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THANIA ENRIQUETA SOTO LEMKE A HUMAN RIGHTS WATCH: FORMAS DE ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVENAMENTAIS TRANSNACIONAIS DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO São Paulo 2006

A HUMAN RIGHTS WATCH: FORMAS DE ATUAÇÃO DAS … Enriqueta... · estratégias de atuação das ONGs transnacionais nas relações internacionais contemporâneas. O tema a ser pesquisado

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Page 1: A HUMAN RIGHTS WATCH: FORMAS DE ATUAÇÃO DAS … Enriqueta... · estratégias de atuação das ONGs transnacionais nas relações internacionais contemporâneas. O tema a ser pesquisado

THANIA ENRIQUETA SOTO LEMKE

A HUMAN RIGHTS WATCH: FORMAS DE ATUAÇÃO DAS

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVENAMENTAIS TRANSNACIONAIS

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO São Paulo

2006

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THANIA ENRIQUETA SOTO LEMKE

A HUMAN RIGHTS WATCH: FORMAS DE ATUAÇÃO DAS

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVENAMENTAIS TRANSNACIONAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, área de

concentração: Relações Internacionais, sob a orientação do Prof.

Doutor Oliveiros S. Ferreira.

PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO São Paulo

2006

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Banca Examinadora

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Dedico este trabalho ao meu querido filho

Matias e ao Chiquinho

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AGRADECIMENTOS

Especialmente ao meu filho Matias pelo carinho e amor incondicional.

À família Soto Lemke pelas manifestações de apóio e proximidade apesar da

distância.

Ao professor e orientador Oliveiros S. Ferreira, pela amizade, acompanhamento,

criticas, sugestões e revisão do estudo.

À Margareth Leister, por ser uma amiga maravilhosa e colaboradora na finalização

deste.

Aos amigos que torcem por mim, especialmente, Graziella, Felícia, Claudia, Blanca,

Gregório, Otto e muitos outros.

Ao Brasil que sempre agradeço por ter me aberto as portas para novas experiências

de vida e de acolhimento.

Àqueles que, de alguma forma, colaboraram à realização desse estudo.

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RESUMO

A natureza transnacional de fenômenos como os direitos humanos e o meio ambiente

consolidou espaços de atuação de agentes da sociedade civil e, especificamente, de

organizações não-governamentais transnacionais que se organizaram para atender demandas

vindas da esfera estatal e dos organismos internacionais e elevando problemáticas locais à

esfera internacional. No campo específico dos direitos humanos, a defesa de “valores

universais” se constituiu numa arena fértil para a atuação das ONGs transnacionais.

Protagonistas de uma ação constante de monitoramento e pressão aos governos e

organizações internacionais para o respeito dos direitos civis e políticos, alçaram estes atores

da esfera institucional a atuação na esfera da governabilidade mundial; no que se refere aos

direitos humanos, em caráter consultivo – além da atuação como formadores de opinião. A

partir do estudo dos instrumentos de atuação da organização não- governamental

transnacional Human Rights Watch, esta pesquisa pretende contribuir no entendimento das

estratégias de atuação das ONGs transnacionais nas relações internacionais contemporâneas.

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ABSTRACT

The transnational nature of phenomena as human rights and the environment consolidated

action spaces for civil society agents and, specifically, transnational non-governmental

organizations which were organized to attend the demands from the state area and the

international organizations; besides rising local problems to an international sphere. As to

human rights, the defence of “universal values” has been constituted into a fertile arena for

non-governmental organizations’ action. Protagonists of a constant monitoring movement

and pression on governments and international organizations, aiming the respect for civil and

political rights, these actors from the institutional field were raised to direct actions in the

governability sphere worldwide, not only referring to human rights themselves , in a

consultig way, but also their role as opinion makers. Taking into account the direct actions

performed by the transnational non-governmental Human Rights Watch organization, this

research intends to contribute towards the understanding of action strategies taken by

transnational non-governmental organizations in the contemporary international relations.

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SUMARIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 08

CAPÍTULO I. AS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS TRANSNACIONAIS: DEFINIÇÕES E CONCEITUAÇÃO....................................

1.1. A sociedade civil internacional.................................................................................

1.2. As Organizações não Governamentais – ONGs........................................................

1.2.1. Definição.........................................................................................................

1.2.2. Conceituação das Organizações não Governamentais Transnacionais...........

1.3. Características das organizações não Governamentais Transnacionais....................

1.4. As Organizações Não Governamentais Transnacionais: uma história recente.........

1.5. A década das Conferências........................................................................................

1.6. Tipologia das ONGs Transnacionais.........................................................................

1.7. As Redes Transnacionais de defesa...........................................................................

11

11

12

13

16

18

20

22

24

27

CAPÍTULO II. ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS TRANSNACIONAIS: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONSENSO E A INFLUÊNCIA..................................................................................

2.1. O consenso e a influência..........................................................................................

2.2. Arenas de influência das ONGsT..............................................................................

2.3. Elementos constitutivos da influência.......................................................................

31

33

36

39

CAPÍTULO III. A TRANSNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS..

3.1. O movimento internacional dos direitos humanos....................................................

3.2. Os direitos humanos e a ação Transnacional das Organizações Não Governamentais Transnacionais.......................................................................................

43

45

51

CAPÍTULO IV. A HUMAN RIGHTS WATCH.........................................................

4.1. Estrutura decisória.....................................................................................................

4.2. O mandato da HRW..................................................................................................

4.3. Focos de atuação......................................................................................................

55

56

58

59

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 67

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 72

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INTRODUÇÃO

A política mundial contemporânea nos leva a crescentes referências sobre fenômenos

que transcendem os limites das fronteiras nacionais e nos aproxima a valores e concepções de

uma comunidade transnacional. Em outros termos, o processo de globalização acelerado

produziu uma interseção entre forças nacionais, internacionais e transnacionais.

Dessa forma, novos desafios foram colocados para o estudo das Relações

Internacionais, com a configuração do novo ambiente de interpenetração entre o doméstico e

o externo, de inter-relação entre atores de diferentes categorias na definição da agenda

internacional

Como resultado, a natureza transnacional de fenômenos como os direitos humanos e o

meio ambiente, consolidou espaços de atuação a agentes da sociedade civil e especificamente,

as organizações não governamentais que se organizaram para atender demandas vindas da

esfera estatal e dos organismos internacionais e elevando problemáticas locais à esfera

internacional.

No campo específico dos direitos humanos, a defesa de “valores universais” se

constituiu numa arena fértil para a atuação das ONGs transnacionais. Protagonistas de uma

ação constante de monitoramento e pressão aos governos e organizações internacionais para o

respeito dos direitos civis e políticos, alçou estes atores da esfera institucional à atuação na

esfera da governabilidade mundial, no que se refere aos direitos humanos, em caráter

consultivo – além da atuação como formadores de opinião.

A partir do estudo dos instrumentos de atuação da organização não governamental

transnacional Human Rights Watch, esta pesquisa pretende, contribuir no entendimento das

estratégias de atuação das ONGs transnacionais nas relações internacionais contemporâneas.

O tema a ser pesquisado é de fundamental importância hoje para todos os que operam

no campo das relações internacionais contemporâneas. A importância decorre da colaboração

das organizações não governamentais na composição temática do processo decisório nas

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políticas dos Estados e das organizações internacionais, e da consolidação dos direitos

humanos e dos temas de interesse global.

A participação de entidades não estatais transnacionais configuram redes de interesse

público mundial, afetando as relações entre os Estados, que propugnam o prestígio das

relações de interdependência e cooperação em detrimento das formas de conflito. A influência

das ONGs é verificada na tentativa de conduzir os Estados a utilizarem as normas de forma

efetiva.

No caso das ONGs transnacionais de defesa dos direitos humanos, a busca pela

aplicação dos direitos à preservação da vida no âmbito doméstico alçou a procura destes

direitos ao plano internacional. Vinculadas a esta modificação do contexto, a coordenação e

demais elementos (meios de ação, captação e controle de recursos) podem ser atribuídas à

atuação das ONGs transnacionais. Este é o quadro de referência de qualidades intrínsecas das

organizações, o que trataremos em paralelo com a análise circunstancial da atuação da HRW.

Desta forma, interessa-nos descobrir quais são os elementos importantes para a análise

da dinâmica das ONGs transnacionais, no caso específico da atuação da HRW na agenda

global dos direitos humanos.

Nosso escopo analítico para o estudo da atuação da HRW serão os parâmetros

desenvolvidos pela Margaret Keck e Kathryn Sikkink (1998), nos quais encontramos

importantes ferramentas de análise quanto às formas de atuação, condições, capacidades e

organização das redes transnacionais de defesa dentro das quais as ONGs operam.

Trabalhando a noção de poder e influência mediante a utilização dos termos pressão e

persuasão1, as autoras estabelecem uma tipologia das táticas que são utilizadas por estas

organizações como instrumento de pressão e persuasão de governos, organizações

internacionais e demais atores transnacionais.

No plano dos fatos esta pesquisa maneja a hipótese de que toda a atuação da HRW

esta direcionada à construção de consensos sobre a temática que ela defende e que a

1 Ver Keck e Sikkink, 1998.

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elaboração de estudos e relatórios constitui a premissa fundamental em torno da qual os

outros instrumentos de atuação se direcionam para a construção destes consensos.

Esta investigação desdobra-se em quatro capítulos. O primeiro tem como tema central

a composição do conceito e das características das organizações não governamentais

transnacionais. Esta discussão constitui a premissa básica para entendermos nosso objeto de

estudo.

O segundo capítulo pretende identificar as premissas explicativas da atuação das

organizações não governamentais transnacionais. Tratar-se-á de estudar a influência e o

consenso como elementos que definem os instrumentos de ação utilizados pelas organizações

não governamentais e a HRW.

O terceiro capítulo pretende discutir a transnacionalização dos direitos humanos,

destacando-se nele o estudo os direitos humanos como tema global sob a perspectiva de

atuação das organizações não governamentais transnacionais.

O quarto capítulo tem por tema a Human Rights Watch, trabalhar-se á a composição,

as suas características e o processo decisório desta organização. Este capítulo constitui o alvo

estratégico deste estudo articulando as parâmetros analíticos sobre atuação das ONGs

transnacionais à ação concreta da HRW, de forma a construir subsídios para entendimento das

formas de atuação destas organizações.

Espera-se que este estudo possa representar uma contribuição nas pesquisas futuras

sobre o tema das organizações não governamentais transnacionais.

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CAPITULO I. AS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS

TRANSNACIONAIS: DEFINIÇÕES E CONCEITUAÇÃO

1.1. A sociedade civil internacional

A sociedade civil possui muita relação com as organizações não governamentais

transnacionais e com o tema dos direitos humanos.

O conceito de sociedade civil internacional da forma como é utilizado na atualidade

está mais próximo do caráter dado por Gramsci2. Para Gramsci a sociedade civil se

identificava na esfera da superestrutura, na qual ele dividiu em dois planos: a sociedade

política e a sociedade civil. A primeira estaria constituída basicamente pelo Estado e suas

instâncias e a segunda, a sociedade civil, pelo conjunto de agentes que não pertencem ao

Estado, o autor menciona que seriam os partidos, os sindicatos, a Igrejas e as escolas. Embora

esta seja a definição mais próxima o conceito de sociedade civil, na atualidade este conceito é

composto também, pelos movimentos sociais organizados, as organizações não

governamentais, os meios de comunicação, etc.

Acrescenta-se ao conceito de sociedade civil as finalidades relacionadas à

transmissão de valores e o poder além do caráter estritamente material, constituindo-se num

dos elementos de dominação, que pra Gramsci residia no poder das idéias

Numa definição mais próxima ainda de nosso estudo e que será recorrente ao longo de

nosso trabalho, entendemos por sociedade civil o plano das relações individuais que se

desenvolvem à margem das relações que distinguem as instituições estatais. Diferencia-se do

estado pelo fato de sua ação política estar direcionada à construção de redes de ação social

que traspassam os Estados.

A Human Rights Watch atua nas sociedades civis e com os agentes destas sociedades

buscando consensos para a conscientização dos direitos humanos e na denuncia,

questionamento e pressão aos governos que violam estes direitos. 2 Gramsci, 1995

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1.2. As Organizações não governamentais -ONGs

Nas últimas duas décadas, as organizações não governamentais transnacionais

passaram a protagonizar um papel inédito no cenário internacional, seja como organizadoras e

incentivadoras de uma nova agenda de política internacional, seja como entidades do poder

organizado da sociedade civil com interesses e políticas próprias, destinadas a atender

demandas em nível local e internacional até então inexistentes. Esse movimento teve início

nos anos 80 do século passado, com o destaque de novos agentes nas relações internacionais,

que passaram a exercer influência pontual nas decisões dos Estados nacionais, dos organismos

internacionais e das empresas transnacionais.

Podemos distinguir diversos tipos de organizações que participam da sociedade civil,

podendo classificá-las pelo grau de autonomia e de instituicionalização que possuem. De um

lado, temos os grupos ou associações de indivíduos que colaboram para a formação de normas

e que se reúnem mediante fóruns. Por outro, temos os atores como as organizações não

governamentais internacionais. As formas de organização também variam, podem ser em

redes transnacionais ou coalizões, em redes de políticas globais, em movimentos sociais

globais e em organizações não governamentais transnacionais. 3

Por entendermos que as organizações não governamentais são o nosso único objeto

pesquisa, não nos deteremos na definição e explicação das outras formas de organização da

sociedade civil internacional.4

Partindo do pressuposto que as organizações não governamentais transnacionais

constituem meios através dos quais atuam os indivíduos e os grupos de interesse efetivam sua

ação política é que propomos no subcapítulo seguinte abordar diferentes definições sobre

estas organizações5

3 Herz e Hoffmann, 2004 4 Para o desenvolvimento do tema ver, DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002 5 Scherer-Warren, 2002

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1.2.1. Definição

O termo organização não governamental foi definido no artigo 716 da Carta das

Nações Unidas de 1946, que restringiu a atuação destas à esfera de competência do Conselho

Econômico e Social – ECOSOC. Este, então, formulou o conceito de “organização não

governamental” como todas aquelas organizações não estabelecidas por acordo

intergovernamental e que, embora não representassem governos, detinham importância

suficiente para justificar presença formal na ONU 7.

Posteriormente, em 1996, o Conselho Econômico e Social ( ECOSOC) da ONU

ampliou sua definição incorporando ao conceito aquelas organizações não estabelecidas por

entidade governamental.

Apesar de não constituírem entidades com uma personalidade jurídica internacional,

como as Organizações Intergovernamentais (coletividades estatais), as organizações não

governamentais atuam no cenário internacional com instrumentos e meios parecidos com

aqueles das coletividades estatais. São dotadas de um documento constituinte (estatuto), um

secretariado geral internacional situado num país específico - geralmente no país onde teve

sua origem, e escritórios estabelecidos em diferentes países onde são registradas como

entidades sem fins lucrativos8 e atuam consoante com a legislação de cada Estado.

O fato de não constituírem uma personalidade jurídica internacional sujeita as

organizações não governamentais à legislação cada Estado em que se estabelecem. Para

Tavares9, existem legislações nacionais que tem uma propensão a estimular a criação de

organizações não governamentais, oferecendo condições para atuarem, porém, existem outras

normas que limitam a criação destas e, ainda, outras que estabelecem diferenças de tratamento

entre ONGs nacionais e estrangeiras. Poucas as colocam em igualdade de condições.

6 O artigo 71 da Carta das nações Unidas estipula o seguinte: “The Economic and Social Council may make suitable arrangements for consultation with non-governmental organizations wivh are concerned with matters within its competence. Such arrangements may be with international organizations and, where appropriate, with national organizations after consultation with the Member of the United Nations concerned” 7 Tavares, 1999. 8 No Brasil, as organizações não governamentais têm personalidade jurídica e são associações civis. 9 Idem.

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14

Para efeito de nosso estudo, devemos considerar que vários pesquisadores vêm

contribuindo para definir de forma mais precisa as organizações não governamentais. Por um

lado, temos pesquisadores mais preocupados em acompanhar o conceito institucionalizado

pelas Nações Unidas e, por outro lado, temos aqueles mais atentos em incorporar novos

parâmetros analíticos, consubstanciados numa nova configuração do cenário internacional,

diferente daquele de pós-guerras. Assim, contextualizam sua definição com os avanços das

tecnologias de comunicação, como elemento importante para entendermos o desenvolvimento

e a consolidação contemporânea das organizações não governamentais internacionais e,

inclusive, indo além deste conceito quando estas organizações compõem as redes e coalizões

transnacionais de defesa.

Alguns autores definem as ONGs como organizações sem fins lucrativos, autônomas

– ou seja, sem vinculação com os governos,- e voltadas a atender às necessidades emergentes

da sociedade civil, em muitos casos complementando a ação do Estado. Esta definição

apresenta contradições, porque se elas não possuem vinculação com os governos estariam

impossibilitadas de complementar a ação do Estado. Dependendo da natureza da ONG - no

caso, aquelas que prestam serviços na forma de execução de projetos assistenciais e

humanitários -, a sua proximidade com o setor governamental se dá mediante relações

estreitas com o Estado e entidades de classe.

Sobre isso, Lyman White (In: TAVARES, 199910) argumenta a importância do fator

relacionado à composição destas organizações, ressaltando a diversidade de indivíduos e de

organizações nacionais de diferentes países e associações internacionais. No entanto, inclui na

sua composição organizações mistas que contam com financiamento e participação

governamental, desde que as mesmas tenham liberdade para desempenhar o papel de grupos

de pressão e modeladoras da opinião pública.

Uma das principais controvérsias a respeito da formação conceitual destas

organizações provém exatamente da questão dos recursos financeiros por elas utilizados: a

dúvida recai na questão de se o fornecimento de recursos financeiros esteja atrelado a um

favorecimento de interesses defendido pelos seus provedores, que podem ser os próprios

Estados e/ou as organizações internacionais governamentais.

10 Tavares, 1999

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15

Para isso, elas se valem de articulações com as Organizações Internacionais,

principalmente com as Nações Unidas, exercendo influência na formação das agendas destas

organizações e abrindo canais para manter o acesso a projetos e recursos financeiros11.

Outros autores afirmam que as organizações não governamentais internacionais

podem ter sua origem vinculada, dependendo da natureza dos interesses que defendem, e

podem ser encampadas pelo poder estatal que as conduzem à esfera internacional. 12

Da sua parte, Villa 13 destaca as organizações não governamentais por seu papel de

representação ou expressão de grupos sociais nacionais ou internacionais que, na sua ação,

podem transitar entre os planos da pressão ao do confronto político ou a ação direta. A

definição indica que as relações entre ONGs e governos e organizações governamentais

poderão oscilar entre conflituosas e antagônicas, competitivas e cooperativas, de substituição

e consensuais. E, para isto, estas organizações se valem de meios de ação política que possam

garantir os seus relacionamentos e a defesa de seus objetivos.

No caso das ONGs de direitos humanos, “o grau de conflito nas negociações com os

governos reflete os posicionamentos político-ideológicos dos atores e entre vários Estados,

sobretudo quando os governos restritivos não reconhecem as normas internacionais de defesa

dos direitos humanos. As ONGS dedicadas à defesa e promoção dos direitos humanos

enfatizam seu trabalho na luta pelo o respeito dos Estados às normas legais dos direitos

humanos e o direcionamento de seu trabalho aos canais intergovernamentais para uma ação

efetiva “ (CLARK,1995 pág ?).

Uma acepção mais restrita, porém bastante útil para iniciar nosso estudo, é

conceituarmos as organizações não governamentais internacionais a partir daquela definição

que a autora Scherer-Warren faz destas organizações14 :

11 Henderson, 1997 12 Velazco, 2004 13 Villa.( 1999). 14 Scherer-Warren, 2002

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16

As organizações não governamentais podem ser vistas como uma forma de

ação coletiva formalizada, que resulta mais eficaz do que ações coletivas

não formais. O fato de ser uma organização oferece acesso a certos

recursos e espaços que uma rede social informal não permite.15

Embora este autora não leve em consideração elementos necessários para uma

definição mais abrangente, tais como os objetivos, o sentido político e o lugar que ocupa esta

organização na sociedade internacional, o conceito nos fornece subsídios para considerar estas

organizações muito mais desde o ponto de vista de sua ação e menos desde o ponto de vista

de sua composição.

Se as ONGS transnacionais são uma forma de ação coletiva formalizada, interessa-nos

conhecer quais são os instrumentos desta ação e se existe uma tipologia que pretenda

desconstruir as formas de atuação destas organizações.

Considerar as organizações não governamentais transnacionais como instrumentos

para a ação individual e coletiva nas sociedades locais, nacionais e internacional, nos

permitirá observar de maneira mais precisa a forma em que elas compõem os instrumentos de

sua ação.

1.2.2. Conceituação das organizações não governamentais transnacionais

Para uma definição específica de organizações não governamentais transnacionais

precisamos considerar dois eixos fundamentais: o primeiro seria a sua composição em si e o

segundo a abrangência de sua atuação.

Do ponto de vista de sua estrutura, estas organizações são compostas mediante a

filiação de grupos ou de indivíduos de diferentes países e possuem escritórios espalhados em

vários países e/ou regiões, o que as possibilita executar ações e atividades em nível local.

Constituem-se de uma realidade complexa de pessoas diferentes em lugares distantes, porém

15 Anthony Bebbington, , pág 108 ( Abong)

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com facilidades de comunicação, com uma estrutura corporativa e meios administrativos que

possam atender demandas em várias partes do globo.

Sob o impacto desta contextualização, Nye salienta como atributos conceituais destes

agentes o caráter formal, seu ideal de permanência, uma gestão transnacional com custos

relativamente baixos, mediante utilização ampla de comunidades virtuais que se desenvolvem

na internet e um trabalho desenvolvido sobre temas com foco social.

Observamos que a dimensão transnacional destas organizações adquire muito mais

significado na medida em que estas possuem acesso maior a recursos externos, ampliam seus

trabalhos em escala global, estendem a sua interação com a sociedade e os indivíduos assim

como com as redes sociais transnacionais das quais participam.

Ao mesmo tempo em que constituem veículos para acesso de recursos, as

organizações estruturam a relação social entre ela e a sociedade local, nacional e global.

Como segundo eixo para compor a definição de ONG transnacional, temos a

abrangência de sua atuação, que está relacionada à composição das problemáticas que elas

defendem e a seu envolvimento na constituição de agendas internacionais. Estas se organizam

ou para transportar uma demanda societal a uma problemática específica que evolui

posteriormente para uma temática global, ou para elevar as problemáticas locais a um nível

global.

O envolvimento e a intervenção das organizações não governamentais transnacionais

na constituição da agenda internacional têm dois vetores principais: o primeiro refere-se à

intermediação de interesses, mediante projetos de captação ou intermediação de recursos

relacionados às políticas globais em vários temas (direitos humanos, direitos da mulher, meio

ambiente, et cetera); o segundo é relativo à formação de grandes redes e alianças com outras

ONGs nacionais e transnacionais e a sua participação nos fóruns e organizações

internacionais tais como a Organização das Nações Unidas.

Vejamos que a dimensão transnacional destas organizações adquire muito mais

significado na medida em que estas possuem acesso maior a recursos externos, ampliam seus

trabalhos em escala global, estendem a sua interação com a sociedade e os indivíduos, assim

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como com as redes sociais transnacionais das quais participam. Ao mesmo tempo que

constituem veículos para acesso a recursos financeiros, estruturam a relação social com a

sociedade local, nacional e global.

A atuação dessas organizações transnacionais da sociedade civil já extrapolou o

sistema das Nações Unidas. Foi por influência dessas organizações que as negociações

secretas na OCDE sobre o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI) acabaram divulgadas

na Internet e foram posteriormente bloqueadas. Recorde-se que o AMI estipulava que os

investidores internacionais poderiam ignorar a legislação social, ambiental ou trabalhista do

país onde investissem capital, com direito a escolher o que e onde investir, sem consultar os

respectivos governos, e podendo recorrer a um tribunal internacional de comércio por cima

dos Estados nacionais.

1.3. Características das organizações não governamentais transnacionais

Para podermos trabalhar com as formas de atuação destas organizações, é necessário

apontarmos as principais características destas organizações. Sikkink16 aponta as seguintes

especificidades:

• Imparcialidade e independência

Para a manutenção da natureza destas organizações e de seu processo de legitimação

perante a comunidade, tem-se demonstrado a importância do estabelecimento e da fixação da

imagem das ONGS como imparciais e independentes em relação ao Estado. Assim, e partindo

do pressuposto que as ONGs são organizações que estão fora da esfera de dominação estatal,

a preocupação com a imparcialidade está refletida na busca da transparência de seus

trabalhos, bem como na construção de consciências morais diferentes daquelas promovidas

pelas políticas públicas.

16 Sikkink, 2002

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• Veracidade e credibilidade

As Ongs utilizam-se de uma grande volume de informações tidas como confiáveis,

possuindo grande habilidade para gerir estas informações, sobretudo porque contam com o

apoio de uma extensa comunidade de pesquisadores especializados na produção de relatórios

confiáveis. Ao mesmo tempo, realizam atividades de monitoramento das situações que

acompanham em sua rotina de trabalho ou para atender às atividades de colaboração com as

organizações internacionais. Além do apoio de pesquisadores temáticos ou comunidades

epistêmicas17, o estreitamento das relações com outras Ongs domésticas fornece relevantes

informações para a construção de seus relatórios.

• Representatividade

As Ongs buscam representar demandas de grupos domésticos da sociedade civil que

não encontram canais abertos de comunicação institucional nos Estados. Muitas vezes estas

elevam as demandas domésticas para fora dos Estados, fazendo conexões com outras Ongs e

com organizações internacionais. Esta ligação com grupos domésticos fornece a estas

organizações informações importantes e as eleva aos representantes externos destes grupos,

em especial pela sua capacidade de fazer conexões e articular lobbys nas arenas

internacionais.

• Resultados, transparência e credibilidade

Mensurar os resultados e a transparência das ONGs constitui um dos atributos mais

difíceis de quantificar e até mesmo de descrever academicamente. No caso dos resultados, a

transparência e credibilidade sua atuação se reflete mais no processo em si do que nos

objetivos eventualmente alcançados, até porque em muitas das vezes o objetivo principal é o

17 Peter Haas (1992) define comunidades epistêmicas como networks of knowledge-based experts (p. 2) ou, mais especificamente, como uma rede de profissionais "com expertise e competência reconhecidas em um domínio específico e um authoritative claim ao conhecimento relevante às políticas àquele domínio ou issue-area" (p. 3) HAAS, Peter M. (1992), "Introduction: epistemic communities and international policy coordination". International Organization, 46 (1): 1-35.

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20

processo de mobilização em si. Esta questão dos resultados é posta como um dos principais

aspectos dentre os que poderiam compor a legitimidade da atuação das ONGs. Assim, cabe

aqui perguntarmos em que reside especificamente. Várias são as caraterísticas salientadas por

outros autores: a busca permanente de se auto gerirem, para desta forma possam se distanciar

do poder institucional; a busca de continuidade e de preservação na esteira de que os valores

sustentados e defendidos por elas são permanentes.

1.4. As Organizações não governamentais transnacionais: uma história

recente

Antes de adentrarmos no processo histórico de formação das organizações

transnacionais, destacaremos algumas condições que possibilitaram o surgimento e o

adensamento destas organizações.

Em principio, devemos considerar que a abertura para a inserção deste ator na

composição atual do sistema de governabilidade mundial nos leva necessariamente à

constatação da emergência de uma sociedade civil globalizada organizada que evoluiu em

paralelo à decadência de outros atores então tradicionais, tais como sindicatos, partidos

políticos e movimentos sociais de características diversas.

Em segundo lugar, temos que a internacionalização e a globalização dos processos

econômicos e políticos e a universalização dos direitos fez com que algumas demandas da

esfera doméstica fossem direcionadas para a esfera transnacional. Os indivíduos e grupos

sociais em nível local fazem contatos e conexões fora do espaço governamental local para a

solução de seus problemas.

Em paralelo, a existência de um déficit nos canais de participação domésticos criou

uma brecha para os grupos domésticos de pressão elevarem a suas demandas ao nível global,

na esperança de, quando aglutinadas a outras associações da sociedade civil, poderem

efetivamente compor uma agenda com influência nas decisões em nível local 18.

18 Keck e Sikkink, 1998

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21

Esta ampliação de demandas individuais em nível local, elevadas à condição de

problemáticas globais, massificou outras demandas individuais existentes em outros pontos do

globo. Para ilustrar, temos a violação dos direitos humanos por parte dos governos, temática

que destacou os canais internacionais como uma possibilidade para que os indivíduos ou

grupos possam proteger os seus direitos.

Por outro lado, o adensamento das arenas internacionais - conferências internacionais,

organizações e regimes internacionais e regionais - criou espaços de articulação e de atuação

destas organizações que as aproximou das organizações intergovernamentais. A expansão e

diversificação das agendas internacionais se deu após a guerra fria, delimitando espaços

especializados para que as organizações não governamentais pudessem atuar: nos direitos

humanos, no meio ambiente, no desenvolvimento humano, entre outras, auxiliando na

configuração de novos padrões de ação coletiva muito mais vinculados a critérios territoriais e

temáticos19.

A criação de um grande número de agencias das Nações Unidas para atender as

demandas temáticas possibilitou o crescimento de ONGs que tivessem capacidade para atuar,

perante estas agencias, como coordenadoras e executoras de ações nas mais diversas áreas de

interesse. Esta aproximação fez proliferar a percepção de que havia questões circunscritas à

atuação da OI, direitos humanos, problemas sociais e relacionados ao meio ambiente, dentre

outros, que tinham um caráter universal.

O conjunto de seu relacionamento com entidades internacionais e agências de

cooperação não governamental, abriu novas possibilidades para a ação política dessas

organizações e inserir-se na denominada sociedade civil global.

A incorporação de novos temas (comércio, finanças, direitos da mulher,

desenvolvimento sustentável, et cetera) na esfera internacional possibilitou que as ONGs

passassem de organizações pautadas pelo assistencialismo e ajuda humanitária para

organizações que acumulam funções executiva e supervisoras de programas no âmbito global.

Desta forma, o tecido de organizações não governamentais transnacionais acabou por

ocupar um espaço cada vez mais especializado, tanto em suas temáticas assim como nos

19 Dupas, 2005

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22

instrumentos de que se vale para atingir seus objetivos. Ao mesmo tempo dinamizou outros

atores coletivos da esfera nacional e internacional, tentando mobilizar a opinião pública

internacional mediante a problematização de questões específicas elevadas à categoria de

interesses globais.

1.5. A década das Conferências

As conferências das Nações Unidas na década de noventa possibilitaram o debate

sobre a influência das ONGs perante as organizações internacionais e os governos nacionais.

Antes, vistas como organizações de trabalho humanitário, passaram a gerenciar problemáticas

- algumas novas e outras antigas - em escala global, pressionando governos, empresas trans e

multinacionais e organizações internacionais governamentais.

Vale destacar que as primeiras organizações não governamentais transnacionais foram

criadas na primeira metade do século XX, à exceção da Cruz Vermelha Internacional e a

Associação dos Homens Trabalhadores – gérmen da Organização Internacional do Trabalho,

que remontam à segunda metade do século XIX 20. Trezentas organizações não

governamentais surgiram entre 1919 e 1929, alcançando o número de setecentas em 1939.

Durante a década dos noventa, o número de organizações não governamentais transnacionais

registradas na Union of International Associations cresceu de 10.292 para 13.206. Estima-se

que atualmente seu número alcance 70 mil.

É a partir de 1945 que as ONG´s começam a ter visibilidade, o que é devido à sua

participação atuante nas Nações Unidas, que lhes concedeu o direito de voz. A participação

destas está vinculada e garantida pelo artigo 71da Carta das Nações Unidas, alterado em 1996.

“ A própria fórmula que abre a Carta das Nações Unidas – nós os povos – foi resultado da

participação de ONGs na Convenção de São Francisco”( VIEIRA, 2005 p. 115).

Sem querer restringir-nos a essas duas conferências, temos também o impacto que

tiveram a Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, em 1994; a Conferência

20 A mais antiga registrada pela União das Associações Internacionais é a Sociedade Anti-Escravista para a proteção dos Direitos Humanos, criada em 1839

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23

Regional Latino-americana y do Caribe sobre População e Desenvolvimento; e nos fóruns

mundiais subseqüentes organizados pela ONU, em especial a Conferência Mundial sobre a

Mulher em Pequim (1995), a Conferência para o Habitat em Istambul (1996), e para a

Conferência contra o Racismo em Durban (2001). Esses cenários institucionalizados

fortaleceram a participação das ONGs e a formação de redes da sociedade civil21

A ascensão destas forças sociais transnacionais constitui um tipo novo e diferente de

política. A idéia de política cívica mundial significa que, enraizada nas atividades de grupos

transnacionais, encontra-se um entendimento de que os Estados não detêm o monopólio dos

instrumentos que governam os negócios humanos e que existem formas não estatais de

governança que podem ser usadas para efetuar mudanças em larga escala22

Precursora do ciclo de conferências temáticas da ONU, a ECO Rio-92 representou um

momento importante para as relações internacionais, e foi crucial para a definição das formas

de participação dos movimentos sociais globais, especificamente das ONG´s . Ainda, criou-

se um espaço maior para a inclusão de outros atores e verificou-se a importância destas

conferencias para a ação destes23

Em paralelo, a presença em assuntos regionais e em determinados países fez com que

estas ONGs mantivessem contato mais próximo com as problemáticas existentes nestes

cenários, possibilitando agregar grupos ou ONGs nacionais para a realização de seus

trabalhos. Embora, em muitos casos, suas atuações resultassem antagônicas em relação aos

Estados, que se sentem alvo de ingerência, exemplos mais expressivos podem se dar no caso

das ONGs mais combativas, como as de direitos humanos e meio ambiente.

A grande maioria das Organizações não governamentais originou-se nos paises

desenvolvidos e, embora estejam baseadas hoje nestes países, principalmente na Europa e nos

Estados Unidos, promoveram uma dispersão geográfica de seus escritórios e filiais, com a

finalidade de suprir a necessidade de foco na diversidade de temáticas com as quais se

depararam nos mais diversos paises e culturas. Muitas delas, especialmente as dos Estados

Unidos e da Europa, recebem grandes fluxos de recursos, o que possibilita sua atuação em

distintas áreas, tais como o Greenpeace, Human Rigth Wachts, Oxfam, Anistia Internacional,

21 Ilse Scherer-Warren, 2002. 22 Wapner, 1996 23 Nogueira Pontes, 2003

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24

Save of Childrem. Muitas destas ONGs dependem dos recursos financeiros das fundações e

de doações de seus membros; por outro lado, muitas delas dependem de recursos de governos

estatais para sustentar seus trabalhos, e adquirem estes recursos com a execução de projetos

públicos.

Vale destacar que muitas ONG dependem dos fundos estrangeiros. Estes constituem

90% dos recursos que sustentam estas organizações. Entre 1973 e 1993, aproximadamente a

metade dos recursos das ONGs dedicadas à defesa dos direitos humanos vieram de fundações

dos EUA, a maior parte da Fundação Ford24.

Assim, as organizações não governamentais transnacionais com bases descentralizadas

e mantendo a proximidade com as respectivas sedes, auxiliaram na obtenção de maiores

fontes de recursos, e por outro lado, maior capacidade de influenciar as agendas

internacionais.

1.6. Tipologia das ONGs transnacionais

Para efeitos de nosso estudo, nos interessa trabalhar com a tipologia que classifica as

ONGs em termos de estratégia de atuação e que está diretamente relacionada às arenas de

atuação às quais seu trabalho está direcionado. No primeiro tipo, temos as organizações não

governamentais que concentram seu trabalho principalmente na colaboração com os Estados e

as Organizações Internacionais para realizar trabalhos humanitários e projetos de

desenvolvimento, ou prestando serviços assistenciais. No segundo tipo, temos aquelas

denominadas, por alguns autores, conscientizadoras e/ou formadoras de opinião, que centram

sua atuação na possibilidade de mudar políticas específicas, como é o caso da Anistia

Internacional e da Human Rights Wacht. Estas ONGs defendem uma plataforma,

intercambiam informações e conhecimentos com outros atores transnacionais, e promovem

interesses de grupos específicos.

Essa classificação por estratégias de atuação é particularmente pormenorizada por

David Horton Smith25, que examina ONGs segundo vários critérios funcionais. Para o autor, a

segunda tipologia chama a atenção pelo fato de “tratarem com sigilo o processo de definição

24 Sikkink, 2002 25 In: Tavares,1999

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25

de suas atividades e metas e os esquemas de apóio financeiro de que se beneficiam sem

revelar, em muitos casos, sua composição” (TAVARES, 2002, pág. 25).

Voltando à primeira tipologia, as assistencialistas - por exemplo, Médicos sem

Fronteira, Save the Childrem e Oxfam - atuam como fornecedoras de serviços aos Estados na

execução de projetos. Atuam geralmente respondendo a ações emergenciais para a

sobrevivência de migrantes, refugiados, seca e outras vitimas de desastres naturais. Sua

atuação tem uma dimensão de solidariedade que provem de relações contratais com os países

e organizações intergovernamentais. Pode-se dizer que estas são complementares à ação

institucional dos Estados e, na opinião de vários analistas, possuem maior capacidade para

angariar fundos a serem aplicados em lugares onde a ajuda humanitária é necessária.

As outras, as formadoras de opinião e concientizadoras, são objeto de polêmicas

porque seus trabalhos estão direcionados a questionar a atuação dos governos, das

organizações internacionais e das empresas multinacionais. Valem-se da colaboração com as

demais coletividades interestatais para o monitoramento do cumprimento de normas

internacionais, funções nas quais se tornam eficazes.

Os principais atributos da atuação das ONGs podem assim ser considerados, do ponto

de vista de suas capacidades: mobilização da opinião pública mundial, foco de atuação em

poucos ou um só assunto, alta mobilização de seus membros, na sua maioria voluntários,

ampla captação de recursos financeiros e utilização extensiva de informação de alto nível (as

ONGS possuem, em muitos casos, uma maior compreensão de determinado assunto do que os

diplomatas) e de comunidades científicas especializadas ( comunidades epistêmicas).

Devemos ressaltar que o ciclo de conferências das Nações Unidas na década dos

noventa resultaram no desenvolvimento de ONGs transnacionais conscientizadoras devido à

ampliação do debate em torno de temas sociais, ambientais e de desenvolvimento, o que

ocorreu em paralelo à abertura de espaços para a participação das ONGs nos processos

normativos das organizações internacionais. Apesar da eficácia relativa, as conferências da

ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento (Rio, 1992), direitos humanos (Viena, 1993),

população (Cairo, 1994), desenvolvimento social (Copenhague, 1995), mulheres (Beijing,

1995) e habitat (Istambul, 1996) representaram uma verdadeira escola de aprendizagem e luta

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26

que transformou essas associações transnacionais de direitos humanos, ecologia, gênero,

desenvolvimento etc. em atores políticos globais. Hoje, organizações como Anistia

Internacional ou Greenpeace, por exemplo, têm mais poder no cenário internacional do que a

maioria dos Estados-membros da sociedade internacional.

O envolvimento das organizações não governamentais internacionais com as

organizações internacionais governamentais refere-se à colaboração em vários níveis: na

formulação de normas, na implementação de políticas globais ou em assuntos locais e no

monitoramento de situações locais nos estados membros destas organizações. Salientamos

que colaboração entre estes se dá, a priori, na base da cooperação internacional, tal como

disposto no artigo 7 da Carta das Nações Unidas.26

Nos dois primeiros dois níveis, as Ongs podem participar como observadoras nos

órgãos normativos das Organizações Internacionais e perante as Conferências Internacionais

da ONU, onde podem fazer declarações ou recomendações a estes órgãos. Num papel mais

ativo, auxiliam na implementação de decisões acordadas nas conferências27.

Embora a participação nos processos decisórios constitua mais uma prática informal

do que formal, várias propostas das ONGs foram incorporadas aos trabalhos das Assembléia e

do Conselho da ONU e da Liga das Nações, como por exemplo o tema dos direitos das

minorias e crianças, no qual a ONG Save de Childrem colaborou na redação da Declaração

dos Direitos da Criança28.

No terceiro nível de participação e monitoramento, as Ongs colaboram com as

organizações internacionais e agências funcionais do sistema da Nações Unidas, auxiliando ao

mesmo tempo no fornecimento de informações e na elaboração relatórios detalhados sobre

situações específicas.

A participação consultiva nos processos decisórios destas organizações está limitada

ao status consultivo que estas organizações possuem dentro das Nações Unidas. Existem três

diferentes tipos de status definidos pelo ECOSOC: o geral, o especial e o de listagem. O

primeiro é concedido às grandes ONGs, que possuem um escopo de atuação abrangente,

26 Neste artigo é atribuído ao ECOSOC o poder para se entender com as ONGs em caráter de consulta quando estiverem dentro da competência deste órgão. . 27 Como foi o caso do documento final da Eco92 no Rio de Janeiro. 28 Herz e Hoffmann, 2004.

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27

como por exemplo a Legião da Boa Vontade. Este status confere a estas organizações a

possibilidade de consultar funcionários do Secretariado da ONU, propor temas no comitê das

ONGs e pronunciar-se oralmente em reuniões das comissões temáticas. O segundo status é

concedido as ONGs internacionais especializadas em um assunto e que sejam de grande porte.

Por possuírem conhecimento especializado em uma área específica elas se aproximam

das Ongs de status geral sem direito a propor temas na agenda. As Ongs menores e com

interesses bem localizados e sazonais são as que possuem status de listagem, porém possuem

os mesmos direitos das de status especial, como exemplo, temos a IBASE.29

1.7 . As Redes transnacionais de defesa

Por considerar que as organizações não governamentais transnacionais são

instrumentos da ação das redes transnacionais de defesa de direitos humanos é que dedicamos

este capítulo para descrever brevemente o que são estas redes. Com a intenção de explorar

melhor esta definição, relevante, para entendermos as formas de atuação das Ongs

transnacionais é que nos valeremos de uma descrição do próprio conceito de rede.

Para Castells30 o conceito de rede está associado a um conjunto de nós interconectados

que não possui um centro e que, pela sua lógica binária de processos de inclusão e exclusão,

alguns destes nós poderão ser excluídos da rede quando não estiverem executando uma ação

útil em decorrência de esta ação faltante ser necessária para o funcionamento da rede. Desta

definição devemos destacar que nas redes, a priori, cada nodal precisa de outro nodal; em

outras palavras, não há situações de dominação sistêmicas. Desta forma, quanto mais elas se

articulam, mais trocam informações entre si, fortalecendo-se, multiplicando-se e dando

origem a novas redes.

As redes de defesa transnacional (transnational advocacy networks) podem ser

definidas como redes estratégicas que conectam as ações locais com as ações globais. Estas

redes são constituídas por organizações não governamentais locais e transnacionais31.

29 Idem. 30 Castells in: Abong, 2000 31 Abong, 2002

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28

No caso específico das ONGs transnacionais, as redes pela qual fluem recursos, idéias

e relações de poder, a articulação em rede aumenta seu potencial de enpowerment32,

conectando grupos locais, regionais e internacionais em torno de uma temática, a fim de

ampliar os canais de participação e fortalecer sua atuação.

Desta forma, para as ONGs transnacionais, a atuação em rede tem um papel

estratégico enquanto elemento que organiza as informações, articula os contatos em nível

local e internacional e desenvolve as ações públicas com maior efetividade e legitimidade. Em

muitas áreas, as ONGS vêm adquirindo uma significativa autoridade como ator transnacional.

Na arena dos Direitos Humanos, a Anistia Internacional é uma das ONGs mais ativas e que

conseguem influenciar governos na aplicação dos princípios de direitos humanos em situações

determinadas.

Como exemplo temos as redes de anti-autoritarismo latino-americanas, que se

organizaram na década dos anos 60 e que originaram um movimento latino-americano pró-

democratização e de defesa dos direitos humanos. Posteriormente, veja-se o caso do

movimento dos zapatistas no México que por meio eletrônico conseguiram veicular

mensagens para mobilizar a opinião pública mundial perante a ofensiva do exercito

mexicano.33

É importante destacarmos que nem sempre as redes são benéficas, elas podem ser de

natureza não virtuosa (segundo os valores ocidentais), como é o caso das redes terroristas. Por

esta razão, as redes de defesa - como no caso direitos humanos - devem ser transparentes,

visíveis publicamente e difusoras de informações.

Nessa asserção, devemos pensar que as redes de defesa de direitos humanos e outras

redes construídas sobre projetos específicos de temas como ecologia, feminismo, etc,

contribuem para a construção de pontes de comunicação para outras redes das sociedades. Seu

poder principal se concretiza na difusão de fluxos instrumentais (Internet e meios de

comunicação eletrônicos) constituindo-se em redes comunicacionais e simbólicas que

possuem como objetivo erguer redes de solidariedade em torno de um assunto, baseadas

principalmente nas intersubjetividades coletivas 34:

32 Se tornar poderosas 33 Idem. 34 Ilse Scherer-Warren , 2002.

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29

A este respeito os trabalhos de Rise, Ropp e Sikkink procuram formular um modelo

para explicar a maneira pela qual as normas do direito internacional dos direitos humanos se

constituem dentro de cada Estado nacional; um modelo que leva em conta as interações entre

os Estados, o ambiente internacional, por um lado, e os agentes políticos internos, por outro.

Segundo os autores, “a difusão das normas internacionais depende do estabelecimento e da

sustentação de redes entre agentes domésticos e transnacionais. Isso é importante no sentido

de estabelecer ligações com os regimes internacionais, assim como alertar a opinião pública e

os governos dos países ocidentais, condições necessárias para a mudança na área dos direitos

humanos. Nesse contexto, a violação dos direitos é, de alguma forma, mais controlada, já que

as redes transnacionais apóiam e legitimam os grupos de oposição no interior de Estados,

cujos governos são violadores de normas, pressionando-os sob todos os ângulos. Esse

processo é chamado de socialização, em que atuam três tipos de mecanismos: adaptação

instrumental e barganha estratégica; criação de consciência moral, argumentação, diálogo e

persuasão; institucionalização e habitualização. A partir dessas bases, os autores desenvolvem

uma teoria que denominam modelo espiral: socialização das normas de direitos humanos no

Direito interno dos países” (RISSE, ROPP E SIKKINK, 1999, pp. 5-6).

Cabe destacar que, a partir dos anos 90, as redes começam trabalhar na construção de

redes intertemáticas, contribuindo para fortalecer o intercruzamento de valores entre distintas

redes. Desta forma, passamos às parcerias inter-redes que, no caso das redes de direitos

humanos é extremamente benéfico no sentido de que preocupações de defesa de direitos

humanos transbordam para outros âmbitos como meio ambiente, direitos laborais, passando as

redes a se inserirem em associações de outra natureza.

As redes utilizam a arena internacional como um estágio ou espelho para o

comportamento, monitoramento e controle dos Estados e organizações internacionais

elevando–os ao plano global de julgamento sobre seus comportamentos35. È o caso do

movimento em rede que gerou o tratado para a eliminação das minas terrestres no ano de

1996: configurou-se uma coligação de organizações em rede trabalhando junto aos governos

de países, pessoas de destaque político e indivíduos de outras áreas, de forma a atrair a

atenção da opinião pública mundial no sentido de influenciar na montagem da agenda dos

Estados.36 As agendas das conferencias internacionais viram-se influenciadas pelas pela

35 Kahagram, Riker, Sikkink,2001. 36 Idem.

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30

relação recíproca entre as agendas individuais representadas pelas ONGS e as agendas dos

Estados.

Outro tipo de rede transnacional que complementa inclusive o trabalho das redes

compostas por organizações não governamentais são as redes formadas por comunidades de

pesquisadores temáticos (comunidades epistêmicas), que fazem o vinculo entre o

conhecimento e a informação, tornando-se especialistas em assuntos essenciais para formar

coalizões nos processos de negociação entre as Ongs e os Estados. Segundo Nye37 , ao

gerarem conhecimento, as comunidades epistêmicas podem proporcionar a base para uma

cooperação efetiva entre os governos e os governos e as ONGs.

Autores como Dupas38, destacam que as redes transnacionais de atores sociais

constituem, na atualidade, um dos recursos essenciais de poder, viabilizando as melhores

estratégias de opinião pública e provocando que os estados e diferentes atores da comunidade

internacional se digladiando entre si e ao mesmo tempo articulando coalizões, confrontos e

provocações. Elas possuem um poder de legitimação e deslegitimação.

No caso das ONGS de direitos humanos, a Anistia Internacional e a Human Rights

Wacht provêem novos canais de ação e formas independentes de diplomacia não-

governamental através das redes transnacionais de atuação39

Em síntese, as redes se configuram como redes sociais complexas que conectam, de

maneira simbólica, cooperativa e estratégica, diferentes atores e sujeitos, coletivos ou locais,

num processo dialético de identificação coletiva com valores comuns, sejam estes de

identidades sociais, éticas, culturais e político-ideológicas, a um processo de intercâmbios,

negociações e de resistências aos adversários.

37 Nye, 2000 38 Dupas, 2005 39 Sikkink, 2001.

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31

CAPITULO II. ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO

GOVERNAMENTAIS TRANSNACIONAIS: CONSIDERAÇÕES SOBRE

O CONSENSO E A INFLUÊNCIA

Antes de analisarmos as formas de atuação das organizações não governamentais

transnacionais, devemos considerar que a maioria delas trabalha sob o pressuposto da

cooperação internacional, utilizando exaustivamente a negociação, a criação de consensos e a

influência. Estes aspectos serão tratados mais detalhadamente ao longo deste capitulo.

Existem duas condições essenciais para que as organizações não governamentais

transnacionais possam operar nos diferentes planos da sociedade internacional: a neutralidade

e a autonomia. A primeira diz respeito à dissociação dos objetivos destas organizações

perante os interesses do Estado; a segunda diz respeito à capacidade de influenciar as arenas

inter-governamentais, mediante demonstração de expertise em temáticas definidas - o que

lhes confere certa autonomia de ação.

Para a maioria dos autores, as organizações não governamentais transnacionais

baseiam sua atuação principalmente no grande volume de informações que elas conseguem

reunir em torno de um assunto ou temática. Visto que as ONGs centram seu trabalho no

monitoramento e acompanhamento do cumprimento das normas internacionais por parte dos

Estados, tentando lhes demonstrar que o não cumprimento e desrespeito das normas pode

acarretar conseqüências para eles, a base de sua atuação, esta mais próxima de sua

capacidade na utilização eficaz e estratégica dum grande volume de informações.

Outro mecanismo de atuação das organizações não governamentais transnacionais é

aglutinar interesses individuais no nível local ou regional, de tal forma que ganhem força para

pressionar Estados, organizações internacionais e empresas multinacionais a mudarem o

comportamento em determinados assuntos de ordem societal. Para isso, realizam parcerias

com organizações não governamentais locais e outros grupos organizados da sociedade civil,

com o objetivo de reunir informações fidedignas para compor seus relatórios e comunicados.

Uma vez próximos aos agentes locais no território dos Estados para a obtenção de

informações, as organizações não governamentais conseguem aglutinar interesses individuais

locais e de grupos da sociedade civil. Ainda, essa aproximação contribui para as organizações

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32

não governamentais empoderar seus objetivos de elevar problemáticas a uma condição global

e criar assuntos que possam compor a sua influência nas agendas de política global.

Uma das principais armas ou instrumentos de atuação das ONGs é a capacidade que

estas organizações possuem de influenciar as mídias e a sociedade mediante campanhas,

agregando consensos em torno da criação de novas normas e leis. Com força de persuasão e

alta visibilidade das problemáticas se revelam em muitas situações atores com influencia, da

mesma maneira que grupos políticos e movimentos sociais o fazem 40.

Segundo Dupas41 e Villa42, pretendem com a sua atuação, ao mesmo tempo,

reconstruir antigos valores elevando-se, no plano internacional a “superioridades morais” e

influenciando nas demandas, em algumas situações, aos sistemas normativos nacionais..

Note-se que nas palavras Habermas43, para os atores não estatais como as ONGs, a

qualidade das informações e o discurso não são apenas um instrumento de ação política e sim

a própria ação política. Para estas organizações, a colocação dos fatos na mídia, legitimados

pelas informações elaboradas sobre a base de relatórios e diagnósticos contribui para que as

informações se constituam em instrumentos eficazes para a ação política perante a opinião

pública mundial.

Como mencionamos no capitulo anterior, as organizações não governamentais

transnacionais têm direcionado sua atuação, constituindo, em muitos casos, redes de defesa

transnacional, alianças e coalizões para a elaboração de campanhas públicas e a educacionais

sobre os assuntos que eles defendem .

É importante salientar que a competição por recursos entre as organizações não

governamentais transnacionais muitas vezes se reflete na escolha interna de programas e

prioridades dos trabalhos e das formas de atuação destas. Para demonstrar e agregar

legitimidade em sua ação, os seus trabalhos precisam ter impacto nas políticas e práticas dos

Estados e - por conseqüência-, na vida das pessoas. Por outro lado, para se constituírem

legitimas, precisam demonstrar que o seu trabalho tende à permanência, ou seja, a

40 Ver, Keck e Sikkink, 1998 41 Dupas, 2005. 42 Villa, 1999. 43 Habermas, teoria da ação comunicativa.

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33

continuação de seu trabalho é uma dos requisitos de sua credibilidade e legitimidade como

ator transnacional.

2.1 . O consenso e a influência

Os termos “Consenso” e “Influência” encontram-se hoje extremamente relacionados

entre si e constituem os parâmetros definidores da ação das organizações transnacionais.

Partindo do pressuposto de que as ONGs transnacionais não precisam “reproduzir

formas domésticas de autoridade para poder influenciar os processos de decisão, formulação e

monitoramento de políticas internacionais, elas orientam sua ação para a criação de consensos

em torno do conteúdo de sua atuação” ( VILLA, 1999, pág 62).

Definimos consenso à forma pela qual os valores e idéias são compartilhados e

valorados pelos indivíduos. O trabalho das organizações não governamentais transnacionais

em torno da construção de consensos provê resultados mais consistentes e efetivos porque

estes são apoiados no esforço e concordância do grupo e/ou das comunidades.

A atuação das ONGs na criação de consensos coloca-as como incentivadoras de novos

paradigmas nas sociedades nacionais. Constituem-se mais como instrumentos de pressão na

classe política e na opinião pública e menos como agentes políticos plenos de uma sociedade.

No plano das relações globais, a sua atuação representa novos paradigmas de análise para as

abordagens tradicionais das Relações Internacionais44.

O consenso tem como elemento subjacente uma comunidade de interesses e uma

reciprocidade de expectativas entre os indivíduos que tornam o discurso institucional das

ONGs inteligível, visando o cidadão comum como seu principal receptor e protagonista.

Como o objetivo principal do consenso é refletir a identidade e contribuição de todos os

membros, os resultados se concretizam nas formas de opiniões, propostas de ação, resoluções

e comunicados. Como os resultados não estão refletidos em acordos, o encorajamento para

criar formas criativas de manifestação do consenso é amplo.

44 Dupas, 2005.

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34

Utilizando o conceito gramsciano de hegemonia45, podemos dizer que o consenso se

manifesta como a “direção intelectual e moral” de um grupo social. Segundo Gramsci, a

supremacia de um grupo social se manifesta ou pelo domínio - ao que cabe a coação e a

utilização da força - ou pelo consenso, que são os meios pacíficos de dominação. Para

Gramsci, é possível separar ambas manifestações de hegemonia, sendo que no caso do

consenso é plausível agregar um maior numero de núcleos de interesse numa sociedade.

No dizer de Habermas, os consensos conseguem agrupar a diversidade e se expressam

nos campos cultural e comunicacional. Para ele, a figura do consenso emerge como conceito

intimamente ligado à possibilidade de assegurar a coesão social em face da fragmentação do

mundo globalizado. Para Habermas, é possível que o consenso ganhe uma dimensão

normativa a partir duma ausência de coerção e do estabelecimento de condições igualitárias

para o debate e para a comunicação pública entre os diferentes agentes sociais.

Devemos considerar que as redes transnacionais de defesa são elementos constitutivos

importantes para a construção de consensos, no qual todas as partes contribuem e cada um dos

nodais da rede é valorizado igualitariamente como um nodal que tem a contribuir na direção

da construção ao consenso:

“Já que o consenso será algo diferente da soma das contribuições

individuais, ainda assim a contribuição de cada membro pode ser conhecida

em alguma medida no resultado. O resultado não pode ser pré-determinado;

ao contrário, ele se desenvolve a partir do próprio processo de interação”

Enfim, é possível dizer que as ONGs pretendem promover e representar esses

consensos entre diferentes agentes da sociedade, e não lidar com interesses individuais. Além

disso, a construção de acordos no seio da comunidade sob uma dinâmica diferente, constituída

principalmente pelos valores de identidade e pela afirmação, realiza-se mediante a geração de

45 Para Gramsci o conceito de hegemonia se contrapõe, à idéia de "dominação". O que estabelece uma hegemonia é um complexo sistema de relações e de mediações, ou seja, uma completa capacidade de direção in: Cadernos do cárcere: edição brasileira,(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999-2002.

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35

consensos, criando novas solidariedades e garantindo com isso uma espécie de superioridade

moral da nova sociedade civil46.

No caso, a influência acontece em paralelo ao consenso já que, sendo a construção de

consensos um dos principais objetivos da atuação das ONGs, a influência seria a capacidade

de intervir nas mídias e na sociedade internacional mediante campanhas, comunicados,

manifestações públicas, resoluções e lobbys, articulando assim o processo de formação de

consensos .

No caso específico da temática dos direitos humanos, a influencia se constrói por um

processo simultâneo de agregação de consensos em torno da criação de novas normas e leis e,

ao mesmo tempo, pela reconstrução de valores e “superioridades morais” dentro da sociedade

internacional, apresentando algumas demandas aos sistemas normativos nacionais. Deste

modo, a influência adquire um caráter diferente, consistente “a capacidade de determinar

resultados independentemente das estruturas formais de autoridade”( VILLA, 1999, pág 62).

Para Villa47, um ator tem influência quando carece de meios de coerção mas se vale de

meios consensuais para atingir o objetivo de obediência nas vontades alheias. As ONGs se

interessam por orientar sua ação de forma a criar consensos em torno de sua atuação e dos

assuntos que defendem.

Desta forma, podemos dizer que é a formação de consenso a chave para entendermos

como as organizações não governamentais transnacionais influenciam nos diferentes planos

da sociedade internacional.

A globalidade do tema dos direitos humanos pressupõe que os arranjos institucionais

dos Estados nem sempre sejam suficientes e, por conseqüência, precisem da colaboração de

outros atores não estatais. Isto é, a natureza descentralizada dos direitos humanos faz com que

seu controle independa da ação unicamente do Estado. Desta forma, o acesso à influência

destes atores acaba se definindo pela própria dinâmica de consenso em torno dos processos de

direitos humanos.

46 Dupas, 2005. 47 Villa, 1999.

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36

Portanto, é a categoria “influência”, definida como a construção de consensos em

torno de uma ação, que permite medir e explicar o alcance efetivo da ação das organizações

não governamentais transnacionais.

As organizações não governamentais atuam e exercem influência em processos

transnacionais relacionados à defesa dos direitos humanos, atuando em vários planos, no

plano interestatal principalmente , no plano supranacional e no plano transnacional.

2.2. Arenas de Influencia das Organizações não Governamentais

Transnacionais

Além de exercer influência para mudar as políticas oficiais dos dois principais planos,

elas possuem um poder de iniciativa que ultrapassa a interação com estes planos na direção de

execução de ações efetivas no nível transnacional para atingir o primeiro plano de atuação, os

Estados e os organismos intergovernamentais. Temos como exemplo, a coalizão que

formaram grandes ONGTs, Human Rights Wacht, Anistia Internacional, Internacional

Federation Terre des Hommes, International Save the Childre e Jesuit Refugee Service

constituindo uma Campanha Internacional para eliminar a participação de crianças nos

combates – “The Coalition to Stop the use of Chid Soldiers”48 – e a Coalizão contra a pena de

morte49 - esta reúne as organizações nacionais e internacionais de direitos humanos, colégios

de advogados, sindicatos e autoridades locais e regionais num esforço por banir a pena de

morte no mundo inteiro. Desta forma as estas organizações acabam por se inserir no plano

estritamente societal.

No plano estritamente interestatal, a influência pode estar direcionada a um só Estado,

como nestes casos a seguir:

48 Campanha para denunciar e propor ações de governos e das OI para deter a utilização de meio milhão de crianças menores de 18 anos recrutadas nas forças armadas governamentais, grupos paramilitares, milícias civis e grupos armados não estatais em mais de oitenta e cinco paises. 49Criada em 2002 em Roma. a partir da Declaração final do 1º. Congresso Mundial em 2001contra a pena de morte organizado em Estraburgo. É composta por 45 ONGs, escritório de advogados, coletividades locais e sindicatos .

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37

• O caso da HRW sobre a tortura na prisão de Abu Ghraib, acerca do qual o relatório de

2005 50 revitalizou a discussão no congresso dos Estados Unidos para deter o abuso

verificados nas prisões, por parte de militares dos Estados Unidos. Dois dias depois de

publicado o relatório, o Senador Jonh McCain deu inicio a um comitê para investigar

os abusos cometidos pelos soldados e pressionou o governo para propor uma lei

afirmando aos militares a obrigação de se abster de torturas e outros abusos, bem

como a punição para os que cometerem estes delitos.

• Foi o que aconteceu também com o caso dos oitos indígenas Chilenos, mapuches,

acusados pelo governo chilenos de formar uma associação ilegal para cometer atos de

terrorismo com a finalidade de resolver conflitos de terra em favor das comunidades

mapuches. A partir de um relatório da HRW em 2004 51, constatou-se que nenhum dos

crimes era uma ameaça direta contra a vida e que, no ato da acusação, foram utilizadas

seis testemunhas denominadas “testemunhas sem rostro”, cuja identidade não foi

revelada aos acusados e a seus advogados de defesa. Neste informe, a Human Rights

Watch descreveu a utilização de testemunhas sem rosto como uma violação das

normas garantidas pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. No informe,

declarou ainda que a aplicação das leis antiterroristas a delitos comuns é injustificada e

desmedida e que nunca devem ser aplicadas a delitos de menos gravidade. Em

novembro de 2004, os oito “mapuches” foram absolvidos, com a conclusão de que as

provas de acusação foram fracas para sustentar a tese de que se tratava de atos de

associação ilícita de terror.

No primeiro caso, observamos que as ações da HRW foram direcionadas no

questionamento da política dos Estados Unidos nos casos de violações às normas de guerra.

É importante ressaltar que as organizações não governamentais em geral – e, neste caso, a

HRW - possuem grande habilidade para multiplicar os fatos e criar vínculos com outros

temas.

50 HRW. Report: “Getting Away with Torture? : Command Responsability for the U.S. Abuse of Detainees”, 2005. http//www.hrw.org. 51 HRW. Report: “Indebido Proceso: los juicios antiterroristas, los tribunales militares y los Mapuche en el sur de Chile, 2004 .http//www.hrw.org.

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38

No plano interestatal, não devemos desconsiderar a grande participação das

organizações não governamentais nas conferências globais das Nações Unidas, nas quais se

fazem presentes mediante fóruns paralelos, consultorias de delegações oficiais e como

observadores. Vale destacar que na Conferência de Viena sobre direitos humanos

participaram cerca de duas mil organizações não governamentais.

Perante as organizações Internacionais tais como a ONU e OEA, Conselho da Europa

e devido ao acúmulo de experiência e conhecimento nos temas, e ao grau de neutralidade

perante os Estados, elas conseguem influenciar a criação de normas internacionais, utilizando

vários canais de influencia. Pela falta de peritos em temáticas definidas na ONU, as ONGS

conseguem influenciar posições, fornecendo conhecimentos fidedignos para a elaboração de

relatórios e posições de governos dentro da ONU (CLARK, 1995). A sua relação com este

plano da sociedade internacional não se restringe unicamente a estes aspectos; a maioria das

grandes ONG transnacionais maneja grandes quantias de recursos, que são fornecidas pelas

agências das Nações Unidas, para a execução de projetos.

Deste modo, tornou quase inviável pensar em ações unilaterais dos Estados na defesa

dos direitos humanos, procurando-se respostas globais. Outros assuntos de escopo

transnacional como fome, imigração e meio ambiente tem impacto na segurança e o status dos

Estados.

No plano supranacional a influência das ONGs se dá mediante articulação de ações

em conjunto com os diferentes subsistemas institucionais do espaço internacional de proteção

dos direitos humanos, por exemplo a Corte Internacional de Haia, A Corte Penal Internacional

ou a Corte Interamerica de direitos humanos. Por exemplo, um dos principais mecanismos da

HRW é colaborar com organizações não governamentais locais no encaminhamento de

petições à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, inclusive estando ela mesma

habilitada a conduzir estas petições. A maioria das ONGS transnacionais que tem por objeto

social a defesa dos direitos humanos incrementa sua ação e influência na formulação de

agendas na arena inter-governamental, sendo esta arena o ponto central para o qual é

direcionada sua ação, possibilitando canais de acesso a atores domésticos para pressionar em

assuntos da agenda global (CLARK, 1995), sem desconsiderar que os atores domésticos

auxiliam, as ONGS provendo-as com informações valiosas para com seus objetivos.

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O exercício da influência na arena da sociedade civil transnacional envolve, em muitos

casos, disputas entre diferentes os atores deste plano: estes podem ser as empresas

multinacionais em confronto com a organizações não governamentais; ou a constituição de

redes e coalizões entre diferentes Ongs para fortalecer o poder de mobilização e incrementar a

troca de informações entre elas.

No primeiro aspecto, podemos citar o caso das maquilas, na Guatemala: em 2002, a

HRW declarou em relatório52 que, no setor de maquiladoras da Guatemala, verificava-se uma

discriminação às mulheres pela possibilidades destas estarem grávidas no momento da

contratação. A maioria das empresas maquiladoras de confecção com sede na Guatemala

prestam serviços à empresas de origem norteamericana, e as filiais guatemaltecas obrigavam

as mulheres a revelar se estão grávidas como condição para contratação, mediante perguntas

nas solicitações emprego e exames físicos. Estas maquilas negam o acesso ao serviço social

de maternidade para aquelas mulheres que ficassem grávidas durante o emprego. No

levantamento das informações pela HRW, a maioria das empresas negaram, nas entrevistas, a

solicitação deste tipo de informações às mulheres, e muitas das empresas norteamericanas que

contratavam estas maquilas não tinham conhecimento desta prática. O efeito deste relatório

obrigou às empresas maquiladoras eliminar estes procedimentos para contratação de mulheres

.

2.3. Elementos constitutivos da influência

As organizações não governamentais transnacionais precisam ter competência para

exercer a influência e criar consensos em torno de sua atuação. A seguir relacionaremos as

mais importantes.

• Competência para agregar indivíduos e pessoas ao redor do mundo em torno de

informações confiáveis à uma ação coletiva

52 HRW, “From the household to the factory: Sex Discrimination in the Guatemalan Labor Force’, 2002

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40

Utilizando-se de recursos de propaganda, correspondências, cartas e outros meios, as

ONGs utilizam-se do poder midiático para atingir objetivos políticos. Estas possuem

competência para filtrar informações.

Como estas organizações operam transnacionalmente têm muito mais oportunidades

para organizar e propagar as suas idéias, o volume das informações, na forma de relatórios

somados aos fatos refletidos em imagens e as correspondência aos governos feitas por

cidadãos comuns disponibilizadas na Internet, tem um grande poder de socialização e podem

envolver sanções e exposição das mazelas dos Estados.

A HRW utiliza como um dos seus recursos de influência pressionar a opinião pública

mundial mediante um festival anual internacional de cinema junto com as campanhas,

reconhecendo o poder que tem para educar e conscientizar os cidadãos sobre os distintos

temas concernentes a direitos humanos, mostrando casos de histórias de ativistas e de

sobreviventes pelo mundo inteiro. No caso de Darfur, utilizou-se de uma campanha composta

por desenhos de crianças desta região do Sudão. A maioria dos desenhos refletem imagens de

guerra e genocídio. A exposição percorreu várias cidades e foi divulgada pela internet . Foi

esta a uma das formas escolhidas para sensibilizar a opinião pública mundial para o que está

acontecendo em Darfur.

Em contraposição a Anistia Internacional utiliza como ferramenta principal de sua

atuação as cartas e correspondência que cada individuo escreve. Para a Anistia Internacional

todas as cartas compõem o poder de criar uma pressão coletiva acerca dum assunto, pode ser

casos de desaparecidos ou presos políticos. Para a Anistia Internacional, cartas escritas por

pessoas comuns, preocupadas com o que está acontecendo num pais, ou de uma pessoa em

particular têm efeito sobre aqueles que querem encobrir delitos sob o anonimato. Estas cartas,

ao mesmo tempo, criam redes entre pessoas interessadas e identificadas no mesmo assunto e,

neste caso, a ação coletiva se inicia através de cartas.

Note-se que através do recurso de correspondências e cartas, estes atores ficam mais

próximos ao cotidiano dos indivíduos necessitados, auxiliando-os no processo de se

constituírem em representantes de uma consciência coletiva a respeito de um determinado

assunto

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41

O relatório da Human Rights Wacht de 200453 sobre a prisão de Abu Ghraib mostra que

as forças armadas dos Estados Unidos têm sido responsáveis por violações às normas de

guerra, utilizando fotografias da tortura e outras formas de maus tratos aos detentos da

referida prisão. Considerou-se, também, que as violações não se limitaram à prisão em si, mas

também às violações de soldados estadounidenses, que mataram combatentes indefensos do

Iraque e obrigaram civis a voltar às zonas de combate. Abusando da autoridade conferida pela

Resolução Conselho de Segurança da ONU54, estes detiveram centenas de civis iraquianos.

Estas fotografias tiveram grande impacto ao mostrar os horrores de Abu Ghraib e, segundo o

conselheiro jurídico da HRW, autor do relatório, declarou em 15 de maio de 2005 em artigo

publicado pela folha de São Paulo e em outros veículos de comunicação do mundo:

“O presidente dos EAU, George Bush, referiu-se ao caso como conduta

abominável por parte de alguns soldados americanos que desonraram nosso

país, sem consideração pelos nossos valores (...), mas agora já sabemos que

o único aspecto realmente excepcional dos horrores de Abu Ghraib foi

terem sido fotografados. Na verdade Abu Ghraib é só a ponta do iceberg

(...), na baía de Guantánamo, em Cuba relatórios do FBI testemunham

detentos acorrentados(...), esses documentos apenas vieram agravar relatos

anteriores de presos forçados, de detentos humilhados (...) .no Afeganistão,

onde ao menos nove prisioneiros morreram sob a custódia dos Estados

Unidos, os detidos tem sido severamente espancados por guardas

(...).porém mais inquietante de tudo talvez seja a idéia que os Estados

Unidos tenha, se convertido em uma nação que considera a tortura como

algo aceitável”(FOLHA DE SÃO PAULO, 2003, pág A35).

Note-se que existe uma grande habilidade destas organizações e, em especial da HRW,

para vincular fatos e condutas de um mesmo Estado a diferentes casos de violação sobre o

mesmo assunto. A HRW vinculou o tema do tratamento da prisão de Abu Ghraib aos

problemas da prisão de Guantanamo e à situação do Afeganistão. Isto confere uma maior

53 HRW. The Road to Abu Ghraib, 2004. http//www.hrw.org.

54 A Resolução 1546 do Conselho de Segurança da ONU, adotada em 8 de junho de 2004, pela qual criou-se a Força Multinacional no Iraque (Multi-National Force-Iraq, MNF-I), dispõe que a MNF-I estará autorizada a tomar todas a medidas que sejam necessárias para manter a segurança e estabilidade no Iraque.

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visibilidade e credibilidade ao tratamento dos assuntos defendidos por esta organização,

elementos também da influência.

• Competência para relacionar valores e sentimentos das coletividades aos valores da

organização: capacidade de despertar identidades intersubjetivas.

• Competência transformada em fator político

As Ongs utilizam-se do poder midiático para atingir objetivos políticos A capacidade

pra filtrar informação é cada vez mais importante. As Ongs mediante campanhas

Criação e destruição da credibilidade.

Elas tem um poder fora da noção tradicional de poder que se baseia na utilização

massiva e estratégica da informação que elas conseguem obter inclusive dentro dos

Estados.

• A constituição de um patrimônio de legitimidade (o caso das ONG´s ambientais) isto

depende da credibilidade de oferecer informações confiáveis que vão se confirmando

em longo prazo.

• Os diagnósticos sobre as situações que são monitoradas pelas ONGs auxiliam nas

análises de risco contribuindo por legitimar a ação destas organizações

• Habilidade para criar legitimidade em torno das ações que ela realiza. Por exemplo a

crescente degradação ambiental causada pelo estilo de desenvolvimento e pelos

agentes econômicos é o grande patrimônio de legitimidade de grupos como o

Greenpeace.

• Competência para resolver problemas coletivos

• Mobilização da opinião pública em função de um bem coletivo durável

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43

CAPITULO III. A TRANSNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS

O jurista Celso Mello refere-se aos direitos humanos dizendo que “esses direitos são

concebidos de forma a incluir aquelas reivindicações morais e políticas que no consenso

contemporâneo, todo ser humano tem o dever de ter perante sua sociedade ou governo,

reivindicações essas reconhecidas como de direito e não apenas por amor, graça ou

caridade”55. Todavia, qual é a ordem política que garante o cumprimento destes direitos?

Conforme informa Andrei56, com fundamento na literatura sobre o tema dos direitos

humanos, mudanças tendem à formação de uma ordem global num sistema de Estados com

uma autoridade política “à qual é atribuída o papel de reconhecer, proteger e promover os

direitos humanos, um debate que se agrupa em torno da soberania”. Neste contexto,

encontramos dois pólos: o que dá predomínio à ordem política global e o que confere papel

crucial à ordem política estatal. Até a 2ª Guerra, as normas internacionais dirigiam-se aos

Estados, que eram os sujeitos por excelência do Direito Internacional. Tal enfoque partia das

premissas consolidadas no sistema de Westphalia: soberania estatal e princípio da não-

intervenção. No mais das vezes, a questão é colocada como metajurídica, no âmbito da moral

e da política, entre a justiça da guerra contra o inimigo imoral (Grotius) e a aplicação do

princípio da não-intervenção (Vattel). Atualizando a matéria, a questão estaria situada no

nebuloso campo da moral internacional, e não do Direito Internacional.

Para efeitos de nosso estudo, não fazemos a opção pelo predomínio de um ou outro,

mas sim por uma visão transnacional de defesa dos direitos humanos, ocupando-nos por

incorporar nosso objeto de estudo à aquela perspectiva que melhor inclui as organizações não

governamentais e a sociedade civil como um todo. E para uma perspectiva transnacional dos

direitos humanos é preciso utilizar a corrente teórica do trans-localismo. Esta corrente aborda

a temática como um processo democrático e participativo, bem como a aceitação do

relativismo cultural, o que leva a uma concepção não exclusivamente institucional dos direitos

humanos57. Nesta concepção, “o direito internacional dos direitos humanos teria o papel de

55 Mello, 2001 56 Andrei Koerner, 2002 http://www.scielo.br/pdf/ln/n57/a05n57.pdf. LUA NOVA Nº 57— 2002 e RBCS Vol. 18 nº. 53 outubro/2003 http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v18n53/18083.pdf 57 Idem

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44

um espaço potencial de crítica à globalização desigual e excludente e possibilitaria a criação

de instrumentos para políticas participativas e democráticas de âmbito mundial”. (KOENER,

2002, pág 145.)

Os defensores do trans-localismo asseveram que é possível e necessária a abertura

democratizante, e participativa dessas instituições multilaterais, o que só poderá ocorrer com

o apoio de movimentos sociais e políticos externos a elas58.” Esta corrente apóia políticas de

promoção dos direitos humanos, efetivadas por instituições multilaterais,. Todavia, Andrei

considera que as instituições multilaterais não são suficientes para suportar os conflitos e

contradições próprios à sua situação, e oferece como solução a ampliação das ações, com

maior integração, democracia e participação. Aponta, por fim, que tal solução só seria

possível num sistema global profundamente modificado.

Nesta perspectiva, é fato que as Conferências das Nações Unidas dos anos noventa

demonstraram os limites da abertura das instituições multilaterais governamentais. Verifica-se

que os canais de diálogo outrora abertos acabaram por ser esvaziados à medida que os Estados

dominantes perceberam o potencial poder desses foros, “nos quais formou-se uma espécie de

esfera pública global, com influência crescente sobre a agenda política e a opinião pública”.

Com isso, os Estados que detêm maior poder no âmbito internacional reagiram, com a

promoção do esvaziamento das Conferências. Assim, inviabilizaram o cumprimento dos

Planos de Ação das coletividades estatais, em especial mediante o não cumprimento d as

diretrizes orçamentárias” 59 .

Cada Estado é responsável pelo respeito aos direitos humanos em seu território, e, no

caso de violações, existe a obrigação internacional de punir os que forem considerados

culpados. Todavia, o fato é que tais violações são praticadas por agentes estatais, causando a

ineficácia sistemática do Estado nacional na persecução destas violações.

58 Falk in: Andrei, 2002 59 Idem

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45

3.1. O movimento internacional dos direitos humanos

Korey60 informa que três ONGs norte-americanas pressionaram os Estados Unidos

para incluir disposições referentes aos direitos humanos no documento constitutivo da recém-

criada Organização das Nações Unidas: o American Jewish Committee, o das Conselho

Nacional das Igrejas, e a Commission to Study the Organization of Peace. Esse fato bem

demonstra que o ímpeto do movimento dos direitos humanos capitaneado pelas ONGs foi

resultado das conseqüências da Segunda Guerra Mundial. Ao final, os direitos humanos

passaram a ser a característica essencial da Carta de São Franscisco.

Vários acordos e convenções de direitos humanos também devem muito às ONGs: os

mais importantes instrumentos desse tipo são o Acordo Internacional Sobre Direitos Civis e

Políticos, de 1976; o Acordo Internacional Sobre os Direitos Econômicos, Sociais, e

Culturais, de 1966; a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação

Contra as Mulheres, de 1981; a Convenção Contra a Tortura, 1987; e a Convenção Sobre os

Direitos da Criança, de 1990. Todas estas Convenções foram originalmente criadas para

conferir força de lei à Declaração Universal e às demais normas internacionais, criando um

subsistema de proteção dos Direitos Humanos. Cançado Trindade ensina que os “tratados de

direitos humanos das Nações Unidas têm, com efeito, constituído a espinha dorsal do sistema

universal de proteção dos direitos humanos, devendo ser abordados não de forma isolada ou

compartimentalizada, mas relacionados uns aos outros.”61

A legitimidade da atuação da comunidade internacional em questões de direitos

humanos funda-se também em valores éticos e na convicção de que todos os Estados da

sociedade internacional têm a obrigação do respeito e da promoção dos direitos e liberdades

enunciados na Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Assim, o movimento internacional

dos direitos humanos encontra seu fundamento filosófico na concepção de que todos os

Estados da sociedade internacional, têm a obrigação de respeitar os direitos humanos em seu

território. Por conseqüência, a comunidade internacional tem o poder-dever de protestar no

caso de um Estado não cumprir suas obrigações.

60 Korey, 2006. 61 Cançado Trindade, 1997.

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46

O que se vê, nos últimos anos, é a continuidade do voluntarismo estatal e a emissão de

novas declarações voluntárias de vontade para prover as novas normas humanitárias. Todavia,

os instrumentos garantidores de tais direitos não acompanharam o passo das declarações de

direitos, que permaneceram por quase cinqüenta anos como imperativos morais não

realizáveis. De certa forma, pode-se dizer que, com a entrada em vigor de diversos

instrumentos internacionais declarando direitos humanos e com a conseqüente influência que

tais instrumentos exercem sobre os ordenamentos jurídicos dos Estados, aperfeiçoou-se a

gama de instrumentos internacionais para a tutela dos direitos humanos.

Segundo Alves62, os direitos humanos da atualidade não são exclusividade nacional ou

de governos, pois eles se encontram , transnacionalizados, continuamente, “pela ação

internacional meritória das ONGs, de fóruns profissionais do Direito e da Justiça, das

organizações sociais, de parlamentares nacionais e regionais, da Academia e das Artes, de

políticos individualizados e, até do cidadão comum, todos respaldados pelos meios de

comunicação” (ALVES, 2005, pág 10).

Na abordagem institucional, temos o Direito Internacional dos Direitos Humanos, que

consiste num subsistema de normas internacionais, procedimentos e instituições

desenvolvidas para implementar e promover o respeito dos direitos humanos no âmbito da

sociedade internacional, dentro do sistema de normas internacionais. A Declaração Universal

dos Direitos Humanos proporcionou a construção de corpo normativo às lutas políticas pela

liberdade e inspirou constituições nacionais na positivação dos direitos fundamentais e de

cidadania. Por outro lado, mobilizou agências, governamentais e não-governamentais a

atuarem de forma solidária, antevendo uma sociedade civil transnacional e transcultural como

o futuro da comunidade internacional.63 A declaração foi formulada num cenário no qual o

sistema internacional considera o Estado nacional sujeito por excelência do Direito

Internacional. Por esta razão, cabia aos Estados a implementação dos direitos humanos em

seus territórios além da responsabilidade internacional pelas violações cometidas por seus

agentes, o que resultava na visão restritiva, por parte dos Estados, de iniciativas internacionais

na área dos direitos humanos. Foi sob este manto que os Pactos Internacionais de Direitos

Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foram negociados, elaborados

62 Alves, 2005 63 Idem

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47

e assinados -e prevaleceram durante toda a Guerra Fria, à exceção de algumas ampliações no

campo do monitoramento internacional dos direitos humanos.64

Ocorre que o Estado não possui a exclusividade na competência e na jurisdição,

cabendo à sociedade internacional, estatal e não estatal, a aplicabilidade dessas normas

internacionais; ao contrário do espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que

diz respeito ao restrito domínio da esfera nacional na proteção dos direitos humanos.

Cançado Trindade aponta que, a despeito da “aceitação virtualmente universal da tese da

indivisibilidade dos direitos humanos, persiste a disparidade entre os métodos de

implementação internacional dos direitos civis e políticos, e dos direitos econômicos, sociais e

culturais”65. Por outra vertente, observa que a jurisdição exclusivamente doméstica no

cumprimento destas normas de proteção dos direitos humanos é forma de intervenção da

esfera normativa internacional na esfera nacional, como meio de ingerência, no que diz

respeito ao monitoramento, e pode conduzir à responsabilização internacional dos Estados

que violam os direitos humanos. Deve-se lembrar que o esgotamento dos recursos internos de

cada Estado é pressuposto para a recorrência à jurisdição internacional prevista nos

instrumentos normativos

Uma das principais qualidades da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi a de

constituir-se em parâmetro e código de atuação para os Estados integrantes da comunidade

internacional. Neste sentido, é um dos parâmetros fundamentais mediante os quais a

comunidade internacional “deslegitima” os Estados. Um Estado que sistematicamente viole a

Declaração não é merecedor de aprovação por parte da comunidade internacional

estabelecida.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos, em função da sua universalidade

fundamentada na forma como ocorreu sua normatização e operacionalização, pressupõe que é

legitima a preocupação de toda a sociedade internacional, tanto dos atores estatais como dos

não estatais, com a forma com que os Estados tratam seus cidadãos. Por ocasião dos

julgamentos de Nuremberg, em 1946; e da negociação da Convenção do Genocídio, em 1948,

afirmou-se assim como princípio que a humanidade, cujos interesses e valores essenciais são

violados e ameaçados pela prática desses crimes, é, em última instância, titular do direito de

64 Koener, 2002 65 Cançado Trindade, 1997

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48

assegurar sua repressão, devendo-se prever os meios adequados a garantir o exercício dessa

titularidade.

Desta forma, o direito a ter direitos se transnacionaliza, demonstrando que os arranjos

institucionais dos Estados nem sempre são suficientes, necessitando da colaboração de outros

atores não estatais; isto é, a natureza descentralizada da proteção dos direitos humanos fez

com que seu controle independa da ação unicamente estatal. Desta forma, o acesso à

influência destes atores acabou sendo definindo pela própria dinâmica dos processos de

direitos humanos.

“No começo dos anos noventa, ocorre um movimento de abertura dos foros das

instituições multilaterais às demandas de promoção de direitos, por parte dos Estados, das

agências de cooperação e, especialmente, das ONGs. Mas, a partir da Conferência de

Istambul, em 1996, verifica-se uma regressão nestes espaços, quer porque as Nações Unidas

passam a enfrentar crescentes problemas, uma vez que suas agências sofrem restrições

orçamentárias e críticas a concepções ‘socialistas’ nelas predominantes; quer “devido à

ocupação dos espaços de decisão consensual por grupos que buscam visibilidade e respostas

para seus problemas ou que procuram revisar as formulações adotadas por consenso nas

Conferências anteriores” ( ...). E continua: “no campo dos direitos humanos, ocorre um duplo

processo durante a "longa década de noventa (de 1989 a 2001): por um lado, no plano da

enunciação dos direitos, dá-se a maior permeabilidade entre as ordens políticas estatal e

interestatal, bem como o deslocamento da efetivação dos direitos humanos do plano da

titularidade formal de sujeitos individuais para a dimensão das práticas sociais e da realização

de concepções individuais e coletivas de vida boa. Nesse sentido, coloca-se a questão da

democracia e da participação, a das formas de interação entre Estado, organizações da

sociedade civil e indivíduos. Porém, por outro lado, a situação política internacional mostra

como essas relações estão ainda indefinidas, dada a proteção internacional seletiva dos

direitos humana, submetida aos interesses geopolíticos das principais potências, assim como

as reações de suas lideranças e de grupos políticos fundamentalistas, nacionalistas e

defensores de outros particularismos, que contestam mudanças mais profundas no campo dos

direitos humanos” ( KOENER, 2002 pág 143.)

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49

• Breve histórico

Podemos dizer que, nas duas primeiras décadas de experiência na proteção

internacional dos direitos humanos (até idos de 1970), os esforços se concentraram na criação

de normas internacionais e de instrumentos que pudessem operacionalizar a supervisão, o

monitoramento e as capacidades processuais internacionais dos indivíduos.

O processo de transformação histórica dos direitos humanos iniciou de uma fase de

internacionalização, como foi denominada, pela maioria dos autores, e fase esta que se

demonstra nas Declarações Universal e Americana de 1948 e, posteriormente, passando a

uma fase de globalização a partir da I Conferência Mundial de Teerã de 1968. Após, com a

implementação dos tratados nos âmbitos global e regional, a questão que se colocou foi a

indivisibilidade dos direitos humanos concretizadas na I e II Conferências Mundiais de

Direitos Humanos, de 1968 e 1993, respectivamente. Como aponta Piovesan, “Ao lado do

sistema normativo global, surge o sistema normativo regional de proteção, que busca

internacionalizar os direitos humanos no plano regional, particularmente na Europa, América

e África” (PIOVESAN, 1998, pág 60).

A Conferência de Viena de 1993, que resultou nos instrumentos de implementação dos

direitos humanos, reuniu a maior concentração de representantes de entidades civis e aceitou

o acreditamento de 813 organizações não-governamentais como observadoras da conferência.

À parte, num fórum paralelo, mobilizou 2000 organizações não-governamentais. Esta

conferencia reuniu muito mais atores não-governamentais que governamentais”, ainda que o

poder decisório se concentrasse, em última instância, nos Estados. “Esta Conferência

reafirmou a universalidade, indivisibilidade, inter-relação e interdependência dos direitos

humanos, o direito ao desenvolvimento, assim como a relação necessária entre direitos

humanos, democracia e desenvolvimento, do qual a pessoa humana é o sujeito central.

Reconheceu a legitimidade da preocupação internacional com a proteção e promoção dos

direitos humanos, limitando o princípio da soberania estatal nesse ponto. Previu a criação de

programas de assistência técnica, promovidos pelas Nações Unidas, para incrementar a

capacidade dos Estados de proteger e promover os direitos humanos e recomendou a criação

do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos” (KOENER, 2002, pág

143). Já Cançado Trindade entende que a principal preocupação na Conferência de Viena foi

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50

“assegurar a incorporação da dimensão dos direitos humanos em todas as atividades e

programas dos organismos que compõem o sistema das Nações Unidas, somada à ênfase no

fortalecimento da interrelação entre os direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento -

situando como sujeito central deste último o ser humano - apontam para o alentador

reconhecimento de que os direitos humanos se impõem e obrigam os Estados, e, em igual

medida, os organismos internacionais e outras entidades ou grupos (e.g., os detentores do

poder econômico, particularmente aqueles cujas decisões repercutem no quotidiano da vida de

milhões de seres humanos).”66. Vários autores67 consideram que esta conferência foi

importante para a resolução daquelas dificuldades conceituais que sempre envolveram os

direitos humanos, tais como a questão da sua universalidade; da legitimidade do

monitoramento internacional das violações; a da interrelação entre distintos direitos, a relação

entre desenvolvimento e democracia; a questão do direito ao desenvolvimento e a

interdependência de todos os direitos fundamentais, além de ter disseminado em escala

global, os direitos humanos no discurso contemporâneo. Por fim, o diálogo propiciado pela

Conferência de Viena teve por reflexo a declaração do Programa de Ação de Viena, que

manteve o entendimento universal sobre a extensão do tema dos direitos humanos,

contribuindo para a construção até hoje de um amplo arcabouço de monitoramento

constituído por medidas preventivas e de seguimento da observância dos direitos humanos

pelos Estados e pela comunidade internacional.

Todo este ciclo de conferências da ONU, que foi iniciado pela Conferência da ONU

sobre Meio Ambiente em 1992 e aconteceu no decorrer dos anos 90, teve como denominador

comum a preocupação da sociedade internacional com as condições de vida da pessoa

humana, abrindo espaço para a constituição de uma agenda internacional na qual a defesa dos

direitos humanos ocupa um espaço mais denso: “Nelas foram formulados planos de

implementação, programas de cooperação, procedimentos de monitoramento internacional e

de responsabilidade pelas violações. No plano institucional, criaram-se – ou foram instalados

– órgãos supra-nacionais de fiscalização e responsabilização por violações de direitos

humanos bem como novas interações entre eles, estados e organizações da sociedade”

(KOENER, 2002, pág 144)

66 Cançado Trindade, 2004 67 Ver Alves, 2005

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51

Após a Conferência de Viena muito se evoluiu, veja-se no fortalecimento da

capacidade mobilizadora em escala global e, além disso, o cumprimento das normas

internacionais de direitos humanos tornou-se um elemento legitimador necessário aos

Estados.

Com efeito, a sistemática internacional institui mecanismos de controle e

responsabilidade internacional, a título de garantia adicional da proteção acionáveis quando o

Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e liberdades

fundamentais; mesmo considerando que cabe ao Estado, em primeiro lugar, garantir o

cumprimento dos direitos humanos dentro de sua jurisdição. Nesse contexto, é de se enfatizar

que a ação internacional é considerada uma ação suplementar, constituindo uma garantia

adicional de proteção dos direitos humanos” ( PIOVESAN, 1998, pág. 50 -51).

Não obstante, os direitos humanos continuam a ser violados e mal interpretados em

muitos paises, embora, a capacidade da sociedade de responder a estas violações ter se

tornado mais rápida.

3.2. Os direitos humanos e a ação transnacional das organizações não

governamentais transnacionais

O Direito Internacional dos Direitos Humanos, em função da sua transnacionalidade,

pressupõe que é legitima a preocupação de toda a sociedade internacional, tanto dos atores

estatais quanto dos não estatais, com o modo que os Estados tratam seus cidadãos ou aqueles

que se encontram dentro do seu território.

A transnacionalidade do tema pressupõe que os arranjos institucionais dos Estados

não são suficientes e necessitam da colaboração de atores não estatais. Ou seja, a natureza

descentralizada dos direitos humanos faz com que seu controle independa da ação unicamente

do Estado. Desta forma, o acesso à influência destes atores acabam se definindo pela própria

dinâmica dos processos de defesa dos direitos humanos.

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52

Podemos considerar os direitos humanos como tema global pela influência que as

agendas têm sobre a governabilidade do sistema internacional contemporâneo. Tornou-se

quase inviável pensar em ações unilaterais dos Estados, procurando-se respostas dos agentes

com atuação transnacional. Segundo Alves, “os direitos humanos, como tema global,

significam, ao internacionalmente deles se tratar, no âmbito da jurisdição de cada estado, em

tempos de paz, que somente a garantia efetiva dos direitos humanos da população confere

legitimidade plena aos governantes no plano mundial” (ALVES,2003, pág 10).

Pode-se se dizer que este movimento de transnacionalização dos direitos humanos

ocorreu em paralelo ao adensamento das correntes de atuação, dos indivíduos e da sociedade

civil organizada, possibilitanto assim conduzir a problemática dos direitos humanos ao plano

da sociedade internacional como a participação de novos atores, indivíduos e organizações

não governamentais68.

No campo específico das ONGs de defesa de direitos humanos, como a Anistia

Internacional e a Human Rights Wacht, verificamos que estas atuam tanto no plano nacional

como no internacional, funcionando como vigilantes do cumprimento dos direitos humanos

pelos Estados. Elevam ao plano internacional demandas domésticas dos indivíduos ou de

grupos de interesse, e para isto se valem de informações que possam afetar e influenciar, de

forma direta ou indireta, a implementação dos direitos humanos por parte dos Estados. No

momento em que são elevadas ao plano internacional, estas demandas se tornam mais

visíveis e públicas. Veja-se que os horríveis abusos ocorridos no século XX têm feito com que

as ONGs, especialmente a Human Rights Watch, enfatizassem a necessidade de atribuição de

responsabilidade com relação à justiça e à verdade histórica. David Weissbrodt assim coloca a

questão: “Atuando no plano internacional e/ou nacional, essas organizações funcionam como

ombudsman não-oficial, resguardando os direitos humanos ante a infringência governamental,

através de técnicas, como iniciativas diplomáticas, relatórios, declarações públicas, esforços

para influenciar as deliberações de direitos humanos efetuadas por organizações

intergovernamentais, campanhas para mobilizar a opinião publica, e tentativas de afetar a

política internacional de alguns países, com respeito a sua relação com Estados que são

regularmente responsáveis pelas violações de direitos humanos” (apud PIOVESAN,1998

pág. 56).

68 Piovesan,

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53

Essas organizações têm por finalidade atrair a atenção da comunidade internacional

para a fiscalização e o controle dos casos de violação de direitos humanos por parte dos

Estados, sendo que estes se vem compelidos a justificar suas ações o que tende a alterar o

comportamento destes sobre suas práticas e em muitos casos sobre suas legislações internas.

Para tanto, utilizam-se dos instrumentos - declarações e programas recomendatorios - gerados

na Conferência de Viena de 1993 como símbolos ou ícones, úteis para elevar questões ao

plano de discussão da opinião pública internacional.Por outro lado, elas fazem uso de uma

sistemática assim dividida: (a) os relatórios; (b) as comunicações direcionadas aos Estados e

às Organizações interestatais, muitas das vezes em forma de denuncias; e (c) o direito de

petição a organismos internacionais. As denúncias destes agentes são direcionadas,

principalmente, contra atores envolvidos nos processos de violação de direitos humanos, vale

dizer, contra Estados, empresas multinacionais, organizações financeiras internacionais e

sindicatos.

Cumpre notar, por fim, que “o conteúdo da ação de monitoramento dos direitos

humanos pelas ONGs refere-se a um tipo de controle não autorizado pelo sistema interestatal.

Isso porque o controle aqui é utilizado na acepção de fiscalização e não naquela de poder de

controle. A fiscalização de situações é ostensiva, e se dá mediante grupos especiais de peritos

e o controle das informações sobre a temática. Villa69 informa que as ONGs estabelecem

novos mecanismos de controle ostensivo, a observância perante a comunidade internacional

da legitimidade das condutas internas e internacionais das soberanias.

Para finalizar, Koener70 afirma que os direitos humanos são uma via de manifestação

das coletividades civis, em especial as organizações não governamentais transnacionais. “O

campo dos direitos humanos são uma forma por excelência de formulação de interesses das

identidades sociais nas sociedades democráticas. Devido a seu caráter transnacional, dão

apóio à constituição de agentes coletivos à construção de problemáticas, assim como auxiliam

na formulação de diagnósticos e programas de ação compartilhados pelos agentes internos às

democracias. É fato verificado que a temática dos direitos humanos, na esteira do iluminismo,

potencializa a fixação de concepções individuais e coletivas como um padrão requerido de

relações sociais, revestido de concepções de civilidade e dignidade humana. Verifica-se,

ainda, a descentralização das fontes de Direito e das formas de resolução de conflitos, com a

69 Villa, 1999 70 Koener, 2002

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ascensão e fixação da soft law; a noção de responsabilidade compartilhada e a

transnacionalização de ações e agentes.

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55

CAPÍTULO IV. A HUMAN RIGHTS WATCH

Neste capitulo apresentamos a organização não governamental transnacional que se

constitui em nosso objeto de estudo: a Human Rights Watch. Essa exposição apresentará o

surgimento da instituição , os valores que ela defende e em seguida o escopo dos temas

principais tratados pela organização.

A Human Rights Watch é uma organização não governamental transnacional dedicada

à promoção e defesa dos de direitos humanos .Iniciou suas atividades a partir de 1978 quando

criou-se um comitê de ativistas de Direitos Humanos nos Estados Unidos com o objetivo de

apoiar grupos de ativistas soviéticos para monitorar o cumprimento dos direitos humanos

pelos países signatários nos acordos de Helsinki71. Posteriormente em 1980, criou-se um

comitê para acompanhar o cumprimento dos direitos humanos nas Américas ( Américas

Watch) e sucessivamente foram criando-se outros comitês em diversos países, o Ásia Watch

para monitorar a situação dos prisioneiros políticos, em especial na China. Só em 1998 é que

surge a Human Rights Watch como uma organização não governamental transnacional que

uniu os comitês em uma estrutura única.

A organização nasceu principalmente para acompanhar a política doméstica e externa

norte-americana de direitos humanos, embora suas atividades tenham se expandido nos

últimos dez anos para outros paises e regiões.

Hoje, goza de status consultivo perante o ECOSOC das Nações Unidas, O Conselho

de Europa, a Organização de Estados Americanos e mantém relações de trabalho com a

Organização da União Africana.

71 Os acordos de Helsinki surgiram no contexto da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa realizada nesta cidade de 1973 e 1975 onde participaram 35 países com a intenção de suavizar a guerra fria na década dos 1970. A Ata Final de Helsinki referiu-se principalmente a aspectos relacionados com a segurança, a afirmação do principio do respeito pelos direitos humanos em ambos os blocos e o incentivo da colaboração econômica, tecnológica e humanitária.

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56

Embora hoje ela atue em 70 paises a HRW é composta por cinco comitês regionais:

África, Américas, Ásia, Europa e Ásia Central e Oriente Médio e três comitês temáticos:

Armas, Direitos da Criança e Direitos da Mulher.

A base principal desta organização esta localizada em Nova York e possui filiais

permanentes em várias cidades de Estados Unidos, como Los Angeles, São Francisco e

Washington e em cidades fora dos Estados Unidos como Bruxelas, Bujurumbura ( Burundi),

Free Town ( Serra Leoa), Genebra, Hong Kong, Kigali(Ruanda), Londres, Moscou, Santiago

do Chile, Tashkent(Uzbesquitão) e Tbisili (Geórgia) . Outras filiais de caráter temporário são

abertas em algumas regiões onde a HRW esteja envolvida com atividades intensas de

monitoramento.

A pesar de ter escritórios espalhados em vários paises e ter uma estrutura que

funciona na base de comitês, a HRW possui uma estrutura bastante centralizada. No

escritório central é decidida a escolha dos países e temas para o qual as atividades desta

organização serão direcionadas.

4.1. Estrutura decisória

Nem todas as ONGs são estruturas democráticas em seu processo decisório, ou em sua

administração e gestão, Em algumas, podemos verificar a existência duma representação

eqüitativa entre os indivíduos que compõem estas organizações72.em outras uma estrutura

mais centralizada. No caso da HRW o órgão central de decisão é o Conselho de Diretores que

é composto pelos representantes máximos dos comitês regionais e temáticos . São estes que

decidem as prioridades da organização e as atividades que serão desenvolvidas anualmente.

Além deste órgão existe um Conselho de HRW que é uma organização independente

da HRW e não um órgão subsidiário porém com atividades intimamente ligadas à

organização. Estes possuem uma influência nos processos decisórios da HRW. sobretudo

porque são eles os principais contribuintes e arrecadadores de fundos para a organização. Este

72 SikkinK, 2002

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57

Conselho é composto por aproximadamente 200 representantes de elite de quatro comitês

regionais, são estes: Nova York, Califórnia do Norte, Califórnia do Sul, Londres e um comitê

europeu de caráter geral . Para pertencer a um destes comitês a contribuição mínima por

membro é de U$ 50.000,00 por ano73.

Cabe também a este Conselho funções de recomendação e aconselhamento sobre os

diferentes aspectos das atividades realizadas pela HRW. É um grupo que influência grande

parte das decisões da HRW por estar constituído por pessoas lideres em suas comunidades

que tem um impacto significativo ao expressarem sua opinião em fóruns públicos. Estes

membros fazem parte também do departamento de comunicação da HRW, constituindo parte

significativa das estratégias de relacionamento desta organização.

As obrigações e direitos deste Conselho são: participar das reuniões que são feitas

anualmente pelo Diretor Executivo quem examina as estratégias da organização e informa aos

membros deste conselho os trabalhos mais importantes; participar dos eventos com os lideres

ativistas de direitos humanos, com os fazedores de política, os diplomatas e dignatários que

estão envolvidos com a causa dos direitos humanos; participar das reuniões com os membros

seniores da organização; e articular posicionamentos da organização com os membros dos

Conselhos nos Estados Unidos, Canadá e Europa, além de participar de todos os eventos

nacionais e internacionais da HRW.

No organograma da HRW existe também um corpo executivo – administrativo com

base em Nova York que é composto pelo diretor-executivo, um diretor-associado, um

assistente-executivo e um assistente-especial.

A organização, conta também com uma grande equipe de voluntários e seus trabalhos

são respaldados por uma centena de profissionais temáticos espalhados pelo mundo. A

maioria destes profissionais são jornalistas, professores, advogados e especialistas em

assuntos específicos.

A HRW organiza suas atividades mediante planos estratégicos para atender a

problemas recorrentes e a problemas emergenciais (por exemplo, Afeganistão e Iraque.) As

73 Qualquer pessoa pode fazer parte da organização desde que contribua com U$ 50,00 por ano

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estratégias são definidas em reuniões realizadas anualmente ou quando a situação emergencial

demande encontros para definir atuações emergenciais

4.2 O mandato da HRW

Todos os mandatos das organizações não governamentais de direitos humanos

expressam os tipos de violações em que ela atua.

No mandato da HRW se priorizam as temáticas denominadas institucionalizadas pela

instituição como as referidas aos direitos das mulheres, direitos das crianças e armas.

No mandato das atividades da vemos que a instituição se apóia sob três eixos

estratégicos que norteiam sua atuação:

1. Monitorar e investigar sobre violação de direitos humanos;

2. Supervisionar o cumprimento das normas internacionais de direitos humanos pelos paises

signatários de acordos internacionais;

3. Promover os direitos humanos no mundo.

Nas palavras da HRW:

“A Human Rights Watch conducts regular, systematic investigations of

human rights abuses and has a distinct reputation for timely and reliable

reports. We address the human rights practices of governments of all

political stripes and all ethnic and religious persuasions. We defend freedom

of thought and expression, due process and equal protection of the law, and

a vigorous civil society. We document and denounce “disappearances,”

torture, arbi-trary imprisonment, discrimination, and violations of

internationally recognized human rights and humanitarian law” (HRW,

Membership Handbook. Edition, 2004, p.5)

O primeiro e segundo diz respeito ao trabalho de monitoramento dos Estados para o

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cumprimento de normas internacionais de proteção dos direitos humanos, tendo como foco

principal os governos e organismos intergovernamentais. O último eixo esta direcionado a

sociedade civil como um todo no sentido de envolver e conscientizar às coletividades sobre a

importância do cumprimento destes direitos.

4.3. Focos de atuação

A HRW foca suas estratégias principalmente em três grandes temas:

• Direitos da Mulher

Os direitos da mulher constitui uma das divisões temáticas mais fortes e estruturadas

da HRW. Iniciou em 1990 e é composta por um grupo de mulheres que trabalham em

colaboração com ONGs locais. Consiste em um grupo de aproximadamente 28 pessoas, entre

advogadas, acadêmicos, especialistas em direitos da mulher e ativistas que provem o

financiamento e o programa de atividades desta divisão. È composto por uma diretora

executiva, uma vice diretora, pesquisadores regionais e um corpo administrativo. O comitê é

multiétnico e multinacional.

Esta divisão surgiu com resposta ao movimento internacional das mulheres nos anos

80 que ganhou um status diferenciado dentro do movimento geral dos direitos humanos74,

constituindo-se como uma unidade independente, com foco específico do resto da

organização.

O objetivo desta divisão é lutar contra marginalização da mulher e promover a

igualdade de direitos e a dignidade humana. Partindo do pressuposto de que a luta dos direitos

da mulher é uma luta de caráter global baseada no artigo 2º.75 da Declaração Universal dos

Direitos Humanos e no Estado de direito. Na prática, isto implica tomar medidas para

prevenir e deter a discriminação e a violência contra a mulher . Muitos dos trabalhos desta

divisão estão direcionados a documentar a violência sexual em conflitos armados que

envolvem vários tipos de violência. 74 ver The Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women (CEDAW). 75 Art. 2o.parágrafo 1:da declaração Universal dos Direitos Humanos: Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza (...)

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60

A divisão de Direitos da Mulher trabalha geralmente sobre a base uma missão por ano

e quando for necessário organiza até duas para o mesmo lugar que estão monitorando. As

pesquisadoras regionais da divisão consultam ONGs locais sobre situações específicas de

violação de direitos da mulher e monitoram o terreno durante um ano colocando sobre a mesa

da organização o potencial do projeto. Trabalham junto com as organizações nacionais para

pressionar os governos a mudar suas práticas de discriminação da mulher e certificar-se que

os Estados respondem rápida e apropriadamente a estas demandas. Note-se que a divisão

prioriza as situações emergenciais.

Na maioria dos casos a divisão se apóia nas normas nacionais, regionais e

internacionais para monitorar e implementar estas normas quando existem violações pelos

Estados. Por exemplo a divisão hoje está envolvida nas negociações sobre a Corte Penal

Internacional com o United Nations Protocol to Prevent, Suppress and Punish Trafficking in

Persons, Especially Women and Children; and the Optional Protocol to the U.N. Convention

on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women.

A maioria dos recursos desta divisão provem de fundações privadas76 e de pessoas

interessadas na promoção internacional dos direitos da mulher

Para a HRW o objetivo é expor as práticas e políticas denunciando estas como

violações dos direitos humanos, rejeitando toda forma de exclusão legal, cultural e religiosa

que discriminam e excluem as mulheres da participação na política e na vida pública

Nas palavras da organização:

O relativismo cultural que argumenta a ausência de direitos humanos universais e diz que os direitos estão culturalmente determinados e dependem de cada cultura, constitui uma ameaça corrosiva contra os direitos das mulheres a igualdade e dignidade em todos os aspectos de suas vidas77

76 principalmente das seguintes fundações: Dobkin Family Foundation, the Moriah Fund, the Oak Foundation 77 “El relativismo cultural que argumenta la ausencia de derechos humanos universales y dice que los derechos están culturalmente determinados y dependen de cada cultura, sigue constituyendo una amenaza formidable y corrosiva contra los derechos de las mujeres a la igualdad y la dignidad en todas los aspectos de sus vidas". HRW, in relatório: “ Víctimas por partida doble: obstrucciones al aborto legal por violación en México

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A organização compartilha da noção de que os direitos universais são os direitos

ocidentais.

Este grande tema engloba outros sub-temas com os quais a HRW trabalha no que diz

respeito aos direitos da mulheres: mulheres trabalhadoras, violência doméstica, violência

sexual, Aids, mulheres e conflitos armados, refugiados e deslocamentos internos, status das

mulheres na família e nos aspectos legais, mulheres sobre custódia e autonomia sexual.

• Direitos das Crianças

A segunda divisão mais importante da Human Rights Watch foi criada em 1994 para

monitorar o abuso de crianças no mundo toleradas pelos governos e apropriadas pelos grupos

armados. Acompanha o tratamento das crianças à luz das normas internacionais, as quais

estão especificadas na Convenção sobre os Direitos da Criança; no Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos; no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais; e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos.

No continente americano, a Human Rights Watch já investigou e divulgou relatórios

sobre questões de justiça juvenil no Brasil, Guatemala, Jamaica e nos estados norte-

americanos do Colorado, Louisiana, Georgia e Maryland. Em outras partes do mundo, a

Human Rights Watch documentou condições de detenção de crianças na Bulgária, Egito,

Índia, Quênia, Irlanda do Norte, Paquistão e Turquia. Além disso, a Human Rights Watch já

publicou um livro relatório sobre as condições das prisões de adultos no Brasil, um de pelo

menos trinta relatórios de uma série que descreve as condições de encarceramento em países

do mundo inteiro.78

Para a elaboração dos relatórios a HRW se utiliza principalmente de entrevistas às

crianças, este foi caso Colômbia

Para investigar todo tipo de abusos contra a criança a HRW criou subdivisões dentro

desta divisão: O uso de crianças como soldados, o acompanhamento das piores formas de

trabalho infantil, a tortura de crianças pela polícia, a violência contra crianças de rua, as

condições das crianças em orfanatos e institutos de correção, crianças nos Estados Unidos,

78 Ver HRW: http//www.hrw.org

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62

Corte Penal Internacional, justiça juvenil, o tratamento das crianças imigrantes e refugiados,

violência e discriminação nas escolas , trafico de crianças para trabalho e prostituição,

discriminação racial, Aids e violência sexual entre meninas e meninos.

Por considerar que pela imaturidade física e intelectual as crianças são mais

vulneráveis a violações de direitos humanos a HRW ocupa-se fortemente deste tema. A

diferença das ONGs humanitárias que concentram seus trabalhos na sobrevivência e

desenvolvimento das crianças a HRW concentra sua atuação no questionamento e

monitoramento das práticas dos governos concernentes ao tratamento das crianças. Sua

atuação é mais politizada que as outras ONGs mencionadas anteriormente devido a que se as

humanitárias criticarem o comportamento dos governos correm o risco de não poder efetivar

seus programas. Existe um trabalho coordenado entre as humanitárias e as concientizadoras

como a HRW .

A HRW envia missões aos países onde ocorrem abusos, entrevistando as crianças

vitimas das violações, parentes, activistas locais de direitos humanos, advogados, funcionários

de governo num trabalho bem próximo com grupos locais para poder identificar abusos e

estratégias de mudança de comportamento. Após esta etapa são elaborados relatórios e

apresentados aos governos, organismos internacionais, inclusive com aqueles que a HRW tem

status consultivo, organizações não governamentais, fazedores de política e as mídias.

A maioria dos casos acabam por viram campanhas globais que reúnem coalizões de

grupos nacionais e internacionais para criar maior visibilidade.

Até hoje a organização realizou trabalhos densos sobre direitos das criancas em

diferentes países: sobre crianças soldados em Burma, Colombia, Liberia e Uganda; sobre

trabalho de crianças em Egito, Equador, El Salvador e Estados Unidos , sobre condições de

orfanatos em China, Romania, e Russia; violênça nas escolas em Kenya e África do Sul, sobre

violanção de direitos nos institutos de correção em Jamaica, Pakistan e Estados Unidos e

violência em crianças de rua em muitos países, especialmente de América Latina como Brasil.

• Armas

Além disso realiza suas atividades sobre vários temas específicos:

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• Empresa e direitos humanos; tentando vincular as várias dimensões dos direitos

humanos;

• HIV;

• Justiça Internacional e;

• Refugiados

A HRW coordenada suas atividades entre suas divisões regionais e suas temáticas

específicas. As divisões regionais fazem o acompanhamento de situações referentes à

temáticas específicas, realizando pesquisas permanentes e engajando ativistas no mundo

inteiro. No que diz respeito a essas temáticas, a HRW, recentemente tem focalizado seus

trabalhos nos direitos das mulheres africanas, nas condições de trabalho em Índia e El

Salvador e nos abusos aos homossexuais na África do Sul e no Egito.

O foco da atuação desta organização são os governos, e organismos

intergovernamentais mediante pressão com a utilização massiva de campanhas e relatórios

que tenham ressonância em nível global.

O mecanismo da pressão e de persuasão aos governos e organismos internacionais e

intergovernamentais tem várias finalidades. Em primeiro lugar, mudar o comportamento

destes atores induzindo-os a atrelar suas práticas em observância de direitos humanos. Para

isto se valem da utilização de informações confiáveis como no caso da denúncia sobre a

utilização de crianças soldados na Colômbia.

Em setembro de 2003 a HRW denuncia nos meios de comunicação mediante um

relatório79 que os grupos armados da Colômbia têm recrutado cada vez mais crianças nos

últimos anos. Elabora um relatório colhendo informações “in loco” na Colômbia e constata

que um em cada quatro combatentes deste pais tem menos de 18 anos.

Ainda documentou que os grupos de guerrilhas e paramilitares exploram o desespero

de muitas crianças pobres, que acabam por incorporar-se a estes grupos em troca de comida e

proteção física para fugir da violência doméstica ou para ganhar dinheiro. Outros são

violentamente recrutados e alguns são meninos de rua.

79 HRW “You`ll learn not to cry: Child combatants in Colombia ”, September 2003, hhtp//www.hrw.org.

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Estas crianças participam junto com os grupos de execuções sumárias, torturas,

assassinatos, seqüestros e atentados contra civis. Muitos dos que tentam escapar ficam

expostos a morte.

Na Colômbia tanto os grupos de guerrilha como os grupos militares são violadores de

normas humanitárias ao utilizar crianças para o combate, inclusive a maioria deles com idade

inferior aos 15 anos80.

Após o levantamento em 2003, a HRW constatou que aproximadamente 11.000

crianças ( uma das cifras mais altas do mundo) combatem no conflito armado da Colômbia,

oitenta por cento delas pertencem às Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia - FARC e

Exercito de Liberação Nacional - ELN e o resto combate nos grupos paramilitares81.

A Colômbia que não havia ratificado o Protocolo Facultativo da Convenção dos

Direitos da Criança relacionado à participação de crianças em conflitos armados82, insta ao

governo da Colômbia a mudar suas práticas denunciando que este país deve ratificar e

implementar o tratado das Nações Unidas que proíbe esta prática.

A HRW pressiona o governo da Colômbia a dar maior prioridade possível a

desmobilização de crianças nas suas negociações com forças guerrilheiras ou paramilitares.

Pressiona aos EUA para que dê o máximo de prioridade a desmobilização de crianças

em suas negociações com a Guerrilha e paramilitares e ainda sugere que os Estados Unidos

financiem a reabilitação de crianças combatentes.

Recomenda ao mesmo tempo à União Européia e a vários órgãos da ONU, Comissão

de Direitos Humanos, Alto Comissariado de Direitos Humanos e Secretário Geral para que a

Colômbia ratifique e implemente o tratado das Nações Unidas que proíbe a participação de

civis com idade inferior aos dezoito anos.

80 Pelas Convenções de Genebra 15 anos é a idade mínima para o recrutamento de grupos armados 81 HRW, “You`ll learn not to cry, op.cit 82 O tratado estabelece que 18 anos é a idade mínima para participar em hostilidades e para o recrutamento obrigatório e para o não obrigatório de grupos armados irregulares.

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A HRW utiliza-se de vários instrumentos para desenvolver as ações de pressão defesa

e promoção dos direitos humanos:

• Ofícios de defesa e declarações para os fazedores de política e a opinião pública

Para a HRW este instrumento tem grandes benefícios: contribui para educar e informar

aos policy makers, membros do Conselho HRW e público em geral e pressiona os fazedores

de política a agir decisivamente em assuntos de direitos humanos.

O processo para a elaboração destas cartas e declarações leva em consideração: a

importância dos destinatários - policy makers e opinião pública - e o peso que estes possuem

para influenciar nos processos de elaboração de políticas em determinados assuntos e, os

alvos de defesa. Na elaboração destas comunicações, existe a participação de profissionais

com expertise no assunto objeto de denuncia, os diretores regionais revisam o conteúdo destes

comunicados e declarações.

• Participação reuniões e ligações telefônicas para os fazedores de política.

Uma das táticas mais comuns no trabalho da HRW são os encontros pessoais e

audiências dos membros do conselho HRW com os fazedores de política, não só como

representantes desta organização mas principalmente como cidadãos e pessoas influentes.

Esses encontros fornecem a oportunidade de informar e pressionar por propostas especifica.

Esta tática é crucial para a atividade da HRW, sendo uma organização centralizada e até

fechada, precisa atuar na base do lobby, portanto as audiências com os fazedores de política

devem ser o mais efetivas possíveis.

Para que isto ocorra, estes representantes precisam consultar antes de qualquer ação

deste tipo para estar alinhada com os objetivos e objetos de atuação da organização, a agenda

é submetida ao exame do “staff” principal da organização. São avaliados numa sessão

estratégia preparatória, o entendimento sobre quem vão encontrar, as resistências possíveis no

encontro e a certeza sobre os objetivos do encontro e da posição política da HRW.

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• Declarações e colunas em jornais

Provocar a atenção dos meios de comunicação para novos assuntos é uma das

estratégias de influência utilizada pela HRW. Para isto, a organização acompanha pelo

Departamento de Comunicação todas as notícias sobre os assuntos principais relacionados aos

direitos humanos, checa a viabilidade de espaço na mídia mediante um processo de

identificação de oportunidades para se constituir em assunto de defesa. Coordenado pelo

Conselho e os outros membros, consulta com o Departamento de Comunicação, que em

conjunto estabelece estrategicamente um ou mais jornais como alvos, identifica um pequeno

grupo que fará o esboço da comunicação junto com o apóio do diretor regional e o parecer

final dos membros do Conselho HRW.

Para engajar o público e a opinião pública em geral no debate de uma política

específica. Este instrumento é um dos que possuem maior impacto e faz parte da estratégia

formal de atuação política desta organização.

Os tipos de assuntos que são suscetíveis de criarem mídia são os aqueles que

envolvem danos à vulnerabilidade dos indivíduos, especialmente quando é claro que existe

um culpado pela violação dos direitos.

A publicação é realizada em dois níveis: artigos e cartas de denuncia, assinados,

dependendo do assunto, pelos lideres da organização ou pelo diretor do programa, em jornais

de primeira linha e de grande circulação, tais como o New York Times, LA Times, The

Financial Times, The Globe and Mail, The International Herald Tribune, The New York

Times, Observer San Francisco Chronicle e Washington Post. Com estas oportunidades são

limitadas a HRW estabelece seu posicionamento sobre determinados assuntos, elaborando

artigos e cartas em jornais de segunda linha com boa circulação, geralmente de origem

regional que oferecem, dependendo do assunto, um suporte importante para os objetivos da

organização.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Human Rights Watch têm exercido um papel relevante ao longo dos anos,

outorgando visibilidade à questão dos direitos humanos para a atenção pública dos demais

atores no cenário mundial e promovendo ações internacionais de defesa. Além disso, a HRW

têm-se engajado em conjunto com as organizações internacionais governamentais em

inúmeras operações de paz e assistência humanitária e, em muitas situações, elas têm exercido

influência na elaboração de políticas mundiais das Organizações Internacionais .

O conjunto das atividades da HRW apóia-se, fundamentalmente, em dois eixos: o

primeiro diz respeito ao monitoramento da aplicação das normas internacionais de direitos

humanos nos países signatários de acordos e convenções internacionais, mediante a análise de

relatórios governamentais dos países; e, o segundo diz respeito à promoção efetiva dos

direitos humanos no mundo, utilizando-se de mecanismos de pressão, mediante campanhas

internacionais que implicam, em muitos casos, a formação de redes de defesa de direitos

humanos. O foco do trabalho da HRW está direcionado, principalmente, ao sistema de

governança estatal e às coletividades estatais.

A ampliação das atividades da HRW no âmbito global ocasionou uma mudança de

seus objetivos, implicando na defesa não só dos direitos de dimensão política, como também

das demais dimensões dos direitos humanos, incorporando no conjunto de sua atuação a

promoção da integração e da efetivação destes direitos.

A Human Rights Watch é uma organização que permanentemente atualiza o escopo de

suas atividades, objetivando a busca de resultados mais efetivos num cenário mundial em

constante mutação. Assim, a HRW atua conforme a transmutação das temáticas, possibilitada

pela evolução do conceito e da normatividade dos direitos humanos e a transformação do

cenário internacional.

Nosso escopo analítico para o estudo da atuação da HRW foram os parâmetros

analíticos desenvolvidos pela Margaret Keck e Kathryn Sikkink, nos quais encontramos

importantes ferramentas de análise quanto às formas de atuação, condições, capacidades e

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organização das redes transnacionais de defesa dentro das quais as ONGs operam.

Trabalhando a noção de poder e influência mediante a utilização dos termos pressão e

persuasão, as autoras estabelecem uma tipologia das táticas que são utilizadas por estas

organizações como instrumento de pressão e persuasão de governos, organizações

internacionais e demais atores transnacionais.

Keck e Sikkink ampliam o estudo sobre a participação de atores não estatais

transnacionais nas relações internacionais contemporâneas acrescentando a idéia de uma

gama de atores não estatais transnacionais diferentes, interagindo entre si e com objetivos e

interesses comuns. Assim, compõem redes transnacionais de defesa que, em muitos casos,

constituem-se em grandes incentivadoras de mudanças e de transformações normativas,

ampliando o poder de barganha e de negociação no espaço mundial e conferindo-lhes uma

condição de agentes paradigmáticos nas relações internacionais contemporâneas.

Em síntese, o Estado jamais deixou de ser a entidade que detém o monopólio das

categorias de análise na teoria das relações internacionais. No entanto, o que se vislumbra é a

emergência de atores transnacionais que, dependendo da arena temática na qual eles estejam

inseridos, se constituem como necessários - pelas funções e estratégias de atuação - às

relações internacionais.

Uma das premissas de nosso estudo foi a de que a arena dos direitos humanos

constitui um fenômeno global que possibilita o estudo das ONGs transnacionais numa

perspectiva abrangente de análise. Esta perspectiva contribuiu para o estudo destas

organizações, subsidiando a compreensão dos mecanismos inerentes à atuação deste tipo de

ator.

Partimos do pressuposto de que a organizações não governamentais transnacionais

pertencem a uma esfera de atuação global que se utilizam dos mecanismos do consenso e da

influência.

A HRW incrementa sua ação e influência na formulação de agendas na arena inter-

governamental, sendo esta arena o ponto central para a qual é direcionada a ação da maioria

desta organização, possibilitando canais de acesso a atores domésticos para pressionar em

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assuntos da agenda global.

As ONGs transnacionais devem criar mecanismos mais eficazes de controle que

possibilitem avaliar o impacto das ações executadas, no entanto, ela consegue identificar

claramente produtos e áreas de atuação e cidadãos beneficiários e ganhar visibilidade perante

a sociedade.

Em paralelo, a HRW opera indiretamente em outras arenas quando provem outras

ONGS transacionais de conhecimentos para coordenar coalizões e redes com atores

domésticos não estatais no entendimento das temáticas globais .

Constatamos que a HRW problematiza situações para elevá-las à condição de

solucionáveis para isto se utiliza exaustivamente da informação, estabelecendo discursos

alternativos.

A HRW cria elos e articulações com outros agentes nos diferentes níveis da sociedade

internacional capazes de criar uma linguagem coletiva e comum e um compromisso entre os

indivíduos.

A HRW defende a democracia (incentivar reformas democráticas) como condição

fundamental para o exercício dos direitos humanos (contribuir e negociar a criação de

regimes eu assegurem a aplicabilidade dos direitos humanos nessas áreas).

De certa maneira administram conflitos e negociam saídas por meio de influencia aos

principais protagonistas do conflito ou países que tem um papel importante neste conflito. A

HRW amplia o âmbito de opções políticas aos cidadãos e não se pensa como organização fora

do âmbito do Estado.

A HRW trata com um dos maiores desafios contemporâneos abrir espaço e propor

ações alternativas, unificando abordagens diferentes na discussão sobre refugiados,

imigrantes, torturados em busca de asilo e outros temas importantes.

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A HRW enfrenta a inadequação do Estado para lidar com questões acima referidas e

com a idéia da universalidade dos direitos (assim como essas áreas de conflito nas quais atua

aceitar a alteridade e de coexistir com ela). De certa forma elas criticam o Estado mediante as

suas ações, no entanto, não o rejeitam propondo indiretamente ao Estado um entendimento

diferente do que deve ser cidadania e direitos reconhecendo um novo papel para o Estado.

O elemento importante a ser destacado é o dimensionamento sem precedentes no

Estado contemporâneo da utilização da influência pelos atores não estatais, visando criar

situações de opinião pública mundial sobre as opções políticas e técnicas dos diferentes

planos da comunidade internacional para enfrentar um problema de ordem societal global. È

claro que, nesse dimensionamento da influência contribui muito o fato de que as ONGs

procuram valores que não se baseiam no argumento da força. Coloca-se que a influência

venha ser um meio igualmente importante para fins possíveis.

A HRW infiltra os mecanismos da influencia na medida que os interesses não sejam

parciais ou nacionais, mas globais.

A particular natureza dos fenômenos de direitos humanos (fenômenos societais)

garante um mínimo de eficácia ao direito internacional, facilitando a HRW sobre a base do

consenso e influência para penetrar e induzir os Estados e dos organismos internacionais a

mudar suas posições e criar novas normas para administração dos conflitos referentes aos

fenômenos globais e de interesse internacional.

Os movimentos sociais transnacionais estão contribuindo para a redefinição das

normas e padrões e ação coletiva e construção de consenso no três níveis da governança.

Uma ampla gama de atividades realizadas pelas campanhas da HRW abriu muitas

oportunidades para o sucesso em termos de estabelecimento de agendas, de proposição de

novos temas, e influência sobre estabelecimentos de normas de Direitos Humanos, provendo

vigilância e capacidades de se fazê-las cumprir.

A governança econômica em escala global pressupõe uma nova dinâmica de poder que

afeta a autonomia dos Estados. A mobilidade de capitais na busca de melhores vantagens

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competitivas e a pouca vigência das normas nacionais para atender estas novas condições de

mercado e trabalho globalizadas conduziu à fragmentação da sociedade impondo novos

desafios à soberania dos Estados quanto à sua capacidade para garantir o desenvolvimento

econômico e político aos seus cidadãos.

Na esfera política, o Estado viu-se esmagado pela perda de seu poder para reger

soberanamente as questões de ordem econômica, influenciando o nível de confiabilidade de

seus cidadãos no sistema político dos Estados e na capacidade de governar em assuntos tanto

políticos como econômicos.

Esta situação anteriormente descrita, se justapõe ao crescimento de um adensamento

de vontades individuais que se organizam em variadas teias de organizações conectadas, na

maioria das vezes, com organizações da sociedade civil transnacionais.

Enfim, as agendas das conferencias internacionais viram-se influenciadas pelas pela

relação recíproca entre as agendas individuais representadas pelas ONGS com a HRW e as

agendas dos Estados.

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