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A Frente Ampla da Agropecuária Brasileira na Constituinte de 1988: O patronato rural e o projeto de modernização conservadora do campo. Afonso Henrique de Menezes Fernandes 1 O presente trabalho tem por objetivo apresentar a Frente Ampla da Agropecuária Brasileira (FAAB) entre 1986 e 1988, durante os debates do Congresso Constituinte, à luz do conceito de modernização conservadora e em diálogo com alguns estudos acadêmicos que abordam a atuação da frente ampla. Tal contexto no Brasil teve como um de seus centros o debate e as pressões pela redemocratização política e a realização da reforma agrária. Com o esgotamento da ditadura militar e a construção de um novo pacto político dominante, abriu-se o espaço para o crescimento da luta pela democratização e do acesso à terra. Paralelo a este processo estão os efeitos e a crise do processo de modernização conservadora da agricultura que, a partir dos anos 1980, colocou em dificuldades os seus principais setores produtivos com o fim da política de incentivos e subsídios para a grande produção agropecuária. Assim, as pressões por reforma agrária e democratização, associadas ao novo padrão agrícola brasileiro gestaram uma profunda crise de representação do patronato rural nacional. Tal crise se manifestou a partir do enfraquecimento momentâneo das estruturas tradicionais de representação, fazendo emergir um grande número de associações civis dos mais variados segmentos produtivos das classes dominantes agrárias. Dentre elas encontra-se a União Democrática Ruralista (UDR) que com um discurso agressivo contra a reforma agrária ganhou protagonismo no período da Nova República atuando deste a base através da mobilização massiva de produtores rurais até o exercício de poderoso lobby junto ao poder executivo e o congresso nacional (BRUNO, 2002). Como resposta a esta ofensiva, as maiores entidades dos segmentos mais modernizados da agricultura, notadamente a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a Organização das Cooperativas Brasileira (OCB), Sociedade Nacional da Agricultura (SNA) e a ala renovada da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) constituíram um novo campo político e articularam uma importante gama de organizações de interesse na agricultura, resultando na formação em 1986 de uma ampla frente dos setores mais modernizados da agropecuária brasileira (BRUNO, 2002; MENDONÇA, 2010). 1 Bacharel pelo Instituto de História da UFRJ e Mestrando do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura da UFRRJ.

A Frente Ampla da Agropecuária Brasileira na Constituinte ... · “Essa modernização, que se fez sem que a estrutura da propriedade rural fosse alterada, teve, no dizer dos economistas,

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A Frente Ampla da Agropecuária Brasileira na Constituinte de 1988: O patronato rural

e o projeto de modernização conservadora do campo.

Afonso Henrique de Menezes Fernandes1

O presente trabalho tem por objetivo apresentar a Frente Ampla da Agropecuária

Brasileira (FAAB) entre 1986 e 1988, durante os debates do Congresso Constituinte, à luz do

conceito de modernização conservadora e em diálogo com alguns estudos acadêmicos que

abordam a atuação da frente ampla. Tal contexto no Brasil teve como um de seus centros o

debate e as pressões pela redemocratização política e a realização da reforma agrária. Com o

esgotamento da ditadura militar e a construção de um novo pacto político dominante, abriu-se

o espaço para o crescimento da luta pela democratização e do acesso à terra. Paralelo a este

processo estão os efeitos e a crise do processo de modernização conservadora da agricultura

que, a partir dos anos 1980, colocou em dificuldades os seus principais setores produtivos

com o fim da política de incentivos e subsídios para a grande produção agropecuária. Assim,

as pressões por reforma agrária e democratização, associadas ao novo padrão agrícola

brasileiro gestaram uma profunda crise de representação do patronato rural nacional.

Tal crise se manifestou a partir do enfraquecimento momentâneo das estruturas

tradicionais de representação, fazendo emergir um grande número de associações civis dos

mais variados segmentos produtivos das classes dominantes agrárias. Dentre elas encontra-se

a União Democrática Ruralista (UDR) que com um discurso agressivo contra a reforma

agrária ganhou protagonismo no período da Nova República atuando deste a base através da

mobilização massiva de produtores rurais até o exercício de poderoso lobby junto ao poder

executivo e o congresso nacional (BRUNO, 2002). Como resposta a esta ofensiva, as maiores

entidades dos segmentos mais modernizados da agricultura, notadamente a Sociedade Rural

Brasileira (SRB), a Organização das Cooperativas Brasileira (OCB), Sociedade Nacional da

Agricultura (SNA) e a ala renovada da Confederação Nacional da Agricultura (CNA)

constituíram um novo campo político e articularam uma importante gama de organizações de

interesse na agricultura, resultando na formação em 1986 de uma ampla frente dos setores

mais modernizados da agropecuária brasileira (BRUNO, 2002; MENDONÇA, 2010).

1 Bacharel pelo Instituto de História da UFRJ e Mestrando do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura da UFRRJ.

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Assim, lançando mão de uma doutrina liberal, os setores organizados entorno da

FAAB passaram a defender uma nova orientação programática. Buscando se constituir como

face moderada do patronato rural brasileiro, esta frente igualmente lançou mão de

mobilizações de rua, e forte lobby durante a Constituinte de 1988, elegendo Constituintes e

articulando bancadas parlamentares. Com uma estratégia de diferenciação, mas ao mesmo

tempo cerrando fileiras com a UDR no tema da Reforma Agrária, a FAAB, embora

aparentemente apagada pela barulhenta atuação de sua congênere, ocupou papel central na

defesa de uma lei agrícola que favorecesse a grande agricultura moderna. Assim, a FAAB

aparece como embrião de rearticulação de segmentos do patronato rural brasileiro no novo

edifício de representação que se construiu no pós Constituição de 1988, com a criação da

Associação Brasileira de Agribussines em 1993, consolidando a nova hegemonia do

Agronegócio entre as classes dominantes agrárias do Brasil (MENDONÇA, 2010).

Dessa maneira, em primeiro lugar, pretendemos aqui apresentar uma breve

sistematização sobre o processo de modernização conservadora da agricultura e sua relação

com a FAAB. De certa maneira poderemos observar que a frente ampla refletiu diretamente

as transformações da agricultura nas duas últimas décadas, pois fez surgir uma gama variada

de setores e cadeias produtivas, integrando as atividades agrícolas ao setor industrial e ao

mercado financeiro. Toda esta diversificação das atividades produtivas da agricultura

modernizada fortaleceu outras formas de organização de interesses fazendo com que

associações por produtor e multi-produto, além do setor financeiro, como Febraban

(Federação Brasileira de Bancos), Abiove (Associação Brasileira da Indústria de Óleos

Vegetais) e Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos),

representassem o movimento de integração da agricultura com cadeias industriais e o mercado

financeiro na composição da frente ampla.

Assim, a partir do conceito de modernização conservadora na agricultura,

buscaremos apresentar tambem uma sistematização da forma com que a frente ampla aparece

na bibliografia sobre o patronato rural e o período da Nova República. Veremos que de forma

geral a FAAB é vista pelos autores como uma articulação dos setores modernas da agricultura

frente à intensa conjuntura política e à prolongada crise econômica dos anos 1980. Neste

sentido, a maioria dos autores parece seguir a interpretação geral de Graziano (1991), onde a

FAAB aparece como uma forma de rearticulação moderada dos setores modernizados frente a

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uma crise de representação do patronato rural e a ascensão da UDR no vácuo político aberto

pela crise de representação, com um discurso de extrema-direita.

Apesar das diferenças entre uma entidade e outra, o próprio Graziano (1991),

além de outros autores, como Dreifuss (1989), ressaltam certa complementaridade de ações

no que toca a defesa dos interesses gerais das classes dominantes agrárias brasileiras. Como

nos lembra o segundo autor, a FAAB foi fundamental na defesa de uma lei agrícola, no

entanto, quando o assunto foi a reforma agrária, ainda que com um discurso mais moderado,

acabou por cerrar fileiras com a UDR.

É consenso nos mais variados campos políticos e acadêmico que a agricultura

brasileira passou por um profundo processo de transformações de cunho modernizante na

segunda metade do século XX, mais especificamente a partir dos anos 1960 com a ascensão

da ditadura militar e a implantação de seu projeto de desenvolvimento nacional. O conjunto

de políticas adotadas para a agricultura foi conceituada por importantes estudiosos do período

como uma modernização conservadora (PALMEIRA E LEITE, 1998) ou mesmo,

modernização dolorosa (GRAZIANO, 1982), representando uma inflexão do projeto

dominante para o campo, o que produziu efeitos profundos que foram determinantes para os

processos políticos, econômicos e sociais do mundo rural brasileiro. Dentro deste contexto, a

FAAB aparece como expressão das transformações sofridas no âmbito da organização de

interesses do patronato rural, tendo sido uma importante estratégia dos setores mais

diretamente ligados ao setor modernizado da agricultura na turbulenta conjuntura política e

econômica da Nova República.

A realidade do campo nos anos 1980 já não era mais a mesma dos anos 1950 e

1960. Em meados do século XX a defesa da reforma agrária, ultrapassando os limites do

emergente movimento de trabalhadores do campo, ganhou importante espaço entre aqueles

que, preocupados com a questão do desenvolvimento nacional, defendiam a medida como

forma de impulsionar a pequena propriedade produtiva e compor um amplo mercado

consumidor que, segundo esta visão, seria base das grandes nações do centro capitalista. No

entanto, a modernização levada a cabo pela ditadura militar, prescindiu da reforma fundiária.

Contrariando as expectativas, a modernização da agricultura se desenvolveu de forma

excludente, reforçando a concentração de terras e expulsando as populações do campo para as

áreas de fronteira agrícola ou para as periferias dos grandes centros urbanos, onde eram postas

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sob o jugo da grilagem de terras e do trabalho e moradia precários. Para autores como

Palmeira e Leite (1998):

“Essa modernização, que se fez sem que a estrutura da propriedade

rural fosse alterada, teve, no dizer dos economistas, "efeitos perversos": a

propriedade tornou-se mais concentrada, as disparidades de renda aumentaram, o

êxodo rural acentuou-se, aumentou a taxa de exploração da força de trabalho nas

atividades agrícolas, cresceu a taxa de auto-exploração nas propriedades menores,

piorou a qualidade de vida da população trabalhadora do campo, agravaram-se as

condições ambientais. Por isso, os autores gostam de usar a expressão

"modernização conservadora". (PALMEIRA E LEITE, 1998: 10)

Apesar dos perversos efeitos sociais do processo de modernização,

tecnicamente a modernização da agricultura produziu importantes avanços para a grande

produção capitalizada. Gozando de fartos incentivos estatais, amplo financiamento, avanços

técnicos e de produtividade espetaculares, a nova cara da agricultura brasileira emergia sob o

signo dos CAI’s, Complexos Agroindustriais (DELGADO, 1985). Neste sentido, ganhou

força a tese da obsolescência total ou parcial da reforma agrária2 como estratégia de

desenvolvimento, armando um importante discurso para minimizar a questão social que

representava a concentração fundiária e reafirmando o caráter conservador da modernização

agrícola.

Para viabilizar tal projeto, o Estado brasileiro ganhou importante centralidade e

protagonismo, principalmente baseado na instituição de um novo arcabouço jurídico que

passou a regular as relações econômicas e sociais do mundo rural brasileiro. O Estatuto da

Terra, uma das primeiras medidas da ditadura militar, aprovado ainda em 1964, criou as bases

para a nova forma de atuar do Estado, conduzindo ativamente o processo de modernização

agrícola.

As conseqüências sociais desse processo produziram um forte movimento

migratório para os grandes centros urbanos e para as regiões de fronteira agrícola, a

intensificação da expropriação do campesinato com o uso da violência e da grilagem, a

desestabilização das áreas de pequena produção tradicional e a eliminação de formas de

trabalho e moradia. Assim, a combinação de tais processos, além de agravar a crise social no

campo, consolidou um projeto de desenvolvimento que foi operado a partir de três elementos

centrais: a modernização técnica, a expropriação e a proletarização.

2 Palmeira e Leite (1998) sistematizam um amplo debate sobre a aplicailidade de uma reforma distributivista nas condições da atual agricultura moderna.

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Além disso, a participação ativa do Estado no processo de modernização mudou a

relação das classes sociais rurais com o próprio aparato estatal. Com um Estado forte,

centralizado e mais presente nas regiões e localidades, este processo contribui para romper os

laços de dominação tradicionais, onde o oligarquismo e as relações de dominação pessoal

predominavam. Com um Estado mais presente, as relações Estado-camponeses-proprietários

mudaram consideravelmente. A respeito desta nova situação no campo, os autores apontam

que:

“O que é novo é uma presença que não passa mais, necessariamente,

pela mediação dos chefes locais, diminuindo-lhes o poder, através do esvaziamento

de suas funções ou pelo reconhecimento ou criação de novos mediadores. Não que

os mediadores percam necessariamente o controle sob suas clientelas, mas esse

controle passa a ser mediatizado pelo controle que terão que exercer sobre

determinados postos na máquina do Estado - um Estado mais do que nunca

centralizado - tornando-se mais complexo o seu trabalho de dominação. A

patronagem exercida pelos grandes proprietários, já abalada pela saída em massa

dos trabalhadores de dentro das fazendas, deixa de ser um mecanismo exclusivo de

articulação dos camponeses com o Estado e com a sociedade. Abre-se a

possibilidade de patrões alternativos e de padrões alternativos, ao rnesmo tempo

que se amplia o espaço para organizações estranhas ao sistema tradicional de

dominação” (PALMEIRA E LEITE, 1998: 15)

No andar dos de baixo, as lutas pela terra aumentaram fomentadas não só pelo

aprofundamento da desigualdade social no campo, mas também pelo aumento da autonomia

relativa dos camponeses e pelos novos parâmetros legais do Estatuto da Terra, principalmente

o reconhecimento da “função social” da propriedade e de uma identidade de “trabalhadores

rurais” comum às mais variadas formas de trabalho no campo. Este processo se constituiu em

terreno fértil para a eclosão de novas lutas e organizações dos setores subalternos do campo.

No andar dos de cima, esta nova situação também afetou a organização de interesses das

classes dominantes no campo, delineando uma crise de representação ao longo dos anos 1980.

Assim, Palmeira e Leite (1998), fazendo uma sistematização das principais referências sobre

o estudo do patronato rural3, apontam a modernização conservadora como fator de

diversificação e transformação das formas de representação das classes dominantes agrárias

brasileiras:

essas novas associações são ainda mais diversificadas, somando ao

recorte por produtos, recortes regionais ou outros dados por políticas

governamentais específicas (exemplos. seriam a citada Associação dos Empresários

da Amazônia ou a associação que passa a reunir os donos de destilarias de álcool

no Nordeste, que chegou a participar de negociações salariais com representantes

de trabalhadores rurais). Além disso, indicam não haver exclusividade, mas sim

uma certa divisão de trabalho. Aqueles próprios autores mencionam a articulação

de algumas dessas entidades ou de membros seus na UDR que, em certo momento

3 Bruno (2002), Mendonça (2010), Graziano (1991).

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dos anos 80, comanda a reação dos proprietários à reforma agrária; ou na Frente

Ampla da Agricultura que tenta se impor como uma alternativa ao radicalismo

daquela; ou ainda no esforço de retomada da CNA; além da dupla militância

permanente em entidades como a OCB e a SRB ou da atuação múltipla em várias

delas. (PALMEIRA E LEITE, 1998: 25).

Portanto, com base principalmente em Graziano, os autores tratam dos efeitos

da modernização nas organizações do patronato rural como uma crise de representação entre a

estrutura formal-legal e as entidades que exerciam a representação real. Esta inadequação

representativa se dava pelo processo de renovação das lideranças colocado em curso pela

nova realidade das cadeias produtivas. Neste sentido, a emergência das associações por

produto e do cooperativismo ganharam importante protagonismo frente à burocratizada

representação sindical da Confederação Nacional da Agricultura. Na visão de Graziano, a

consolidação dos Complexos Agroindustriais favoreceu a fragmentação e a diversificação das

formas de representação do emergente novo empresariado rural, terreno fértil onde se

desenvolveu a articulação da própria FAAB. Segundo o autor:

De alguma maneira, os grandes proprietários e os segmentos mais

modernos da agricultura brasileira estavam organizados em associações por

produtos, destinados a fazer lobbies institucionalizados para reivindicarem preços,

financiamento, etc., específicos para os seus produtos. Esse processo de subdivisão,

de especialização da organização por produtos, havia enfraquecido muito a CNA,

que tinha permanecido muito mais como uma fachada decorativa. (GRAZIANO,

2014: 173).

No entanto, como o próprio Graziano (2014) aponta, estas novas associações

que surgiram e se fortaleceram com o processo de modernização conservadora da agricultura,

muito embora tenham ganhado destaque negociando seus interesses específicos e esvaziando

politicamente a estrutura de representação tradicional, não foram capazes de se articular

politicamente quando uma pauta mais geral entrou em cena, com o aumento das pressões dos

trabalhadores rurais e o I Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República em 1985.

Esta situação fez com que a crise de representação que já vinha se desenhando nos últimos

anos se explicitasse, abrindo um vácuo político na representação do patronato rural, dando

espaço para a emergência e protagonismo da UDR e forçando os segmentos mais

modernizados a responderem com a articulação da FAAB.

Além de destacar a crise de representação formal/legal no patronato rural, o autor

destaca o significado da emergência da UDR, apresentando a FAAB como uma estratégia de

“contenção” ao radicalismo de direita representado pela nova entidade e sua base social. Para

Graziano, a UDR surge na brecha do vácuo político provocado pela crise de representação

formal/legal e real, ocupando o espaço das entidades que organizavam os setores mais

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dinâmicos da agricultura já naquele momento. Assim, frente ao protagonismo assumido pela

liderança de Ronaldo Caiado, tais setores:

“Formaram a Frente Ampla da Agropecuária e tiveram que engolir o

Caiado nesse processo. A CONTAG se recusou a participar, mas imediatamente

eles reorganizaram a Confederação Nacional da Agricultura. Nesse sentido, o

movimento dos setores mais modernos, que são a representação economicamente

importante na agricultura, foi organizar uma frente, incluindo uma frente

parlamentar, para atuar na Constituinte e tomou a Confederação Nacional da

Agricultura.” (GRAZIANO, 1998: 175)

Assim, como é possível observar, a FAAB é definida por este autor a partir de

dois elementos fundamentais. Primeiramente, como forma dos segmentos modernos do

patronato rural de reagrupar a representação da classe que se encontrava dispersa pela nova

situação de pluralismo entre as organizações de interesses, conseqüência da diversificação das

cadeias produtivas dos complexos agroindustriais. Em segundo lugar, como forma destes

setores de lidar com a emergência da UDR que estava mobilizando uma ampla base de

produtores rurais e protagonizando a luta da contra-reforma, “usurpando”, nas palavras do

autor, as principais bandeiras das tradicionais representações do patronato rural brasileiro.

Neste sentido, a FAAB reuniu as principais entidades nacionais da moderna agricultura, uma

serie de associações por produto de multi-produto, além das federações de agricultura dos

estados mais ricos do país e realizou um reordenamento de forças, se lançando na disputa da

CNA e buscando influir no processo Constituinte, onde se sobressaiu principalmente nos

debate sobre a questão agrícola.

Outro autor que abordou a FAAB como espaço relevante de articulação do

patronato rural na Nova República foi Dreifuss. Para este autor, no período da transição

política para a nova situação democrática e pluralista, certos quadros dirigentes do

empresariado buscaram formas alternativas de seguir influenciando nas pautas e decisões do

governo, além de garantir seus interesses no Congresso Nacional Constituinte. Tais iniciativas

buscaram atuar para além das organizações tradicionais, a fim de superar a situação de

inadequação de suas estruturas representativas, configurando o que o autor chama de pivôs

político-ideológicos. Segundo o autor,“neste contexto, a intenção dos empresários com maior

visão política era a de criar órgãos fora dos formatos tradicionais de associação patronal, isto

é: não só envolvidas com análise, consultoria e lobby, mas também com o planejamento e a

coordenação da ação política classista.” (DREIFUSS, 1989: 49)

Assim, as interpretações sobre a frente ampla aparecem baseadas em duas linhas

gerais muito próximas com algumas nuances sutis entre elas. Em relação ao primeiro

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elemento, há um relativo consenso, seja reconhecendo a crise de representação do patronato

rural, seja falando em inadequação da estrutura representativa das classes dominantes como

um todo. Neste sentido, da mesma forma que Graziano, Dreifuss apresenta a FAAB como

resultado de um processo de articulação dos setores mais modernizados da agricultura. Para

este autor, a UDR não estava sozinha na luta da contra-reforma e:

Já em junho de 1986 tinha sido fundada a Frente Ampla da

Agropecúaria Brasileira, da qual participaram 40 entidades ligadas ao setor

agropecuário, ‘com o objetivo de desencadear um processo de unificação da classe

rural (...) a Frente representava a ala ‘moderada’ da agricultura, reunida no que

alguns apelidaram de Central Única da Agricultura (DREIFUSS, 1989: 81).

No entanto, embora os dois autores apresentem sensibilidades similares quanto à

composição e caráter da frente ampla, Dreifuss não apresenta esta organização como um meio

de contenção da UDR de forma tão taxativa quanto Graziano. Ao contrário, o autor localiza a

FAAB como uma entidade que se alinharia à ação da UDR nas várias “manobras” realizadas

pelo empresariado rural ao longo do período da Nova República, com especial destaque para

o capitulo da Reforma Agrária na Constituinte. Assim, ainda que Graziano também considere

este aspecto, as ênfases apresentadas por cada autor na caracterização da relação da FAAB

com a UDR, apresentam sutis, mas importantes diferenças. Esta sutileza pode ser percebida

também pelos outros autores que tratam da temática.

Sobre sua pauta de reivindicações, Dreifuss, citando o então presidente da SRB,

Flavio Telles de Menezes, aponta que “exigia-se a formalização de uma política agrícola de

curto prazo, além de reajustes urgentes de preços mínimos e medidas concretas para evitar

que a reformulação da política de juros agrícolas levassem o setor a uma situação crítica”

(DREIFUSS, p. 81, 1989). Assim, a FAAB aparece com muita força no debate sobre os

rumos da política agrícola, sendo situada como uma opositora do que vinha sendo

implementado pelo governo nesta matéria.

Além disso, o autor elenca algumas importantes figuras e traços da composição da

FAAB. Além de citar os dirigentes das três grandes entidades civis do patronato rural, SRB,

SNA e OCB4, o autor também cita a atuação de Allison Paulinelli como braço de disputa da

CNA em um primeiro momento e depois na posição de deputado constituinte pelo PFL de

Minas Gerais e apresenta a composição do conselho da FAAB:

Em estudos sobre o patronato rural como os de “o presidente da

Federação da Agricultura de Minas Gerais, Antonio Ernesto de Salvio, o da

Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Ary Marimon, o da Organização

4 Flavio Teles de Menezes (SRB), Octavio Mello Alvarenga (SNA), Roberto Rodrigues (OCB).

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das Cooperativas do Paraná, Guntolf Van Kaick, da Associação Brasileira de

Criadores de Zebú, João Silberto Cunha; e o deputado Márcio Lacerda, senador

eleito pelo PMDB do Mato Grosso e presidente da Comissão de Agricultura da

Câmara dos Deputados” (DREIFUSS, 1989: 81).

Bruno (2002) e Mendonça (2010), tambem podemos encontrar referências à

FAAB. Ambas as autoras estabelecem diálogo com Graziano e Dreifuss e não apresentam

diferenças significativas com a perspectiva geral que se presume da análise dos dois. Bruno

aponta que em 1985, com a resistência ao PNRA comandada pela UDR, os setores moderados

e ligados a agricultura moderna, representados na figura de Paulinelli, foram derrotados. A

perda da eleição na CNA neste mesmo ano simbolizava a forma como tais setores ficaram à

margem, refletindo a crise de representação ou a inadequação de suas estruturas

representativas. Sobre este processo, a autora afirma que da disputa entorno do PNRA:

“a liderança que surgiu desse embate foi Ronaldo Caiado e não

Alysson Paullineli. Por sua vez, a entidade que jogou papel decisivo contra uma

reforma agrária e as lutas por terra foi a União Democrática Ruralista (UDR), e

não a CNA. Paullineli, apesar de não ter conseguido ganhar a eleição para a

presidência da CNA, foi uma figura atuante na criação da Frente Ampla da

Agropecuária Brasileira (FAAB) e na Constituinte de 1988, quando se alinhou

inteiramente com a UDR; teve sensibilidade para identificar uma crise de

representação das estruturas patronais sindicais, mas não conseguiu perceber o

novo perfil da grande propriedade fundiária. Seu projeto e sua posição foram

politicamente derrotados e postergados. Somente nos anos 1990, após a vitória

política dos grandes proprietários de terra na Constituinte é que a Associação

Brasileira de Agribusiness (Abag) vai assumir e pôr em prática a proposta de

Paullineli e de seu grupo” (BRUNO, 2002: 99).

Na perspectiva de Bruno, portanto, a FAAB aparece como a alternativa

organizativa para os setores derrotados após o intenso embate pelo PNRA, a crise de

representação do patronato rural e a emergência da UDR. No entanto, apesar de claramente

aparecer como representante de um setor concorrente à UDR, a autora tambem aponta que a

FAAB apoiou a sua congênere no grande embate a respeito do capítulo da propriedade da

terra na Constituinte. Portanto, tal qual Graziano e Dreifuss, Bruno coloca a FAAB como

reflexo da crise de representação do patronato rural, delineando as diferenças entre setores

moderados e radicais do patronato rural. Ainda assim, ao citar a FAAB, a autora igualmente

aponta a convergência entre as duas entidades que, mesmo com suas disputas internas,

estiveram alinhadas no debate sobre a questão fundiária na Constituinte.

Nessa mesma linha, Mendonça insere uma importante noção para compreender

o lugar da FAAB no período Constituinte frente à crise de representação e sua congênere

protagonista, a UDR. Para Mendonça, a partir de 1985 abriu-se uma dualidade de

representação, tendo a FAAB polarizado com a UDR na disputa pela hegemonia das classes

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dominantes agrárias. Representando os setores mais modernizados, a FAAB constituiu-se no

espaço de reorganização das entidades tradicionais para atuar na Constituinte e se afirmar

como contra-ponto ao “radicalismo” de Caiado. Citando explicitamente Graziano da Silva,

Mendonça afirma que:

“Centrando sua análise no período posterior à criação da UDR, que,

sob sua ótica, teria vindos disputar a própria representatividade de como as

organizações do patronato rural já existentes, tentando usurpar-lhe ‘bandeiras’ e

causas, Graziano da Silva focaliza os mecanismos políticos dessa disputa que

polarizou entidades tais como a SRB ou a OCB – fundadoras da Frente Ampla da

Agropecuária Brasileira, em 1986 – e a UDR, em busca da construção de uma nova

hegemonia junto à fração de classe. Nessa disputa, a dualidade de estruturas

representativas, com o ‘fracasso’ das entidades de corte ‘tradicional’, teria sido, a

seu juízo, a responsável pelo exitosa campanha uderrista junto à Constituinte e

junto à classe como um todo.” (MENDONÇA, 2010: 122)

Ainda sobre o papel da FAAB nesse período e sua relação com a UDR, a

autora resgata o episódio do Alerta do Campo, em fevereiro de 1987 que levou cerca de 20

mil proprietários de terra a se reunir em manifestação publica no ginásio de Brasília.

Organizados pela FAAB e seu campo político, a UDR forçou sua participação, deixando

explícita a disputa interna entre os dois setores. Para a autora, numa conjuntura em que

aumentava a insatisfação com o governo Sarney, o aprofundamento da crise econômica e do

desgaste político:

“Estava fermentando o solo propício a uma reação importante,

movida pela já citada Frente Ampla da Agropecuária Brasileira, surgida em 1986,

congregando a CNA, SRB, OCB, como rearticulação de entidades patronais

tradicionais diante de um dúplice “inimigo”: o governo e a UDR, que lhes

ameaçava a liderança. Previa-se uma concentração de proprietários em Brasília,

da qual sairia uma comitiva especificam net para levar ao planalto as

reivindicações setoriais. Ronaldo Caiado tentaria, ainda uma vez, imiscuir-se no

evento, do qual a UDR acabou por sair como co-promotora, mesmo sem o aval das

demais agremiações” (MENDONÇA, 2010: 167)

Dessa maneira, Mendonça, além de desenvolver a disputa aberta entre a UDR e

os setores que congregavam a frente ampla, chama a atenção para a duplicidade de

representação que se cristalizou a partir da emergência da UDR e a formação da FAAB como

processo de um rearranjo de forças que, ao fim e ao cabo, conformou uma nova hegemonia do

patronato rural sob comando da OCB, entidade central na organização e mobilização dos

setores reunidos na frente ampla.

Trabalhando sobre uma perspectiva distinta e regatando as reflexões de

Lamounier, Palmeira e Leite (1998), também apontam um importante debate para a

localização da FAAB no processo de transição política. Com o restabelecimento das funções

plenas do poder legislativo, este autor chamou a atenção para a diminuição do executivo e

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suas instâncias técnico-burocráticas como espaços privilegiados de decisão, especialmente

sobre políticas agrícolas. Este processo jogou na atuação parlamentar e na conseqüêncte

prática do lobby, atividade central para a ação das organizações de interesse das classes

dominantes agrárias, constituindo um importante espaço de articulação, a bancada ruralista.

Esta forma de defender seus interesses reflete a principal pauta política da FAAB, a questão

agrícola, e o principal espaço de ação, o Congresso Nacional. Segundo os autores:

o processo de democratização e as respostas governamentais ao

agravamento da crise econômica levaram à crise do modelo de decisão da política

agrícola assentado no crédito público subsidiado e comandado pela tecno-

burocracia estatal. Nessa medida, contribuíram para transformar o Congresso

Nacional e seus membros em atores crescentemente importantes na definição das

políticas agrícolas (PALMEIRA E LEITE, 1998: 19)

Assim como na reflexão de Lamounier, sistematizada por Palmeira e Leite, Ivo

(1989) tambem traz importantes apontamentos sobre a forma como as classes dominantes

passaram a interagir com o Estado, refletindo as transformações demarcadas pela transição

política e o processo de redemocratização. A autora retoma a importância do Estado e das

políticas públicas ao longo dos anos 1970 como elementos fundamentais para a viabilização

da modernização agrícola garantindo dentre outras questões incentivos fiscais, defesa de

mercado, crédito barato e o avanço e a ocupação da fronteira. Segundo Ivo, ainda que as

classes dominantes agrárias tivessem sido colocadas um tanto de lado pelo projeto de

industrialização hegemônico das décadas anteriores, o patronato rural manteve seu poder de

influência no Estado através de um arcabouço político-institucional que garantiu diversos

mecanismos protecionistas, principalmente, aqueles da agro-exportação. Neste sentido, o

escasseamento de recursos para a agropecuária a partir dos anos 1980 provocado pela crise da

dívida introduziu uma área de cisão e tensão na tradicional aliança do Estado com o bloco

agrário-exportador.

Além disso, Ivo também aponta para a diversificação de interesses privados que

se encontrava associada ao processo de modernização econômica e transformação da base

material da sociedade. Este fenômeno, embora muito visível entre o patronato rural pelos

efeitos da crise na agricultura, é identificado como algo generalizado na sociedade, atingindo

os mais diferentes setores produtivos e classes sociais. Neste processo houve uma

multiplicação de organizações de representação de interesse que extrapolaram as fronteiras do

Estado, instalando representantes diretos de seus setores produtivos em agencias do executivo

técnico-burocraticas. Este aumento da diferenciação política com a emergência de novos

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interesses privados teve por efeito imediato limitar o executivo e transformá-lo em espaço de

representação direta. Enquanto isso, outros centros de poder do Estado foram criados e

fortalecidos, deslocando as esferas de decisão, disputa e representação, principalmente para o

legislativo e os governos locais/regionais.

Neste sentido, Ivo aponta a importância de duas esferas de ação política que

ajudam a compreender a FAAB: o crescimento de pluralidade das organizações de interesse

no âmbito da sociedade civil e a consolidação do legislativo, no caso, a Constituinte, como

espaço privilegiado para o exercício da representação de interesses e disputa pelas políticas

públicas relacionadas à determinado setor produtivo. Tais tendências sugerem, segundo a

autora, que “as condições estruturantes da transição democrática no Brasil parecem haver se

sustentado numa ordem política cujo poder não se situava apenas no Estado, mas se

encontrava também na sociedade, nas organizações privadas da sociedade civil, sejam elas de

caráter econômico, social ou cultural” (IVO, 1989: 65).

A autora afirma ainda que dado o impacto dessas transformações também na

reorganização dos interesses da classe trabalhadora e do conflito social no campo gestado no

bojo da modernização conservadora e da crise econômica, a questão agrária se tornou ponto

central para o processo de pacificação social e incorporação política das camadas populares

necessários ao processo de transição ao novo regime político liberal. Este processo

representou uma ameaça aos setores dominantes da agricultura, especialmente a partir de

1985 com o crescimento do movimento de ocupação de terras e o lançamento do PNRA como

parte do pacto político da Aliança Democrática.

as reformas institucionais, que tocavam a distribuição de direitos

sociais aos trabalhadores, articulavam-se intimamente a reformas estruturais,

incidentes sobre o campo da propriedade e da distribuição da renda, alterando e

reestruturando as relações tradicionais das classes agrárias com o aparelho do

Estado e criando, portanto, cisões e tensões entre regiões internas do aparelho

institucional, particularmente na sua relação com as elites agro-exportadoras (IVO,

1989: 67).

Este somatório de mudanças nas relações do Estado com as classes sociais do

campo, segundo a autora, representou um deslocamento dos canais de representação das elites

agrárias para a esfera das grandes organizações privadas da sociedade civil, onde se destacam

a UDR e a FAAB. Neste sentido, Ivo demonstra como exemplo da articulação e poder dessas

organizações privadas que cresceram e se diversificaram com a complexificação da sociedade

civil e as mudanças nos canais de representação das elites agrárias com o Estado. Neste

sentido, a FAAB novamente aparece lado a lado com a UDR como um movimento de reação

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às transformações e ameaças dadas pelo processo de transição política da Nova República e

tinha por objetivo, segundo documentação do IBASE apresentada pela autora: "unificar as

reivindicações rurais, atuar como mecanismo de Pressão e, ao mesmo tempo, assessorar o

governo federal na formulação da política para o setor rural do país" (IVO, 1989: 13).

Embora seja inegável que a grande questão em jogo para as classes sociais do

campo no período da Nova República e dos debates Constituintes tenha sido a questão

fundiária, as preocupações com o novo formato institucional para a definição das políticas

agrícolas se tornou uma questão fundamental. Com a transição política não mais bastava

acessar os setores técnico-burocráticos do poder executivo para garantir seus interesses, a

atuação no legislativo ganhou expressiva relevância, dando maior ênfase a pratica do lobby e

da disputa política no varejo do parlamento. Para além da “grande política” que representava a

questão da propriedade da terra, as mudanças institucionais e de seus centros de decisão

apresentadas por Ivo visavam fundamentalmente novas relações de representação que

estivessem de acordo com a pluralidade de interesses da moderna agricultura, garantindo as

políticas agrícolas defendidas por seus respectivos segmentos produtivos. Neste quesito, como

poderemos ver melhor com Andreolli, Hoffman e Silva (1989) e Oliveira e Araujo (2008), a

FAAB jogou papel fundamental, tendo na defesa dos interesses agrícolas das elites rurais

brasileiras o centro de seu programa e atuação.

A respeito desta questão Oliveira e Araujo, fazendo uma interessante análise da

“matéria agrícola como política constitucional”, recupera a crise da divida e o respectivo corte

de recursos para a agropecuária como um importante divisor de águas sobre a defesa que

passaria a predominar entre o patronato rural a respeito das políticas agrícolas. Sobre este

contexto, os autores afirmam que as decisões tomadas na Constituinte:

ratificaram as mudanças que então ocorriam, acentuando os

controles e as restrições orçamentárias que apresentam forte impacto na execução

das políticas agrícolas: a implantação do “orçamento único”, pelo qual o

orçamento fiscal e o monetário passaram a compor o Orçamento da União, e a

elaboração de uma Lei de Responsabilidade Fiscal; ambos funcionam como

exemplos dos resultados após a Constituinte, que impactaram a política agrícola

(OLIVEIRA E ARAÚJO, 2008: 4).

Assim, para estes autores, frente à situação da crise econômica e o constante

corte de políticas que antes favoreceram a grande agricultura, a postura das principais

organizações de interesse das classes dominantes agrárias, dentre elas a FAAB, caminhou no

sentido neoliberal, aprofundando a abertura econômica e reclamando por uma menor

intervenção do Estado na economia e, particularmente, nas políticas agrícolas. Desta

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tendência neoliberal, Oliveira e Araujo, definem dois diferentes vetores, revelando também

diferenças no patronato rural na matéria agrícola onde, de um lado encontramos as entidades e

setores políticos ligados à FAAB, de outro, setores representantes da UDR. Sobre essas

diferenças, os autores afirmam que:

O empresariado rural mais moderno – reunido na OCB, SRB e em

parte, os segmentos renovados da CNA – tomou a bandeira do neoliberalismo,

querendo, com isso, revalorizar os mecanismos de mercado, uma redefinição dos

papéis do Estado e um combate (ainda que parcial) ao corporativismo. O segmento

mais retrógrado dos empresários – à frente os dirigentes de Federações Estaduais

de Agricultura identificados com a até então diretoria da CNA, os “empresários da

Amazônia” e a UDR – propunha-se a aderir ao movimento noviço do

neoliberalismo, mas com a garantia do aprisionamento dos aparelhos de Estado,

com vistas a dominar seus centros de decisão em prol de seus interesses, entre os

quais, a continuidade do “fisiologismo” (OLIVEIRA E ARAÚJO 2008: 7).

Os autores chamam ainda atenção para o fenômeno das coalizões políticas

instáveis e episódicas, marca do processo de transição política. Neste sentido a FAAB aparece

também como uma dessas coalizões, ao lado de experiências como o Centrão ou o Grupo dos

32. Para Oliveira e Aráujo, tais alianças se apresentam como reflexos das indefinições das

organizações da Sociedade Civil frente a uma liderança estatal de caráter transitório.

Além do diagnostico de Oliveira e Araujo e do debate sobre a Lei Agrícola na

Constituinte, Andreolli, Hoffmann e Silva (1989) demonstram o tipo de atuação que a FAAB

também exercia junto às outras agências estatais para influir nas definições técnico-

burocráticas relativas às políticas públicas para o setor agrícola. Os setores ligados à FAAB,

como a OCB e a Abiove, atuavam junto aos conselhos negociando, pressionando e

articulando o novo desenho institucional de tais espaços de decisão. Assim, através da análise

dos três autores sobre plano agrícola de 1988 também podemos ver a forma como estes

setores buscavam influir nas decisões mais técnicas e conjunturais. Dentre alguns exemplos

dessas ações, se destaca o debate entorno da liberalização das regras comerciais para a agro

exportação, defendidos através de documento assinado pela FAAB. Segundo os autores:

Esse documento representava os interesses dos três segmentos do

complexo soja, ou seja, agricultura, indústria e exportadores que, insatisfeitos com

o voto elaborado pela CFP, consideravam a proposta "restritiva ao funcionamento

do mercado". Tal documento propunha o livre funcionamento do comércio dentro

dos mesmos critérios adotados na safra 1987/88 para os demais produtos e preços

de intervenção fixados de acordo com a média de cotações da Bolsa de Chicago nos

últimos cinco anos, acrescida de uma margem de 7%. Essa proposta representava a

liberdade total de ação para aqueles segmentos. A intervenção estatal poderia

ocorrer apenas para a formação de um estoque de emergência que atendesse às

necessidades do mercado interno e para estabelecimento de impostos, no caso em

que a soja importada estivesse sendo beneficiada com subsídios no país de origem,

impedindo o que um técnico da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)

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chamou de "concorrência desleal aos produtores locais" (Andreolli, Hoffmann e

Silva, 1989: 99)

Além de avaliarem o documento sobre o debate das políticas de comercio exterior,

Andreolli, Hofman e Silva, citam outro caso exemplar da atuação de setores ligados à FAAB

na definição das políticas agrícolas: de que maneira e por quais agencias o patronato rural

estabeleceria sua interlocução com o executivo para cuidar da referida matéria.

Diferentemente do governo que defendia a criação junto ao Concex5 de uma junta de

negociação reunindo todos os “interessados”, a Abiove defendia a manutenção dos canais que

até então vinham sendo usados, enquanto que o ministério da agricultura defendia a criação de

um conselho consultivo paritário. Ao final houve um acordo com a adaptação da proposta da

FAAB, tendo as partes concordado “em instituir, junto ao Concex, grupos de

acompanhamento das políticas preconizadas para cada produto” (ANDREOLLI,

HOFFMANN E SILVA, 1989: 99).

Fazendo um balanço geral dos acordos estabelecidos em termos de política de

comercialização os autores dão conta que houve amplo acordo, refletindo a participação ativa

dos setores patronais na definição de tais políticas. As principais medidas acordadas foram

fruto direto dos interesses do setor agrícola. A este respeito, os autores afirmam que “os

segmentos da iniciativa privada participantes desse debate influenciaram diretamente na

formação da política de comercialização, fazendo valer seus interesses, como se depreende do

confronto entre a proposta apresentada e o resultado obtido por consenso no final”

(ANDREOLLI, HOFFMANN E SILVA, 1989: 99).

Assim, a partir da escassa bibliografia acadêmica levantada que versa

especificamente sobre a frente ampla durante a Nova República, podemos inferir algumas

coisas sobre seu caráter e atuação. Em primeiro lugar, a FAAB parece ser fruto direto dos

efeitos da modernização conservadora da agricultura e das dificuldades enfrentas pela crise

econômica e social vivida ao longo da década de 1980 no campo. Como resposta à crise de

representação do patronato rural, explicitada pelas pressões diversas por reforma agrária no

governo da Nova República a partir de 1985, os diversos setores empresariais ligados às

cadeias produtivas mais modernizadas da agricultura por meio das lideranças das maiores

associações civis nacionais do patronato rural buscaram se reunir sob uma frente ampla,

agregando variados setores e organizações ligados à produção agropecuária.

5 Conselho de Comércio Exterior do Ministério da Fazenda

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Esta iniciativa além de refletir a novo perfil plural da organização de interesses na

agricultura, também demonstrou a forma com que tais segmentos encontraram de

salvaguardar suas lideranças frente a um novo e poderoso ator político, a UDR. Dessa

maneira, a oscilação entre os autores que versam sobre a frente ampla na hora de definir a

relação entre as duas entidades, revela a tensão que marcou este processo. Ao mesmo tempo

em que a FAAB se apresenta como forma de contenção ao avanço da UDR, em matéria

agrária houve um inegável alinhamento entre as duas organizações no transcorrer do debate

Constituinte.

Além do capítulo da política fundiária, que parece ter deixado a FAAB a reboque

da UDR, em diversos autores, a formulação e definição das políticas agrícolas aparecem como

principal espaço de ação e intervenção da FAAB, seja no processo Constituinte, com a

definição da Lei Agrícola, seja em relação às políticas econômicas voltadas para agricultura.

Por fim, é importante notar que a formação da frente ampla também reflete a

forma com que as classes dominantes rurais se relacionaram com o Estado em meio à

transição política da Nova República. Nesse sentido, a criação de novas formas do patronato

rural se organizar, o fortalecimento do legislativo como espaço de ação privilegiado das

organizações de interesse e o crescimento e a diversificação da sociedade civil, também se

apresentaram como fatores importantes que caracterizam o papel da FAAB para as classes

dominantes agrárias durante o período Constituinte.

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