos, como aconteceu e que deixou o
entrevistado mais à vontade e reavivou melhor sua memória sobre o fato pesquisado. Foi
necessário, para esse tipo de entrevista, que o entrevistador entrasse no “mundo” do
entrevistado, para que houvesse um maior entrosamento e naturalidade na entrevista,
como foi feito e notado.
Como estas entrevistas seriam utilizadas, muitas vezes como citações, para a
composição desse Trabalho de Conclusão de Curso e que aprovados se tornariam públicas
foi tomado o cuidado de pedir autorização assinada pelo entrevistado do uso das
entrevistas nessa pesquisa. Segue um exemplar:
Estas entrevistas foram realizadas no município de Itajubá – MG, entre
dezembro de 2011 à janeiro de 2014, com os antigos participantes da Folia de Reis, com
pessoas que desde muito tempo recebem a manifestação em suas casas e com atuais
foliões. Foram entrevistadas pessoas mais velhas e experientes, que viveram em outro
contexto social, político, econômico, geográfico e que tinham uma visão de quem estava
dentro da folia; pessoas que desde muito tempo recebem a folia de reis em suas casas e
que tiveram seus filhos e eles cresceram com a manifestação todo ano passando em suas
moradias, sendo assim tem uma visão pessoal e de o que isso influenciou para o
crescimento de seus filhos, e sabem apontar as mudanças que ocorreram de anos atrás até
o momento presente; e entrevistas com quem está presente na folia hoje, uma visão nas
condições modernas que encontramos e perceber que há uma importância dessa
manifestação continuar viva, caso contrário não haveria esta manifestação indo
firmemente contra a corrente. Essas pessoas foram escolhidas para que se realmente
houvesse uma pesquisa mais completa possível, já que foram entrevistadas pessoas de
épocas e contextos diferentes e que se complementam. Sendo que foram envolvidas no
processo de entrevista oito pessoas, foi escolhida essa quantidade pois foi possível notar
que já começou uma repetição de fatos e concepções sobre o objeto estudado, portanto,
seria redundante abranger mais pessoas nesse processo.
13
As coisas mudam: nomes, lugares, pessoas, situações, passos de danças,
significados do fazer religioso e festivo. Alguns símbolos se alteram e as
explicações que os mais moços oferecem ao pesquisador para aquilo que fazem
podem ter muito pouco a ver com as que os seus avós teriam para contar.
(BRANDÃO, 2007, p. 56).
Além das entrevistas foi feito um outro trabalho de campo, onde ocorreu a
participação do pesquisador nos chamados “giros” da Folia de Reis pesquisada, ou seja,
o pesquisador saiu com a Folia pelas casas observando de perto como realmente funciona
o ritual e qual a reação das pessoas que recebem a manifestação em suas casas. Isso foi
feito em forma de observação, sem a intervenção do pesquisador na manifestação,
deixando-a ocorrer com naturalidade. Para interpretação desta parte da pesquisa, foi
utilizada a Fenomenologia e Semiótica.
A Fenomenologia estuda as coisas que são criadas pelas práticas e ações
humanas e suas experiências, como crenças, artes, técnicas, valores morais. “Quando se
trata da reflexão fenomenológica, a objetividade científica não está ausente, porém
procura trazer o mundo da ciência ao munda da vida, das experiências humanas, do seu
cotidiano” (ROCHA, 2002/2003; p.71). Como a pesquisa foi feita em cima também da
crença de muitos indivíduos, além da arte, foi indispensável este método para melhor
entendimento da manifestação.
Como será apresentado nesta pesquisa, na Folia de Reis há muitos símbolos que
contém diversos significados, como o sagrado, por exemplo, e para que se pudesse fazer
uma pesquisa completa foi utilizado também a Semiótica que se dedica ao estudo dos
signos, que é algo que tem uma representatividade para alguém e que depende da
interpretação de cada indivíduo e de sua experiência de vida.
Foi utilizado também registros fotográficos, seguindo uma ordem cronológica
sobre a história da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira, o que foi útil para mostrar as
transformações que a manifestação sofreu durante sua história. Essas fotografias foram
retiradas do acervo histórico da própria folia de reis e os mais recentes dos trabalhos de
campo feitos para a pesquisa.
Estes métodos utilizados forneceram um resultado suficiente para a pesquisa,
pois foi possível compreender até onde vai o folclore e onde começa a religiosidade e
como tudo isso tem grande peso para as questões que envolvem a identidade de uma
14
sociedade e seus indivíduos. E como manifestações desse gênero precisam ser mais
reconhecidas e apresentadas a novos olhares e sentidos.
3. BREVE HISTÓRICO SOBRE GEOGRAFIA CULTURAL
A escola da Geografia Humanista retoma a questão da sociedade-natureza advinda
da Geografia Clássica de Humboldt e Ritter, mas não se limita apenas na observação e na
descrição, mas procura interpretar os fenômenos observados e descritos utilizando
preferencialmente à escala local, isto a partir de elementos da paisagem e do espaço
vivido. Esta interpretação é feita sobre um local delimitado antecipadamente que de
alguma forma sofreu uma modificação pela ação do homem, sendo este o objetivo
essencial da Geografia Humana. Na Geografia Humanista, linha esta de renovação, o
espaço é considerado tanto em sua dimensão real e física como simbólica, que está
associada às ideias e sentido. As principais características dessa geografia humanista são:
a visão antropocêntrica do saber; sua posição epistemológica holística, na qual a ação
humana nunca está separada de seu contexto, ou seja, há uma relação entre consciência e
meio ambiente; o homem é considerado o produtor de sua cultura, e este conceito é visto
como as atribuições de valores que o homem dá às coisas que os cerca, sendo assim, ela
só pode ser interpretada a partir dos códigos/símbolos dos grupos que as criaram; trabalha
com o método hermenêutica, ou seja, utiliza a interpretação dos códigos; e considera a
arte como mediador entre o universo das representações e a vida.
Dentro dos estudos sobre percepção e concepção dos ambientes surge a Geografia
Cultural a partir dos anos de 1890; uma nova Geografia que atua sobre os conceitos de
cultura tanto material como imaterial, sua relação com o território, construção de
identidades, relação entre sociedade e sua cultura num determinado território, construção
de uma sociedade embasada em um tipo específico de cultura, tudo isso levando em conta
também os aspectos naturais. Até meados da década de 1970 a cultura na geografia tinha
uma abordagem material com ênfase nas construções, artefatos, utensílios, a dimensão
simbólica e sua relação com o espaço, aos poucos foi sendo aceito como cultural os
fenômenos imateriais.
15
O termo geografia cultural foi introduzido pela primeira vez em 1888 na
Alemanha, em uma obra de Ratzel, que ele atribuiu aos fatos culturais um papel
importante já que ele considerava como cultura os aspectos materiais e por isso essa
cultura ajudava na modificação física do ambiente e facilitava os deslocamentos dos
indivíduos. Mas os estudos só foram sistematizados a partir do início do século XX.
A Geografia Cultural americana surge trinta anos após os primeiros trabalhos
alemães. Carl O. Sauer é seu principal pesquisador e autor, e ele define esta área de
estudos como sendo um campo onde são abordadas as inter-relações dos grupos de
indivíduos ou de suas culturas com o meio ambiente em que vivem, levando em conta a
cultura material (instrumentos, utensílios, artefatos), assim como a dominação do homem
sobre as plantas e animais que também leva a modificação do meio natural. Assim como
os geógrafos alemães, ele ignora as dimensões sociais e psicológicas da cultura.
Na França, a Geografia Cultural teve maior estudo e destaque com Vidal de La
Blache, que também tinha como base que a cultura é formada pelos instrumentos
utilizados pela sociedade para modificar o meio ambiente em que vivem, porém, para ele
esses elementos só tem sentido quando fazem parte dos gêneros de vida, ou seja, quando
essa modificação do ambiente pelos utensílios reflete a organização social do trabalho.
Ou seja, a cultura é a interposição entre o homem e o meio e que tem como resultado a
humanização das paisagens.
É então possível destacar três escolas da Geografia Cultural Clássica: a alemã
sendo os seus principais autores Ratzel e Otto Schluter; a norte- americana com destaque
a Sauer e a escola de Berkeley e a dimensão de cultura na geografia Francesa com Vidal
de La Blache e Pierre Deffontaines.
Os alemães são os primeiros a colocar o foco nos utensílios, nas técnicas e nas
paisagens. Demonstram, através de suas análises da morfologia do visível, que
estruturas admiráveis o caracterizam. Os americanos devem a Sauer o fato de
ter destacado o impacto das culturas sobre o componente vivo, vegetal e
animal, das paisagens. Os franceses imaginam com a noção de gênero de vida,
um instrumento flexível, que evite colocar entre parênteses tudo aquilo que se
passa entre os homens e a paisagem. Consideram mais facilmente os
componentes sociais e ideológicos da cultura e mostram-se sensíveis, graças a
Jean Brunhes e Pierre Deffontaines, aos ensinamentos da etnografia e dos
estudos folclóricos. (CLAVAL, 2007, p. 40)
Com o progresso técnico, a maior facilidade de comunicação e a
industrialização, os aspectos materiais e utensílios que eram considerados o centro de
16
estudos da geografia cultural vão desaparecendo e se modificando, tornando-se uniformes
e por isso o interesse dos geógrafos sobre essas culturas vão acabando e a geografia
cultural entra em declínio.
E apenas em um novo contexto social, a partir da década de 1970, emerge uma
nova etapa da Geografia Cultural com a manifestação da abordagem imaterial conjunta à
abordagem material anterior. Com isso a identidade, a percepção e a simbologia tomam
força nos estudos dos autores como Yi Fu Tuan e Edward Relph. E foram os mesmo
autores que mostraram e trabalharam com clareza os conceitos de fenomenologia.
No Brasil a geografia acadêmica foi criada em 1934, quando foi implantado o
curso de Geografia e História na Universidade de São Paulo (USP), mas apenas sessenta
anos depois a Geografia Cultural foi reconhecida por alguns geógrafos. Este tardio
desenvolvimento da geografia cultural no Brasil tem várias explicações, sendo uma delas,
que a primeira geração de geógrafos brasileiros era excessivamente influenciada pela
corrente vidalina, na qual a cultura era tida como apenas mais componente das relações
sociedade-natureza que eram consideradas; outra é que também havia um desinteresse
dos geógrafos culturais pelo Brasil, principalmente dos norte-americanos; o que ocorria
também era que entre 1970 e 1978 houve um bom desenvolvimento da geografia
teorético-quantitativa aqui e seus adeptos consideravam a cultura como secundária; e
mais uma causa que pode ser levada em consideração é que a partir de 1978 a geografia
vinculou-se à influência do materialismo histórico e dialético e a cultura novamente foi
deixada de lado. Apenas a partir de 1990 que a geografia cultural começou a tomar forças
e ganhar maior espaço na área, principalmente através de Roberto Lobato Corrêa e Zeny
Rosendahl, mas foi apenas de 1995 em diante que a geografia cultural passou por um
contínuo e significativo crescimento.
Hoje na Geografia Cultural é possível se entender a Cultura a concepção que nos
ajuda a ver as diferenças e semelhanças entre os homens. Porém essa noção sobre o termo
citado acima, não leva em consideração um indivíduo isolado, mas sim toda uma
comunidade que ocupa um determinado espaço onde se encontra características de
crenças, comportamentos, rituais comuns, o que nos ajuda a classificar certas regiões
geográficas, por exemplo.
A comparação e classificação das culturas segundo seu potencial para afetar o
habitat é uma tarefa essencial na geografia cultural, seja motivada por um
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desejo de compreender os efeitos passados do homem ou por um interesse em
diferenciais atuais no tocante à produtividade e ao bem-estar. (SAUER, 2000,
apud. CORRÊA E ROZENDAHL, p. 119,120).
4. A CERCA DE CULTURA, FOLCLORE, RELIGIOSIDADE,
IDENTIDADE CULTURAL, PAISAGEM CULTURAL E
TERRITÓRIO
Os conceitos que estão abaixo são com base numa visão cultural, social e
humana, para melhor se adequarem ao tema estudado.
Cultura
A cultura já foi considerada como sendo independente dos homens, ela gerava
suas próprias formas, não se acreditava que a cultura poderia ser reduzida ao indivíduo.
(...) A cultura é em grande parte, um sistema autônomo, virtualmente “supra-
orgânico” que funciona e se expande a partir de sua própria lógica interna e um
suposto conjunto de leis... e assim o faz com um grande grau de liberdade do
controle comunitário ou do individuo. (ZELINSKY apud CORRÊA e
ROSENDAHL, 2010, p. 71)
Contudo, sabemos que a cultura não é mais vista desse modo, é agora
considerada um conjunto de tradições e crenças, onde as pessoas transformam o cotidiano
em símbolos significativos que eles dão sentido e valores e que influencia os indivíduos
no seu modo de pensar e se comportar, já que a cultura nos é ensinada/passada nos nossos
primeiros anos de vida, isso de geração a geração. A cultura então é feita por práticas
humanas e pela consciência e ao mesmo tempo o que as determina.
A cultura também serve para unir os aspectos fundamentais do ser social, como
o trabalho, a consciência, as ideias, crenças, ordem moral e valores, que faz com que os
indivíduos se tornem cientes de si mesmo e assim faz com que haja uma organização
social diferente em cada região.
18
A cultura é uma criação coletiva e renovada dos homens. Ela molda os
indivíduos e define os contextos da vida social que são, ao mesmo tempo, os
meios de organizar e de dominar o espaço. Ela institui o indivíduo, a sociedade
e o território onde se desenvolvem os grupos. As identidades coletivas que daí
resulta limitam as marcas exteriores e explicam como diferentes sistemas de
valor podem coexistir num mesmo espaço. (CLAVAL, 2001, p. 61)
Nesta pesquisa foi utilizada como base para uma discussão teórica o conceito de
cultura voltado para a manifestação, Folia de Reis, existente em Itajubá - MG, que une as
pessoas e as comunidades para compartilhar suas crenças e saberes que são de grande
importância para cada um.
As festas manifestam-se por procissões, danças, música, espetáculos. Cada um
é por sua vez ator e espectador e vive um momento de intensa emoção, de
comunhão e de evasão. O sentimento do pertencer coletivo é, então, muito forte
(CLAVAL, 2001, p. 13).
Folclore
Esta palavra foi empregada pela primeira vez pelo arqueólogo inglês William
John Thoms em 1856, que era a junção de folk-lore, onde folk significa povo e lore quer
dizer conhecimento. Sendo assim, folclore pode ser definido como uma área do
conhecimento que estuda as manifestações do saber popular. Mas apenas 32 anos após
Thoms ter usado este termo pela primeira vez é que foi fundada uma Sociedade de
Folclore, que consideravam como objetos de estudos as narrativas tradicionais, os
sistemas e formas populares de linguagem, os costumes tradicionais e os sistemas
populares de crenças e superstições, eram excluídos os produtos e seu processo de
produção deste saber.
O folclore é na verdade tudo aquilo que vem da forma de pensar e sentir o
mundo, são também costumes e regras de relações sociais, expressões materiais do saber,
agir, como por exemplo, os poemas, lendas, contos, canções, toadas, saberes, modos de
trabalhar com a natureza, danças, costumes tradicionais, crendices, superstições, jogos,
artefatos e provérbios, além de se fazer presente nas artes e nas mais variadas
manifestações da atividade humana. “Pode-se dizer que ele traduz ao vivo a alma de uma
raça, pois é específico e genuíno no seio de cada povo, distinguindo-o das outras
coletividades.” (MEGALE, 2001, p. 12).
19
E com isso podemos perceber que o folclore tem uma grande influência na nossa
maneira de pensar, sentir e agir, já que toda sociedade participa da criação de seu folclore,
pois “ele resume as tradições e esperanças das coletividades.” (MEGALE, 2001, p. 13).
O folclore é criado por um indivíduo ou um grupo de indivíduos, porém, muitas
vezes esse criador de um fato folclórico é esquecido já que esse saber é transmitido
oralmente ou por imitação de geração a geração e muitas vezes sofre modificações neste
caminhar, já que há mudanças no modo de vida e na região por onde esse saber é
transmitido, portanto, muitos dos saberes folclóricos acabam se tornando de “domínio
público”, já que seu criador fica perdido no tempo. “O povo, aceitando o fato, toma-o
para si, considerando-o como seu, e o modifica e o transforma, dando origem a inúmeras
variantes.” (RIBEIRO,2007 apud BRANDÃO,2007, p. 37)
Uma das características mais importantes do folclore é a persistência, pois o que
é criado e recriado se junta aos costumes da comunidade e são transmitidos aos
descendentes dos indivíduos que vivem e viveram as manifestações folclóricas e isso nos
mostra que apesar de estar sempre sendo recriado ele é ao mesmo tempo consagrado. Isto
nos deixa concluir que “o folclore é vivo” (BRANDÃO, 2007, p. 48).
O conhecimento do folclore nos ajuda a compreender melhor os problemas
sociais, já que é o reflexo dos conhecimentos dos nossos antepassados que é transmitido
para a geração moderna.
Conclui-se assim que “somente o que é popular é folclórico e o folclore é o
retrato vivo dos sentimentos populares e das relações do povo ante as transformações
sociais.” (MEGALE, 2001, p. 17).
Religiosidade
Como esta é uma pesquisa geográfica, será mostrado o conceito segundo esta
visão. É bom lembrar também que na pesquisa feita, a manifestação folclórica-religiosa
vem do cristianismo, portanto, toda a teoria sobre religião feita nesse trabalho tem como
base essa religião.
20
Portanto, os estudos sobre religião em geografia normalmente tem uma
perspectiva cultural, se estuda dois pontos principais, o sagrado e o profano.
Eram considerados sagrados apenas os objetos, lugares, porém, com a nova visão
de cultura e folclore, algumas experiências humanas também começaram a ser
consideradas sagradas, e essas experiências estão articuladas às práticas culturais de um
grupo religioso, no qual os devotos demonstram o desejo de ir ao encontro da divindade.
“Não devemos nos deter em descrever os bens simbólicos que existem nos lugares, mas
saber o que esses bens significam para seus usuários” (ROSENDAHL, 2010; p. 189).
Os lugares sagrados podem ser físicos ou imaginários, ou seja, pode ser uma
igreja ou uma experiência de vida que se repete, por exemplo.
O lugar sagrado é o lugar simbólico, lugar que unifica os grupos humanos
quanto aos valores religiosos, no sentido etimológico de religare, ou em outras
palavras, a junção dos homens no domínio do sagrado e, portanto, vinculados
com a divindade além da vida terrena. (ROSENDAHL, 2010; p. 207).
O profano é tudo o que não envolve crença, divindades, símbolos, lugares e
experiências religiosas.
As experiências religiosas vividas podem ser individuais ou coletivas. As
individuais acontecem quando a fé é vivenciada em uma relação direta entre o crente e a
divindade; já as coletivas acontecem quando as crenças, os valores simbólicos e as
atitudes tornam-se comunitárias, ou seja, há uma conexão entre um grupo de indivíduos
que acreditam, interpretam e agem de uma mesma maneira e visão.
A religião é estudada como um sistema de símbolos e seus valores e a dinâmica
de sua produção, isso envolve dimensões econômicas, política, social e simbólica.
Portanto, é preciso analisar toda a sociedade, comunidade, cidade juntamente com sua
religiosidade para que se possa ter um estudo completo.
A maioria dos ritos vem de uma religiosidade, já que neles normalmente há uma
devoção a algo ou alguém, que seria a divindade.
Para os indivíduos, a religiosidade serve para melhor entenderem a sociedade e
o sobrenatural, é lá que as pessoas encontram apoio quando não tem mais nada e também
se cria uma identidade. Há uma necessidade humana de ordem, orientação de algo que é
maior que tudo e todos, por isso se torna religioso.
21
Identidade Cultural
A identidade pode ser vista como a posição que o indivíduo tem na sociedade,
que está relacionada à atribuição de valores, ou seja, o status. Assim sendo, participar de
alguma manifestação folclórica-cultural pode trazer junto o sentimento de pertencimento,
a criação de uma identidade, que muitas vezes esse indivíduo não tem quando não
participa de algum movimento. E isso leva a uma perda da autoestima, da consciência
coletiva, a não criar laços com outras pessoas. O que acaba por prejudicar toda sociedade,
já que ela é constituída por indivíduos que não se acham parte dela.
Podem ser considerados como afirmação de uma identidade cultural os símbolos
coletivos de uma região, país, comunidade, cidade, como por exemplo, hinos, bandeiras,
a língua, as festas tradicionais, as danças.
A imagem a partir da qual é construído o sentimento de identidade tem na
maior parte do tempo outros fundamentos: baseia-se na ideia de uma
descendência comum (Lafazani, 1993), de uma história assumida em conjunto
ou de um espaço com o qual o grupo assume elos quase místicos. (CLAVAL,
2001, p. 179)
Paisagem cultural
Otto Schlüter em 1907 utilizou o termo paisagem pela primeira vez e a fez um
objeto da geografia humana, mas as análises das paisagens eram muito biológicas e
ecológicas. Após esse termo ser criado, Sauer utiliza uma variação desse termo em seus
estudos acerca “paisagem cultural para sociedades tradicionais”, já que se leva muito em
conta a variedade de artefatos, formas construídas e utensílios, ele diferencia a paisagem
natural da paisagem cultural, na qual a segunda deriva da primeira já que a paisagem
natural é aquela que não sofreu nenhuma modificação direta do homem; já La Blache
utiliza a “paisagem cultural” levando em consideração o gênero de vida.
22
Será conceituada paisagem cultural, que é uma área, lugar ou região que se
predomina certo tipo geográfico onde ocorreram mudanças feitas pelos homens que
fazem parte de uma comunidade cultural, sendo assim, as paisagens sempre possuem
significados simbólicos. A construção dessa paisagem é gradual e cumulativa, ou seja,
leva anos para se formar tendo assim uma história. Por isso as paisagens atuais trazem
consigo evoluções locais e influências externas devido às migrações, comércio, trocas.
Então, a paisagem cultural é um produto concreto e característico da interação
complicada entre uma determinada comunidade humana, abrangendo certas
preferências e potenciais culturais, e um conjunto particular de circunstâncias
naturais. É uma herança de um longo período de evolução natural e de muitas
gerações de esforço humano. (WARGNER; MIKESELL, 1962 apud
CORRÊA, 2010,p.36)
Esse estudo ajuda nas classificações regionais, na análise do papel que o homem
tem na transformação geográfica do meio, nos mostra aspectos da cultura e de suas
comunidades culturais, ou seja, ajuda na análise geral de uma sociedade.
Território
É possível afirmar que a ideia de cultura não poderá ser separada da ideia de
território, já que é porque existe uma cultura que foi criado o território e este está
extremamente ligado ao social, sendo assim o território é ao mesmo tempo um sistema e
um símbolo, é algo vivido, subjetividade, afetividade, em que se cria uma identidade
cultural, ou seja, o território é enraizamento. Não é um local onde se constrói apenas um
controle físico, mas laços de identidade social e cultural. Ele não necessita de limites
concretos, pode ser um território imaginário ou simplesmente não ter fronteiras. É uma
parte de um espaço onde se compartilha uma mesma identidade e consequentemente
reúne indivíduos com o mesmo sentimento. É o palco onde ocorrem as manifestações de
caráter cultural, como manifestações folclóricas, religiosas, musicais, cinematográficas,
literárias, formando diferentes territorialidades e identidades nos lugares.
(...) vendo o território como fruto de uma apropriação simbólica, especialmente
através das identidades territoriais, ou seja, da identificação que determinados
grupos sociais desenvolvem com seus ‘espaços vividos’. (HAESBAERT,
2002, p.120)
23
A partir de um território formado, é possível que haja uma desterritorialização,
quando por motivos econômicos, políticos, sociais, religiosos, é necessário que o
território ali formado, físico ou imaginário, seja desfeito ou que se mude para outro local,
e isso acaba ocasionando uma perca de identidade cultural. Há também a possibilidade
de uma reterritorialização, que é quando um território tem que ser deslocar para outro
local e ali formar e/ou transformar em um novo território, mas com as mesmas bases,
mantendo a identidade de quem faz parte desse território.
5. FOLIA DE REIS FULÔ DA MANTIQUEIRA: Uma descrição e
análise
A descrição e análise que serão feitas aqui são com base nas entrevistas
realizadas e por observação do pesquisador em seu trabalho de campo.
A Folia de Reis que foi estudada nessa pesquisa leva o nome de Fulô da
Mantiqueira e está localizada no município de Itajubá, que se situa no sul do Estado de
Minas Gerais, nas seguintes coordenadas geográficas 22° 30’ 30” de latitude sul e 45° 27’
20” de longitude oeste, estando na encosta da Serra da Mantiqueira, berço de muitas
manifestações populares. Numa altitude de 1746 metros em seu ponto mais alto e 830
metros em seu ponto mais baixo, sendo que a área urbana fica numa altitude média de
842 metros. Ocupa uma área de 295 km² de extensão, com população de 90.658
habitantes. Conta com 219,75 km² de área rural e 70,70 km² de área urbana, segundo o
Censo 2010 do IBGE na zona rural há 7.894 pessoas residentes e na zona urbana há
82.764 pessoas residentes. Limita-se com os municípios de São José do Alegre e Maria
da Fé ao norte, Wenceslau Brás ao sudeste, Piranguçu ao sudoeste, Piranguinho a oeste e
Delfim Moreira a leste.
24
Figura 1: Localização do município de Itajubá no estado de Minas Gerais
Fonte: Base Estatcart
Figura 2: Limites do município de Itajubá-MG
Fonte: www.ibge.gov.br/cidadesat/painel
25
Devemos considerar que as descrições feitas aqui são especificamente dessa
manifestação, ou seja, as folias de outras regiões não são necessariamente iguais a esta.
A Folia de Reis Fulô da Mantiqueira foi criada em 1987 por Luíz Fernando
Ribeiro (Bré) e Ronaldo José Pereira, sendo que nenhum dos dois tinha conhecimento
sobre como funcionava essa manifestação, apenas tinham ouvido falar sobre. Na época
havia algumas outras folias nas cidades vizinhas e na zona rural do próprio município,
então eles fizeram primeiramente uma pesquisa bibliográfica para saberem realmente do
que se tratava e depois foram até os mestres dessas outras folias para entenderem melhor
como funciona o ritual, suas regras, símbolos, canções e formação, já que sabiam que essa
manifestação sofre modificações conforme a região que se encontra. Os mestres no qual
eles visitaram para colher informações foram o Tião Mira, mestre da folia do bairro do
Centro perto de Campos do Jordão; o Tião Leopordino, mestre da folia do bairro da Mata
que pertence ao município de Maria da Fé; o Sô Vardomiro, da folia do bairro do Juru,
no munícipio de Itajubá; e Seu Afonso Pézão, mestre da folia do bairro da Berta que
pertence ao município de Itajubá.
A folia do Seu Afonso Pézão havia acabado e com o intuito de manter a tradição
Bré e Ronaldo pegaram seus versos, que eram centenários - Seu Afonso Pézão tinha
aprendido com o antigo mestre e só ele tinha 46 anos de folia. A esses versos ditados pelo
mestre, Ronaldo juntamente com o músico Paulinho Cascardo fizeram uma nova melodia,
o que fez com que essa folia que nascia já tivesse sua própria identidade.
Após essa pesquisa eles foram convidando algumas pessoas para entrarem para
o grupo e o primeiro convidado foi Giovanni Guimarães. Como na região há palhaços na
folia, foi convidado o Zé Rita, antigo palhaço também da folia do Seu Afonso Pézão, para
ser o palhaço dessa nova folia, ele era um grande professor de palhaço e o melhor que já
teve na região. Aos poucos foi se formando a folia, a sua composição principal da época
era a seguinte: Mestre Bré, Contramestre Ronaldo, violão Giovanni e mais algumas
pessoas, bandeireiros Zé Barbeiro e Sô Antônio Leão que também foi da folia do Seu
Afonso Pézão e palhaço Zé Rita, entre outras pessoas que compunham a folia. Ela era
formada por uma mistura de pessoas que estavam começando na folia e outras que já
26
haviam participado de alguma folia de reis e já tinham um maior conhecimento e
experiência, e isso ajudou muito na formação dessa nova folia.
A manifestação tinha como sede o bairro chamado Medicina, ao final desse
bairro quando começa a transição para a zona rural, onde havia uma igreja que foi sendo
construída quase que juntamente com a folia. E era ali que as festas da folia eram feitas.
Fotografia 1: Formação antiga da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira. FONTE: Acervo
histórico da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira, 1987.
27
Fotografia 2: Antigos foliões e palhaços da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira. FONTE:
Acervo histórico da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira, 1989.
28
Fotografia 3: Passagem da coroa para os novos reis. FONTE: Acervo histórico da Folia
de Reis Fulô da Mantiqueira, 1991.
29
Fotografia 4: Zé Rita, primeiro palhaço da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira. FONTE:
Acervo histórico da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira, 1992.
Fotografia 5: Folia de Reis Fulô da Mantiqueira. FONTE: Acervo histórico da Folia de
Reis Fulô da Mantiqueira, 1995.
Essa composição durou 14 anos, mas aos poucos, por motivos diversos, foram
saindo alguns foliões, inclusive o mestre da época e por essa gradual mudança na
sociedade pela “modernização” (entendida aqui, como uma sociedade de consumo em
massa), a folia ficou inativa por um tempo. Mas pelas belas experiências vividas por quem
fez parte dessa manifestação folclórico-religiosa, a folia voltou à ativa com algumas
mudanças em sua composição que vem até os dias de hoje, com acréscimo de algumas
pessoas ao longo do caminho, mas tendo como base os mesmos foliões. Mudou também
sua sede, que agora é no bairro rural chamado São Pedro, mas ainda no município de
Itajubá, foi escolhido um bairro rural pois é onde a folia se identifica mais e onde há um
maior reconhecimento dessa manifestação.
O “giro” da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira, que é a trajetória que a folia faz
durante seu ritual, pode ser feita do dia 25 de dezembro até o dia 20 de janeiro e a Festa
30
da Folia pode ser realizada a partir do dia 06 de janeiro (dia dos Santos Reis), após passado
esse período a folia não pode mais sair em seu “giro”. Essa folia também tem como
objetivo abençoar a casa e a família que vive nela e em troca arrecadar prendas (os
ajutórios, como cantam os foliões), podendo ser em dinheiro ou alimentos, porém, a
arrecadação de prendas não é o objetivo central da Folia de Reis e por isso, caso a família
não tenha condições para ajudar, a Folia entra e os abençoa da mesma maneira. Esses
ajutórios são arrecadados para fazer a Festa da Folia, que será explicada mais adiante.
“Nós cantamos por dinheiro
Por comida, por pousada
Por amor se alguém nos pede
E não pode nos dar nada...”
(Ivan Lins)
A Folia é composta pelo Mestre, Contramestre, Bandeireiros, Palhaços,
violeiros, caxeiros, pandeireiros, ganzazeiros, e as vozes que são divididas em: tala, as
vozes mais graves; turina as vozes médias; requinta, as vozes mais agudas. O atual Mestre
é o Ronaldo Pereira, antigo contramestre, e o atual Contramestre é o Giovanni Guimarães.
Há uma regra quanto à ordem dos foliões dentro da folia. Primeiramente vêm as
bandeiras, já que elas representam o sagrado; logo atrás vêm os Palhaços; em seguida os
violeiros com o Mestre e o Contramestre os guiando; depois vêm os foliões que são de
extrema ajuda nas vozes; após vêm o acordeom; e finalmente vêm as caixas, pandeiro e
percussão.
A área abrangida pela folia de reis é a Serra da Mantiqueira, principalmente os
bairros rurais, mas é feito também em bairros da zona urbana onde são visitados os antigos
foliões e quem há muito tempo gosta e recebe a folia. Os bairros onde tradicionalmente
se realiza os “giros” são os seguintes: na área urbana o bairro Medicina do município de
Itajubá e algumas casas do município de Wenceslau Braz; na zona rural os bairros São
Bernardo do município de Piranguçu, Bicas e Barreirinho do município de Delfim
Moreira, Ponte de Zinco do município de Wenceslau Braz, São Pedro do município de
Itajubá, Estância do município de Delfim Moreira. Todos esses bairros fazem parte da
Serra da Mantiqueira. A maior parte do “giro” da folia é feita na zona rural, pois é onde
há uma maior receptividade, crença e respeito, lugares onde a folia é vista muito mais
31
como rito religioso do que folclórico e onde há um maior reconhecimento desta
manifestação. Além disso, há um clima muito melhor para os foliões, é muito mais fresco,
já que estes passam horas tocando, cantando e dançando. Nas áreas urbanas há maior
dificuldade para que esse “giro” aconteça, já que muitos não têm conhecimento do que é
esta manifestação e o que ela representa e, portanto não há muito interesse, receptividade
e respeito, além do estresse contido na zona urbana pela constante pressa o que leva
também às pessoas não terem tempo para receber a folia em suas casas. A trajetória feita
pela folia é antecipadamente traçada, uma pessoa do bairro ou um folião fica responsável
por perguntar no local quem vai querer receber a folia e então passar a relação de casas
para o mestre, mas essa trajetória muitas vezes sofre modificações durante o rito,
normalmente acrescenta-se mais casas a pedido de pessoas da vizinhança que não
conheciam e viram o ritual nas casas vizinhas, ou por pessoas que não estavam em casa
quando alguém saiu perguntando quem queria receber a folia.
É possível perceber como a manifestação abrange uma grande área geográfica,
onde estão presentes bairros de várias cidades ao redor da cidade sede. Esses bairros na
época em que a folia de reis sai em seu giro acabam se tornando o território dessa
manifestação, onde os indivíduos de que dela participam, sendo foliões ou a recebendo,
criam um vínculo afetivo e emocional com o local, além de criar uma identidade sendo o
“bairro que a folia visita”, por exemplo, há aí um sentimento de pertencimento dos dois
lados, quem faz e quem recebe.
E fazê parte dessa, dessa folia é... e fazê parte dessas pessoas que são visitadas
por ela, cria um novo, um novo... é como se a gente fosse de uma, de um novo,
de uma nova cidade em que a folia trabalha, a folia vai e visita todo ano, são
tradicionais, a folia é recebida com café, a folia ganha almoço, a folia ganha
pouso se precisá, então, de pessoas da região. Então, institui-se uma
comunidade que faz parte dessa folia. Quando a folia chega num local é uma
coisa impressionante! o bairro inteiro para e a gente vai visitano as casas, na
maioria dos bairros alguns dos moradores vão acompanhando a folia, vão
engrossano a folia e a folia faz é... promove uma verdadeira festa no bairro
onde passa! E tem uma coisa em particular que é muito interessante, que alguns
membros das comunidades que viram foliões quando a gente vai no bairro
deles, um deles que é muito especial é um menino que tem síndrome de down,
que chama Paulinho, num bairro que chama Barreirinho que pertence a Delfim
Moreira, ele pega o pandeiro dele e vira folião, vai com a gente em todas as
casas e canta e toca e se alegra. Então isso tráis um bem-estar, essa coisa do...
cê vê que até pra ele essa coisa do pertencimento (Ronaldo Pereira – Mestre da
Folia de Reis Fulô da Mantiqueira)
32
Fotografia 6: Paulinho, menino com síndrome de down que acompanha a Folia quando
ela vai visitar seu bairro. FONTE: Rosana Pereira, 2014.
Com toda essa bagagem de identidade e pertencimento que essa manifestação
folclórico-religiosa carrega também em relação às pessoas que a recebe, durante o seu
“giro” se alguma pessoa pedir para que a folia vá a sua casa, a mesma não pode negar, já
que para muitas pessoas a folia leva o sagrado, a benção, e seria uma ofensa imensurável
se fosse negado abençoar a casa e a família que ali vive, e isso não somente em relação
aos foliões, mas também aos Três Reis Magos já que a folia os representa. Além disso,
negando um pedido é como se tivesse proibindo ou negando a entrada da pessoa a essa
identidade cultural coletiva, como se a pessoa não pudesse pertencer a esse grupo, o que
acarretaria grandes traumas emocionais. Há relato de uma pessoa que a folia não foi em
sua casa, não sabem o motivo, e a dona da casa estava esperando e quando viu que a folia
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passou pela vizinhança e realmente não foi em sua casa, essa pessoa passou a noite toda
chorando, pois gostava muito dessa manifestação, e o filho acabou por relacionar a folia
de reis como algo que não faz bem, isso nos mostra a influência emocional que essa
manifestação carrega. Por isso a folia toma esse cuidado para com as pessoas, até para
que haja sempre uma crescente e boa receptividade nos bairros onde a folia passa.
Outro detalhe acontece quando a folia de reis está na rua e alguém lhe oferece
um ajutório, então todos os foliões se voltam para a pessoa que ofertou o dinheiro ou o
alimento e cantam os versos em agradecimento, para só depois continuar seu giro,
abençoando assim a pessoa que ofertou.
Dado as informações gerais sobre a Folia de Reis Fulô da Mantiqueira, explica-
se alguns de seus símbolos principais.
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Fotografia 7: Última formação da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira (incompleta) –
Bairro Bicas, Delfim Moreira. FONTE: Rosana Pereira, 2013.
Uniforme
Os foliões são uniformizados para chamarem mais atenção e para haver uma
diferenciação com relação a quem os recebe. O uniforme utilizado é camisa xadrez para
os homens e bata florida para as mulheres, nos dias de “giro” da folia, e camisa para os
homens e bata para as mulheres ambos de cetim amarelo para o dia da Festa da Folia.
Esses uniformes foram feitos em parte com o dinheiro arrecado nos “giros” e parte com
o dinheiro dos próprios foliões, já que na folia há pessoas com diferentes rendas e alguns
deles não têm muita condição financeira, portanto, tomam esse cuidado para que todos
consigam ter as coisas necessárias, e mesmo assim quando alguém não tem condições
para comprar algo, os outros foliões que têm essa condição se juntam e compram o que
for necessário, na medida do possível.
Isso mostra a consciência coletiva que essa manifestação gera em seus membros
já que todos sempre têm os mesmos direitos e dá-se um jeito de não haver nenhum tipo
de exclusão. Podemos notar também a volta dos mutirões, que antigamente havia muito
nas zonas rurais onde todos ajudavam quando alguém da comunidade estava passando
por dificuldade, nota-se isso quando há a junção de vários foliões para a compra de algo
que algum deles não tem condições.
Os palhaços tem sua roupa específica, que será explicada mais adiante.
Mestre e Contramestre
O Mestre da Folia é quem organiza tudo. Puxa as músicas, improvisa os versos,
marca as reuniões, toma decisões, organiza juntamente com os outros foliões e a
comunidade a Festa da Folia de Reis.
O Contramestre é quem ajuda o Mestre em todas as suas funções.
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Fotografia 8: Ronaldo Pereira, mestre da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira – Bairro São
Pedro, Itajubá. FONTE: Paulo Plá, 2014.
Fotografia 9: Giovanni Guimarães, contramestre da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira –
Bairro São Pedro, Itajubá. FONTE: Paulo Plá, 2014.
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Palhaços e o ajutório
Nessa região onde está localizada a Folia de Reis Fulô da Mantiqueira, todas as
folias têm a figura do palhaço, que leva o nome também de marungo, bastião ou
mascarado. Especificamente na folia estudada aqui se utiliza o nome de Palhaço.
Os Palhaços são atores interessantes na apresentação da Folia de Reis, eles
representam os soldados de Herodes, o rei da época, disfarçados que foram atrás dos Reis
Magos para descobrir onde estava o menino Jesus e contar para ele, para que pudesse ir
matá-lo, pois havia uma profecia que dizia que o menino Jesus seria Rei, ou seja, seu
concorrente. Por isso Maria e José fugiram. Essa profecia também dizia que uma estrela
anunciaria o nascimento do menino Jesus, a Estrela Guia, e os Reis Magos iam
acompanhar a estrela para chegar até lá, por isso mandou seus soldados seguirem os Reis
Magos. O Palhaço então simboliza o mal, o profano.
Por esse motivo, quando o palhaço chega a alguma casa que há um presépio com
o menino Jesus, ele se ajoelha de cabeça baixa em frente ao presépio e só se levanta
quando o Mestre da Folia falar os versos que anuncie o nascimento do menino Jesus e o
“libere” (“Pula meu palhaço, que já nasceu o menino Deus!”).
Além disso, é o palhaço que faz a comunicação direta com as pessoas que
recebem a Folia de Reis, ele que fica pedindo os ajutórios, brincando com as crianças e
todos os presentes, recebe o ajutório e o entrega a sacoleira, que no caso é uma das
bandeireiras. E se for preciso ele explica o que o dono da casa tem que fazer, já que muitas
vezes não conhece como funciona o ritual da Folia de Reis.
Quando se trata das prendas/ajutórios, como já foi dito, pode ser em dinheiro ou
alimentos, estes ajutórios são arrecadados para a realização da Festa da Folia de Reis.
Quando o ajutório é dado em dinheiro e nas mãos do Palhaço, a Folia agradece a quem
deu o ajutório e sua família, abençoando a todos em festa; já quando o ajutório é colocado
no chão, o Palhaço não pode colocar a mão, o dinheiro é pego com ajuda de colheres ou
palitos, já que este ajutório é abençoado, pois foi ofertado em nome de alguém que já
faleceu e o Palhaço representa o mal, o profano, e então a Folia agradece cantando com
versos próprios para essa ocasião e bem baixinho, em respeito ao falecido e o Palhaço
entrega o dinheiro, ainda sem colocar as mãos à bandeireira. Já quando é dado alimento,
37
a Folia agradece com versos próprios para essa ocasião e novamente em festa. Se a família
não tem condições de dar o ajutório, a Folia agradece mesmo assim por recebê-los em
sua casa e os abençoa, já que para a Folia de Reis o mais importante é a troca de boas
intenções que existe entre os foliões e a família que os recebe.
Fotografia 10: Palhaço pegando o ajutório ofertado em nome de alguém já falecido.
FONTE: Paulo Plá, 2014.
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Fotografia 11: Palhaço alegrando a dona da casa. FONTE: Paulo Plá, 2014.
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Fotografia 12: Palhaços ajoelhados diante do presépio com o Menino Jesus. FONTE:
Paulo Plá, 2014.
Fotografia 13: Palhaço recebendo o ajutório do dono da casa. FONTE: Rosana Pereira,
2014.
Bandeiras/Estandartes
As bandeiras/estandartes também são de grande importância, nessa folia há três
bandeiras: uma com todo o contexto do nascimento do menino Jesus incluindo os Reis
Magos; uma com o Divino Espírito Santo; e outra com a Sagrada Família. São elas que
representam o sagrado, que abençoam. Por isso quando a Folia chega a alguma casa, os
donos da casa levam as bandeiras a todos os cômodos para abençoar e muitas vezes
deixam em um deles enquanto a Folia faz sua parte.
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Nota-se essa importância também dentro da Folia, pois o estandarte vai à frente
de todos os foliões e nenhum deles pode passar na frente, por motivo algum, pois seria
um desrespeito ao sagrado.
Fotografia 14: As três bandeiras da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira. FONTE: Paulo
Plá, 2014.
41
Fotografia 15: Dona da casa deixando a bandeira em um dos quartos para abençoar
enquanto a folia canta em sua casa. FONTE: Paulo Plá, 2014.
Canções/Versos
Como foi citado, alguns versos dessa Folia foram resgatadas de outra folia que
já não existe mais, porém, puseram-se nelas novas melodias, tendo assim a identidade
dessa nova folia as quais pertencem. Já outras canções utilizadas são do cancioneiro
popular como Elomar Figueira Melo, Ivan Lins, Vitor Martins, Pena Branca e
Xavantinho.
Essa folia, como sobreviveu a todas as mudanças nas sociedades e nos indivíduos
que habitam, ela foi se adaptando e se tornando um pouco mais animada, com melodias
mais ritmadas, para chamar mais atenção de quem ouve e para que novas pessoas se
interessem mais facilmente e se tornem foliões também.
Podemos ver então a ação da modernização nessa manifestação, não diretamente
já que ela continua sendo folclórica e mantendo relativamente sua tradição, mas
indiretamente, pois foi preciso se adaptar às novas sociedades para que pudessem
sobreviver, como ter que fazer seu “giro” durante às noites nos dias de semana, já que
42
todos os foliões trabalham durante o dia; migrar parar a zona rural novamente, pois a
partir dessas transformações poucas pessoas na zona urbana se interessam e têm tempo
para receber a Folia.
Além disso, essas mudanças afetam a identidade dos indivíduos, essa “nova
sociedade” está em constante mudança e recebendo muita informação com uma rapidez
enorme e isso faz com que os indivíduos não possuam uma cultura mais consolidada, mas
uma cultura massificada, pois querem pertencer a muitas coisas ao mesmo tempo e
acabam ficando perdidos. Isso acarreta, muitas vezes, a um desinteresse pelas
manifestações tradicionais já que há tanta informação sobre coisas novas e
interconectadas, que encantam pela sua vastidão, por não ser mais regional e sim
mundial1.
Em face à irrupção do outro, do estrangeiro, do recém-chegado em todas as
esferas da vida cotidiana, as pessoas não sabem mais quem são. Temendo
dissolverem-se no nada, os indivíduos identificam-se com as ideias ou os
objetos que lhes são exteriores: a cultura torna-se um objeto de discurso, um
desafio político maior. É em seu nome que os homens dilaceram-se: etnia
contra etnia, nação contra nação, religião contra religião. (CLAVAL, 2001;p.
420)
E isso é notado pelos próprios foliões:
A folia nossa sempre tem essa característica. Porque as folias desaparecem na
nossa cidade, intão o conhecimento sobre a folia e a aceitação dessa folia, o
recebimento dessa folia é... ficaria, entre aspas, comprometida. Então a gente
optô por trabalhá um ritmo que ele pode ser acelerado um poco ou pode ficá
mais lento e tal, dependendo do lugar, da pressa, de tudo que compõe esse
estado de coisas, a gente pode... a gente pode fazê essa, essa variação e deixa-
la com um... jeito um poco mais, mais... como eu poderia dizer... um formato
mais pra cima assim. Que as folias às vezes eram, eram, as melodias eram
chorosas e lembravam lamentações e tal, os ritmos bem dolosos. Então, a gente
nota que mais pro norte, nordeste a folia tem essa coisa de ter um ritmo mais
consistente, mais acelerado, a gente ficô no meio do caminho, entre esse ritmo
mais do norte, mais nordestino e o ritmo das nossas folias aqui. E a gente
agrega junto a esses ritmos é... trechos do cancioneiro popular que fala a
respeito de folia. (...) então a gente vai dano uma dinâmica dentro da casa pra
que as pessoas que não conhecem a folia se contagiem tamém com essas
canções que são muito bunitas, muito ricas, com os versos que são bunitos, que
são ricos e daí traiz uma alegria tamém pra casa, além da bênção que a bandêra
leva. (Ronaldo Pereira – Mestre da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira)
1 Em McDowell em um exemplo sobre culturas jovens, assinala que “Para os membros dessas comunidades, a identidade não é específica de lugar; a localidade, no sentido estritamente geográfico, não desempenha nenhum papel em seu sentimento de si mesmo. O estilo é cosmopolita, não local; o objetivo é não ser vinculado ao lugar.” (McDowell, 1995, p. 173)
43
As canções são as “falas” dos foliões com os donos da casa, tudo é feito através
das canções, o pedido de licença para entrar na casa, quando se pede o ajutório, o
agradecimento pelo ajutório e por receber a folia em sua casa, a benção da casa e da
família, quando pedem a bandeira de volta, quando vão se despedir. E algumas dessas
situações pedem o improviso, pois algumas das canções levam o nome das pessoas ou
improvisa-se com a função que o dono(a) da casa tem ou teve na folia ou fora dela que
tenha a ver com a situação, há casos também em que o mestre improvisa versos inteiros
para agradecer pelo ajutório. Nas canções são usadas algumas palavras, como as pessoas
do interior e da zona rural dizem, para estreitar ainda mais os laços da folia com as pessoas
que as recebem, já que a maioria das pessoas da região fala assim por ser uma cidade do
interior e relativamente pequena. Segue abaixo alguns trechos de alguns dos versos
utilizados por essa folia:
Verso para pedir licença aos donos da casa:
“Meu patrão, minha senhora
Com licença de micêis
Nóis cheguemo aqui agora
Viemo nunciá os Santos Reis...”
(Elomar Figueira Melo)
Verso para anunciar o nascimento do menino Jesus:
“25 de dezembro mêis de muita alegria
Ai, ai...
Nasceu menino Jesus
Filho da Virgem Maria
Ai, ai...”
Verso para quando a folia já está dentro da casa e abençoa a todos:
“Uma porteira fechada se abri com benzimento
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Ai, ai...
Pai, Filho, Espiríto Santo
Já estamos todos bento
Ai, ai...”
Verso para pedir o ajutório:
“Nobre dono(a) dessa casa repare no meu cantar (2x)
Ai, ai...
Pedimos um ajutório veja lá se pode dar
Ai, ai...
Veja lá se pode dar...”
Uma das formas de agradecer a oferta dada pelo dono(a) da casa:
“Agradeço a oferta dada com muita alegria (2x)
Ai, ai...
Se derrame todas as benção pra patroa/patrão e a família
Ai, ai...
Pra patroa/patrão e a família
Ai, ai...”
“Agradeço a oferta dada de bom coração
Ai, ai...
Se derrame todas as benção
Pra família e o patrão
Ai, ai...
Pra família e o patrão
Ai, ai...”
“Agradeço a oferta dada com muita alegria (2x)
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Ai, ai...
Deus proteja para sempre
Os anjinhos da família
Ai, ai...
Os anjinhos da família
Ai, ai...”
(Neste caso é quando alguma criança oferece o ajutório.)
Em agradecimento à oferta oferecida em nome de alguém que já faleceu, o
palhaço pergunta para a pessoa que ofereceu em nome do falecido, qual era o nome dele
e então é falado no meio da música:
“Ó Jesus compadecido
Foi a terra quem desceu
Ai, ai... (2x)
E depois de falecido “João” ofereceu
Ai, ai...
O “João” ofereceu
Ai, ai...”
Verso para abençoar a casa e a família:
“A bandeira acredita
Que a semente seja tanta
Que essa mesa seja farta
Que essa casa seja santa
Ai, ai...”
(Ivan Lins e Vitor Martins)
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Quando a casa visitada tem a imagem de alguma Nossa Senhora, a folia canta
uma canção da congada:
“Viva a Nossa Senhora
Viva a Nossa Senhora
Com seu bento fio levando a coroa
Ê viva a Nossa Senhora
Dona da casa sua casa cheira
Dona da casa sua casa cheira
Cheira cravo e rosa
Flor de laranjeira...”
Quando a folia pede a bandeira de volta para ir embora:
“É noite de alegria
Os anjos cantam amém
Ai, ai... (2x)
Pedimos nossa bandeira
Para irmos a Belém
Ai, ai...
Para irmos a Belém
Ai, ai...”
Verso de despedida:
“Que encontro tão bonito
Ai, ai...
Que fizemo aqui agora
Os Trêis Reis do Oriente
São José e Nossa Senhora
São José e Nossa Senhora
47
Ê, ê, ê...
A bandeira vai-se embora
Ai, ai...
As fitas vão avoando
Se dispede do festeiro
Pra vortá no outro ano
Pra vortá no outro ano
Ê, ê, ê...”
(Pena Branca e Xavantinho)
“A retirada, a retirada ê meus camaradas
Vê se não demora
Vê se não demora
Que eu já vou embora
Adeus, adeus
Não chores não
Para o ano eu vortarei pra cumpri nova missão...”
Todos os versos acima descritos que não têm o nome dos compositores são da
própria folia.
As fitas
A bandeira e os instrumentos são enfeitados com as fitas, que são de várias cores
e todas têm uma representatividade. Sendo elas:
Branca: Menino Jesus
Azul: Maria
Rosa: São José
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Amarela: Ouro
Verde: Mirra
Vermelha: Incenso
Fotografia 16: As fitas enfeitando um dos instrumentos da Folia de Reis Fulô da
Mantiqueira. FONTE: Paulo Plá, 2014.
A Festa da Folia
Cumprida a missão e acabada a trajetória ou então chegado o dia 20 de janeiro,
a folia de reis faz sua festa com o dinheiro arrecadado durante seu “giro”.
Nessa Festa há a apresentação da folia na igreja do bairro São Pedro para as
pessoas que ali estão presentes e é feita a Passagem da Coroa, é escolhido um novo rei e
rainha que ajudarão de alguma forma a Folia durante o ano todo e durante o giro ou que
seja muito devoto ou goste demais da Folia e estes serão os representantes da folia durante
o ano, enquanto ela não está saindo em seu “giro”. Esses reis são escolhidos
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antecipadamente pelos foliões e por votação, porém, as pessoas de fora e os próprios
escolhidos não ficam sabendo, apenas na hora da passagem da coroa é que se revela quem
são os novos reis.
E com o ajutório arrecadado é feito um almoço na igreja do bairro São Pedro
para a comunidade e para as pessoas que a folia foi às casas e não são do bairro, este
almoço é gratuito e para comemorar o novo reisado e mais um ano de “giro”. No almoço
normalmente é servido arroz, tutu de feijão, pernil e frango assado, macarronada, salada,
vinho e refrigerante, comidas típicas da zona rural da região, já que é a maioria dessas
pessoas que vai ao almoço. Depois de servido o almoço, é dado, principalmente às
crianças, pipoca doce, pirulito, bala, chiclete para alegrar a criançada. Como nunca se
sabe ao certo o número de pessoas que vai à festa, faz-se comida a mais do que o estimado
e quando sobra, o que normalmente acontece, é levado logo após o término da festa à Vila
Vicentina para que os idosos que moram lá possam jantar e de alguma forma participar
um pouco da folia.
Fotografia 17: Festa da Folia – Passagem da coroa. FONTE: Paulo Plá, 2014.
50
Fotografia 18: Festa da Folia – Passagem da Coroa. FONTE: Rosana Pereira, 2012.
51
Fotografia 19: Festa da Folia – O almoço. FONTE: Rosana Pereira, 2012.
Depois de feita a festa é encerrada a missão da folia de reis naquele ano e apenas
após o natal é que a folia sairá em seu giro novamente. Para não perder sua essência e não
cair nas mãos de políticos que fingem se preocupar com a tradição e história de sua cidade,
a Folia de Reis Fulô da Mantiqueira não se apresenta fora de sua época em praças, dia do
folclore na cidade, em eventos fechados, abre-se exceção apenas quando alguma escola
pede para que a folia vá mostrar aos estudantes essa manifestação. Isso com o intuito de
tentar mostrar suas raízes aos estudantes e o quanto é bonito e importante mantê-las.
É visível na Folia de Reis ver a fronteira entre essa manifestação ser folclórica
ou religiosa. Na zona urbana essa manifestação normalmente é vista como folclore,
tradição e história, a maioria gosta de receber a folia “apenas” para manter a sua história
viva, sem muitos laços emocionais; já na zona rural vê-se claramente que a folia de reis
é vista como um rito religioso, onde várias pessoas recebem a bandeira de joelhos, que
choram durante a apresentação da folia, fazem promessas aos Santos Reis ou fazem
questão de oferecer um café, almoço ou jantar para os foliões e muitas vezes essas pessoas
da zona rural não têm nem noção de que a folia é também uma manifestação folclórica.
Para os foliões essa manifestação é também folclórica, carrega a história de seus
52
antepassados e consequentemente da sua cidade, é uma tradição, mas é também e acima
de todas as outras coisas vista como algo sagrado, intimamente relacionada à religião,
caso contrário não restariam foliões em folia alguma, pois há vários momentos de
exaustão, que só sendo devoto e acreditarem que o que fazem é uma religiosidade e terem
fé nos Santos Reis é que os dão força para continuarem, caso contrário desistiriam
facilmente. Há relatos de foliões que antes de entrarem para folia não tinham crença
nenhuma, entraram para manter uma tradição, mas que após presenciar alguns episódios,
ver até onde vai a fé de um povo, perceber que há algo de sagrado no que estão fazendo,
tornaram-se crentes nessas “sobrenaturalidades”, mesmo que para alguns deles seja a
Folia a Reis sua religião.
Fotografia 20: Visita da Folia – Onde a Folia é considerada religião. FONTE: Rosana
Pereira, 2014.
Sabendo teoricamente como funciona o ritual de uma folia de reis é possível
perceber, que essas manifestações também carregam uma importante bagagem geográfica
cultural, já que a partir dela podem-se classificar regiões; saber qual região está sendo
falada ou pesquisada; há a formação de territórios mesmo que imaginários, mas que trás
53
consigo uma identidade, um enraizamento; há a partir da região abrangida pela folia de
reis uma identidade cultural e um pertencimento a um grupo de que recebe ou faz parte
da manifestação.
“(...) Ela passa a ser importante porque ela é da folia de reis ou porque ela é
visitada pela folia de reis. Então isso transforma a pessoa, isso tráis... dá pra
pessoa uma noção de, de pertencimento, isso dá pra pessoa uma noção de que
se juntarmos em grupo a gente é mais forte, isso tráis pra pessoa, dá pra pessoa
uma noção de capacidade.” (Ronaldo Pereira – Mestre da Folia de Reis Fulô
da Mantiqueira)
Como a folia existe há 27 anos, ela presenciou a gradual mudança nas paisagens
culturais dos locais onde ela tradicionalmente sai em seu “giro”, como a construção de
novas igrejas, o aumento de bairros, as mudanças dentro das próprias casas, como a troca
de uma imagem de um santo em um quadro na parede por um quadro com pintura
moderna, por exemplo. E a folia de alguma forma acabou influenciando as modificações
dessas paisagens, como em um caso em que um dono de uma das casas que a folia sempre
visita reorganizou a estante de sua casa para poder colocar um retrato que havia tirado
com o palhaço da folia estudada, por exemplo, o que faz com que esses grupos de pessoas
que compõem a Folia de Reis Fulô da Mantiqueira também ajudem na criação e/ou
modificação das paisagens culturais de sua região.
Outro fato importante também é o sentimento de pertencimento que os foliões
têm em participar dessa folia de reis, é para eles sua identidade cultural e quando eles são
reconhecidos pelo seu “trabalho” e esforço em uma linha de igualdade, mesmo havendo
o mestre e contramestre, todos os foliões são considerados tão importantes e essenciais
quanto eles. Há dentro dessa folia também uma recriação do consciente coletivo, dos
mutirões já que isso é explicitamente praticado pelos foliões e a partir disso se torna
também externa, pela Festa da Folia, essas consciências já que a festa é feita pela
comunidade e os foliões, o que acaba levando toda uma sociedade a perceber que junto
dá para construir coisas muito maiores do que sozinhos, que ainda existe um instinto de
cooperação entre as pessoas e acaba ajudando também a estreitar os laços entre os
indivíduos, que cada vez mais acham que não precisam de outras pessoas para sobreviver
e acabam sozinhos e cada vez mais frágeis quanto a poderes maiores, já que desse modo
fica mais fácil o controle geral dessa sociedade, que cada vez mais pensa e age de uma
mesma forma, a que o modo de produção capitalista impõe.
54
Já o que eu vejo é que o sistema que existe hoje, inclusive do capital, ele prega
isso e quer que a gente fique sozinho, que a gente seja um indivíduo é mais
frágil porque o indivíduo mais frágil é o mais fácil docê dominá, docê
tranformá né, então o que a gente luta é contra isso e essa luta tem sido muito,
muito satisfatória, vale muito a pena a gente sabê que pras pessoas a gente tá
levano o sagrado, a gente têm o poder de levá o que benze à casa das pessoas
e tê um retorno da satisfação, da esmola e depois podê fazê uma festa, da uma
festa pras pessoas, isso é muito satisfatório. Eu sempre gostei e sempre vô gostá
de rezá desse tipo, dessa manêra, rezá com bastante gente, visitano, rezá com
café na mesa, rezá com esses elementos que é o que a humanidade há muitos
anos trabalha, com comida, então isso é muito, muito, muito gratificante.
(Ronaldo Pereira – Mestre da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira).
Como já citado, a Folia de Reis é uma cultura popular que é passada de geração
a geração, e que é dependente disso, ou seja, se o filho não se interessar em continuar com
a manifestação, ela provavelmente acabará.
(...) Porque minha mãe era uma pessoa que gostava demais, nossa então ia ela
ficava emocionada né quando ia na casa dela. Passou pra gente tamém, agora
a gente passa pros nossos filhos e espero que nossos filhos passem pros neto
tamém né. Eis são muito bonito, a Folia de Reis, é uma tradição muito bonita.
Ah, falou que a Folia de Reis chegou as menina aqui em casa já fica “Nossa
mãe, a Folia ta ai cantano né.”, então é muito bonito, uma tradição muito
bonita. (MARIA INÊZ – Recebe a Folia de Reis Fulô da Mantiqueira em sua
casa há anos)
Através das entrevistas de relatos de foliões, ex- foliões e pessoas que há muitos
anos recebem a folia em suas casas, é possível perceber os motivos pelo qual hoje as
manifestações folclórico-culturais e religiosas foram se perdendo restando uma única
Folia de Reis no município de Itajubá-MG. Os fenômenos de urbanização das cidades e
modernização material e cultural são motivos que alavancaram e mudaram a dinâmica
folclórica e religiosa de muitos lugares a partir de novos compromissos e interesses atuais.
A gente nota que é... a presença do que, entre aspas, chamam de modernidade
vem trazeno grandes prejuízos pra essas manifestações, não é a toa que só nóis
estamos fazeno folia na cidade, numa cidade que tem noventa e cinco mil
habitantes, isso pra Minas Gerais é uma, é uma... é alguma coisa muito fora
dos padrões. E a gente nota tamém que a proximidade com a grande capital
São Paulo, por exemplo, que é a grande capital do país né, uma grande capital
que presa e prega o trabalho, o trabalho duro, o trabalho que cê pega e tem que
tomá trêis ônibus e a sua vida vira o trabalho, e a gente sente uma influência
disso assim, nas cidade que tão muito no limite né, é daqui de Itajubá ou da
sede da folia mais trinta e cinco quilômetros cê tá na divisa, cê tá no estado de
São Paulo e com duzentos e cinquenta, duzentos e quarenta quilômetros cê tá
na cidade de São Paulo. Então isso trouxe grandes prejuízos, a cidade perde
sua identidade, é identidade cultural, tentano ser uma coisa que não consegue
ser e esqueceno do que era, então isso tráis um prejuízo muito grande e é contra
isso que a gente tenta lutá. (RONALDO PEREIRA – Mestre da Folia de Reis
Fulô da Mantiqueia)
Com a introdução cada vez maior de um modo de vida urbano, as pessoas
passaram a ter que trabalhar mais para conseguirem sustentar o que acham que é uma
55
necessidade, mas que na maioria das vezes é puramente luxo, consumismo, e isso acarreta
uma vida corrida, estressante, não se tem mais tempo para educar, cuidar e brincar com
seus filhos, se divertir, conhecer coisas e lugares novos, ter uma vida mais social, não se
têm tempo para mais nada e isso reflete também nas manifestações folclórico-culturais e
religiosas. Esse alienamento em que essa sociedade, principalmente urbana, acaba por
causar um desinteresse ou a falta de conhecimento sobre sua cultura tradicional.
Então a gente vê assim, o momento atual é as parte urbana, não sei, a falta de
tempo né. A gente assim, o pessoal parece que é muito ocupado, antigamente
o pessoal estudava menos né, hoje o pessoal já vai mais pra escola, então parece
que o trabalho também né parece que toma muito tempo, o pessoal parece que
vive sem tempo “correno” pra lá e pra cá né. Então a gente vê que, baseado em
vocês né, por exemplo, né, um estuda uma coisa, outro estuda outra, então um
foi “trabaiá” num canto, ai tiveram até que parar um tempinho né. (TONINHO
– Recebe a Folia de Reis Fulô da Mantiqueira há muitos anos em sua casa.).
Outro motivo desencadeador de perda da identidade cultural, desterritorialização
da cultura local é a cultura massificada que é imposta pela mídia, não há mais um
identidade cultural própria há uma imposta, transformada em mercadoria pelo capitalismo
e que a maioria das pessoas sequer entende. Há casos também de falta de conhecimento,
já que os meios de comunicação em massa não relatam estas manifestações folclóricas
religiosas, e grande parte da sociedade vê apenas o que é transmitido por esses meios e
através disso as novas gerações (os jovens, futuros disseminadores e seguidores da
tradição) não têm o conhecimento desse tipo de manifestação e, portanto não têm como
gostarem, seguirem ou fazerem parte destes grupos.
Apesar de todos esses motivos e das transformações na sociedade, a Folia de
Reis Fulô da Mantiqueira conta com oito crianças que participam fielmente, todos filhos
dos foliões. E isso dá aos foliões uma esperança muito maior de que essa manifestação
pode ter um futuro, que tem mais chances de haver uma continuidade, pois está sendo
feito a passagem do saber dessa manifestação às novas gerações e isso já os faz crer que
ainda há chances.
Além desses problemas já citados, ainda há a falta de interesse também por parte
da Prefeitura da cidade, não há apoio algum a esta manifestação. Os políticos da cidade
não têm noção de como isso é capaz de tornar sua cidade mais atrativa, de trazer mais
turistas para a cidade e consequentemente melhorar a economia desta. Há exemplos de
várias cidades onde há manifestações como esta e que a Prefeitura soube utilizar muito
bem delas sem interferir na sua tradição, como é o exemplo da cidade de Boa Esperança
56
– MG, onde há um encontro de folias e gera um grande número de turistas. Porém, é
preciso ficar atento a estes apoios dados pela Prefeitura, não se deve mexer no calendário
festivo da manifestação apenas para atrair turistas, deve-se manter a tradição e deixar a
folia de reis ser feita normalmente, mas haver uma maior divulgação dentro e fora da
cidade sobre essa manifestação.
As pessoas que têm contato, conhecem, participam ou são da Folia de Reis,
reconhecem a extrema importância da disseminação e do acesso a esta manifestação,
importância na área histórica, geográfica, cultural e social. Sendo que o desconhecimento,
seja por qual motivo for, é uma perda, por deixarem de entender e aprender sobre sua
própria história e terem a chance de fazer parte dela.
Muito porque elis num conhece né a cultura, porque isso é uma cultura. Uma
coisa que vem de tráis dos avós da genti, dos pais da genti, uma cultura que
não podia acabar. As criança tão crescendo hoje, que tão nascendo ai, que elis
conheçam tamém né a Folia de Reis, porque é uma coisa muito boa. (ZÉ
BARBEIRO – Ex bandeireiro da Folia de Reis Fulô da Mantiqueira)
6. CONCLUSÃO
As sociedades tradicionais apresentam um caráter mais territorializado, com
aspectos de identidades, pertencimento e afetividades com o território que habitam; já as
sociedades capitalistas globalizadas são desenraizadas com os lugares em razão da
formação dos atuais territórios em rede, da fluidez econômica, da facilidade de
57
deslocamento para distintas partes do mundo e da tecnologia. As sociedades
extremamente capitalistas e globalizadas não levam a humanidade a um real
desenvolvimento social e cultural, portanto é preciso criar uma nova consciência sobre a
importância de nossa história, geografia e cultura para se ter mais chance de uma
sociedade mais humana.
Notou-se que na zona rural a receptividade e importância dada a Folia de Reis
Fulô da Mantiqueira, é bem maior do que na zona urbana. Isso acontece pois mesmo toda
a globalização e capitalismo chegando também à zona rural, ali há uma visão e utilização
disto de uma outra maneira, devido a toda história que os bairros rurais carregam. A
importância dada as novas tecnologias e capitalismo, por exemplo, é muito menor, leva-
se ainda em conta a boa convivência com a vizinhança, o sentimento de coletividade e a
religiosidade. Isto já acontece na zona urbana, devido à diferença de valores existentes.
O que também é possível perceber é que a identidade cultural é de suma
importância para sociedade, fazendo com que crie-se territórios imaginários na época que
a Folia de Reis faz seu giro e que vira um território “marcado” para as comunidades e
isso ajuda a um melhor desenvolvimento dos indivíduos ali localizados.
É possível perceber que esse desaparecimento dos fatos folclóricos de uma
sociedade está muito mais ligado aos sinais vivos da vida social, econômica e política do
que em algum problema nessa cultura. Explicar fatos folclóricos sem levar em conta o ser
humano, é uma tarefa muito difícil, pois é através dele e de sua condição de vida que se
produz o folclore. E por essa condição é que este estudo torna-se tão complexo, pois
depende de tantas outras áreas do conhecimento.
Como o papel da geografia cultural é entender e descrever as relações humanas
e as transformações que causamos no meio natural e social, é de suma importância que
haja trabalhos como esse, de resgate das relações humanas que ainda mudam as paisagens
existentes mesmo nessa sociedade globalizada. E isso nos ajuda a também entender a
sociedade atual, sua modernidade, atos, e necessidade.
Por tudo que essa manifestação cria e regata emocionalmente em um indivíduo,
por todas as mudanças que consegue fazer em uma sociedade e por todas as modificações
feitas então na geografia da cidade, o resgate deste patrimônio imaterial, a busca de novos
seguidores e participantes é tão importante, tanto para a sobrevivência da crença e da
58
cultura local, como para o real desenvolvimento da região, que aos poucos vai se
perdendo na sociedade contemporânea.
“Assim como os Três Reis Magos
Que seguiram a Estrela Guia
A bandeira segue em frente
Atrás de melhores dias
Ai, ai...”
(Ivan Lins e Vitor Martins)
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