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A GARE E SEUS DESAFIOS: O impacto da requalificação do ambiente natural do ambiente natural inserido no espaço urbano MELO, EVANISA FATIMA REGINATO QUEVEDO (1); DESTRI, LUCAS MÂNICA (2); GRANDO, DIONATAN G. (3); KRESSIN, MELINA SINCAS (4); SILVA, LILIAN DE ALMEIDA (5) 1. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Engenharia e Arquitetura BR 285 km 171, Bairro São José, Passo Fundo, RS [email protected] 2. [email protected] 3. [email protected] 4. [email protected] 5. [email protected] RESUMO O presente artigo visa analisar o impacto urbano e social causado pela regeneração da paisagem local da praça da Gare Passo Fundo, norte do estado do Rio Grande do Sul onde o progresso da valorização do espaço urbano funciona semelhante ao tratamento através de acupuntura: melhora-se um ponto e todo seu entorno é beneficiado. O sistema entra em equilíbrio como um organismo vivo, gerando bem-estar e satisfação generalizada. A Gare, antes um espaço marginalizado, por meio de incentivo público, torna-se um novo referencial urbano para a comunidade. A acupuntura urbana foi iniciada, a cidade começa a reagir. Área caracterizada por uma imensa quantidade de objetos tombados como patrimônio público, a estação de trem por onde chegavam os imigrantes, a caixa d’àgua e os arcos, teve tais elementos desvalorizados por todas estas características marginalizantes, além disso com uma zona de conflito urbano, tendia a trazer imagem negativa para a cidade de forma global, devido à baixa densidade de atrações e pessoas, enraizando na população um sentimento de insegurança pública, o que por sua vez contribuía de forma expressiva à contínua depreciação tanto de seu próprio potencial quanto ao seu entorno, visto que, se trata de uma área de valor histórico, com monumentos tombados pelo patrimônio público. Contando com um espaço situado em área nobre da cidade, era vista a urgente necessidade da revitalização, beneficiando desta forma não somente a população, mas a legibilidade e apropriação urbana naquele espaço. Dessa forma, a regeneração traz fluxo e vida uma vez que as mudanças foram totalmente aparentes não somente na paisagem do parque, mas da configuração do entorno. O que anteriormente causava repulsa torna-se espaço de principal atração, a cidade começa aos poucos sentir as benfeitorias, a população atem-se ao potencial natural que o local possui e passa a ocupa-lo de forma progressiva. O objetivo central do presente artigo, portanto, é analisar a contribuição desta requalificação na ocupação por parte da população do ambiente natural urbano e os impactos no ambiente requalificado e entorno imediato. Para tanto é importante análise in loco da progressão dos usos antes e depois de tal recuperação, que contabiliza a tomada de posse da população de espaço natural pré-existente. Constata-se então que a requalificação do espaço urbano natural gera o sentimento de pertença, de modo que a população sinta-se parte do ambiente urbano, sentindo-se convidado a interagir com o espaço público. Com isso novas relações são estabelecidas, enquanto o ambiente natural e cultural pré-existentes são reabsorvidos na vida cotidiana, enraizando valores culturais ao ambiente natural. Palavras-chave: Requalificação; Área Verde; Legibilidade; Imagem Urbana; Consolidação;

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A GARE E SEUS DESAFIOS: O impacto da requalificação do ambiente natural do ambiente natural inserido no espaço urbano

MELO, EVANISA FATIMA REGINATO QUEVEDO (1); DESTRI, LUCAS MÂNICA (2); GRANDO, DIONATAN G. (3); KRESSIN, MELINA SINCAS (4); SILVA, LILIAN

DE ALMEIDA (5)

1. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Engenharia e Arquitetura BR 285 km 171, Bairro São José, Passo Fundo, RS

[email protected]

2. [email protected]

3. [email protected]

4. [email protected]

5. [email protected]

RESUMO

O presente artigo visa analisar o impacto urbano e social causado pela regeneração da paisagem local da praça da Gare – Passo Fundo, norte do estado do Rio Grande do Sul onde o progresso da valorização do espaço urbano funciona semelhante ao tratamento através de acupuntura: melhora-se um ponto e todo seu entorno é beneficiado. O sistema entra em equilíbrio como um organismo vivo, gerando bem-estar e satisfação generalizada. A Gare, antes um espaço marginalizado, por meio de incentivo público, torna-se um novo referencial urbano para a comunidade. A acupuntura urbana foi iniciada, a cidade começa a reagir. Área caracterizada por uma imensa quantidade de objetos tombados como patrimônio público, a estação de trem por onde chegavam os imigrantes, a caixa d’àgua e os arcos, teve tais elementos desvalorizados por todas estas características marginalizantes, além disso com uma zona de conflito urbano, tendia a trazer imagem negativa para a cidade de forma global, devido à baixa densidade de atrações e pessoas, enraizando na população um sentimento de insegurança pública, o que por sua vez contribuía de forma expressiva à contínua depreciação tanto de seu próprio potencial quanto ao seu entorno, visto que, se trata de uma área de valor histórico, com monumentos tombados pelo patrimônio público. Contando com um espaço situado em área nobre da cidade, era vista a urgente necessidade da revitalização, beneficiando desta forma não somente a população, mas a legibilidade e apropriação urbana naquele espaço. Dessa forma, a regeneração traz fluxo e vida uma vez que as mudanças foram totalmente aparentes não somente na paisagem do parque, mas da configuração do entorno. O que anteriormente causava repulsa torna-se espaço de principal atração, a cidade começa aos poucos sentir as benfeitorias, a população atem-se ao potencial natural que o local possui e passa a ocupa-lo de forma progressiva. O objetivo central do presente artigo, portanto, é analisar a contribuição desta requalificação na ocupação por parte da população do ambiente natural urbano e os impactos no ambiente requalificado e entorno imediato. Para tanto é importante análise in loco da progressão dos usos antes e depois de tal recuperação, que contabiliza a tomada de posse da população de espaço natural pré-existente. Constata-se então que a requalificação do espaço urbano natural gera o sentimento de pertença, de modo que a população sinta-se parte do ambiente urbano, sentindo-se convidado a interagir com o espaço público. Com isso novas relações são estabelecidas, enquanto o ambiente natural e cultural pré-existentes são reabsorvidos na vida cotidiana, enraizando valores culturais ao ambiente natural.

Palavras-chave: Requalificação; Área Verde; Legibilidade; Imagem Urbana; Consolidação;

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Introdução

O conceito de projeto paisagístico contém dois aspectos aparentemente contraditórios. Sendo

a ideia de paisagem tradicionalmente ligada à natureza intocada, o projeto incorpora o sentido

de intervenção artificial. Entretanto a natureza intocada não mais ocorre integralmente em

grande parte do mundo ou acontece de forma temporária, isto é, em terrenos que se

desenvolvem livremente durante períodos, sofrendo, no entanto, intervenções esporádicas.

(NEUFERT, 2013, p. 436) Além disso, um parque urbano é projetado em sua maior finalidade,

para proporcionar um local de lazer e desportivo qualificado para a comunidade, além de, é

claro, servir como um oásis em meio às ruas e prédio, embelezando com verde as áreas

urbanas. Porém é de extrema importância debater sobre suas reais funções no mundo atual.

Qual o real papel que vai além do simples lazer. Assim como afirma Carlos; Lemos (2003):

As transformações no processo de reprodução da sociedade se realizam

concretamente no processo de reprodução espacial gerando novas contradições,

como consequência da socialização da sociedade que tem por essência a urbanização

que se revela na planificação racional do espaço [Carlos; Lemos, 2003].

A partir daí surgem as necessidades de avaliar os espaços públicos livres e como eles se

inserem dentro do espaço urbano consolidado. Dando ênfase aqui nos parques urbanos para

posteriormente falarmos de forma exclusiva do parque da gare, nosso principal eixo de

estudo.

Lima & Rocha (2009) já nos dizem que ao percorrer a história da criação dos parques

urbanos, percebe-se que o mesmo é um produto da era industrial. As primeiras demandas por

espaços naturais voltados ao lazer e para a recreação surgiram em decorrência do processo

de urbanização das cidades, aglomeração demográfica nos centros urbanos e crescimento

maciço da atividade industrial (Vainer, 2010).

Da mesma forma Macedo e Sakata (2002) dizem que parque urbano é um produto da cidade

moderna. Nasceu, a partir do século XIX, da necessidade de dotar as cidades de espaços

adequados para atender a uma nova demanda social. Naquele período, o lazer e o tempo livre

deveriam contrapor-se ao trabalho e ao tempo produtivo gerado pelas imanências do

ambiente urbano (MACEDO; SAKATA, 2002). Surgiu da necessidade de dotar as cidades de

espaços adequados para atender a nova demanda social: o lazer e o tempo do ócio,

contrapondo-se ao ambiente urbano de vida agitada. A criação dos espaços verdes

destinava-se especialmente à promoção da qualidade de vida urbana e no bem-estar das

pessoas (Silva, 2003).

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Este artigo possui o intuito de realizar uma análise sobre os parques públicos e como se dá a

relação do objeto da paisagem natural com a moldada pelo ser humano, a fim de

compreender como se dá a configuração destes espaços, através da sua finalidade principal.

Para tanto, será analisado o parque da Gare, localizado na cidade de Passo Fundo, norte do

estado do Rio Grande do Sul e como sua revitalização contribuiu positivamente para a

melhoria do entorno imediato (Figura 1). Além disso, serve para analisar as contribuições

desta prática como forma de acupuntura urbana para salvar áreas de conflitos dentro de uma

cidade.

A escolha do parque da Gare para a análise deste artifício é em razão das potencialidades

alcançadas após a revitalização em comparação com o papel negativo que a mesma exercia

anteriormente no entorno e também pelo fato de estar localizada em uma zona inserida no

coração de Passo Fundo, onde há intenso tráfego de pedestres e veículos e possuir um papel

histórico dentro da cultura da cidade. Tudo isso contribuiu para que este espaço natural

recebesse destaque pelo valor tanto ecológico, natural quanto cultural e fosse objeto de

estudo.

Para atingir este objetivo, foram feitas análises dos parques urbanos, focando nos espaços

livres públicos com intuito de:

Compreender as relações sociais nas relações do espaço público;

Entender qual o papel do parque nas configurações da cidade;

Entender quais são os impactos que estes espaços desempenham em níveis

micro, meso e macro.

Figura 1. Mapa de localização do parque da Gare em relação à cidade de Passo Fundo, RS, 2016

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Analisar o histórico daquele território e de como ele influencia no que o espaço

é hoje.

A pesquisa iniciou com reconhecimento de área, do resgate histórico e diagnóstico da

situação em que se encontra o entorno urbano e o parque da Gare, em Passo Fundo, RS.

Além disso, foram necessários levantamentos bibliográficos, os quais foram de suma

importância para a caracterização dos fenômenos sociais, culturais, urbanos e naturais que

ocorrem nestes ambientes, além de análises visuais e teóricas.

Paisagem e os espaços livres públicos

O termo “paisagem” tem variado conforme o passar do tempo, mas para Malamut, paisagismo

é:

Resultado de uma síntese de elementos, paisagem é tudo aquilo que está ao alcance

do olhar do indivíduo. É tudo o que é visto por alguém, de algum lugar, seja de uma

vista in natura ou construída (...) Nas cidades é resultado de intervenção urbana sobre

o espaço natural, de forma que passam a fazer parte dela as intervenções urbanísticas,

edificações e a vegetação urbana. É produzida coletivamente e guarda registros

ambientais, históricos, culturais e simbólicos de uma localidade [Malamut, 2011, p.13 ].

Já para Tuan (1974), paisagem possui um tom semântico muito mais profundo e varia muito

dependendo do seu contexto, para ele a transformação axial na visão do mundo, de cosmo

para paisagem pode ser rastreada na mudança do significado das palavras ‘natureza’ e

‘cenário’. No uso moderno, as três palavras compartilham de um núcleo comum de

significado: cenário e paisagem são muitas vezes usados como sinônimos e ambos implicam

na natureza. No entanto, a união não foi sem sacrifício. A palavra natureza aparece junto com

cenário e paisagem porque perdeu muito domínio semântico e as palavras cenário e

paisagem são quase sinônimas devido a perda da precisão de seus significados.

Enquanto para Bolós (1992), “paisagem” procede da linguagem comum, significando país

com sentido de lugar e setor territorial, o significado remonta ao momento de aparição das

línguas vernáculas, e pode-se dizer que este sentido originário, com essas precisões é válido

ainda atualmente.

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Desta forma verifica-se que dentre os autores, existem divergências etimológicas ou alguma

divergência de complexidade, mas todos eles possuem em comum o conceito de que

paisagem se refere a um lugar territorial e a partir daí se criam os cenários, como os parques

urbanos, onde a paisagem natural mescla-se com o cenário e acaba por produzir uma

paisagem cultural, carregada de sentimentalismo humano, de onde serão supridas suas

necessidades, as quais talvez não pudessem ser caso aquele local possuísse um tom

totalmente natural.

Já em relação a espaço público, de forma generalizada, segundo Leitão (2002), na filosofia, a

noção de espaço público está associada à ideia de expressão do pensamento, do direto à

palavra, da construção do argumento através do exercício do discurso livre, sem o qual não se

pode falar em liberdade ou em democracia. Na sociologia o espaço público é

fundamentalmente o espaço do encontro com o Outro, com o diferente de si. É o espaço onde

as relações íntimas do grupo primário se enfraquecem e se fortalecem as relações coletivas

que possibilitam as trocas fundamentais, o convívio com a diferença da civilização.

Assim percebe-se a importância do espaço natural e público na sociedade e seu papel de

união social e cultural. Para isso é necessário que o espaço seja extremamente qualificado

para que seja um ponto nodal e de atração para as mais diversas atividades recreativas e de

lazer.

Segundo Campos (1995), entende-se por espaço público todo tipo de espaço intermediário

entre edifícios em áreas urbanas, onde o acesso é em geral permitido ao público, podendo

estar agrupados como abertos e fechados.

Já para Noguera (2003), a característica essencial dos espaços públicos é que configuram

uma rede contínua que se estende em toda a área urbana. Ele ainda afirma que esta rede de

espaços públicos assume diferentes papéis:

a.) Estabelece relações espaciais de conectividade entre a área urbana e o entorno

territorial;

b.) É o suporte básico para a mobilidade urbana interna;

c.) Constitui a referência de parcelamento do solo para a edificação e os usos

primários, euqnato que serve de acesso e fachada independente de cada parcela;

d.) Toma possível a expressão e a percepçãp interna da forma da cidade;

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e.) Provém de espaços de repesentação e identificação social, assim como para o

ócio do cidadão;

f.) Facilita a obtenção das redes de serviços urbanos (água, eletricidade, gás,

telefone, etc.)

Considerando os conceitos de paisagem e espaço público e refletindo a sua questão

etmológica para corelacionar com o estudo de caso do parque da Gare. Torna-se fácil de

apreender que o espaço público vai além de um simples cenário, acaba se tornando um ponto

de encontro de pessoas para gerar interação social. É um cenário natural moldado pelo

homem para que desta forma existam condições para tanto. E perante os princípios do

urbanismo, aonde existe interação humana, existe interação urbana. Existe uma cidade viva e

se existe uma cidade viva, existe um local harmonioso. Dessa forma, o espaço público é de

crucial importância para o bom desenvolvimento urbano, caso este local esteja em péssimas

condições, o efeito é totalmente reverso.

A acupuntura

Jaime Lerner, em seu livro acupuntura urbana menciona o fato de sempre ter tido a ilusão de

que, assim como a acupuntura age no corpo humano, causando melhorias em todo o sistema,

as regenerações dos espaços públicos urbanos agem na cidade de tal forma. Como um ponto

doente em meio a tantos outros saudáveis pode causar um impacto negativo e que em tal

ponto sua recuperação criaria um bem-estar generalizado, como num passe de mágicas.

Desta forma, assim como a interação médico e paciente, é necessária interação na cidade,

cutucando o ponto doente até que seja curada, estimulada a melhorar. Foi dessa forma que

aconteceu com o Parque da Gare, localizado na cidade de Passo Fundo, norte do estado do

rio grande do sul. A área antes doente recebeu uma agulha de acupuntura urbana, até que

pudesse estar restaurada, trazendo benefícios à sociedade como um todo (Lerner, 2011, p.

7).

Como parque público é fruto da vida moderna e esse ponto de acupuntura gera uma

modificação da forma de como este local estava sendo visto e apropriado por longos e longos

anos, a regeneração assim como uma remodelação são inevitáveis para manter o fluxo

atrativo da zona, e para isso Macedo e Sakata (2002) apontam que:

Novas funções foram introduzidas no decorrer do século XX, como as esportivas, as de

conservação de recursos naturais, típicas dos parques ditos ecológicos, e as do lazer

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sinestésico dos brinquedos eletrônicos, mecânicos e dos espaços cenográficos dos

parques temáticos. Essas funções requalificam os parques e novas denominações,

novos adjetivos, são atribuídos a eles, como por exemplo, parque ecológico e parque

temático [Macedo; Sakata, 2002, p. 13].

Dessa forma, surge o processo de regeneração do parque da Gare (Figura 2), uma agulha de

acupuntura capaz de causar impacto não somente no próprio parque, gerando um respiro às

espécies de fauna e flora, mas em nível de cidade. As áreas imediatamente perto foram

valorizadas. Um espaço antes sem vida torna-se uma fonte de interação urbana.

Figura 2 Parque da Gare pista de skate antes da requalificação, Passo Fundo, 2014 (a) e após a requalificação, em 2016.

Pela comparação de imagens, observa-se que a legibilidade do local melhorou de forma

exponencial e que o cuidado em preservar espécies, aliado à preocupação com a ocupação

humana, gerou impacto extremamente forte no local. Na figura 2, onde se destaca a

perspectiva de uma pista de skate, podemos notar nitidamente que a requalificação trouxe

regeneração não somente à paisagem, mas, muito mais, das relações interpessoais.

Além destas características, ligadas estritamente aos caracteres visíveis, é necessário

olharmos mais a fundo o papel que este parque desempenha na configuração do espaço hoje,

dentro da cidade de Passo Fundo. É preciso problematizar dois pontos, levantados por Santos

(1996): sua materialidade e sua imaterialidade. Isto nos leva a pensar que os parques são

constituídos por aspectos de ordem material (quantidade de bancos, quadras, áreas para

piquenique, sanitários), elementos naturais e objetos artificiais (áreas verdes, lagos, contato

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das pessoas com os animais, condições climáticas) e ainda por parâmetros de ordem

imaterial (controles, sensações, emoções, conflitos, imaginários e identidades de grupo)

(Santos, 1996).

E algo que se deve ter em mente é que uma requalificação traz o imaterial à tona, pois as

novas sensações em estar adentrando a um parque remodelado são contrárias às de adentrar

ao parque depredado e marginalizado. O local passa a fornecer e transformar a realidade

local em micro e macro ambiente, gerando mudança nos ares locais, trazendo qualidade ao

ambiente e apropriação pela comunidade.

Atualmente, o espaço do Parque da Gare, reúne milhares de pessoas que o utilizam durante

todos os dias da semana para as mais variadas atividades. Sejam elas recreativas, de lazer

ou esportivas. Sofreu uma total remodelagem desde a sua regeneração. Com áreas em

taludes e outras planas, possui uma diversidade de ecossistemas e abrange os mais variados

sentimentos. Desde espaços para rapel, escorregador e skatepark, até área com enorme lago

para onde correm cinco nascentes, preservadas. Como prédios centrais podem ser citados o

antigo embarque e desembarque de trem da famosa Gare, que hoje mantém-se como espaço

de exposições, café e, ainda, uma instalação para futura biblioteca.

Figura 3 Feira do produtor no prédio histórico da Gare (a), e nova edificação para a feira do produtor, em 2016 (b)

Além disso, o programa do parque conta com ciclovia, espelhos d´água, playgrounds,

quiosques, lanchonetes, esculturas, pontes, pérgula, pista de corrida, centro cultural, além de

sanitários, bebedouros, mesa para jogos, mesa para piquenique, bancos, lixeiras e placas de

orientação.

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Figura 4 Áreas de lazer e esportivas: pista de skate, em vista noturna (a) e ciclovia (b).

Parágrafo sobre a parte histórica

A partir da regeneração, a apropriação do cidadão sobre o ambiente torna-se cada vez mais

intensa, já que o mesmo toma aquele local como referencial de lazer próximo e agarra-se nas

suas possibilidades. Quanto ao sentimento de apropriação e uso de um espaço, interagindo

simultaneamente com a cidade, Lefebvre (2006) menciona que os usos demarcam uma

relação com a cidade calcada não no valor de troca, mas em um contato mais próximo entre

sujeito e espaço, dotado de urbanidade, atendendo às técnicas requeridas pela ligação

existente entre necessidade e estratégia, pela qual se estabelecem na realidade

prático-sensível do espaço urbano.

A partir disso, podem-se obter diversas leituras de realidade, dos tipos de relação entre

pessoa e espaço. Tais interações podem ser observadas nas ruas, calçadas, parques e etc. O

conceito de apropriação do espaço caminha do mesmo jeito e Pol (1996), escreve que a

apropriação do espaço com toda a sua complexidade aparece como um dos núcleos centrais

da interação do ser humano e seu entorno físico. Apesar de ser oriundo da psicologia

ambiental, este conceito está diretamente ligado ao aspecto psicossocial, compreendendo os

processos cognitivos e afetivos em uma ação que é, ao mesmo tempo, transformadora. A

partir disso, o uso e a ação são elementos básicos da apropriação, e pode-se considerar que

por esta via é possível criar espaços e tempos de transformação (CODINA, 2007).

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As mudanças de hábitos dos cidadãos através da apropriação do

Parque:

Os parques urbanos são considerados ambientes adequados para a prática de lazer e de

atividade física. Por isso, a construção e revitalização destes locais têm recebido especial

atenção por órgãos internacionais como forma de promover e incentivar um estilo de vida

ativo (Librett, et. al., 2007). Locais agradáveis e com arborização predominante preservados

são propícios à prática de atividade física, de tal forma que a beleza arquitetônica das

estruturas construídas são indicadores e estimuladores no parque urbano. Dessa forma, o

parque da Gare conta com uma pré-disposição à estimulação de atividades físicas, pelo

ambiente e cenário desenvolvido, criando beleza cênica, por possui lagos, e a interação da

paisagem natural com a urbanização (Figura 5), além de receber campanhas públicas para a

realização de eventos. O parque, pois, serve não somente como uma referência de lazer,

mas, também, de eventos esportivos e culturais.

Figura 5 Vista do Parque da Gare inserido na paisagem urbana, e convivência interpessoal

Uma das maneiras de se comunicar com o usuário é através do resgate e preservação da

memória e do patrimônio histórico. A requalificação do parque pôs em evidência monumentos

tombados pelo patrimônio histórico municipal, quais sejam a caixa d’água, ruínas do Parque

da Gare e os arcos (Figura 6). Contudo, há necessidade de criar placas de identificação

desses elementos, para que a comunidade conheça e se relacione com o patrimônio.

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Figura 6 Patrimônio histórico do parque

A qualificação de lugares e ambientes com qualidade formal e espacial permite formar a

identidade, já que organiza os espaços para prestação de serviços comunitários, geração de

rendas e convívio, com implantação de programas múltiplos de atendimento à comunidade,

preocupado com a recuperação dos recursos naturais, fornecimento de infra-estrutura e

mobiliário urbano adequados à legislação, visando acessibilidade e a sustentabilidade

ambiental.

A regulamentação do trânsito nas imediações do parque também foi um indicador percebido

positivamente para prática. Em geral, a regulamentação do trânsito em qualquer ambiente é

reportada como um facilitador (Mcginn et al., 2007; Tinsley et al., 2002). Assim, entende-se

que a regulamentação do trânsito com ruas bem sinalizadas e o tráfego controlado, podem

servir para que um ambiente de lazer seja frequentado. Isto alerta sobre a importância que

outros setores públicos têm no planejamento de parques urbanos e na ajuda para mudança

de comportamento das pessoas, sendo um facilitador e demonstrando a diversidade de

setores públicos envolvidos para o bom funcionamento do espaço público,

Constata-se então que a requalificação do espaço urbano natural gera o sentimento de

pertença, de modo que a população sinta-se parte do ambiente urbano, sentindo-se

convidado a interagir com o espaço público. Com isso novas relações são estabelecidas,

enquanto o ambiente natural e cultural pré-existentes são reabsorvidos na vida cotidiana,

enraizando valores culturais ao ambiente natural.

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Conclusão

Pode-se observar que os espaços urbanos possuem um forte papel de legibilidade dentro da

cidade, atuando como termômetros urbanos que apontam as áreas mais ou menos propícias

ao convívio urbano. O Parque da Gare não deixa de possuir esta característica. Antes,

marginalizado, defasado e totalmente abandonado não convidava a ninguém para práticas

físicas e de convívio. Através da regeneração o papel inverte-se e hoje, torna-se um dos

principais pontos dentro da cidade, sendo reconhecido como atração turística e convidando

milhares de pessoas a conviverem e harmonizarem com a natureza, dentro do maciço urbano.

Dessa forma, tal área verde tornou-se um ponto positivo para a cidade, seja em sua leitura,

seja na integração e transformação da vida dos cidadãos da própria cidade e das vizinhas,

impactando desta forma não somente o micro e meso mas sim o macro ambiente. Desse

modo, a requalificação assegurou a relação de pertencimento dos usuários neste ambiente e

completou as necessidades dos cidadãos.

Com toda certeza, tal ato fora um marco para a cidade e trouxe vida novamente a um local

antes fadado ao esquecimento. A agulha da acupuntura fora cravada e estimulada a renascer

um ponto urbano totalmente novo. Um ponto dentro de tantos outros, mas que beneficia a

muitos.

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