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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
A guarda compartilhada: umaproposta de constituição de novos
paradigmas nas relações parentais e de gênero
Fabiane Simioni
Profª. Orientadora Drª. Maria Cláudia C. Brauner
São Leopoldo, maio de 2001.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................1
1 A CONSTRUÇÃO DOS NOVOS ARRANJOS FAMILIARES....................................................................................5
1.1 Os papéis socialmente construídos: a desigualdade de gênero nas relações parentais.........................................................................91.1.1 As relações parentais na sociedade contemporânea.................121.1.2 A constituição das identidades de gênero: somente as mulheres maternam?...........................................................................................231.1.3 A ressignificação da paternidade: o fenômeno da maternagem nos homens..........................................................................................271.1.4 A paternidade está mudando?....................................................36
1.2 Os processos de descodificação e constitucionalização na formação da família plural: a reconstrução de conceitos..............411.2.1 A família no contexto da ordem constitucional..........................471.2.2 Os possíveis sentidos para a guarda..........................................501.2.3 A natureza jurídica da guarda...................................................51
1.3.O espaço dos filhos/filhas na esfera das relações familiares....511.3.1 O que acontece quando os pais se separam?.............................511.3.2 O direito fundamental à convivência familiar...........................511.3.3 A autoridade parental e o exercício da guarda.........................51
2 CRITÉRIOS PARA O ESTABELECIMENTO DA GUARDA DOS FILHOS/FILHAS....................................................................51
2.1 Elementos para uma releitura constitucional...........................512.1.1 Crítica aos critérios de atribuição da guarda exclusiva...........51
2.2 O interesse da criança ou adolescente como critério de controle e solução..............................................................................512.2.1 O direito da criança de ser ouvida............................................512.2.2 A confusão entre o papel parental e o conjugal........................51
2.3 A mediação como instrumento para elaboração de um plano de projeção da parentalidade...........................................................512.3.1 Princípios, conceito e práxis da mediação................................512.3.2 Projetando a parentalidade futura.............................................51
3 A GUARDA COMPARTILHADA: POR UMA EFETIVA PARTICIPAÇÃO NO EXERCÍCIO DA RESPONSABILIDADE PARENTAL.......................................................................................51
3.1 A possibilidade jurídica deste modelo: definindo a guarda compartilhada....................................................................................513.1.1 Noções de guarda compartilhada..............................................513.1.2 A guarda compartilhada no direito brasileiro...........................51
3.2 Os meios de exercício da guarda compartilhada......................513.2.1 As conseqüências da guarda compartilhada.............................51
3.3 Quando e por que atribuir a guarda compartilhada?..........513.3.1 Os fundamentos e pressupostos da guarda compartilhada.......513.3.2 Vantagens e desvantagens..........................................................51
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................51
2
INTRODUÇÃO
O tema objeto desta monografia enfoca, sob o prisma do direito
de família, um novo arranjo das relações paterno-filiais após a
separação ou divórcio: a guarda compartilhada.
A metodologia adotada consiste em uma pesquisa bibliográfica
em artigos jurídicos e de outras áreas do conhecimento que se
relacionam com o estudo.
O objetivo geral constitui-se em analisar o instituto da guarda
sob a perspectiva de uma redefinição dos papéis materno e paterno na
diversidade de relações familiares. Especificamente, apresenta-se
algumas contribuições de outras áreas das ciências humanas, a fim de
possibilitar uma reflexão sobre a ressignificação das relações parentais
e as conseqüências deste processo nas novas organizações familiares,
como também nas famílias de formação clássica.
Indica-se as bases para uma possível reflexão sobre os papéis
destinados a homens e mulheres no que se refere aos cuidados
parentais, observando-se que há uma desigualdade de gênero nestas
relações que influencia diretamente o comportamento e as decisões
judiciais.
Percebe-se que o instituto da guarda sofreu profundas
transformações, uma vez que o seu próprio campo de atuação – a
família – não é mais a mesma tal como o legislador do Código Civil
idealizara. O sentido e a natureza jurídica da guarda alteraram-se, a
fim de acompanhar os diferentes significados dos modelos familiares
contemporâneo.
Diante da necessidade de discussão sobre as conseqüências de
uma separação ou divórcio para os filhos/filhas e os pais, buscou-se
um aprofundamento das questões subjetivas e objetivas que,
inarredavelmente, se conectam a maneira pela qual os sujeitos lidam
com essa nova situação, sobretudo, em relação à confusão entre os
papéis conjugais e parentais.
Verificou-se a emergência de uma revisão dos critérios de
estabelecimento da guarda, uma vez que estes trabalham com
2
hipóteses estereotipadas, não admitindo outras possibilidades de
reconstituição de uma família após a ruptura. Dessa forma, apontou-se
para uma releitura de tais critérios, com o objetivo de flexibilizar as
possíveis interpretações sobre o interesse da criança ou adolescente.
Os critérios para a determinação da guarda devem ser amplamente
discutidos entre seus interessados, sob pena de perder sua função
precípua. Nesse sentido, a mediação destaca-se como um mecanismo
facilitador da projeção da idéia de que ambos os pais devem e podem
responsabilizar-se por seus filhos/filhas, mesmo após a separação.
O presente estudo justifica-se, dessa forma, na medida em que o
modelo tradicional de guarda adotado no Brasil reflete deficiências, e
não privilegia uma convivência saudável entre pais separados e
filhos/filhas. A relevância de uma proposta alternativa de guarda está
baseada na possibilidade de constituição de uma outra forma de
convivência, beneficiando, notadamente, a criança, que contaria com a
participação dos dois pais na sua formação e desenvolvimento.
O momento da ruptura da vida em comum de um casal poderia
tornar-se menos traumático para a criança. É desejável que ela
continue a desfrutar da convivência de ambos os pais, mesmo que
3
entre eles essa rotina não seja mais possível, a menos que essa
convivência não lhe seja a mais saudável possível.
Há uma possibilidade dos dois genitores gestarem a forma por
que irão continuar educando seus filhos/filhas permitindo, assim, um
aperfeiçoamento na qualidade das relações afetivas. Com isso,
poderemos ter menos pais litigando por migalhas de afeto e, menos
crianças enfrentando consultórios de psicologia infantil.
Destaca-se, por fim, que o tema já é consagrado em diversas
legislações estrangeiras, interessando, portanto, conhece-las no
sentido de encontrarmos subsídios para o desenvolvimento de uma
proposta brasileira.
4
1 A CONSTRUÇÃO DOS NOVOS ARRANJOS
FAMILIARES
Para apresentarmos uma reflexão sobre a proposta de guarda
compartilhada não podemos negar que os novos arranjos familiares
são essenciais, já que estes se contrapõem ao modelo de família
codificado. Observamos uma distância entre o modelo idealizado de
família e o modelo contemporâneo, uma vez que aquele não inscreve
outras possibilidades de organização familiar que não seja baseado na
subordinação e sujeição de uns sobre os outros. Assim, a guarda
compartilhada aponta para uma possibilidade de participação dos dois
genitores na responsabilidade parental e, neste caso, aproxima-se
muito dos novos arranjos familiares, caracterizados essencialmente
pela relação de respeito e cooperação entre os sujeitos.
5
Freud dizia, em seu texto O Estranho1 (1923), que aquilo que
nos parece estranho porta em seu bojo algo de familiar. As novas
configurações familiares também obedecem a esta descrição. Tratam-
se de novas organizações que conservam na sua intimidade a mesma
estrutura.
As novas organizações familiares resultam das tentativas de
realinhamento das relações entre os indivíduos. Nestas, o vínculo
matrimonial deixa de ser o mais importante, e o que, de fato, une seus
membros é a intenção de construir um espaço de convivência
privilegiado para todos. Seu objetivo consiste em transpor as
frustrações contidas nas organizações ultrapassadas, baseadas,
sobretudo, na hierarquia, no matrimônio e na rigidez das relações de
gênero. São ensaios que têm a pretensão de inscrever um “novo”
ideal.
Percebemos, então, que a estrutura familiar, seja qual for sua
concepção, tem como parâmetro a tríade pai-mãe-filhos/filhas.
Entretanto, este é apenas mais um elemento, que não pode ser
entendido somente em uma perspectiva, tal qual o ordenamento
1 FREUD, S. O estranho. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.XVII. Apud BARROS, Fernanda Otoni. Interdisciplinaridade: uma visita ao Tribunal de Família – pelo olhar da psicanálise. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Direito de família contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 793.
6
jurídico faz. A lei, de uma maneira geral, trabalha com um ideal de
família, afastando-se da realidade, uma vez que não contempla a
diversidade do cotidiano das relações entre os sujeitos que se
organizam das mais variadas formas.
A família é mais que uma dualidade de cônjuges ou de pais, é a
expressão de um grupo articulado onde a cultura, os ideais e os
valores são transmitidos pelo discurso, bem como o exercício da
autoridade que transmite as regras e limites.2
Estes “novos arranjos” familiares cumprem a função que a
sociedade destina à família, ou seja, transmissão da cultura e formação
dos sujeitos. Parece que o ser humano não suporta ficar só, sempre
busca a formação de um laço, que, investido de afeto, pode ser
chamado de laço familiar.
O ordenamento jurídico, por conseguinte, apresenta alguns
modelos, mas não deve fechar-se em si mesmo. O Estado deveria, tão-
somente, sustentar a possibilidade dessas construções e não interferir
na liberdade e autonomia do sujeito.2 Trata-se de uma tentativa de conciliação de um conceito técnico-jurídico com elementos da psicanálise. O elemento descendência, para tanto, não é o preponderante, uma vez que registramos a possibilidade de formação de outras formas de vínculos afetivos. As funções paterna e materna são decorrentes de uma relação de desejo, muito maior que a simples contingência dada pelo “natural”, pelo biológico.
7
Não existe lei que garanta um modelo ideal, mas a lei pode e
deve garantir a possibilidade de uma construção do modelo que
satisfaz a cada família, em seu caso particular.
Dessa forma, podemos inferir que a estrutura familiar sobrevive
apesar da separação dos cônjuges, pois os laços permanecem, desde
que seja possível a construção de uma nova forma de convivência pós-
separação. Estamos nos referindo a um conceito de família que se
organiza conciliando as diversidades e capacitando os sujeitos para a
vida. Os pais, após a separação, deverão, para tanto, coordenar
esforços no sentido de superar suas questões conjugais para cuidar das
questões paterno-filiais.
A família é uma estrutura subjetiva, independentemente da
forma como se articula (pais separados, homossexuais, filhos/filhas
adotivos, famílias monoparentais, famílias reconstituídas etc.). As
novas configurações familiares da contemporaneidade continuam a
formar as pessoas em desenvolvimento para sustentarem a lei e o laço
social, lugar onde os valores são transmitidos e construídos.
8
1.1 Os papéis socialmente construídos: a desigualdade de
gênero3 nas relações parentais
A proposta inicial deste ponto é refletir sobre as bases nas quais
estão assentados o papel e o lugar que o homem-pai vem ocupando no
grupo familiar contemporâneo, caracterizado pela diversidade de
modelos. O pano de fundo desse cenário sobre o qual atuam os
personagens – homem-pai e mulher-mãe - nos impõe destacar a
insuficiência do modelo familiar tradicional e do modelo patriarcal do
direito civil moderno.
A mídia e o senso comum, notadamente nos últimos anos, vêm
refletindo um fenômeno que até pouco tempo não havia despertado o
interesse no mundo jurídico. Trata-se das mudanças no
comportamento masculino que estão repercutindo, sobretudo, no
âmbito das relações familiares.
3 A categoria gênero adotada ao longo desta monografia tem como marco teórico o pensamento de Joan Wallach Scott. Segunda esta autora, quando fala-se em gênero, a referência que se faz é ao discurso da diferença dos sexos. Este termo não se refere apenas às idéias, mas também às instituições, às estruturas, às práticas cotidianas, como também aos rituais e a tudo que constitui as relações sociais. Portanto, o gênero é a organização social da diferença entre os sexos. Ele não reflete a realidade biológica primeira, mas constrói o sentido dessa realidade.(GROSSI, Mirian; HEILBORN, Maria Luiza; RIAL, Carmem. Entrevista com Joan W. Scott. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), v.8, n.1, 1998, p. 115)
9
Até meados do século XVIII, a autoridade parental –
caracterizada pelo autoritarismo masculino – era vital para a
manutenção de uma sociedade hierarquizada, em que a obediência
constituía-se em um princípio fundante da estrutura familiar. Nesse
sentido, havia uma pressão social intensa que não permitia espaço
algum para outros sentimentos.4 Reconhecia-se ao homem (e a ele
exclusivamente) tão-somente uma função econômica, distanciando-o
progressivamente, no sentido literal e figurado, de seus filhos/filhas.5
Para Nolasco6, o que se tem denominado de mudança de
comportamento dos homens, na verdade é uma “autorização social”
para que estes participem de atividades até então consideradas
femininas.
Sem dúvida, estamos diante de um contexto social que, no
mínimo, favorece uma reflexão sobre uma possível evolução de
conceitos, como também, na esteira dessa progressão, a uma maior
4 A paternidade, portanto, era representada pela dureza no trato com os filhos/filhas, o que impedia a demonstração da emotividade ou da sensibilidade. Sentimentos esses que estão vinculados a representação do gênero feminino.5 BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 294.6 NOLASCO, Sócrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993, p. 17.
10
flexibilidade na jurisprudência, nos valores e visões por ela
consolidados.7
Essa análise estrutura-se em duas premissas destacadas por
Ridenti.8 A primeira nos informa que existem distinções socialmente
construídas de gênero e que definem atribuições específicas para
homens e mulheres no que se refere ao cuidado com os filhos/filhas. A
segunda identifica a normatização do direito de família, no caso
específico da guarda dos filhos/filhas, como um exemplo que expõe a
desigualdade de gênero nas relações familiares.
Assim, é necessário estimular a discussão sobre a importância
da participação masculina na criação de seus filhos/filhas, não apenas
como um direito que pode ser reivindicado em uma demanda judicial,
mas como uma possibilidade real para o casal estabelecer relações
mais igualitárias, a começar pela divisão das responsabilidades
familiares.
Sabemos que existe uma desigualdade no tratamento das
questões da parentalidade em nossa sociedade. Os sujeitos, de uma 7 MARQUES, Claudia Lima et. al. Igualdade entre filhos no direito brasileiro atual – Direito pós-moderno? Revista dos Tribunais, São Paulo, a.88, v.764, p. 13-14, jun. 1999.8 RIDENTI, Sandra. A desigualdade de gênero nas relações parentais: o exemplo da custódia dos filhos. In: ARILHA, M., RIDENTI, S. G. U., MEDRADO, B. (Orgs.). Homens e masculinidade: atrás da palavra. São Paulo: ECOS/ED. 34, 1998, p. 163.
11
maneira geral, não estão preparados para responder positivamente à
necessidade de divisão das responsabilidades sobre a educação e
criação dos filhos/filhas. Entretanto, tal constatação deve ser
vislumbrada também à luz das recentes transformações socioculturais
ocorridas na sociedade e na família, nas últimas décadas. Sem dúvida,
o panorama das relações humanas na sociedade contemporânea
encaminha-se para uma revisitação e reestruturação de paradigmas.
1.1.1 As relações parentais na sociedade contemporânea
As relações sociais e, como não poderia deixar de ser, as
relações parentais se dão em determinado contexto histórico.
Observamos, ao passar dos anos, a intermitente modificação dos
costumes e do comportamento humano.
Estudos realizados nas últimas três décadas atestam
inequivocamente o processo de transformações socioculturais porque
passaram homens e mulheres9.
9 Nesse sentido alguns trabalhos destacam as transformações estruturais na formação e desenvolvimento da família: BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985; BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Novos contornos do direito da filiação: a dimensão afetiva das relações parentais. Revista da Ajuris, Porto Alegre, a.XXVI, n.78, p. 193-216, jun. 2000; DOLTO, Françoise. Quando os pais se separam. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1989; RAMIRES, Vera Regina. O exercício da paternidade hoje. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 1997.
12
Tais mudanças tornam-se cada vez mais decisivas para a
flexibilização da estrutura familiar vigente. A maior participação das
mulheres no mercado de trabalho, o movimento feminista, o
incremento dos métodos anticoncepcionais, possibilitando à mulher
um controle do próprio corpo e da sexualidade, iniciaram um processo
de mudança na sociedade, sobretudo, nas camadas mais abastadas da
população.10
Entretanto, a experiência cotidiana e a literatura em geral nos
informam que as mudanças não foram suficientes para modificar a
rígida divisão de papéis sexuais, tanto no espaço público do mercado –
reservado primordialmente aos homens - quanto na esfera privada das
relações familiares.
Os diferentes papéis assumidos pela mulher trouxeram uma
nova configuração da maternidade, o que, por sua vez, implicou uma
nova organização para o exercício da paternidade na família do final
do século XX, início do século XXI, uma vez que o padrão antigo não
mais respondia às necessidades e possibilidades dessa família.
10 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 24.
13
Especula-se que tais transformações seriam responsáveis pela
atual insegurança masculina diante da mulher independente e pela
formação de um “novo“ homem, de um “novo pai”, aspectos
constantemente explorados pela mídia, e que se tornaram objeto de
pesquisas acadêmicas e projetos de intervenção.11
Contrapondo tal proposição, Nolasco infere que os homens
estariam reagindo dessa forma haja visto que foram premiados através
de uma “autorização social”. Através dessa “autorização social”
geradora de reconhecimento e valorização, os homens poderiam entrar
em contato com situações cotidianas e sensações que até então lhes
eram interditadas. Assim, os homens interessados em repensar sua
forma de adesão à vida começam a avaliar o “preço que pagam” para
manter uma representação da masculinidade calcada na demonstração
de poder e dureza, e se perguntam se vale a pena sustentá-la.12
Concepções sobre o masculino como sinônimo de macheza,
virilidade, heterossexualidade e força têm sido questionadas, tanto por
1 1 Sobre projetos e pesquisas relacionados à temática da masculinidade e paternidade ver: Projeto Homens, Saúde e Vida Cotidiana, desenvolvido pelo NESC (Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva/UFRJ) em parceria com a ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ), PAPAI – Programa de Apoio ao Pai, com sede na Universidade Federal de Pernambuco e apoio da Fundação MacArthur, GESMAP - Grupo de Estudos sobre Sexualidade Masculina e Paternidade, formado pela organização não-governamental Estudos e Comunicação em Sexualidade e Reprodução Humana (ECOS) e CES – Centro de Educação para a Saúde, que trabalha com a capacitação de agentes multiplicadores de saúde na região do ABC paulista.1 2 NOLASCO, Sócrates. Op. cit., p. 17-18.
14
estudiosos, quanto por grupo de homens, e o que se percebe é a
coexistência de diversas masculinidades.13
Contrários à adoção de atitudes distantes, padronizadas e
inexpressivas afetivamente, os homens procuram um contato diário
com seus filhos/filhas, e tentam compreender as principais ansiedades
e angústias que sentem em relação à paternidade que desejam exercer
em relação aos seus, contrariamente ao que experimentaram com seus
próprios pais.
As tratativas para uma nova representação masculina passam
por uma reavaliação de valores do sistema tradicional, a fim de que
seja possível reconhecer e incorporar tanto a sensibilidade quanto a
emotividade, noções complementares, mas que para os homens em
geral constituem-se em conteúdos que lhes causam estranheza.
Os estudos que se prestam à análise da família apresentam
poucas informações sobre os homens no que se refere ao espaço
doméstico ou sobre os efeitos da masculinidade, nas mulheres, nas
1 3 RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 164-165.
15
crianças e nos próprios homens. É priorizada a importância do papel
dos homens como o provedor das necessidades materiais da família.14
As publicações em geral privilegiaram, ao longo da história, a
descrição da maternidade, a relação mãe-filho/filha, características e
peculiaridades. Quanto ao exercício da paternidade, existe uma
lacuna.
Ramires15 deduz que o modelo do pai-provedor, exercendo sua
principal função no espaço público, distante dos filhos/filhas,
representante da autoridade e da lei, mais temido do que respeitado,
foi sendo constituído ao longo da história e consolidou-se como
patrimônio da família nuclear burguesa e patriarcal. Tal relação de
autoridade e dependência entre pai e filhos/filhas, longe de ser natural,
seria historicamente determinada pelas relações sociais e culturais de
cada sociedade.
Pergunta-se, então, o que teria motivado o redirecionamento das
discussões que tratam do envolvimento masculino em áreas como a
reprodução, paternidade e sexualidade?
1 4 O silêncio sobre a história da paternidade implica uma ignorância sobre as representações de homem e de pai. Alguns autores lastimam a falta de um movimento comparável ao feminismo moderno que estimulasse o estudo dos varões. (RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 25.)1 5 Idem, p. 27.
16
Para Nolasco, esse processo de discussão sobre os papéis de
gênero no Brasil é mais visível a partir dos movimentos de
contracultura, nos anos 60, na qual os “hippies” apresentaram os
primeiros sinais desta “mistura confusional”.16
Ridenti acredita que esse interesse está relacionado à
constatação de que a compreensão e o conhecimento das práticas
masculinas podem contribuir para melhorar os resultados de
programas voltados para a saúde das crianças, para a prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis e nas decisões sobre
planejamento familiar.17
De outra forma, com a entrada das mulheres-mães no mercado
de trabalho, os pais foram chamados a se ocupar das tarefas de
cuidado com os filhos/filhas. Além desse chamamento para o
exercício de atividades até então exclusivas das mulheres, há indícios
1 6 NOLASCO, Sócrates. Op. cit., p. 22-23.1 7 A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento de 1994 e a IV Conferência da Mulher em Beijin/China de 1995 definiu como uma de suas propostas a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em todos os âmbitos, inclusive na vida familiar e comunitária. O relatório do seminário sobre a participação do homem na família, elaborado para o UNICEF por Patrice Engle (1995), aponta como principal resultado das discussões a emergência do papel do pai para a promoção da igualdade entre os gêneros. (RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 165).
17
de um desejo masculino18 em ampliar seu envolvimento na criação da
prole, segundo Ridenti.19
A ocupação de espaços públicos até então exclusiva para os
homens, a maior liberdade para o exercício da sexualidade, as
conquistas referentes aos direitos trabalhistas e reprodutivos,
favoreceram, de certa forma, alguma participação masculina na esfera
doméstica e no cuidado com os filhos/filhas, alterando os arranjos
domésticos e instituindo outras formas de relação entre homens e
mulheres e entre adultos e crianças.20
Na prática, podemos observar um número significativo de
homens assumindo as mais diversas tarefas com as crianças e com a
casa. Eles certamente querem “compartilhar” com a mãe, mas não
inverter os papéis.
É inegável que estamos vivendo um período diferenciado com
mudanças significativas. Badinter21 afirma que o fim do patriarcado
1 8 Este desejo masculino se traduz no interesse em rever conhecimentos sobre o papel dos homens na família, sobre sua sexualidade e vida reprodutiva. Embora os homens, ainda hoje, tragam uma consciência sobre eles mesmos produzida por conceitos vagos de autoridade e tradição como referência para definição do papel masculino, há uma busca por formas alternativas de masculinidade, de relações entre os sexos, de ruptura com os estereótipos vigentes, situação evidenciada pelo crescimento de projetos que discutem os atributos da masculinidade.1 9 RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 166.2 0 Idem, p. 167.2 1 BADINTER, Elizabeth. XY: Sobre a identidade masculina. Op. cit., p. 171.
18
anuncia uma paternidade completamente diferente. Em seus estudos,
esta autora demonstra a necessidade que os meninos têm do pai nos
dois primeiros anos de vida. Esta constatação revela uma perspectiva
que, até então, não se considerava, uma vez que a díade
mãe-filho/filha era considerada imprescindível para a estruturação do
sujeito, ao mesmo tempo em que o papel do pai era reivindicado para
um momento posterior no desenvolvimento da criança.
Aberastury22 destaca a importância que tem a figura paterna
desde os primeiros dias de vida de uma criança. Dessa maneira, se um
pai tem alguma importância como fonte de identificação em um
primeiro momento do desenvolvimento do indivíduo, é possível
compreender então que um pai ausente provoque na criança um sério
déficit em sua identidade. Em conseqüência, caso a criança não tenha
oportunidade de experenciar o contato com o gênero masculino,
mesmo que não seja necessariamente seu pai biológico23,
2 2 ABERASTURY, Arminda, SALAS, Eduardo J. A Paternidade – um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984, p. 68.2 3 Hoje, sabe-se que um pai e uma mãe substitutos podem satisfazer as necessidades básicas de uma criança tanto quanto os pais biológicos. Isto significa, em outras palavras, que é desejável para o desenvolvimento da criança a convivência com um indivíduo que ofereça os referenciais do gênero feminino e outro, do gênero masculino, a fim de serem fontes de identificação nos diferentes níveis do desenvolvimento infantil. Nesse sentido a professora Maria Cláudia Crespo Brauner aponta a desnecessidade da determinação de uma descendência genética para o estabelecimento de uma autêntica relação pai e filho/filha, uma vez que esta é percebida em relação a subjetividade dos laços afetivos. (BRAUNER, Maria Cláudia C. Novos contornos do direito da filiação: a dimensão afetiva das relações parentais. Revista da Ajuris, Porto Alegre, a.XXVI, n.78, p. 193-216, jun. 2000.)
19
provavelmente terá dificuldades em assumir-se como homem ou como
mulher.
As conseqüências da carência paterna são tão graves como as da
materna, mas só recentemente foram estudadas com profundidade24.
No entanto, mesmo com a necessidade de uma divisão mais
equilibrada das tarefas cotidianas entre pai e mãe em relação aos
cuidados que requer uma criança, não raro observamos uma rivalidade
entre o casal, situada na esfera individual, em função, primeiro da
dificuldade que o homem tem em assumir sua paternidade, em
segundo, da mulher em ceder parte desse seu “lugar de poder”,
fazendo com que a posse do filho/filha se torne um campo de disputa
mais do que de união.
Quando a mãe perde seu papel preeminente, ela tem uma grande
dificuldade de enfrentar a idéia de que o filho/filha não é um
prolongamento de si mesma. A criança pertence também a uma outra
pessoa e identifica-se com esse “intruso”.
Entretanto, é possível afirmar que estejamos passando por um
processo de ressignificação da paternidade, operada por homens-pais
2 4 ABERASTURY, Arminda; SALAS, Eduardo J. Op. cit., p.80.
20
que compartilham da responsabilidade com o cuidado de sua prole e
por isso requerem ao Judiciário – em situação de igualdade25 com as
mulheres – a guarda dos filhos/filhas26. Avaliamos que tal processo de
envolvimento masculino nas atribuições domésticas e nas questões
sobre saúde reprodutiva e sexualidade é de fundamental importância
para a garantia da igualdade entre os sexos.
É preciso, entretanto, admitir que o homem fora despojado de
sua paternidade. A partir do século XVIII, após as primeiras
publicações a respeito do aleitamento e do cuidado pessoal das mães
para com seus filhos/filhas, o amor materno passa a ser um valor ao
mesmo tempo natural e social, favorável à espécie e à sociedade.27
A associação das palavras “amor” e “materno” deram
significado para a promoção do sentimento, como também da mulher
desenvolvendo seu papel de mãe. Dessa forma, desloca-se o foco
25 A expressão “igualdade” utilizada neste contexto refere-se às hipóteses formais de possibilidade jurídica de um pedido de guarda de filhos/filhas requerido pelo pai. Na verdade, a magistratura brasileira, embasada em um discurso psicanalítico já ultrapassado, reforça uma compreensão de que os filhos/filhas devam permanecer com a mãe dada a “natureza” peculiar da condição feminina para o manejo destas questões. Nesse sentido Sérgio Gischkow Pereira assim afirma: “[...] a preferência de guarda dos filhos menores deve continuar com a mãe, pois as regras correspondentes não visam desigualar marido e mulher, mas sim e só a proteção dos filhos.” (PEREIRA, Sérgio Gischkow. Algumas reflexões sobre a igualdade dos cônjuges. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Direitos de família e do menor. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 121). 2 6 Badinter observa que, embora esteja crescendo o número de pais que educam sozinhos seus filhos/filhas, no Ocidente, a maioria dos pais divorciados não tem a guarda dos filho/filha e somente uma minoria reivindica, quando da separação. (BADINTER, Elizabeth. XY: Sobre a identidade masculina. Op. cit., p. 173.)2 7 BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado. Op. cit., p. 146.
21
ideológico da autoridade para o amor, da figura materna em
detrimento da paterna, que passa a experimentar uma certa
obscuridade no cenário familiar.
Entre a mãe e o Estado, que usurparam, cada qual a seu modo, o
essencial das funções paternas, Badinter28 questiona sobre o papel que
estaria destinado ao pai. Por um certo tempo, teve-se a impressão de
que a qualidade paterna poderia ser medida mais pela sua capacidade
de sustentar a família do que por qualquer laço afetivo.
A mesma autora assim se expressa sobre a dificuldade de pais e
mães em transformar as tradicionais hipóteses de atribuição da guarda:
“Os movimentos pela condição paterna e masculina acusam unanimemente os juízes de sexismo, por confiar as crianças sistematicamente à mãe. Mas é mais provável que a persistência do modelo tradicional que santifica a díade mãe/criança receba a aprovação unânime do juiz, do pai e da mãe. O pai nem mesmo pensa em pedir a guarda, e a mãe não imagina que a possa entregar a ele”.29
Muito embora tenhamos obtido significativos avanços e
conquistas na redefinição dos papéis sociais, ainda existem
2 8 Idem, p. 293.2 9 BADINTER, Elizabeth. XY: Sobre a identidade masculina. Op. cit., p. 173-174.
22
expressivos nichos de marginalização e exclusão social. Os processos
de naturalização que a sociedade engendra são capazes de constituir e
definir as identidades dos sujeitos, construindo, assim, muitas das
falácias sobre a maternidade e a paternidade.
1.1.2 A constituição das identidades de gênero: somente as
mulheres maternam30?
Tendo como palco a organização social contemporânea,
caracterizada pela divisão do trabalho por sexo, sabemos que o
significado da maternidade está muito próximo ao elemento de
constituição fisiológica da mulher. Em outras palavras, para
expressiva parcela das pessoas, a gravidez torna, imediatamente, a
mulher apta para o exercício da maternidade. E o homem, em
contrapartida, poderá participar deste momento como um mero
espectador. Essa noção do senso comum impede que se pense em
homens com capacidade para cuidar dos próprios filhos/filhas.
Entretanto, é necessário questionar por que o cuidado com as crianças
não faz parte do papel do gênero masculino. Não faria o menor
sentido vislumbrar a possibilidade de um compartilhamento da guarda
3 0 Maternar define o cuidado e o atendimento necessários no trato com os filhos/filhas.
23
dos filhos/filhas, se o pai não pudesse efetivamente responder às
necessidades destes.
Para Scott31, não é suficiente constatar que a ideologia de
gênero reflete as estruturas sociais e econômicas. É preciso analisar e
compreender as relações complexas existentes entre sociedade e
estrutura psíquica dos indivíduos que a compõem.
A construção das noções de gênero, portanto, deve ser
elaborada também no âmbito da subjetividade e não apenas no
contexto histórico-social.
A reprodução da maternagem32 acontece - paralelamente à
negação da participação do homem na criação e no cuidado de seus
3 1 SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade. Porto Alegre, 16(2):5-22, 1990.3 2 O termo maternagem foi cunhado por D. W. Winicott para descrever os cuidados maternos dispensados ao bebê e à criança. (NICK, Sergio Eduardo. Guarda compartilhada: um novo enfoque no cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados. In: BARRETO, Vicente (Coord.). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 136 – nota 3). Encontramos no dicionário a seguinte definição: “Maternagem traduz a relação calorosa e amiga com a mãe ou com aquela que a substitui”. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1298). Na linguagem psicanalítica, o termo é utilizado para designar o comportamento de proporcionar cuidados e atender às necessidades das crianças e está vinculado às figuras da mãe e da mulher. (RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 100). Entretanto, para Badinter, ao contrário, a “maternagem” não tem sexo. Constitui-se numa experiência pedagógica tanto para homens quanto para mulheres, a qual se aprende fazendo. (BADINTER, Elizabeth. XY: Sobre a identidade masculina. Op. cit., p. 178.) Estabelecer um conceito de maternagem atrelado aos cuidados dedicados por figuras femininas significa limitar seu conteúdo engendrando, assim, mais uma forma de exclusão do homem sobre a possibilidade de se tornar, desde logo, tão próximo e responsável por sua cria quanto a mulher. A linguagem utilizada nesse sentido torna-se um forte argumento de consolidação da expressão de um pensamento dominante: mulheres maternam porque assim sua constituição determina não havendo espaço, portanto para tentativas e erros. Os pais poderão melhor auxiliar quanto menos atrapalharem.
24
filhos/filhas - através de processos psicológicos que são
estruturalmente induzidos. Alguns autores rejeitam o argumento
extraído da natureza, baseado no pressuposto biológico. Entende-se
que há uma transposição social e cultural das funções reprodutivas
fisiológicas. Enfim, não se trata apenas de aquisições
comportamentais, mas sim de capacidades e principalmente de
identificações, que devem estar integradas na personalidade, na
estrutura psíquica de homens e mulheres.
Maternar ou proporcionar cuidados infantis faz parte do
universo feminino, portanto, aproximar-se do cuidado dos filhos/filhas
significa para os homens uma aproximação perigosa de identificação
com aspectos do papel de gênero de sua própria mãe, que foram
necessariamente reprimidos e negados com a finalidade de garantir
sua identidade de gênero e masculinidade.33
A maternagem das mulheres no espaço doméstico e a exclusão
dos homens dessa esfera são aspectos de uma organização social de
gênero sustentada e reproduzida também pelas estruturas de
personalidade masculina e feminina. Portanto, a biologia e o instinto
3 3 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 46.
25
por si não explicam a divisão sexual do trabalho. O significado das
diferenças individuais entre os sexos não se define biologicamente34.
A diferença significativa entre meninos e meninas, gerada pela
maternagem exclusiva de mulheres – base do relacionamento primário
-, determina que a personalidade masculina seja definida em termos da
negação da feminilidade, ao passo que a personalidade feminina vem
a incluir uma definição fundamental do “eu” em relacionamento. Essa
base relacional ampliada nas mulheres e inibida nos homens, se deve
menos a fatores da “natureza” do que às experiências e relações
através das quais se constituem enquanto sujeitos psicológicos e
sociais.35
Sendo assim, podemos deduzir que a concepção do “natural” se
contrapõe a do “naturalizado”. A guarda, preferencialmente atribuída
às mães, revela uma imposição da sociedade sob o argumento da
naturalidade, resultando, assim, em um processo de naturalização
inscrito em uma ideologia que se pretende dominante. A partir deste
argumento, podemos então redimensionar o conteúdo da paternidade,
3 4 Embora saibamos que a anatomia não confere sentido e significado aos gêneros, Nolasco constatou em sua pesquisa para a dissertação de mestrado que os homens não conseguem ainda perceber ou compreender o significado das diferenças individuais entre os sexos caso elas não estejam definidas biologicamente. (Identidade masculina: um estudo sobre o homem de classe média. Departamento de Psicologia. PUC- RJ, 1988. Apud NOLASCO, Sócrates. Op. cit., p. 25.)3 5 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 50-51.
26
ampliando, assim, suas bases de significação. Dessa forma,
perceberemos que os homens-pais também são capazes de maternar,
porque a maternagem não é um processo “natural”, é, sobretudo, uma
experiência pedagógica.
1.1.3 A ressignificação da paternidade: o fenômeno da
maternagem nos homens
Podemos afirmar que o desejo de maternidade é inerente a toda
e qualquer mulher? De outra forma, é possível dizer que homens não
são capazes de conferir afeto, proteção e cuidados aos filhos/filhas?
Ser pai implica distinção e diferenciação dos cuidados maternais?
Essas questões nos permitem refletir sobre que espécie de pais
queremos para compartilhar as responsabilidades parentais.
Contudo, ao falar deste processo de ressignificação da
paternidade há que se determinar de quem se está falando. Existe um
contexto social determinado que poderá favorecer tais
transformações? Ridenti36 afirma que boa parte dos estudos se refere a
indivíduos de camadas médias urbanas onde coexistem códigos
3 6 RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 167-168.
27
individualistas e hierárquicos na construção da visão de mundo e na
organização das relações sociais.
No entanto, isso não significa que outros segmentos sociais
menos privilegiados não possam apresentar sinais dessas
transformações nos papéis sociais e parentais. Os projetos de
intervenção social, gerenciados tanto por universidades, quanto por
organizações não-governamentais, demonstram que é possível
trabalhar assuntos como sexualidade, paternidade, violência, saúde
reprodutiva, relações de gênero e identidade masculina em camadas
sociais menos privilegiadas.37
Alguns estudiosos de uma corrente psicanalítica mais recente38
constatam uma mudança nas funções do pai nas sociedades
urbanizadas ocidentais. Acredita-se que o desejo de maternidade não é
exclusivo das mulheres. Suas observações indicam que o pai pode
desempenhar bastante bem o papel chamado maternante no cuidado
3 7 Na revista Perspectivas em Saúde e Direitos Reprodutivos, n. 3, de setembro de 2000, editada pela Fundação MacArthur, encontra-se o depoimento de um participante do grupo de reflexão de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro do projeto Homens, Saúde e Vida Cotidiana: “Aproveito este espaço para sonhar. Pelo menos aqui a gente pode sonhar”, p. 18.3 8 Nesse sentido ver AMANN-GAINOTTI, M.; BADOLATO, G. e CUDINI, S. “La paternité: nouvelles perspectives de la recherche”, Enfance, n.2, p. 121-129, 1984; LEBOVICI, Serge. O bebê, a mãe e o psicanalista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987; BRAZELTON, T., CRAMER, B. As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes, 1992; PARSEVAL, Geneviève D. A parte do pai. Porto Alegre: L&PM, 1986; OLIVIER, Christiane. Los hijos de Orestes. O la cuestión Del padre. Bueno Aires: Nueva Visión, 1995.
28
com os bebês, mostrando para tal uma grande habilidade, embora sua
conduta possui aspectos diferenciados em relação à da mãe.39
Uma observação da relação pai-bebê ao longo de 6 meses
revelou que os pais maternam tão bem quanto as mães, ou quase como
as mães. Contudo, Badinter alerta para uma condição essencial, a fim
de que essa relação possa ser simbiótica: o pai deverá adormecer sua
masculinidade tradicional. O puro macho, o mais duro dos duros, é
essencialmente inapto para a paternidade.40
A gravidez, o parto, a amamentação, a relação mãe-filho/filha
são fenômenos privilegiados na ideologia e no discurso social,
momentos importantes, mas essencialmente femininos, sendo que ao
pai restaria um papel de pouca relevância para a constituição psíquica
e social da criança.
Nossas representações culturais da paternidade e da
maternidade produzem um discurso baseado numa realidade
biológica. Dessa forma, a divisão social e sexual do trabalho, a
educação e o cuidado com as crianças são artificialmente atribuídos a
um ou outro sexo.3 9 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 72.4 0 BADINTER, Elizabeth. XY: Sobre a identidade masculina. Op. cit., p. 179.
29
Mesmo passando por esse processo de redefinições de papéis
sociais, entre as atribuições maternas e paternas, o cuidado com os
filhos/filhas continua sendo definido como uma tarefa precípua das
mulheres, mantendo-se, dessa forma, os homens como coadjuvantes
nessa atividade. É necessária uma mudança nas mentalidades das
pessoas, pois “enquanto se considerar que o instinto maternal supera
em intensidade o paternal, se formarão artificialmente gerações de
crianças criadas por mulheres”.41
Ridenti aponta uma explicação possível para este fenômeno: a
maternidade – e conseqüentemente a maternagem -, pela ligação com
o corpo, é ainda um elemento muito forte em nossa cultura,
determinando que cuidar seja uma atribuição exclusiva do gênero
feminino. As responsabilidades parentais são, pois, definidas
considerando como principal referência a mãe, a partir do princípio
biológico de que é no corpo dela que o bebê é concebido.42
A tradição patriarcal contribuiu para estruturar as relações
familiares em uma rígida divisão de atribuições.43 A atividade de 4 1 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 77.4 2 RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 169.4 3 Nesse sentido Ramires descreve a família burguesa do início do século XIX: “Os papéis sexuais, claramente divididos, atribuíam ao homem a função de prover materialmente a família e à mulher, a responsabilidade pelo cuidado da casa e a educação dos filhos/filhas. A equação homem espaço público e mulher espaço privado é tida como a mais natural organização de papéis, consagrando a dependência da mulher ao homem”. (Op. cit., p. 22.)
30
cuidar dos filhos/filhas é representada no imaginário social como uma
função natural da mulher e, por sua vez, o bom pai é aquele que
garante o exercício desta atividade. A paternagem se definiria social e
culturalmente desvinculada, portanto, do processo reprodutivo.44
O pai é definido socialmente ao promover a separação mãe-
filho/filha assegurando, assim, a socialização da criança na esfera
pública. Da mesma forma, embora homens e mulheres sejam,
atualmente, responsáveis pelo sustento do núcleo familiar,
socialmente espera-se que o homem seja o principal provedor. A
dimensão econômica da paternagem é reconhecida e valorizada
socialmente.
A conquista pelas mulheres de uma relativa igualdade na esfera
do trabalho se mantém ao lado da desigualdade de gênero na esfera
privada. Nessa contradição entremostra-se uma oposição entre dois
desejos distintos: o de compartilhar com os homens as
responsabilidades familiares e o de não abrir mão de um dos espaços
de poder que as mulheres têm.
4 4 RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 170.
31
O desejo de participação mais efetiva na criação e educação dos
filhos/filhas é latente no lugar de fala de alguns homens, mas ainda há
um senso comum que conserva as representações em torno de uma
maior importância da relação mãe-filho/filha, como também a certeza
de que nada substitui essa relação, apesar do desconforto crescente
que essa representação acarreta.45
As mulheres, por sua vez, também têm internalizado o modelo
que se lhes atribui, de maneira exclusiva, a total responsabilidade
pelos filhos/filhas. Durante muito tempo, sua existência ficou
circunscrita ao espaço doméstico. Esse espaço tornou-se a sua esfera
de poder, o “cantinho” destinado ao exercício de uma identidade de
um papel socialmente definido: a educação e formação das crianças.
Isso explica, para Ramires, a resistência e ambivalência das
mulheres em abrir mão do monopólio exercido junto aos filhos/filhas.
Por um lado, as mulheres foram obrigadas a reivindicar maior
participação dos homens, a partir do seu ingresso no mundo do
trabalho, por outro, vacilam quanto a dividir e compartilhar com os
homens os cuidados e responsabilidades em relação aos filhos/filhas.46
4 5 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 95.4 6 Idem, p. 99.
32
Em meio à construção de padrões mais igualitários nas relações
entre os sexos, observa-se o aumento recente nos casos de separação e
divórcio no Brasil47, e, conseqüentemente o aumento na disputa pela
guarda dos filhos/filhas.48
Os resultados de uma pesquisa49 demonstram e comprovam que
os homens são psicologicamente capazes de participar numa larga
escala de comportamentos maternantes, como cuidar dos filhos/filhas.
No que diz respeito a filhos/filhas, o pai somente está excluído
da gestação e da amamentação. Tudo indica que o fato de ter sido
afastado dos cuidados diretos dispensados às crianças não passa de
uma construção social, dependente também de fatores culturais,
econômicos e políticos.
De outra forma, como havíamos referido anteriormente, embora
o número de homens que solicitam a guarda dos filhos/filhas vem
crescendo, muitos se sentem inseguros quanto à possibilidade de
4 7 Sobre esses índices ver BERQUÓ, Elza. A família no século XXI: um enfoque demográfico. Revista Brasileira de Estudos de População,v.6, n.2, p.1-10, jul. dez. 1989 e OLIVEIRA, Mara C. A família brasileira do ano 2000. Revista Estudos Feministas, Rio de janeiro (IFCS/UFRJ), v.4, n.1, p.55-64, 1996.4 8 RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 171.4 9 Essa pesquisa foi realizada por Ramires e está publicada em sua obra já referida (Op. cit., p. 79-106.). Foram entrevistados 12 homens, todos eles pais, com idades entre 30 e 46 anos. Entre os entrevistados, 7 vivem em famílias nucleares e 5 em famílias monoparentais, sendo que os filhos/filhas destes últimos residem com suas mães. A tabela e análise dos dados dessa pesquisa podem ser verificados em sua obra já referida.
33
assumir essa tarefa mesmo entre a camada média intelectualizada.50
Essas concepções culturalmente forjadas – naturalizadas - estão
presentes no imaginário social em diferentes camadas sociais, bem
como, são valores apropriados pelo discurso jurídico. Invariavelmente,
verificamos que um juiz ou juíza decidirá a favor da mãe numa
disputa judicial pela guarda dos filhos/filhas, sobretudo se forem
pequenos. Esse tipo de decisão mostra que o cuidado com os
filhos/filhas é socialmente construído como sendo uma
responsabilidade da mulher. A atribuição da guarda dos filhos/filhas
após a separação permanece até hoje instituída como uma escolha
óbvia, “natural” e imutável. Com efeito, são raros os casos na
sociedade brasileira de guarda conjunta ou compartilhada dos
filhos/filhas, ou ainda delegada ao pai. Esse dogma é fruto de uma
organização tradicional de papéis de gênero, que condicionou a
estrutura familiar vigente, assim como a legislação em vigor.
5 0 Ridenti analisou a fala de dez homens casados, pais de filhos/filhas com idade entre 2 e 9 anos, que foram entrevistados para sua pesquisa de mestrado. Ao questionar a eles o que pensam sobre homens que, em caso de separação do casal, solicitam a custódia de seus filhos/filhas, todos afirmaram ser um direito do homem, porém, apenas dois foram taxativos ao responder que reivindicariam a guarda dos filhos/filhas. (RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 172-173). No mesmo sentido, alguns pais relatam o sentimento de que poderiam prejudicar o filho/filha caso se impusessem e lutassem para obter sua guarda: “No caso de separação depende da preparação de cada pai, acho que tem que ser feita uma análise profunda. Senão diz: Ah, não, a mãe, porque a mãe é que teve o filho, e tal. Eu não acho. Às vezes o pai tem mais condições, mais preparo, pode dar a eles (aos filhos/filhas) muito mais afetividade do que a mãe (...) ia ser uma briga muito grande... E eu acho até que se fosse pra poupar eles eu até abriria mão, deixaria que ela ficasse com eles...”(RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 91).
34
Ser pai e ser mãe, no entanto, é uma experiência que vai além
do fato biológico “natural”. Adquire o estatuto de uma experiência
psicológica, social, que pode ou não acontecer, independentemente do
fator biológico da fecundação e gestação.51
Assim sendo, é possível nos questionar sobre os modelos de
representação da paternidade. Determinados homens, de um
específico contexto social, estariam admitindo outras formas de
relacionamento com seus filhos/filhas? Que homem-pai é este? O que
é paternidade para ele?
1.1.4 A paternidade está mudando?
Conforme Ramires52, o desejo de participação dos homens na
criação de seus filhos/filhas, acompanhado de uma participação
efetiva crescente, de uma consciência maior do monopólio das
mulheres nessa tarefa e das limitações que sofrem em decorrência da
organização do trabalho no espaço público, da capacidade de
maternagem que demonstram, da reparação e reformulação do
5 1 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 103.5 2 Idem, p. 114-115.
35
relacionamento que tiveram com seus próprios pais, são fatores que
atestam a mudança nos modelos parentais.
Entretanto, Ridenti aponta para uma outra perspectiva. Esse
desejo do homem em envolver-se com os filhos/filhas e com as
atividades domésticas não significaria necessariamente uma
disponibilidade para a reorganização da divisão de tarefas e do ritmo
de seu trabalho. Seria possível, portanto, vislumbrar uma relativa
disposição para as necessidades dos filhos/filhas, mas não há indícios
de uma alteração na divisão das tarefas familiares.53
A mesma autora especula, ainda, sobre uma das dificuldades, de
ordem subjetiva, para a ampliação da participação masculina no
cuidado com os filhos/filhas: o “cuidar” é um conceito atribuído à
condição feminina. Argumentos como a “natural vocação materna”
para o cuidado, para a compreensão das necessidades da criança, têm
sido usados por médicos, educadores, psicólogos54, como também
pelos profissionais do direito.
5 3 Ridenti refere-se a “encaixes”, como por exemplo aproveitar o trajeto entre a casa e o trabalho para deixar o filho/filha na escola ou, então, levá-lo para alguma atividade extracurricular após o expediente do trabalho. (RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 174.)5 4 Idem, p. 175.
36
Para a superação dessas dificuldades devemos refletir sobre a
possibilidade dos cuidados infantis serem compartilhados,55 desde o
início, por homens e mulheres. Dessa forma, as crianças aprenderão
um novo modelo de relação, não mais hierárquico, excludente e
lastreado em relações de poder, mas sim de cooperação e
complementação. A estrutura psíquica dessas crianças passará então, a
se estabelecer de maneira diferente56.
No entanto, não é possível pensar numa reformulação estrutural
sem que se conjuguem as transformações sociais, políticas e
econômicas paralelamente a uma mudança de mentalidade. É
necessário que tal mudança, sobretudo na construção dos novos papéis
sociais, seja fortalecida por um processo de incremento nas políticas
públicas.
Quando o Estado assegura somente às mulheres trabalhadoras o
direito à creche, reforça-se sobremaneira a concepção de que os
cuidados primários devem ser exercidos pelas mulheres. Mesmo
sendo a relação mãe-filho/filha apenas mais uma relação entre tantas
outras, a maternagem e a paternagem estão estruturalmente
5 5 Ramires refere-se tanto às famílias nucleares como monoparentais, ventilando a hipótese de guarda compartilhada.5 6 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 115.
37
relacionados a arranjos e formulações ideológicas que acabam
justificando a divisão de trabalho por sexo.57
A própria legislação é um mecanismo que reforça as
desigualdades de gêneros58, ao mesmo tempo em que reforça
concepções institucionais sexistas. Em nenhum momento, a legislação
brasileira menciona a possibilidade da guarda dos filhos/filhas ser
atribuída ao pai, a não ser nos casos em que a mãe for considerada
incapaz por questões morais ou por doença grave. A figura da mãe
aparece como ”guardadora” natural dos filhos/filhas.
Portanto, a normatização referente às relações familiares atribui
a guarda dos filhos/filhas, invariavelmente, à mãe59. O discurso
jurídico apresenta como argumento a idéia de que deve prevalecer o
interesse da criança. Sendo assim, não haveria, necessariamente,
preferência pela mãe na guarda dos filhos/filhas. Mas o que se entende
por “interesse da criança?”.60 Quem define esse interesse e como isso
5 7 RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 175.5 8 A Constituição Federal de 1988 garante uma licença maternidade de 120 dias, e para os homens é prevista uma licença de 5 dias. Em alguns países desenvolvidos, existe a possibilidade de que a licença seja dividida entre o homem e a mulher, com a opção por trabalho de meio turno para ambos. Com essa medida homens e mulheres não sofreriam prejuízos no seu desenvolvimento profissional. (Idem, p. 175)5 9 O art. 5º, I da Constituição Federal assegura que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Embora seja assegurado o princípio da igualdade entre todos, a guarda dos filhos/filhas é reiteradamente atribuída à mãe.6 0 Numa tentativa de busca de uma maior precisão desta expressão remetemos o leitor ao item 2.2- O interesse da criança ou adolescente como critério de controle e solução, desta monografia.
38
é feito? Ao tentar circunscrever o “interesse da criança” entram em
cena valores morais, significados de masculino e feminino, que
definem as atribuições maternas e paternas e, conseqüentemente,
influenciam as decisões judiciais. Por trás do discurso jurídico e do
senso comum se escondem valores morais e culturais sobre o que deve
ser a boa maternagem e paternagem, até o momento pouco
questionados à luz das atuais mudanças nas relações parentais. Ao não
se explicitar o direito do pai à guarda dos filhos/filhas, o direito
corrobora certas concepções.61
Ainda que a Constituição Federal de 1988 tenha como um de
seus princípios o respeito à dignidade humana e à igualdade de todos,
o discurso jurídico operacionalizado através da jurisprudência
nacional é abundante em decisões fundamentadas em modelos
idealizados de construção das relações familiares, notadamente, em
relação à possibilidade de um pai reivindicar um espaço privilegiado
da mãe. É possível que, mesmo diante da promulgação da
Constituição Federal, o ideal de família contemporânea permaneça
igual ao do Código Civil?
6 1 RIDENTI, Sandra. Op. cit., p. 180.
39
1.2 Os processos de descodificação e constitucionalização na
formação da família plural: a reconstrução de conceitos
O ordenamento brasileiro atravessa um período de profundas
alterações de paradigmas. Após a promulgação da Constituição
Federal de 1988, observamos um processo de descodificação e
constitucionalização de institutos nas variadas esferas da jurisdição.
Ressaltamos a importância dessa releitura, sobretudo no direito de
família.
O Código Civil brasileiro, marcado pelo predomínio do
conteúdo patrimonial das relações jurídicas, tutelou a família
patriarcal, fundada na segurança jurídica do matrimônio civil. A
exemplo de outros com origem no pensamento do século XIX é um
código que subordina o “ser” ao “ter”.62 6 2 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 2000, p. 31. Descrevendo e analisando o “ser” e o “ter” no âmbito da codificação civil brasileira, Jussara Meirelles esclarece que a pessoa assentada nas codificações do século XIX, é pólo de relações jurídicas, é centro de interesses que se relacionam e, portanto, carrega em si um patrimônio. Nesse sentido, para exercer direitos e contrair obrigações precisa identificar-se com um nome e um registro, ter a idade que a lei quer que tenha (ou alguém deverá representá-la ou assisti-la), ter condições de emitir sua vontade (ou alguém por ela), enfim, precisa apresentar-se, acima de simplesmente ser. Nesse delineamento abstrato, decorrente de uma noção formal das relações jurídicas, as pessoas são consideradas sujeitos, não porque reconhecida sua natureza humana e dignidade, mas na medida em que a lei lhes atribui faculdades e poderes ou exigindo o cumprimento de deveres. Assim, pessoa é aquela que compra, que vende, que testa; enfim, aquela que reúne condições de desenvolver atividades no sentido proprietarista do Código Civil brasileiro. Esse sujeito que a lei civil define como tal é o homem, mas esse mesmo homem definido como sujeito de direito muitas vezes passa pelo mundo sem ter tido as mínimas condições necessárias à sua sobrevivência. (MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 88-91).
40
A igualdade, apenas para referir um exemplo, fundada em uma
abstração da idéia de pessoa, partindo de um pressuposto meramente
formal, baseado na autonomia da vontade e na iniciativa privada,
contém em si mesma um paradoxo: a prevalência dos valores relativos
à apropriação de bens sobre o ser, impedindo a efetiva valorização da
dignidade humana, o respeito à justiça distributiva e à igualdade
material ou substancial.63
A edição de um número cada vez maior de leis especiais,
provocando verdadeira descentralização do sistema de direito privado,
impensável na perspectiva dos idealizadores da codificação – baseado
no individualismo-capitalista, firmado para regular a vida em
sociedade como documento completo e único -, excluiu o monismo
consagrado no Código Civil, para que se pudesse atender as demandas
sociais.64
A recepção da proteção dos interesses sociais, paralelamente
aos individuais, convertidos num Estado de Bem-Estar Social (welfare
state), cuja intervenção na esfera privada é uma de suas
características, bem como a renovação da estrutura social e a
6 3 RAMOS, Carmem Lucia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 05.6 4 Idem, p. 06-07.
41
adaptação a uma nova realidade econômico-social, podem ser
apontadas como causas que provocaram uma diminuição no espaço de
projeção do Código Civil.
Diante das constantes transformações sociais e do desapego aos
dogmas e às categorias tradicionais do direito, nosso código passou a
dividir espaço com uma legislação melhor ajustada aos contornos das
novas relações jurídicas, sobretudo no âmbito da regulamentação da
vida privada, revelando um processo de descodificação.65
Na ficção jurídica de que o direito é um conjunto de relações
lógicas normatizadas, expressão de um paradigma de neutralidade,
atravessamos um período em que se reconhece sua necessária
funcionalidade e vinculação ao contexto histórico, embora ainda
mantida sua estrutura formal racionalista-liberal de organização. A
visão do fenômeno jurídico sob o ângulo da descodificação conduz a
leitura interdisciplinar do direito. Isto significa recepcionar o
pluralismo jurídico, admitindo, portanto, que o direito estatal concorra
com ordens independentes, devendo ser trabalhado a partir da
6 5 A relativização e a historicidade dos conceitos jurídicos favorecem uma compreensão do momento presente, entretanto, nos impõem uma análise diferenciada das categorias jurídicas. (TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual. In: ________. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 202.) De fato, o modelo ideal de uma relação jurídica contemplada nos nossos códigos não condiz com a diversidade fática.
42
articulação, da intercomunicação e da interpenetração entre estas
diversas ordens.66
A fragmentação do sistema unitário codificado, realizada
através da proliferação de leis extravagantes que reduzem o primado
do Código67, impuseram a promulgação da Constituição Federal de
1988, haja visto que as relações jurídicas já não encontravam resposta
a todas as questões no Código Civil.
A passagem da tutela das relações jurídicas particulares para a
esfera constitucional, o chamado fenômeno da constitucionalização68,
representa uma transformação no olhar das questões jurídicas. A
Constituição Federal, ao recepcionar temas compreendidos pela
dicotomia tradicional, operou transformações fundamentais no sistema
de direito civil clássico: a família, antes hierarquizada, passa a ser
igualitária no plano interno; substitui-se um perfil artificial, que via
como única fonte o casamento, tornando a família plural quanto à sua
origem.69
6 6 RAMOS, Carmem Lucia Silveira. Op. cit., p. 13.6 7 Segundo Ramos, um dos meios a partir dos quais se assumiu formalmente o esgotamento e insuficiência do modelo codificado para trabalhar a realidade foi a edição dos estatutos especiais, regulamentadores de temas específicos, típicos da realidade do século XX. Estes estatutos, anteriormente designados de leis extravagantes, foram editados em razão de pressões sociais, para atendimento das mais diversas necessidades [...]. (Idem, p. 07.)6 8 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 34.6 9 RAMOS, Carmem Lucia Silveira. Op. cit., p. 10-11.
43
Princípios constitucionais como a proteção à dignidade humana,
à igualdade entre homens e mulheres entre outros, uma vez inscritos
no texto constitucional, passaram a vincular todos os níveis do poder
estatal.
A Constituição Federal, ocupando um lugar hierarquicamente
superior – definindo uma tábua axiológica que condiciona a
interpretação de cada um dos setores do direito civil70 -, goza,
portanto, de superioridade jurídica em relação às outras normas, que
não terão existência legítima caso oponham-se a sua interpretação.
Dessa forma, a resolução de qualquer caso concreto deve ser pautada
nos valores e interesses esculpidos na Constituição, sob pena de não
encontrarem amparo para a aplicação a um caso concreto.
Como não poderia deixar de ser, a promulgação da Constituição
de 1988 chocou-se com um conjunto de normas que regulamentavam
as relações familiares. Tais normas, inspiradas e formadas com base
em um modelo patriarcal, hierarquizado e matrimonializado,
tornaram-se diametralmente opostas e incompatíveis com o novo
ordenamento jurídico.71
7 0 TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual. Op. cit., p.203.7 1 Nesse mesmo sentido, temos o exemplo da divisão dos papéis conjugais fundados em critérios sexuais. (CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p.35.)
44
Assim, diante desse contexto de conflito entre leis ordinárias e a
Constituição Federal, não podemos pretender adaptar a Constituição
aos códigos. É indispensável operar no sentido inverso, afirma
Tepedino.72
A transição entre o modelo codificado para o descodificado-
constitucional engendra uma convivência entre o plural e o singular,
expressada na conjugação entre a lei e a realidade. Portanto, faz-se
necessário avaliar as implicações da constitucionalização na ordem
das relações familiares.
Não podemos mais pensar em um único modelo de família, mas
sim em uma diversidade de organizações familiares que figuram, a seu
tempo, em bases constitucionais. Não há espaço para distinções ou
escala de valores entre as várias espécies de famílias.
1.2.1 A família no contexto da ordem constitucional
Com o processo de urbanização, costumes foram sendo
substituídos: a grande prole deu lugar a um número reduzido de
filhos/filhas. Esse número reduzido de filhos/filhas possibilitou um
7 2 TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual. Op. cit., p.206.
45
maior convívio e estreitamento das relações, permitindo que a
afetividade fosse erigida a elemento base da família, indicando, assim,
uma modificação no modelo tradicional de constituição familiar.73
Estes aspectos contribuíram para que se instalasse um
descompasso entre o discurso jurídico e a pluralidade social, esta se
impondo ao direito como realidade inafastável e, por outro lado,
impulsionadora de uma mobilização dos núcleos familiares para que
buscassem alternativas para uma maior proteção dos seus interesses.
Diante de um número crescente de questões controvertidas
relacionadas à família, descortinando o anacronismo da legislação
brasileira, o legislador constituinte estabeleceu um tratamento
igualitário entre homens e mulheres, entre os filhos/filhas, bem como
reconheceu a composição dos novos arranjos familiares, as entidades
familiares, sejam elas nucleares, sejam monoparentais, sejam
reconstituídas. Como bem assegura Carbonera: “a verdade social não
se ateve à verdade jurídica e os fatos afrontaram e transformaram o
Direito”.74
7 3 CARBONERA, Silvana M. O papel jurídico do afeto nas relações jurídicas. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 283.7 4 Idem, p. 290.
46
A concepção jurídica de família, gradativamente construída,
deslocou-se do aspecto desigual, formal e patrimonial para o aspecto
pessoal e igualitário. Os anseios relacionados à família receberam
ampla proteção constitucional, tendo a dignidade e a igualdade como
princípios orientadores.
Paralelamente ao esforço de constitucionalização de institutos
do direito civil, observamos a remodelação do conteúdo dos papéis
existentes e a primazia pela proteção à pessoa nas leis editadas
posteriormente. Imprimiu-se uma “nova tábua de valores”,75 onde a
tutela da dignidade humana refletiu diretamente nos valores fundantes
das relações parentais e familiares.76
A família contemporânea, fundada nos valores da classe média,
com sua formação caracterizada pelos laços de afetividade, respeito às
individualidades e, sobretudo, com garantias de igualdade entre seus
membros, passa a ter como principal parâmetro legal a Constituição
Federal de 1988.
7 5 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações de família. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Direitos de família e do menor. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 48.7 6 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 36.
47
A tutela jurídica destinada ao grupo familiar originado do
vínculo matrimonial já não é o único destinatário de reconhecimento.
Acima da exigência do vínculo jurídico, há a proteção à formação
social que apresente as condições de estabilidade e responsabilidade
social necessárias ao desenvolvimento das potencialidades de cada um
de seus membros e ao manejo da educação dos filhos/filhas.
Levando-se em consideração as especificidades dos temas, a
leitura e a interpretação constitucional possibilitam uma intensa
atividade criativa, indispensável para garantir a efetiva proteção à
dignidade e aos direitos fundamentais dos indivíduos, inseridos ou não
nas variadas formações familiares.
O princípio da dignidade e o da igualdade da pessoa,
assegurados constitucionalmente, são os elementos pelos quais será
possível investigar a forma de regulamentação da família. Dentre as
várias possibilidades de investigação de questões pertinentes às
relações familiares, optamos pelo destaque ao tema da guarda dos
filhos/filhas nos casos de dissolução da união dos pais, notadamente
sobre a viabilidade jurídica de uma modalidade diferenciada: a guarda
compartilhada.
48
1.2.2 Os possíveis sentidos para a guarda
Para que seja possível analisarmos os sentidos e significados do
instituto da guarda, faz-se necessário contextualizarmos a família
sobre a qual este instituto está inserido.
A noção de família presente na Constituição Federal de 1988,
conjuntamente com seus princípios balizadores, provocou uma
importante alteração de paradigma no que tange ao tratamento jurídico
dispensado ao agrupamento familiar, especialmente de seus sujeitos.
A proteção exclusiva e hermética ao grupo familiar cedeu
espaço à valorização dos sujeitos individualmente considerados. De
um caráter transpessoal,77 a família passou a revelar uma comunidade
que privilegia a emotividade e a cooperação.
Diante desse quadro, a guarda de filhos/filhas constitui-se em
uma “figura de conceituação não muito simples”,78 cuja tentativa de
elaboração parecerá lacunosa, em princípio. As suas linhas gerais
7 7 A expressão utilizada tem o sentido dado por José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, que descrevem a concepção supra-individual e hierarquizada de família, tanto nas relações conjugais como nas paterno-filiais. (OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de família: direito matrimonial. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 1990, p. 16).7 8 BITTENCOURT, Edgard de Moura. Guarda de filhos. São Paulo: Universitária de Direito, 1981, p. 01.
49
revelam um conjunto de direitos e deveres afetos a uma pessoa, que
tem outra sob seus cuidados.79 Compreende-se, dessa forma, o aspecto
protetivo do instituto.80
Não obstante a complexidade da constituição de um conceito,
Carbonera esboça no seu texto o conteúdo da guarda agregando outros
elementos a essa noção:
“[...] instituto jurídico através do qual se atribui a uma pessoa, o guardião, um complexo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, colocada sob sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial”.81
A relação existente entre o guardião e a criança ou adolescente
sob os seus cuidados pode estar relacionada à presença ou não de
relações paterno-filiais. Neste aspecto, o exame da guarda pode ser
feito a partir do seu elemento gerador.
7 9 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 45.8 0 Fachin afirma que “[...] tal como modelada no âmbito do Código Civil brasileiro, a guarda caminha em direção à proteção, sob a égide da prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, na esteira do Estatuto da Criança e do Adolescente.” (FACHIN, Luiz Edson. Em nome do pai: Estudo sobre o sentido e o alcance do lugar jurídico ocupado no pátrio dever, na tutela e na curatela. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 590.)8 1 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 47-48.
50
Em geral, a guarda decorre de determinação legal,
especificamente nos casos de dissolução da sociedade conjugal, quer
na separação judicial ou no divórcio. Pode, ainda ser determinada
através de homologação de acordo nos casos de separação consensual
ou ser atribuída a um terceiro, seja na separação ou na constância da
união estável. Uma terceira possibilidade decorre de uma situação
faticamente constituída, na qual “alguém, sem intervenção do juiz,
toma a seu cargo a criação e educação do menor.” Neste caso, a
guarda cria um vínculo jurídico que só poderá ser desconstituído por
meio de uma decisão judicial.82
Na classificação de Carbonera83, tomando-se como elemento
informador a origem da relação jurídica que confere a guarda de uma
criança ou adolescente a alguém, duas seriam as possibilidades: ou
pode nascer por força de lei, neste caso tem a denominação de guarda
legal, ou originar-se de uma decisão judicial.
A guarda será legal quando, amparada em lei, prescinde de
qualquer intervenção judicial para que possa ser determinada. Esta
8 2 BITTENCOURT, Edgard de Moura. Op. cit., p. 19.8 3 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 50.
51
categoria contém uma relação paterno-filial, sendo exercida como um
atributo da autoridade parental.
Em situações onde a ausência ou o fim da união dos genitores
exige uma decisão para a determinação da guarda dos filhos/filhas, a
intervenção judicial surge para atribuir seu exercício unilateral, ou,
conforme a proposta deste trabalho, na modalidade compartilhada.84
Essas noções apresentadas sobre o instituto da guarda,
entretanto, prescindem de uma formulação sobre sua natureza jurídica.
1.2.3 A natureza jurídica da guarda
A atribuição da guarda pode assumir como enfoque principal
um direito ou um dever.
O Código Civil brasileiro destaca, inicialmente, a guarda como
um dos deveres decorrentes do casamento, obrigando, pois, ambos os
8 4 A classificação dos elementos geradores da guarda elaborada por Carbonera, especialmente no segundo aspecto, não menciona a possibilidade de sua atribuição na espécie compartilhada. Entretanto, é necessário destacar que sua compreensão se presta à uma divisão didática do tema, o que impõe o registro das inferências que foram realizadas tendo como base seu texto.
52
cônjuges.85 Da mesma forma, é atribuído aos conviventes esse dever
em relação à prole.86
Na perspectiva do Estatuto da Criança e do Adolescente, o tema
recebe tratamento diverso. Conforme a Doutrina da Proteção
Integral87, a criança e o adolescente tornam-se “prioridade imediata e
absoluta”,88 conferindo aos pais, aos responsáveis e ao Estado o dever
de protegê-las e cuidá-las.89 Uma vez tendo a criança merecido
proteção prioritária, a guarda tomaria feições de dever.90
A guarda recebe tratamento jurídico indireto, na lei 6.5151/77,
chamada Lei do Divórcio. O fim da união matrimonializada dos pais é
8 5 “Art. 231. São deveres de ambos os cônjuges: IV – sustento, guarda e educação dos filhos.”8 6 “Art. 2º. São direitos e deveres iguais dos conviventes: III – guarda, sustento e educação dos filhos comuns.” (Lei 9.278/96)8 7 O Brasil adotou formalmente a Doutrina da Proteção Integral no momento em que incorporou ao ordenamento jurídico a Convenção Internacional dos Direitos das Criança aprovada na ONU em 1989, através do Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990. (PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: a convivência familiar e comunitária como um direito fundamental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 647.)8 8 A esta altura, cabe perguntar por que motivos o constituinte brasileiro também assegurou uma prioridade absoluta às crianças. Uma prioridade é definida pela qualidade daquilo que está em primeiro lugar, por sua primazia. É possível que tal redundância cometida pelo legislador se revele numa tentativa de eleger a proteção das crianças como a primeira das prioridades apontadas no texto constitucional. É como se houvesse a necessidade de se estabelecer uma ordem entre as prioridades e, neste caso, não parece lógica tal estratégia, uma vez que não podemos estabelecer critérios para a enumeração de várias prioridades sob pena de não se propugnar por nenhuma delas.8 9 Tratam do princípio do interesse da criança: PEREIRA, Tânia da Silva. Op. cit.; BRUÑOL, Miguel Cillero. El interés superior del niño en el marco de la Convención Internacional sobre los Derechos del Niño. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, a.IV, v.5, p.43-62, p. 43-62.9 0 Carbonera afirma que a noção de dever pode ser deduzida do art. 22 do ECA, Lei 8.069/90: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.” (CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 60.)
53
empregado como elemento a ser considerado na atribuição da guarda.
Dessa forma, a guarda tinha contornos de um direito dos cônjuges,
atribuído pela lei ou por acordo entre os mesmos.
A doutrina nacional não é unânime quanto à determinação
mínima do conteúdo da guarda. Silvio Rodrigues entende que a
guarda, sob o ponto de vista da autoridade parental, é tanto um dever
quanto um direito dos pais.91 É um dever quando incumbe aos pais
criarem e guardarem os filhos/filhas, sob pena de abandono; em
contrapartida, será um direito no sentido da imprescindibilidade da
guarda para que possa ser exercida a vigilância, eis que o genitor é
civilmente responsável pelos atos do filho/filha.
Na mesma linha de argumentação, expõe Orlando Gomes que a
guarda é um dos atributos relativos à pessoa dos filhos/filhas, sendo
“simultaneamente um direito e um dever dos pais”.92
Percebemos, então, que não há um consenso doutrinário sobre o
tema. Entretanto, sendo um direito dos pais, um poder-dever93 ou um
9 1 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, v. 6, 2000, p. 347.9 2 GOMES, Orlando. Direito de família. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 374. 9 3 Strenger sugere que a guarda dos filhos/filhas é um poder-dever. (STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: LTr, 1998, p. 31.)
54
dever dos cônjuges ou conviventes, seu estudo deve ser abordado
tendo como princípio o interesse dos sujeitos da relação familiar.
Carbonera, por sua vez, conclui que a guarda compreendida
como um direito, um dever ou um complexo de direitos e deveres,
deve ser exercida tendo em conta o modelo jurídico de família em que
se desenvolve, respeitando os sujeitos envolvidos e permitindo a todos
que o crescimento individual seja efetivo e promova a realização de
todos os membros da família.94
A natureza jurídica da guarda, quer sendo direito ou dever,
revela o espaço de atuação dos sujeitos envolvidos. Dessa forma, é
possível afirmar que a destinação de um espaço de proteção às
garantias dos filhos/filhas realiza tanto seus próprios interesses,
quanto interesses dos pais e da sociedade em geral. Entretanto, para
um detalhamento da possibilidade de uma guarda compartilhada,
optamos por minudenciar o espaço dos filhos/filhas, no âmbito das
relações parentais, uma vez que o papel destes será de fundamental
importância para a construção da nossa proposta.
9 4 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p.65.
55
1.3.O espaço dos filhos/filhas na esfera das relações
familiares
O ordenamento jurídico codificado, respondendo à lógica de sua
concepção - normatizar toda e qualquer relação social - atribuiu e
ditou expressamente os papéis dos sujeitos da família.
Avaliando a disposição do artigo 380 do Código Civil
brasileiro, o legislador nomeou o marido como “chefe” do pátrio
poder.95. Entretanto, sem conseguir negar a presença da mulher,
conferiu-lhe o espaço de colaboradora, permitindo-lhe, assim, exercer
de forma subsidiária a autoridade parental. Dessa forma, fica
evidenciado a expressa referência aos papéis que eram atribuídos aos
cônjuges.
9 5 O termo “pátrio poder” será substituído por “autoridade parental” nesta monografia, tendo em vista os argumentos apresentados pela doutrina. Alguns autores têm preferido a expressão “autoridade parental” a “pátrio poder”, empregada no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente para indicar a tutela sobre a pessoa dos filhos/filhas, bem como em relação aos seus bens patrimoniais. Dolto, critica até mesmo a referência a “autoridade parental”. Em suas palavras, “mais valeria empregar o termo “responsabilidade parental”, uma vez que o termo autoridade já não corresponde à realidade da personalidade dos pais de hoje”. A autora afirma que as crianças percebem as carências de autoridade dos pais, no entanto, sabem que os pais são responsáveis por elas. (DOLTO, Françoise. Op. cit., p. 44) Fachin, explica que, com a supremacia das regras constitucionais, não há legitimidade para a expressão “pátrio poder”, pois esta remeteria a uma função não mais restrita ao pai, e sim diluída aos pais conjuntamente, por força do princípio da igualdade. Portanto, “falar-se-ia, um pouco melhor, em poderes e deveres parentais, expressão neutra, não discriminatória”. (FACHIN, Luiz Edson. Em nome do pai – estudo sobre o sentido e o alcance do lugar jurídico ocupado no pátrio dever, na tutela e na curatela. Op. cit., p. 593). Para Eduardo de Oliveira Leite, o termo pátrio poder mantém a conotação de “potestas” masculina, de origem romana. Em verdade, o pátrio poder seria muito mais um pátrio dever, não só pátrio, mas “parental”. (LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais – a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 192 – nota 17).
56
Quanto ao conteúdo do papel infantil, o Código Civil brasileiro
de 1916 se preocupa tão-somente com os papéis dos adultos, não
havendo preocupação do legislador em atribuir direitos ou deveres às
crianças e adolescentes. Em outras palavras, os filhos/filhas eram
adendos dos personagens principais, pertencentes a uma categoria que
gravitava em torno do mundo adulto.
Essa lacuna constatada na legislação retrata a ordem das
relações entre adultos e crianças na sociedade. A criança exercia um
papel secundário, e, por vezes, sua presença era irrelevante, já que a
concepção de sujeito de direito e a história eram centrados
preferencialmente nos homens adultos.
De outro modo, partindo da necessidade de concretização e
preenchimento do conteúdo do papel paterno, a criança era
considerada um elemento essencial naquela configuração patriarcal.96
Entretanto, para o conteúdo do papel materno, atuava essencialmente
como instrumento de inserção social, ou para satisfação de um
“instinto natural”.97
9 6 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 181.9 7 A expressão utilizada destaca-se num contexto específico: sociedade patriarcal, na qual o valor dominante era expressado através de um discurso sobre a maternidade como destino inarredável das mulheres.
57
A codificação, anterior a Constituição Federal e ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, construída sob a ótica adulta das relações
familiares e centrada na proteção dos interesses do grupo familiar,
produziu efeitos na situação jurídica também dos filhos/filhas.98
Modernamente, vivemos em tempos que alteraram o ponto de
concentração do direito de família, em que se deixa de pensar na
manutenção da instituição, para se tutelar os indivíduos, nos vínculos
que ligam este grupo e nos direitos fundamentais99 de cada um,
especialmente dos filhos/filhas.100
Segundo Tepedino, a Constituição Federal nos trouxe um
paradigma axiológico novo: a funcionalidade da família, na medida
em que se presta ao desenvolvimento da personalidade de seus
membros, devendo ser preservada como instrumento de tutela da
dignidade da pessoa humana.101
9 8 Tepedino infere que a unidade formal da família, como um valor em si, justificava inicialmente o sacrifício individual da mulher em favor da paz doméstica e da coesão formal da entidade familiar. Da mesma forma, os filhos/filhas deviam se sujeitar ao poder paterno, normalmente expressado através do castigo físico severo. (TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. Op. cit., p. 49-50.)9 9 Na definição do professor Anderson Lobato são direitos fundamentais aqueles inerentes à dignidade da pessoa humana, assegurados pela Constituição e conseqüentemente tutelados pelo Estado. (LOBATO, Anderson. O reconhecimento e as garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Revista da Faculdade de Direito, Curitiba, a.28, n.28, 1994/95, p. 115-116).1 0 0 MARQUES, Claudia Lima et. al. Op. cit., p. 14.1 0 1 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. Op. cit., p. 50.
58
A noção de afeto na formação e no desenvolvimento das
famílias, tanto nas relações entre adultos, quanto destes com as
crianças, tornou-se essencial, diante das transformações sociais pelas
quais a comunidade familiar passa.102 Nesse sentido, tornou-se
inevitável que a dimensão afetiva conquistasse uma visibilidade
jurídica, até então ignorada.
Dessa forma, para aqueles que se propõem a teorizar e fazer
direito de família é imprescindível conhecer as formas por que estão
sendo construídas as relações familiares. Com base nos argumentos de
outros autores e na observação das práticas cotidianas, destaca-se a
atividade legislativa na tentativa de não permanecer inerte no tempo.
Refletindo as modificações sociais, o conteúdo dos papéis familiares
foi sendo alterado, adequando-se às novas exigências do
desenvolvimento das relações familiares. É necessário, portanto, que
se investigue o contexto familiar pós-ruptura, a fim de reconhecer suas
especificidades e necessidades.
1.3.1 O que acontece quando os pais se separam?
1 0 2 CARBONERA, Silvana M. O papel jurídico do afeto nas relações jurídicas. Op. cit., p. 274.
59
Quando os pais se separam, os filhos/filhas são atingidos
sobremaneira pelas decisões parentais. A criança terá de lidar com sua
nova realidade, elaborando o luto pela perda da antiga vida familiar.
Este é um momento psicológico delicado, onde terá de ser elaborada a
reorganização da vida em família.103
Quanto menor for a criança, mais ela necessitará de um
ambiente externo estável e seguro, a fim de estabelecer dentro de si a
segurança emocional necessária ao seu desenvolvimento. A
recomendação geral é evitar grandes alterações em sua vida e rotina,
permanecendo tudo o que não for imprescindível mudar. As crianças
precisam de um continuum de espaço e tempo, do continuum afetivo e
social. Os referenciais de tempo e espaço são essenciais a todas as
crianças, embora sejam relativos a cada caso concreto.
Para Dolto, todo divórcio é uma questão de desejo sem amor, de
desejo que se tornou enfadonho, de desejo morto entre dois adultos.104
Não raras vezes os filhos/filhas sentem-se culpados pela situação, em
1 0 3 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Guarda de filhos: algumas diretrizes psicanalíticas. Revista dos Tribunais, São Paulo, a.84, v.716, jun. 1995, p. 354-355. Destacamos que existem outras formas de organizações familiares para as quais a separação dos pais não é sentida como uma perda. 1 0 4 DOLTO, Françoise. Op. cit., p. 35-36. Para Rodrigo da Cunha Pereira, “não se sabe, ou pelo menos não se escreveu ainda, se é o Direito que legisla sobre o desejo, ou se é o desejo que legisla sobre o Direito”. Conclui que enquanto houver desejo, ele sempre escapará ao normatizável. (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A família – estruturação jurídica e psíquica. In: ________ (Coord.). Direito de família contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 30-31).
60
razão dos encargos e responsabilidades que sua existência implica
para os pais. Tal sentimento pode se transformar numa experiência
terrível para eles. Trata-se de uma culpa por haver nascido daquele
casal.
Algumas crianças usam a palavra “desorientação” para
expressar o sentimento que se segue ao divórcio. Eles não sabem
como se orientar. A orientação equivale, no dia-a-dia, a desenvolver
possibilidades que tenham um objetivo futuro. Essas crianças não
sabem se devem, no caso da menina, tornarem-se moças para se casar
ou para ser futuras divorciadas e, no caso dos meninos, tornarem-se
rapazes para constituir um casal ou para permanecer celibatários nos
casos em que seu próprio pai não voltou a se casar.105
No momento da reorganização familiar, após a ruptura da
sociedade conjugal, não se pode abstrair a premissa de que os
filhos/filhas desses pais separados ou divorciados têm os mesmos
direitos que possuem toda e qualquer criança, ainda que enfrentem
situações diversas. Dessa forma, a especificidade dessa conjuntura não
pode adquirir um status que modifique ou restrinja a plenitude de seus
1 0 5 DOLTO, Françoise. Op. cit., p. 95.
61
direitos e especialmente o direito a uma convivência de qualidade com
os dois pais.106
Os problemas que levam um casal à separação, portanto, não
deveriam repercutir no desempenho de sua função parental. Pai e mãe
continuam com seus direitos e deveres junto aos filhos/filhas de forma
inalterada após a separação conjugal. A melhor solução para essa
situação será aquela que privilegiar a continuidade na convivência
entre pais e filhos/filhas.
O art. 18 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente estabelece como um de seus princípios o
compromisso dos Estados em garantir a responsabilidade de ambos os
progenitores na criação e desenvolvimento de seus filhos/filhas.
Portanto, o princípio da igualdade dos pais em relação às
responsabilidades e benefícios da parentalidade não deve modificar-se
em razão da separação ou do divórcio.
Dessa forma, a ruptura da sociedade conjugal não implica
necessariamente um impedimento no cumprimento da função materna
1 0 6 POLAKIEWICZ, Marta. El derecho de los hijos a la parentalidad. Anais do X Congreso Internacional de Derecho de Familia: El derecho de familia y los nuevos paradigmas. Mendoza (AR), 20 a 24 de setembro de 1998, p. 297.
62
e paterna. Se assim fosse considerado, isto significaria desvirtuar a
própria parentalidade e a preservação das relações familiares.
É importante refletir sobre a estrutura que se constitui depois do
divórcio ou da separação, bem como sobre o desconhecimento que há
em torno dessas novas configurações familiares, que possuem
identidade própria e distinta da família nuclear.
Sendo assim, diante da falta de uma visão contextualizada
dessas novas estruturas familiares posteriores à ruptura conjugal, as
normas que se aplicam a sua regulação possuem suas bases
metodológicas e racionais informadas sobre aquelas que regulam a
família nuclear intacta, sem considerar aspectos particulares e
específicos que distinguem uma formação da outra, e que, portanto,
merecem uma abordagem própria. Nesse sentido, o direito à
convivência familiar é facilmente negligenciado quando se opõem
argumentos de menor valia da estrutura familiar que se segue após a
ruptura conjugal.
1.3.2 O direito fundamental à convivência familiar
63
Entre os direitos fundamentais da criança e do adolescente
assegurados no artigo 227 da Constituição Federal de 1988107, destaca-
se o direito à convivência familiar e comunitária.
Regulamentando este princípio, o artigo 19 do Estatuto da
Criança e do Adolescente108 ressalta a importância do convívio em
família como ambiente favorável ao desenvolvimento das crianças.
Com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança,
incorporada ao ordenamento brasileiro através do Decreto n.
99.710/90, consagrou-se a Doutrina da Proteção Integral.109
A Convenção referida é fruto do esforço de alguns países na
tentativa de definir os direitos humanos comuns às crianças, com o
objetivo de apresentar proposições de normas de direito material
1 0 7 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”1 0 8 “Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. (Lei 8.069/90 - ECA)1 0 9 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: a convivência familiar e comunitária como um direito fundamental. Op. cit., p. 649. Tal doutrina é adotada em todos os documentos internacionais de proteção à criança da atualidade, conforme assegura a mesma autora em outro trabalho. (PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 14). A doutrina da Proteção Integral consagra o princípio de que os direitos das crianças e adolescentes possuem características específicas em virtude dos seus sujeitos acharem-se em condição de pessoas em desenvolvimento.
64
aplicáveis, capazes de abranger as diferentes conjunturas
socioculturais no universo de diferentes povos.110
Tal convenção reconhece a família “como grupo social primário
e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de seus membros,
especificamente das crianças, ressaltando o direito de receber a
proteção e a assistência necessárias a fim de poder assumir
plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade”.111
Dessa forma, qualquer atitude a ser tomada em relação à criança
deve garantir a melhor das soluções possíveis, de onde decorre o
postulado de que a mesma só seria separada de seus pais quando se
constatasse abuso, negligência ou qualquer atitude da espécie.
Entre as possibilidades de afastamento do convívio com os pais,
incluiria-se a separação ou divórcio como situações em que esse
afastamento invariavelmente ocorreria. Entretanto, com o objetivo de
demonstrar a viabilidade de uma convivência mais estreita entre pais e
1 1 0 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Op. cit., p. 25. É possível que o leitor pondere sobre algumas questões controvertidas em matéria de internacionalização de direitos humanos. Há um conflito entre direitos humanos universais e o padrão estereotipado de sujeito desses direitos. Na verdade, estamos falando de que humanos? Cabe destacar que tais questões serão propositadamente negligenciadas nesta monografia, por hora. 1 1 1 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: a convivência familiar e comunitária como um direito fundamental. Op. cit., p. 649.
65
filhos/filhas, mesmo diante da ruptura dos laços conjugais, é preciso
resgatar esse direito à convivência familiar. Se, em circunstância
comum de uma criança inserida em contexto familiar, não se duvida
que deva ser assegurado o direito à sua permanência neste núcleo,
salvo algumas exceções, por que no contexto de uma separação dos
pais – a separação é entre os cônjuges e não entre estes e seus
filhos/filhas - não se poderia falar num direito à convivência parental?
O que questionamos é o significado de paternidade e maternidade para
os cônjuges. Como bem enfatiza Marraccini e Mota, a continuidade da
convivência de ambos (os pais) com seus filhos/filhas preservará as
ligações afetivas estabelecidas anteriormente.112
O direito brasileiro reconheceu, na própria Constituição, a
convivência dentro e fora do casamento através da figura das
entidades familiares113. A família não se constitui tão-somente através
do casamento e da filiação daí decorrente. O liame subjetivo que
perpassa os membros da família independe da formalidade dos
vínculos estabelecidos, portanto a ligação afetiva e a convivência
serão os elementos de coesão social que deverão ser priorizados.
1 1 2 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 353.1 1 3 “Art. 226, § 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
66
Rodrigo da Cunha Pereira, referindo-se a Lacan, mostra que a
família não é um grupo natural, mas cultural. Ela não se constitui
apenas por um homem, uma mulher e filhos/filhas. Ela é antes uma
estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um
lugar, uma função. Lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos/filhas,
sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente.114
Somando-se estas especificidades com a formação do novo
status jurídico de crianças e adolescentes, podemos afirmar que o
direito brasileiro está diante de um novo paradigma: esses indivíduos
em fase de formação são titulares de direitos, assegurados
constitucionalmente115, regulamentados pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente116 e pelo Decreto 99.710/90117, embora sofram restrições
para exercê-los autonomamente.
Enfim, toda a proteção destinada aos filhos/filhas,
principalmente quando menores, busca assegurar a individualidade da
criança e do adolescente, ainda que, para tanto, seja necessário
quebrar um princípio de proteção à honra da família.118
1 1 4 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A família – estruturação jurídica e psíquica. Op. cit., p. 19.1 1 5 Ver artigo 227 da Constituição Federal de 1988.1 1 6 Ver artigos 3º ao 5º do ECA. (Lei 8.069/90).1 1 7 Incorporação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças no ordenamento jurídico brasileiro.1 1 8 MARQUES, Claudia Lima et. al. Op. cit., p. 22.
67
A lógica de proteção exclusiva ao núcleo familiar se contrapõe
à lógica da Constituição Federal, que permitiu que se reconhecessem,
em perspectiva pós-moderna119, dois princípios eventualmente
considerados antagônicos: o de proteção à unidade familiar e o de
proteção aos filhos/filhas, considerados em sua individualidade.
Assim, considerando que crianças e adolescentes são sujeitos de
direitos, é inegável que o exercício da autoridade parental e da guarda
deve respeitar tal postulado, sob pena de violação de garantia
fundamental destes indivíduos em desenvolvimento.
1.3.3 A autoridade parental e o exercício da guarda
Com a evolução legislativa, que modificou os contornos
jurídicos da família, o entendimento sobre a autoridade parental e a
guarda sofreram significativas alterações.
Para Grisard Filho, o contexto social determinou o declínio e a
morte do “pátrio poder” para alcançar o sentido de proteção, como
1 1 9 Há controvérsias sobre a origem do pós-modernismo. Encontramos um dos seus significados com Erik Jayme, professor da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, demonstrando o caráter de mudança, de crise, de variabilidade do tempo e do direito. (MARQUES, Claudia Lima et. al. Op. cit., p. 12). Ver do próprio: JAYME, Erik. Visões para uma teoria pós-moderna do direito comparado. Revista dos Tribunais, São Paulo, a.88, v.759, p. 24-40, jan. 1999.
68
hoje se reconhece. O autor propõe a substituição da expressão, a fim
de conferir o sentido de proteção que atualmente possui, muito
embora tenha sido empregado nas legislações modernas, como no
Estatuto da Criança e do Adolescente.120
Verificamos uma variedade de posições que procuram
determinar o conteúdo da autoridade parental, porém, existe um ponto
comum através do qual reconhecem-no como instituição protetora da
menoridade, que requer o cumprimento de deveres e o exercício de
direitos, tendo como palco a família.
A introdução da igualdade entre cônjuges, ainda que de maneira
muito limitada, pelo Estatuto da Mulher Casada,121 e posteriormente
ampliada pela Constituição Federal de 1988122, possibilitou a que pai e
mãe concretizassem os aspectos da autoridade que lhes é conferida em
virtude da relação paterno-filial, em idênticas condições.123
1 2 0 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 31.1 2 1 Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962 que deu nova redação ao dispositivo do Código Civil brasileiro: “Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exerce-lo com exclusividade.”1 2 2 “Art. 226, § 5º. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”1 2 3 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p.67.
69
A relação jurídica que conecta os sujeitos em torno da
autoridade parental é a paterno-filial. Sendo assim,
independentemente da espécie de liame existente entre os pais, o
vínculo filial é que exteriorizará a autoridade parental.124
Portanto, o conteúdo da relação paterno-filial, exercido
igualmente pelos genitores atendendo ao comando constitucional,
indica uma alteração nos papéis familiares, o que justifica, nesta
perspectiva, a figuração dos filhos/filhas como participantes ativos
dessa relação.
A valorização dos sujeitos teve como uma das conseqüências a
proteção dos filhos/filhas. Por conseguinte, o filho/filha deixa o papel
silencioso de quem suportava passivamente os efeitos das decisões
dos pais e passa a atuar como destinatário do exercício da autoridade
parental.125
Outro aspecto que se destaca no exercício da autoridade
parental, paralelamente a eqüidade de atuação dos genitores e da
1 2 4 Idem, p. 68.1 2 5 Fachin afirma que: “Os filhos não são (nem poderiam ser) objeto da autoridade parental. Em verdade se constituem em um dos sujeitos da relação derivada da autoridade parental, mas não são sujeitos passivos, e sim no sentido de serem destinatários do exercício deste direito subjetivo, na modalidade de uma dupla realização de interesses dos filhos e dos pais.” (FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 23.)
70
participação dos filhos/filhas, é o favorecimento de uma postura
educativa mais do que propriamente o ônus de administração
patrimonial.
A autoridade parental compõe-se de uma relação em que os pais
dirigem seus esforços e proteção a fim de oferecer aos filhos/filhas as
condições necessárias de potencialização de suas capacidades,
fundadas tanto em uma determinação legal como na existência de
afeto entre os sujeitos da família.126
A relação paterno-filial constitui uma série de direitos, deveres
e atribuições determinadas em lei, que devem ser exercidos com o
objetivo precípuo de atendimento ao interesse dos filhos/filhas.
As referências legais apresentam os elementos que formam a
carga de valores e imperativos indispensáveis à segurança e proteção
das crianças.
O artigo 229 da Constituição Federal de 1988 informa as
providências básicas a serem tomadas para a concretização do dever
1 2 6 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 71. Sobre a questão do afeto nas relações jurídicas e familiares ver artigo da referida autora: “O papel jurídico do afeto nas relações de família. In: Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 273-313.
71
de educação, de cuidado e proteção dos pais em relação aos
filhos/filhas.127
O Código Civil brasileiro também indica elementos que
integram as atribuições dos pais: condução da criação e educação,
companhia e guarda, sendo que desta decorre o dever de vigilância.128
Numa interpretação pós-constitucional do instituto, além das
atribuições elencadas, os pais têm o direito à convivência com os
filhos/filhas como forma de realização e crescimento pessoal.129
Nesse sentido, também o Estatuto da Criança e do Adolescente
contribuiu para uma expansão das responsabilidades para com as
crianças, uma vez que vincula os pais como a sociedade e o Estado.130
Na perspectiva de uma guarda legal, decorrente da relação
paterno-filial, questionamos em que medida a atribuição judicial
1 2 7 “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, na carência ou na enfermidade.”1 2 8 Ver art. 384, I a VII do Código Civil.1 2 9 Assim, uma mesma ação corresponde ao conteúdo de um dever jurídico pessoal e de um direito subjetivo. É por isso que numa relação jurídica familiar não podem ser pensados de modo separado direitos e deveres. (OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Op. cit., p. 33.)1 3 0 “Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei [...].” (Lei 8.069/90 – ECA)
72
exclusiva a um dos genitores, decorrente do fim da conjugalidade,
poderia afetar a manutenção da autoridade parental do não-guardião.
É preciso considerar, primeiramente, que a relação jurídica que
se põe a examinar é a paterno-filial, “cuja existência é o fato gerador
da autoridade parental, bem como de todos os direitos e deveres que
lhe acompanham por força de lei”.131 Desta forma, o modo por que os
pais da criança estão unidos ou desunidos, não constitui o elemento
cerne sobre o qual deriva a autoridade parental. Da mesma maneira
como não é dado aos genitores abster-se de desempenhar os
respectivos papéis, a menos que seja configurada uma exceção
prevista em lei, exigindo pronunciamento judicial específico.
A guarda tem por titulares os pais quer naturais ou adotivos, que
a exercerão em condições de igualdade, conforme preceitua o Estatuto
da Criança e do Adolescente.132 Portanto, a atribuição exclusiva a um
deles, ou a um terceiro é excepcional.133
A responsabilidade pessoal dos pais em relação aos filhos/filhas
os incumbe a prestar os necessários cuidados a estes, não se 1 3 1 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 78.1 3 2 “Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência”.1 3 3 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 80.
73
excluindo, portanto, pela manifestação de vontade dos genitores. Tal
responsabilidade é intransferível. Trata-se de uma característica
inerente à guarda e ao conjunto de direitos que através dela se
concretiza.
A guarda será objeto de exame judicial quando houver
necessidade de decidir sobre o destino dos filhos/filhas nas hipóteses
de separação, divórcio ou dissolução de união estável, estabelecimento
puro da guarda ou pedido de alteração de decisão judicial anterior.
Nas proposições apontadas é possível perceber um traço
comum: há uma relação paterno-filial que independe da espécie de
vínculo entre os pais ou da origem da filiação.134
As situações de separação, divórcio ou dissolução de união
estável são situações de crises que não atingem exclusivamente os
diretamente envolvidos, constituem-se, ademais, em fenômeno
social.135 Entretanto, a ruptura dos laços que uniam o casal não contém
a faculdade de romper os laços afetivos e jurídicos de filiação, os
quais persistem imutáveis, independentemente dos acontecimentos.
1 3 4 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: Op. cit., p. 190. 1 3 5 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 347.
74
O que se verifica é uma reorganização das atribuições de cada
um dos cônjuges, sobretudo no que tange ao exercício de alguns
direitos, porém, mantém-se integral a titularidade da autoridade
parental.
Sendo assim, há a possibilidade de dissociação entre guarda e
autoridade parental, sem que a atribuição exclusiva daquela implique a
perda ou suspensão desta. A atribuição exclusiva da guarda dos
filhos/filhas a um dos genitores não afeta a titularidade da autoridade
parental, somente o seu exercício. De outra forma, na guarda conjunta
não há uma divisão de atribuições, uma vez que o exercício e a
titularidade da autoridade parental não se separam.
Na hipótese da guarda ser atribuída exclusivamente a um dos
genitores, incumbe-lhe dar continuidade a todas as atribuições da
autoridade parental. Quanto ao genitor não-guardião, ocorre uma
significativa redução nas atribuições que tinha originariamente quando
do exercício conjunto da mesma. Em verdade, formalmente é mantido
o exercício conjunto da autoridade parental, no entanto, ocorre uma
divisão desigual de poderes entre os genitores. Enquanto, “o genitor
que detém a guarda mantém o filho junto de si, para educá-lo, mantê-
75
lo e protegê-lo, o genitor não guardião tem os direitos de visita, de
fiscalização e de companhia, perfeitamente assegurados pelo texto
legal”.136
Diante da possibilidade de fragmentação e possível
pauperização da qualidade de convivência entre os filhos/filhas e o
não-guardião, é necessário refletir sobre a importância da presença de
ambos os genitores no convívio com as crianças e adolescentes.
O direito de visitas assegurado ao não-guardião não passa de
um “expediente jurídico de caráter compensatório”,137 não se presta a
cumprir seu objetivo de acompanhamento do desenvolvimento dos
filhos/filhas e de continuidade dos laços afetivos, haja visto que se
opera através de contatos esporádicos que não propiciam uma
experiência pedagógica tanto aos pais quanto aos filhos/filhas.
Marraccini e Motta registram que a presença de ambos os
genitores é decisiva, pois será muito difícil que uma só pessoa possa
desempenhar plenamente funções materna e paterna. A proximidade
de ambos os genitores, ou de quem cumpra essas funções, é
1 3 6 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 192.1 3 7 Idem, p. 221.
76
indispensável no decorrer do desenvolvimento até que a criança atinja
a adultez.138
Para Carbonera139, a regulação do direito de visita cuida da
garantia de uma participação do não-guardião na tomada de decisões
que conduzirão a vida do filho/filha, apontando para a delimitação de
um importante espaço de atuação.
Entretanto, é muito frágil esta proposição. Sabe-se que os dados
reais apontam para um afastamento irremediável do pai – sendo este o
não-guardião - do convívio com os filhos/filhas: oito em cada dez
crianças que ficam com a mãe perdem o contato com o “genitor
descontínuo”.140
Ramires aponta para o dado histórico de que a própria literatura
quanto ao exercício da paternidade revela uma falsa impressão de sua
insignificância no processo de criação das crianças, dada a lacuna sob
a qual se esconde.141
1 3 8 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 348.1 3 9 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 90.1 4 0 Dolto enfatiza que toda a terminologia relativa ao divórcio é uma terminologia de adultos, não implicando uma linguagem acessível à criança. Dessa forma, a autora cria uma terminologia própria, na qual o “genitor contínuo”, representa a figura que assegura um permanência cotidiana, em oposição, o “genitor descontínuo”, que aparece em datas fixas e desaparece. Tais termos não remetem às imagens e funções internalizadas pelas crianças. (DOLTO, Françoise. Op. cit., p. 42) O dado referente ao número de crianças que perdem o contato com o não-guardião é referido por Elisabeth Badinter, na obra XY: sobre a identidade masculina. Op. cit., p. 174.1 4 1 RAMIRES, Vera Regina. Op. cit., p. 25.
77
A continuidade da atuação dos genitores nos casos de separação
do casal demonstra uma série de desigualdades e dificuldades no
plano das exigências cotidianas. É necessário que ocorra uma
triangulação onde a paternidade e a maternidade, mesmo em caso de
separação dos pais, estejam presentes na constituição da criança.142
Contudo esse quadro está apresentando outros contornos.
Existem autores que relatam que para alguns homens o divórcio está
se constituindo em uma oportunidade de se aproximar e cuidar dos
filhos/filhas. Essa nova perspectiva acerca da paternidade conduz a
um grande desafio de adaptação da vida dos homens à paternidade,
que poderá ser viável através de modificações no mundo do trabalho,
viabilizando o seu exercício.
No que tange ao estabelecimento da guarda judicial, a Lei
6.5151/77, nos seus artigos 9º a 16, tem como parâmetro informador o
comportamento adulto, calcado na existência de culpa,
especificamente no que diz respeito à atuação como cônjuge.
Elementos como idade e sexo dos filhos/filhas também determinavam
a atribuição da guarda. Os meninos maiores de 6 anos ficavam
preferencialmente com os pais, enquanto as meninas de qualquer
1 4 2 BARROS, Fernanda Otoni de. Op. cit., p. 806.
78
idade e os meninos menores eram postos, preferencialmente, sob a
guarda da mãe.143
Entretanto, numa proposta de constituição, tanto quanto
possível, de uma família eudemonista,144 na qual a valorização dos
sujeitos é ponto central, não é mais admissível que a determinação da
guarda seja feita tendo por base unicamente a Lei 6.515/77. Tal
emprego reflete mais a premiação ao cônjuge inocente e punição ao
culpado na separação do que uma preocupação com os interesses das
crianças.145
Da forma com que tradicionalmente os juízes deferem a guarda
dos filhos/filhas, - guarda unilateral e materna - observa-se que não
há, portanto, o exercício conjunto da autoridade parental, numa
situação de separação ou divórcio. Ocorre que o “genitor contínuo”
toma as decisões importantes acerca da escolaridade, da orientação e
da saúde da criança e vive a maior parte do tempo com ela. O
filho/filha tem muito menos contato com o “genitor descontínuo”, que
1 4 3 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 182. 1 4 4 Conforme o dicionário, a expressão eudemonista significa a “doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana mora, isto é, que são moralmente boas as condutas que levam à felicidade”. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. cit., p. 851.)1 4 5 CARBONERA, Silvana M. O papel jurídico do afeto nas relações jurídicas. Op. cit., p. 307.
79
detém, conforme comando sentencial decorrente de lei, o direito de
visita146 e de supervisão.
Dolto questiona se não tenderia a criança a achar que o genitor
contínuo recebeu maior consideração do juiz, ou dito de outra
maneira, que é ele quem tem razão, enquanto que o genitor
descontínuo estava errado e foi punido.147
Da mesma maneira, a preferência legal pela guarda materna
revela o retorno ao modelo patriarcal de família, onde uma das
principais funções femininas era o cuidado com os filhos/filhas.
Assim, o interesse do filho/filha, aliado à existência da afetividade, é
elemento relevante e inafastável para o estabelecimento da guarda seja
em favor de um, de outro ou de ambos os genitores.
A primazia reconhecida à mãe quanto ao exercício da guarda
deve ser contestada. Até certo ponto justificava-se pela idéia de que,
dessa forma, se evitaria que a criança fosse transformada num joguete
dos interesses conflitantes dos pais. Assim, predominava o conteúdo
1 4 6 O termo adequado deveria ser dever de visita, e não direito de visita. É um dever de visita que o genitor descontínuo tem de cumprir, segundo Dolto. (Op, cit., p. 53).1 4 7 DOLTO, Françoise. Op, cit., p. 42.
80
não manifesto de que com a separação dos pais estaria
inevitavelmente estabelecida a dos filhos/filhas também.
Segundo Eduardo de Oliveira Leite, o papel da mãe, até então
voltado ao lar, justificava, em grande parte, a atribuição exclusiva da
guarda materna. Quem não exercia atividade fora do lar, teria mais
tempo e condições de se dedicar aos filhos/filhas: este era o raciocínio
dominante na maioria das legislações.148
Entretanto, de todas as mudanças sentidas, a que provoca
impacto maior na questão da responsabilidade parental talvez seja a
redescoberta do “amor paterno”. Os “novos pais” reclamam cada vez
mais seu papel nas famílias desunidas, e não se contentam com as
“migalhas” que lhes são atribuídas por uma titularidade que encontra
óbices no exercício cotidiano da paternidade.149
É difícil negar que a desunião do casal não provoque o
sentimento de incapacidade para cuidar dos próprios filhos/filhas.
Enquanto o guardião tem tudo, foi premiado com a guarda do
filho/filha, o outro não fica com nada, sua atuação é periférica e
1 4 8 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 253.1 4 9 Sobre o “novo pai” ver, desta monografia, o ponto 1.1- Os papéis socialmente construídos e a desigualdade de gênero nas relações parentais.
81
secundária. Sendo assim, por que não redistribuir igualitariamente os
papéis após a dissolução do casamento? Ou a ruptura tem o poder de
restabelecer uma assimetria que a vida em comum não mais aceita?150
Não parece lógico, portanto, que o princípio de igualdade dos
pais em relação às responsabilidades e benefícios da parentalidade
deva modificar-se em razão da separação ou do divórcio.151
Qualquer solução que se pense para resolver esta questão deve
permitir que os pais, quando há possibilidade de acordo, elaborem um
instrumento capaz de assegurar as necessidades e desejos de todos,
sobretudo o interesse da criança.152 O acordo entre as partes será
sempre preferível a uma decisão judicial.153
Paralelamente à discussão da atribuição da guarda em função
dos adultos, cresce a aplicação da Doutrina da Proteção Integral das
crianças e dos direitos fundamentais infantis, aliada a uma
interpretação fundada na valorização desse sujeito em formação. O
filho/filha, nesta perspectiva, deixa de somente sentir os efeitos da
1 5 0 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 254.1 5 1 POLAKIEWICZ, Marta. Op. cit., p. 297.1 5 2 Trataremos desta possibilidade no segundo capítulo desta monografia, que destaca a elaboração de um plano de projeção da parentalidade através da mediação.1 5 3 Neste ponto concordam Eduardo de Oliveira Leite, op. cit., p. 255 e Eliane Marraccini e Maria A. Motta, op. cit., p. 354.
82
escolha do guardião para fazer parte dela. Este é um dos reflexos da
alteração do paradigma que informa as relações entre adultos e
crianças.154
A partir de 1988, com a mudança nos paradigmas de direito de
família, a jurisprudência buscou um sentido mais preciso à igualdade
em sentido amplo, passando a garantir também aos filhos/filhas o
direito de ver os deveres decorrentes da paternidade exercitados na
prática.155
Na esteira de aplicação de um conceito de igualdade, passou-se
a trabalhar também de forma diferenciada o direito-dever da
autoridade parental. Ao conferir atenção especial à igualdade dos
cônjuges na chefia da sociedade conjugal e ao disciplinar a igualdade
entre filhos/filhas, a Constituição Federal permitiu maior intervenção
positiva do Estado, instituindo o dever de que seja assegurada à
criança e ao adolescente, enquanto desfrutem de tal condição, a
possibilidade de gozarem de seus direitos fundamentais.
1 5 4 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 196. “A legislação brasileira referente ao tratamento jurídico da guarda submete os filhos/filhas ao papel de meros espectadores”. (Op. cit., p. 195)1 5 5 MARQUES, Claudia Lima et. al. Op. cit., p. 20.
83
Conforme o inciso I do artigo 5º combinado com o § 5º do
artigo 226 da Constituição, mãe e pai exercem conjuntamente o
“pátrio poder”. Qualquer interpretação diversa contrariaria o princípio
constitucional.
Dessa forma, com a Constituição Federal e o Estatuto da
Criança e Adolescente156 os dois genitores permanecem titular da
autoridade parental em relação a seus filhos/filhas independentemente
da atribuição da guarda, seja exclusiva ou compartilhada.
Nas hipóteses de divórcio ou separação judicial, não há
alterações no que diz respeito à autoridade parental, nem em relação a
direitos e deveres dos pais em relação aos filhos/filhas.157
Assim, a autoridade parental não é só um conjunto de direitos
que se exercem no interesse de seus titulares na constância da união
dos pais, mas constitui-se no exercício de um dever em atenção aos
interesses dos filhos/filhas, perdurando até que ocorra alguma das
causas legais para sua extinção.
1 5 6 Ver art. 21 do ECA – Lei 8.069/90.1 5 7 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: a convivência familiar e comunitária como um direito fundamental. Op. cit., p. 665.
84
Portanto, a legislação e a jurisprudência devem caminhar para
uma reformulação do sentido da guarda que seja capaz de assegurar
aos pais separados ou divorciados uma repartição mais eqüitativa da
autoridade parental.158
Nesse sentido, torna-se imprescindível que os critérios para o
estabelecimento da guarda sejam repensados. Considerando a
premissa de que a guarda exclusiva não atende as expectativas de
convívio permanente após a separação ou divórcio, é necessário que
os critérios para atribuição da guarda conciliem o interesse das
crianças e a indispensabilidade de manutenção dos laços parentais
para sua integral formação.
1 5 8 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 255.
85
2 CRITÉRIOS PARA O ESTABELECIMENTO DA GUARDA
DOS FILHOS/FILHAS
2.1 Elementos para uma releitura constitucional
Considerando as significativas transformações provocadas no
modelo jurídico de família, cujo reflexo se fez sentir no instituto da
guarda dos filhos/filhas, é de se supor que os critérios de
estabelecimento também tenham sofrido o impacto da Constituição
Federal, que os altera de forma inegável.
Conforme afirmamos em oportunidade anterior, o conjunto dos
direitos e deveres que decorrem das relações parentais é exercido
conjuntamente pelo pai e pela mãe em plena condição de igualdade.
Essa situação não é alterada pela separação ou divórcio dos genitores,
86
para quem não há ruptura, nem restrições, nem isenções, exonerações
ou limitações de direitos e deveres no que tange as suas funções
parentais.
A ruptura159 da sociedade conjugal com filhos/filhas,
necessariamente acarretará uma reorganização familiar, produzindo
variadas implicações para todos os membros.
Dessa forma, destaca-se o papel de advogados, juízes e
promotores da área de direito de família, pois são articuladores que
terão a possibilidade de despertar e estimular o casal para uma
reflexão madura e realística sobre os problemas familiares a serem
administrados antes, durante e depois da separação.
Muitas vezes o casal em processo de separação está sob forte
impacto emocional. Seus conflitos pessoais atingem os filhos/filhas
que, não raro, tornam-se objetos de disputa. Para minorar efeitos
indesejáveis provocados com a divisão das atribuições, os pais
deverão limitar suas pretensões, compartilhando o tempo, as atenções
e os cuidados.
1 5 9 Essa expressão é utilizada por Grisard Filho como sinônimo de qualquer das formas de desfazimento da conjugalidade. (GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 60)
87
A forma pela qual são equacionados os conflitos pela guarda
dos filhos/filhas gravita em torno de dois postulados. No primeiro,
sendo a dissolução da sociedade conjugal pela via consensual,
respeita-se o acordo realizado pelos pais. Nesse caso, o juiz deverá
homologar o referido acordo, que só poderá ser recusado se não
assegurar a preservação dos interesses dos filhos/filhas, conforme o
artigo 34, § 2º, da Lei 6.515/77. No segundo, quando não há um
acordo e a ruptura é litigiosa, os critérios utilizáveis estão
determinados no artigo 10 e parágrafos da mesma lei.
Tanto numa hipótese quanto na outra, há princípios norteadores
que informam sobre sua aplicação. Entretanto, é importante destacar
que, na prática forense, os sujeitos, normalmente anestesiados pela
ocorrência rotineira dos conflitos entre os usuários daquele serviço,
têm cada vez menos seus olhares arejados para pensar outras formas
de abordagens dessas situações. A apropriação de um discurso do
senso comum torna suas funções menos desgastantes, no sentido de
que a continuação reiterada dessas práticas não exige esforço de
reflexão e comprometimento. Dessa forma, Marraccini e Motta
apontam para um encaminhamento desses conflitos de forma justa,
criteriosa e emocionalmente adequada, através da diminuição da
88
subjetividade tendenciosa e da sua substituição pela sensibilidade
humana acrescida de informações teórico-técnicas.160
A legislação ordinária pré-constitucional regula a guarda das
crianças através do comportamento dos pais. A verificação da culpa
pela dissolução da conjugalidade aponta para uma “punição” ou
“reprovação” daquele que não obteve a guarda. Tanto para os pais
quanto para os filhos/filhas, a seu modo, são suscitadas interpretações
falsas a respeito do conteúdo dessa decisão judicial. São recorrentes as
percepções de incapacidade e frustração do genitor que não obteve a
guarda.
Em verdade, não há progenitor perdedor, quando foi a criança
quem ganhou, recebendo a melhor solução de guarda para ela. Os pais
devem se sentir recompensados por possibilitar aos filhos/filhas a
melhor condição.
Portanto, a lógica de resolução da atribuição da guarda, baseada
nos princípios tradicionais do Código Civil de 1916, mantidas as
linhas gerais na legislação ordinária posterior, cuida de uma família
matrimonializada, de estrutura formal e rígida. Dessa forma, seus
1 6 0 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 347.
89
elementos informadores encontravam respaldo nos papéis familiares
inflexíveis e o exame do comportamento dos cônjuges justificava-se
pela preocupação com a proteção do vínculo conjugal.161
Quanto à família extramatrimonial e às conseqüências de sua
dissolução, observamos sua regulamentação tendo como parâmetros a
família matrimonializada. Tendência demonstrada pela evolução
legislativa e doutrinária, até a promulgação da Constituição de 1988.162
Os papéis materno e paterno, cujas funções foram construídas dentro
do casamento, informaram a orientação legal a ser tomada em caso de
necessidade de atribuição da guarda nas famílias extramatrimoniais.
Dessa forma, a principal relação a ser avaliada nestes casos
limitava-se ao exame da existência ou não de um casamento, em
detrimento de uma relação paterno–filial. Caso não houvesse o
vínculo formal do casamento, a essa família impunha-se a mesma
regulamentação como se matrimonializada fosse.
Segundo Carbonera, a valorização dos sujeitos, associada à
admissão de pluralidade de modalidades de estruturas familiares,
como reflexo da alteração do paradigma legal de família provocada 1 6 1 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 116.1 6 2 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 187.
90
pelo artigo 226, § 4º da Constituição Federal e seus princípios, são
indicativos que apontam para uma reformulação desses tradicionais
parâmetros.163
Assim, podemos deduzir que houve uma sucessão da
singularidade da família matrimonial para a pluralidade da família
constitucionalizada. Em outras palavras, a constituição de uma família
pode se dar de múltiplas formas, e não necessariamente através do
casamento. E tanto uma como outra receberam amparo e proteção
constitucional, sem distinções entre ambas.
O ingresso da família extramatrimonial na esfera das relações
jurídicas provocou um vazio legislativo no que diz respeito a sua
própria regulamentação ordinária,164 não sendo diferente em relação à
questão da guarda dos filhos/filhas.
O casamento, da celebração até o fim, foi cercado pela
legislação de maneira que todos os seus efeitos fossem
regulamentados. A guarda dos filhos/filhas, seja durante ou após a
1 6 3 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 117.1 6 4 Questionamos sobre a finalidade de regulamentação dessa espécie de família. Se os indivíduos livremente optaram pela informalidade da relação, poderia o legislador cercá-la de regras a fim de torná-la o mais próxima possível de um casamento? Em contrapartida, poderia negar os efeitos de suas relações no mundo jurídico, relegando-os ao mundo dos fatos? Após a Constituição Federal de 1988, as Leis 8.971/94 e 9.278/96 certamente aproximaram as duas formas de construção familiar.
91
ruptura da sociedade conjugal, tem suas possibilidades de solução dos
conflitos reguladas em Lei.165
Relativamente às uniões extramatrimoniais e à guarda dos
filhos/filhas, observa-se um vazio normativo, não obstante a Lei
9.278/96, a exemplo da disposição do Código Civil, ter atribuído aos
conviventes o direito e dever de guarda, sustento e educação dos filhos
comuns.166
Na família constituída pelo casamento, ou unida por outros
laços afetivos, o exercício da guarda é comum. Prevalece a noção de
que as decisões são tomadas em conjunto e as responsabilidades são
assumidas em regime de cooperação. Com a ruptura, as funções
normalmente são repartidas e as decisões podem ser tomadas
unilateralmente no caso de guarda exclusiva. Entretanto, é necessário
reafirmar que a família continua a existir, de outra maneira
certamente, mas tem capacidade de se reorganizar segundo suas
necessidades e desejos.
1 6 5 A Lei 6.515/77 regula os casos de dissolução da sociedade conjugal, pela separação ou divórcio. Da mesma forma, o exercício da autoridade parental na vigência do casamento é conjunta por exigência de determinação da Constituição Federal de 1988.1 6 6 “Art. 2º. São direitos e deveres iguais dos conviventes: III- guarda, sustento e educação dos filhos comuns.” (Lei 9.278/96)
92
O tratamento que recebem as famílias depois da ruptura
matrimonial é, em certa medida, ambíguo. As normas estabelecem
princípios abstratos como a igualdade dos cônjuges, tanto em relação
ao patrimônio como em relação aos direitos e deveres decorrentes da
parentalidade. Porém o pressuposto ideológico sobre o qual se
sustenta a regulação do tema se baseia na impossibilidade dos
cônjuges ou conviventes de chegar por si mesmos às soluções para a
crise que atravessam.167
Tais normas reproduzem estereótipos de conduta para cada
membro da família, e dessa maneira carregam implicitamente
preconceitos e desvalorizações decorrentes da ruptura da família
nuclear.
É imprescindível reconhecer os aspectos disfuncionais das
crises familiares repensando o sistema diante de uma nova situação,
abandonando o determinismo atual que impõe um único modelo de
abordagem, através do qual a decisão judicial reparte culpas e funções
unilateralmente.
1 6 7 POLAKIEWICZ, Marta. Op. cit., p. 315.
93
Há uma incompatibilidade de soluções, uma vez que temos na
família codificada o parâmetro para a solução das questões de guarda
em qualquer formação de núcleo familiar, seja matrimonializada ou
não. Uma mesma relação jurídica paterno-filial pode ter soluções
legais diversas, conforme a espécie de configuração familiar que se
constituiu, cada qual com uma identidade própria e distinta da família
matrimonial.
Carbonera infere que a situação criada por essa
incompatibilidade, sob a ótica pré-constitucional, parte da existência
ou não de uma união para decidir qual o destino dos filhos/filhas nela
nascidos. Assim, cada situação deverá receber um tratamento diverso
compatível com a situação jurídica dos pais, não podendo empregar-se
fora das situações que regulamenta.168
Assim sendo, filhos/filhas do matrimônio e da união estável,
ocupando o mesmo status jurídico, receberão um tratamento jurídico
1 6 8 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada.Op. cit., p. 119. A mesma autora em nota de rodapé explica que: “Não se pode, por exemplo, aplicar a solução presente na Lei 6.515/77 para decidir sobre a guarda dos filhos/filhas de uma união extramatrimonial, na qual o rompimento se deu por força do art. 2º, I, da Lei 9.278/96, que determina respeito e consideração mútuos”. (Op. cit., p.119). Em sentido contrário, outros autores afirmam que a guarda decorrente de disputa entre os pais, em virtude de separação judicial ou divórcio e regulada pela Lei n. 6.515/77, deve ser aplicada por analogia à guarda dos filhos de conviventes. (Op. cit., p. 120). Compartilhando com esse mesmo entendimento, Strenger afirma que o regime de guarda dos filhos/filhas naturais - filiação decorrente de união estável - na falta de acordo entre os pais aplicam-se as regras da Lei do Divórcio. (STRENGER, Guilherme. Op. cit., p. 67).
94
diferenciado.169 Tal situação aponta para uma violação do princípio
constitucional que garante a igualdade170 de direitos entre filhos/filhas
de qualquer natureza.
Todavia, um tratamento jurídico diferenciado, numa perspectiva
pós-moderna171 de garantia do direito à diferença, somente seria
aceitável para compensar desigualdades fáticas de natureza
econômica, social ou cultural, o que não representa o âmbito da
atribuição da guarda.
Nessa perspectiva, Carbonera conclui que a manutenção da
desigualdade de regulamentação da guarda conserva uma
discriminação rechaçada constitucionalmente.172
1 6 9 Segundo Bruñol: “La evolución del pensamiento jurídico, permite afirmar que tras la noción de derechos humanos subyace la idea que todas las personas, incluidos los niños, gozam de los derechos consagrados para los seres humanos y que es deber de los Estados promover y garantizar su efectiva proteción igualitaria. Por su parte, en virtud del citado principio de igualdad, se reconoce la existencia de protecciones jurídicas y derechos específicos de ciertos grupos de personas, entre los que están los niños”. (Op. cit., p. 43.)1 7 0 No Brasil, a idéia de igualdade, adotada como princípio de interpretação às normas infraconstitucionais em matéria de família, está intimamente relacionado ao princípio da isonomia previsto pela jurisprudência alemã. A partir de 1945, o Tribunal Constitucional Federal alemão passou a interpretar o princípio da isonomia como um “postulado de igualdade”, no qual “viola-se o princípio da igualdade quando não se pode encontrar para a diferenciação ou equiparação legais um argumento razoável, que surja da natureza das coisas e seja materialmente evidente, em resumo, quando a determinação há de ser qualificada como arbitrariedade”.(REIS, Carlos David S. Aarão. Família e igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 44.)1 7 1 Referindo-se à pós-modernidade no direito de família, questiona-se se o direito de família que nasce do texto constitucional é ou não pós-moderno. A igualdade de tratamento jurídico é uma característica da modernidade. O direito pós-moderno procura garantir o direito à diferença na busca da manutenção da identidade cultural dos grupos, utilizando-se do princípio da igualdade no sentido de que situações diferentes sejam tratadas diferentemente, com clara referência ao princípio de justiça comutativa de Aristóteles. (MARQUES, Claudia Lima et. al. Op. cit., p. 29.)1 7 2 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 121.
95
A adoção de um conceito de igualdade pela Constituição de
1988, permitiu a garantia de uma nova perspectiva ao ordenamento
jurídico no Brasil. Diante desta perspectiva, devemos estudar as regras
jurídicas antigas à luz de uma interpretação constitucional recente e,
eventualmente, editando novas normas de integração ou de definição
de situações fáticas até então não abrangidas por determinação
legal.173 Tal perspectiva de estudo garante a brecha necessária à
recepção de novas doutrinas que possam conformar situações do
mundo dos fatos ao sistema jurídico posto.174
Portanto, é preciso ressaltar que a aplicação do princípio da
igualdade também entre sexos, inserido na Constituição Federal em
seu art. 226, § 5º, incide na atribuição da guarda dos filhos/filhas. Em
outras palavras, pai e mãe encontram-se em igualdade de condições
para o exercício da guarda sem que se possa estabelecer uma
preferência entre estes.
Diante disto, o respeito à dignidade dos filhos/filhas passa
necessariamente pelo tratamento legal igualitário, bem como por sua
1 7 3 Como exemplo temos as Leis 8.560/92 e 9.278/96 que regulam, respectivamente, os institutos da paternidade e da união estável após a promulgação da Constituição Federal brasileira.1 7 4 MARQUES, Claudia Lima et. al. Op. cit., p. 23.
96
valorização como pessoa concretizando-se pelo reconhecimento das
diferenças.
Desta maneira, a guarda de cada filho/filha deve ser
estabelecida tendo em conta todos os aspectos do caso concreto, na
busca pelo atendimento do interesse da criança, naquele momento
específico.
Num estudo comparativo das legislações brasileira e italiana,
Carbonera observou que o critério da motivação da separação não
empresta fundamentos para a determinação da guarda, no
ordenamento italiano. Há uma distinção evidente entre as duas
situações.
Pelo Código Civil italiano,175 a decisão acerca da guarda não se
orienta pelos motivos aduzidos como fundamento à ruptura da união
dos pais. Todos os elementos a serem observados pelo juiz localizam-
se no interesse moral e material da prole. Assim, no modelo jurídico
italiano, tanto a atribuição da guarda, sua manutenção ou alteração,
bem como a determinação dos limites dos poderes paternos e seu
1 7 5 O artigo 155 do Código Civil italiano, bem como o artigo 6º, comma 2, da Lei 898/70 tratam da família e do casamento, especificamente sobre as providências a serem tomadas quanto aos filhos nascidos daquela união na hipótese de ruptura da conjugalidade dos genitores.
97
efetivo exercício terão como norte a busca do interesse dos
filhos/filhas.176
Através da comparação entre o sistema brasileiro e o italiano,
percebemos um importante passo dado por este para a superação da
noção de ruptura dos laços conjugais implicando necessariamente
ruptura dos laços paterno-filiais. Como sabemos, o sistema jurídico
brasileiro ainda perquire sobre as motivações dos cônjuges para a
separação ou divórcio, com intuito de deferir a guarda dos filhos/filhas
para um ou outro genitor. Tal vinculação merece uma reavaliação, eis
que se equivoca ao subordinar o exercício da guarda ao paradigma de
família matrimonial.
2.1.1 Crítica aos critérios de atribuição da guarda exclusiva
Diante dos argumentos destacados anteriormente, surge a
necessidade de pontuarmos algumas considerações a respeito dos
critérios de atribuição da guarda.
Em relação à evolução destes critérios, primeiramente, é
necessário considerar o seu significado implícito como atribuição de
1 7 6 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada .Op. cit., p. 123.
98
uma faculdade ou um poder a um dos pais em detrimento do outro.177
Tendo presente a questão de que as relações entre homens e mulheres
são também relações de poder, a atribuição de uma guarda de
filhos/filhas revela uma disputa pela conquista deste atributo,
reconhecendo-se, desta maneira, valores determinados ao que “perde”
e ao que “ganha”.178
A influência de uma decisão judicial com este conteúdo passa a
ser determinante para a organização das relações de poder na família,
embora esta se redesenhe com outros contornos, uma vez que houve a
ruptura do casamento ou união.
A atribuição unilateral da guarda implica uma divisão de cotas
do poder econômico entre os pais.179 Tais cotas são divididas
conforme um sistema de ônus e compensações, portanto, aquele que
tem a guarda do filho/filha é fiscalizado pelo outro que não a detém;
1 7 7 POLAKIEWICZ, Marta. Op. cit., p. 300. Neste caso a autora refere-se à hipótese de guarda exclusiva. A proposta desta monografia é apresentar uma nova abordagem possível que viabilize uma co-responsabilidade entre os pais no interesse dos filhos/filhas.1 7 8 As expressões em destaque reforçam uma noção de que esses valores são produções culturais percebidas pelos sujeitos como uma realidade concreta. Marraccini e Motta inferem que as questões relativas à separação do casal muitas vezes não guardam nenhuma relação com a capacidade de qualquer dos genitores em deter a guarda de seus filhos/filhas. O que deve efetivamente ter prioridade na atribuição da guarda são as necessidades e interesses destes. (MARRACCINI, Eliane M., MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 354).1 7 9 A guarda unilateral é deferida a um dos pais, no entanto se mantém a autoridade parental, sua titularidade e o seu exercício, conjuntamente.
99
este, por sua vez, é exigido no seu dever de cumprir com a obrigação
alimentícia.
Esta aparente compensação gera sobrecargas de
responsabilidades, pois há uma desvinculação das funções parentais
atribuídas aos genitores. Em outras palavras, o genitor a quem é
deferida a guarda acaba por apoderar-se dos filhos/filhas, enquanto o
outro sofre um processo de exclusão do convívio, ao mesmo tempo
em que apodera-se do controle do dinheiro.
Os contornos do conceito de guarda unilateral devem ser
repensados em termos de uma redefinição da competência do genitor
guardião, para que a subsistência dos filhos/filhas seja planejada de
uma maneira que responsabilize ambos os progenitores. Dessa forma,
haveria a possibilidade de uma redistribuição das funções como uma
conseqüência do novo arranjo familiar180, e não como conseqüência de
uma decisão judicial.
A doutrina e a jurisprudência tratam de fundamentar a
necessidade de atribuição unilateral da guarda dos filhos/filhas em
certos princípios gerais que tendem a sustentar a preservação do
1 8 0 POLAKIEWICZ, Marta. Op. cit., p. 300.
100
superior interesse das crianças181. Entretanto, tais princípios devem ser
reavaliados para que respondam afirmativamente à proteção dos
interesses dos filhos/filhas, do contrário, o apego ao dogmatismo
formal poderá sustentar idéias pré-concebidas.
De uma maneira geral, o conteúdo das decisões sobre guarda
versa em torno dos valores da educação e formação do caráter dos
filhos/filhas, que teriam como pressupostos uma unidade nos critérios
e estabilidade das experiências, com o objetivo de que não se
desvirtue a personalidade da criança, que ficaria irremediavelmente
abalada pelo exercício compartilhado da guarda.
A concentração das decisões pelo genitor guardião provoca a
exclusão do outro em relação à educação e à formação do filho/filha.
Na verdade, há uma confusão entre os conceitos de unidade e
unipersonalidade. A unidade informa sobre a convergência de
vontades em uma mesma direção, e não sobre a concentração do poder
de decisão em um único sujeito.
1 8 1 Trataremos deste critério no item posterior. Entretanto ressalta-se uma unanimidade doutrinária e jurisprudencial em reconhecer o interesse das crianças como critério essencial para determinação da guarda. Nesse sentido ver: LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 193-202; GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 61-64; CARBONERA, Silvana. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 124-140; MARRACCINI, Eliane M., MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 354.
101
Uma das hipóteses sugeridas por Polakiewicz é de que o
interesse que sustenta as bases da família nuclear e sua proteção
jurídica baseia-se na manutenção do vínculo matrimonial. Dessa
forma, quando se apresenta a separação ou divórcio seria
inconcebível, para alguns, estabelecer um olhar que perceba outras
perspectivas para essa nova formação potencialmente saudável.
Portanto, todo o esforço de abordagem das relações familiares depois
da ruptura da união estaria condicionado a uma ideologia das
“famílias incapacitadas” ou de “menor validade”, que seriam
incompetentes para produzir respostas válidas às exigências da
parentalidade. 182
A sistemática de atribuição unilateral da guarda, tanto no plano
jurídico quanto no cultural, está impregnada de uma idéia de
repartição dos pertences, das frustrações e dos ressentimentos
provocados pela separação, isto é, os filhos/filhas seriam bens a serem
atribuídos, entretanto, como não são divisíveis, opta-se pela solução
de designá-los exclusivamente a um dos genitores.183
1 8 2 POLAKIEWICZ, Marta. Op. cit., p. 301.1 8 3 Para contribuir com os fundamentos da guarda unilateral existe um princípio pacífico e unânime na doutrina e na jurisprudência de que se deve primordialmente assegurar o status quo da criança. O discurso psicanalítico também foi bastante colaborador desta proposição.
102
Entretanto, sabemos que as decisões judiciais em direito de
família não fazem coisa julgada material, podendo ser revistas sempre
que se fizer necessário. Essa característica é conseqüência do
permanente processo de mutação das situações fáticas em que se
fundam as relações familiares, entre elas o exercício da guarda. Sendo
assim, conforme a evolução do desenvolvimento biopsicossocial da
criança, poderão ser requeridas em distintas etapas desse processo
repostas diferenciadas que impliquem uma maior ou menor
participação de um ou outro genitor, sem necessidade de recorrer às
causas de gravidade extrema para introduzir modificações no regime
da guarda.
É necessário que se reconheça que há uma incompatibilidade
entre a manutenção estática do status quo e o dinamismo do
desenvolvimento das crianças.
Como resultado de uma análise jurisprudencial, Polakiewicz
ironiza o padrão tradicional de determinação da guarda. Para a autora
o interesse das crianças muda conforme o estado civil dos pais. Em
outras palavras, observa-se que a sociedade tem como um valor
positivo o homem que trabalha muitas horas diárias para prover o
103
sustento familiar durante a convivência matrimonial, considerando um
benefício no melhor interesse das crianças. A partir da separação ou
divórcio, a mesma situação contraria esses interesses e impede que se
atribua a guarda ao pai.184
Podemos organizar as principais características da distinção na
atribuição da guarda em duas proposições. A primeira remete à
exclusão do pai da possibilidade de uma convivência contínua com
seu filho/filha, uma vez que não detém a guarda. Dessa forma, se
prefere a mãe, que é aquela que teria maior disponibilidade de tempo
para cuidar da criança. A segunda reflete a situação do genitor, que
não tendo a guarda, se reserva a supervisão da educação dos
filhos/filhas como forma de evitar a marginalização de sua função
parental. Entretanto, tal manobra não obtém os resultados que se
deseja, o que pode ser comprovado pela simplicidade da crença
popular de que “quem não convive, não educa.”
A mesma autora observa que as decisões judiciais conferem um
valor negativo ao interesse do pai de gozar a guarda compartilhada
dos filhos/filhas. No meio jurídico esta posição é vista como uma
atitude relutante em assumir na plenitude os deveres e
1 8 4 POLAKIEWICZ, Marta. Op. cit., p. 302.
104
responsabilidades que implica a paternidade. Mais desfavorável é a
valoração que se tem da intenção da mãe em estabelecer a guarda
compartilhada, uma vez que se considera tal atitude como uma
demonstração de um desejo de abdicação da guarda.185
Em outras palavras, o pai que expressa o desejo de compartilhar
a guarda demonstra a intenção de não pagar alimentos para a
subsistência de seus filhos/filhas. No mesmo sentido, a mãe estaria
abrindo mão de um atributo da condição feminina e, portanto,
revelando uma faceta inconcebível ensejadora de uma relativa
desconfiança do magistrado em deferir-lhe a guarda.
Da mesma forma, os fundamentos utilizados nas decisões
judiciais para rechaçar a guarda compartilhada são formados por
valores que desconhecem os inconvenientes da atribuição unilateral da
guarda. Tais fundamentos sustentam a preservação do modelo de
família nuclear e desvalorizam a organização familiar posterior ao
rompimento da sociedade conjugal, impedindo, assim, a aferição de
um real interesse dos filhos/filhas para a definição da guarda.
1 8 5 Idem, p. 303.
105
2.2 O interesse da criança ou adolescente como critério de
controle e solução
O tema da atribuição da guarda tem como eixo central, que
orienta todas as decisões judiciais, a preservação do interesse das
crianças e adolescentes. Conforme afirma Eduardo de Oliveira Leite
“o interesse dos filhos é o único critério legal que permite ao juiz
confiar a guarda do filho a um dos genitores”.186
Para Dolto, as medidas tomadas “no interesse dos filhos/filhas”
constituem-se nas condições que os conduzirão a uma autonomia
responsável na adolescência. Nesse sentido, a referida autora explicita
melhor esse conceito em três tempos distintos, quais sejam:
a) o interesse imediato e urgente de que a criança não se “desarticule”;
b) o interesse, a médio prazo, de que ela recupere sua dinâmica
evolutiva após os momentos difíceis;
c) o interesse, a longo prazo, de que ela possa deixar seus pais: é
preciso que ela seja apoiada na sua autonomia mais depressa que os
1 8 6 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 193.
106
filhos de casais unidos, ou seja, que se torne capaz de responsabilizar-
se, e não de se apegar demais no genitor contínuo ou desenvolver
mecanismos de fuga, que são de dois tipos: a inibição – a fuga para
dentro de si – ou o abandono da formação pré-profissional, dos
estudos, o que às vezes chega até às fugas repetidas.187
Este conceito, difícil de definir por seu caráter variável em
função do tempo e do modelo cultural, deve ser construído
considerando sua interação com o interesse familiar e com a recepção
da opinião dos filhos/filhas.188
Alguns autores afirmam que, em sendo o interesse da criança
uma diretriz vaga, indeterminada e sujeita a múltiplas interpretações,
se constituiria numa escusa para decisões à margem dos direitos
reconhecidos em razão de um etéreo interesse superior de tipo
extrajurídico.189
Os dispositivos de proteção dos direitos das crianças,
assegurados pela Convenção Internacional dos Direitos das Crianças
1 8 7 DOLTO, Françoise. Op, cit., p. 128-129.1 8 8 Em uma tentativa de definição de interesse dos filhos/filhas, Grisard Filho assim se expressa: “O interesse concreto do menor, buscado em seu futuro, com o fim de protegê-lo e lograr seu desenvolvimento e sua estabilidade , apto à formação equilibrada de sua personalidade, é critério de decisão do juiz”. (Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 61.)1 8 9 BRUÑOL, Miguel Cillero. Op. cit., p. 44.
107
no seu artigo 41, são complementares – nunca substitutivos – dos
mecanismos gerais de proteção dos direitos reconhecidos a todas as
pessoas.
Com amparo no postulado do interesse superior da criança
permitiu-se uma ampla discricionariedade da autoridade judicial,
debilitando a tutela efetiva dos direitos que a própria Convenção
consagra. A Convenção elevou o interesse superior da criança ao
caráter de norma fundamental, com um rol jurídico definido que se
projeta no ordenamento jurídico, orientando o desenvolvimento de
uma cultura mais igualitária e respeitosa dos direitos de todas as
pessoas. Dessa forma, qualquer decisão ou medida que pretenda ser
fundamentada no interesse da criança deve ser regida por uma
interpretação que seja depreendida do conjunto de disposições da
Convenção Internacional.190
É preciso atentar para a necessidade de uma discussão
hermenêutica sobre o interesse superior da criança, inserida numa
concepção garantista que promova a conciliação entre este interesse e
a proteção efetiva de seus direitos.
1 9 0 Idem, p. 45.
108
O interesse das crianças não deve simplesmente inspirar as
decisões. Este princípio nos informa sobre uma limitação, uma
obrigação, uma prescrição de caráter imperativo para as autoridades.
Assim deve ser não porque o interesse das crianças é considerado um
valor social, ou por uma concepção de bem-estar social ou bondade,
mas porque as crianças são sujeitos de direito e, que, portanto, devem
se respeitados. Existem vínculos normativos que impelem a garantia e
efetividade dos direitos subjetivos das crianças.191
É possível afirmar que o interesse das crianças se expressa
através da satisfação de seus direitos. O conteúdo desse princípio são
os próprios direitos; neste caso, interesse e direito se identificam.
Sendo assim, a violação de um dos seus interesses estaria infringindo
um direito subjetivo. Zelar por seus interesses é garantir uma
cidadania precoce, no sentido de que não podemos esperar que
adquiram capacidade jurídica para ingressar em juízo exigindo as
reparações pelos danos sofridos.
Desde a vigência da Convenção Internacional dos Direitos das
Crianças, seus interesses deixaram de ser um objetivo social desejável
1 9 1 Idem, p. 53.
109
– realizado por progressistas ou benevolentes – e passaram a ser um
princípio jurídico garantista que obriga sua observância.
Este princípio relembra, ao juiz que está sujeito ao conteúdo dos
direitos das crianças, eis que estão sancionados legalmente.
O interesse dos filhos/filhas, colocados frente aos
desencontrados interesses dos pais, revela um desnível entre estes
sujeitos. Assim, a busca pelo respeito aos interesses das crianças é a
busca pela igualdade na relação paterno-filial.
Entretanto, é necessário refletir sobre as constantes
transformações na sociedade que impõem um sentimento de justiça
pragmática, capaz de compreender que o interesse de uma criança não
é necessariamente idêntico ao de outra, ao mesmo tempo este interesse
sofre variações conforme o passar do tempo, do contexto social e
cultural.192
A imprecisão e a variedade de conteúdo que apresenta a noção
de interesse do filho/filha aponta para um princípio protetivo que
abrigaria as mais diversas facetas, adequadas pelo juiz a cada caso
1 9 2 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 126.
110
concreto. Trata-se de um conceito juridicamente indeterminado, na
medida em que seu conteúdo e extensão são incertos. Seu manejo na
realidade prática não comporta uma definição em abstrato que tenha
validade universal.
É necessário que haja uma conexão a uma situação fática, na
qual o interesse, respeitando as peculiaridades e especificidades dos
sujeitos, poderá ser avaliado e construído a partir dos elementos
apresentados naquele contexto. No caso específico de guarda, a
conjuntura familiar, a fase de desenvolvimento em que a criança se
encontra, os níveis de ansiedade e desejo de pais e de filhos/filhas
informarão as bases para a apreensão do real interesse das crianças.
Entretanto, na busca pela garantia desses interesses, alguns
aspectos gerais podem ser destacados.
Do direito Anglo-saxão são sopesados alguns destes aspectos na
análise do interesse do filho/filha em casos de guarda, direito de visita
e adoção: o amor e os laços afetivos; capacidade de prover o sustento;
padrão de vida; saúde do guardião; o meio em que a criança vive,
como a escola, comunidade, lar; a preferência da criança se ela já tiver
111
idade suficiente para expressar-se; a habilidade dos pais em apoiar um
contato mais estreito entre a criança e o não-guardião.193
A legislação brasileira apresenta um conjunto de fatores que
devem ser considerados para a determinação da guarda, de cunho
constitucional, regulamentados pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Fatores esses que se caracterizam por serem direitos
fundamentais com o objetivo de assegurar as oportunidades que
promovam o “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e dignidade”, obrigando a família, a
comunidade, a sociedade em geral e o poder público.194
Em que pese a dificuldade de precisão do conteúdo da noção de
interesse dos filhos/filhas, a jurisprudência brasileira tem demonstrado
alguns indícios para uma atuação mais criteriosa do juiz incumbido de
determinar a guarda de uma criança.
São eles apresentados por Eduardo de Oliveira Leite: “o
desenvolvimento físico e moral da criança, a qualidade de suas
1 9 3 Idem, p. 128.1 9 4 Assim dispõem os artigos 3º e 4º do ECA. (Lei 8.069/90)
112
relações afetivas, sua inserção no grupo social, a idade (as crianças de
tenra idade são quase sempre deixadas com a mãe), o sexo (as filhas
são confiadas às mães, enquanto os filhos permanecem com o pai), a
irmandade, o apego ou indiferença da criança em relação a um de seus
pais, a estabilidade da criança”.195
Não obstante a doutrina e a jurisprudência estarem empenhadas
em fornecer minimamente alguns critérios de aferição, é preciso
destacar que a principal característica da noção de interesse dos
filhos/filhas trata da sua aplicabilidade em conformidade a cada caso
em concreto.
Ramos afirma que a leitura interdisciplinar do direito, portanto,
a análise de cada caso concreto, na sua historicidade, é obrigatória em
qualquer circunstância.196
Sendo assim, a regra não consiste em manter a guarda conforme
a decisão que a atribuiu em qualquer circunstância, mas sim atender
1 9 5 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 197.1 9 6 Continuando seu raciocínio a autora conclui: “Trata-se de um repensar o direito no contexto de uma ordem capaz de vincular lei e realidade. Este modelo epistemológico significa, por via de conseqüência, que os resultados apontados jamais poderão ser únicos, devendo ser adequados, para a situação, momento e local específicos a que se dirigem, à pena de criar-se uma nova ficção, divorciada da realidade e sem condição de atender com sucesso aos reclamos daquela determinada tensão ou emergência social”. (RAMOS, Carmem Lucia Silveira. Op. cit., p. 14).
113
ao interesse dos filhos/filhas, pois nem sempre sua manutenção
produzirá os resultados desejáveis.
Atender ao interesse do filho/filha, por vezes, implica contrariar
o que parece ser o interesse dos pais. Em outras palavras: “nem
sempre o que é de interesse dos pais é a melhor alternativa para os
filhos/filhas”197. Não raramente observa-se que a posição dos pais está
embaraçada por problemas pessoais ou questões residuais da
separação conjugal198, o que impede a percepção da prioridade que
deve ser dada às necessidades dos filhos/filhas.
A criança envolvida em situação de conflito entre os pais pela
guarda exclusiva merece especial atenção do magistrado. Sua função é
não permitir que esta seja utilizada como meio de vendetta particular
ou instrumento para satisfação dos interesses pessoais de adultos.
O risco de um enfrentamento desta ordem, sem dúvida, é maior
quando a ruptura é litigiosa no que concerne à questão da guarda.
1 9 7 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 354.1 9 8 Oliveira assevera que o discurso verbalizado pelos protagonistas de uma separação traz em seu bojo conteúdos complexos. O pedido latente de ressarcimento emocional produz disputas deslocadas para a disputa de bens materiais e relações coisificadas, desde quem vai ficar com os copos, com a casa, até mesmo em relação aos amigos e os filhos/filhas. Entretanto, conclui a autora, por mais que se receba, nunca será o suficiente para quitar dívidas afetivas. (OLIVEIRA, Ângela. Aspectos psicológicos relacionados à situação de separação do casal. In: NAZARETH, Eliana R. (Coord.) Direito de Família e Ciências Humanas. Cadernos de estudos n.1, São Paulo: Jurídica Brasileira, 1997, p. 51).
114
Existe a possibilidade dos filhos/filhas serem tratados como mais um
bem material sobre o qual se disputa a divisão. Os pais, consciente ou
inconscientemente, travam uma briga de poder usando como armas os
próprios filhos/filhas. São casos em que se desprezam por completo as
necessidades e interesses da criança.
Segundo Carbonera, este problema poderia ser minorado se as
decisões sobre guarda tivessem um rito mais célere.199
Marraccini e Motta asseguram:
“As crianças são seres para quem o tempo é extremamente precioso e onde a sua capacidade de espera é muito mais limitada do que para qualquer adulto.”200
Sabe-se que a decisão acerca da guarda dos filhos/filhas está
atrelada de forma acessória ao fim da união dos cônjuges ou
conviventes. São questões autônomas que mereceriam um tratamento
independente, sob pena da morosidade de uma decisão sobre a ruptura
prejudicar inequivocamente o atendimento ao interesse das crianças
em qualquer situação.201
1 9 9 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 134.2 0 0 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 355.2 0 1 Carbonera aponta para a carência de uma atenção especial na esfera processual sobre a questão da possibilidade de não concretização do real interesse das crianças e adolescentes quando da ruptura da união de seus pais causada pela demora da prestação jurisdicional. Afirma, também que
115
É possível, como afirmamos anteriormente, trabalhar com o
significado do interesse das crianças e adolescentes, a fim de elaborar
uma construção conceitual que privilegie determinados
posicionamentos. Assim sendo, será de grande valia a oitiva da
criança, a fim de dirimir quaisquer dúvidas do magistrado em relação
aos seus sentimentos.
2.2.1 O direito da criança de ser ouvida
A consulta aos desejos dos filhos/filhas é outro elemento
relevante para a avaliação do seu melhor interesse. É necessário que as
crianças e adolescentes, que são sujeitos de direito, sejam escutados
em juízo, a fim de que se pense na melhor solução da questão, pois
eles/elas dizem coisas importantes que, muitas vezes, não constam nos
autos do processo.
O art. 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos da
Criança expressa o dever dos Estados em garantir às crianças o direito
de expressar sua opinião em todos os assuntos que lhes afetem,
trata-se de duas relações jurídicas autônomas, cuja dependência entre a paterno-filial e a conjugal não encontra respaldo no modelo jurídico constitucionalizado de família. (Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 134-135 - nota 385).
116
sobretudo nos processos judiciais ou administrativos, seja diretamente
ou por meio de um representante ou órgão apropriado.
Na legislação nacional, a hipótese de oitiva da criança encontra-
se no artigo 168 do Estatuto da Criança e do Adolescente.202
É importante reconhecer aos filhos/filhas a oportunidade de
manifestar sua opinião para que o juiz obtenha mais um elemento de
avaliação, a fim de decidir sobre o mais conveniente para o interesse
destes.203
Para Eduardo de Oliveira Leite, a consulta à criança dever ser
empregada como recurso extremo que só se revelaria necessário
quando inexiste acordo entre os pais ou quando o exame da situação
deixou o magistrado indeciso sobre a decisão a proferir.204
A ligação afetiva da criança com seus genitores, seja ela
verbalizada ou não, é essencial na decisão sobre seu futuro guardião.
Dessa forma, a criança deverá ser acolhida e respeitada em seus
2 0 2 “Art. 168. Apresentado o relatório social ou o laudo pericial, e ouvida, sempre que possível, a criança ou adolescente, dar-se-á vista dos autos ao Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, decidindo a autoridade judiciária em igual prazo”.2 0 3 POLAKIEWICZ, Marta. Op. cit., p. 309.2 0 4 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 204.
117
desejos e ansiedades, seja pelos pais, seja pelos profissionais
envolvidos.
Não há na legislação uma idade mínima para que as crianças ou
adolescentes possam ser ouvidos em juízo acerca de qualquer questão
que lhes diga respeito. O que se observa é uma coerência entre a fase
do desenvolvimento psicológico infantil e a possibilidade de
manifestação do seu desejo.
Assim, Marraccini e Motta afirmam que a partir dos treze anos
a criança deveria ter a oportunidade de expressar-se e ser ouvida, uma
vez que já estaria em condições de manifestar-se objetivamente sobre
o que pensa e o que deseja, sendo seu depoimento de grande utilidade
para a orientação da decisão a respeito da guarda.205
Entretanto, a audição da criança deve ter por finalidade dirimir
dúvidas quando há insuficiência de dados quantitativos e qualitativos
nos autos do processo. As indagações devem restringir-se ao ambiente
2 0 5 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 355. Embora haja correntes favoráveis e contrárias à oportunidade de escuta dos filhos/filhas no processo de definição da guarda, há uma unanimidade quanto à restrição de que crianças menores de treze anos somente deverão ser ouvidas se não comportar nenhum inconveniente. (LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 05.)
118
social, moral e afetivo vivenciado pela criança, sem que jamais se
peça que ela faça uma escolha entre um ou outro genitor.206
A consulta à vontade do filho/filha não se restringe a sua oitiva
direta com o juiz, pois pode ser fruto do trabalho da equipe
interdisciplinar207 que o assessora, servindo de suporte essencial para
esclarecimento do real sentido do interesse dessa criança.208
Portanto, estabelecido um diálogo entre a criança e o juiz ou sua
equipe, teremos mais possibilidades de uma sintonia entre as decisões
judiciais e a vivência dos sujeitos diretamente tocados por estas.
2.2.2 A confusão entre o papel parental e o conjugal
Outro aspecto que deve ser examinado diz respeito à vinculação
do papel de guardião ao de cônjuge. A confusão entre esses papéis
encontrava respaldo na orientação da Lei 6.515/77. Contudo, sua
manutenção após a promulgação da Constituição Federal fica
seriamente prejudicada, pois tal expediente atinge o princípio da
2 0 6 “Um filho nunca escolhe um pai, e, quase sempre, quer permanecer com ambos”. (Idem, p. 206-207.)2 0 7 “Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário , na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para a manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude”. (Lei 8.069/90 – ECA.)2 0 8 CARBONERA, Silvana M. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Op. cit., p. 138.
119
proteção à dignidade das pessoas. O comportamento do cônjuge
informando sobre o papel de genitor implica pré-julgamento, o que
não tem mais razão de ser no modelo de família que busca a
realização pessoal e a valorização dos sujeitos, muito mais que a
manutenção de um mero vínculo formal.
Dessa forma, sendo inevitável a dissolução de um casal e difícil
o abandono do sonho de um complemento natural, tal desencontro
entre a fantasia e a realidade não deveria repercutir no desempenho
das funções parentais. A relação paterno-filial não está subordinada à
relação conjugal.209
Em contrapartida, se o mau comportamento como cônjuge
refletir na experiência como genitor desatendendo aos interesses dos
filhos/filhas, esse será um dos fatores determinantes para a atribuição
da guarda, haja visto que seus reflexos são percebidos na relação
paterno-filial.
Além da falta de um critério que revele o exato conteúdo do
interesse das crianças, convivemos com o elemento subjetivo da
2 0 9 BARROS, Fernanda Otoni. Op. cit., p. 85-786.
120
discricionariedade e interpretação do magistrado no trato de decisões
sobre a guarda.
O arbítrio do juiz é o elemento inicial de caracterização da
subjetividade da noção de interesse dos filhos/filhas. Sendo
apresentado nas mais variadas formas, o juiz poderá tirar desta noção
as concepções mais diversas, eis que é demasiadamente vago para
fornecer um princípio objetivo de solução.210
O interesse das crianças serve, primeiramente, de critério de
controle, isto é, de instrumento que permite o controle do exercício da
autoridade parental. Por outro lado, esse interesse pode ser utilizado
como critério de solução, no sentido de que, em caso de ruptura da
conjugalidade, a atribuição da guarda e do exercício de suas
prerrogativas depende de uma apreciação realizada pelo juiz.
O emprego deste critério é muito questionável, porque não há
uma unanimidade sobre a divisão tradicional dos papéis materno e
paterno, divisão esta a que recorrem grande parte dos autores, quando
busca avaliar o melhor interesse da criança. A definição do interesse
dos filhos/filhas é uma estratégia empregada pelos diferentes meios
2 1 0 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 194-195.
121
profissionais que atuam no espaço familiar num esforço de
conciliação das reivindicações por liberdade individual e o complexo
sistema de regulamentação social da esfera familiar.
A noção de interesse traduz a evolução do direito de família em
direção ao abandono de um modelo familiar único e transcendente em
proveito do reconhecimento da diversidade social e da gestão das
situações individuais.
Essa noção não permite, como se pretende no mundo jurídico,
reduzir tudo a categorias perfeitamente delimitadas, uma vez que a
análise realizada pelo juiz é casuística, exigindo uma apreciação
totalmente subjetiva.
Esse critério só adquire sua eficácia no exame prático do
interesse de cada criança, com base nos elementos de que dispõe o
juiz e na argumentação dos pais.
Na interpretação de Eduardo de Oliveira Leite, até o momento
da prolatação da sentença, e mesmo depois, todas as medidas são
provisórias. Dessa forma, sempre que as circunstâncias indicarem a
122
necessidade de alteração, haverá a possibilidade de revisão dessa
decisão, conforme dispõe o artigo 13 da Lei 6.515/77.211
Diante deste poder discricionário do juiz na atribuição da
guarda, corre-se o risco desta decisão, em nome do “interesse dos
filhos/filhas”, constituir-se em um mecanismo de perpetuação de
preconceitos.
Eduardo de Oliveira Leite destaca a desvantagem que um
homem leva em relação à mulher na obtenção da guarda dos
filhos/filhas. A referência ao papel tradicional da mãe “naturalmente”
boa, abnegada, apegada aos filhos/filhas ainda exerce uma forte
influência sobre os julgadores. Para a maioria dos magistrados as
mulheres são mais mães do que os homens, pais.212
Os preconceitos estão levando, sistematicamente, a uma
desqualificação dos pais “no interesse dos filhos/filhas”.
“O homem que pede o divórcio age por egoísmo, enquanto a mulher pensa nos seus filhos. Um homem não pode, espontaneamente, querer educar sozinho seus filhos: se ele pede a guarda, é para prejudicar sua mulher. Os filhos não
2 1 1 “Art. 13. Se houver motivos graves, poderá o juiz , em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais”.2 1 2 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 196.
123
podem, espontaneamente, querer viver com seu pai: se eles exprimem esse desejo, é porque foram manipulados. Sempre se suspeita de um homem que quer a guarda de uma filha: não há qualquer coisa de incestuoso neste desejo? A um pai que se sai bem profissionalmente, retruca-se sempre que, com seu trabalho, ele não conseguirá se ocupar dos filhos. Se ele alega preferir seus filhos à sua carreira, ele é taxado de fracassado. Se o pai chora, ou exprime uma forte emoção, é um homem frágil, depressivo, talvez psicopata. Se ele assiste calmo às lágrimas de sua mulher, é um insensível. Se ele declara que pretende trocar seus horários, trabalhar menos para ter tempo para seus filhos, todos os dissuadem da pretensão. Ele trabalha demais ou não trabalha suficientemente [...].”213
O rol de situações apontadas acima pontua cada um dos pré-
conceitos que povoam tanto uma noção disseminada no senso comum,
quanto no meio jurídico. Certamente, tal consenso dificulta a
atribuição de uma guarda compartilhada, em oposição ao que ocorre
nos Estados Unidos,214 países escandinavos e na França.215
São essas noções discriminatórias que negam uma igualdade
prevista pelo constituinte de 1988. A igualdade dos pais,
inequivocamente, não tem se manifestado da maneira que desejamos. 2 1 3 SULLEROT, Evelyne. Quels pères? Quels fils? Paris: Fayard, 1992, p.258-259. Apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 201.2 1 4 A maioria dos Estados americanos tem leis que incluem a guarda compartilhada entre as opções de custódia dos filhos/filhas após a separação dos pais, em outros, como a Califórnia, a legislação dá preferência a este tipo de arranjo. (NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 138.)2 1 5 No caso francês, existe a Lei 87.570/87, conhecida por “Lei Malhuret”, que determina que a guarda compartilhada seja a regra, enquanto a exclusiva somente seja aceita em hipótese excepcional.
124
Estamos diante de um impasse entre igualdade formal e material, entre
modernidade e pós-modernidade, fundamentalmente entre relações de
poder e de gênero. Verucci assegura que uma lei igualitária não é
suficiente para extirpar as discriminações e os vícios nas relações de
gênero.216
Os objetivos de uma apreciação do interesse dos filhos/filhas
são de duas ordens, conforme Eduardo de Oliveira Leite, no que tange
à criança, deve-se preservar sua estabilidade psicológica, como
também sua experiência afetiva em relação a cada um dos pais. Se os
dois, apesar da ruptura, mantêm um bom relacionamento, capaz de
garantir uma guarda compartilhada, a estabilidade psicológica
dependerá da vivência afetiva com o genitor que abrigará
habitualmente a criança, ressalvando que, embora a guarda seja
exercida compartilhadamente, a criança terá apenas uma residência
fixa, o que impõe um bom relacionamento entre os pais.
Em relação aos pais, o objetivo permanece inalterável, qual
seja: zelar pela educação e desenvolvimento dos filhos/filhas,
combinado com a possibilidade de manutenção das relações através de
2 1 6 VERUCCI, Florisa. A eficácia do direito igualitário nas relações de gênero. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n.72, jan. 1991, p. 149.
125
um contato estreito, de uma intensidade semelhante ao tempo que
moravam todos juntos em uma mesma residência.217
Para uma melhor compatibilização desse objetivo de
manutenção dos laços de convivência, torna-se necessário um certo
grau de entendimento entre os pais. Tal entendimento é requisito
imprescindível para a formação da guarda compartilhada. Diante
disto, existem autores que apontam para o processo de mediação, pois
este parece responder melhor as inquietações referentes à futura
parentalidade, sobretudo para o exercício da guarda compartilhada.
2.3 A mediação como instrumento para elaboração de um
plano de projeção da parentalidade
Não existem respostas fáceis para a determinação da guarda.
Nosso objetivo é propor algumas ponderações sobre a maneira por que
a questão da guarda dos filhos/filhas, após a separação ou divórcio dos
cônjuges ou conviventes, costuma ser enfrentada pelos profissionais
do direito chamados a compor os interesses em conflito.
2 1 7 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 210.
126
Da mesma forma, não existem fórmulas de aplicação mecânica
para a solução dos conflitos intrafamiliares. A tendência dos
profissionais do direito é inserir cada situação numa determinada
categoria jurídica, através da qual toda e qualquer situação será
“resolvida”218 da mesma maneira. Cada caso torna-se, portanto, um
problema de adaptação ao contexto do conteúdo abstrato da norma. O
sujeito e suas vicissitudes devem amoldar-se à previsão legal.219
Entretanto, em matéria de direito de família há variantes
incontáveis, o que nos sugere uma certa dose de cautela com o
impulso de “encaixar” cada situação a uma determinada norma.
Assim, o que funciona bem para uma família pode causar problemas
em outra, como assegura Teyber.220
Sabemos que o tratamento jurídico dispensado à guarda revela
conteúdos que nos remetem às relações de poder entre pai e mãe, as
desigualdades e discriminações na atribuição de uma guarda paterna, à
2 1 8 A expressão destacada sugere a contradição entre os símbolos que o sistema jurídico produz no imaginário social e seu efetivo alcance para a superação das necessidades e efetiva garantia dos direitos dos sujeitos.2 1 9 Nesse sentido: “A aplicação mecânica da norma jurídica e a solução dos problemas objetivos com referência exclusiva ao estrito âmbito legal faz com que os aspectos emotivos ou sejam desconsiderados e reprimidos, ou então se expressem de forma desordenada em ações judiciais que muitas vezes representam não exatamente um meio de solucionar controvérsias, mas antes a canalização de uma agressividade ou mal-estar isto quando não se traduzem na danosa escolha de renúncia aos próprios direitos”. (MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 346.)2 2 0 TEYBER, Edward. Ajudando as crianças a conviver com o divórcio. São Paulo: Nobel, 1995, p. 119.
127
dificuldade de transformação de um pensamento dominante na
magistratura de que somente as mães maternam, apenas para
relembrarmos alguns aspectos.
Contudo, é inegável que a sociedade e alguns profissionais do
direito e de outras áreas buscam caminhos diferenciados que possam
satisfazer a uma nova concepção de família.221 Para tanto, o diálogo
entre estes e os pais para uma real avaliação sobre o que determinaria
o interesse das crianças constitui-se num exercício de
comprometimento e cooperação.
Como já afirmamos anteriormente, para o sucesso de uma
reorganização estrutural da família após a separação ou divórcio é
desejável uma efetiva participação dos envolvidos na projeção desta
nova configuração familiar. Neste sentido, quanto maior for o
envolvimento pessoal no processo de ressignificação e redefinição dos
papéis familiares, maior será a possibilidade de um real
comprometimento com o pacto firmado. Com efeito, é sempre
2 2 1 Schiffrin afirma que: “La vida se ha “complejizado”, los cambios sociales de los últimos años obligan a repensar esquemas que fueron operativos pero que ya no lo son tanto. Esto se evidencia en todas las organizaciones, desde el Estado hasta la familia, su célula. La clave es la participación, no se toleran los autoritarismos ni las soluciones impuestas.[...] Como contrapartida a esa realidad compleja y, a veces, inasible, necesitamos recuperar la capacitad de decidir por nosotros mismos los conflictos en que estamos inmersos, sentir que mantenemos el control sobre nuestra vida.” (SCHIFFRIN, Adriana. Mediacion en casos de familia. Revista Interdisciplinaria y Doctrina y Jurisprudencia, Bueno Aires, v.12, 1998, p. 99-100.)
128
preferível um acordo a uma decisão judicial, já afirmaram Eduardo de
Oliveira Leite, Marraccini e Motta.222
O que se pretende é que os pactos firmados através de uma
forma alternativa de resolução das disputas se cumpram, respeitando,
notadamente, a ordem pública. Para isso é indispensável que seu
cumprimento seja possível na prática, conforme os elementos da
realidade de cada família em particular.223
Os procedimentos jurídicos junto a família, de uma maneira
geral, reforçam a disputa entre cônjuges. É nesse contexto que a
guarda compartilhada tem algo a acrescentar: a possibilidade de se
pensar um sistema jurídico capaz de unir os pais, ou, ao menos, de não
aumentar as diferenças e desavenças.
Na preservação dos interesses dos filhos/filhas ambos os pais
podem tomar as medidas conjuntamente. A qualidade dessas decisões
está vinculada ao sentimento de co-responsabilidade pela direção
adotada. Além disso, a criança que vivencia seus pais unidos em torno
de si e de seus interesses fortalece sua auto-estima, dando-lhe o
2 2 2 LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit., p. 255, MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 354.2 2 3 SCHIFFRIN, Adriana. Op. cit., p. 104.
129
sentimento de que suas necessidades não foram negligenciadas após a
ruptura.
No estudo das possibilidades de continuidade de convivência de
ambos os genitores com seus filhos/filhas deve ser aventada, entre
outras opções, a guarda compartilhada, dentro da perspectiva,
disponibilidade e desejo dos pais.
Para tanto, sugere-se a elaboração de um plano de
parentalidade, previamente traçado, organizando a forma por que os
pais irão propiciar este convívio. A maneira como será elaborado este
plano deverá ser fruto de uma construção coletiva, em que ambos os
genitores participam, com a assessoria dos profissionais necessários,
e, eventualmente, com a participação dos filhos/filhas.224
A partir da constatação de que a mediação será o instrumento
que viabilizará a constituição da guarda compartilhada, devemos nos
deter nos fundamentos e estruturação deste processo de resolução de
conflitos.
2 2 4 NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 153. Na reorganização da família, após a separação, alguns países exigem um plano parental: “Certains Etats exigent une planification parentale, d’autres imposent ou organisent des conseils et des médiations pour l’élaboration de ces plans et pour la solution des conflits antérieurs à la mise en oeuvrede la joint custody. Les résultats scolaires, les bulletins de santé etc., doinvent être communiqués aux deux parents. Le parent n’ayant pas la garde physique de l’enfant doit être informé de tout ce qui le concerne.” (POUSSON, Jacqueline e Alain. L’affection et le droit. Paris: Editions du Centre de la Recherche Scientifique, 1990, p. 105.)
130
2.3.1 Princípios, conceito e práxis da mediação
Uma das hipóteses que pode adaptar-se nesse contexto de
exame da reestruturação familiar é a mediação. A mediação enseja um
maior intercâmbio de idéias, maior discussão dos pontos de conflito,
como também a possibilidade de uma elaboração da nova estrutura de
vida a ser construída. A utilização da mediação constitui-se num
instrumento a ser considerado, pois possibilita a cooperação entre os
cônjuges com vistas a atingir um plano de cuidado para com os
filhos/filhas que responsabiliza ambos.
Assim sendo, o processo de mediação familiar somente se
inicia, para Schiffrin, quando as partes podem desconectar-se das
condutas que os levaram à separação, bem como quando são capazes
de privilegiar questões concretas ou objetivas.225
Descrevendo alguns princípios da mediação, Highton e Álvarez
elencam os princípios da autocomposição e o da autonomia das partes
para a obtenção de seu próprio acordo.226
2 2 5 SCHIFFRIN, Adriana. Op. cit., p. 105. 2 2 6 HIGHTON, Elena Inês; ÁLVAREZ, Gladys Stella. A mediação no cenário jurídico: seus limites – a tentação de exercer o poder e o poder do mediador segundo sua profissão de origem. In: SCHNITMAN, Dora F.; LITLEJOHN, S. (Orgs.). Novos paradigmas em mediação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999, p. 190-191.
131
Haverá autocomposição quando as partes ditarem a solução ao
conflito. Uma terceira pessoa poderá atuar como facilitadora da
comunicação, mas esta não tomará, nem imporá uma decisão. Sua
função é conduzir a negociação para que as verdadeiras necessidades e
interesses possam ser manifestados, acima das posições disputadas,
para que as partes encontrem uma resposta que favoreça a ambas. A
mediação parte do pressuposto de que é possível obter-se um acordo
expressado através da autodeterminação de vontades não–coagidas.
Atuando como um terceiro neutro com a iniciativa de instaurar
e facilitar a discussão, o mediador/mediadora jamais poderá indicar
qual será o resultado, assim pode ser delimitado o princípio da
autonomia das partes para a obtenção de seu próprio acordo. Trata-se
de um sistema informal, por meio do qual o mediador/mediadora
ajuda as partes a chegarem a um acordo mutuamente aceitável. O
mediador/mediadora não é um juiz que decide, nem um advogado que
aconselha ou defende as partes, nem um terapeuta que as cura.
Há uma tensão permanente entre a autonomia das partes e a
necessidade de proteção legal dos direitos que possam estar sendo
renunciados ou transacionados. Este é um dos entraves que
132
observamos na adoção da prática da mediação. Até que ponto uma das
partes, previamente instruída ou com maior possibilidade de acesso a
determinado conhecimento, não poderia manipular os resultados do
acordo, uma vez que o mediador/mediadora não poderá intervir no
conteúdo das propostas?
Em que pese a mediação ter uma filosofia de total envolvimento
e participação dos sujeitos na resolução dos seus próprios conflitos, e,
portanto, se adequar à proposta de definição pelo modelo de guarda
compartilhada, não podemos deixar de questionar a possibilidade de
manipulação na condução do processo de mediação, tanto pelo próprio
mediador/mediadora, quanto por uma das partes.
A resolução alternativa das disputas fundamenta-se no
pressuposto de que os seres humanos são entes racionais e capazes de
resolver suas diferenças.
Entretanto, a práxis pode perverter os pressupostos de uma
teoria. Highton e Álvarez afirmam que, embora o princípio da
audeterminação seja um dos basilares da mediação, existem
profissionais que atuam com doses exageradas de paternalismo,
contrastando com a ética profissional da mediação. O paternalismo
133
tende a fazer com que, ao final do processo, a última determinação
sobre a conduta a ser seguida acabe por ficar nas mãos dos
“profissionais” em detrimento do interesse e vontade dos “leigos”. Na
verdade, o direito à autodeterminação tem por fim a proteção dos
usuários com relação as possíveis conseqüências de uma decisão que
não seja adequada.227
Quanto à tentativa de construção de um conceito de mediação,
alguns autores ousaram, assim não deixam de reconhecer que esta
tarefa admite controvérsias, uma vez que o campo teórico em que
atuam é incipiente.
Para Highton e Álvarez a mediação constitui um procedimento
de resolução de disputas flexível e não vinculador, no qual um terceiro
neutro facilita as negociações entre as partes para ajudá-las a chegar a
um acordo. O mediador/mediadora busca expandir as discussões
tradicionais para se obter um acordo e ampliar as opções de resolução,
freqüentemente para além dos pontos jurídicos envolvidos na
controvérsia.228
2 2 7 HIGHTON, Elena Inês; ÁLVAREZ, Gladys Stella. Op. cit., p. 191.2 2 8 Idem, p. 189.
134
Schiffrin descreve a mediação como sendo a técnica mediante a
qual um terceiro imparcial colabora com as partes imersas em um
conflito para intentar lograr um acordo aceitável para ambas.229
O decreto 1.480/92 do Poder Executivo Nacional da Argentina
declara que a mediação é de interesse nacional, caracterizando-se
como um processo informal, voluntário e confidencial. Ademais,
ressaltou que o mediador/mediadora não decide a disputa, mas ajuda
as partes para que estas o façam.230
No que tange à mediação familiar, Barbosa afirma que se trata
de um processo de intervenção de uma equipe multiprofissional que
dispõe de técnicas de especialização interdisciplinar, para entender o
sofrimento, conter a angústia, acompanhar a decisão e ajudar na
organização da separação, por meio de uma integração do saber.231
Segundo Nick, a mediação familiar se faz através de um
profissional qualificado para trabalhar com casais, neutro e capaz de
2 2 9 SCHIFFRIN, Adriana. Op. cit., p. 101.2 3 0 A posteriori, com as lições e conclusões da experiência do modelo de co-mediação de orientação interdisciplinar, foi sancionada, na Argentina, a Lei 24.573/95, sob intensa pressão de grupos de advogados. Cabe ressaltar que na Argentina o mediador/mediadora deve ter registro no Ministério da Justiça e ser advogado formado há pelo menos dois anos, além de ter cumprido um curso de capacitação com 40 horas de treinamento e 20 horas de estágio. (HIGHTON, Elena Inês; ÁLVAREZ, Gladys Stella. Op. cit., p. 199-200.)2 3 1 BARBOSA, Águida Arruda. O direito de família e a mediação familiar. In: NAZARETH, Eliana R. (Coord.). Direito de família e ciências humanas. Caderno de estudos n.1. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1997, p. 25-26.
135
ser objetivo. Sua função é a de facilitar a definição e a resolução de
problemas, utilizando uma variedade de técnicas de comunicação, sem
entrar no âmbito da terapia de casais, nem tomar decisões pelo par.232
O mediador deve estar apto a lidar com situações em que a
emoção sobrepuja o pensar, e em que há a falta de uma compreensão
sobre o desejo do outro. Tais peculiaridades são processos mentais
raramente conscientes e demandam um trabalho psíquico demorado
até que cada um possa assumir suas frustrações e responsabilidades.
O profissional da mediação atuará auxiliando na elaboração do
acordo para o plano de parentalidade, ensinará ao casal aquilo que é
comum àqueles que se separam, ao mesmo tempo em que deve prover
meios para a diminuição do impacto da ruptura sobre os filhos/filhas.
Este acordo é realizado com o objetivo de que ambos os
genitores saiam satisfeitos, em virtude de terem conquistado o melhor
possível para o interesses dos filhos/filhas.
Em contrapartida ao vislumbrado êxito desta metodologia de
trabalho, alguns críticos consideram que na mediação é mais freqüente
2 3 2 NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 157.
136
que alguns cônjuges façam um mal acordo, sobretudo se a mediação
não é feita por um advogado. Neste caso, existem autores
aconselhando que um advogado seja constantemente consultado pelas
partes a fim de evitar tais prejuízos.233
Nesta dualidade de formação profissional de origem do
mediador/mediadora, temos, de um lado, profissionais da área de
saúde mental declarando as vantagens de sua formação para uma
compreensão e discernimento das questões objetivas das subjetivas e,
sendo assim, podendo contribuir para um espaço de elaboração dos
sentimentos. Por outro lado, profissionais da área do direito
reclamando uma fatia deste crescente mercado e oferecendo um
serviço especializado que visa a composição entre as partes sobre
aspectos objetivos, a fim de obter a homologação do acordo ou plano
de parentalidade pelo juiz.
Os profissionais da mediação engendram uma luta para se
transformarem em uma categoria profissional unificada, com um
corpo definido de conhecimentos, habilidades e padrões próprios.
Embora a mediação tenha surgido e se desenvolvido a partir de raízes
multidisciplinares, tais raízes, ao mesmo tempo em que enriqueceram
2 3 3 Idem, p. 159.
137
a prática da mediação, também confundiram sua identidade e a forma
como os profissionais vêem sua profissão.234
Os indivíduos que se dedicam à mediação - vindos basicamente
das áreas jurídicas e de saúde mental - tendem a aproveitar a teoria e
habilidades próprias de sua profissão de origem. O
mediador/mediadora, assim, se vê diante de uma situação específica:
não deve moldar sua ótica no acordo e obter o que para ele é o melhor
acordo, segundo seu ofício, confundindo sua preparação profissional
prévia com a preparação do mediador/mediadora.235
Podemos observar que o enfoque de determinados especialistas
se centra em questões como a pensão alimentícia, a divisão dos bens
do casal, enquanto que outros se preocupam mais com as regras de
visitação, o grau de entendimento dos cônjuges e o bem-estar
emocional dos filhos/filhas.
Nick236 aponta para uma divisão entre práticos e subjetivistas.
Os práticos, para ele, negligenciariam um dado fundamental da
2 3 4 HIGHTON, Elena Inês; ÁLVAREZ, Gladys Stella. Op. cit., p. 191.2 3 5 Para Schiffrin o mediador/mediadora deve estar atento para distinguir seus valores pessoais dos valores dos seus clientes. Nem sempre estará de acordo com o que as partes propõem, entretanto se para elas tal solução é possível, não viola os direitos dos filhos/filhas, nem fere a ordem pública, deverá aceitá-lo. (SCHIFFRIN, Adriana. Op. cit., p. 106.)2 3 6 NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 160.
138
questão: os conflitos pelos bens materiais são influenciados pelas
frustrações e desencontros entre o cotidiano e o conto de fadas. Os
sujeitos estão incomodados pela promessa não cumprida do
casamento, o que leva a localizar no outro os motivos de suas
frustrações e a requerer que a Justiça retifique o dano.237
Na atuação do profissional na mediação, seja prático ou
subjetivista, observamos um desequilíbrio na relação
mediador/mediadora-cliente, uma vez que este último precisa interagir
com o profissional, exatamente porque este tem maior conhecimento.
O profissional, seja qual for sua ocupação de origem, está na posição
de especialista em relação ao leigo, e isso lhe confere determinado
poder. As fontes desse poder residem tanto no seu possível saber
profissional quanto nos elementos adicionais que o cliente
unilateralmente lhe atribui.238
As relações de poder na mediação são menos claras e, por isso,
mais perigosas para o cliente. Dessa forma, o conhecimento ou
habilidade que se requer do mediador/mediadora é o de fazer com que
2 3 7 Sergio Eduardo Nick, enquanto inscrito na visão subjetivista, pondera sobre a dificuldade que os práticos têm em lidar com questões subjetivas. Cabe perguntar se os subjetivistas, por sua vez, não negligenciam questões também importantes como a pensão alimentícia para os filhos/filhas e a divisão do patrimônio adquirido por esforço conjunto.2 3 8 HIGHTON, Elena Inês; ÁLVAREZ, Gladys Stella. Op. cit., p. 193.
139
as partes entrem no contexto da tomada de decisões. O
mediador/mediadora deve despojar-se de parcela de seu poder para
tão-somente controlar o processo, a fim de que as partes se apoderem
do conteúdo e do resultado. Assim, esse profissional reafirmaria o
poder em relação ao procedimento, ao mesmo tempo em que abriria
mão do poder em relação ao conteúdo.
Quanto à neutralidade na atuação do mediador/mediadora,
Highton e Álvarez alertam no sentido de que o profissional não deve
omitir-se diante de um flagrante desequilíbrio entre as partes. Um
mediador/mediadora não é “neutro” quanto ao procedimento que deve
desenvolver. Sua intervenção deve restabelecer o equilíbrio, fazendo
com que as partes obtenham as informações completantes, a fim de
que possam tomar conta de suas próprias decisões.239
A abordagem do conflito através da mediação não pode ser
vista como um subtratamento jurídico, ou uma assistência psicológica
das partes, mas se trata de um acompanhamento do casal, através da
gestão das controvérsias, para que tenham condições de tomar uma
2 3 9 Idem, p. 194. Em perspectiva pós-moderna, o mito da neutralidade se desfaz, uma vez que o mediador/mediadora, enquanto sujeito, é incapaz de desvincular-se de sua subjetividade. A convicção da inexistência de neutralidade não pode servir de pretexto, entretanto, para comportamentos parciais.
140
decisão adequada e coerente ao pensar, ao sentir e ao querer de cada
personagem da família, para Barbosa.240
Tanto psicólogos quanto advogados transitam bastante bem
neste contexto, no qual sentem-se donos de um poder decorrente,
sobretudo, de seus conhecimentos teóricos de origem. Entretanto,
facilmente podem transformar a mediação numa questão de
especialistas, no qual os verdadeiros interessados continuam
excluídos, à semelhança do que ocorre no sistema judicial.
A mediação não tem por objeto a reconciliação ou modificação
das decisões tomadas pelos cônjuges, no caso específico da mediação
familiar, tampouco intervir na crise familiar em busca de melhor
convívio, campo específico da terapia de casais.
A partir de uma visão global da ruptura da união, das
expectativas e das disputas busca-se uma conscientização das partes
sobre as possíveis renúncias que deverão fazer. Assim, a mediação
serve de espaço para a oitiva de cada personagem, detectando onde há
conflito, a fim de que sejam explicitadas suas verdadeiras causas.
2 4 0 BARBOSA, Águida Arruda. Op. cit., p. 26.
141
O que se verifica é que a mediação familiar está mais definida
pelo que não é, em virtude de seu caráter empírico, advindo,
sobretudo, do somatório de experiências vivenciadas por diversos
sistemas jurídicos. Sua relação multidisciplinar impõe o convívio de
diferentes ciências, cada uma com seu objeto e método específicos,
constituindo-se numa síntese dialética de pensamentos em busca de
uma maneira mais eficiente de resolver os conflitos.
Entretanto, há limites para a mediação familiar. Segundo
Barbosa existem três aspectos que representam esse limite: quando há
discordância de um dos membros da família em participar da
alternativa proposta; quando há patologias graves que requerem um
tratamento com profissional de saúde mental, um psicólogo ou
psiquiatra; por fim, quando as partes não dispõem de recursos.241
Mesmo nos países que já institucionalizaram essa técnica cabe
às partes o custo do procedimento. Nos Estados Unidos, existe um
seguro que prevê a cobertura de despesas jurídicas, pois para um
cidadão de classe média deste país tal despesa seria insuportável. No
Brasil, não há, a curto prazo, a possibilidade de o Estado assumir o
2 4 1 Idem, p. 29.
142
aparelhamento do Judiciário para adaptá-lo ao sistema alternativo de
resolução dos conflitos.242
Percebemos, portanto, que a mediação tem suas vantagens e
desvantagens. Não há como garantir um determinado resultado através
da mediação. O objetivo que deverá nortear os trabalhos entre as
partes e o mediador/mediadora será o de empenharem-se ao máximo
na obtenção do melhor possível. Nesta perspectiva, o projeto de
parentalidade futura será o mais adequado na medida em que houver
envolvimento e participação das partes na sua concepção e aplicação.
2.3.2 Projetando a parentalidade futura
Um dos objetivos da mediação familiar é determinar a
parentalidade futura dos filhos/filhas. Entende-se por parentalidade
todas as decisões que afetam a criação dos filhos/filhas: sua
residência, acesso a cada um dos pais, escolaridade, saúde,
relacionamentos com a família extensa e assim por diante.243
2 4 2 Idem, p. 30.2 4 3 HAYNES, John M., MARODIN, Marilene. Fundamentos da mediação familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p. 99.
143
O mediador/mediadora centra-se nas necessidades de ambos os
pais e filhos/filhas. Uma parte do trabalho é educar os clientes sobre
seus novos papéis de pais. O profissional divide seu conhecimento
com os clientes, agindo ora como mediador/mediadora, ora como
educador/educadora, mas de modo que auxilie os clientes a
permanecer responsáveis pelas decisões.244
Um modelo cooperativo de mediação pretende, preservados os
princípios de ordem pública e de normas de convivência civilizadas,
permitir que cada família construa suas próprias regras de
funcionamento. Em outras palavras, isto implica o reconhecimento de
que a família é responsável pelo bem-estar de seus membros.
Conseqüentemente, admite-se uma nova ideologia aplicada ao âmbito
familiar, em que se percebe que as mudanças e as mais variadas
formas de organização podem coexistir na sociedade.
A maior parte das pessoas possui um conjunto de idéias sobre
como deve ser a parentalidade pós-ruptura. Qualquer desvio desta
idéia inicial é de difícil compreensão.
2 4 4 No entendimento de Schiffrin a eleição da mediação sobre outras formas de intervenção implica uma mudança de atitude. Primeiro porque implica desinstitucionalizar a família, uma vez que há sempre a possibilidade de recorrer-se ao Judiciário para colocar ordem na momentânea desordem. Em segundo, porque implica reconhecer autonomia ao núcleo familiar para dizer sobre suas normas internas. (Op. cit., p. 103.)
144
Até o início do século XIX, quando um casal se separava, era
comum os filhos/filhas ficarem com o pai, pois aqueles eram
considerados bens ou unidades econômicas. Com a introdução da
educação universal, os filhos/filhas tornaram-se obrigações
econômicas. Junto a estas transformações, introduziu-se a doutrina dos
anos tenros e começou-se a outorgar245 a guarda dos filhos/filhas para
a mãe.
Com a mudança de perspectivas dos membros da família, as
expectativas por ocasião das separações revelam uma maior vontade
do pai em manter ativo seu papel, e, em contrapartida, a vontade da
mãe de continuar dividindo a parentalidade, semelhante ao que havia
na união. Estas mudanças vêm despertando um interesse maior pela
parentalidade responsável, mesmo após o rompimento do
relacionamento entre os cônjuges, através da modalidade de guarda
compartilhada.
Até o fim dos anos 60, era quase impossível para um pai obter a
guarda de seus filhos/filhas, a não ser quando a mãe apresentasse
problemas significativos. De uma maneira geral, os indivíduos
2 4 5 O termo outorgar vem da natureza adversarial do sistema judicial. Os filhos/filhas eram considerados como prêmios a serem outorgados ao “melhor” ou ao genitor vencedor. (HAYNES, John M., MARODIN, Marilene. Op. cit., p. 99 - nota 3.)
145
casavam-se sabendo que somente em circunstâncias muito específicas
as mães perderiam a guarda dos filhos/filhas.
Ainda é comum que as pessoas se surpreendam ao saber que
uma mãe mudou-se deixando os filhos/filhas com o marido. Essas
mesmas pessoas não estranham quando o pai diz que deixou os
filhos/filhas com a mãe. Os mediadores possuem muitas destas visões
e têm seus próprios preconceitos sobre a parentalidade, por isso
devem estar cientes de suas próprias tendências.
Conforme Haynes e Marodin, o primeiro passo para lidar com o
preconceito é a mudança na linguagem. Os mediadores evitam termos
como casamento falido, lar arruinado, guarda e visitação. Eles
preferem termos não judiciais, tais como fim do relacionamento, casa
da mãe e casa do pai, parentalidade, acesso e residência. Os termos
guarda e visitação remetem a uma conotação de vencedor-perdedor
dando idéia de propriedade sobre os filhos/filhas e não de metas de
parentalidade.246
O mediador/mediadora tem uma escolha. Pode usar a linguagem
adversarial e provocar um comportamento adversarial ou pode usar a
2 4 6 Idem, p. 100.
146
linguagem comum, que fala de suas responsabilidades futuras de
parentalidade.
Os mediadores não julgam, nem avaliam a competência dos
pais ou decidem quem é o melhor genitor, nem são promotores de um
modelo de estrutura familiar sobre outros. Suas funções limitam-se a
determinar a ordem dos itens a serem tratados, ajudar os pais a definir
o problema e desenvolver opções para resolvê-lo.
O mediador/mediadora gerencia as negociações, ajudando os
pais a refletir sobre uma série de opções e investigar as conseqüências
de cada opção. Ele/ela não decide pelos pais qual é a melhor opção.
Também não decide o que é melhor para os filhos/filhas. A situação é
encaminhada no sentido de que os pais sejam capacitados para tomar
suas próprias decisões.
Os acordos sobre a parentalidade devem refletir os interesses de
cada um dos pais privilegiando um relacionamento contínuo com os
filhos/filhas, e definir novos papéis ao mesmo tempo em que se
consideram as necessidades das crianças.
147
A guarda compartilhada não está prevista em nossa legislação,
porém não há nenhuma vedação. Dessa forma, existindo consenso
entre os pais e sendo favorável aos interesses da criança, nada impede
que esta modalidade seja adotada pelos genitores.247
Independentemente dos pais acordarem sobre o
compartilhamento dos cuidados e decisões a respeito da educação dos
filhos/filhas, a residência primária deverá ser fixada com um dos
cônjuges. Não podemos confundir guarda compartilhada com guarda
alternada. Na guarda alternada cada um dos pais tem a possibilidade
de deter a guarda segundo um critério temporal, que pode ser de um
ano escolar, um mês, uma semana e assim por diante. Assim, ao
tempo em que o genitor tiver seu filho/filha sob sua guarda, ele a
exercerá exclusivamente.248
Muito diferente é a proposta de guarda compartilhada, em que
os filhos/filhas são assistidos por ambos os pais, ainda que residam em
casas separadas.249
2 4 7 Idem, p. 105.2 4 8 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 106.2 4 9 As possíveis definições sobre a guarda compartilhada serão melhor examinadas no terceiro capítulo desta monografia. Por hora, o leitor deve ater-se à essência do acordo sobre esta modalidade de guarda: trata-se do compromisso dos pais de manter dois lares para seus filhos/filhas e de continuarem a cooperar um com o outro na tomada das decisões.
148
Durante o casamento, muitos pais dividem a responsabilidade
por aspectos particulares das vidas dos filhos/filhas. Sendo assim,
podem continuar a compartilhar estas responsabilidades depois do fim
do relacionamento. Se existirem razões práticas para que um dos pais
não possa fazer as mesmas coisas que fazia durante o casamento,
soluções alternativas de responsabilidade podem ser encaminhadas.
As famílias têm diferentes estilos de tomar decisões. Algumas
são democráticas, envolvendo os filhos/filhas na maior parte das
decisões que os afetam. Outras são autoritárias, nunca consultando os
filhos/filhas sobre seus desejos. A maioria está em algum lugar entre
uma tendência e outra. O mediador/mediadora deve reconhecer que é
improvável que o estilo de tomar decisões da família mude depois da
ruptura. Entretanto, à medida que os filhos/filhas amadurecem,
demandam uma participação maior no processo decisório das questões
que lhes digam respeito. Nesse sentido, a mediador/mediadora deve
conduzir uma discussão sobre como os pais responderão a isto através
dos anos, relembrando-os de que o acordo deve ser um documento
vivo que muda conforme desenrolam-se as vidas dos sujeitos.250
2 5 0 HAYNES, John M., MARODIN, Marilene. Op. cit., p. 112.
149
Portanto, avaliando e redefinindo as representações sobre a
parentalidade, através da mediação ou de outros meios, os sujeitos
terão condições de optarem por um modelo diferenciado de guarda. O
amadurecimento do desejo de continuidade na criação dos
filhos/filhas, obtido pela proposta de mediação, será fundamental para
a viabilização do exercício de uma responsabilidade parental dos dois
genitores. Neste momento, passada a crise de representação da
paternidade e maternidade, ultrapassada a angústia pelas
conseqüências da separação, os pais poderão, refletidamente, escolher
uma nova forma de organização da autoridade parental. A guarda
compartilhada poderá, assim, flexibilizar as relações na nova
formação familiar pós-ruptura, sem que o rompimento do laço
conjugal implique o rompimento dos laços de filiação.
150
3 A GUARDA COMPARTILHADA: POR UMA EFETIVA
PARTICIPAÇÃO NO EXERCÍCIO DA RESPONSABILIDADE
PARENTAL
Até a primeira metade do século passado, como já havíamos
observado, à mãe era atribuída a responsabilidade exclusiva pela
educação, desenvolvimento, condução e orientação dos filhos/filhas,
restando ao pai a função de manutenção econômica do grupo familiar.
Esse modelo já não basta a uma grande parcela dos casais
contemporâneos, pois as tarefas estão mais equilibradamente
distribuídas. Observa-se que há uma tentativa de divisão mais
eqüitativa das tarefas tidas “domésticas” e um desejo de
151
compartilhamento das responsabilidades, incluindo a de manutenção
da subsistência.251
Como conseqüência, sendo o relacionamento atual entre os
casais e destes com seus filhos/filhas diferente do que havia nas
gerações anteriores, surge a necessidade de se considerar uma
modalidade também diferente de guarda.252
Quando ocorre a ruptura do relacionamento há a dissolução
concreta da conjugalidade, porém, no nível psíquico, o processamento
dessa situação requer algum cuidado. Observa-se que pode haver um
grande alívio pelo desfazimento de uma relação que trazia insatisfação
e desagrado, mas paralelamente há um luto a ser guardado e
elaborado, pois envolve um projeto de vida, anseios e expectativas que
2 5 1 Embora muitas das questões sobre a reorganização do pacto conjugal tenham encontrado desdobramentos significativos, sobretudo entre casais de classe média e intelectualizados, outras tantas encontram-se em estado de latência, não raro sufocados por modelos estereotipados “naturalmente” aceitos por homens e mulheres. O exemplo clássico da admissão das mulheres no mercado de trabalho nos remete à discussão sobre qual o seu significado para as próprias mulheres e para a sociedade em geral. Dessa forma, podemos nos questionar até que ponto a participação da mulher em atividades remuneradas se deve a uma mudança de paradigmas que atesta sua competência e plena capacidade, ou à necessidade de complemento e incremento na composição dos rendimentos para a manutenção da sobrevivência dos sujeitos, revelada por uma circunstância econômica que impôs sua “aceitação” por parte de uma fatia expressiva dos homens que compunham quase exclusivamente este mercado. Embora esta monografia não se preste a explicar em quais bases as questões de gênero estão sendo ressignificadas, impõe-se destacar que a discussão sobre uma possibilidade diferenciada de guarda que propugna pelo compartilhamento das responsabilidades parentais revela um passo importante no enfrentamento de pontos significativos referentes às desigualdades nas relações de gênero.2 5 2 NAZARETH, Eliana R. Com quem fico, com papai ou com mamãe? Considerações sobre a guarda compartilhada. Contribuições da psicanálise ao direito de família. In: ________ (Coord.). Direito de família e ciências humanas. Cadernos de estudos n.1. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1997, p. 78.
152
foram frustrados. Dessa maneira, homens e mulheres deparam-se com
o sentimento de fracasso por não terem conseguido estabelecer,
desenvolver e continuar um relacionamento construtivo. Todas essas
emoções podem ser cenário para o aparecimento do que há de
destrutivo no vínculo daqueles que um dia dividiram suas aspirações.
Por tudo isso, os conflitos gerados no campo da conjugalidade
podem estimular a prática deficiente da parentalidade. No entanto,
mesmo quando em meio a sua frustração, os pais conseguem enxergar
que os filhos/filhas também estão desapontados e sofrendo,
compartilhar a guarda pode engendrar elementos para a restauração e
reparação de aspectos conscientes e inconscientes de pais, mães e
filhos/filhas.
Em outras palavras, significa que mesmo que não haja a família
nos moldes anteriores, tanto mãe quanto pai podem conduzir, ainda
que separados, o desenvolvimento da família enquanto entidade
responsável pela fundação, estruturação e progresso psíquico de seus
membros.253
2 5 3 NAZARETH, Eliana R. Op. cit., p. 81. Segundo a autora, esse processo de revisão dos papéis parentais após a ruptura da conjugalidade, com vistas a uma co-responsabilidade, pode se converter no que, em psicanálise, denomina-se “experiência emocional corretiva”.
153
Conforme destacamos em momento anterior, o homem tem se
revelado desejante de uma participação efetiva na vida diária de seus
filhos/filhas, com isso o regime de visitas apenas, por mais flexível
que seja, não dá conta de manter a convivência e a continuidade do
relacionamento, não permitindo ao pai continuar a ter uma influência
concreta e decisiva na educação de seus filhos.254
Nos casos em que o relacionamento é próximo e satisfatório,
não só o pai seria despojado, mas também, e, sobretudo, a criança
seria prejudicada pela diminuição significativa do convívio.
Assim sendo, vivemos um tempo privilegiado e paradoxalmente
precário. Privilegiado porque já possuímos alguns elementos e
argumentos bastante consistentes para assegurarmos que as mudanças
estruturais na família contemporânea estão possibilitando uma
ressignificação dos papéis sociais, sobretudo quanto ao
questionamento de pensamentos dominantes sobre a masculinidade e a
paternidade. Precário, porque ainda estamos longe, no Brasil, de uma
apropriação pelo sistema jurídico dessa realidade em estruturação.
2 5 4 Eduardo de Oliveira Leite assegura que, de todas as mudanças sentidas, a que provoca impacto maior na questão da responsabilidade parental é a redescoberta do “amor paterno”. Os “novos pais”, mais envolvidos numa paternidade mais próxima dos filhos/filhas, reivindicam seu papel quando ocorre a ruptura, e não se contentam com as “migalhas” que lhe são atribuídas pela guarda exclusiva, que não contempla um exercício cotidiano da paternidade. (LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 254.)
154
Ainda é muito forte no sistema jurídico um discurso lastreado numa
hipótese ideal de família, afastando-se inequivocamente do plano da
realidade concreta e dos desejos dos indivíduos.
Os conceitos não podem ser cristalizados. Do mesmo modo,
fórmulas prontas para a solução de litígios de família não são mais
compatíveis com um modelo que não pensa o sujeito de uma forma
integral.255
Dessa forma, a mudança de comportamentos conduziu
legislações estrangeiras e a jurisprudência a procurarem novas
maneiras de racionalizar sobre a atribuição da guarda, de maneira que
esta permitisse assegurar aos pais um tratamento mais equânime da
autoridade parental.
À guarda exclusiva foram se sucedendo as novas modalidades
de guarda alternada, dividida e, finalmente, compartilhada.256
2 5 5 Os profissionais do direito, apercebendo-se de uma composição mais elaborada desse sujeito integral, começam a agregar outros elementos àqueles já relacionados à clássica noção jurídica de família, indicando que, somente a formalidade do vínculo jurídico não é capaz de dar conta de aspectos e motivações subjetivas que chegam aos escritórios e salas de audiências. (CARBONERA, Silvana M. O papel jurídico do afeto nas relações jurídicas. Op. cit., p. 277.) Dessa forma, a idéia de sujeito integral pressupõe um indivíduo dotado de racionalidade e subjetividade, com que estes profissionais, em geral, não estão preparados para trabalhar.2 5 6 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 255.
155
Entretanto, não podemos deixar de destacar que no Brasil tal
sucessão de modalidades no exercício da guarda não ocorreu da
mesma forma. O ponto positivo desse relativo “atraso” é que temos
uma visão privilegiada do que está acontecendo e, sendo assim,
podemos avançar sobre os pontos positivos.
Alguns autores que relatam os antecedentes históricos da guarda
compartilhada são incisivos ao demonstrar que tal construção
encontra-se em níveis avançados em países da Europa e na América
do Norte, onde o assunto encontra terreno fecundo para sua reflexão
no meio jurídico, social e psicológico. Ao passo que em nosso país,
destaca-se o fato de haver escassa bibliografia a respeito.257
Embora, no Brasil, a doutrina a respeito da guarda
compartilhada não seja exaustiva e minuciosa, observamos que a
possibilidade jurídica deste modelo não encontra empecilhos em nosso
ordenamento jurídico. Dessa forma, torna-se imprescindível determo-
nos no conteúdo e alcance desta proposta de guarda, a fim de
encontrarmos subsídios para sua aplicação em nosso país.
2 5 7 NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 136.
156
3.1 A possibilidade jurídica deste modelo: definindo a
guarda compartilhada
É difícil tentar predizer com certo grau de certeza quem é a
pessoa mais indicada para deter a guarda de uma criança. Sabemos
que os filhos/filhas necessitam dos referenciais materno e paterno a
fim de desenvolverem-se. O conhecimento disso levaria a uma
orientação aparentemente óbvia quanto à guarda. Contudo, ainda
atribui-se a guarda exclusiva ou unilateral, em geral, à mulher, e com
esquemas de visitas que, não raro, dificultam ao pai a convivência
adequada e suficiente para o desempenho das funções parentais.
Por isso, é preciso retomar alguns argumentos que destacamos
anteriormente, fundamentalmente no que pertine às desigualdades de
gênero nas relações parentais, tendo em vista que a guarda
compartilhada descortina uma certa obscuridade no Poder Judiciário e
na sociedade em geral quando se pensa sobre a forma de atribuição da
guarda dos filhos/filhas.
A idéia subjacente observada nas relações cotidianas é de que a
mãe é figura imprescindível, enquanto o pai é dispensável na criação
dos filhos/filhas. Motta assegura que existem pesquisas que revelam
157
que um dos determinantes do ajustamento da criança à separação dos
pais e à vida em geral é o envolvimento ininterrupto dela com ambos
os genitores.258
Com a atribuição clássica da guarda à mulher, os filhos/filhas
terminam por “perder” a possibilidade de convivência adequada com
pai e mãe devido à dinâmica que passa a reger o funcionamento
familiar: o pai pouco presente, com raro ou nenhum envolvimento na
vida dos filhos/filhas, e a mãe, sobrecarregada com as tarefas de
complementação do orçamento familiar e cuidados com a casa e as
crianças, tornando-se menos disponível para estar com elas.
Nesse sentido, os homens são criticados porque tendem a se
afastar dos filhos/filhas após a separação. Inegavelmente, poderíamos
apontar inúmeros fatores que propiciam a continuação desse processo
de exclusão paterna – questões internas e subjetivas que remetem às
dificuldades em assumir a paternidade, como também questões
externas que dizem respeito aos padrões sociais de comportamento
masculino -, entretanto, devemos nos perguntar qual o papel do Poder
Judiciário nesse contexto.259
2 5 8 MOTTA, Maria A. Guarda compartilhada – uma solução possível. Revista Literária de Direito, São Paulo, a.2, n.9, jan./fev. 1996, p. 19.2 5 9 Os procedimentos jurídicos junto à família que se separa reforçam a disputa entre os cônjuges ou conviventes, causando sérios prejuízos emocionais aos membros dessa família. (NICK, , Sergio
158
Ao genitor não-guardião ou descontínuo fica reservado, tão-
somente, um papel secundário, que o priva do integral relacionamento
com seu filho/filha, situação que tem sido objeto de questionamento
não só de juristas, mas também de profissionais que se dedicam
pesquisa ou trabalham diretamente com aspectos do comportamento
humano no âmbito das relações familiares, como sociólogos,
psicólogos, médicos e assistentes sociais.
A redistribuição dos papéis na comunidade familiar, como
exigência da evolução dos costumes nas sociedades, decretou a
impropriedade da guarda exclusiva, impondo a reconsideração dos
parâmetros vigentes, que não reservam espaço à igualdade parental.260
É necessária uma reavaliação dessas situações, objetivando uma
modificação dos padrões culturais e, sobretudo, das decisões judiciais
a eles atreladas. Fundamental é, portanto, que os profissionais de
direito de família desmotivem os genitores de lutar pelos filhos/filhas
Eduardo. Op. cit., p. 133) É por isso que os profissionais do direito devem conhecer e aprofundar seus estudos sobre as teorias que se dedicam ao fenômeno da família e do comportamento humano. A técnica jurídica isolada já não basta. É preciso aliar-se com outras ciências a fim de que se possa ter um maior aporte teórico para as reflexões dessas questões.2 6 0 Para Grisard Filho, quando o modelo vigente não mais atende às expectativas sociais, quando a realidade prioriza a maternidade em detrimento da paternidade, quando é inevitável o processo de isonomia, criando uma simetria dos papéis familiares, é chegada a oportunidade de se rever a questão da autoridade parental. (Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 137)
159
e os ajudem a compreender que sempre que um dos genitores “ganha”
quem ”perde” é a criança.261
Diante dos argumentos expostos, o leitor poderá ainda se
questionar sobre o que é, exatamente, a guarda compartilhada, ou,
ainda, a que se propõe esta modalidade de guarda. Embora seja uma
tarefa difícil, pretendemos apontar algumas diretrizes para a
determinação do seu campo conceitual.
3.1.1 Noções de guarda compartilhada
A guarda compartilhada nasceu há pouco mais de 20 anos na
Inglaterra, sendo também conhecida na França, no Canadá, nos
Estados Unidos e atualmente desenvolvendo-se no Uruguai e na
Argentina.262
A noção de guarda compartilhada teria surgido das
considerações sobre o desequilíbrio dos direitos parentais – a
preferência reconhecida à maternidade em detrimento da paternidade - 2 6 1 MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Op. cit., p. 19.2 6 2 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvin; LEITE, Eduardo de Oliveira (Coords.). Repertório de doutrina sobre direito de família: aspectos constitucionais, civis e processuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.4, 1999, p. 439. No Rio Grande do Sul, a guarda compartilhada teria começado seus estudos em 1986 com um artigo de Sérgio Gischkow Pereira: A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Revista Ajuris, Porto Alegre, v.36, mar. 1986, p. 63 – nota 29.
160
e de uma cultura que desloca o centro de seu interesse sobre a
criança.263
Eduardo de Oliveira Leite assevera que os tribunais264 estão
aderindo à noção de guarda compartilhada; primeiro, porque estariam
convencidos de que o interesse maior da criança ficaria plenamente
garantido e, segundo, porque a participação comum dos genitores
tende, de um lado, a diminuir as hostilidades entre os pais e, de outro,
a reforçar o sentimento de proteção e equilíbrio da criança.
Dessa forma, a necessidade de garantir os interesses dos
filhos/filhas, o crescimento do número de rupturas conjugais, o
abrandamento dos conflitos causados pela impossibilidade de
atribuição de culpa pela separação e a existência de genitores
interessados conjuntamente por seus filhos/filhas, levaram a uma
2 6 3 Ademais, a tendência de se perquirir sobre a culpa pela separação ou divórcio, - tendente a realçar as figuras de “mocinho(a)” e “bandido(a)” – passa a ser substituída pela noção de falta de entendimento, não mais instigando as partes a imputarem responsabilidades pelo desfazimento da união, mas favorecendo um acordo. “Não existe um culpado pelo desencontro amoroso, pois o desencontro já estava lá na singular forma de amar. A conjugalidade é um exercício, confronto de diferenças, estruturado em torno da ficção de amor que cada um construiu, de forma ímpar.” (BARROS, Fernanda Otoni. Op. cit., p. 792.)2 6 4 Até a conclusão desta monografia não foi encontrada nenhuma jurisprudência sobre o assunto nos tribunais brasileiros, o que nos leva a afirmar que a referência dada pelo autor seja de cortes e tribunais internacionais. Segundo o autor, a literatura jurídica favorável a essa nova modalidade de guarda se manifestara tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos e Canadá, impulsionando os tribunais a admitirem a viabilidade dessa proposta. (LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 262.)
161
revisão doutrinária e legislativa quanto às questões sobre a autoridade
parental e a guarda.
A proposta de uma guarda compartilhada deve ser vista como
uma solução que incentiva ambos os genitores a participar
igualitariamente da convivência, da educação e da responsabilidade
pela prole. Deve ser compreendida como uma modalidade de custódia
em que as crianças têm uma residência principal.265
Não se refere a uma espécie de solução salomônica que divide
em partes iguais o tempo de convivência entre pais e filhos/filhas.
Tampouco é preciso que a criança se desloque da casa de um genitor
para a do outro em períodos alternados, pois na guarda compartilhada
os pais planejam o acesso às residências de maneira que se respeite a
rotina das crianças.
Faz-se necessário, a esta altura, distinguir guarda compartilhada
e guarda alternada. A guarda compartilhada se refere à tomada de
decisões em conjunto; o que implica explicitar que, mesmo em
situação de ruptura, a criança tem dois pais, e a comunicação entre
eles deve ser encorajada no que tange aos assuntos a ela relacionados.
2 6 5 MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Op. cit., p. 19.
162
Neste caso, a criança reside primariamente com um dos pais. Já a
guarda alternada é um arranjo para que ambos os pais possam repartir
o tempo de convivência com os filhos/filhas. Nesse caso, há a
possibilidade de alternância temporária de casas, em que a criança
passa um tempo na casa de um dos pais e um tempo igual na casa do
outro.266
A guarda compartilhada é inovadora e benéfica para a maioria
dos pais cooperativos e é também, muitas vezes, bem-sucedida mesmo
quando o diálogo não é tão bom entre as partes, desde que estas sejam
capazes de discriminar seus conflitos conjugais do adequado exercício
da parentalidade.267
Ao conferir aos pais essa igualdade no exercício de suas
funções, a modalidade compartilhada de guarda valida o papel
parental permanente de pai e mãe e incentiva ambos a um
envolvimento ativo e contínuo com a vida dos filhos/filhas.268
2 6 6 NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 135-136.2 6 7 Nazareth indica algumas circunstâncias em que a guarda compartilhada pode ser indicada, entre elas quando o casal souber discriminar entre os conflitos na área da conjugalidade e o exercício da parentalidade. Nesta hipótese as questões controvertidas ficam restritas à questão da guarda, acordando em relação a todos os outros termos da separação. (NAZARETH, Eliana R. Op. cit., p. 79.)2 6 8 MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Op. cit., p. 19.
163
Todavia, a guarda compartilhada não é remédio para todos os
males dos consideráveis problemas que a separação e o divórcio
suscitam. Ela de fato chega a não ser adequada em determinadas
famílias, especialmente aquelas em que os cônjuges vivem em conflito
crônico. Entretanto não deve ser descartada a priori, como muitas
vezes ocorre.269
A guarda exclusiva, utilizada automática, invariável e
tradicionalmente, revela-se prejudicial, na medida que desatende as
necessidades das crianças que não dispensam a presença e o convívio
ininterrupto com os pais. Assim, o modelo de guarda exclusiva ou
unilateral está cedendo seu lugar a outros modos de exercício pleno da
autoridade parental.270
Para Sérgio Gischkow Pereira, a legislação brasileira privilegia
o poder discricionário e a liberdade concedidos ao juiz quando se
2 6 9 Da mesma forma, Nazareth aponta algumas situações em que seria contra-indicada a guarda compartilhada, como, por exemplo, quando os filhos/filhas são usados como moeda entre o casal, isto é, nas situações em que a disputa pela guarda é um espaço para o desenvolvimento de conflitos deslocados entre os pais. As crianças são usadas e manipuladas com a intenção de ferir, magoar ou vingar-se do outro genitor que é sentido e percebido como adversário a ser derrotado. Nessas situações, mais comuns do que se possa imaginar, é contra-indicada a guarda compartilhada, porque as crianças transformar-se-iam em instrumentos de investidas perversas. (NAZARETH, Eliana R. Op. cit., p. 83.)2 7 0 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada. Op. cit., p. 438. Na Suécia, a lei dispõe que se existe uma guarda conjunta durante o casamento, esta deverá permanecer mesmo após o divórcio automaticamente, na hipótese de não haver uma demanda pela guarda exclusiva, requerida por um ou por ambos os pais. Se aceitam a guarda conjunta, seu acordo deverá ser interpretado como representativo do melhor interesse do filho. (POUSSON, Jacqueline e Alain. Op. cit., p. 105.)
164
cogita a atribuição da guarda. Utilizando–se desta prerrogativa,
portanto, é que o magistrado poderá autorizar a guarda compartilhada,
se estiverem comprovadas nos autos sua oportunidade e
conveniência.271
Eduardo de Oliveira Leite questiona se o poder discricionário
do juiz seria soberano na atribuição da guarda compartilhada.
Contudo, parece ser o interesse da criança a regra fundamental,
levando a crer que não basta a decisão dos pais para que o juiz aprove
sua intenção de compartilhar a guarda. São necessários elementos
colhidos no processo para que se autorize uma decisão neste
sentido.272
No Canadá, a decisão pela guarda compartilhada é limitada aos
casos em que os genitores manifestam seu desejo por esta modalidade
de guarda. Tal respeito ao desejo dos pais fundamenta-se no fato de
que dificilmente se pode compelir um indivíduo a cooperar em uma
guarda compartilhada quando ele não a deseja, sob o risco de não
atingir os objetivos precípuos desta modalidade.
2 7 1 PEREIRA, Sérgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Op. cit., p. 60.2 7 2 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 268.
165
Para Eduardo de Oliveira Leite, este argumento não é
totalmente procedente, já que a experiência tem demonstrado que
muitas decisões judiciais, inicialmente geradoras de reações adversas,
acabam aceitas pelas partes, tão logo arrefecem-se os ânimos. Os
juízes deveriam ter liberdade de impor a guarda compartilhada aos
genitores quando os pais a recusam sem justo motivo.273
A imposição de uma guarda compartilhada não nos parece ser a
melhor estratégia de introdução de uma mudança de valores com
vistas à aquisição de novos modelos de comportamento. A tentativa de
superação de recusas infundadas quanto ao compartilhamento da
guarda deve passar pela via de uma experiência pedagógica horizontal
e não vertical. Trata-se de uma aprendizagem nova tanto para os pais
quanto para os magistrados, e o receio pelo novo irá permear as
ponderações de parte a parte. Entretanto, apoiado num aporte teórico
recente relativo à necessidade de permanente convívio entre pais e
filhos/filhas, o magistrado terá condições de discernir entre a falta de
interesse e desejo em compartilhar a autoridade parental – o que de
fato desautoriza a atribuição da guarda compartilhada – e o
2 7 3 Idem, p. 269.
166
desconhecimento das enriquecedoras possibilidades de apreensão de
seu conteúdo.
Nos países europeus e norte-americanos, que adotam a guarda
compartilhada, a tendência atual direciona-se para sua atribuição
quando os juízes estão convencidos de que os genitores podem
cooperar, mesmo que algumas objeções aparentes, ou infundadas,
tenham sido levantadas no transcorrer do processo.
A fim de uma melhor caracterização dos seus limites e
possibilidades, faz-se necessária uma conceituação mínima dessa
recente modalidade de exercício da guarda.
Definindo a guarda compartilhada, Nick afirma que se trata da
“possibilidade dos filhos/filhas de pais separados serem assistidos por
ambos os pais. Nessa perspectiva, portanto, os pais têm efetiva e
equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto
ao bem-estar de seus filhos/filhas.”274
Para Sérgio Gischkow Pereira, a guarda ou custódia conjunta é
“a situação em que fiquem como detentores da guarda jurídica sobre
2 7 4 NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 135.
167
um menor pessoas residentes em locais separados. O caso mais
comum será o relacionado a casais que, uma vez separados, ficariam
ambos com a custódia dos filhos/filhas, ao contrário do sistema
consagrado em nosso ordenamento jurídico.”275
Para Grisard Filho “a guarda compartilhada, ou conjunta, é um
dos meios de exercício da autoridade parental, que os pais desejam
continuar exercendo em comum quando fragmentada a família. De
outro modo, é um chamamento dos pais que vivem separados para
exercerem conjuntamente a autoridade parental, como faziam na
constância da união conjugal”.276
Pressupõe a guarda compartilhada que, embora ocorra a ruptura
da conjugalidade dos pais e existam diferenças pessoais decorrentes
desse rompimento de relacionamento, estes continuem a exercer
conjuntamente a autoridade parental, da mesma maneira que exerciam
antes do rompimento, quando a família estava unida. Isto porque a
ruptura separa tão-somente os pais, mas nunca os filhos/filhas, mesmo
que alguns pais pensem e ajam dentro desse espírito.277
2 7 5 PEREIRA, Sérgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Op. cit., p. 54.2 7 6 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 111.2 7 7 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 271.
168
Sendo assim, a guarda compartilhada propõe uma oportunidade
de reflexão dos papéis dos sujeitos envolvidos. No atual contexto em
que vivemos, não há mais espaço para a resistência ao diálogo e à
razoabilidade. Portanto, precisamos avaliar as condições para a
implementação da guarda compartilhada no Brasil.
3.1.2 A guarda compartilhada no direito brasileiro
A família como realidade sociológica é compelida a adaptar-se
a novas exigências dos fenômenos sociais. Busca-se, então, uma
modalidade de guarda que privilegie o compartilhamento dos cuidados
com os filhos/filhas pelos pais, mesmo após o fim do relacionamento.
A substituição do modelo tradicional de guarda exclusiva, exercida
invariavelmente pela mãe, por outro que pretende preservar os
interesses dos filhos/filhas e a co-responsabilidade dos genitores tem
sido objeto de estudo em nosso país, embora estejamos em processo
incipiente da sua compreensão.
Como conseqüência da falência do modelo patriarcal
estruturado na coerção e submissão de mulheres e crianças,
engendram-se algumas tratativas para superação dos padrões
169
tradicionais de relacionamento entre os pais separados e seus
filhos/filhas.278
Dessa forma, a guarda compartilhada é de extraordinária
importância, na medida em que valoriza o convívio da criança com
seus dois pais, pois “mantém, apesar da ruptura, o exercício em
comum da autoridade parental e reserva, a cada um dos pais, o direito
de participar das decisões que se referem à criança”.279
Proporcionando aos filhos/filhas a vivência de uma união de
seus pais em torno dos seus interesses, transmitindo-lhes a segurança
de que esses não foram negligenciados após a ruptura, a guarda
compartilhada permite que as decisões mais importantes sobre a vida
das crianças sejam coordenadas por ambos os genitores, diminuindo
também o afastamento do genitor descontínuo, que não detém a
guarda.
2 7 8 O atributo da autoridade paterna exclusiva é rejeitado, tornando o interesse da criança fundamento para o ordenamento jurídico. Num primeiro momento, os partidários do divórcio incentivavam o estabelecimento do matriarcado, conferindo à mãe o privilégio do “cuidar e guardar a criança”. (BARROS, Fernanda Otoni. Op. cit., p. 801) Modernamente, percebe-se que essa exclusividade materna também não responde aos interesses dos filhos/filhas, o que nos leva a projetar uma perspectiva de conciliação e responsabilização de ambos os pais para com seus filhos/filhas.2 7 9 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 261.
170
Embora, o direito brasileiro não possua norma jurídica expressa
impeditiva sobre a guarda compartilhada, nem seja comum na prática
forense, esta modalidade de exercício da autoridade parental mostra-se
lícita e possível, como instrumento de garantia da igualdade entre pais
e mães na criação dos filhos/filhas.280
Ao contrário, assevera Sérgio Gischkow Pereira, da sua
sistemática desponta a conclusão de que o ordenamento prefere este
tipo de modalidade compartilhada ao modelo de exclusividade. Se a
autoridade parental compete ao pai e à mãe, segundo art. 380 do
Código Civil brasileiro, dissolvida a sociedade conjugal, ambos
prosseguem titulares da autoridade parental. Assim sendo, não há
porque afastar ou mesmo destituir essa titularidade através da
atribuição da guarda unilateral ou exclusiva, sob pena de violação ao
preceito constitucional garantidor da igualdade, assim como ao
inafastável interesse da criança.281
Da mesma forma, vários dispositivos da Lei 6.515/77, que
regula o divórcio e a separação (arts. 9º a 16), reafirmam a
discricionariedade do juiz em matéria de atribuição da guarda.
2 8 0 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 140.2 8 1 PEREIRA, Sérgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Op. cit., p. 59-60.
171
Utilizando-se dessa prerrogativa, se comprovado nos autos que a
guarda compartilhada é a que melhor atende aos interesses dos
filhos/filhas, poderá estabelecê-la, a fim de assegurar o amplo
exercício da autoridade parental por ambos os genitores, tendo como
norte o art. 226, § 5º da Constituição Federal.282
O teor do art. 13 da Lei 6.515/77 enuncia que “se houver
motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos
filhos/filhas, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos
anteriores a situação deles com os pais”. Constata Sérgio Gischkow
Pereira, que essa regra desfaz todas as anteriores. Em outras palavras,
passa a figurar como a regra das regras, conferindo ao magistrado a
faculdade de optar por uma modalidade distinta da que usualmente
atribui-se.283
Dessa forma, um exame, baseado nas peculiaridades e
especificidades de cada caso e radicado nos elementos probatórios e
de estudos interdisciplinares das condições familiares, servirá de
argumento de convicção para o magistrado.
2 8 2 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada. Op. cit., p. 441.2 8 3 PEREIRA, Sérgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Op. cit., p. 56-57.
172
Dos dispositivos legais elencados, observamos que, antes de
impedir, o direito brasileiro favorece a modalidade de guarda
compartilhada, reafirmando a discricionariedade do magistrado nessa
matéria. Utilizando-se dessa prerrogativa, poderá o juiz determinar a
guarda compartilhada, se os autos revelarem que é a modalidade que
melhor atende aos interesses da criança ou adolescente e for
recomendada por equipe interdisciplinar, cuja competência prescreve
o artigo 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente.284 Nesse
sentido, Sérgio Gischkow Pereira arremata: “a guarda conjunta não
esbarra em obstáculos no direito brasileiro”.285
Considerando, então que nossos juízes admitam a possibilidade
de atribuir a guarda compartilhada, fundamentada no desejo dos pais,
no plano de parentalidade projetada, no interesse dos filhos/filhas e na
legislação vigente, como seria viável o exercício desta modalidade de
guarda? A incerteza quanto à viabilidade deste projeto poderia
impedir a atribuição da guarda compartilhada?
2 8 4 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 142.2 8 5 PEREIRA, Sérgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Op. cit., p. 61.
173
Certamente não temos respostas para todas as dificuldades
jurídicas que trará essa nova espécie de guarda. Entretanto, apostamos
na confiabilidade e sustentabilidade dos argumentos despendidos.
3.2 Os meios de exercício da guarda compartilhada
A guarda compartilhada propugna por uma responsabilização
dos dois genitores em relação a todos os direitos e deveres da
parentalidade. Não podemos mais concordar com que apenas o genitor
guardião mantenha ativo seu papel parental, ao mesmo tempo em que
é sobrecarregado pelas responsabilidades que advêm da guarda
exclusiva.
Assim, um dos pressupostos da guarda compartilhada é o de
que, apesar da ruptura do relacionamento entre os pais e das
diferenças pessoais que daí possam decorrer, os mesmos continuem a
exercer em comum a autoridade parental, como a exerciam quando a
família permanecia unida.
O que a guarda compartilhada quer é conservar os mesmos
laços que uniam pais e filhos/filhas antes da ruptura. A premissa sobre
174
a qual se constrói esta guarda é a de que o desentendimento entre os
pais não pode atingir o relacionamento destes com os filhos/filhas. Em
outras palavras, o que se pretende é manter o “casal parental” apesar
do desaparecimento do “casal conjugal”.286
Entretanto, é necessário questionar sobre a maneira por que este
projeto poderá tornar-se viável. Como é possível exercitar a guarda
compartilhada? Mesmo em ambiente quase sempre hostil ao
entendimento, há possibilidade de um compartilhamento da guarda?
Acreditamos que seja possível o desenvolvimento da guarda
compartilhada, sobretudo quando o casal acorda sobre seus
fundamentos e, assim, opta, seja através de orientação profissional
(mediação), seja por livre ajuste. Entretanto, essa decisão somente
poderá ser adotada quando o casal estiver suficientemente bem
informado. Ocorre que na maioria das separações e divórcios, no
Brasil, a possibilidade da guarda compartilhada não é nem cogitada,
mesmo em casais intelectualizados de classe média, entre os quais há
uma maior probabilidade de que a discussão sobre uma forma de
guarda alternativa e viável economicamente seja minimamente
avaliada. A desinformação parece ser o principal entrave para a
2 8 6 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 271.
175
expansão dessa modalidade de guarda. O Poder Judiciário não está
preparado para receber demandas em que não se litiga sobre os
filhos/filhas, ao contrário há um acordo de vontades; bem como os
casais, de uma maneira geral, não vislumbram a possibilidade de
permanente convívio com os filhos/filhas mesmo após a separação ou
divórcio.
Da mesma forma, um ambiente de hostilidade e ressentimentos
entre os pais pode não favorecer a constituição da guarda
compartilhada, pois há grandes chances de que estes não saibam
separar seu papel conjugal do parental.
Assim sendo, é seguro afirmar que a guarda compartilhada
rompe com uma certeza decorrente da prática de que a guarda
exclusiva é o melhor desfecho possível para a ruptura conjugal. Na
verdade, esta modalidade de guarda unilateral é a mais recorrente e,
aparentemente, aquela que apresenta menos riscos de conflitos.
Aparentemente, porque não são raros os casos de guarda unilateral ou
exclusiva em que se observam as maiores perdas e custos do ponto de
vista psicológico para todos os envolvidos.287
2 8 7 NAZARETH, Eliana R. Op. cit., p. 78.
176
Constatamos, portanto, que o exercício da guarda compartilhada
pode ser indicado em determinados casos e, em outros, não. Assim
sendo, é importante apreciarmos as possíveis implicações para os
indivíduos inseridos nesta modalidade de guarda.
3.2.1 As conseqüências da guarda compartilhada
Em oportunidade anterior, vimos que a ruptura do vínculo
conjugal gera uma nova situação fática para os filhos/filhas, bem
como para os pais, que poderá ensejar uma reorganização da família
através de um acordo ou decisão judicial. Esse fato está ligado à
dinâmica interna familiar que, através dos tempos, não teve só um
meio de resolução: ora reconheceu-se a preferência paterna, ora
preponderou a materna. Em todas as hipóteses, porém, a guarda
permanecia confiada a um só dos genitores.288
2 8 8 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 143.
177
Esse modelo que atendia às expectativas dos genitores289
começa a ser questionado, como reflexo das modificações operadas na
cultura, na economia, na política, chegando-se ao redescobrimento da
funcionalidade conjunta da paternidade e maternidade.
Uma nova postura que privilegie e envolva ambos os pais na
função formativa e educativa dos filhos/filhas ainda é pouco utilizada
entre nós, mais pela ausência de doutrina e jurisprudência próprias do
que por sua possibilidade jurídica. Nossa legislação, como já
observamos, acolhe o exercício da guarda compartilhada,
compreendida no princípio da igualdade plena entre os pais, capaz de
salvaguardar a continuidade dos laços afetivos entre estes e seus
filhos/filhas.
A guarda compartilhada busca reorganizar as relações entre pais
e filhos/filhas na circunstância da ruptura do casal conjugal,
conferindo àqueles maiores responsabilidades e garantindo a ambos
2 8 9 Talvez esse modelo de exclusividade não só atendesse aos interesses dos genitores, mas também a uma hipótese ideal de constituição dos sujeitos na família e na sociedade, calcada na consagração dos papéis sociais destinados aos personagens: à mulher a função materna, ao homem a função de garantidor material. Tais funções poderiam continuar sendo exercidas nos mesmos moldes, sem prejuízo para quaisquer das partes, mesmo após a ruptura, pois uma não interferia no exercício da outra. Em outras palavras, ao homem que pouco ou nenhum contato mantinha com sua prole, garantia-se a permanência no papel de mantenedor, sem qualquer subversão da ordem “natural” das coisas. Do mesmo modo, a mulher continuava dominando o espaço que lhe era destinado: o “reino do lar”.
178
um melhor relacionamento, que a guarda exclusiva não é capaz de
propiciar.290
Dessa forma, o primeiro aspecto a considerar na
operacionalização do modelo compartilhado de guarda é a residência
dos filhos/filhas.
Eduardo de Oliveira Leite sugere que os pais devam,
primeiramente, decidir sobre a residência da criança e sobre sua
educação, quando desejarem exercer compartilhadamente a guarda. A
determinação da residência é essencial porque assegura uma certa
estabilidade à criança, que, dessa forma, terá um ponto de referência
único.291
A decisão sobre a residência da criança deve, tanto quanto
possível, ser tomada pelos pais, num processo de diálogo constante.
Caso não seja possível esse acordo, os pais poderão recorrer ao auxílio
de profissionais que possibilitem uma intervenção através da
mediação.292 Note-se que esses encaminhamentos para a resolução dos
conflitos devem passar por um permanente processo de informação e 2 9 0 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 143-144.2 9 1 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 271-272.2 9 2 Sobre a utilização da mediação para a obtenção de um plano de parentalidade projetada vimos o item 2.3 desta monografia.
179
reavaliação das posições adotadas, a fim de que se atinja um plano de
parentalidade planejado e construído por todos os envolvidos. O
entendimento ou a boa vontade do casal é fundamental para que a
guarda compartilhada possa ser exercida.
Assim, cada caso deve ser detidamente examinado pelo juiz, e
os comportamentos e idéias estereotipadas devem ser evitados porque
nem sempre resguardam o interesse da criança ou adolescente.
O segundo aspecto a ser considerado é a educação. A educação
neste ponto revela não só a manutenção e custeamento da escola ou
das atividades extracurriculares, mas sim os processos de
desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança
visando à sua melhor integração individual e social.
É a principal missão dos pais dirigir a formação de seus
filhos/filhas. É tão importante esse direito que foi reconhecido como
um dos direitos fundamentais do homem pelas Nações Unidas. A
Constituição Federal, em seu artigo 6º, estabelece a educação como
um dos direitos sociais do cidadão, a ela referindo-se de forma
180
específica como direito de todos e dever da família, no artigo 205,
reafirmando o princípio no artigo 227.293
Educar não é, portanto, de maneira alguma, pagar a escola,
pagar um professor particular, pagar um curso de línguas. O pai
(geralmente) que paga os estudos do filho/filha pode estar
participando pecuniariamente do sustento sem, no entanto, educá-lo.294
O sustento como manutenção material e a educação como manutenção
moral são conceitos distintos. Em que pese haja uma tendência
nacional a vincular o pagamento das contas como forma, por
excelência de cumprimento da obrigação de educar, existem outras
formas de participação do processo educativo dos filhos/filhas.
A educação das crianças, mesmo onde houve ruptura, necessita
da associação dos pais, já que ela não depende da competência
exclusiva de um só. Enquanto no sistema tradicional de guarda
exclusiva o guardião toma sozinho as decisões (sob duplo controle, do
juiz e do genitor descontínuo), o exercício conjunto da autoridade
parental invoca um acordo permanente entre os pais, de igual modo
2 9 3 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 148.2 9 4 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 273.
181
como se tomam as decisões e se praticam os atos em uma família
unida.295
Embora a criança viva com um dos genitores, suas opções
educacionais não dependem somente deste, mas de uma ação comum.
Dependem de uma comunhão e unidade educativas que devem ser
mantidas, ou salvaguardadas, a menos que os genitores não tenham
conseguido suplantar suas diferenças pessoais.
Por isso, e no interesses dos filhos/filhas, os pais devem
conjuntamente estabelecer uma espécie de roteiro diário que
contemple a rotina das atividades das crianças definindo previamente
as situações, assegurando, assim, sua execução no dia a dia.
Entretanto, para algumas questões não haverá a necessidade de
decisões em conjunto a serem discutidas por ambos os genitores, pois
nem todas as situações poderão ser antecipadas pelo roteiro diário das
crianças.
Ressaltamos que os conflitos advindos da divergência de
opiniões entre os pais com relação a questões práticas no exercício da
guarda compartilhada, no que pertine aos interesses dos filhos/filhas,
2 9 5 Idem, p. 274.
182
podem ser resolvidos pelo princípio da igualdade de representação e
assistência de ambos os pais. No próprio plano de parentalidade
projetada, elaborado através das técnicas de mediação, cada situação
poderá ser renegociada e rediscutida, a fim de melhor se adequar aos
interesses em questão.
A questão relativa à educação conduz à outra igualmente
fundamental: a manutenção do exercício conjunto da autoridade
parental, apesar da separação, necessita de uma definição da
participação pecuniária à manutenção da criança, que pode se
materializar num acordo ou, na sua impossibilidade, através de
decisão judicial.296
A ruptura não altera – como deduzem muitos devedores da
pensão – a intensidade e a proporção pecuniária vertida até aquele
momento. A obrigatoriedade da manutenção persiste como se nada
tivesse ocorrido. Logo, pai e mãe decidem, de comum acordo, o
montante da pensão conforme as rendas de cada um e as necessidades
dos filhos/filhas. Quanto maior o entendimento entre os ex-cônjuges,
melhor a solução a ser encontrada em matéria de alimentos.
2 9 6 Idem, p. 275.
183
O termo alimentos não se esgota na acepção física de nutrir,
quando tomado no sentido jurídico. Em tal acepção, compreende o
universo de prestações de cunho assistencial que, evidentemente, tem
conteúdo mais elástico no plano do direito que na percepção
coloquial.297
Assim, dar educação não é, unicamente, dar pensão, mesmo
sendo esta imprescindível para o projeto de ampla assistência aos
filhos/filhas. Se na família, quando intacta, ambos os genitores
contribuíam na proporção de seus rendimentos para o sustento, guarda
e educação da prole, por ocasião da ruptura o mesmo procedimento
deve ser exigido.298
A guarda compartilhada, como meio de manter (ou criar)
estreitos laços afetivos entre pais e filhos/filhas, estimula a co-
responsabilidade de ambos os genitores sobre o cumprimento do dever
de alimentos. Sabemos que quanto mais um pai se afasta do convívio
com os filhos/filhas, menos lhe parece evidente o dever de pagar
pensão.299 De outra forma, se o pai (que normalmente afasta-se dos
filhos/filhas) permanece num intenso convívio, mesmo após a
2 9 7 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Op. cit., p. 268.2 9 8 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 150.2 9 9 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 283.
184
separação ou divórcio, melhor perceberá suas necessidades tanto
materiais quanto psíquicas. Essa percepção poderá impedir que se
exima de seus deveres. Por outro lado, a mãe, que tem no ex-parceiro
um aliado na criação dos filhos/filhas, tenderá a sentir-se menos
sobrecarregada, atendendo melhor, portanto, as carências dos
filhos/filhas.
A guarda compartilhada, por isso, atribui aos pais, de forma
igualitária, a guarda jurídica, ou seja, define ambos os genitores como
titulares do mesmo dever de guardar os filhos/filhas, permitindo a
cada um deles conservar seus direitos e deveres.300
Um último aspecto a ser destacado refere-se a responsabilidade
civil dos pais por atos dos filhos/filhas menores.
Quando a separação é fática e, portanto, não há uma
determinação judicial da guarda, presume-se (presunção juris tantum)
a manutenção da solidariedade na responsabilidade.301
3 0 0 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 152.3 0 1 Nestes termos concordam Grisard Filho (Op. cit., p. 155) e Eduardo de Oliveira Leite (Op. cit., p. 276).
185
Em se tratando de separação judicial, ou de divórcio com
atribuição clássica da guarda unilateral, o genitor guardião fica
responsável pelos atos praticados, partindo-se da presunção de que
este é o responsável pelo erro na educação ou falha na fiscalização e
vigilância dos atos dos filhos/filhas, excetuando-se o caso em que o
evento danoso fosse produzido quando o filho/filha estivesse aos
cuidados do outro genitor.302
Entretanto, na hipótese de guarda compartilhada, a quem se
imputaria a responsabilidade pelos atos do filho/filha menor? Para
Eduardo de Oliveira Leite, pai e mãe, enquanto exercem
conjuntamente o direito de guarda, são solidariamente responsáveis
pelos danos causados pelos filhos/filhas menores que estão sob o seu
poder e companhia, conforme preceito do artigo 1.521 do Código
Civil Brasileiro.303
Dessa forma, conclui o autor pela responsabilidade solidária dos
pais, uma vez que “as decisões relativas à educação são tomadas em
comum (e a guarda conjunta é construída sobre essa presunção),
3 0 2 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 155.3 0 3 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 277. “Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação civil: I- os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia; [...]”
186
ambos os genitores desempenham um papel efetivo na formação
diária da criança ou adolescente. Assim, em ocorrendo dano, a
presunção de erro na educação do filho/filha ou falha na vigilância
recai sobre ambos os genitores.”304
Das questões aqui sumariamente expostas, podemos perceber
que o assunto não se esgota. Sabemos que a realidade e a prática
cotidiana revelarão outras tantas implicações relativamente à
responsabilidade dos pais por atos dos filhos/filhas.
Contudo, não podemos negar que futuros desentendimentos e
desacordos entre os pais poderão motivar uma intervenção judicial, a
fim de garantir a manutenção das relações parentais, mesmo em se
tratando de guarda compartilhada.
Nestes casos, o juiz deverá submeter a modificação do plano de
projeção da parentalidade, nos pontos geradores do conflito? Ou,
deverá reconsiderar integralmente o sistema escolhido pelas partes,
substituindo-o pelo sistema clássico da guarda unilateral?
3 0 4 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 277. A doutrina e a jurisprudência, em matéria de responsabilidade civil, têm admitido a alegação, em sede de defesa, de que o filho/filha que causa o dano estaria em companhia do outro genitor, na ocasião do evento, a fim de que o presumível responsável – aquele que detém a guarda jurídica – exima-se da responsabilidade, transferindo-a para o genitor não-guardião.
187
Respondendo a essas inquietações, Eduardo de Oliveira Leite
afirma que a postura judicial dependerá do objeto do conflito. Se se
trata de um desentendimento pontual, o juiz poderá decidir sem
desconsiderar a guarda compartilhada, mas se se trata de
desentendimento profundo, poderá ser necessário retornar ao sistema
clássico.305
Não vemos nessa hipótese uma desvalia da guarda
compartilhada, ao contrário de alguns juristas que apontam a
possibilidade de revisão judicial como empecilho gerador de
desconfiança, como se na guarda exclusiva não houvesse tal
possibilidade.
A determinação da guarda (seja qual for a espécie), mesmo
depois de homologada ou transitada em julgado, pode ser alterada a
favor do interesse maior dos filhos/filhas, conforme já descrevêramos
no artigo 13 da Lei do Divórcio, que prevê a alteração da guarda, pelo
juiz, “se houver motivos graves”, em qualquer caso, “a bem dos
filhos/filhas.”
3 0 5 Idem, p. 278.
188
Em outras palavras, isto significa que a decisão sobre a guarda
tem caráter provisório, tornando-a passível de revisão, sempre que a
situação fática se altera e a fragilidade da situação do menor se
manifesta contundente.
As implicações da guarda compartilhada, de ordem objetiva e
subjetiva, tiveram uma breve acolhida neste ponto da monografia, não
esquecendo, entretanto, que outras inúmeras complicações poderão
suceder ao longo da prática da guarda compartilhada. Assim sendo,
destacamos algumas ponderações sobre a oportunidade e conveniência
da atribuição desta espécie de guarda, esperando que esta, muito em
breve, torne-se a regra e não a exceção.
3.3 Quando e por que atribuir a guarda compartilhada?
3.3.1 Os fundamentos e pressupostos da guarda compartilhada
No direito de família, lida-se com pessoas e singularidades,
trata-se de causas onde o psicoemocional está sempre muito presente.
Faz-se necessário priorizar os sujeitos em detrimento do seu
patrimônio. Dessa forma, na busca por uma solução mais justa, é
189
essencial ter um conhecimento mínimo sobre o funcionamento mental
do indivíduo, suas relações sociais e familiares.306 Estudos
provenientes da sociologia, da antropologia e da psicanálise oferecem
subsídios valiosos para a compreensão da família e de sua dinâmica.
Tais conhecimentos são particularmente relevantes quando se
observa o crescente aumento do número de desuniões conjugais e suas
implicações na reorganização familiar, dentre elas a guarda dos
filhos/filhas.307
Na contemporaneidade é preciso pesquisar maneiras de garantir
um relacionamento de co-parentalidade - que minimize as
perturbações psicoemocionais provocadas pela ruptura conjugal, -
bem como compreender o processo relacional dos sujeitos envolvidos
na vivência das transformações que se operam nas individualidades.308
3 0 6 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 347.3 0 7 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 157.3 0 8 Idem, p. 159. Os autores Jacqueline e Alain Pousson, analisando os recentes estudos sobre o divórcio nos Estados Unidos, questionam o significado de tal fenômeno: “Aux U.S.A., de nombreuses études ont été faites depuis longtemps sur cette question brûlante d’actualité. Les résultats de ces recherches n’y sont pas convergents. L’antinomie s’explique par les différentes approches et analyses du divorce et de l’après-divorce: ou bien le divorce est conçu comme destructeur de la famille, ou bien il constitue une nouvelle dynamique familiale, le divorce dans cette optique est analysé comme une série de transitions impliquant le passage de la nucléarité à la binucléarité.” Por fim, concluem: “Les travaux de Constance Ahrons, d’Hetherington, de Cox et Cox, de Wallerstein et Kelly, aboutissent à la conclusion que l’enfant a un besoin vital de maintenir des relations avec ses deux parents.” (POUSSON, Jacqueline e Alain. Op. cit., p. 97.)
190
A atribuição sistemática da guarda à mãe, não garante um
acesso permanente e contínuo do pai aos filhos/filhas, como já
havíamos referido. Diferentemente, na hipótese em que se
compartilham as responsabilidades parentais e, ambos os genitores
experimentam um relacionamento mais estreito com os filhos/filhas.309
Sendo assim, a pesquisa social, prevista nos artigos 161, § 1º,
162, §1º, 167,168 e 186, § 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente,
contempla a intervenção de equipe interprofissional sempre que
necessário.310 Através desse estudo o juiz coletará elementos
informativos para a apuração do melhor interesse dos filhos/filhas e,
por conseguinte, para a determinação da guarda, naquele caso em
concreto.311
Os fundamentos psicológicos da guarda compartilhada partem
do pressuposto de que a separação e o divórcio trazem uma série de
3 0 9 Mesmo durante a vigência da união ou casamento não podemos afirmar que, de fato, haja uma harmonia tal que assegure um equilíbrio no cumprimento das obrigações entre os membros da família. No universo de famílias com que convivemos, seguramente, não podemos garantir que numa hipótese de ruptura haveria a possibilidade de compartilhar a guarda, uma vez que durante a união já não se vislumbrava tal entendimento e cooperação. Em outros termos, sabe-se que a proposta de uma guarda compartilhada talvez tenha um âmbito de aplicação restrito, tendo em vista que a constituição e as práticas das famílias, de uma maneira geral, não revelam uma disposição para questionamentos referentes aos papéis desempenhados entre os gêneros, bem como perspectivas de mudanças na atuação dos sujeitos.3 1 0 A competência desta equipe interprofissional se expressa no artigo 151 do mesmo diploma legal.3 1 1 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 159.
191
prejuízos para a criança, uma vez que a tríade formadora dos vínculos
básicos fica substancialmente alterada quando um de seus genitores
abandona o seu lugar na família e na imagem parental interna da
criança.312
Desde o início da vida, as crianças estabelecem relações com
ambos os progenitores, sendo que em determinados períodos do
desenvolvimento existe a prevalência de um desses vínculos sobre os
outros. Há uma variação de importância em momentos distintos,
embora persistam simultaneamente os vínculos básicos.
Da mesma forma, outro fator a contribuir para a escolha da
guarda compartilhada diz respeito ao intercâmbio de papéis de gênero
para homens e mulheres, que propicia a participação dos dois sexos
em tarefas sequer imaginadas.313 Entretanto, ressaltamos que a
discussão sobre os limites da nossa cultura, considerada sexista e
conservadora, não tem acompanhado a evolução das mudanças nos
papéis sociais ocorridas nas últimas décadas.
Observa-se que nas camadas mais populares da população o
aparato legal é, notadamente, mais arrojado que a realidade da 3 1 2 MARRACCINI, Eliane M.; MOTTA, Maria A. Op. cit., p. 348.3 1 3 NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 139.
192
experiência cotidiana. Nesse sentido, as mulheres, de uma maneira
geral, continuam sendo as principais ou únicas responsáveis pelo
cuidado e educação dos filhos/filhas, exercendo, há bastante tempo,
unilateralmente a autoridade parental de fato, impingidas pela omissão
ou indiferença paterna. Destaca-se, em larga escala, o adágio de que
“criança é assunto de mulher”. Sua luta consiste na efetivação da
autoridade parental conjunta, em igualdade de condições e em todas as
dimensões, pelo pai e pela mãe.314
Para Nazareth, a guarda compartilhada pode ser indicada em
três circunstâncias.315
A primeira, quando o litígio entre o casal fica restrito à questão
da guarda, isto é, o casal acorda em relação a todos os outros termos
da separação, exceto quanto à guarda. Neste caso, o casal deverá saber
discriminar entre os conflitos na área da conjugalidade e o exercício
da parentalidade. Os conflitos gerados no campo da conjugalidade
314 CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do. Amaral.; MENDEZ, Emílio Garcia. (Coords.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentário jurídicos e sociais. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 91-92. Mais uma vez presenciamos uma pseudo-modernidade que garante uma igualdade formal para todos, sem distinção de sexo ou classe social. Entretanto, a realidade é mais crua. Se, para fins acadêmicos, temos um período histórico de redefinições dos papéis e observamos a afirmação da capacidade de maternagem em homens-pais, em contrapartida, expressiva camada da população não tem acesso a tais códigos de individualidades, eis que vemos, cada vez mais, mulheres em busca de alternativas para a negativa de seus companheiros em responsabilizar-se pela paternidade.3 1 5 NAZARETH, Eliana R. Op. cit., p. 78-80.
193
podem estimular uma deficiente parentalidade. Entretanto, mesmo que
a família não exista nos moldes anteriores, os pais poderão ainda
conduzir o desenvolvimento das potencialidades dos seus filhos/filhas,
caso apercebam-se da possibilidade de cooperação para melhor
alcançarem esse objetivo. Dessa forma, ainda que discordando sobre o
genitor que deverá ficar com a guarda do filho/filha, os pais poderão
acordar em compartilhar esse desejo, de modo que sua parentalidade
não fique prejudicada por conflitos na conjugalidade.
A segunda e terceira circunstâncias, passíveis de atribuição da
guarda compartilhada, se referem às hipóteses de revisão da guarda
exclusiva ou unilateral.
Assim, a segunda circunstância diz respeito a dois genitores que
desejam para si a guarda, mas quem a detém não concorda em reparti-
la, e o genitor excluído, em geral o pai, mostra-se interessado em fazê-
la.
Neste caso, é preciso avaliar se a recusa de um dos genitores em
compartir a guarda é fundada, simplesmente, em oposição decorrente
de disputa pessoal ou é relevante para o interesse dos filhos/filhas.
Sabemos que o homem está muito mais participante da vida diária de
194
seus filhos/filhas e apenas o regime de visitas, por mais flexível que
seja, não possibilita a manutenção da convivência, não permitindo ao
pai continuar a ter uma influência concreta e decisiva na educação de
seus filhos/filhas.
A terceira circunstância em que também se indica esta nova
modalidade de guarda é quando um dos genitores não dá conta desta
sozinho, por motivos de trabalho, por exemplo, ou quando não a quer
só para si.
Por outro lado, quando um genitor não quer, ou não pode, por
motivos compreensíveis ou não, se incumbir dos cuidados de seus
filhos/filhas, não deve ser obrigado a fazê-lo (por comando sentencial
de um juiz). Uma imposição de tal ordem não propiciaria as condições
necessárias ao bom desenvolvimento das crianças, o que geraria, na
maioria das vezes, rejeição ou indiferença deste pai em relação aos
seus filhos/filhas.
Nos casos que envolvem crianças com necessidades especiais, e
que, portanto, requerem uma estrutura doméstica adequada, a
imposição da modalidade não seria indicada, mesmo que à primeira
vista fosse apropriada. Na verdade, seria até contra-indicada. Uma
195
criança com necessidades especiais, em geral, traz à tona sentimentos
de culpa. Se um genitor recusa-se a cuidar desta criança é porque não
conseguiu resolver-se em relação às limitações nem do filho/filha,
nem do outro genitor; ao contrário, costuma responsabilizar o outro
pelo “fracasso”, pois não é capaz de distinguir os sentimentos de
insucesso - algo pessoal e intransferível - das circunstâncias da vida.316
Por outro lado, haverá a possibilidade de um dos genitores não
se opor, mas também não se oferecer a compartilhar a guarda. Neste
caso, o juiz poderá determinar a guarda compartilhada, pois se trata de
um modo de assegurar-lhe o direito-dever de exercer a guarda.
Situações como essas irão requerer uma maior sensibilidade do juiz
para saber até onde sua interferência será positiva e válida.317
Como afirmamos anteriormente, a guarda compartilhada não
seria indicada também nas situações em que a disputa pela guarda é
um espaço para o desenvolvimento de conflitos deslocados entre os
pais.
Quando as crianças são muito pequenas também não é
aconselhável a guarda compartilhada. Até os quatro, cinco anos de 3 1 6 Idem, p. 81-82.3 1 7 Idem, p. 82.
196
idade, a criança necessita de um contexto o mais estável possível para
o delineamento satisfatório de sua personalidade. A convivência com
ambientes físicos diferentes, de fluxo constante de pessoas requer uma
capacidade de adaptação e de codificação-decodificação da realidade
só possível em crianças mais velhas.318 Outros autores, entretanto,
apontam essa característica como um valor positivo para a guarda
compartilhada, justamente porque possibilita à criança uma vivência
da alternância, expondo-a à diversidade, bem como preparando-a
melhor na lida com a vida no futuro.319
Igualmente nos casos em que a criança é ou está muito insegura,
essa modalidade de guarda é contra-indicada, pelos mesmos motivos
referidos acima; uma criança nessas condições necessita de um
contexto estável. Se o juiz tem dúvidas a respeito de seu estado
emocional, seria aconselhável pedir uma avaliação psicológica
específica da capacidade adaptativa da criança em questão.320
Os fundamentos e pressupostos, portanto, da guarda
compartilhada apresentam-se no sentido de conferir maior segurança
ao magistrado que tem diante de si a oportunidade de optar por esta
3 1 8 Idem, p. 83.3 1 9 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 176.3 2 0 NAZARETH, Eliana R. Op. cit., p. 83.
197
modalidade de guarda. Contudo, somente as condições e
peculiaridades de cada caso em concreto serão capazes de formar o
convencimento do juiz.
Considerando tais proposições, destacamos, por fim, as
vantagens e desvantagens da guarda compartilhada, ressaltando,
entretanto, que as ditas desvantagens decorrem de um certo ranço de
alguns autores, baseados, sobretudo, em noções equivocadas sobre a
guarda compartilhada.
3.3.2 Vantagens e desvantagens
A guarda compartilhada provoca um corte epistemológico nos
sistemas vigentes para, enfim, privilegiar a continuidade da relação da
criança com seus dois genitores após a ruptura, responsabilizando
ambos pelos cuidados cotidianos relativos à educação e à criação dos
filhos/filhas. Os modelos tradicionais já não atendem a tais exigências
e expectativas.321
3 2 1 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 166. Da mesma forma deduz os Pousson: “L’enfant ne peut que bénéficier de la perception que ses deux parents continuent à être responsables de lui, pour autant qu’un dialogue existe entre eux et dans la mesure où son intérêt prime sur toute autre considération. Le concept de stabilité psychologique est mis en exergue.” (POUSSON, Jacqueline e Alain. Op. cit., p. 97.)
198
Em muitos países erigiu-se a guarda compartilhada como
princípio geral (excepcionalmente é deferida a guarda unilateral), com
o fim de reequilibrar as relações entre pais e filhos/filhas, à luz do
princípio da isonomia conjugal, que remete a igual princípio no
exercício da parentalidade.
No Brasil, aguarda-se expresso e adequado tratamento
legislativo, enquanto se constrói uma doutrina a seu respeito, ainda
que timidamente.
Assim sendo, a consideração dos argumentos pró e contra à
guarda compartilhada revela a necessidade de seu ajustamento à
realidade fática, o que só será alcançado através da contribuição
doutrinária aliada à procura das melhores soluções trazidas pelos
Tribunais e que, inevitavelmente, desembocarão nas alterações
legislativas que se fizerem necessárias.322
A guarda compartilhada atribui a ambos os genitores a guarda
jurídica: ambos os pais exercem simultaneamente todos os direitos e
deveres relativos à pessoa dos filhos/filhas; pressupõe uma ampla
3 2 2 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 289.
199
colaboração entre os pais, pois as decisões relativas aos filhos/filhas
são tomadas em conjunto.323
Quando os pais cooperam entre si e não expõem os filhos/filhas
a seus conflitos, minimizam a probabilidade destes desenvolverem
alguma espécie de desorientação emocional, escolar ou social.
No contexto da guarda compartilhada, os arranjos de co-
educação e criação tendem a aumentar o acesso a seus dois genitores,
o que auxilia a minorar os sentimentos de culpa e rejeição dos
filhos/filhas pela ruptura dos pais: ao mesmo tempo em que os
filhos/filhas presenciam seus pais unidos em torno do objetivo de
suprir suas necessidades, sentem-se menos responsáveis pelo
desfazimento do relacionamento dos pais.324
A guarda compartilhada tende a elevar o grau de satisfação de
pais e filhos/filhas e eliminar os conflitos de lealdade. Podendo
3 2 3 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. Op. cit., p. 167-168.3 2 4 As autoras Wallerstein e Kelly constataram que trinta e sete por cento de todas as crianças e adolescentes entrevistadas em sua pesquisa, de famílias monoparentais, estavam de moderada a severamente deprimidas, no período de cinco anos após a separação ou divórcio dos pais. (WALLERSTEIN, Judith S.; KELLY, Joan B. Sobrevivendo à separação: como pais e filhos lidam com o divórcio. Porto Alegre: Artes Médicas. 1998, p. 238.) De outra forma, nesse mesmo período, consideraram bons resultados em todas as idades, como bom funcionamento do ego, auto-estima adequada ou elevada e nenhuma depressão, na avaliação das crianças e adolescentes que tinham um relacionamento estável e íntimo com o progenitor que ficara com a guarda e com o que não ficara. (Op. cit., p. 225)
200
desfrutar da convivência e apoio de ambos os pais, a criança não se
sentirá pressionada a escolher qual é o melhor entre os dois. De igual
maneira, os pais tendem a reconhecer o valor e a importância do outro
para a realização da parentalidade, o que evita, sem dúvida, os jogos
de medição de poder, tão comuns na disputa pela guarda exclusiva.
Nick aponta, citando Arditti, as principais vantagens da guarda
compartilhada:
“Ela promove um maior contato com ambos os pais após o divórcio, e as crianças se beneficiam de um relacionamento mais íntimo com eles (Greig, 1979); o envolvimento do pai no cuidado aos filhos após o divórcio é facilitado (Bowman & Ahrons, 1985); e as mães são menos expostas às opressivas responsabilidades desse cuidado, o que as libera para buscar outros objetivos de vida (Rothberg, 1983).”325
O compartilhamento dos cuidados com os filhos/filhas significa
conceder aos pais um espaço para o desenvolvimento de outras
atividades, sobretudo a reconstrução de suas vidas pessoal,
profissional e social. As estatísticas demonstram que somente 25% das
mulheres com guarda unilateral constituíram novas famílias, contra
3 2 5 ARDITTI, J. A. Differences between fathers with joint custody and noncustodial fathers. Amer J. Orthopsychiat., vol. 62(2), april/1992. Apud NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 137.
201
59% dos homens. Enquanto 45% das mulheres e 43,6% dos homens
que desfrutam da guarda compartilhada formaram novas uniões.326
A guarda compartilhada reafirma a igualdade parental desejada
pela Constituição Federal e pontua seu argumento fundamental no
interesse das crianças. Argumento este que, segundo Eduardo de
Oliveira Leite, é critério determinante da atribuição da guarda.327
Indiretamente, a guarda compartilhada, estreitando os laços
entre pais e filhos/filhas, pode funcionar como elemento motivador ao
cumprimento do pagamento da pensão alimentícia. Como já havíamos
descrito, quanto mais o pai se afasta dos filhos/filhas, menos lhe
parece evidente o pagamento da pensão; quanto mais intenso é o
relacionamento, mais natural lhe parece assumir as obrigações
decorrentes da paternidade.328
Diante das vantagens destacadas, certamente há argumentos
contrários. Os críticos da guarda compartilhada invocam a falta de
garantias de uma estabilidade necessária ao equilíbrio emocional da
criança ou adolescente, tendo em vista que esta modalidade de guarda
3 2 6 DONTIGNY, D. Parents pour la vie. Apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 285.3 2 7 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 281.3 2 8 Idem, p. 283.
202
reparte competências entre os pais. Tal crítica não procede, pois na
guarda compartilhada as decisões, de qualquer ordem, são tomadas em
conjunto. Não há divisão de matérias que sejam afeitas a um ou outro
genitor, uma vez que ambos decidem na perspectiva de que se atinja
os interesses das crianças.
Na verdade, ocorre uma confusão e um receio, até certo
justificável, de que a guarda compartilhada torne-se uma guarda
alternada, tão-somente. Na guarda alternada os filhos/filhas correm o
risco de serem usados como instrumentos de tortura do outro cônjuge
ou convivente, jogados que são de um genitor para o outro, ao sabor
das convenções estabelecidas, perdendo a noção de continuidade -
essencial para seu desenvolvimento. 329
Tal equívoco de percepção deve ser esclarecido. A guarda
compartilhada obriga a que se determine a residência principal da
criança. Este lugar será o centro de referência, o que não impedirá que
a criança se desloque. Garante-se, dessa forma, que sua rotina
3 2 9 Na Bélgica, a guarda alternada não é aceita pela jurisprudência. “Précisons toutefois que la jurisprudence belge dominante treste défavorable à cette solution de garde alternée parce qu’en instituant um nomadisme permanent elle paraît sacrifier à l’intérêt personnel des parents le besoin fondamental de stabilité du cadre de cie des enfants. En outre, elle offre peu de garantie du point de vue éducatif parce qu’elle est difficilment conciliable avec la nécessaire unité de direction qui est un élément sécurisant pour de jeunes enfants.” (POUSSON, Jacqueline e Alain. Op. cit., p. 102-103.)
203
contemple momentos com o pai e com a mãe e que após, retorne a sua
única residência.
Logo, as críticas que referem a instabilidade como conseqüência
da guarda compartilhada não encontram sustentação. A mudança
regular de residência, com todos os efeitos que daí decorrem, inexiste
nesta modalidade. Ambos os pais exercem direitos iguais,
independentemente da necessidade de fixação de uma residência
única. Esta funciona como ponto de referência a partir do qual se
irradiam os direitos e deveres dos dois genitores.330
O risco de desentendimentos suscita restrições aos críticos da
guarda compartilhada, porque vêem nisso uma possibilidade de sério
comprometimento desta proposta.
Eduardo de Oliveira Leite afirma que não há razão para tal
argumento, eis que tal risco existe, da mesma maneira, seja em relação
à guarda exclusiva, seja em relação a casais não separados ou
divorciados. O conflito, arremata o autor, faz parte da natureza
3 3 0 Neste ponto concordam Grisard Filho (Op. cit., p. 175) e Eduardo de Oliveira Leite (Op. cit., p. 286).
204
humana e é encontrado em qualquer situação, por mais perfeita (se é
que existe perfeição) que ela se revele.331
Por fim, diz-se que a guarda compartilhada poderia ser
prejudicial, pois mascararia a realidade, levando ao fomento de uma
expectativa, na criança, de reconciliação dos pais.332 Também
infundada é tal crítica por duas razões. Primeiro, porque o objetivo da
guarda é garantir a manutenção das relações paterno-filiais. Segundo,
porque a ocorrência de tal expectativa de reconciliação dos pais,
presente no consciente das crianças, não depende da guarda. Não é a
guarda compartilhada que cria a ilusão de uma possível reconstituição
da família, mas a ausência de uma postura clara e objetivamente
assumida pelos genitores.
Também Nick descreve as desvantagens da guarda
compartilhada, reproduzindo Arditti:
“Elas se centram na praticidade de tais arranjos quando há conflito continuado entre os pais (Goldstein, Freud, e Solnit, 1979; Johnston, Kline e Tschann, 1989); na exploração da mulher se a guarda compartilhada é usada como meio para negociar menores valores de pensão alimentícia (Weitzman, 1985) e na viabilidade da guarda
3 3 1 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 286.3 3 2 Idem, p. 288.
205
conjunta para famílias de classe sócio-econômica mais baixa (Richards e Goldenberg, 1985).”333
Como havíamos referido em outra oportunidade, pais que vivem
em constante conflito, não cooperativos, sem diálogo, insatisfeitos,
que agem em paralelo e sabotam um ao outro contaminam qualquer
arranjo de guarda.
A avaliação destas considerações a favor e contra, ainda assim,
impõe-nos a crer que a guarda compartilhada figura como “a solução
ideal quando os pais, apesar de sua separação, permanecem
conciliadores e cooperadores.”334 Seus efeitos dependem, portanto, da
capacidade dos pais em assegurar aos filhos/filhas uma boa educação.
Assim, sempre que um dos genitores demonstrar incapacidade moral
ou psicológica, recomenda-se que a criança viva com um só genitor
que seja capacitado para tanto.
Considerando as observações destacadas, podemos concluir que
as vantagens da guarda compartilhada satisfazem objetivistas e
subjetivistas, uma vez que esta modalidade favorece a superação de
conflitos de ordem prática e de crises e traumas internos das partes.
3 3 3 ARDITTI, J. A. Op. cit.. Apud NICK, Sergio Eduardo. Op. cit., p. 137.3 3 4 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. Op. cit., p. 289.
206
Dessa forma, a sociedade e o Poder Judiciário, de uma maneira
geral sensíveis aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais
envolvidos, devem manifestar-se afirmativamente sobre a
possibilidade de responsabilização dos dois genitores por seus
filhos/filhas, mesmo após o divórcio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com essa monografia procurou-se demonstrar que a atribuição
clássica da guarda após a separação ou divórcio não atende mais as
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exigências de uma parcela significativa de famílias contemporâneas.
A guarda exclusiva, deferida invariavelmente às mães, não privilegia a
convivência familiar, contrariando disposição da Constituição Federal,
da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, da
Convenção Internacional dos Direitos das Crianças.
Uma mudança significativa no comportamento de homens e
mulheres, operada nas últimas décadas, está decretando a falência do
modelo tradicional de guarda. Embora persista na jurisprudência um
senso comum de que à mulher cabe assegurar os cuidados em relação
à sua prole, tendo em vista sua natureza peculiar afeita a tais
contingências, existem determinados homens que, cada vez mais,
estão assumindo um desejo de ampliar seu envolvimento na criação e
educação dos filhos/filhas, exercendo, para tanto, tarefas
inimagináveis para os padrões sexistas da cultura masculina brasileira.
A importância da figura paterna desde os primeiros dias de vida
da criança é reconhecida em estudos recentes, ao contrário do se
supunha até então. Os papéis sociais rigidamente construídos
implicavam - e continuam a fazê-lo – uma dicotomia: à mulher é
reservado o espaço privado, circunscrito à esfera doméstica; ao
208
homem, o espaço público. Também após a ruptura, essa divisão
restava inalterada.
Em que pese o exercício da autoridade parental devesse ser
conjunto, o divórcio ou a separação rompem, equivocadamente, os
laços paterno-filiais. Embora se confira uma igualdade formal no
exercício da autoridade parental e se busque o interesse de crianças e
adolescentes, existe uma prática reiterada nas varas de família que
acirra a disputa entre os genitores através atribuição da guarda
unilateral.
Diante da constatação dessas contradições, pretendeu-se discutir
sobre os fundamentos da guarda exclusiva e, da mesma forma -
sabendo-se de suas deficiências - propor uma reflexão sobre uma nova
modalidade. A guarda compartilhada vem para desconstituir alguns
paradigmas da sociedade e do direito, por isso enfrenta resistências
daqueles que se acostumaram à aplicação de soluções mecânicas.
Contudo, a guarda compartilhada requer alguns pressupostos e
exige uma disposição que não observamos na escala que gostaríamos.
Ao longo do estudo, percebeu-se que nem todas as famílias
adaptariam-se a esta modalidade de responsabilidade parental. Na
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guarda compartilhada deve haver uma disposição firme das partes em
superar suas frustrações conjugais, a fim de que seus papéis parentais
possam realizar-se plenamente.
Estas dificuldades não desmerecem a proposta de uma
discussão alternativa da parentalidade baseada na satisfação do direito
dos filhos/filhas à convivência familiar, após o rompimento do casal.
Acredita-se, portanto, que a guarda compartilhada é viável
juridicamente, pois não há norma legal, no ordenamento brasileiro,
que impeça sua aplicação. Ao contrário, a tendência é que se
transforme em regra, enquanto a guarda unilateral se torne a exceção,
uma vez que suas contribuições deverão popularizar-se em nosso país,
a exemplo do que já acontece em outros países.
Sem dúvida, a implementação desta proposta em nossa
sociedade contribuirá para dirimir os conflitos entre mães e pais, e
entre estes e seus filhos/filhas após a separação.
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