A Igualdade e a Liberdade em Tocqueville. Contribuições para o Desenvolvimento da Virtude Cívica Liberal e a Tarefa Político-Pedagógica da Democracia

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O objetivo deste trabalho, de caráter bibliográfico, é inicialmente apresentar o modelo liberal de Tocqueville como projeto de cidadania, guiado pelos conceitos de liberdade e de igualdade. Neles serão evidenciados elementos que permitam caracterizar, numa democracia, a virtude cívica, notadamente a partir de A Democracia na América. A virtude cívica, neste contexto, pode ser vista como o elemento a demover o cidadão da apatia política e relacionada às associações. Além disso, através dela, evidencia-se a tarefa político-pedagógica da democracia de ocuparem-se das questões públicas e a dedicarem-se ao bem uns dos outros.

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    A igualdade e a liberdade em Tocqueville: contribuies para o desenvolvimento da virtude cvica liberal e a tarefa poltico-pedaggica da

    democracia

    Marcos Rohling1

    1. Introduo

    O presente artigo prope centralmente o estudo da concepo de virtude cvica a partir de um dos principais entusiastas da democracia, a saber, Alexis de Tocqueville (1805-1856). verdade que seu pensamento declaradamente liberal e que o tema da virtude cvica, em geral, visto como filiado s tradies republicanas. Mas, considerando que o autor intenta analisar a democracia americana e, com grande poder de anlise, dela deriva concluses originais, o que se tem uma forma particular de considerar a temtica.

    Destarte, os traos caractersticos de pensadores liberais do sculo XVIII, com poucas excees, apontam para o desdm que nutrem pelas massas citadinas e pela formao de uma burguesia industriosa, assim como ao receio do Estado centralizado. Esses pensadores temiam que o materialismo levasse a cincia mediocridade e ao triunfo do individualismo no mesmo movimento que a centralizao do Estado ferisse valores como a liberdade, a individualidade e a diversidade haja vista que, na poca da economia feudal, esta era diversificada e dividida entre os vrios burgos existentes em cada reino diferentemente do dirigismo econmico que

    impe o Estado centralizado (PINTO FILHO, 2008, p. 282). Esses traos, de modo geral, estaro presentes na teoria desenvolvida por Tocqueville, sobretudo no que pertinente sua anlise da democracia e seus riscos, dentre eles o da tirania da maioria. Com efeito, para

    1 Professor do Ensino Bsico, Tcnico e Tecnolgico do Instituto Federal Catarinense, IFC Cmpus Videira;

    Doutorando em Educao (UFSC), Mestre em Filosofia (UFSC), Graduando em Direito (UNISUL) e Graduado em Filosofia (UFSC). Lattes: http://lattes.cnpq.br/1426156565430729. Contato: [email protected]. O autor explica que o texto resulta de uma verso ampliada e melhorada de um texto produzido como trabalho final da disciplina Filosofia Poltica I, sob os cuidados do Prof. Alessandro Pinzani, quando da sua formao no mestrado em Filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina.

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    Tocqueville, o conceito de Modernidade tem importncia na medida em que serve como paradigma temporal de anlise. Para ele, a Modernidade, diferentemente de outros pensadores liberais do sculo XIX que a entendem iniciada no sculo XVIII, comea antes, no sculo XVII-XVIII, com a centralizao da Monarquia, sob o regime absolutista. Com isso, observa, passa-se paulatinamente da desigualdade feudal para a igualdade da democracia. Os antigos laos da aristocracia, cuja caracterstica principal distino de privilgios e, por isso, desigualdade, comea a ruir quando da centralizao do poder nas mos do rei que, sempre mais, dirime os privilgios da nobreza.

    Em sua viagem Amrica, Tocqueville observa as formas, os costumes, a organizao social, assim como as instituies polticas e as relaes existentes entre o Estado e a sociedade civil, com o propsito de compreender a democracia assim como a sua forma irresistvel.2 No entanto, pretende-se apresentar e discutir aspectos da anlise tocquevilleana da democracia que coloquem em relevo a tenso entre as esferas pblicas e privadas. A predileo pela liberdade marca a obra de Tocqueville, conquanto ser oriundo de uma famlia aristocrtica. Todavia, na democracia americana, Tocqueville percebe o carter irreversvel e irresistvel da marcha democrtica e procura identificar os traos mais caractersticos do universo poltico democrtico, ressaltando os seus perigos e destacando os seus mritos. Entre esses pontos, merece ateno a preparao para a vida cvica que a democracia americana desencadeia, atravs das vrias associaes livres e do interesse bem compreendido. a partir dele que, entre os americanos, pode-se pensar a virtude cvica, revelando um modo particular de equilibrar as exigncias polticas e os interesses privados, as esferas pblica e privada.

    Sendo assim, objetivando neste texto apresentar o modelo liberal de Tocqueville, como projeto de cidadania, baseado pelos conceitos de liberdade e de igualdade, procura-se evidenciar elementos que permitam caracterizar, numa democracia, a virtude cvica uma questo republicana a partir de uma perspectiva liberal. Alm disso, discute-se a funo poltico-pedaggica da democracia, no sentido de que uma exigncia cvica a participao

    2 conveniente dizer que alguns tericos, entre os quais se encontra Besnier (2000, ver especialmente as pginas

    108-12) procurar analisar as investigaes de Tocqueville como afirmando que a fora irresistvel da democracia significaria dizer que ela se imporia sem que necessariamente implicasse na revoluo que caracterizou a Frana da Revoluo Francesa e do Terror.

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    nas atividades das coisas pblicas e de que essa participao fundamental para a superao do egosmo. Nesse quadro, tomar-se- como referencial a obra A Democracia na Amrica.

    2. A Cidadania no horizonte da tenso entre liberalismo e republicanismo

    A discusso da cidadania tem se revelado como uma das questes recorrentes na tradio do pensamento poltico ocidental, de tal modo que esse assunto frequentemente reavaliado nos seus pressupostos, em contextos histricos diferentes, adquirindo uma riqueza de significaes e um amplo leque de possibilidades interpretativas. Da ser o termo cidadania inequivocamente polissmico, podendo-se por isso mesmo, incontestavelmente, represent-lo e interpret-lo de variadas formas. Duas tradies interpretativas significativas deste termo, quais sejam, o republicanismo e o liberalismo3, ao longo da histria poltico-filosfica apresentam-se, entre as muitas possveis.

    O republicanismo, em sentido clssico, por suas bases, remonta a Aristteles e res publica romana, sendo redefinido na modernidade, sobretudo, pela obra de Maquiavel. Ele atribui ao indivduo, membro de uma comunidade poltica, virtudes cvicas no sentido de qualidades que devem ser cultivadas pelos cidados para manter estvel uma comunidade poltica, bem como para afirmao de direitos e deveres, como observa Ramos (2006, p. 79-80). O liberalismo, por outro lado, cujo termo, enquanto gnese, remonta ao perodo imediatamente aps a Revoluo Francesa (1789), cunhado para designar o conjunto de doutrinas e ideias polticas e econmicas que defendiam os conceitos de liberdade e autonomia

    3 O republicanismo, em funo da emergncia do liberalismo nos sculos XVI e XVII e da predominncia deste

    em sculos posteriores, segundo Ramos, [...] manteve-se fiel a certos valores da tradio como a liberdade poltica, o autogoverno da comunidade, o civismo e a soberania popular e a participao ativa na comunidade poltica. Nesse contexto, o republicanismo compreende a cidadania como atribuio de virtudes cvicas. O liberalismo, em contraste, apresentou-se como o modo predominante de pensar e constituir a dimenso poltica do homem na modernidade [...]. A cidadania liberal descrita como intitulao de direitos e o seu valor normativo apreciado como mero meio para a realizao dos mesmos, sobretudo, as liberdades fundamentais. Por este entendimento, o cidado designado pelo seu status de pertencimento ao Estado como indivduo portador de direitos, anteriores esfera poltica. Concebida de forma instrumental, a cidadania um meio pelo qual o indivduo faz valer esses bens jurdicos e a sua condio de titular dos mesmos, sobretudo, frente ao Estado (RAMOS, 2006, p. 78-9).

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    individuais, tem suas bases remetidas ao pensamento de Locke4 e Revoluo Gloriosa (1688-1689). De modo geral, na modernidade, para mediar e articular as relaes entre o poltico e o econmico, religioso, social, para nomear alguns, o liberalismo foi amplamente aceito de tal forma que se tornou, nesse contexto, como salienta Ramos, depositrio de determinados valores, entre os quais se tem a propriedade, a liberdade e o governo constitucional limitado. Assim, a cidadania, no entendimento liberal, entendida como instrumento para a consecuo e validao de direitos com os quais, em linhas gerais, o Estado compromete-se no sentido da proteo e da garantia do exerccio, por parte dos indivduos.

    a partir da conexo entre liberdade poltica e participao poltica que se pode pensar a virtude cvica, na perspectiva tocquevilleana, pois, por meio dos associacionismos poltico e civil e a doutrina do interesse bem compreendido, o indivduo aprende a superar as barreiras do isolamento e consequente apatia poltica. Assim, o liberalismo tocquevilleano, a partir das anlises de A Democracia na Amrica, para evitar os riscos da tirania da maioria, alicerado na ideia de liberdade e de iniciativa individual, promoveria uma pedagogia cvica mediante a arte das associaes e da teoria do interesse bem compreendido com o intuito de formar o cidado no bom exerccio de sua igualdade por meio de sua liberdade, evitando, por conseguinte, que o Estado desvirtualize-se daquilo que tem por funo. Desde j, como enfatiza Manent, importante ter presente que o ensejo terico de Tocqueville d prioridade aos aspectos polticos, diferentemente de pensadores como Comte e Marx, que tomavam os aspectos econmicos como determinantes de suas explicaes sociais (MANENT, 2006, p. 111).

    Ao tratar da democracia, Tocqueville descreve que a caminhada para a democracia

    irresistvel. A paixo pela igualdade, no curso da histria, a inscreveu na conscincia dos indivduos de tal modo que ela progride subjetivamente isto , os indivduos sentem-se

    4 Apesar do otimismo dos historiadores frente definio de liberalismo, Bobbio assevera para a impossibilidade

    de existncia de um consenso entre historiadores e pensadores polticos quanto definio de uma histria do liberalismo em virtude de trs razes: i) a histria do liberalismo vinculada histria da democracia; ii) o liberalismo manifesta-se em diversos pases, em tempo histrico diferente, de acordo com o grau de desenvolvimento destes; e iii) no possvel falar de uma histria-difuso do liberalismo (BOBBIO, 1998, p. 687-705). No interessa para a presente pesquisa estas discusses quanto origem do liberalismo, o que, por outro lado, no deixa de se mostrar interessante e cheio de possibilidades. Alm disso, adotar-se- a tradio filosfica que v, no pensamento de Locke, as bases para o liberalismo, pelo menos, em suas teses fundamentais.

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    iguais. Em outras palavras, a marcha pela igualdade das condies cria uma aspirao igualdade a qual incita, por seu turno, a equalizao das condies (NAY, 2007, p. 314-5). Nesse sentido, os americanos, no movimento de transformao para a democracia, atingiram o estgio mais elevado posto que o objetivo de sua independncia coloca-se na realizao deste intento (NAY, 2007, p. 315). Neste contexto, a questo relevante para o autor como se pode salvar a liberdade, dada a igualdade de condies decorrente da lei de sucesso? Como apontado acima, a resposta de Tocqueville inclina-se para o associacionismo, base sobre a qual se prope pensar o fundamento da virtude cvica uma questo republicana numa conjuntura liberal. Neste quadro terico retratado pelo autor, como j indicado, a religio tem papel fundamental no desenvolvimento dos sentimentos morais os quais so os mesmos sentimentos do cidado, isto , aqueles que incitam a virtude cvica.

    3. A marcha para a democracia e o objetivo de A Democracia na Amrica

    Para elaborao de sua pesquisa sobre a democracia entre os americanos, Tocqueville observou os costumes e as instituies da sociedade, e, partindo dos princpios do empirismo, buscou uma conceituao e generalizao dos fenmenos sociais presentes naquela sociedade ponto de vista sob o qual se aproxima da metodologia elaborada por Montesquieu, em O Esprito das Leis produzindo uma anlise generalista e baseando sua pesquisa em categorias como: condies geogrficas, leis, costumes e hbitos da sociedade americana. Na literatura especializada ideia difundida a de que Tocqueville cria aquilo que Weber conceituaria posteriormente como tipos ideais auxeses da realidade que, em Tocqueville, consistia em imaginar uma democracia ideal.

    Da viagem a Amrica, sem dvida, o que mais impressionou Tocqueville foi a viso que teve da igualdade social ao mesmo tempo em que, segundo notou, essa igualdade amparava-se na defesa da liberdade. Essa observao incidiu positivamente sobre suas ideias fazendo que,

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    paulatinamente, tomasse partido em favor das ideias democrticas, contrapondo-se ao peso aristocrtico que tivera em sua formao. 5

    Segundo Quirino, ao elaborar o conceito de democracia, Tocqueville acaba por apresent-lo como um processo de carter universal de tal sorte que

    [...] a Democracia no seria um fenmeno que apenas surgiu e se desenvolveu nos Estados Unidos. Embora as condies nesse pas tenham sido excepcionais para o seu desenvolvimento, o processo democrtico, que ele define como um constante aumento da igualdade de condies, diz respeito a toda a humanidade. Como tal, a democracia vista como inevitvel e mesmo providencial, pois ela seria a prpria vontade divina, realizando-se na histria da humanidade. Assim, ela universal, durvel e todos os acontecimentos, como todos os homens, servem ao seu desenvolvimento. Querer parar a democracia pareceria ento lutar contra Deus. Esse , portanto, o eixo fundamental para se entender o significado de democracia para Tocqueville: a existncia de seu processo igualitrio, como se fosse uma lei necessria para se compreender a histria da humanidade (QUIRINO, 2006, p. 153-4).

    Como Manent parece sugerir, Tocqueville no chega a definir claramente o que a democracia, nem, tampouco, o que a igualdade de condies, no obstante explic-la e determinar o modo como ela produzida. A explicao do pensador francs dar-se-ia tendo em vista, isso sim, revelar a transformao de todos os aspectos da vida humana, inclusive do ponto de vista ntimo e pessoal. A argumentao em vista do entendimento do que a democracia, e sua correlata relao com a igualdade de condies, ento, leva ao embate entre duas foras polarizantes: a democracia e a aristocracia. De forma simples, a democracia estaria associada ao movimento de igualitarizao enquanto que, a contrario sensu, a aristocracia seria alegrica das sociedades europeias, caracterizadas pelas desigualdades e s quais corresponderia um tipo de homem mais interessado em fins grandiosos, diferentemente do tipo de homem que corresponderia democracia, mais interessado no sentimento de semelhana (MANENT, 2006, p. 113-5).

    Esses aspectos ficam mais evidenciados quando, na estrutura de sua obra, depois de salientadas as principais caractersticas fsicas da Amrica do Norte, o autor passa a identificar as populaes que vieram da Europa por conta das perseguies religiosas argumentando a

    5 Refere-se aqui a influncia que Guizot tem sobre a teoria tocquevilleana. Rodriguez argumenta no sentido de

    uma converso ao ideal democrtica, precisando-a entre maio, de 1831, e fevereiro, de 1832. Essa dita converso d-se por conta da observao, inicialmente, do sentimento de patriotismo com o qual se nutriam os americanos, sendo completada, posteriormente, com a descoberta do que a igualdade bem regrada. Aps isso, Tocqueville aderira a concepo de uma democracia irresistivelmente triunfante (RODRIGUEZ, 1998, p. 78-83).

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    disposio destas em tentar, na Amrica, encontrar uma nova forma de convvio religioso e poltico. Tocqueville coaduna a esta busca a igualdade civil incentivada e garantida pela lei de sucesso porquanto ser a lei que regulava as sucesses que levou a igualdade a dar o seu ltimo passo (TOCQUEVILLE, 1977, p. 45). Tal lei, segundo suas observaes, ganha relevo na medida em que divide a propriedade, criando, por conseguinte, a ruptura do sentimento que tinham os europeus com a terra, elemento tpico na aristocracia feudal. Assim, posteriormente, com espanto, aduz:

    Admira-me que os publicistas antigos e modernos no tenham atribudo s leis de sucesso uma influncia maior na marcha dos negcios humanos. Tais leis pertencem, verdade, ordem civil; deveriam, porm, ficar situadas frente de todas as instituies polticas, pois influem de maneira inacreditvel sobre a situao social dos povos, cujas leis polticas so apenas a sua expresso. Tm, ademais, uma maneira segura e uniforme de operar sobre a sociedade; de certa maneira, afetam as geraes antes de seu nascimento. [...] Constituda de uma certa maneira, ela rene, concentra, agrupa, em torno de certa cabea, a propriedade e logo depois o poder; de certa maneira, faz fluir do solo da aristocracia. Conduzida por princpios outros e lanada num outro caminho, a sua ao ainda mais rpida; divide, partilha, dissemina os bens e o poder [...] (TOCQUEVILLE, 1977, p. 45).

    Quanto da partilha dos bens, em virtude da lei de sucesso, Tocqueville divisa duas consequncias evidentes: i) a primeira delas que a morte de cada proprietrio traz consigo uma revoluo propriedade dada a mudana, de carter de posse e de natureza, conquanto existir o fracionamento contnuo, cada vez mais intenso, em pores menores da mesma e esse , segundo o autor, o efeito direto e material da lei; ii) a segunda delas, que a lei age sobre as paixes, constituindo o meio indireto, destruindo as grandes fortunas de forma clere (TOCQUEVILLE, 1977, p. 45-6).

    De modo evidente, a lei de sucesso, ao estabelecer a partilha igual dos bens, rompe a ntima ligao que existia entre o esprito de famlia e a conservao da terra. Por conseguinte, a terra deixa de representar a famlia uma vez que ininterruptamente tende a ser dividida, at desaparecer por completo, quebrando, assim, a ideia de materializao do esprito familiar na terra, preponderante na aristocracia. Ganha relevo a afirmao de Tocqueville de que onde termina o esprito de famlia surge, na realidade de seus pendores, o egosmo individual (TOCQUEVILLE, 1977, p. 46). Portanto, devido lei de sucesso que, entre os americanos,

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    tem-se a igualdade, igualdade esta que se faz notar no somente nas fortunas, mas nas inteligncias6, inclusive, de sorte que os homens americanos, conclui o autor,

    [...] mostram-se mais iguais pela sua fortuna e pela sua inteligncia, ou noutras palavras, mais igualmente fortes do que o so em qualquer pas no mundo, e do que o foram em qualquer outro sculo de que a Histria guarde lembrana (TOCQUEVILLE, 1977, p. 48-9).

    Segundo Quirino, Tocqueville recebeu severas crticas quanto ao juzo que fez da igualdade entre os americanos em razo de se considerar que em tal democracia observavam-se grandes diferenas de nvel econmico entre seus habitantes, bem como significativas diferenas raciais e culturais. De acordo com a autora, em suas explicaes sobre o que definia como igualdade de condies, fica claro que Tocqueville exclui a possibilidade de se compreender a igualdade apenas como igualdade econmica. Para a autora, o conceito de igualdade do qual fala Tocqueville encontra-se especialmente na igualdade cultural e poltica, que conducente, no desenvolvimento do processo democrtico, homogeneidade de um povo. Nos Estados Unidos, alis, o grande problema por ele apontado para que tal processo pudesse se cumprir plenamente era a existncia de escravos. Sobretudo porque, por serem de raa diferente, a cor iria, mesmo aps a libertao, permanecer como um fator de diferenciao e preconceito (QUIRINO, 2006, p. 154).

    Na anlise de Tocqueville, evidentemente, esses foram, sem dvida, fatores incontestes que concorreram para a prosperidade das colnias angloamericanas. Pode-se, contudo, muito embora isso seja feito pormenorizadamente por Tocqueville, apontar outras variveis, igualmente contribuintes, como as seguintes: os costumes puritanos, a poupana fruto do esprito do trabalho assim como certo desmazelo da Metrpole, que foram decisivos no momento independentista, que, concatenadas, promoveram as condies para o estabelecimento da igualdade entre os americanos (RODRIGUEZ, 1998, p. 78-83). Com efeito, segundo esclarece Rodriguez,

    6 Na Amrica, segundo Tocqueville, a inteligncia tambm se encontrava mais ou menos distribuda de forma tal

    que no se encontra l grandes mentes, cujas individualidades se fizesses brilhar pela sua inteligncia, como existira na Europa. Muito embora esse fosse o caso em suas anlises, observou igualmente a existncia de um nvel mdio bsico assim como de bom senso democraticamente distribudos entre todas as pessoas. Numa passagem, Tocqueville confessa sua pasmidade arguindo que quando na Europa comea-se a formao, nos Estados Unidos j se inicia as atividades prticas (TOCQUEVILLE, 1977, p. 232-5).

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    a prtica poltica e administrativa das colnias anglo-americanas terminou consagrando alguns princpios que eram, em geral, desconhecidos dos pases europeus, como a participao direta do povo nos negcios pblicos, o voto livre de imposto, a responsabilidade dos agentes do poder, a liberdade individual e o julgamento pelo jri (RODRIGUEZ, 1998, p. 98).

    Alm disso, este autor ainda aponta que Tocqueville destacou em seu estudo que enquanto a liberdade se desenvolvia na ordem civil e poltica na Amrica, a religio presidia no terreno moral, fundando os direitos sobre a base firme dos deveres, eticamente justificados (RODRIGUEZ, 1998, p 98). Isso permite dizer que a religio e por religio Tocqueville entende principalmente o cristianismo permitia aos indivduos cultivar aqueles sentimentos mais importantes para o desenvolvimento da vida cvica.7

    Ademais, para Tocqueville, a unio americana compe-se de estados, cada um dos quais se divide em comunas e condados. A comuna, em seu entender, parecia surgida das mos de Deus como primeiro refgio da liberdade e no dependia seno dela prpria em tudo que se relacionasse ao convvio dos cidados.

    A Comuna era enxergada por Tocqueville como um foco de febril atividade social e de saia emulao. O condado, por sua vez, seria o equivalente ao arrondissement francs; caracteriza-se porque puramente administrativo e judicirio, no eletivo e pauta juridicamente a ao das comunas. O governo norte-americano [...] age como a Providncia, sem se revelar. O poder , sem dvida, o auxiliar da lei. Mas o soberano a lei mesma (RODRIGUEZ, 1998, p. 99, grifo do autor).

    No obstante, o poder sendo respeitado no seu princpio, justamente pelo fato de ser enxergado no como ponto culminante sociedade, mas como o seu instrumento, no era concebido pelos americanos como algo que devesse ser concentrado nas mos de uma nica pessoa ou instituio, mas como uma instncia que deveria ser dividida tendo-se em vista o no mitigamento de sua ao. Na Amrica, segundo expressa com surpresa, inexiste centro geral da administrao significando, pois, que as decises tomadas pelos poderes legitimamente constitudos fossem fracas. Como se faz notar, em nenhuma outra parte do

    7 Nesse aspecto, Tocqueville se afasta parcialmente de uma viso como aquela que expressa Rousseau, embora a

    religio ainda conserve o status de instrumentum regni. Vale lembrar que Rousseau estabelece, na anlise desenvolvida em Do Contrato Social, a distino entre trs tipos de religio, a saber: a do padre, a do cidado e a do homem. A religio do padre malfica tendo em vista submeter o cidado a leis contraditrias e a dois senhores; a religio do cidado correspondente s religies pags e benfica, pois transforma a ptria em objeto de adorao dos cidados; por fim, a religio do homem a do cristianismo originrio, no o das igrejas, mas aquele dos evangelhos (ROUSSEAU, 1987, p. 137-145).

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    mundo a ao governamental mais poderosa porquanto brotar do consenso da maioria. Decorre da, e que ser detidamente trabalhado por ele no segundo livro de A Democracia na Amrica, o risco da tirania da maioria.

    O poder judicirio, nesse contexto, segundo observa, ocupava um lugar de destaque: a sua influncia estendia-se da ordem civil poltica. s atribuies que notadamente definiam-lhe como instituio, juntava-se a de exercer um controle indireto sobre os outros poderes, alicerado na interpretao da Constituio, mais do que nas leis, mas somente em casos particulares.

    Tocqueville depois de expor a organizao civil, jurdica e poltica do Estado, passa a examinar a Constituio Federal da Unio procurando analisar o esprito que a animava assim como das relaes das instituies polticas federais. Tocqueville aponta que a unidade poltica, como sinteticamente o expressa, muito bem, Rodrguez,

    reside nas atribuies soberanas assinaladas Unio. A unidade judiciria constituda por uma corte suprema que interpreta as leis e que regulamenta as diferenas entre os Estados; o princpio da independncia representado pelo Senado, a Assemblia dos representantes encarna o dogma da soberania nacional. Ao poder legislativo o Senado junta o poder judicirio e poltico. J o poder executivo vigiado, mas no dirigido pelo Senado e personifica-se no Presidente, a fim de que sua responsabilidade seja mais completa. O primeiro mandatrio est munido com o poder do veto suspensivo (RODRIGUEZ, 1998, p. 101).

    Essa passagem expressiva, uma vez que aponta para o perigo do despotismo da tirania da maioria que a prtica da reeleio presidencial, permitida pela Constituio, pode incorrer. Para o autor tal prtica coloca-se a servio deste, que um dos riscos da democracia. O nico motor de todo esse mecanismo o povo que se administra a si mesmo, faz e aplica leis atravs das formas institucionais da organizao comunal, do sufrgio universal e do tribunal do jri. Alm disso, o autor observa que os partidos polticos que fossem relegados s minorias, mediante o sufrgio, renunciam prtica da violncia e assumem o compromisso de tentar vencer seus adversrios por meio da persuaso e da prtica parlamentar.

    Tocqueville aponta dois motivos que permitiam ao povo americano se movimentar e se agitar, quais sejam: a liberdade de imprensa e o esprito de associao. Todavia, destas, a que em seu entender parece ser vital a liberdade de associao posto que se aplica a tudo, desde s decises mais simples da vida civil at aos atos mais importantes da soberania nacional (RODRIGUEZ, 1998, p. 102).

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    Outro evento analisado por Tocqueville concerne ao fato de que a mutabilidade da administrao e da legislao decorrncia inequvoca do governo cujo sistema o eletivo. Com isso, o autor procura apontar para as diferenas particulares observadas nos diversos estados percorridos na Amrica. Ademais, o autor questiona-se se, dada as condies nicas reunidas na Amrica, como as leis e costumes imperantes, que permitiram que a democracia se configurasse particularmente, seria possvel que a democracia se mantivesse em qualquer outro planeta. Embora, como se disse, a democracia na Amrica tenha surgido de forma singular, o pensador entende que seria possvel manter a democracia em qualquer outro lugar do planeta desde que prismada pelas leis e pelos costumes adequadamente conjugados (TOCQUEVILLE, 1977, p. 221-39).

    Aps ter estudado a influncia geral que a democracia tinha sobre o desenvolvimento intelectual, moral, civil e poltico da sociedade americana, em relao a outras sociedades da poca, e, aps ter identificado as virtudes e os vcios de tal sociedade, Tocqueville passa a concluso do estudo da primeira democracia. Tal concluso aponta para o individualismo que, solidamente alicerado na prtica do livre exame, converteu-se em trao marcante dessa sociedade. Essa caracterstica, por outro lado, abrandada pela influncia da religio no sentido de que as verdades morais conservam a estrutura de sua sociedade. Isso se deve ao fato de que, na Amrica, diferentemente do que ocorrera na Europa, a Igreja no se alinhou ao poder constitudo, mas, estando separada, mantm sua influncia, porquanto reger os costumes (TOCQUEVILLE, 1977, p. 225; RODRIGUEZ, 1998, p. 104). Alm disso, o autor ressalta ainda o grande amor ao conforto e ao bem-estar material que tinham os americanos, o qual era, no confronto com a religio, mitigado pela mediao que o trabalho produtivo desenvolvia,

    quaisquer que fossem as condies nas quais era praticado. No segundo livro de A Democracia na Amrica, publicado em 1840, com caractersticas

    mais abstratas, centrando-se na reflexo sobre o homem democrtico, tendo, por exemplo, o homem americano, Tocqueville apresenta uma viso mais geral das sociedades democrticas e busca analisar as consequncias sociais de uma sociedade democrtica. Em outras palavras, faz consideraes abstratamente, pensa a democracia, diferentemente do que fizera no primeiro livro, cuja caracterstica a da descrio da realidade americana. Alm disso, Tocqueville explana acerca da temtica do individualismo ao falar do mtodo filosfico dos americanos,

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    que ao contrrio dos europeus no se debatem em torno de tradies filosficas e nem lhe do a devida importncia.

    Segundo entende Rodrguez, quatro grandes problemas chamam a ateno de Tocqueville no segundo livro, sendo os quais: i) a influncia da democracia sobre o movimento intelectual nos Estados Unidos (TOCQUEVILLE, 1977, p. 321-82); ii) a influncia da democracia sobre os sentimentos dos norte-americanos (TOCQUEVILLE, 1977, p. 383-426); iii) a influncia da democracia sobre os costumes propriamente ditos (TOCQUEVILLE, 1977, p. 427-510), e iv) a influncia que as ideias e os sentimentos democrticos exercem sobre a sociedade poltica (TOCQUEVILLE, 1977, p. 511-42). Em relao ao segundo livro, as indicaes sero apenas essas visto que o intuito apenas oferecer um quadro genrico da obra de Tocqueville.

    4. A Igualdade, a Liberdade e a Virtude Cvica

    Tocqueville considerou uma diversidade de caminhos que as naes poderiam seguir para a realizao da democracia. Assim, o autor arguiu que as sociedades democrticas podem ser liberais ou tirnicas. Neste nterim, identificou dois grandes perigos que ameaavam as democracias: de um lado, a tirania da maioria e, de outro, o despotismo democrtico (QUIRINO, 2006, p. 155).

    Para Tocqueville, como exposto, a democracia est associada a um processo igualitrio que no poder ser cessado, o qual se desenvolve de forma e de modo diferentes em povos diversos. O que caracterizar, noutro sentido, se uma democracia cambiar para a liberdade ou para a tirania ser, sobretudo, a ao poltica. Esta questo do despotismo democrtica e da tirania da maioria , sem dvida, um ponto crucial desenvolvido no segundo livro de A Democracia na Amrica, ainda que tenha sido apontado no primeiro livro. O processo de igualizao, como observado e apontado, pode desenvolver desvios perigosos os quais podem levar perda da liberdade, quais sejam: i) na tirania da maioria, a cultura igualitria de uma maioria poderia destruir as possibilidades de manifestao de minorias ou mesmo de

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    indivduos diferenciados; contra o individualismo; e ii) o surgimento de um Estado autoritrio desptico; neste caso, o Estado dos poucos tomaria para si todas as atividades, assim, intervindo tambm nas liberdades fundamentais (QUIRINO, 2006, p. 155). Segundo Arrianda e Bastos, Tocqueville tambm explicita como a democracia se faz acompanhar de um progresso do individualismo. Proclamados e reconhecidos os direitos individuais, o gosto pela liberdade corrompe-se pela paixo pela igualdade, que favorece a difuso de um esprito majoritrio e conformista (ARRIANDA & BASTOS, 2007, p. 6).

    De acordo com Tocqueville, a atividade poltica dos cidados pode impedir que estes perigos ocorram. A existncia e a manuteno de certas instituies podem, por certo, dificultar significativamente o surgimento de um Estado autoritrio e mesmo de uma sociedade massificada. O Estado desptico seria um Estado que comandaria um povo massificado, preocupado apenas com suas pequenas atividades particulares. A democracia no precisa apenas ser igualitria, ela deve permitir aos homens serem livres. neste ponto que se centra a discusso tangente virtude cvica. A tese aqui defendida a de que a virtude cvica est associada s instituies mantenedoras da liberdade assim como ao associacionismo por parte dos indivduos no contexto do interesse bem compreendido.

    4.1. Tirania da maioria

    Como se sabe, a preocupao de Tocqueville, no primeiro livro, nunca foi com as nefastas consequncias da democracia, mas apenas descrever a democracia entre os americanos. Contudo, como mencionado, neste livro o autor j apontara para os riscos que a democracia pode conter em si, entre os quais, o da tirania da maioria, que procede inequivocamente da vontade de todos por isso, arrogando-se o direito de tudo fazer. No pode ser esquecido que a preocupao fundamental de Tocqueville encontrar um mtodo de limitar e controlar o poder tendo em vista evitar os abusos que este eventualmente possa conter. Assim, como aponta Muos-Alonso,

    La separacin de poderes, basada en la mxima de que le pouvoir arrte le pouvoir, es fruto de esa preocupacin y abre una lnea de pensamiento que, con antecedentes

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    en Locke, se prolongar en pensadores como Bejamin Constant, Tocqueville o el propio Stuart Mill, todos ellos em guardia permanente contra los abusos de la mayora (MUOS-ALONSO, 2007, p. 244).

    Segundo ressalta este autor, para Tocqueville nenhum poder, qualquer que seja a sua origem, pode ser absoluto ou ilimitado de tal modo que a justia constitui o limite do direito de todo o povo. Tocqueville o expressa do seguinte modo, j no primeiro livro de A Democracia na Amrica:

    Tenho por mpia e detestvel a mxima de que, em matria de governo, a maioria de um povo tem o direito de tudo fazer, e no entanto situo nas vontades da maioria a origem de todos os poderes. Estarei em contradio comigo mesmo? Existe uma lei geral, que foi feita ou pelo menos adotada, no apenas pela maioria de todos os homens. a lei da justia. A justia constitui, pois, o limite do direito de cada povo (TOCQUEVILLE, 1977, p. 193).

    A questo que est por detrs da tirania da maioria, na tica de Tocqueville, segundo o que expressa diligentemente Quirino, a do temor de que a cultura igualitria de uma maioria destrua as possibilidades de manifestao de minorias ou mesmo de indivduos diferenciados. Assim, o desenvolvimento de uma sociedade onde hbitos, valores, entendimentos, entre outros, fossem definidos por uma maioria que quaisquer atividades ou manifestao de ideias que escapassem ao que a massa da populao acreditasse ser a normalidade, seriam impedidas de se realizar (QUIRINO, 2006, p. 155). De qualquer modo, Muos-Alonso aponta que Tocqueville antecipa o fenmeno que os especialistas em comunicao, no lastro de Elizabeth Noelle-Neumann, denominam como espiral do silncio, isto , quem se sente em maioria motiva-se a falar e a intervir, e quem se percebe como minoria tem, por outro lado, a tendncia a calar-se cada vez mais. A decorrncia disto que a maioria aparece como mais majoritria do que realmente , e a silente minoria, que se sente em menor nmero, aparece como mais minoritria do que realmente (MUOS-ALONSO, 2007, p. 247-8).

    importante chamar a ateno para o fato de que, sendo Tocqueville um rduo defensor da liberdade individual, assim como Stuart Mill, seu contemporneo, seria necessrio garantir o direito de discordar e divergir de opinio, sem o que inexiste uma verdadeira democracia (MUOS-ALONSO, 2007, p. 248-9). Ao evitar-se a tirania da maioria, salvaguardava-se a liberdade individual como uma forma de discordar das opinies dominantes.

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    Tocqueville temia que os hbitos e os costumes de uma maioria destrussem as vontades de minorias ou de indivduos isolados em virtude de que o poder da maioria nos Estados Unidos ultrapassa todos os poderes que conhecemos na Europa (TOCQUEVILLE, 1977, p. 196). Jasmim salienta que esta forma de tirania alimenta-se da interpretao e da aplicao imoderadas do princpio democrtico elementar segundo o qual os interesses do maior nmero devem ser preferidos aos do menor (JASMIM, 2005, p. 61). Com isso, o Tocqueville no quer dizer que na Amrica se faa uso da tirania, mas to somente que nenhuma garantia se pe para seu no estabelecimento (TOCQUEVILLE, 1977, p. 195).

    4.2. Despotismo democrtico

    Se o desenrolar de suas ideias sobre a tirania da maioria aparece no primeiro livro de A Democracia na Amrica, as suas reflexes a respeito dos perigos da concentrao do poder e dos tipos de despotismo que devem temer as sociedades democrticas ocupam os ltimos captulos do segundo livro. Isso se deve, em parte, no ao contato imediato com a sociedade americana, mas a uma reflexo ainda mais profunda e prolongada da democracia. A sociedade americana, no segundo livro, :

    ya casi un lejano teln de fondo, poco ms que un pretexto, que le da pie para unas reflexiones mucho ms generales sobre el futuro de esa democracia que todava no ha llegado a Europa, pero que es el horizonte inesquivable del continente (ROLDN, 2007, p. 252).

    Essas circunstncias, conjuminadas s suas experincias polticas ao longo de cinco anos, tempo que separa a primeira da segunda publicao, do s suas reflexes a respeito da democracia do segundo livro um valor muito grande. Como se sabe, a preocupao fundamental de Tocqueville centra-se nas relaes entre liberdade e igualdade. O autor tem prismado o receio de que aquela possa ser asfixiada por esta uma vez que os homens nutrem uma paixo insacivel e invencvel pela igualdade que, no se podendo t-la na liberdade, desejam na escravido.

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    Segundo Tocqueville, o despotismo se introduziu na democracia atravs do individualismo caracterstico do estado social igualitrio.8 Do amor igualdade chega-se ao individualismo: este resultado daquele, apresentando-se, pois, como inevitvel e, ao mesmo tempo, preocupante. O individualismo, na terminologia tocquevilleana uma expresso recente e decorre do fato de os cidados dedicarem-se cada vez mais aos seus assuntos privados, abandonando, por consequncia, o interesse pelos negcios pblicos. Desse desinteresse pelos negcios pblicos, cria-se espao para o surgimento de um Estado que, segundo assevera Quirino, apodera-se de toda a administrao pblica e, depois, passa a intervir nas liberdades fundamentais dos indivduos (QUIRINO, 2006, p. 156).

    4.3. A virtude cvica e o interesse bem compreendido

    Neste contexto, tem-se que a principal preocupao de Tocqueville pode ser entendida como quais as condies necessrias para evitar o despotismo em sociedades igualitrias, ou, noutras palavras, como coadunar igualdade e liberdade. Tocqueville vislumbra na liberdade poltica a resposta para esta questo (TOCQUEVILLE, 1977, p. 391)9 pois, nos Estados

    8 Tocqueville entende que o individualismo, que inexiste nas pocas aristocrticas, nasce da igualdade de

    condies. Assim, pois, a [...] aristocracia fizera de todos os cidados uma longa cadeia que subia do campons ao rei; a democracia desfaz a cadeia e pe cada elo parte (TOCQUEVILLE, 1977, p. 387). Cohn aponta que A disseminao do individualismo representa particularmente uma ameaa no que diz respeito sempre problemtica conexo entre igualdade e liberdade, por uma razo simples, mas decisiva. que o individualismo como forma de conduta e como trao de carter tem o seu solo na sociedade, exprime-se nos costumes. No est, pois, diretamente sujeito s leis, mas, pelo contrrio, contribui para mold-las. Claro que nessa linha de argumentao est presente a preocupao mais funda de Tocqueville, que no a expanso da igualdade (para ele um dado inexorvel) mas a manuteno, se no a expanso da, liberdade (COHN, 2006, p. 255). 9 Jasmim reverbera que a participao comunal e as liberdades locais apareceriam, ento, como panacia para os

    males do inevitvel individualismo. As instituies comunais lembram sem cessar e de mil maneiras a cada cidado que ele vive em sociedade e os faz sentir a cada dia que no podem passar sem a populao que os rodeia. A responsabilidade da administrao dos pequenos negcios os faz interessados pelo bem pblico e os faz ver a necessidade que tm, sem cessar, uns do outros, para produzi-lo. As liberdades locais renem os homens a despeito dos instintos que os separam, e os fora a se ajudarem mutuamente. neste sentido que se pode afirmar que Tocqueville formulou uma pedagogia poltica da ao conjunta no espao pblico como condio do aprendizado do gosto do bem comum. Prtica essa que, longe de restringir-se aos procedimentos eleitorais, obriga os indivduos a abandonarem o seu isolamento, para exercerem, diretamente, na comunidade local, a sua soberania visto que, como d-lo Tocqueville que o grande objetivo dos legisladores da democracia o de criar negcios comuns que forcem os homens a entrarem em contato uns com os outros (JASMIM, 2000, p. 77-9).

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    Unidos, como observou, segundo entende-o Chatelt, a igualdade se associou aos mecanismos da liberdade poltica (CHATELT, DUHAMEL & PISIER-KOUCHNER, 2006, p. 110). O povo americano foi suficientemente sbio para evitar, mediante o estabelecimento dos princpios da soberania popular atravs das instituies polticas concretas, o despotismo democrtico. s instituies da soberania do povo, Tocqueville acrescentou outras duas vantagens polticas que contriburam para salvaguardar a liberdade poltica, quais sejam: a descentralizao administrativa e as associaes livres.

    A descentralizao administrativa na Amrica produziu efeitos polticos admirveis aos olhos de Tocqueville. Todavia, no que concerne s virtudes cvicas, enquanto agentes de superao do individualismo, as associaes tem papel preponderante. As associaes livres, das quais fala Tocqueville, so as associaes civis e polticas, as quais evidenciam a facilidade com que os americanos se associam na vida civil tendo em vista os mais variados fins. Assim, das associaes livres aduz que:

    Os americanos de todas as idades, de todas as condies, de todos os espritos esto constantemente a se unir. No s possuem associaes comerciais e industriais, nas quais todos tomam parte, como ainda existem mil outras espcies: religiosas, morais, graves, fteis, muito gerais e muito particulares, imensas e muito pequenas [...] (TOCQUEVILLE, 1977, p. 391).

    constatao de Tocqueville do esprito associativo, notavelmente, atribuda um desempenho fundamental, qual seja, o de que so as associaes que, nos povos democrticos, devem tomar o lugar dos particulares poderosos e, portanto, despertar o cidado ao civismo, virtude cvica que a igualdade de condies fez desaparecer. Assim, a um desejo, em face de um sentimento ou de uma ideia que desejam produzir no mundo, procuram-se, e, quando se encontram, unem-se. , pois, atravs das associaes que o isolamento humano superado na democracia (TOCQUEVILLE, 1977, p. 394). Assim, segundo o autor,

    [...] nada existe que merea atrair mais os nossos olhares que as associaes intelectuais e morais dos EUA. As associaes polticas e industriais dos americanos facilmente so por ns percebidas; mas as outras se nos escapam; e, se as descobrimos, as compreendemos mal, porque nunca vimos algo de anlogo. Deve-se reconhecer, entretanto, que so to necessrias quanto as primeiras ao povo americano, e talvez mais. Nos pases democrticos, a cincia da associao a cincia me; o progresso de todas as outras depende dos progressos daquela. Entre as leis que regem as sociedades humanas, existe uma que parece mais precisa e mais clara que todas as outras. Para que os homens permaneam civilizados ou assim tornem-se, preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfeioe

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    na mesma medida em que cresce a igualdade de condies (TOCQUEVILLE, 1977, p. 394).

    Com efeito, entre as associaes e os jornais, existe uma relao, que se coloca como necessria, que decorrente do fato de que os jornais fazem as associaes e as associaes fazem os jornais (TOCQUEVILLE, 1977, p. 395): a insero dos indivduos nas associaes cria uma relao de implicaes entre elas e a opinio pblica. Inobstante estas relaes, Tocqueville assevera ainda que as associaes polticas so consideradas as grandes escolas gratuitas, aonde todos os cidados vm aprender a teoria geral das associaes, de forma que, na democracia, a arte da associao torna-se, ento, [...] a cincia me; todos a estudam e a aplicam (TOCQUEVILLE, 1977, p. 398).

    Ademais, as associaes polticas, voltadas para grandes empresas, reconduzem os homens, uns aos outros, obrigando-os a sarem de suas famlias para ajudarem-se mutuamente. Atravs dela, os homens aprendem a submeter a sua vontade dos outros e a subordinar os seus esforos particulares ao comum (TOCQUEVILLE, 1977, p. 394). Nos pases democrticos, enunciou Tocqueville, as associaes polticas formam, por assim dizer, os nicos particulares poderosos que aspiram dirigir o Estado (TOCQUEVILLE, 1977, p. 399). Alm disso, Tocqueville apontou para a relao entre as associaes e a igualdade democrtica, haja vista que aquelas devem, segundo a imagem aristocrtica que ele tem da Europa, ocupar o lugar dos particulares poderosos que a igualdade de condies faz desaparecer (TOCQUEVILLE, 1977, p. 394). digno de nota que o autor explorou a influncia dos hbitos e dos costumes sobre o carter das instituies polticas americanas, demonstrando os traos caractersticos dos americanos que tornaram a democracia liberal no Novo Mundo.

    Essa forma de valorizar o associacionismo, entre os americanos, no interior da superao do individualismo e, especialmente, de cotejar a virtude cvica, se junta quela da doutrina do interesse bem compreendido, a respeito da qual Tocqueville assevera que mais

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    apropriada s necessidades dos homens de seu tempo e que, dessa maneira, ela a mais poderosa garantia que lhes resta contra si mesmos.10 Jasmim argumenta que:

    O apego aos interesses privado e a conduta orientada pela utilidade so provavelmente mais fortes nos estados Unidos do que em qualquer outro lugar. Mas ali desenvolveu-se, segundo Tocqueville, a doutrina do interesse bem compreendido, na tradio j sugerida por Montaigne, para a qual um caminho reto pode ser seguido no por sua retido prpria mas por ser mais til. Num mundo em que as doutrinas morais do desprendimento, do esquecimento de si, do fazer o bem sem interesse, j no tem apelo social significativo, a viabilidade de se romper o cordo de isolamento da privacidade individualista estaria na identificao racional dos interesses particulares com aqueles da cidadania. Em outras palavras, no contexto moderno h que se substituir os sacrifcios cegos e as virtudes instintivas daqueles poucos do passado pelas luzes do clculo do muitos do presente (JASMIN, 2000, p. 80).

    A doutrina do interesse bem compreendido coloca-se, pois, no contexto das virtudes cvicas, como compreenso de seu prprio interesse individual, haja vista que este, segundo Jasmim, ser mais que nunca o mvel principal, seno exclusivo, das aes humanas. Segundo entende, a doutrina do interesse bem compreendido nada tem de sublime, se comparada s de desinteresse de si ou da beleza intrnseca virtude. moralmente fraca e de um ponto de vista pouco elevado, do qual os americanos veem as aes humanas, entretanto, do ponto de vista do reconhecimento do indivduo nos negcios pblicos, resulta numa poderosa ferramenta poltica. Seja como for, segundo Jasmim, a doutrina do interesse bem compreendido o resultado de duas ideias arraigadas nas sociedades democrticas, a saber, do egosmo que faz como que s se pense em si e da concentrao da alma nas coisas materiais. O interesse de Tocqueville colocava-se, pois, nas implicaes polticas e, sendo assim, no sendo

    [...] a grandeza um valor agregativo nas sociedades igualitrias, a doutrina do interesse bem compreendido, se til a toda sociedade, ainda mais til naquelas onde os homens no pode retirar-se para fruio platnica do bem fazer e vem o outro mundo prestes a escapar-lhes (JASMIN, 2000, p. 82)

    Assim, verdade, argumenta Jasmim, [...] que ela toma as virtudes extraordinrias ainda mais raras, mas na medida em que volta o interesse pessoal contra si prprio e se serve, para dirigir as paixes, do aguilho que as excita, ela se Poe ao alcance de todas as inteligncias e se acomoda maravilhosamente s fraquezas dos homens. Por isso a doutrinas do

    10 No que pertine religio, o autor no cr que o nico mvel dos homens religiosos seja o interesse, mas que o

    interesse o principal meio de que se servem as prprias religies para conduzir os homens. Assim, v que o interesse aproxima os homens das crenas religiosas (TOCQUEVILLE, 1977, p. 404).

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    egosmo esclarecido ou da utilidade da virtude aparece aos olhos do autor como a mais adequada psicologia dos indivduos democrticos (JASMIN, 2000, p. 82).

    Disso, tem-se que a doutrina do interesse bem compreendido abarca, no contexto democrtico, uma garantia contra si mesmo: procurando seu prprio interesse, o indivduo contribuir para a manuteno da sociedade democrtica, pois

    [...] se os cristos que obedecem s leis morais na Terra por esperarem recompensa nos Cus produzem por isso um mundo de paz, os indivduos modernos, incapazes de alcanar por gosto e convico as virtudes sublimes, podem produzir uma prtica social ordenada na busca (moderada, bem compreendida) de seus interesses privados (JASMIN, 2000, p. 82).

    De algum modo, a doutrina do interesse bem compreendido se coloca no lastro da racionalidade dos indivduos que, ao agirem de acordo com seus interesses, vo superar o prprio egosmo. Superar o egosmo, nesse caso, significa agir conforme um interesse compreendido no jogo das relaes polticas, preservando a vida democrtica. Agir assim, quer dizer, ao conjugarem-se a disposio s associaes perspectiva de um agir interessadamente compreendido, evidencia o nascimento de uma perspectiva liberal da prtica virtuosa e democrtica, atravs do engajamento e da participao poltica, cujo horizonte a prpria liberdade. Certamente, uma resposta de Tocqueville ao problema da apatia poltica, que separa e divide os cidados.

    Equilibra-se, com isso, entre os americanos, a liberdade e a obrigao com atos que refletem concomitantemente o autossacrifcio e o autointeresse. Da o prprio interesse bem compreendido representar, ao mesmo tempo, o desejo de servir ao bem geral e o entendimento da dimenso social das aes privadas, de forma a estabelecer um equilbrio de sensibilidades aparentemente opostas. Mas, tambm, evidencia certa preparao para a cidadania, como tarefa poltico-pedaggica da democracia, na qual homens e mulheres cooperam.

    5. Educao para a virtude cvica: a tarefa pedaggico-poltica da democracia

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    Entre os americanos, como discutido, a democracia mantida por meio da extenso, cada vez maior, da igualdade e da liberdade, de forma que eles empenham-se arduamente na mantena da coisa pblica e da ajuda mtua, pois, como Tocqueville evidencia, Devo dizer que muitas vezes vi americanos fazerem grandes e verdadeiros sacrifcios coisa pblica, e observei cem vezes que, quando necessrio, quase nunca se furtam de prestar fiel apoio uns aos outros (TOCQUEVILLE, 1977, p. 391). O engajamento e o esprito cvicos, entre os americanos, so notveis. Mas, desviar o interesse dos indivduos da busca do seu bem estar particular, o qual a raiz do individualismo combatido por Tocqueville, exige interveno sobre o entendimento e sobre os costumes dos homens, j que o individualismo procede muito mais de um juzo errneo do que de um sentimento depravado (TOCQUEVILLE, 2004, p. 119). Nesse sentido, preservar a liberdade do cidado no pode ser sinnimo de impedir que cada qual dos cidados busque o seu prprio interesse.

    E onde, pois, encontra-se a virtude, ou melhor, a perspectiva de que preciso que os cidados sejam educados para a virtude cvica? E de que modo essa uma noo inerente ao pensamento tocquevilleano? Pensar nessas questes exige que se recorde o propsito de Tocqueville. J na introduo de A Democracia na Amrica, fica claro que, apesar de o autor no ter apreo espontneo pela igualdade condies, em vez de furtar-se dela ele pretende, antes, dirigi-la, de forma que

    [...] instruir a democracia, reanimar, se possvel, as suas crenas, purificar seus costumes, regular os seus movimentos, pouco a pouco substituir a sua inexperincia pelo conhecimento dos negcios de Estado, os seus instintos cegos pela conscincia dos seus verdadeiros interesses; adaptar o seu governo s condies de tempo e de lugar, modific-lo conforme as circunstncias e os homens (TOCQUEVILLE, 1977, p. 14).

    De fato, h um propsito poltico-pedaggico implcito em A Democracia na Amrica que se vincula necessidade de que as disposies naturais que a igualdade de condies cria, ainda que assimtricas, sejam orientadas na direo do interesse comum. Como foi visto, essas duas disposies so (i) a valorizao prioritria do prprio interesse, de modo que os homens sejam preocupados, antes de qualquer coisa, com o interesse privado, com o bem estar particular; e (ii) o desejo de cada qual seguir a prpria vontade, como expresso do que Kant chama de autonomia, isto , pensar, agir e sentir por mesmo. Tocqueville pensa que, para que a primeira tendncia no gere efeitos nefastos, a segunda delas deve ser fortalecida

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    artificialmente. Dessa forma, preservar a liberdade do cidado no significa impedir a manifestao da prpria liberdade fazer isso significaria roer e miniar, nos homens democrticos, a prpria motivao para as suas aes.

    No entanto, algo que preocupa: se o interesse pessoal no problemtico, j que uma tendncia natural, o modo como cada qual dos cidados lida com ele certamente o , pois que num Estado marcado pela igualdade de condies em que os homens encontram-se isolados uns dos outros e preocupados com os seus interesses, facilmente eles podem julgar que o seu interesse seja exclusivo e que merece mais ateno do que aquele dos demais. Aqui, pois, a tarefa pedaggico-poltica, na direo de virtudes cvicas, aparece mais claramente. Como Reis explica, para Tocqueville preciso

    [...] educar o indivduo independente da sociedade igualitria para a vida poltica; isso supe mais do que a prtica cega (ou mecnica) de seus deveres cvicos, supe desenvolver o entendimento e os costumes a fim de bem orientar o seu julgamento. Se no estado de igualdade, o nico guia aceito pelos indivduos para determinar suas aes a prpria razo, mais vale que todos possam dispor de luzes e costumes que os auxiliem a bem julgar e bem agir, pois, afirma Tocqueville, o individualismo e a servido crescero, no somente em proporo igualdade, mas em razo da ignorncia [...]. Apenas um povo sbio e virtuoso capaz de proteger sua liberdade contra os perigos que o estado social igualitrio traz (REIS, 2006, p. 04).

    Trata-se, aqui, de educar o homem para a liberdade, atravs de um processo de formao, vinculado diretamente ao desenvolvimento da razo e da virtude, e no de lhes ensinar a liberdade, uma vez que ela depende de um sentimento, de um gosto, e no de uma tcnica, como sugere Reis (REIS, 2006, p. 04). Nessa senda, Reis argumenta que a instruo, em sentido estrito, a qual leva os homens aquisio de conhecimentos, e, concomitantemente, informa sobre situaes vividas, relaes econmicas, avanos cientficos, esclarece-lhes e possibilita-lhes superar ideias e preconceitos opostos democracia, de forma que existe uma correlao direta entre a instruo dos indivduos e sua capacidade de fazer escolhas polticas esclarecidas (REIS, 2006, p. 04). assim que, para Tocqueville

    Se os cidado, tornando-se iguais, permanecessem ignorantes e grosseiros, difcil prever at que estpido excesso seu egosmo poder levar e no se poderia dizer de antemo em que vergonhosas misrias eles mesmos mergulhariam, com medo de sacrificar algo de seu bem-estar prosperidade de seus semelhantes (TOCQUEVILLE, 2004, p. 150).

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    Ainda que seja assim, instruo que esclarece o esprito, para Tocqueville, deve ser conjugada uma educao que regula os costumes, pois a cidadania no est centrada apenas na instruo e, nesse sentido, no basta ensinar os homens a lerem e escreverem para, ento, faz-los cidados. Disso se segue que, nos tempos democrticos, a instruo, ainda que uma condio necessria, certamente insuficiente. preciso mais, e, para Tocqueville, esse mais est invariavelmente associado educao dos costumes. Reis aclara que,

    Sendo os costumes fruto do fazer conjunto dos homens, a instruo precisa acompanhar-se da ao poltica. A discusso conjunta dos problemas comuns, a diviso das responsabilidades, a organizao da colaborao, o reconhecimento recproco de cada um, em uma palavra, a participao nas tarefas pblicas da comunidade faz com que o cidado perceba-se como parte de uma coletividade, adquirindo uma motivao mais nobre do que a mera busca do seu bem-estar privado e desenvolvendo o gosto pela liberdade (REIS, 2006, p. 04).

    E, na sequncia, essa mesma autora argumenta no sentido de que a busca do interesse ou da utilidade a cada cidado ou maioria deles no assegura o direito liberdade igual. Como defende,

    O critrio para guiar a escolha humana acerca de sua ao pblica no pode ser um puro casusmo baseado na vontade ou no interesse arbitrrio de cada um. A democracia exige no apenas que o homem decida e aja no espao poltico, mas exige que o faa de um certo modo: necessrio que cada um seja capaz de exercer sobre si mesmo o domnio de sua tentao busca exclusiva do prprio bem-estar, de modo a impedir-se de violar os direitos dos demais. Ou seja, para que o direito liberdade possa estender-se a todos os cidados necessrio que eles sejam virtuosos (REIS, 2006, p. 05).

    E, justamente aqui aparece o tema das virtudes e, mais especialmente, do reflexo dela na vida pblica, isto , como virtude cvica. verdade que, para Tocqueville o tema das virtudes est associado vida privada, mas disso no se segue que o seja exclusivamente, de modo que tenha uma dimenso poltica. Pode-se dizer, na tradio que remonta a Aristteles o qual via a poltica como estritamente relacionada vida tica que um alargamento da moralidade para a poltica, isto , uma moralidade poltica, como j aparecera na introduo de A Democracia na Amrica. A necessidade de instruir a democracia tem estreita relao entre o que os homens so, isto , suas crenas, seus costumes, e as sociedades as quais eles constituem. Na esteira de Montesquieu, assim, Tocqueville pensa que os costumes e as crenas expressam o entendimento e a virtude de um povo. Dessa forma, orientar adequadamente o julgamento implica prolongar a razo e a moralidade vida pblica at que

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    os cidados superem, na conduo da vida pblica, o interesse e as utilidades pessoais como norte.

    A doutrina do interesse bem compreendido , assim, uma parte na direo de que os vnculos sociais sejam fortalecidos. necessria, como defende Reis, uma educao enquanto processo de formao de um gosto, o qual constitudo a partir do hbito. E verdade que esse processo longo e sem prognsticos. Mas, inegavelmente, o resultado das prticas e das atividades polticas em que os vnculos sociais sejam vistos como tendo primazia em relao ao interesse privado.

    6. Consideraes finais

    A guisa de concluso, pretendeu-se identificar, na obra A Democracia na Amrica, de Tocqueville, alguns elementos caracterizadores da virtude cvica. Estes elementos, intrinsecamente, foram encontrados particularmente nas panacias tocquevilleanas para a superao do individualismo, que se instala no seio de uma democracia em decorrncia da igualdade de condies, alavancando assim, a tirania da maioria e o despotismo democrtico.

    Estes elementos foram identificados, inicialmente, na esteira das lies dadas pelos americanos, nas prticas polco-administrativas de descentralizao, que mantinham a soberania popular, e nas livres associaes. As associaes, inicialmente, so destacveis porquanto, tendo por contraste a antiga sociedade aristocrata, iniciarem e ensinarem alm de ocuparem o lugar outrora da aristocracia, no quadro social aos cidados as prticas da liberdade. Conjuminadas a essas ideias, est a doutrina do interesse bem compreendido que consiste, grosso modo, no uso do interesse, refletido na dimenso pblica, em favor dos interesses privados. Por interesse, mesmo privado, o indivduo age participativamente na esfera pblica porque, no fundo, corresponde ao interesse privado.

    Alm disso, o compromisso com a esfera poltica, como uma variao do compromisso com a esfera privada que representa a doutrina do interesse bem compreendido, implica numa formao para a democracia: preciso instruir para a democracia, sob pena de que, se no for esse o caso, seus grandes benefcios se percam. preciso que tal instruo desperte para a

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    virtude, e que esta seja prolongada dimenso poltica. Considerando Tocqueville, a necessidade desse prolongamento se radica na superao do egosmo. Por isso, a doutrina do interesse bem compreendido conduz aceitao de certos sacrifcios em nome do prprio interesse. Assim, um interesse esclarecido, conquanto equilibrar exigncias privadas com aquelas pblicas.

    O grande problema poltico, segundo Tocqueville, como conciliar o inevitvel aumento do poder social, produzido pela progressiva igualdade de condies, com a participao poltica dos membros de uma comunidade. O resultado a que chega o de que o nico remdio eficaz a liberdade poltica (MENDES, 2007, p. 137). No fundo, talvez essa seja, em Tocqueville, a grande virtude cvica, porquanto dirimir os males advindos da igualdade de condies decorrentes da irresistvel marcha democracia. Ademais, vlido, ainda, citar Roldn:

    Pero, entonces, si la sociedad democrtica es hija de la igualacin de condiciones y de la ms homognea distribucin de bienes y si, al mismo tiempo, la vida poltica, la libertad, requiere de alguna forma de virtud cvica, cul es el resorte de esa virtud? El hombre democrtico est ausente de la pasin poltica y es ajeno, entonces, a la libertad? A menudo, afirma Tocqueville, me he preguntado dnde est la fuente de esta pasin de la libertad poltica que, en todos los tiempos, h hecho que los hombres hagan las ms grandes cosas que la humanidad ha realizado, en qu sentimientos se enraiza y se nutre [...]. Aquello que, en todos los tiempos ha enlazado (a la libertad) tan fuertemente el corazn de ciertos hombres, son sus propios atractivos, su propio encanto, independiente de todos sus beneficios; es el placer de poder hablar, actuar, respirar sin restricciones, nicamente bajo el gobierno de Dios y de las leyes. Quin busca en la libertad otra cosa est hecho para servir [...]. No me pidan que analice ese gusto sublime, es preciso sentirlo. Entra por s mismo en los grandes corazones que Dios ha preparado para recibirlo; los colma, los inflama (ROLDN, 2007, p. 171-2).

    Nos dias atuais, para concluir, o individualismo diagnosticado como risco s democracias por Tocqueville pode ser traduzido como indiferena poltica. Assim, continua sempre presente e atual a direo apontada pelo autor para os males das democracias porque, segundo a constatao das realidades contemporneas, o isolamento dos indivduos em seus projetos particulares patente, em esquecimento vida cvica.

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    A igualdade e a liberdade em Tocqueville: contribuies para o desenvolvimento da virtude cvica liberal e a tarefa poltico-pedaggica da

    democracia

    Resumo: O objetivo deste trabalho, de carter bibliogrfico, inicialmente apresentar o modelo liberal de Tocqueville como projeto de cidadania, guiado pelos conceitos de liberdade e de igualdade. Neles sero evidenciados elementos que permitam caracterizar, numa democracia, a virtude cvica, notadamente a partir de A Democracia na Amrica. A virtude cvica, neste contexto, pode ser vista como o elemento a demover o cidado da apatia poltica e relacionada s associaes. Alm disso, atravs dela, evidencia-se a tarefa poltico-pedaggica da democracia de ocuparem-se das questes pblicas e a dedicarem-se ao bem uns dos outros.

    Palavras-chave: Democracia. Cidadania. Virtude Cvica. Educao. Tocqueville.

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    Equality and freedom in Tocqueville: contributions to the development of civic virtue and a liberal political and educational democracy task

    Abstract: The objective of this study, bibliographical, is to present initially the liberal model of Tocqueville as a project of citizenship, guided by the concepts of freedom and equality. In then will be evidenced elements required for characterize, in a democracy, civic virtue, notably from A Democracia na Amrica. Civic virtue in this context can be seen as the element to dissuade the citizens of political apathy and related associations. In addition, through it, highlights the political and pedagogical task of democracy to occupy up of public affairs and to devote themselves to the good of each other.

    Key-Words: Democracy. Citizenship. Civic Virtue. Education. Tocqueville.

    Recebido em: 09 de agosto de 2013 Aceito para publicao em: 04 de junho de 2015