A História Da Dupla Hélice Do Dna

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    1 Universidade Estadual de Londrina (UEL), Centro de Letras e Cincias Humanas, Departamento de Filosofia,Rodovia Celso Garcia, Cid. Bandeirantes, Londrina, CEP 86055-900, PR, Brasil. E-mail: [email protected] Universidade Estadual de Londrina (UEL), Centro de Cincias Exatas, Departamento de Matemtica,Londrina, PR, Brasil.3 Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Instituto de Fsica. Macei, AL, Brasil.

    A HISTRIA DA DUPLA HLICE DO DNANOS LIVROS DIDTICOS: SUAS POTENCIALIDADES

    E UMA PROPOSTA DE DILOGO

    The history of the DNA double helix in textbooks:potentialities and a proposal for a dialogue

    Marcos Rodrigues da Silva1 Marinez Meneghello Passos2 Anderson Vilas Boas3

    Resumo: Mediante a anlise de sete dos nove ttulos de livros didticos qualificados pelo Programado Livro para o Ensino Mdio (PNLEM/2009), procurou-se mostrar que h uma concepo decincia intrnseca a cada uma das propostas apresentadas nesses livros. Entre os referenciais assumi-dos para o desenvolvimento da anlise, est a insero de histria mediante o aporte filosfico de umaabordagem relacional, que leva em considerao quando se narra a histria de um conceito cientfi-co a relao entre este conceito e o problema a partir do qual emerge a necessidade deste conceito.Esta investigao levou-nos concluso de que os elementos histricos contidos nos livros didticos,referentes histria da dupla hlice do DNA, possibilitam a constituio de uma concepo de cin-cias que mostra a cincia como uma construo histrica, pela razo de que seus resultados sorespostas a problemas legitimados historicamente.

    Palavras-chave: Ensino de biologia. Ensino Mdio. Livro didtico. Dupla hlice do DNA.

    Abstract: Based on the analysis of seven books from the nine titles of textbooks qualified by the TheHigh School Book Program (PNLEM /2009), an attempt has been made to show that there is anintrinsic conception of science in each proposal presented in those books. Among the referencesassumed in the development of the analysis is the insertion of history by the philosophical use of arelational approach which considers, when the history of a scientific concept is narrated, the relation-ship between this concept and the problem, and based on this, the need for such concept emerges.This investigation has brought us to the conclusion that the historical elements contained in thetextbooks, referring to the history of the DNA double helix, make it possible for the constitution ofa conception of sciences that shows science as a historical construction because its results are answersto historically legitimized problems.

    Keywords: Biology teaching. High school. Textbook. DNA double helix.

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    Introduo

    Ao se buscarem informaes sobre investigaes que possuem o livro didtico debiologia do Ensino Mdio como objeto de estudo, verifica-se que os objetivos de pesquisa dosque se debruam sobre esses livros so deveras variados.

    H aqueles que procuram compreenses sobre o papel do livro didtico, sua utiliza-o didtica e sua avaliao (MEGID NETO; FRACALANZA, 2003, p. 147-148); existem osque se propem a analisar de forma comparativa o livro didtico de biologia e a utilizao deapostilas (SANTOS et al., 2007); aqueles que procuram evidenciar a concepo de histria dabiologia veiculada nos livros didticos (CARNEIRO; GASTAL, 2005); os que se dedicam acontedos especficos, como: serpentes peonhentas e acidentes ofdicos (SANDRIN; PU-ORTO; NARDI, 2005), ciclo de nitrognio (CAMPOS; LIMA, 2008), gentica e biologiamolecular (MELO; CARMO, 2009) e educao ambiental (MARPICA; LOGAREZZI, 2010),presentes nesses manuais.

    Contudo, as discusses e consideraes a que diversos desses pesquisadores nos re-metem trazem tona um quadro avaliativo nada otimista para os livros didticos de biologiado Ensino Mdio.

    Na sequncia, relacionamos algumas dessas concluses e, pautados nesses assinala-mentos, justificamos nosso movimento e os resultados que aqui trazemos.

    Os resultados sugerem que os atuais livros didticos no esto atuali-zados no estudo dos temas considerados essenciais para perfeito en-tendimento e aquisio de informaes associadas ao rpido avanodo conhecimento na rea da Nova Biologia. Aponta-se para o fato deque necessitam de reformulao e atualizaes com textos modernos,que promovam mudanas conceituais. (XAVIER; FREIRE; MORA-ES, 2006, p. 275)

    Apesar de todos os esforos empreendidos at o momento, ainda nose alterou o tratamento dado ao contedo presente no livro que confi-gura erroneamente o conhecimento cientfico como um produto aca-bado, elaborado por mentes privilegiadas, desprovidas de interessespoltico-econmicos e ideolgicos, ou seja, que apresenta o conheci-mento sempre como verdade absoluta, desvinculado do contexto his-trico e sociocultural. (MEGID NETO; FRACALANZA, 2003, p. 151)

    Ao analisar este material curricular foi possvel observar que a histriaapresentada desvinculada do contexto cultural de cada perodo his-trico, o que pode levar o aluno a construir uma falsa representao dacincia e do fazer cientfico. (CARNEIRO; GASTAL, 2005, p. 33)

    Verificou-se que todos os materiais didticos analisados apresentamfalhas. No entanto, em uma das apostilas, foram encontradas mais fa-lhas, pois alm do seu contedo ser extremamente sucinto e no apre-

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    sentar um planejamento em relao s atividades propostas [...]. (SAN-TOS et al., 2007, p. 311)

    No entanto, verificamos que o conjunto dessas pesquisas apresentalacunas em sua potencial contribuio para a melhoria dos livros did-ticos como ferramenta que propicie a incorporao da dimenso am-biental no processo de ensino e aprendizagem. (MARPICA; LOGA-REZZI, 2010, p. 115)

    Embora compatveis em quantidade, os artigos das categorias ALD(anlise de livro didtico), HIS (histrico) e PRC (propostas curricula-res) encontram-se publicados em pouqussima quantidade no que serefere s pesquisas relacionadas ao ensino de Gentica e Biologia Mo-lecular na escola bsica brasileira, sobretudo no Ensino Mdio, que ofoco deste trabalho. (MELO; CARMO, 2009, p. 602)

    Como foi possvel verificar nesses fragmentos de artigos, a situao do livro didticode biologia provoca desconforto tanto para a comunidade dos que o avaliam quanto paraaqueles que o idealizam.

    Sabe-se que so bastante difundidas as concepes de que: i) importante a inserode histria da cincia no ensino de cincias, e ii) quando verificada, a insero de histria noensino de cincias, em livros didticos, incorre em uma srie de erros.

    Em um caso especfico a ser investigado neste artigo a histria da dupla hlice doDNA4 verificamos, porm, que tanto a histria inserida quanto o de forma correta doponto de vista informativo.

    Entretanto, tal histria, do modo como est inserida, sugere certa concepo de cin-cias que poderia ser assim expressa: a cincia uma construo histrica tornada possvel pelasoma das realizaes cientficas relacionadas com o episdio que est sendo narrado.

    Diante dessas colocaes, pretendemos mostrar que os elementos histricos contidosnos livros didticos possibilitam, no entanto, a constituio de outra concepo de cincias(que no a indicada no pargrafo anterior): uma concepo que mostra a cincia como constru-o histrica, no pelo fato de ser uma soma de produes mapeveis historiograficamente,mas pela razo de que seus resultados so respostas a problemas legitimados historicamente.

    Neste sentido, a meno a esses problemas, no momento de narrar certas realizaescientficas, poderia ser de grande utilidade para a constituio dessa possvel concepo decincias.

    A fim de verificarmos que tipo de concepo de cincias esta de que estamos falan-do, apresentaremos na prxima seo, de forma resumida, alguns referenciais terico-filosfi-cos que podem ser teis para esta tarefa de verificao.

    4 No ano de 2013, comemoram-se os sessenta anos da histria da dupla hlice do DNA.

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    Referenciais tericos e a construo interpretativa

    Nesta seo fragmentada em subsees so apresentadas posies filosficas quenos auxiliam a compreender a relao entre os problemas cientficos e suas respostas atravsdas realizaes cientficas. Sintetizando tais posies, chegamos a uma concepo (filosfica)que denominaremos de relacional A filosofia da cincia em um enfoque relacional.

    Na continuidade, trazemos um extrato da histria da construo do modelo Umaspecto da histria da dupla hlice em uma concepo relacional; na sequncia, destacamosdois pontos de inflexo desta histria Dois aspectos histricos da construo do modelo dadupla hlice; e, fechando a seo, enfatizamos, por meio de uma concepo relacional, estespontos de inflexo A dupla hlice em um enfoque relacional.

    Cabe enfatizar, neste momento, que o objetivo deste artigo no o de criticar oslivros didticos em sua apresentao da histria da cincia, mas, sim, promover um dilogo afim de se buscar explorar as potencialidades historiogrficas destes manuais, isto , pretende-mos mostrar, a princpio, que h uma concepo de cincias intrnseca s propostas apresen-tadas nesses manuais, e, em especfico, trazemos, para tal construo analtica, a histria dadupla hlice do DNA.

    Em um segundo movimento (na continuidade do artigo), apresentamos nossas pro-posies a respeito do que se poderia projetar diante dessas evidncias.

    A filosofia da cincia em um enfoque relacional

    Supondo que admitamos a importncia da insero de histria da cincia nos conte-dos, resta-nos saber que tipo de insero poderia ser feito.

    Nossa opo aqui a insero de histria mediante o aporte filosfico de uma abor-dagem relacional, que poderia ser assim caracterizada: uma abordagem que leva em considera-o, quando se narra a histria de um conceito cientfico, a relao entre este conceito e oproblema a partir do qual emerge a necessidade deste conceito no interior de uma cincia.

    Deste modo, em uma abordagem relacional, no possvel, simplesmente, mencionaralguns detalhes histricos de um conceito (por exemplo, o nome do cientista associado a esteconceito), ela precisa ser extrada de concepes filosfico-historiogrficas de cincia5.

    O primeiro terico a contribuir para esta concepo foi Thomas Kuhn. De acordocom ele, conceitos cientficos possuem uma histria; esta histria acrescenta uma histriaque ocorre no interior de um programa cientfico de investigao conduzido por uma comu-nidade de investigadores programa este denominado de paradigma. Esta conduo, por suavez, no ocorre mediante o uso de regras determinadas. Um claro exemplo disto o conceitode gravidade, conforme apresentado por Newton (KUHN, 1975, p. 139-140).

    Para Kuhn (1975), o conceito de gravidade padecia do mesmo defeito (apontadopelos modernos) de conceitos da fsica aristotlica: a gravidade seria uma qualidade oculta,

    5 A esta concepo filosfica, est relacionada uma concepo historiogrfica de uma histria de problemas,tal como apresentada por Ernst Mayr (1998, p. 21).

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    tanto quanto era a tendncia a cair da fsica aristotlico-medieval. Porm, se havia umainclinao, na poca de Newton, a rejeitar o uso de qualidades ocultas, ento se torna, aprincpio, incompreensvel que este conceito no tenha sido rejeitado.

    Todavia, Kuhn (1975) fornece uma explicao bastante plausvel: abandonar o con-ceito de gravidade significava rejeitar a mecnica newtoniana; porm, durante o desenvolvi-mento da mecnica, os fsicos no se sentiam mais capazes de fazer fsica sem utilizar aestrutura terica construda por Newton. Diante disso, optou-se pela manuteno do conceitode gravidade.

    O interessante aqui, de acordo com o citado autor, que o conceito no foi mantidopor seus mritos intrnsecos, mas em funo do mrito da teoria como um todo. Em outraspalavras: a sentena acima a gravidade foi mantida na verdade s possui um sentidodentro do contexto de quem aceitava a mecnica de Newton como uma estrutura terica.

    Para os nossos propsitos, contexto (da forma considerada no pargrafo anterior)pode ser traduzido por redes conceituais, tal como foi proposto por Paul Thagard (1992). Paraele, explicaes cientficas so construes tericas que renem proposies cientficas que serelacionam com as teorias em que figuram sob o critrio da coerncia (THAGARD, 1992, p. 64-65). Assim, no se pode qualificar uma proposio como tendo mritos prprios, na verdade,o mrito de uma proposio conseguir se estabelecer de forma coerente como um integranteda rede conceitual. Um exemplo trabalhado por Thagard (2007) o da emergncia do conceitode oxignio6.

    Sabe-se que este elemento foi descoberto antes de sua assimilao por Lavoisier, e sabe-setambm que esta descoberta ocorreu no interior de uma rede conceitual a da teoria doflogisto; por fim, e o mais importante: esta rede no conseguiu assimilar o conceito de oxig-nio de modo coerente. Diferentemente, Lavoisier conseguiu dotar o conceito de um significa-do dentro de sua prpria rede a da teoria do oxignio, como a denomina Paul Thagard (2007) e, portanto, forneceu-lhe credenciais tericas para seu estabelecimento e sua aceitao pelacomunidade cientfica.

    Deste modo, quando Lavoisier explicou por que a gua no era um elemento, e simum composto, ele no estabeleceu um fato, na verdade, isto somente se tornou um fato a partirda ambientao conceitual fornecida pela rede conceitual como um todo.

    No interior da mesma abordagem, porm com um sotaque relacional ligeiramentediferente, Willard Quine (1960) props que as sentenas jogam um jogo de interanimao:uma sentena depende da outra para que a teoria como um todo possua um significado.

    Diante disso, mesmo sentenas que consideramos triviais tais como: O DNA composto de fsforo e acar esto imersas em sua relao com outras sentenas. Porcerto, a sentena importante do ponto de vista emprico, mas ela no exatamente um passoem direo sentena que realmente importa: O DNA representado molecularmente comouma dupla hlice. E por que no?

    6 Quando falamos de conceitos, usamos o mesmo critrio de coerncia que o acima posto para as proposies.Pois seria possvel falar no de conceitos, mas de proposies nas quais os conceitos figuram.

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    Faamos o seguinte experimento mental (que, na verdade, pode ser reproduzido his-toriograficamente): adicione todas as informaes verdadeiras a respeito do DNA; a somadestas informaes no tem como resultado a dupla hlice.

    A dupla hlice mais do que a soma de suas verdades empricas, por exemplo, ela uma forma de explicar de que modo outra molcula associada recebe a informao genticacontida no interior do DNA. Pois de nada adiantaria sabermos que o DNA uma dupla hlicese este conhecimento no apontasse para os problemas que circundavam o DNA, dentre eles,o principal seria o de sugerir caminhos para uma explicao qumico-fsica de fenmenosgenticos.

    Um dos objetivos de Bruno Latour (2000) em A cincia em ao foi o de apresentara concepo de que sentenas isoladas, tais como O DNA uma dupla hlice, somentepodem ser assim consideradas depois que se estabelecem como fatos para a comunidadecientfica. Porm, o interessante na abordagem de Latour (2000) que ele apresenta agendasmetodolgicas para a compreenso tanto de quando quanto de como tais sentenas se estabele-cem como descries de fatos.

    O aspecto desconcertante disto tudo que estas sentenas no se estabelecem nomomento em que se estabelecem como fatos, por serem descries de fatos! Em vez disso, talestabelecimento se d pela relao da sentena aspirante o DNA uma dupla hlice comoutras sentenas. Mas isto no apenas um jogo de sentenas. Para Latour (2000), entra emcena, neste momento, um novo personagem (os veiculadores das sentenas) os cientistas.Acreditar que verdade que o DNA uma dupla hlice menos uma questo de saber se assim mesmo do que uma questo de acreditar naquele que profere a sentena. E por que assim?

    Suponha, argumenta Latour (2000, p. 76), que voc deseje duvidar da veracidade dasentena, no encontrar pela frente apenas a sentena. Encontrar dezenas (ou centenas oumilhares) de sentenas de alguma forma a ela conectadas; na prtica, encontrar dezenas (oucentenas ou milhares) de artigos que a supem como fato. Em suma, voc se deparar comuma estrutura cientfica organizada e estruturada. Nada impede que voc desmonte esta estru-tura (Coprnico, Lavoisier e Darwin so exemplos disto, como sabemos), mas a estrutura quedeve ser desmontada, e no a sentena isoladamente.

    De acordo com Van Fraassen (1980), quando uma comunidade de investigadoresaceita uma determinada teoria cientfica, ela o faz pelo fato de a teoria ser uma boa explicaopara certo conjunto de fenmenos, ou seja: estamos aqui diante de uma explicao epistemo-lgica, a qual cobre a relao entre a teoria (que explica) e a realidade (a ser explicada). O que,segundo ele, nos conduz ao que chamado de concepo pragmtica da aceitao de teorias(VAN FRAASSEN, 1980, p. 87). Porm preciso se perguntar: Por que ns queremos explicaraquele certo tipo de fenmeno?

    E isto nos coloca diante de uma abordagem pragmtica que, diferente da epistemol-gica, no se trata apenas da relao entre teoria e realidade, mas leva, igualmente, em conside-rao o usurio da teoria.

    Permanecendo no exemplo que nortear este artigo, percebemos que a comunidaderesponsvel pela aceitao da dupla hlice foi a dos geneticistas. Mas o interessante que noeram geneticistas os cientistas responsveis pela produo de evidncias empricas para asustentao da hiptese de que o DNA era uma dupla hlice (na verdade, eram fsicos que

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    trabalhavam com cristalografia de raio-X, uma tcnica que permitia compreender os aspectosda estrutura fsica da molcula).

    Deste modo, os usurios geneticistas tinham certas perguntas para as quais a duplahlice fornecia caminhos possveis para as respostas; e isto teria sido decisivo, de acordo comos historiadores, para a aceitao (em 1953) da dupla hlice (e no teria sido decisivo (em1953), portanto, se o DNA era realmente uma dupla hlice).

    Outras perguntas que poderamos fazer, a partir da concepo pragmtica de VanFraassen, so as seguintes: Por que, em certos perodos de uma disciplina, so buscados certostipos de explicao, e no outros? Por que, no exemplo que tema deste artigo, se procuravapor uma estrutura molecular do DNA?

    Uma resposta a isto pode ser encontrada em Larry Laudan. Para Laudan (1977),existem, na histria da cincia, entidades que ele denomina de tradies de investigao.Estas tradies de investigao moldam certo domnio de pesquisa e, sobretudo, delimitam odomnio. Deste modo, a busca por um modelo molecular do DNA no ocorreu e, mais do queisso, sequer foi pensada quando da descoberta do DNA em 1859. Tal busca comeou a setornar uma realidade quando o DNA foi assimilado tradio de investigao da genticamolecular, disciplina esta que legitimava este tipo de tratamento molecular do DNA.

    Como pde ser observado, neste segmento de seo (que aqui se finda), procuramosapresentar credenciais filosficas que nos permitem tratar os conceitos cientficos como rela-cionados7 a outros conceitos, teorias, interesses da comunidade cientfica etc.

    Um aspecto da histria da dupla hlice em uma concepo relacional

    A histria da dupla hlice do DNA, como quase sempre acontece, est repleta decomplexidades, idiossincrasias e nuances. Esta histria tem sido mapeada pelos historiadorese, atualmente, possumos um quadro bastante definido dos problemas cientficos em que adupla hlice se inseriu historicamente.

    Neste segundo segmento desta seo, nos deteremos em dois momentos fundamen-tais da construo do modelo: a nfase na busca pela funo gentica do DNA e a utilizaodas regras de Chargaff para a construo do modelo.

    Esse recorte feito em funo do fato de que os livros didticos de biologia, quasesempre, mencionam esses dois aspectos em sua narrativa histrica. Porm, antes de passar aorecorte, apresentaremos rapidamente um extrato da histria.

    Em 1951, no Laboratrio Cavendish, da Universidade de Cambridge, em Cambridge,na Inglaterra, James Watson conhece Francis Crick. Watson tinha conhecimento das pesquisasde Oswald Avery e seus colaboradores, pesquisas estas que, em 1944, sugeriram que o princ-pio da transformao bacteriana era o DNA (SILVA, 2010, p. 72).

    7 No se sugere, aqui, que esta abordagem seja superior a abordagens no relacionais, apenas se pretendereivindicar tanto a plausibilidade quanto a fecundidade de uma abordagem relacional.

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    Essa descoberta foi assimilada pela comunidade como um importante passo na dire-o de que o agente hereditrio fundamental era o DNA (e no as protenas, como se pensoudurante algum tempo).

    Prximos de Watson e Crick, no Kings College, em Londres, os fsicos MauriceWilkins e Rosalind Franklin trabalhavam com tcnicas de cristalografia de raio-X (difrao deraio-X), as quais eram aplicadas ao DNA a fim de se determinar a estrutura da molcula. Paradescobrir a estrutura do DNA, Watson e Crick buscam informaes empricas em um semin-rio do Kings (realizado em novembro de 1951), em que Rosalind Franklin apresentou algunsresultados de sua investigao. A partir destes resultados, Watson e Crick constroem um mo-delo e o apresentam ao grupo do Kings. Franklin criticou duramente o modelo e a estruturafoi considerada errada (SILVA, 2010, p. 74).

    Ao final de 1952, Watson e Crick so informados de que outro cientista interessadono DNA parecia prximo de apresentar a estrutura do DNA: Linus Pauling. Tendo acesso aum pr-print de Pauling, no final de janeiro de 1953, Watson decide fazer uma visita ao Kingspara discutir o artigo de Pauling (o qual apresentava um erro grosseiro de qumica, erro esteque tornava invivel o modelo ali proposto). Ele se rene com Wilkins, que lhe mostra umacpia de uma evidncia emprica produzida por Franklin em 1952. Com base nesta evidncia,ele e Crick (depois de algumas tentativas fracassadas) constroem um novo modelo e, em 25 deabril de 1953, publicam, na Nature, o paper contendo o modelo para a estrutura8 (SILVA, 2010,p. 75).

    Dois aspectos histricos da construo do modelo da dupla hlice

    um consenso historiogrfico que o investimento na busca por uma estrutura mole-cular do DNA, no final da dcada de 40 e incio da dcada de 50 do sculo passado, se devia,tambm, ao fato de que havia certa expectativa gerada pela possibilidade de esta molculaocupar um papel central e decisivo para a explicao de fenmenos ligados gentica.

    Evidentemente, dada a diversidade dos cientistas envolvidos com as pesquisas sobreDNA neste perodo mencionado, no se pode afirmar que todos os pesquisadores lidavamcom o DNA a partir desta vinculao com a gentica, entretanto, pode-se afirmar, com segu-rana, que a relao entre gentica e DNA j estava estabelecida enquanto meta investigativa.

    James Watson e Francis Crick trabalhavam a partir desta perspectiva que relacionava,fortemente, DNA e gentica (CRICK, 1988, p. 69; MORANGE, 1998, p. 115-116). Para eles,a estrutura do DNA deveria apontar para a funo gentica da molcula. De posse de algunsdados extrados de pesquisas alheias9, comeam a construir modelos para apresentar umaestrutura do DNA. Porm h um detalhe significativo: eles no constroem modelos tendo emvista apenas a apresentao de uma estrutura que seja compatvel com os dados, ao invsdisso, seus modelos precisam ser explicativos.

    8 Fechamos nosso extrato da histria.9 No entraremos aqui na polmica acerca da utilizao, por parte de Watson e Crick, dos dados de outrospesquisadores que investigavam o DNA. Sobre isto, ver: Maddox (2002), Pipper (1998) e Sayre (1975).

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    Explicativos do qu? Da funo gentica do DNA. Um modelo que no especifiquede que modo o DNA faz uma cpia de si mesmo e remete tal cpia para outra molculaassociada no , na concepo de Crick e Watson, um modelo til. Deste modo, no bastaapresentar uma estrutura. A estrutura precisa apontar a funo (SILVA, 2010, p. 76).

    Isto pode ser confirmado quando nos deparamos com uma carta que Watson escrevea um geneticista bastante interessado nas implicaes do DNA para a gentica, Max Delbruck.Na poca em que Watson escreve a carta, Linus Pauling havia proposto uma estrutura para oDNA. E, na carta, Watson critica a estrutura de Pauling no por seus defeitos internos, maspor no especificar como o DNA se replicaria. Watson anuncia a Delbruck que ele e Crickesto enviando, revista Nature, um artigo com o modelo da dupla hlice. Porm, eles nosabem se o modelo sustentado por evidncias empricas, mas, se for sustentado, ele abrir ocaminho para se compreender a replicao do DNA. Ao final da carta, ele declara que prefereo tipo de modelo que ele e Crick esto construindo, pois, mesmo que o modelo de Paulingfosse correto, ele no diria quase nada sobre a reproduo do DNA (OLBY, 1974, p. 416).

    A partir deste momento, adentramos ao segundo ponto importante (neste artigo) daconstruo da dupla hlice10: os dados empricos de Erwin Chargaff.

    Chargaff (apud SILVA, 2010, p. 73) descobriu experimentalmente que as bases queintegram o DNA possuem certa regularidade relacional. Assim, para cada quantidade de ade-nina, h uma quantidade quase igual de timina; e para cada quantidade de citosina, h umaquantidade quase igual de guanina. Isto foi resumido na seguinte sentena, chamada Regrade Proporo de Chargaff : AT = 1, CG = 1.

    Esta foi uma descoberta emprica fundamental para a pesquisa sobre DNA, pormela precisava ser assimilada. Watson e Crick efetuam tal assimilao, e usam as regras deproporo como um princpio emprico para postularem o que denominaram de pareamentodas bases. O pareamento a maneira pela qual se explica o modo como as bases vo sendoproduzidas a partir de outras bases. Ora, esta foi uma informao emprica fundamental paraWatson e Crick, mas que s se tornou significativa no interior do modelo da dupla hlice. Noque as propores de Chargaff, em si, no possussem um significado emprico, porm taispropores se tornaram explicadas pelo pareamento, e este conceito pareamento no foiuma descoberta, mas uma construo terica de Watson e Crick (CRICK, 1988, p. 55-56;ELKIN, 2003; WATSON, 1997, p. 151; WILKINS, 2003, p. 154; p. 221).

    De posse destes dois aspectos histricos a discusso sobre a funo gentica doDNA e as regras de Chargaff podemos, agora, extrair uma pequena histria articulada apartir de um ponto de vista relacional.

    A dupla hlice em um enfoque relacional

    A descoberta de Chargaff foi, como j frisamos, fundamental para o modelo da duplahlice. Porm, para a dupla hlice, ela no foi decisiva em si mesma, seno que dependeu desua utilizao direcionada por parte de Watson e Crick.

    10 Por isso, no ttulo deste segmento de seo, anunciamos dois aspectos histricos.

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    Seria um exagero dizer que as descobertas de Chargaff s receberam um significadopor causa de sua utilizao por Watson e Crick, porm, inegvel que tal utilizao criativa foito fundamental quanto os prprios dados11. Isso posto, o interessante que tal utilizao nopoderia ser produzida por qualquer pesquisador que estivesse trabalhando, de uma forma ououtra, com DNA. Ao invs disso, esta utilizao dependia, fundamentalmente, de uma con-cepo prvia a respeito da importncia da funo gentica do DNA (e, quem sabe, de outrasconcepes prvias relacionadas), e, evidentemente, da compreenso da percepo da impor-tncia, para alcanar uma explicao da funo gentica do DNA, dos dados de Chargaff. Valelembrar que outro grande cientista envolvido nesta discusso Linus Pauling reconheceuque foi incapaz de compreender a importncia gentica dos dados de Chargaff (PAULING,1974, p. 771). Outro envolvido Maurice Wilkins declara ter percebido a importncia, masfoi incapaz de dar o passo dado por Watson e Crick (WILKINS, 2003, p. 221)12.

    Deste modo, as sentenas de Chargaff (AT = 1, CG = 1) no esto isoladas, paraWatson e Crick. Elas compem um corpo de sentenas relacionadas, por exemplo: funda-mental, quando da construo de uma estrutura para o DNA, que esta estrutura aponte cami-nhos para que se possam explorar as consequncias genticas desta estrutura. Esta ltima, porsua vez, estaria na base de outras sentenas e, assim, sucessivamente. Alm disso, desejarexplorar as consequncias genticas desta estrutura uma deciso, e no um fato emprico.

    A histria da dupla hlice nos livros didticos

    Apresentaremos, agora, uma descrio da histria da dupla hlice em alguns livrosdidticos brasileiros de biologia do Ensino Mdio. Faremos esta apresentao na forma de umquadro, em que constaro os itens histricos encontrados nos livros que tenham relao coma dupla hlice do DNA.

    A seleo dos livros que constituem o acervo para este movimento investigativo ancora-seem documentos do Ministrio da Educao e Cultura (MEC), do Programa Nacional do LivroDidtico (PNLD), voltado distribuio de obras didticas aos estudantes da rede pblica deensino brasileira (FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO,2012a).

    Um programa que se iniciou no ano de 1929 e, a partir do ano de 2004, foi implanta-da uma nova etapa do PNLD intitulada Programa Nacional do Livro para o Ensino Mdio(PNLEM) que previa a universalizao de livros didticos para os alunos do Ensino Mdiopblico de todo o Pas.

    Foi com base na seguinte chamada que chegamos relao de livros que passaram aconstituir nosso corpus13 de pesquisa.

    11 No objetivo deste artigo avaliar, comparativamente, a descoberta de Chargaff e a utilizao de Watson eCrick desta descoberta.12 De acordo com Crick (1974, p. 768), Rosalind Franklin tambm no tinha percebido o significado dopareamento das bases.13 O conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analticos (BARDIN,2004, p. 90).

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    A histria da dupla hlice do DNA ...

    J est disponvel no stio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao(www.fnde.gov.br) o catlogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Mdio (PNLEM2009). A publicao contm um resumo de todos os livros didticos que esto disponveispara escolha dos professores das escolas de ensino mdio da rede pblica em todo o Pas. Aescolha s ocorrer em junho, mas os docentes j podem estudar o catlogo para fazer amelhor opo dos livros que sero usados pelos estudantes e professores a partir do incio doano letivo de 2009.

    O catlogo resulta de um criterioso processo de seleo das obras inscritas pelaseditoras e apresenta uma resenha e a estrutura dos livros, faz uma anlise crtica dos seusaspectos conceituais, metodolgicos e ticos e sugere caminhos para prticas pedaggicas.(FERRAZ, 2008)

    Neste documento disponibilizado pelo Ministrio da Educao (FUNDO NACIO-NAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO, 2012b), observa-se a relao com osnove ttulos da disciplina de biologia que podem ser escolhidos pelos professores que atuamno Ensino Mdio. Desses livros cinco em verso volume nico e quatro na forma de coleocom trs volumes desenvolvemos um trabalho de busca em sete deles. Alguns dos resulta-dos obtidos e que deram norte a diversas de nossas reflexes esto apresentados de formaresumida no Quadro 1.

    Podemos perceber que a histria da dupla hlice aparece com frequncia nos livrosdidticos. Mais do que isso: no localizamos quaisquer erros histricos nas narrativas. A prin-cpio, em um movimento avaliativo das propostas, podemos nos dar por satisfeitos com aapresentao deste episdio nos livros. Por conseguinte, coloca-se a pergunta: Satisfeitos apartir de que ponto de vista?

    Considerando que ponto de vista deve ser traduzido por tipo de histria, a per-gunta precisa ser reelaborada: Satisfeitos a partir de que tipo de histria? Evidentemente, aresposta deve variar medida que varia o tipo de histria que se deseja adotar.

    Como, nesta investigao, assumimos, para orientar nossas anlises, um tipo de hist-ria denominado histria de problemas que se coloca como solidria ao enfoque relacionalapresentado anteriormente , veremos, ento, em que medida a histria dos livros satisfaz umpesquisador (avaliador de livros didticos) que tem por base esse conceito.

    Em continuidade ao que foi estruturado anteriormente, na prxima seo, discutire-mos algumas implicaes das narrativas dos livros e apresentaremos uma objeo concepofilosfica geral aqui descrita. Por fim, concluiremos, encaminhando uma proposta que acomo-da as expectativas dos que idealizam os livros didticos e daqueles que so representantes dapesquisa na rea.

    Em discusso: a histria da dupla hlice inserida nos livros didticos

    Vimos ento que, do ponto de vista histrico, no h nada de errado com os livrosdidticos em relao dupla hlice do DNA. No existe erro histrico informativo, por exem-plo. Mas poderia ser argumentado que existem omisses ou faltam informaes. Neste caso,

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    Relao dos livros indicadosno catlogo de Biologia

    do PNLEM/200914

    Biologia: volume nicoSrgio Linhares e FernandoGewandsznajder. 1 edio.Editora tica, 2005.

    Biologia: volume nicoJos Arnaldo Favaretto eClarinda Mercadante. 1 edio.Editora Moderna, 2005.

    Biologia: volume nicoAugusto Adolfo, MarcosCrozetta e Samuel Lago. 2edio. Editora IBEP, 2005.

    Biologia: volumes 1, 2 e 3Csar da Silva Jnior e SezarSasson. 8 edio. EditoraSaraiva, 2005.

    Biologia: volumes 1, 2 e 3Jos Mariano Amabis e GilbertoRodrigues Martho. 2 edio.Editora Moderna, 2005.

    Biologia: volumes 1, 2 e 3Wilson Roberto Paulino. 1edio. Editora tica, 2005.

    Biologia: volume nicoSnia Lopes e Sergio Rosso. 1edio. Editora Saraiva, 2005.

    Contedo histrico

    Autoria da apresentao da dupla hlice; Autoria da descoberta das propores das bases.

    Autoria da apresentao da dupla hlice; Autoria da descoberta das propores das bases; Menciona os trabalhos de difrao de raio-X utilizados por Watson e Crick; Data da descoberta do DNA como material gentico apenas das bactrias.

    Data da descoberta do DNA; Data da descoberta do DNA como material gentico; Data e autoria da apresentao da dupla hlice; Autoria da descoberta das propores das bases; Autoria dos trabalhos de difrao de raio-X utilizados por Watson e Crick.

    Descrio sinttica da descoberta do DNA; Data e autoria da apresentao da dupla hlice; Relato da descoberta do DNA como material gentico.

    Descrio da descoberta do DNA; Autoria da apresentao da dupla hlice; Autoria da descoberta das propores das bases; Descrio detalhada da descoberta do DNA como material gentico, mascom o cuidado de no apresentar os descobridores como sustentando a tesede que o DNA seria o material gentico das bactrias (e mostram, emseguida, que esta foi uma possibilidade testada por outros cientistas); Menciona os trabalhos de difrao de raio-X utilizados por Watson e Crick; Sugesto de que Watson e Crick montaram um quebra-cabea a partir dasinformaes disponveis; Afirmao de que o modelo foi aceito imediatamente pela comunidadecientfica; Descrio detalhada da descoberta do DNA como material gentico, mascom o cuidado de no apresentar os descobridores como sustentando a tesede que o DNA seria o material gentico das bactrias, mas apenas dasbactrias usadas nos seus experimentos15; Menciona os trabalhos de difrao de raio-X (mas no deixa claro queWatson e Crick no participaram deste trabalho).

    Descrio da descoberta do DNA; Autoria da descoberta das propores das bases; Data e autoria da apresentao da dupla hlice.

    Descrio da descoberta do DNA; Data e autoria da descoberta do DNA como material gentico; Data e autoria da apresentao da dupla hlice.

    Quadro 1. Relao dos livros e resumo de seus contedos histricos referentes dupla hlice do DNA

    14 Exceto os seguintes livros, aos quais no tivemos acesso: LAURENCE, J. Biologia: volume nico. So Paulo: NovaGerao, 2005; FROTA-PESSOA, O. Biologia: volumes 1, 2 e 3. So Paulo: Scipione, 2005.

    15 No caso desta descrio, justificamos a repetio em parte com o que foi apresentado anteriormente nesta clula, pelofato de que este contedo abordado em mais de um volume (so trs ao todo) com algumas diferenas argumentativas.

    Fonte: elaborado pelos autores.

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    A histria da dupla hlice do DNA ...

    a acusao teria de ser ampliada e alcanaria, inclusive, os livros clssicos de histria da duplahlice, uma vez que, virtualmente, todos omitem um ou outro aspecto devido a orientaesmetodolgico-historiogrficas previamente traadas16.

    Sendo assim, qual o problema com os livros didticos a respeito da histria corretapor eles narrada sobre a dupla hlice? Ora, tambm no se faz aqui nenhum juzo de valor arespeito do contedo histrico que os livros veiculam. Em outros termos: no se identificasequer que exista um problema com a veracidade da histria da dupla hlice narrada noslivros. Na verdade, o que se pretende verificar a imagem de cincia que pode ser passada aoleitor a partir das narrativas e das informaes veiculadas.

    Quando se enuncia uma sentena verdadeira, tal como o DNA uma dupla hlice,e quando isto feito de modo que esta sentena aparea isoladamente, possvel que certaconcepo de cincias seja veiculada. Para compreender este ponto, pedimos ao leitor queexamine as duas sentenas a seguir:

    - O DNA uma dupla hlice. (sentena A)- Foi descoberto por Watson e Crick em 1953 que o DNA uma dupla hlice. (sen-

    tena B)

    A sentena (A) uma informao cientfica, atemporal e impessoal. No especificanada em termos de sua histria e de sua gnese. A sentena (B) incorpora a sentena (A) noaspecto informativo continuamos sabendo que o DNA uma dupla hlice , mas acrescentaas informaes histricas de que (A) se deve descoberta de dois cientistas e de que istoocorreu em um ano determinado. Diante de (A) e (B), quais seriam as reaes possveis dosleitores?

    Diante de (A), o leitor prossegue em seus estudos sobre a dupla hlice; provavelmente,em seguida, ir aprender algo sobre a constituio qumica da molcula. Todavia, o importanteaqui o seguinte: diante de (A), que direito tem o leitor de exigir informaes histricas ouarticulaes historiogrficas que tornem a dupla hlice compreensvel a partir de sua histria?

    Se usarmos o termo direito com alguma propriedade, a resposta : nenhum direito.O autor do livro didtico ofereceu (A) como uma informao cientfica que, certamente, serampliada e relacionada a outras informaes, e o final pretendido, certamente, o domnio,por parte do leitor, de alguma unidade de conhecimento.

    Porm, o autor no ofereceu respaldo para o questionamento a respeito da histriaque circunda (A). E, ento, neste sentido que o uso da palavra direito, anteriormente, foirestrito. E podemos tambm acrescentar que, at aqui, nenhuma concepo de cincia foiconstituda.

    Vejamos, agora, o que pode fazer este leitor diante de (B). Por meio de (B), ele foiinformado de que dois cientistas descobriram que o DNA uma dupla hlice, e, alm disso,que esta descoberta ocorreu em certo ano. Ao contrrio de (A), (B) pode suscitar, no leitor,

    16 Cabe destacar que, neste artigo, omitimos, por questo de espao e de objetivo, quase toda a histria desteepisdio, ficando apenas com os elementos indispensveis para a discusso aqui proposta.

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    questionamentos de natureza histrica. Ele pode perguntar, com pleno direito, por exemplo:Por que foram Crick e Watson, e no outros? Ele pode ainda questionar: Por que foi em 1953,e no em 1954? Paramos por aqui, pois as possibilidades abertas por (B) so inmeras.

    Diante do que se coloca a respeito do posicionamento do leitor, h tambm algumasreflexes a respeito do posicionamento do autor17 (do livro didtico) que precisam ser consi-deradas. Mediante as questes histricas evidenciadas, podemos inferir: a partir de (A), ele(autor) no tem a obrigao de oferecer qualquer comentrio histrico; entretanto, se partir-mos de (B), a narrativa pode ser direcionada para alm da informao histrica contida naprpria (B).

    Caso se opte por uma histria de problemas, (B) claramente insatisfatria. No en-tanto, vamos, neste momento, transformar (B) em uma sentena real que aparece nos livrosdidticos. Em Biologia das populaes, Amabis e Martho (2005) afirmam que Watson eCrick montaram um quebra-cabea a partir das informaes disponveis. Chamaremos esta afir-mao de sentena (Q).

    Enquanto informao geral, a sentena (Q) aponta para um caminho interessante doponto de vista historiogrfico e, alm disso, confere legitimidade tese amplamente aceita deque a construo do modelo foi um trabalho coletivo (ANDRADE; CALDEIRA, 2009, p.151; SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV, 2005). At aqui, de um ponto de vista geral, aproposta dos autores parece indicar um caminho na direo de uma histria de problemas.

    Porm, algum poderia levar a srio a metfora do quebra-cabea e se questionar:Sendo um quebra-cabea, podemos concluir, ento, que havia peas prontas que, relacionadasumas com as outras, formavam um quadro coerente (seja ele como for) a figura a ser mon-tada? E exatamente aqui que a metfora pode comear a se revelar deficiente.

    Suponha que trs pessoas se dirijam a uma loja e comprem o mesmo quebra-cabea.As trs partilham tanto as peas quanto e isto decisivo aqui para a argumentao oobjetivo do jogo: montar certa figura. exatamente isto, que no ocorria com a pesquisa comDNA. Havia, ali, no um, mas trs quebra-cabeas a serem montados.

    Rosalind Franklin desejava construir uma estrutura para o DNA tivesse a formaque tivesse que fosse empiricamente impecvel de acordo com os princpios tericos dacristalografia.

    Linus Pauling desejava construir uma estrutura para o DNA tivesse a forma quetivesse que atendesse a seu plano metodolgico geral de construir modelos que satisfizes-sem as leis da qumica.

    Watson e Crick desejavam (como j vimos) construir uma estrutura para o DNA queapontasse um caminho para que se compreendesse a funo gentica do DNA.

    17 Utilizamos, aqui, o termo autor por razes de economia semntica. Na verdade, quando falamos do autordo livro didtico, queremos nos referir ao sistema do livro didtico como um todo sistema este que envolve aeditora, o prprio autor e os usurios do livro (docentes e discentes); e, no caso de livros distribudos peloMinistrio de Educao (MEC), tm-se as exigncias do prprio edital de inscrio, avaliao e qualificaodesses livros.

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    A histria da dupla hlice do DNA ...

    Trs objetivos diferentes, trs quebra-cabeas diferentes. E, se so quebra-cabeasdiferentes, possuem peas diferentes. Por exemplo: a pea regras para Chargaff , de fato,uma pea no quebra-cabea de Watson e Crick, mas no uma pea para Rosalind Franklin epara Linus Pauling, embora nenhum dos dois ltimos ignorasse a existncia das regras deChargaff. E aqui que uma concepo relacional comea a se tornar atrativa.

    A rede terica de Watson e Crick possui um elemento (ou pea, para manter a met-fora do quebra-cabea) que est ausente nas redes de Rosalind Franklin e de Linus Pauling: oobjetivo de, por meio da estrutura, apontar pistas para a compreenso da funo do DNA.

    Assumido este elemento, se torna ento compreensvel a utilizao que Watson eCrick fizeram das propores, a ponto de terem transformado, essas propores, em parea-mento. Deste modo, a sentena (Q) deveria, caso se optasse por uma histria de problemas, serreescrita em uma notao relacional (sentena QR), podendo ser assim apresentada:

    - (QR): Watson e Crick montaram um quebra-cabea cuja figura (o objetivo) deveriaapresentar uma estrutura que fosse um ponto de partida para uma explicao da funo gen-tica do DNA.

    Note-se que estamos agora operando em uma plataforma relacional. Os elementosno aparecem mais justapostos e isolados (como na sentena (Q)), mas no interior de umarede. A estrutura se relaciona com a funo; a busca pela funo coloca certas restries estrutura; as propores de Chargaff so compatveis com o objetivo acima estipulado etc.

    E o que se torna interessante nesta proposta que esta plataforma relacional apontaconcepes de cincias: cientistas possuem certos objetivos; nem sempre os objetivos socompartilhados por todos os que trabalham em problemas prximos; colocar-se um objetivo,e no outro, pode ajudar a explicar o sucesso de uns etc.

    Mediante a construo argumentativa apresentada at o momento, um leitor desteartigo poderia dar razo aos autores do artigo. Todavia, ele poderia nos apresentar uma dificul-dade. Ainda que, aceitando a plausibilidade da argumentao, objetar que a argumentaoproposta faz uso de mais elementos histricos dos que esto disponveis nos livros didticos.A partir dessa colocao, apresentamos, a seguir, nossas consideraes, com o intuito de solu-cionar este impasse.

    Concluso

    Considerando que uma quantidade expressiva dos livros didticos examinados trazinformaes tanto da relao do DNA com a gentica, quanto das propores de Chargaff,podemos, com segurana, afirmar que, em nossa argumentao a favor de uma abordagemrelacional, nada foi acrescentado histria da dupla hlice nos livros, em termos de elementoshistricos constituintes. Foi acrescentado, apenas, um modo de utilizar e dispor tais elementos.Este modo se justifica (embora, com tal justificao, no se pretenda sequer sugerir que estemodo seja superior a outros) do ponto de vista filosfico, do ponto de vista histrico e, porfim, do ponto de vista da constituio de uma concepo de cincias.

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    importante ressaltar que este modo relacional de dispor as informaes histricasaponta caminhos para um desenvolvimento das sentenas tipo (B), que proliferam nos livrosdidticos. Desta forma, em uma concepo relacional, sentenas tipo (B) se legitimam e nogeram duplicatas historiogrficas que s podero ser saldadas com consultas a livros de hist-ria da cincia. Assim, uma sentena tipo (B) tal como Watson e Crick utilizaram os dados deChargaff pode ser facilmente explicada com o acrscimo de outras duas: i) uma que apre-sente o objetivo de Watson e Crick; ii) uma outra que apresente que, dado este objetivo, seexplica o porqu da utilizao.

    Desta forma, podemos concluir que uma concepo de cincias baseada em umaabordagem relacional, embora possa ser considerada uma demanda filosfico-historiogrfica,j possui condies de viabilidade nos livros didticos, visto que, nestes, j esto presentes oselementos histricos indispensveis para a apresentao de uma histria de problemas.

    Sendo assim, embora consideremos legtimo que uma das tarefas atuais dos pesquisa-dores de ensino de cincias seja a de analisar criticamente do ponto de vista historiogrfico o livro didtico, por meio da verificao do tipo de histria ali presente, entende-se, igual-mente, que possvel efetuar tal anlise crtica tendo como ponto de partida as afirmaeshistricas dos prprios livros e, com isso, buscarmos compreender as possibilidades pedag-gicas historiogrficas das narrativas inseridas nestes livros didticos.

    O que se observa que essas propostas j trazem suas potencialidades; elas encon-tram-se presentes nas sentenas que compem os textos dos manuais, todavia, poderiam serelaboradas, discutidas, refletidas em um processo de dilogo entre o autor com seu desafiode planejar e desenvolver sequncias de aprendizagem, inerentes aos procedimentos didticos e o pesquisador com suas competncias terico-interpretativas.

    Diante da proposio deste movimento, espera-se ampliar os canais de dilogo entre acomunidade dos pesquisadores da rea de ensino de cincias e os autores dos livros didticos.

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    Artigo recebido em 23/10/12. Aceito em 09/03/13.