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A FRUSTRANTE APATIA DIANTE DA BOMBA COTIDIANA QUE EXPLODE Uma análise implicada de BLOW UP [vol.2] DEPOIS APÓS SEGUINTE: BIFURCAÇÃO IMPREVISÍVEL i espetáculo do Núcleo Cinematográfico de Dança Por: Jaqueline Vasconcellos ii Falarei aqui de um tipo de arte que me interessa que não está para além do corpo que a produz e que, por fim, é uma narração desse corpo com toda a complexidade que a ele pertence. Por isso começo falando de dois “mimimis” que assombram a dança, em especial as que dialogam por meio de configurações “contemporâneas” e que costumeiramente chamamos “Dança Contemporânea”. Sobre o “mimimi” da ética: Para além de uma arrogância subjetivista ou mesmo relativista - datada e residual - começo provocando sobre as possíveis reverberações dessa escrita. Sim, sou produtora do grupo que analiso. Passei um ano convivendo com o mesmo, nas diversas ações do projeto. Não acho que o texto a seguir é elogioso, mesmo quando o é, e o escrevo por acreditar em cada palavra. Não faz parte das descrições das minhas funções no projeto produzir textos críticos sobre o trabalho das criadoras. Portanto... Supere isso! Eu escrevi e, sim, foi publicado. Caso tenha problemas em relação à “ética” ou a suposta “imparcialidade” que textos críticos de dança deveriam ter, não continue a leitura... É um desperdício do seu precioso tempo e gerará futuras discussões internéticas desnecessárias em tempos de humores acirrados e ódios virtuais afetados. Supere o fato de que até críticos profissionais estão implicados no que escrevem e, sim, muitas vezes escrevem por e para seus afetos. Sobre o segundo “mimimi” do corpo e sua dança e... Sim, esse texto fala de uma dança contemporânea - que foi feita segundo configurações contemporâneas - mas ele não tratará do constructo teórico criado pelo senso comum que dita que trabalhos que estão em baixo desse guarda-chuva formam “danças que respeitam a dança individual de cada corpo”. Por diversos momentos do trabalho (nos vários Lados – incluindo aqui diversos outros não nomeados pela obra) havia resquícios de outra qualidade de movimento. Tinha a impressão de estar vendo uma dança Coréutica. Só para definir um pouco a que me refiro evocando essa dança:

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A FRUSTRANTE APATIA DIANTE DA BOMBA COTIDIANA QUE EXPLODE

Uma análise implicada de BLOW UP [vol.2] DEPOIS APÓS SEGUINTE: BIFURCAÇÃO IMPREVISÍVELi espetáculo do

Núcleo Cinematográfico de Dança

Por: Jaqueline Vasconcellosii

Falarei aqui de um tipo de arte que me interessa que não está para além do corpo que a produz e que, por fim, é uma narração desse corpo com toda a complexidade que a ele pertence. Por isso começo falando de dois “mimimis” que assombram a dança, em especial as que dialogam por meio de configurações “contemporâneas” e que costumeiramente chamamos “Dança Contemporânea”.

Sobre o “mimimi” da ética:

Para além de uma arrogância subjetivista ou mesmo relativista - datada e residual - começo provocando sobre as possíveis reverberações dessa escrita.

Sim, sou produtora do grupo que analiso. Passei um ano convivendo com o mesmo, nas diversas ações do projeto. Não acho que o texto a seguir é elogioso, mesmo quando o é, e o escrevo por acreditar em cada palavra.

Não faz parte das descrições das minhas funções no projeto produzir textos críticos sobre o trabalho das criadoras. Portanto...

Supere isso!

Eu escrevi e, sim, foi publicado. Caso tenha problemas em relação à “ética” ou a suposta “imparcialidade” que textos críticos de dança deveriam ter, não continue a leitura...

É um desperdício do seu precioso tempo e gerará futuras discussões internéticas desnecessárias em tempos de humores acirrados e ódios virtuais afetados.

Supere o fato de que até críticos profissionais estão implicados no que escrevem e, sim, muitas vezes escrevem por e para seus afetos.

Sobre o segundo “mimimi” do corpo e sua dança e...

Sim, esse texto fala de uma dança contemporânea - que foi feita segundo configurações contemporâneas - mas ele não tratará do constructo teórico criado pelo senso comum que dita que trabalhos que estão em baixo desse guarda-chuva formam “danças que respeitam a dança individual de cada corpo”.

Por diversos momentos do trabalho (nos vários Lados – incluindo aqui diversos outros não nomeados pela obra) havia resquícios de outra qualidade de movimento. Tinha a impressão de estar vendo uma dança Coréutica. Só para definir um pouco a que me refiro evocando essa dança:

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[Para Rudolf Laban, como analisado por Lenira Rengel em seu livro “Dicionário Laban”: “Corêutica é o estudo da organização espacial dos movimentos que Laban desenvolveu. Corêutica é também nomeada ‘Harmonia espacial’. [...] O espaço corêutico é concebido à partir do corpo. Assim, cada pessoa tem um território próprio, A Corêutica trata do estudo das formas espaciais dentro da cinesfera”. (p. 36)]

Alguns olhos dispersos e taxadores recorrerão à formação em dança de algumas criadoras do grupo. Não acho coerente atribuir a isso esses momentos. Pelo menos não a isso somente. Acho que isso também foi opção estética e, há que se respeitarem escolhas.

LADO A [Você não pode construir uma árvore de volta a partir de fumaça e cinzas]: ou a derrota de um corpo que já não aguenta explodir...

Desde a 1ª. Temporada, financiada pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna/2013, me interesso em discutir esse corpo apresentado pelas criadoras. Um corpo que desiste e que não acontece em explosão, ainda que falando dela, discutindo-a, repercutindo-a no espaço e em forma de elementos cênicos. Analiso como acertada a opção das diretoras do grupo Mariana Sucupira e Maristela Estrela em separar em dois “lados” o que, na primeira temporada, já apontava duas estruturas estéticas que dialogavam entre si, mas que, por serem assimétricas criavam no público um ruído cognitivo (e por vezes sensorial) de estar assistindo a duas coisas distintas. Não me deterei em discorrer sobre o que acho da opinião do público a esse respeito, pois só concordo em parte do que foi dito em relação a “Blow-up [Vol.1]”... Vamos ao agora! Nesse “Lado A” a minha atenção foi solicitada para vários e pequenos gestos poéticos, interpretados por corpos que me falavam de cansaços cotidianos e que estavam imersos numa realidade urbana árida, em estado crítico, em atrito. O corpo justo antes da explosão. Por isso (e por tantas outras escolhas estéticas da direção), a explosão daqueles corpos era sim frustrada. Se tratava de tentar e ser fracassado no intento de explodir. O que a obra me solicitava era prontidão para entender que, no contexto em que estava inserida - embaixo do viaduto Júlio Mesquita, na cidade de São Paulo, na megalópole da especulação imobiliária, na cidade em permanente estado de obra, onde “aqui tudo parece que era construção, mas já é ruína” – como já cantava o colega Caetano Veloso; na cidade da crise hídrica, na cidade das “reintegrações de posse”, dos hostis panelaços, das manifestações coxinhas, das repressões policiais às manifestações por melhores condições de vida e etc – era muito pouco provável ver explosão naquele ambiente. É mais coerente que esse corpo tente a primeira vez e continue tentando cada vez mais, até julgar-se fracassado no intento. Sim, um brinde ao nosso fracasso diário que se transforma em choro, que se transforma em rebeliões facebookianas, que se transforma em nada, afinal, temos que seguir o percurso da vida...

• LADO A/1: o contexto, o espaço, os agentes, o corpo. Lá estavam seis corpos tentando, cedendo ao piso irregular, duro e sujo do “Canteyro de obras” e que ainda sim, dialogava com todo o caos que dançar ali significava. O “Canteyro” foi o nome dado àquele espaço pela fina ocupação artística “Terreyro

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Coreográfico” que se projeta na encruzilhada entre coreografia e arquitetura e linguagem de programação a fim de realizar ações coreográficas no espaço urbano. Ocupação capitaneada por nomes como Daniel Kairoz, Andreia Yonashiro, as arquitetas Carila Matzembacher e Marília Gallmeister, a artista-tecnóloga Rita Wu, xs dançarinxs Rodrigo Andreolli e Barbara Malavoglia e a produtora Maíra Sylvestre. Devemos a eles o abrigo.

Mais uma vez tenho que pontuar uma escolha acertada. Até didaticamente (e discorrerei sobre isso a seguir) a escolha desse espaço foi uma coerente e feliz decisão da direção. Voltando aos corpos, eles seguiam um trajeto no espaço. Saiam do que aqui vou nomear “estação” A até a C em uma performance que se ia exaurindo em forças. Buscavam apoios em si mesmos, configuravam solos e duos em diálogo, pareciam estar em uma conversa, sem palavras ou narrativas, que não encontrava caminhos e soluções possíveis para esse cansaço. Gostaria de destacar a atuação das performers-convidadas (terminologia usada no próprio projeto) Martina Sarantopoulos e Clara Gouvêi - e esse destaque não é qualitativo, ou seja, não nomeio “as melhores”, mas me afetaram em diversos âmbitos - pelas escolhas que elas fizeram para seus momentos solos no coro de corpos. A cena de Martina ao lado da coluna pichada com o símbolo do gênero feminino é gástrica. Apresenta-se ali um corpo feminino (todos que ali estavam o eram), cansado, pequeno, um corpo que desistiu. Seu duo explosivo com Clara, logo na estação A e a desistência dos dois corpos também foi movente. Sim, me moveu em partes sensíveis que sabia que estavam lá, mas que talvez precisasse de poéticas como essas para acessá-las. O mesmo com o duo Juliana Gennari e Ilana Elkis e a linha reta entre o solo Maristela Estrela e Martina (em determinado momento as duas danças na estação B coincidem). Uma vez tocado no nome dela, tenho que também falar da potência do corpo de Estelinha (Maristela)... Ela é a prova de que as artes do corpo, para além de conceituais, são sinestésicas. Impressionante a sabedoria daquele corpo que, por muitas vezes resolve em cena problemas causados pelo espaço. O corpo de Mariana Sucupira me abre outra discussão, o uso da repetição, slow e crop (termos aqui adaptados da arte cinematográfica) na cena. Discorrendo sobre o que meus olhos implicados viram em sua atuação no Lado A, pontuo também um domínio admirável do corpo para executar ações que, talvez, se vissem melhor representadas em imagens gravadas. Ao ralentar o movimento, Mariana invoca para si uma presença corporal que vi poucas vezes em artistas da dança. Por falar em repetição, toda a escolha estética transcorre em torno dela e aqui não se confunda repetição com redundância. Aqueles corpos em cena não tem o que redundar!!! Eles gritam contidamente em toda ação.

• LADO A/2: Sobre Técnicos, técnicas, políticas de criação e arte. Abro esse parêntese no Lado A para falar de quem famigeradamente chamamos de “técnicos”. Em meu percurso como produtora - que começa aos quinze anos - nunca entendi bem a determinação quase obsessiva do mundo da arte, alimentada por muitos artistas, em separar claramente nos créditos (e, portanto discursar isso pro mundo) quem é “da técnica” de quem é “da criação”...

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André Boll, o responsável pela criação da luz cênica, é artista no melhor uso que essa palavra pode ter. É impressionante sua capacidade em otimizar recursos, tempo e energia e, ainda assim, não apresentar um resultado tosco, mal-acabado e preguiçoso. É um dos poucos artistas da luz que conheci em minha trajetória que entende o conceito da criação e o coloca em cena, sem necessariamente pensar numa lógica de “revelação” do trabalho. Parece-me que, para Boll, o não revelado da luz é tão interessante quanto, e talvez mais pertinente, do que o que se dá à vista. Sua lógica me pareceu muito próxima da que deve ter sido a lógica Ziembinski [o mitológico iluminador cênico que revoluciona o teatro na década de 1940 com a montagem de luz da peça “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues. Sua importância foi tal que ele inaugura o teatro moderno no Brasil]. Foi instigante ver como ele resolveu o “debaixo do viaduto” sem torná-lo caixa-preta. Na contramão do que disse do trabalho de criação da luz, a trilha sonora feita por Felipe Ribeiro me fez pensar nas atuais políticas públicas para às culturas, e como as entendemos ao formular editais e estipular tetos orçamentários. Felipe faz uma trilha redundante - contrastando ao sentido que dei ao termo repetição, recurso que considero um ganho em toda a obra. Parece que para esse técnico, que foi pouco criador (ainda que em sua trajetória profissional o tenha sido por diversos momentos, em tantas outras obras) as interferências sonoras precisavam redundar a agressão e violência que já estava nos corpos, no ambiente e na cidade. Em um percurso de cinquenta minutos havia três que são dignos de destaque em seu trabalho. Um momento precioso que parecia dialogar com o problema que aquela dança apresentava. A questão central da redundância é também produzir um cansaço em que interatua com a obra, pois parece que estamos vendo/ouvindo um eterno looping narrativo e mal acabado em conceito. No entanto, me pergunto como teria sido essa trilha se a lógica do mercado fosse outra. Será que ela seria redundante se os Fomentos, PROACS, leis federais considerassem importantes esses técnicos tão primordiais à feitura dramatúrgica do trabalho quanto os criadores cênicos? Coloco-me agora em um mundo utópico em que Felipes, Joãos, Antônios, Marisas e Thiagos pudessem receber mensalmente para estarem no cerne das escolhas dramatúrgicas e com isso criarem música. Talvez, suas criações se tornassem obras dentro da obra e a polifonia dos discursos de fato se efetivariam. Mas, isso é uma conjectura utópica, como coloquei! Luciano Bussab nessa obra se transmuta camaleão. Soube retirar do ambiente potência ao dispor pequeno - e quase insignificantes - elementos que compuseram a dramaturgia e muito ajudaram no diálogo e mediação com o público. A cenografia é dele, mas me parece, que sua principal qualidade é identificar no próprio elemento o que vira discurso. Fause Hatem entende muito bem a fragmentação do discurso da direção ao propor um figurino feito por justaposição de peças. Me intriga como o brilho fez parte do lado B. Onde tudo era desastre, brilharam seus paetês, mas isso é o próximo capítulo da saga.

• LADO A/3: E por falar em mediação e contexto... O lado obscuro do lado A Bom... Que vivemos em uma cidade elitista, nós já sabemos, pois o “15 de março de 2015” sempre estará aí para nos provar.

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Para além dos “mimimis” Coxinhas X Comunistas, falarei de uma questão que tocou a muitos nas apresentações do lado A em baixo do viaduto Júlio Mesquita: aquele lugar era o LAR de muitas pessoas em situação de rua.

Sim, aceitem o fato, querido público, que vocês assistiram o espetáculo na casa de pessoas, que moram ali e nem precisamos dissertar sobre o porquê.

Vou usar o eufemismo escolhido por uma conhecida (performer) que viu a obra e usou o facebook para criticar o “público Vila Madalena” que ali estava.

Pois bem, esse público, no dia da estreia, teve que se deparar com dois moradores de rua bêbados que queriam conversar e queriam contato físico (isso mesmo!), durante a obra.

Óbvio que isso gerou ojeriza de alguns (e não os julgo, pois passei 50 minutos de espetáculo conversando com eles e realmente a interlocução estava bem difícil)!

Mas, o que quero pontuar dessa experiência é a relação que os artistas criam com o contexto...

Existe atualmente um projeto de dança acontecendo naquele espaço que como afirmei acima, é casa para alguns- o “Terreyro Coreográfico”... Nós fomos apresentar lá como hóspedes convidadas.

Como ser hóspede de um projeto que já é hóspede na casa alheia?

A impressão que tive era de estar imersa em uma história bem parecida a um ditado baiano: “cada convidado tem direito a chamar mais 100 pessoas para a festa e o anfitrião tem o direito de colocar 101 pessoas para fora dela”.

Assim foi a relação com aqueles moradores... Em um dado momento ouvi de um deles: “Aqui é nossa área! Aqui quem manda é nóis!”. Muito justo, era mesmo!

Era a “área” do casal que tem uma casa montada nos fundos da “Estação A”, era a “área” dos moradores de rua passantes, era a “área” dos dois bêbados, era a “área” dos Exús!

Então, qual e onde se localiza mesmo o mal-estar do público?

Argumento que se localiza nos processos de mediação que ou existem em parte ou simplesmente inexistem em obras artísticas (de maneira geral), pois vivemos em um sistema cultural tão miserável que não há tempo para pensar em mais isso.

No mais, à respeito dessa questão, acho que há - subjacente e em latência - uma convocação aos artistas que forem ocupar aquele “Terreyro” em criar ações de mediação que incluam, ainda que não tenham interesse em criar obras de inclusão social, pois ali habita gente.

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Gente que não é como a gente, pois a não ser que se tenha passado por situações de absoluta miséria e se entenda o que é viver quase completamente sem assistencialismo público, não a compreendemos e muito menos por onde transita sua lógica.

Porém, é gente que também sonha e cria metáforas e, considerando que a obra se tratava também dessa gente, havia que preocupar-se em entrar na lógica deles, mediar e tentar criar espaços de diálogo.

Volto a dizer a minha conhecida por aqui: a obra também trata disso. Como contar a essa gente também? Como falar disso com eles?

LADO B [Tudo é desastre].

E é mesmo!!!

Na quinta, 28 de maio de 2015, estreou o Lado B e, logo percebi que não se tratam de dois espetáculos, porém eles também não são causais...

O Lado A dialoga com o Lado B, mas não o introduz.

Toda a explosão esperada acontece no corpo, na cena, no exagero, no excesso dessa encenação.

Aqui, porém os focos e os “crops” são mais importantes ainda, pois aqueles corpos dançavam na imensidão e onipotência espacial que é o Cine Art Palácio.

Volto a falar do trabalho do André Boll, pois sem a agudeza do seu olhar a obra não viria à luz em recortes tão potentes.

Ali as criadoras organizaram todo o seu discurso narrativo, repetitivo, no corpo, no texto, no cenário, nos vídeos e por vezes redundavam (porém aqui, me parece que propositadamente) para provocar o público a posicionar-se do quanto mais é preciso “explodir” antes que a realidade nos exploda. O que é necessário para tirar os corpos da apatia?

Vídeos de “reintegrações de posse” perpetradas para um governo que pouco se compromete com melhorias sociais como o de São Paulo, destruição de elementos cênicos, descontrole corporal – ainda que identifique que um dos pontos desse “descontrole” é que ele ainda é controlado em seu centro – e diversos outros artefatos dramatúrgicos foram utilizados pela direção para sublinhar o que pode um corpo que não aguenta mais tanta informação catastrófica sobre o mundo.

As ilhas criadas por essa direção, em solos das intérpretes, são as estruturas mais poéticas da obra.

Ver o trabalho de Martina que dança na água produzida por arremessos de “bombas-bexigas” é paralisante. É um dos instantes da obra em que parece que nosso corpo suspende em desespero e se recolhe diante do desmoronamento do céu em “tempestades de estrupício” que podem a ter inspirado. Em certo momento quase ouvi as linhas do

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Gabriel Garcia Márquez e por um ínfimo segundo entendi seus Cem anos de Solidão... Mas, me perdi novamente e volto à obra.

Outros instantes poéticos são dignos de lembrança: a criadora Ilana Elkis em uma “parada de mão”, seminua, sendo banhada em glitter por Maristela Estrela e Juliana Gennari, como se o brilho precisasse resistir a tanta destruição; o trio Maristela, Clara e Juliana, dançando em sua corêutica quase romântica diante dos destroços; Mariana Sucupira e seu texto sobre Chernobyl...

• LADO B/bbb: pausa da dança... do intercâmbio que contaminou

Vale lembrar que todo o Lado B tem influência e nasce do “2º. Intercâmbio de ideias e ações: resistência”, em que o grupo convida uma série de artistas da cidade para uma vivência com a artista, educadora e curadora Graziela Kunsch, o que culmina em diversas ações e intervenções urbanas na cidade de SP, propostas pelos integrantes do grupo.

Esses mesmos artistas participam do Lado B como convidados e propõem ações durante o espetáculo.

Por fim, já que me referi à “técnica” do Lado A, Mariana Sucupira e Maristela Estrela acertam mais uma vez na composição das interferências sonoras desse lado, assinada por elas, que agora sim parece dialogar com o que está sendo composto dramaturgicamente na ação.

• Meu LADO C: o que me cala...

Ao ver, estar e vivenciar esse processo termino por dizer que meu corpo pede “reintegração de posse” dele mesmo, pois pós Lado B fica difícil não atentar-se à realidade do entorno.

Quero reintegração para poder agir, do mesmo modo como vejo ação no ato poético que foi essa obra composta pelo Núcleo Cinematográfico de Dança.

i É artista, articuladora cultural, enxerida, baiana e, até por isso, apaixonada por provar suas paixões, em especial as que tem pela arte. Essas são as que lhe calam mais fundo. Por isso, de vez em quando, ela escreve. ii Esse projeto foi contemplado com o XVI Edital Municipal de Fomento à Dança e desenvolveu-se ao longo de 2014/2015, sendo o Vol.2 sua finalização.