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GEOGRAFIA ISSN 2178-0234
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QUESTÃO V.05 ♦ N. 02 ♦ 2012 pág. 183-200
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A HISTÓRIA DO MEU ROSTO: COMO AGENTES AMBIENTAIS
PERCEBEM A ESTIGMATIZAÇÃO (RE)PRODUZIDA PELO
DISCURSO1
THE STORY OF MY FACE: HOW ENVIRONMENTAL STEWARDS
PERCEIVE STIGMATIZATION (RE)PRODUCED BY DISCOURSE
Jutta GUTBERLET2
Bruno de Oliveira JAYME3
Resumo: A história do meu rosto entrelaça conceitos da semiótica social e análise do discurso para
explorar como um material impresso, neste caso um folheto, pode gerar estigmatização dos catadores,
conhecidos no oeste do Canadá como binners. Diariamente, a mídia expõe os humanos a signos
(palavras, fotografias, desenhos) que parecem ser triviais, mas influenciam o modo como percebemos
o seu significado. Entre os significados frequentemente encontrados nos meios de comunicação, a
palavra "scavengers” tem sido usada, com uma conotação prejudicial para se referir aos recicladores
autônomos. O presente estudo qualitativo baseia-se em dados coletados com binners durante pesquisa
realizada na cidade de Victoria, Canadá. Em primeiro lugar, analisamos o diálogo entre os binners
para explorar a percepção do estigma que sofrem. Segundo, usamos um folheto de alerta contra a
atividade de catação de lixo (scavenging) produzido pela prefeitura para ilustrar o modo como o
conteúdo comunica e reforça a estigmatização contra os recicladores. Em terceiro lugar, analisamos a
discussão com o governo local, a comunidade local e os binners sobre gestão inclusiva de resíduos
sólidos para descobrir diferentes percepções negativas. Ilustramos como os recicladores percebem o
estigma e sugerem que a marginalização pode ser superada reiterando a imagem de agente ambiental.
Palavras-chave: semiótica social; análise de discurso; estigmatização; reciclagem informal;
reciclador, catadores
Abstract: The story of my face intertwines concepts of social semiotics and discourse analysis to
explore how a simple type of printed media (flyer) can generate stigmatization of informal recyclers,
known as binners in Western Canada. Every day, media exposes humans to signifiers (e.g., words,
photographs, cartoons) that appear to be trivial but influence how we perceive their meaning. Amongst
the signifiers frequently found in the media, the word “scavengers”, has been used to refer to
autonomous recyclers. Specific discourse has the potential to promote and perpetuate discrimination
against the individuals who deal with selective collection of recyclables and decrease the value of their
work. Their work is valuable because it generates income for recyclers, recovers resources and
improves overall environmental health. In this context, the present qualitative study draws on data
collected with binners during research conducted in the city of Victoria, in British Columbia. First we
analyze a dialogue between binners from a participatory video workshop, to explore their perceptions
of the stigma they suffer. Second we use a flyer produced by the local government alerting against
scavenging to illustrate how the content (i.e., structural organization [text and images]) in which they
are embedded work together to mediate stigmatization against recyclers. Third, we analyze videotaped
1 A pesquisa foi financiada através de colaboração científica entre a University of British Columbia e University
of Victoria, com recursos do Human Resources and Skills Development Canada (HRSDC). 2 Professora do Departamento de Geografia da Universidade de Victoria (Canadá). Pesquisadora Visitante na
FEUSP, São Paulo. E-mail [email protected] 3 PdH candidato na Universidade de Victoria. E-mail [email protected]
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data from a panel discussion with local government, the local community, and binners on inclusive
waste management, to uncover different negative perceptions of binners. In our study we look at the
official discourse that marginalizes informal recyclers and creates social injustices. We illustrate how
the recyclers perceive stigma and suggest that marginalization could be overcome by reiterating the
image of environmental stewards instead of scavengers.
Key - words: social semiotics; discourse analysis; stigmatization; informal recycling; recycler,
pickers
Introdução
Na costa oeste do Canadá, recicladores informais autointitulam-se binners, o
equivalente a “catadores”. Portanto binning se tornou um termo culturalmente aceito para a
atividade de separar materiais recicláveis, resgatando-os do fluxo de resíduos sólidos para
obter renda. Na verdade, os binners são agentes ambientais, porque recuperam recursos que
seriam descartados e que muitas vezes acabam no aterro sanitário.
Recuperar esses materiais para reciclagem poupa recursos naturais, energia e impede
ainda mais destruição ambiental como consequência da extração de recursos primários. Ainda
assim, os binners são frequentemente associados à sujeira e são estigmatizados e assediados
por funcionários do governo e público em geral. No Canadá, a extensão da atividade do
binning só recentemente chamou a atenção de acadêmicos e, portanto, há poucos estudos na
literatura que descrevem o estigma social que essas pessoas carregam (Tremblay, 2007;
AUTOR 2009). A maior parte da literatura que descreve e discute a estigmatização e
marginalização dos recicladores informais vem dos países do Hemisfério Sul, onde grande
parte da população está envolvida nessa atividade (Ackerman, 2001; Ali, 2006; Medina,
2001; Recicloscopio, 2007; Eigenheer, 2003). Os problemas de marginalização e rotulagem
negativa dos binners e suas atividades representam uma questão social controversa. Essa
questão precisa ser explicitada para superar o potencial subvalorizado e não reconhecido dos
binners/catadores para construir comunidades mais sustentáveis. Recicladores informais em
todo o mundo sofrem com tais percepções negativas que reiteram a sua marginalização social
e a importante tarefa que cumprem na recuperação e no redirecionamento de materiais para a
reciclagem (Medinam 2001; Eigenheer, 2003; Pongracz, 2004).
Neste artigo, discutimos o contexto da estigmatização por meio de vários diálogos que
foram gerados durante a pesquisa com os binners de Victoria, no Canadá. Em 2007, um
primeiro levantamento participativo com os binners foi realizado em Victoria para entender
melhor os determinantes socioeconômicos que moldam a atividade, e aprender sobre a
importância da recuperação informal de materiais. No âmbito deste projeto foram conduzidas
nove entrevistas abertas, semi-estruturadas e profundas (duas com binners, duas com gerentes
de depósito de recipientes retornáveis, três com assistentes sociais e duas com agentes do
governo do Distrito Regional de Victoria (DRC)).
A pesquisa foi realizada com 156 binners em Victoria, com a ajuda de 11 facilitadores
da própria comunidade de binners. Os resultados dessa pesquisa trouxeram à nossa atenção os
problemas graves de marginalização e estigmatização que os binners sofrem (Autor, 2009).
Em 2009, o vídeo participativo (VP) foi utilizado como uma estratégia para
documentar e fortalecer os binners. Um total de 12 binners de Victoria participaram deste
projeto de pesquisa. Eles já haviam tomado posições de liderança no projeto de pesquisa
anterior. As atividades de VP envolveram uma oficina de treinamento em vídeo, alguns dias
de prática de filmagem em campo e um dia de finalização dos projetos de vídeo para fornecer
os resultados da pesquisa e para receber a avaliação do processo de pesquisa dos binners.
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Todas as atividades foram filmadas e os dados foram analisados e editados para diferentes
finalidades de pesquisa e de trabalho educativo com a comunidade.
A Teoria Crítica Social (Freire, 1970), a Semiótica Social (Chandler, 2007; HODGE,
1988) e a Análise de Discurso (Edwards, 1992) expandem a nossa fundamentação teórica e
metodológica. Essas teorias fornecem as ferramentas para entender como o discurso pode
(re)produzir a estigmatização e assim reforçar a marginalização. Com base em diálogos
extraídos de discussões em grupo realizadas em Victoria, nos aprofundamos nesses temas no
contexto da comunidade de binning. Além disso, apresentamos um exemplo concreto de
como um folheto oficial local pode produzir e reproduzir a estigmatização contra os binners.
Concluímos com uma busca de um melhor entendimento de como o discurso influencia
nossas percepções e contextualizações no dia a dia, e como a conscientização (FREIRE, 1970)
irá capacitar indivíduos ou grupos marginalizados a contribuir para superar essas barreiras.
Binners, verdadeiros agentes ambientais
Binners organizados e autônomos são agentes ambientais que trabalham com coleta
seletiva de materiais recicláveis, o que gera sua renda e melhora a saúde ambiental global
(Autor, 2009; Medina, 2001).
Na maioria das vezes, no entanto, esses indivíduos vivem à margem da sociedade,
sofrem preconceito e são excluídos de iniciativas governamentais para apoiar a sua atividade
(Ackerman, 2001; Baud, 2001; Autor, 2003). A discriminação aumenta a sua vulnerabilidade
a sofrer intimidação (“bullying”) ou ser tratado com preconceito por parte do público, e em
todo o mundo perpetua a pobreza econômica e a desigualdade social (Bullard, 1996).
Recicladores raramente participam do debate público com aqueles que estabelecem as
políticas sobre o seu trabalho e seu papel na recuperação de recursos (Autor, 2008). Os
recicladores muitas vezes não têm moradia, alimentam-se de comidas descartadas e
conseguem o seu sustento vendendo materiais recicláveis. No hemisfério sul, os recicladores
geralmente recuperam uma grande diversidade de materiais diferentes, sejam metais, plástico,
papel e material de embalagem de papelão, enquanto os binners na América do Norte
recuperam principalmente os vasilhames retornáveis como garrafas plásticas, de vidro e
latinhas pelas quais podem obter dinheiro com sua troca. Como mencionado anteriormente,
em todo o mundo os recicladores informais e binners são frequentemente tratados como lixo e
têm poucos meios para mudar essas relações injustas. Assim, precisamos reconceituar o que
consideramos „lixo‟, valorizando os recursos embutidos nele e os benefícios ambientais
recebidos com a sua recuperação. Ainda precisamos reconhecer os benefícios sociais da
reciclagem organizada e informal como oportunidade para criar comunidades mais saudáveis.
Compreender como a discriminação contra os recicladores é produzida e reproduzida
pelos meios de comunicação pode informar as estratégias para mudar essa realidade e
promover a inclusão social dos recicladores. Ela também abre oportunidades para capacitar
esses trabalhadores ambientais e promover justiça social.
Geografia Humana Crítica: um quadro analítico
A Teoria Crítica Social em Geografia Humana (Pile, 1992) ajuda a compreender os
determinantes sociais, econômicos e políticos para a marginalização, e fornece um quadro
analítico através do qual podemos explorar diferentes níveis de participação e práticas para
combater a exclusão e a marginalização. A teoria social está preocupada em revelar e explicar
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os processos concretos da vida quotidiana e é, por natureza, uma abordagem interdisciplinar.
Vindo de uma perspectiva espacial-temporal da Geografia Humana, o foco está, então, sobre
padrões e processos espaciais subjacentes às estruturas da vida cotidiana (Dear, 1988).
O propósito da geração de conhecimento na geografia também tem profundas
motivações educacionais e como (Leonardo, p. 11, 2004) coloca: "a partir dessa perspectiva
educacional a Teoria Crítica Social é uma base de conhecimento multidisciplinar, com o
objetivo implícito de fazer avançar a função emancipativa do conhecimento".
Dentro da Teoria Crítica Social, há uma abordagem conhecida como Geografia
Radical, derivada do marxismo estrutural durante a década de 1970, com David Harvey e
Richard Peet como principais protagonistas (Harvey, 1972; Harvey, 1973; Peet, 1975; PEET,
1977). Essa abordagem chamou a atenção para as estruturas de poder que mantêm a
desvantagem sistemática e para os movimentos sociais coletivos emergentes que confrontam
a desigualdade. Os geógrafos cada vez mais levantam preocupações com as relações de classe
e sua constituição através do território (Scott, 1986). Ao fazerem isso, as perspectivas
feministas desconstroem a divisão patriarcal do espaço urbano ou a segregação residencial
baseada no racismo (Jackson, 1987), só para citar alguns dos principais temas decorrentes da
geografia humana. Smith, por exemplo, defende a importância de geógrafos tornarem-se
"engajados não só em um debate reflexivo sobre como a sociedade está estruturada, mas
também em debates políticos sobre como, e através de quais mecanismos, as sociedades
devem ser estruturadas" (SMITH, p. 154, 1989).
Assim, em nosso trabalho, aplicamos uma abordagem transdisciplinar juntando
conceitos educacionais a conceitos geográficos.
Semiótica Social e Análise do Discurso: uma ferramenta para descobrir as injustiças
sociais
Uma maneira pela qual podemos entender como a mídia impressa em geral pode gerar
estigmatização dos binners é através da interpretação dos signos, mais especificamente os
significados (por exemplo, palavras, imagens, símbolos) que parecem ser triviais, mas que
influenciam o modo como percebemos os seus conteúdos (Chandler, 2007; Burges, 1990;
Danesi, 2008; Hwang, 2005).
Trazendo os conceitos da semiótica para a geografia cultural dos binners, podemos
distinguir signos, como o termo em Inglês scavengers (catadores) que têm aparecido nos
meios de comunicação norte-americanos e têm sido usados para se referir aos binners com
conotação prejudicial. O significado dessa palavra coloca os binners em um espaço social
específico (Caldeira, 2000; Lefebvre, 1991; Soja, 1996), onde realmente produzem e
reproduzem uma realidade de exclusão social, difícil de mudar. Ao fazê-lo, tais materiais
impressos medeiam a discriminação contra os binners, diminuindo o valor do seu trabalho e
não reconhecendo a contribuição que prestam à sociedade (limpando o meio ambiente e
poupando a extração de recursos naturais novos), o que cria o risco de serem marginalizados.
Em conjunto com a semiótica social, podemos usar a análise do discurso (Edwards,
1992) como uma ferramenta analítica para interpretar o conteúdo de folhetos, cartazes,
revistas, sites, relatórios de pesquisa e jornais. O discurso é, de fato, uma parte central de
nossas vidas e nossas interações com o ambiente são sempre mediadas por algum tipo de
comunicação verbal ou não-verbal. Assim, o próprio discurso está relacionado às interações
sociais e visuais, incluindo diferentes formas de escrita, desenho, imagem, fotografia e assim
por diante. Com base nesta premissa, o discurso da mídia torna-se uma importante ferramenta
que medeia a compreensão do público sobre questões ambientais. Portanto, analisar o
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discurso é útil para explorar a forma como o público em geral percebe o seu conteúdo,
contribuindo para a compreensão de como a mídia pode gerar preconceito contra os
recicladores. Neste contexto, a análise do discurso é uma abordagem para a compreensão da
escrita. Em outras palavras, é o estudo da língua (por exemplo, textos escritos) em uso,
reconhecendo que a linguagem não pode ser entendida fora do contexto em que ela é usada.
No contexto de nossa pesquisa, a análise do discurso como ferramenta analítica (Roth;
Alexander, 1997) nos ajuda a entender como a discriminação é produzida e reproduzida pela
mídia.
Um exemplo de como a mídia impressa pode (re)produzir a estigmatização
Em nossa análise de discurso tiramos dados qualitativos de entrevistas e diálogos
gravados em vídeo desde 2008, no contexto do projeto de pesquisa de VP com binners em
Victoria. Esse projeto de vídeo participativo aconteceu em colaboração com o projeto
MOTHER e faz parte de uma iniciativa de pesquisa, o Projeto Gestão Participativa e
Sustentável de Resíduos Sólidos (Participatory Sustainable Waste Management Project
PSWM), que se concentra em questões de subsistência dos recicladores informais e
organizados em diferentes países do mundo. Os participantes foram capacitados em
tecnologia de vídeo, planejamento temático do vídeo (storyboard) e pós-produção. Eles
documentaram seus próprios vídeos, mostrando suas experiências e desafios nas ruas, sua luta
constante contra a discriminação e pela inclusão social. O processo de vídeo participativo
(VP) em si teve como objetivo contribuir para o fortalecimento e crescimento pessoal dos
recicladores.
Nossa intenção aqui não é de esgotar a análise de discurso e a análise semiótica, mas
de destacar, com A história do meu rosto, a importância de um olhar crítico sobre o conteúdo
da mídia. Outro objetivo é de dar voz às percepções dos próprios binners como parcela
marginalizada da nossa sociedade.
A história do meu rosto
O seguinte diálogo aconteceu durante o workshop de VP com dois recicladores em
Victoria. Havia também outros participantes sentados ao redor de uma mesa discutindo o
vídeo que eles estavam prestes a produzir. O assunto da discussão era a identificação de
possíveis temas que eles poderiam explorar com a produção dos vídeos, quando Mark, um dos
binners, disse: "Há um certo estigma ligado às pessoas na,... bem a qualquer um que faz
binning. ... [pensam que] ele deve ser um drogado, ou um pedinte... Deve ser!" e outra binner
chamada Joy conclui: "...ou um sem-teto, é um rótulo que já está lá fora e que precisa ser
quebrado".
Mark liga os dois substantivos “estigma” e “binning” com o verbo “conectar”. Ao
fazer isso, ele deixa transparecer aos seus ouvintes que qualquer um que trabalha com binning
é estigmatizado. No contexto geral da sua conversa, parece que Mark está repetindo uma frase
que ele provavelmente ouviu antes, que seria possível ter sido endereçada a ele mesmo. Além
disso, o uso do verbo modal “deve” (modal verb must em inglês) seguido pelo verbo “ser” (to
be) exprime uma opinião sobre algo que é logicamente muito provável que aconteça. Por
exemplo, se Mark é um binner, é muito provável que ele também seja um viciado em drogas
(druggy) e um pedinte (panhandler). Neste ponto, Joy traz outro estereótipo ligado aos
binners: ser sem-teto. Ela não só interrompe a fala de Mark, mas também complementa a
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sentença anterior. Essas observações ressaltam a percepção de que os binners não são apenas
viciados em drogas e pedintes, mas muito provavelmente também vivem nas ruas.
Quando Joy menciona que isso caracteriza um rótulo, ela expressa que tal
estigmatização é o aspecto do caráter de alguém que é apresentado a ou percebido por outros
e que é incorporado às interações sociais ("que está lá fora"). Em outras palavras, de acordo
com Joy, embora ela não defina qual a sua origem, o estigma já existe. Joy finaliza esse
diálogo afirmando que esse estigma sofrido pelos binners deve chegar a um fim e que deve
ser quebrado.
Essa narrativa não conta apenas a história do rosto de Mark e de Joy, mas sim a
história de estigmatização e de injustiça social sofrida por binners em geral. Esta é a história
de tantos outros rostos que vivem da coleta de materiais recicláveis dos cestos de lixo das
zonas urbanas.
A maioria desses rostos tornou-se invisíveis e são discriminados pela nossa sociedade.
No entanto, existem pessoas por trás desses rostos e o seu trabalho efetivamente desempenha
um papel importante na criação de uma forma mais sustentável de vida, ao mediar a
reciclagem de materiais descartáveis. Os binners existem porque não há política de
desperdício zero na política de recuperação de recursos no Canadá. Estilos de vida
consumistas e não sustentáveis geram quantidades crescentes de resíduos sólidos que
precisam ser adequadamente tratados (Pongracz, 2004). Os binners cumprem uma pequena
fração do redirecionamento dos resíduos sólidos de forma adequada. Enquanto os
consumidores descartam seus recipientes de bebidas em lixeiras públicas, em seus lixos
domésticos ou despejam na rua ou em terrenos baldios, os binners recuperam esses materiais
e os canalizam para o ciclo de reciclagem. Assim, ao recuperar esses recursos, realizam uma
atividade de agentes ambientais. É claro que em uma sociedade sustentável, consciente e de
desperdício zero, não haverá mais a necessidade de binning. Nesse melhor cenário, os binners
também teriam diversificado a sua atividade com múltiplas opções relacionadas à recuperação
de recursos; educação ambiental ou de microempresários que possam transformar os materiais
recicláveis, agregando valor, como já acontece em diversos lugares no mundo.
Binning: uma atividade ilegal?
O seguinte exemplo de um produto da mídia impressa (folheto), produzido pela cidade
de Victoria e amplamente divulgado na Grande Victoria (CRD , 2010) destaca como a
estigmatização se torna uma ideia pré-concebida que molda o nosso comportamento. Em
agosto de 2009, moradores do Distrito Regional de Victoria (DRC) receberam um folheto
(Figura 1) (CRD , 2010) junto aos recipientes para o material reciclável, as chamadas caixas
azuis e sacos azuis, enviado pelo escritório do DRC, que lançou uma campanha de
conscientização sobre a catação informal de lixo (scavenging) e o risco associado ao roubo de
identidade (a partir da catação de documentos jogados fora). No panfleto pode-se ler o texto
intitulado “Catação de lixo (scavenging) e roubo de identidade - Reciclagem informal”.
O texto do folheto logo de início declara que qualquer pessoa que retire material da
caixa azul é considerada um ladrão. O DRC tem fortes razões para argumentar dessa forma,
uma vez que a coleta seletiva de materiais recicláveis foi dada em contrato à empresa
METRO Waste Paper Recovery Inc., cujo negócio depende dos lucros obtidos com a
reciclagem. O contrato de coleta seletiva é baseado no percentual de materiais recicláveis
(garrafas de plástico, latas de alumínio, papel, etc.) Menos desses materiais na caixa azul
significa menos lucro para esta empresa. Portanto, o DRC incentiva formas que impeçam que
os recicláveis sejam recolhidos por binners. Oficialmente, os recicláveis são recolhidos e
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separados pela METRO Waste e, dependendo dos preços dos materiais atuais, podem ser
redirecionados para a indústria de reciclagem.
A fim de garantir que recursos suficientes permaneçam na caixa azul, o DRC criou
uma lei complementar (# 2290), que qualifica como ladrão qualquer um que tire qualquer
coisa da caixa azul, exceto o proprietário ou a empresa contratada, e se os binners fizerem
isso, têm que pagar multas de até CAD$100 e todos os seus pertences são confiscados.
Com essa campanha anticoleta ilegal, o DRC incentiva as famílias a "doarem" os seus
recicláveis de alto valor (latas e garrafas de plástico) para a caixa azul, conscientes de que o
número de binners na cidade vem aumentando significativamente nos últimos meses. Dado o
aumento do tamanho da população de binners e moradores de rua em Victoria, estes estão
tendo mais exposição na mídia e suas circunstâncias de subsistência tornaram-se mais
perceptíveis. Enquanto em 2006 havia cerca de 50 binners na CRD, o número aumentou para
até 250 em 2010 (Autor, 2009; Henry, 2010). Uma série de questões polêmicas está
atualmente em debate na imprensa local, incluindo o eventual fechamento do único depósito
de garrafas do centro da cidade, a proibição de acampamento dos sem-teto em locais públicos
ou o fechamento da instalação de troca de seringas descartáveis.
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Figura 1. Folheto gerado pelo DRC e distribuído na Grande Victória em 2009.
(Reproduzido com permissão (CRD, 2010), publicado pelo Distrito Regional da Capital).
Tradução do folheto:
Catação de lixo (Scavenging) e Roubo de Identidade – Reciclagem informal de rua
O que é catar lixo?
A catação de lixo ocorre quando alguém está tirando material reciclável da sua caixa ou saco
azul sem a devida permissão. A lei número 2290 do DRC declara que nenhuma pessoa,
exceto o dono e a empresa de reciclagem contratada pelo DRC podem remover qualquer
material reciclável dos containers de reciclagem na calçada antes deste ser recolhido.
Por que o DRC tem uma lei contra a catação de lixo dos containers dos recicláveis?
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O DRC tem obrigações contratuais de fornecer a maior quantidade possível de material
reciclável às empresas contratadas para coletar e reciclar estes materiais. O roubo de materiais
(como latas de alumínio e garrafas PET) pode resultar em perda de ganhos na venda de
recicláveis e aumentar os custos do programa.
Por que eu deveria me preocupar com a catação ilegal de lixo dos meus recipientes de
reciclagem?
Uma questão de crescente preocupação é o roubo de identidade. Os catadores podem pegar
documentos com informações pessoais suas e usar esta informação sem o seu conhecimento
ou permissão. Isto pode significar uma séria ameaça à sua privacidade.
Como posso me proteger contra o roubo de identidade?
Recomendamos que você use o picador ou rasgue todos os papéis que contenham
informações pessoais antes de enviá-los para reciclagem. Você pode também usar uma caneta
preta para cobrir informações confidenciais. Coloque o papel picado em um saco fechado ou
grampeado, caixa de cereais ou outro tipo de caixa dentro do seu container azul de
reciclagem.
Recomendamos também que você coloque os seus recicláveis na calçada o mais próximo
possível do horário da coleta das 7h30 da manhã do dia da coleta. Isto reduz a possibilidade
dos catadores vasculharem a sua caixa ou saco azul.
Durante um seminário sobre "gestão inclusiva de resíduos", realizado em 2006 na
Universidade de Victoria, o representante do DRC deixou claro que as questões relacionadas
com binning são consideradas "em primeiro lugar questões sociais" e "não tanto questões de
gestão de resíduos". Em geral, o DRC não está disposto a enfrentar a gestão de resíduos numa
perspectiva integrada, abordando questões sociais e econômicas, juntamente com a
recuperação de recursos. A atitude oficial que prevalece é que o lixo precisa ser tratado com
tecnologia que envolva soluções de engenharia, em vez de uma perspectiva integrada, tendo
em conta a geração de empregos, a educação em direção a comunidades mais sustentáveis, e
estratégias para o desperdício zero. Durante o seminário sobre gestão inclusiva de resíduos,
um funcionário do DRC de Victoria expressou:
"Do ponto de vista da gestão de resíduos, recipientes de bebidas representam
menos que 2% do fluxo de resíduos que vão para o aterro em Victoria. Não é
um componente muito importante. Não vai nos ajudar a entender as causas
da geração exagerada de resíduos sólidos e tirar cada uma destas garrafas de
lá não vai prolongar significativamente a vida de um aterro" (Capital
Region District Official, 2008; LAVIGNE, 2006).
A opinião expressa aqui parece não reconhecer o potencial dos binners também para
recolher outros materiais descartados, incluindo restos de vegetais compostáveis. Essa fala
tampouco percebe o papel dos binners como agentes ambientais, sustentando a coleta seletiva
e diminuindo o desperdício. Como um dos binners argumenta: "É um trabalho sujo, mas
alguém tem de fazê-lo". Ele então continua: "Nós somos como o "plecostomus" do aquário.
Somos os únicos a mantê-lo limpo, mas não somos tão bonitinhos".
O funcionário do DRC destaca:
"Eu não acho que esses caras querem fazer isso para ganhar a vida.
Esperamos mais da sociedade para essas pessoas e conseguir para elas
trabalhos que elas querem e merecem. Gostaríamos de ver isso acontecer de
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forma que ninguém tenha que pular na lixeira e ser perseguido pela polícia"
(Capital Region District official, 2008).
A partir desta última passagem, é claro que existe um preconceito inerente a julgar
aqueles que trabalham com resíduos como sendo menos dignos, em vez de reconhecer o
potencial para expandir a recuperação de recursos e dignificar o trabalho providenciando
remuneração, segurança e qualidade no trabalho.
A catação de recicláveis percebida como ameaça
Olhando mais de perto a desenho do folheto do DRC (Figura 2) (CRD , 2010),
observamos três eventos diferentes e interligados acontecendo. Esses eventos funcionam em
conjunto para produzir a conotação de que os binners são animais urbanos. Em semiótica, a
conotação das palavras envolve outros signos significadores. Ou seja, signos que se tornam
significado de um segundo significado.
Figura 2. Cartoon extraído do folheto do DRC. (Reproduzido com permissão do editor
(CRD , 2010), publicado pelo Distrito Regional da Capital).
Tradução da tira:
Dica do DRC número 2
Seja mais esperto até mesmo que os criadores de problemas mais intrometidos!!! Pique todos
os seus papéis com informações sensíveis! Depois os coloque em uma caixa de cereais vazia
ou um pacote de papel para reciclagem.
Hot Line do DRC: 360-3030
www.crd.bc.ca/es
Distrito Regional da Capital – Serviços ambientais
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A Figura 2 destaca em primeiro plano uma mulher com uma cara feliz, dona de seus
materiais recicláveis bem protegidos, enquanto seu vizinho está estressado assistindo
guaxinins mexendo nos seus materiais recicláveis na caixa azul. A representação de dois
guaxinins sugere binners mexendo no material descartado. Os guaxinins são animais que
muitas vezes habitam áreas urbanas em cidades norte-americanas e se alimentam de lixo.
Outra forma de interpretar o folheto pensando-se que os guaxinins representam os binners é
induzido pelo fato de que o homem está, de alguma forma, protegido dos guaxinins, ao ser
colocado atrás de uma janela, já que os animais podem representar algum tipo de perigo para
ele.
Nessa figura, há também um segmento de texto que diz: "ser mais esperto até mesmo
que os criadores de problemas mais intrometidos", que alerta o leitor sobre o roubo de
material reciclável das caixas azuis. Em outras palavras, de acordo com o desenho (somente),
pode-se supor que o DRC está alertando a população a proteger os seus materiais recicláveis
dos guaxinins, porque eles podem representar perigo para o público em geral. No entanto, a
partir de uma perspectiva semiótica, se lermos o texto incorporado à figura 2, podemos chegar
à conclusão de que os guaxinins na imagem funcionam como um significado que traz uma
outra conotação (que vai além dos guaxinins em si).
Como mencionado anteriormente, a Figura 2 está inserida dentro de um texto maior,
que começa propondo uma pergunta (ou seja, "o que é “catação informal de lixo”
(scavenging)?) e uma resposta (ou seja, "scavenging significa que alguém está pegando
materiais recicláveis de sua caixa ou saco azul sem a sua permissão"). Para o propósito deste
artigo, usamos apenas um trecho extraído do texto para ilustrar como o texto e as imagens que
aparecem na mídia trabalham juntos na criação de discriminação contra os recicladores. Nesta
resposta para a pergunta, o autor oferece um significado ou uma definição para a palavra
“scavenging”. O autor ainda compara “scavenging” com um outro verbo na forma de
gerúndio, que significa tirar. Daí que, neste caso, a ação de “scavenging” ou de “catar” tem o
mesmo significado de tirar. As imagens e os textos funcionam em conjunto para transmitir
uma determinada mensagem. De uma perspectiva semiótica, a Figura 2 traz embutida uma
conotação que pode ser invisível à primeira vista, mas torna-se evidente no texto. Além disso,
tanto a Figura 2 como o texto podem produzir e reproduzir a estigmatização contra os binners
porque eles estão associados com um animal urbano que se alimenta de carniça ou dejetos e
pode roubar a identidade do público em geral. Isso diminui o valor da reciclagem e do
trabalho que fazem, o que contribui para a sua marginalização e exclusão social, e,
infelizmente, ajuda a moldar um desenvolvimento desigual.
Mais para frente no texto, o autor oferece aos proprietários de caixas ou sacos azuis
um número de telefone 800, onde o público pode reportar qualquer atividade de catação de
lixo. Essa linha direta com o DRC cria uma situação de vigilância na qual os binners podem
ser monitorados. Não apenas as empresas de reciclagem, mas também o público em geral está
sendo monitorador, pois, como mencionado, o público é responsável por supervisionar seu
material reciclável. Do ponto de vista social, a vigilância é também uma forma de mudar o
comportamento (Foucault, 1977). Por exemplo, os binners podem optar por não recolher os
materiais recicláveis por causa do medo de alguém testemunhar a sua atividade e telefonar
para o DRC, que pode levar à punição. Além disso, o instrumento de controle via linha direta
pode criar e sustentar relações de poder desiguais entre os binners, e entre eles, a população
em geral e o DRC.
"Eu não estou aqui para estuprar ou fazer pilhagem. Estou só de passagem para levar
um pouco daquilo que você já não quer mais." (Mike, binner em Victoria)
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Essa citação provém do debate sobre Gestão Inclusiva de Resíduos realizada na
Universidade de Victoria, em Victoria, Canadá, em 2006. Os episódios seguintes também
foram extraídos dos dados coletados durante a oficina de vídeo participativo com binners em
Victoria e do painel de discussão sobre gestão inclusiva de resíduos. Os dados ilustram a
percepção dos binners sobre o estigma que é criado e reproduzido pela mídia. Segue uma
análise com perspectiva sociocultural sobre situações da vida real e algumas ideias expressas
pelos participantes. O próximo trecho mostra uma conversa entre Mark e Joy. Neste ponto da
sua interação, eles discutem problemas de estigmatização, e como o público em geral os
percebe como binners.
Mark: Eu acredito que há um certo [estigma
Joy [ É um “rótulo”, É um “rótulo”.
Mark: Quero dizer, o nosso rosto parece nos delatar. Eu entro em uma loja e
eles me consideram um ladrão, porque o meu rosto conta uma história, são
minhas bochechas ossudas. Eu sou um ex-viciado em heroína. Eu não sou
ex. Eu sempre serei um viciado em heroína enquanto eu viver.
Nesse episódio, ao usar o pronome pessoal “eu” seguido pelo verbo “acreditar”, Mark,
um dos binners nesse grupo focal, introduz a conversa oferecendo sua própria perspectiva
sobre o assunto que está prestes a discutir, que é como o público em geral pode percebê-lo
como um binner. Ele afirma que há um sentimento de desrespeito associado à sua pessoa, ao
dizer, "um certo estigma".
Nesse ponto, com voz baixa, Joy, outra binner, interrompe Mark dizendo que o que
Mark está falando é uma questão do posicionamento do caráter de uma pessoa que é
apresentado ou percebido por outros. Como Joy diz: "é um rótulo", uma alegação que ela
repete pela segunda vez com um tom mais alto de voz. Na sequência, Mark explica o que quis
dizer quando usou o a palavra “estigma” em seu discurso.
Podemos garantir que as suas explicações ainda são baseadas em seu próprio ponto de
vista, porque ele usa o pronome pessoal “eu” seguido pelo verbo “quero dizer” (mean). Ele
continua dizendo: "nosso rosto parece dizer algo sobre nós". Ao dizer “nosso rosto” ele não
deixa claro a quem está se referindo. Pode ser possível que sejam os rostos de todos que
participam dessa oficina, ou as faces dos binners em geral. Saber a quem Mark se refere não é
relevante aqui. Pelo contrário, o que é relevante é o fato de que o rosto a que se refere
aparentemente diz alguma coisa (que ele não chega a dar mais detalhes) para alguém, “nós”.
Mais uma vez, o pronome “nós” é desconhecido, o que é também irrelevante. No entanto,
Mark usa uma forma figurativa quando afirma que os rostos dizem algo, porque na realidade
os rostos são apenas uma parte do corpo que é capaz de falar por si. Em Inglês, quando
alguém diz que os rostos dizem alguma coisa, é culturalmente aceito o significado da forma
como ele (o rosto) se parece e como ele pode antecipar as ideias preconcebidas sobre alguém
ou algo.
Ele continua dizendo que quando entra em uma loja, “eles” o consideram um ladrão
(booster). Aqui, Mark não explica a quem o pronome “eles” se refere. No entanto, é possível
ser alguém que trabalha na loja (ou, nesse contexto, em qualquer estabelecimento) em que ele
possa entrar. Segundo Mark, os outros trabalhadores percebem-no como um criminoso. Mark
não esclarece as razões para que ele seja percebido como tal. No entanto, devido à sua frase
figurativa anterior, pode ser algo que é evidente em seu rosto, como ele diz com as palavras:
"meu rosto conta uma história".
Em seguida, ao mencionar a conjunção “porque”, Mark explica os motivos para que
seja reconhecido como um criminoso. Segundo ele, é devido à forma como o seu rosto se
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parece, ou à anatomia de seu rosto. "Minhas bochechas ossudas", diz Mark, o que significa
que os ossos abaixo de seus olhos são proeminentes, portanto, muito visíveis, o que pode ser
um dos efeitos colaterais do uso excessivo de drogas. Esses efeitos colaterais podem ser
causados pela excessiva perda de peso sofrida por quem lida ou lidou com problemas
relacionados a drogas. Em sua próxima frase, Mark coloca um fato sobre si mesmo: "Eu sou
ex-viciado em heroína". Ao usar o prefixo "ex", esclarece o fato de que costumava ter
problemas relacionados a drogas (por exemplo, a dependência de heroína). No entanto, em
sua sentença seguinte, ele afirma que ele não é um ex-viciado em heroína: "Eu não sou ex". A
partir do seu discurso não ficam claros os motivos pelos quais ele se contradiz, embora
finalize o seu discurso dizendo que sempre será um viciado em heroína para o resto de sua
vida. As razões para que faça tal afirmação e entre em contradição não são relevantes para
nosso estudo. Pelo contrário, sua explicação sobre o fato de que ele é (ou era) um viciado em
heroína é evidente em sua aparência. Em outras palavras, o sintoma de problemas
relacionados a drogas (por exemplo, perda de peso) são perceptíveis em seu rosto, porque as
maçãs do rosto se tornam mais proeminentes, fato que pode mediar ideias preconcebidas das
pessoas sobre seu vício em drogas, portanto, associando-o a um criminoso, já que no Canadá
a heroína é uma droga ilegal.
O episódio anterior sugere uma ligação entre a aparência ou a forma de vestir dos
binners, como elas podem ser percebidas pelo público em geral e a forma como se
identificam, muitas vezes resultando em estigmatização. A análise do discurso ajuda a
desmistificar preconceitos, oferecendo oportunidades para medidas que auxiliem na superação
da discriminação e da intolerância (Reisigl; Wodak, 2001). No terceiro episódio a seguir, John
toca na questão das ideias preconcebidas que o público em geral tem em relação a ele. Como
discutiremos adiante, essas ideias preconcebidas, podem ser mediadas pela sua aparência.
John: "Nem todas as pessoas, como moradores de rua, usam drogas. Eles,
ah, eles, eles disseram que eu parecia saudável demais para ser uma pessoa
sem-teto. Eles disseram que eu parecia limpo demais para ser um viciado em
drogas. Como é que eles, o que os faz pensar que eu sou um, para começo de
conversa? Certo? Este é o meu comentário. Eu não, eu não (.) lhes digo que
sou um viciado em drogas, porque eu não sou."
João começa seu discurso argumentando que nem todo mundo que vive nas ruas tem
problemas com drogas. No entanto, por dizer "nem todos", ele está também afirmando que
existe uma parcela da população sem-teto que tem problemas com drogas. Além disso, ao
iniciar seu discurso falando sobre o problema com drogas que as pessoas sem-teto podem ter,
ele antecipa aos seus ouvintes o tema de seu discurso, que é sobre drogas. Ele, em seguida,
argumenta que alguém disse algo, que "eles (o que repete três vezes), disseram". Até agora,
não está claro nem a quem o pronome pessoal “eles” se refere, nem o que “eles” disseram. No
entanto, devido à sua frase anterior, é previsível que, o que quer que tenham dito, tenha sido
sobre drogas.
Ele continua discutindo o que foi dito, que ele parece saudável demais para uma
pessoa sem-teto. A partir da fala de John, não podemos saber quem disse isso, porque John
diz “eles”, mas não descreve quem eles são. No entanto, se John parece saudável para uma
pessoa sem-teto, está implícito que os sem-teto não são saudáveis.
Então John diz, "eles disseram que eu pareço limpo demais para ser um viciado em
drogas". Mais uma vez John não descreve a quem está se referindo, porque continua usando o
pronome "eles". No entanto, podemos afirmar que quem quer que tenha dito algo a ele, fez
isso no passado, porque ele usa o verbo “dizer” em sua forma no passado simples. Por isso, é
claro que John fala sobre alguma experiência pessoal que teve no passado, porque o quer que
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tenha sido dito, foi dito a ele. Além disso, se John parece limpo demais para ser um viciado
em drogas, é implícito que os toxicodependentes sejam sujos.
Então, John pergunta (talvez à sua audiência, talvez a si próprio) o que medeia o
conhecimento das pessoas ("o que faz as pessoas pensarem") sobre o seu problema de uso de
drogas ("Eu sou um deles"). John conclui seu discurso afirmando que não declara aos outros
que ele tem problemas com drogas, e a razão pela qual ele faz isso é porque ele diz não ser um
viciado em drogas. O vício de drogas (ou não) de John não é relevante para este artigo. O que
é relevante aqui é o fato que, segundo o discurso de John, parece haver uma certa ideia
preconcebida (do público) em torno de como os binners aparentam (ou deveriam aparentar).
Por exemplo, por ser uma pessoa sem-teto ela também deve estar suja; por não ser
saudável e ser sem-teto, a pessoa também deve ser viciada em drogas. Tais ideias
preconcebidas podem ser mediadas pelos meios de comunicação que, no exemplo
apresentado, compara os binners a guaxinins. Além disso, podemos concluir a partir deste
último episódio que existe um certo estigma (entre o público em geral) em torno de como é a
aparência dos binners, ou como eles devem aparentar.
Conclusões
Usando conceitos da Geografia Crítica Humana, Semiótica Social e Análise de
Discurso, A história do meu rosto se baseia em um tipo simples de material impresso
(folhetos) e material de oficina de vídeo com os binners em Victoria para investigar como a
mídia impressa local gera e perpetua a estigmatização contra os binners. Mais ainda, este
trabalho aborda as percepções dos recicladores sobre a estigmatização. Apresentamos trechos
de um folheto distribuído localmente que ilustra como os binners são associados com animais
urbanos, o que, ao mesmo tempo, diminui o valor do seu trabalho e aumenta a sua exclusão
social. Reconhecemos que o folheto não se refere exclusivamente aos binners, uma vez que os
guaxinins também representam certa ameaça para o lixo das pessoas. Do ponto de vista
sociopolítico, porém, a campanha lançada pelo Distrito Regional de Victoria vai além da
proteção da população contra a catação de lixo (scavenging) ou o roubo de identidade. Apesar
dos inúmeros benefícios sociais, econômicos e ambientais proporcionados pela recuperação
de recursos e reciclagem, a coleta seletiva feita por binners ou recicladores informais ainda é
ilegal na maioria dos lugares, como é também no Canadá. No entanto, em todo o mundo, a
reciclagem informal e organizada se estende à vida útil dos aterros sanitários e, assim,
economiza o dinheiro das cidades devido à menor necessidade de coleta, transporte e descarte
de equipamentos, pessoal e instalações (Medina, 2005). No caso de Victoria, a cidade em
estudo, o lixo pertence àquele que o gera até ser colocado dentro da caixa azul, quando ele se
torna propriedade da METRO Waste, que é a empresa de gestão de resíduos responsável pela
coleta e destinação final do lixo reciclável em Victoria.
Um raciocínio por trás dessa mensagem no folheto é que o DRC tem uma obrigação
contratual de fornecer determinadas quantidades de diferentes materiais recicláveis para a
empresa de reciclagem METRO Waste. Isso foi revelado por diversas vezes durante as
conversas com os funcionários responsáveis pelos resíduos sólidos do DRC desde 2008. A
METRO Waste separa e comercializa os materiais recicláveis. Nesse contexto, os binners
podem representar uma ameaça para o DRC, pois eles recolhem garrafas e latas da caixa azul,
o que possivelmente diminui o lucro da METRO Waste. No entanto, essa atividade representa
uma geração de renda para os recicladores, e, para a maioria deles, o único ganha-pão que têm
(Autor et al., 2007). O DRC, através dessa campanha recente, está apelando ao público em
geral para que proteja seus materiais recicláveis de serem tomados pelo guaxinins ou pelos
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binners. Ao fazê-lo, o DRC não está apenas impedindo a geração de renda para os mais
excluídos, mas também está reiterando a estigmatização existente contra esse grupo de
pessoas. Além disso, o raciocínio da cidade de Victoria sugere um foco na obtenção de lucros
através da reciclagem, em vez de apoiar a economia social e valorizar a participação
econômica dos grupos que geralmente são excluídos por assuntos de pobreza, dependência ou
deficiência física ou mental.
Existem exemplos de países do hemisfério sul reconhecendo o "serviço ambiental" que
os recicladores executam. Alguns desses casos são descritos como experiências de gestão
participativa e sustentável de resíduos sólidos (Autor, 2009; Medina, 2001). Vários
municípios no Brasil, por exemplo, agora remuneram os catadores pela quantidade de
materiais recicláveis recuperados, reconhecendo, assim, a sua contribuição ao serviço
ambiental. Iniciativas de reciclagem informais e organizadas são cruciais para provocar uma
necessária mudança de paradigma em direção à recuperação de recursos e desperdício zero.
Um jornalista local, em Victoria, uma vez expressou que, sem saber muito sobre os binners,
ela percebia-os como "perdedores", enquanto que ao aprender sobre a sua forma de sustento e
sua contribuição para a recuperação de recursos, a imagem deles havia mudado para “agente
ambiental”. A linguagem humana e, por extensão, a informação e o conhecimento são
subjetivos e tendenciosos segundo o contexto criado em certos ambientes ideológicos,
organizacionais e socioculturais (Liew, p. 81, 2007). A conscientização sociocultural é uma
das pré-condições para que ocorra essa mudança de 'perdedor' para 'agente prestador de um
serviço'. Estamos rodeados de sinais/signos (por exemplo, fotografias, imagens, textos,
desenhos) que se tornaram fundamentais na formação da identidade da nossa sociedade e na
criação e disseminação de informações (Chaplin, 1994)
Os sinais/signos se tornaram tão comuns que eles não somente misturam-se com a
realidade, mas também se tornaram a própria realidade. Nesse contexto, a mídia impressa se
torna uma ferramenta poderosa na produção das percepções que as pessoas têm do seu
entorno. Ou seja, o que e quem somos e o que sabemos é mediado por livros, textos, revistas,
imagens, e assim por diante. A análise semiótica e a análise da cultura visual podem
contribuir para decodificar o discurso da mídia, o que nos ajuda a entender como nós sabemos
o que sabemos e qual o significado que fazemos do conteúdo da mídia impressa. Em outras
palavras, a compreensão dos significados/significantes é fundamental para expor as diferenças
de visão de mundo e dar forma a diferentes comportamentos, permitindo-nos filtrar e
contestar os sinais/signos que nos deparamos todos os dias, e impedindo que nos tornemos
passivos em certas situações. Portanto, estudar a semiótica no contexto das questões sociais é
importante porque nos auxilia na compreensão do papel que os sinais/signos desempenham na
construção de realidades sociais.
Desconstruir a semiótica social e o discurso que formam nossas mensagens diárias e
medeiam as normas sociais e interações, nos ajuda a identificar as mensagens que reiteram a
marginalização. Entender a educação como um processo de conscientização ativa, como
sugerido por Paulo Freire, oferece um caminho para superar essa reiteração da marginalização
e estigmatização reforçada. Mudar a percepção dos resíduos de algo sujo, não desejado, sem
valor para resíduos como um recurso, como algo valioso que pode ser reutilizado ou reciclado
também muda a percepção das pessoas envolvidas na sua recuperação, reconhecendo a
oportunidade para também recuperar sua cidadania. Na realidade. recicladores informais e
binners são agentes ambientais. Eles recolhem os recicláveis, não só de latas de lixo, mas
muitas vezes também fora delas, o que é descuidadamente deixado para trás em ruas, parques,
bueiros, etc. Essas facetas do trabalho dos binners também precisam ser reconhecidas.
Propagar a imagem de “recuperador de recursos” e “protetor ambiental” é uma importante
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estratégia para apoiar a inclusão social daqueles que até agora são os mais marginalizados em
nossa sociedade.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer o apoio e a confiança recebidos dos binners em Victoria e
Vancouver durante todos os vários momentos da pesquisa. Diversos integrantes do
Laboratório de pesquisa comunitária (Community-based Research Laboratory) no
Departamento de Geografia da Universidade de Victoria, no Canadá participaram na
realização da oficina de vídeo e do seminário sobre Gestão Inclusiva de Resíduos Sólidos.
Notas
Convenções de transcrição utilizadas:
e subida e descida do tom de voz;
(.) pausa perceptível de menos de 0,10 segundos;
[ colchetes em linhas consecutivas indicam o início de sobreposição de vozes.
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