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A Igualdade e a Não Discriminação nas Relações de Trabalho

A Igualdade e a Não Discriminação nas Relações … da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), do curso de graduação em Direito. Coordenadora do curso de pós-graduação lato

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A Igualdade e a

Não Discriminação nas

Relações de Trabalho

Célia Mara Peres

A Igualdade e a

Não Discriminação nas

Relações de Trabalho

Advogada. Mestre em Direito das Relações Sociais, na sub-área de Direito Civil Comparado, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Doutora em Direito das Relações Sociais, na sub-área de Direito do Trabalho,

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Assistente de coordenação do curso de pós-graduação lato sensu em Direito do Trabalho, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE). Professora do curso de

pós-graduação lato sensu em Direito do Trabalho, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE). Professora do curso de graduação em Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

Professora do curso de graduação e pós-graduação lato sensu, de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, da UNINOVE (Universidade Nove de Julho). Professora do curso de graduação em Administração de Empresas da

Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Professora da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), do curso de graduação em Direito. Coordenadora do curso de pós-graduação lato sensu de Direito Previdenciário do

Curso Êxito. Professora convidada da FIA (USP) nos cursos de MBA e pós-graduação em gestão de pessoas. Professora convidada de outras universidades e instituições. Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas de

São Paulo (AATSP) e da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social.

EDITORA LTDA.

Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br

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Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: R. P. TIEZZI X Projeto de Capa: FABIO GIGLIO Impressão: PAYM GRÁFICA

Maio, 2014

Peres, Célia Mara

A igualdade e a não discriminação nas relações de trabalho / Célia Mara Peres. — São Paulo : LTr, 2014.

Bibliografia

1. Direito constitucional – Brasil 2. Discriminação no trabalho – Brasil 3. Igualdade perante a lei – Brasil 4. Relações de trabalho – Brasil I. Título.

14-03375 CDU-342.722:331.101.24(81)

1. Brasil : Discriminação nas relações de trabalho : Igualdade constitucional : Direito constitucional 342.722:331.101.24(81)

Versão impressa - LTr 5036.4 - ISBN 978-85-361-2967-9Versão digital - LTr 7820.7 - ISBN 978-85-361-3054-5

À minha família, a meus alunos e amigos. Ao meu filho Rodrigo, minha luz e minha vida.

Ao Lucas, meu companheiro para todos os momentos. À Joelma, minha grande amiga.

Ao professor e meu orientador durante o Doutorado, Renato Rua de Almeida, cuja dedicação ao estudo do Direito, aos alunos e ao magistério

me incentiva a seguir seus passos.

~ 7 ~

Sumário

introdução .................................................................................................................................. 13

1. o ConCeito de igualdade sob o PrisMa da soCiologia, PolítiCa, religião e FilosoFia .................................................................................................................................. 17

2. a igualdade ForMal na revolução FranCesa e no liberalisMo .............................21

3. a igualdade Material na revolução industrial e aPós a PriMeira guerra Mundial .................................................................................................................................24

4. a igualdade no Período aPós a segunda guerra Mundial. desenvolviMento do direito internaCional dos direitos HuManos e Proteção da igualdade voltada aos gruPos, Classes e Minorias .................................................................... 28

5. a igualdade e a não disCriMinação no Período ConteMPorâneo de Prote- ção dos direitos HuManos. o sisteMa global e regional de Proteção ............ 31

5.1. SiStema interamericano de proteção doS direitoS humanoS ...................................... 33

5.2. SiStema europeu de proteção doS direitoS humanoS ................................................... 34

5.3. SiStema africano de proteção doS direitoS humanoS .................................................. 36

6. a igualdade e a não disCriMinação no âMbito dos direitos FundaMentais e a ConstituCionalização dos direitos ........................................................................ 38

7. a igualdade e a não disCriMinação na Constituição Federal brasileira de 1988. as ConCePções e Funções do direito à igualdade e à não disCriMi- nação .......................................................................................................................................44

7.1. a natureza jurídica principiológico-normativa do direito à igualdade e à não diScriminação .........................................................................................................................54

~ 8 ~

7.2. Âmbito de aplicação e eficácia do direito à igualdade e à não diScriminação....... 58

7.3. o direito à igualdade e à não diScriminação em coliSão com outro direito fundamental e a técnica da ponderação de intereSSeS................................................. 67

8. a legislação internaCional e naCional Protetora do direito à igualdade e à não disCriMinação nas relações de trabalHo .................................................... 71

8.1. a legiSlação protetora da igualdade e da não diScriminação provinda da oit ...... 71

8.1.1. A incorporação daS normaS internacionaiS no ordenamento jurídico braSileiro e oS reflexoS no tocante à igualdade e à não diScriminação ......77

8.2. a legiSlação infraconStitucional protetora da igualdade e da não diScrimi- nação no Âmbito da ordem jurídico-trabalhiSta interna .............................................81

8.2.1. a clt, a igualdade e a não diScriminação ........................................................ 82

8.2.2. a legiSlação extravagante e a igualdade e não diScriminação naS re- laçõeS de trabalho ..................................................................................................94

8.2.2.1. a peSSoa com deficiência ...........................................................................94

8.2.2.2. o Salário equitativo para o trabalhador temporário — lei n. 6.019/74 ................................................................................................ 100

8.2.2.3. aS leiS nS. 7.437/85, 7.716/89 e 9.029/95 ............................................ 104

9. análise da lei n. 9.029/95 ................................................................................................ 106

9.1. conceito e tipoS de diScriminação naS relaçõeS de trabalho (art. 1º) .................. 106

9.1.1. Conceito de diScriminação naS relaçõeS de trabalho — diScriminaçõeS poSitiva e negativa ................................................................................................. 106

9.1.2. diScriminação em razão do Sexo .........................................................................108

9.1.3. diScriminação em razão da origem (etnia) ......................................................111

9.1.4. diScriminação em razão da raça e da cor ........................................................ 114

9.1.5. diScriminação em razão do eStado civil............................................................ 118

9.1.6. diScriminação em razão da Situação familiar ................................................. 119

9.1.7. diScriminação em razão da idade ....................................................................... 120

10. outras PrátiCas disCriMinatórias nas relações de trabalHo — interPre-tação extensiva do caput do art. 1º da lei n. 9.029/95 ...........................................123

10.1. diScriminação em razão da orientação Sexual ..........................................................123

~ 9 ~

10.2. diScriminação em razão do eStado de Saúde ..............................................................126

10.3. diScriminação em razão da aparência ou da eStética ..............................................133

10.4. diScriminação em razão da opinião política e do credo ..........................................136

10.5. diScriminação por Sobrequalificação .........................................................................143

10.6. diScriminação do egreSSo do SiStema priSional ........................................................ 145

10.7. diScriminação decorrente do aSSédio moral .............................................................150

10.8. diScriminação decorrente do aSSédio Sexual ............................................................152

11. âMbito de aPliCação e sujeitos das PrátiCas disCriMinatórias (art. 1º e ParágraFo úniCo do art. 2º)........................................................................................... 154

12. as PrátiCas disCriMinatórias CriMinosas e suas Penas (caput do art. 2º) ......157

13. outras CoMinações Para as PrátiCas disCriMinatórias (arts. 3º e 4º) ........... 160

13.1. aS cominaçõeS previStaS no art. 3º da lei n. 9.029/95 ..............................................162

13.2. aS cominaçõeS previStaS no art. 4º da lei n. 9.029/95 .............................................168

14. a igualdade e a não disCriMinação nas norMas Coletivas ................................172

15. a igualdade e a não disCriMinação nos regulaMentos de eMPresa e Contratos de trabalHo ..................................................................................................182

16. Modalidades de disCriMinação nas relações de trabalHo ..................................187

16.1. diScriminação direta (ou intencional) .......................................................................187

16.2. diScriminação indireta (ou não intencional) ...........................................................189

16.3. diScriminação aSSociativa ou por aSSociação ............................................................ 191

17. a igualdade e a não disCriMinação nas relações de trabalHo no direito estrangeiro .........................................................................................................................203

17.1. a igualdade e a não diScriminação naS relaçõeS de trabalho no direito portuguêS .........................................................................................................................203

17.2. a igualdade e a não diScriminação naS relaçõeS de trabalho no direito francêS .............................................................................................................................. 214

~ 10 ~

17.3. a igualdade e a não diScriminação naS relaçõeS de trabalho no direito argentino .........................................................................................................................224

ConClusões ................................................................................................................................239

reFerênCias bibliográFiCas ................................................................................................... 241

“A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si

diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os

argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros no céu, até os micróbios no sangue,

desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados. A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar

desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se

acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura.”

Rui Barbosa. Oração aos moços, discurso proferido em março de 1921.

~ 13 ~

introdução

A igualdade e a não discriminação são institutos que não pertencem tão somente ao Direito, extravasando o campo jurídico e até mesmo antecedendo a positivação de regras e normas que buscam sua regulamentação. Neste livro, nosso objetivo maior é tratar da igualdade e não discriminação na qualidade de direitos reconhecidos pelo sistema jurídico, relacionando-os a sua aplicação nas relações de trabalho. Para tanto, buscamos analisar o direito à igualdade e a não discriminação partindo de um ponto de vista geral, chegando, paulatinamente, ao estudo propriamente dito do instituto aplicado às relações de trabalho.

Nesse contexto, iniciamos o trabalho com um capítulo destinado à análise das variações a respeito do conceito de igualdade, levando-se em conta o tipo de ciência que se busca estudar. Fizemos, nessa linha, breves considerações sobre o conceito de igualdade no prisma da sociologia, política, religião e filosofia.

Ingressando no estudo da igualdade e não discriminação do ponto de vista jurídi-co, na segunda parte do livro, precisamente dos capítulos segundo ao quarto, cuidamos da análise da evolução do seu conceito. Elegemos como linha inicial o período histórico que desaguou no término do absolutismo e no início do liberalismo, marcado pela Revolução Francesa, época em que a igualdade era juridicamente protegida apenas em seu aspecto formal. Abordamos, igualmente, a fase histórica em que se evidencia a superação do conceito de igualdade meramente formal, passando o instituto a ser reconhecido no seu âmbito real ou material. Referido período coincide com a época da Revolução industrial e pós-Primeira Guerra Mundial. Ainda nessa linha evolutiva conceitual, tratamos da igualdade e da não discriminação no período pós-Segunda Guerra Mundial, lapso em que o conceito sofre desenvolvimento no cenário interna-cional de proteção dos Direitos Humanos e tem início a preocupação sociojurídica com a igualdade voltada aos grupos, classes e minorias.

Mais adiante, procuramos centrar a abordagem da igualdade e não discriminação no período contemporâneo de proteção dos Direitos Humanos, apresentando conside-rações acerca dos sistemas global e regional, em especial os sistemas interamericano, europeu e africano.

~ 14 ~

Posteriormente, diferenciando os direitos humanos dos direitos fundamentais, partimos para o estudo da igualdade e da não discriminação no âmbito interno dos países, sob o enfoque dos direitos fundamentais e a partir da análise da constitu-cionalização dos direitos. Nessa lógica, passamos para a apreciação do instituto no âmbito da Constituição Federal brasileira de 1998, momento em que apresentamos suas concepções, funções, natureza jurídica, âmbito de aplicação, eficácia, além das principais previsões relacionadas à igualdade e não discriminação nas relações de tra-balho. Buscamos, também, nesse contexto, apresentar as discussões que envolvem as colisões dos direitos fundamentais e a técnica da ponderação dos interesses, voltando o estudo para os casos em que a igualdade e a não discriminação se apresentam em conflito com outros direitos igualmente considerados fundamentais.

As discussões seguintes se voltaram ao estudo da igualdade e da não discrimi-nação, particularmente voltadas para as relações de trabalho, na seara da legislação internacional e nacional. No aspecto da legislação internacional, limitamo-nos a trazer as principais normas provenientes da Organização Internacional do Trabalho e, em sua maioria, ratificadas pelo Brasil, em especial as Convenções ns. 100, 111, 158, 159, 98 e 135. Em razão do estudo a respeito das normas da OIT e seus reflexos no que tange à igualdade e à não discriminação, visando, ainda, a possibilitar um maior entendimento prático do assunto, fizemos uma breve abordagem relacionada às regras de incorpo-ração dos tratados e convenções internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.

No tocante à legislação nacional de proteção à igualdade e à não discriminação nas relações de trabalho, apresentamos as principais previsões normativas constantes da Consolidação das Leis do Trabalho e de algumas leis extravagantes, como aquela que trata da pessoa portadora de deficiência (Lei n. 8.213/91), determinando percen-tual obrigatório de contratação; a Lei n. 6.019/74, que trata do salário equitativo para o trabalhador temporário; e, por fim, a Lei n. 9.029/95, considerada como a lei geral antidiscriminação nas relações de trabalho. Tamanha a importância da mencionada lei que decidimos dedicar um capítulo somente para a análise de suas previsões legais, iniciando com o conceito de discriminação nas relações de trabalho e sua classificação em discriminação positiva e negativa, além de dedicar o estudo aos diversos tipos possíveis de práticas discriminatórias, tanto aqueles previstos expressamente na Lei n. 9.029/95, que levam em conta o sexo, a origem, a raça, a cor, o estado civil, a situa-ção familiar e a idade, quanto aqueles que, embora não se encontrem explicitamente previstos, são abrangidos pela referida legislação. Nessa linha, abordamos as discrimi-nações em razão da orientação sexual, estado de saúde, aparência ou estética, opinião política e credo, por sobrequalificação, além de tratarmos da prática de assédio moral e assédio sexual. Ainda no tocante à Lei n. 9.029/95, buscamos destacar seu âmbito de aplicação e os sujeitos passivos e ativos das condutas discriminatórias, além de apontar as penalidades e cominações previstas pela mencionada legislação.

Afora o cenário legislativo, dedicamos dois capítulos para tratar da igualdade e da não discriminação, primeiro no âmbito das normas coletivas e, depois, no cenário do regulamento de empresa e do contrato individual de trabalho.

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Outra parte do estudo cuidou da abordagem das modalidades de discriminação nas relações de trabalho, aceitas pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Nesse sentido, apresentamos os aspectos relacionados à discriminação direta e indireta. Além dessas, com base no estudo da discriminação no âmbito do Direito Inglês, trou-xemos uma terceira modalidade discriminatória ainda não abordada pelos estudiosos brasileiros, denominada de discriminação por associação ou associativa, considerada como aquela em que, embora não se dirija diretamente ao empregado e por fatores que sejam a ele pertencentes, ocorre em razão de um elemento direcionado a um terceiro que mantém relação com o referido empregado. A aceitação da discriminação por associação no direito do trabalho brasileiro, em virtude da ausência de previsão legal, certamente demandará discussões, assim como serão controvertidos alguns de seus reflexos práticos. Nesse sentido, procuramos levantar alguns pontos que poderão ser motivos de discussões nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial.

A última parte do trabalho foi dedicada ao estudo do Direito Estrangeiro que, assim como os demais aspectos até aqui mencionados, foi utilizado como subsídio, orientando para as conclusões posteriormente apresentadas. Nessa linha, sem olvidar da análise do Direito Inglês, voltado essencialmente para a figura da discriminação por associação, escolhemos para a pesquisa o Direito Português, o Direito Francês e o Direito Argentino, os quais indubitavelmente nos serviram e sempre nos servem de inspiração.

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o ConCeito de igualdade Sob o PriSma da SoCiologia, PolítiCa, religião e FiloSoFia

Para que possamos tratar da igualdade e da discriminação nas relações de traba-lho, essencial que nos debrucemos, primeiramente, sobre o conceito de igualdade, já que ambos os institutos — igualdade e discriminação — são faces da mesma moeda. Com efeito, a igualdade é a outra vertente da discriminação. Enquanto a discriminação, em linhas gerais, importa em separar, segregar, dispensar tratamento diferenciador, a igualdade, por sua vez, denota a ideia de tratamento isonômico, sem distinções. Am-bas caminham de maneira simbiótica, sendo a efetivação da igualdade o ideal sempre buscado para que a discriminação, em seu aspecto negativo, não ocorra.

No contexto histórico, a igualdade assumiu várias feições e recebeu tratamento de distintos campos da ciência, antes mesmo de receber tratamento jurídico. Em especial a sociologia, a política, a filosofia e a teologia sempre se preocuparam com o significado da igualdade e seus impactos nos determinados setores da vida em sociedade. Firmino Alves Lima(1) menciona essa variação quanto ao conceito de igualdade e nos diz que: “Desde as mais antigas civilizações, a igualdade foi confundida com a ideia de justiça. Os conceitos de igualdade dos povos mais antigos, entretanto, merecem restrições, por força da escravidão humana institucionalizada como destino inafastável dos povos vencidos. Os escravizados passavam a ser con-siderados como mera coisa e como objeto de direito como se fossem animais. Um destino parecido era traçado para as mulheres que, na maioria das civilizações antigas, não tinham capacidade de direito”.

No campo sociológico, o estudo da igualdade parte da análise de questões e con-formações sociais, conflitos e processos de identidade. A partir do estudo das classes sociais e da observação e da interpretação da realidade, o sociólogo é levado a refletir sobre as formas de desigualdade geradas pela organização social (gênero, raça, sexu-alidade, idade etc.), as quais trazem para a sociologia novos dilemas, visões e objetos de estudo, como as reivindicações deflagradas nos movimentos sociais, as questões relacionadas à cidadania e à conquista de direitos e aos problemas de justiça social.

11

(1) LIMA, Firmino Alves. Mecanismos antidiscriminatórios nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 39.

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No campo da filosofia e política, “a igualdade surgiu com Sólon (640-560 a.C.), como ideal a ser alcançado. Em seguida Platão (429-347 a.C.) nela enxergou o fundamento da democracia, tendo defendido a igualdade de oportunidades, sobretudo às crianças virtuosas, para combater as desigualdades sociais”(2). Platão pregava que o Estado ideal seria aquele em que os homens fossem vistos como iguais de maneira absoluta, recebendo a mesma educação e pos-suindo tudo em comum. Para Platão, a igualdade seria um pressuposto da felicidade, não para uma classe específica de pessoas, mas para todo o Estado, de forma que cada um desfrutaria uma porção de felicidade pública(3).

Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, procura o sentido da expressão “justiça”, acabando por relacioná-la ao conceito de igualdade. Para ele, o alcance da justiça teria como substância fundamental o primado da igualdade. A injustiça, por sua vez, corresponderia à noção de desigualdade. Aristóteles menciona em sua obra: “Vamos apurar em quantos sentidos diz-se de um indivíduo ser ele ‘injusto’. Ora, o termo ‘injusto’ é tido como indicativo tanto do indivíduo que transgride a lei quanto do indivíduo que toma mais do que aquilo que lhe é devido, o indivíduo não equitativo. Consequentemente, fica claro que o homem que obedece a lei e o homem equitativo serão ambos justos. O ‘justo’, portanto, significa aquilo que é legal e aquilo que é igual ou equitativo, e o ‘injusto’ significa aquilo que é ilegal e aquilo que é desigual ou não equitativo”(4). Aristóteles descreve dois tipos de igualdade: a igualdade geométrica e a igualdade aritmética, sendo essa última a igualdade simplesmente numérica, e a primeira, a igualdade que além de numérica é proporcional. Aristóteles formula dois conceitos para explicar a igualdade como ideal de justiça: (i) a justiça/igualdade corretiva, por meio da qual, na hipótese de uma pessoa lesar a outra, caberá ao juiz estabelecer a igualdade corretiva, redistribuindo o sofrimento e a ação lesiva, por meio da subtração do excesso do ganhador e acréscimo em favor da vítima, alcançando, com isso, o equilíbrio justo de ambos; e (ii) a justiça/igualdade distributiva, por meio da qual a igualdade somente pode ser atingida se houver a distribuição geométrica dos bens públicos, dinheiro ou outros bens, segundo o mérito de cada indivíduo. Nesse sentido, uma pessoa pode ter uma participação igual ou desigual em relação à outra, sendo o justo aquilo que é proporcional ao seu mérito e injusto, aquilo que, ao contrário, seja desproporcional. Evaristo de Moraes Filho(5) complementa que, para Aristóteles: “O homem injusto é, assim parece, tanto aquele que age contra a lei como o que quer possuir mais do que lhe é devido, e mesmo em prejuízo de outrem. É igualmente evidente que o justo será aquele que se conforma às leis e observa a igualdade. O justo nos faz conformar às leis e à igualdade; o injusto nos conduz à ilegalidade e à desigualdade. Não basta obedecer às leis, se a igualdade não se encontra presente. Nem sempre o legal é o justo; muito pelo contrário”.

(2) GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação. Sua aplicação às relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 35. (3) PLATÃO. A república. Livro quarto. Trad. de Albertino Pinheiro. São Paulo: Edipro, 2001. p. 136. (4) ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. ed. Trad. e notas de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007. p. 146. (5) MORAES FILHO, Evaristo de. O princípio da isonomia. Curso de direito constitucional do trabalho. Coord.: Arion Sayão Romita. São Paulo: LTr, 1991. p. 102. LIMA, Francisco Gérson Marques de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 24.

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Os conceitos de justiça distributiva e corretiva formulados por Aristóteles contribuíram para os estudos posteriores a respeito da igualdade e ainda hoje, na prática das relações jurídicas, aplicamos o postulado obtido a partir dos seus estudos, consagrado na premissa de que a justiça somente será atingida se for admitido o trato dos iguais de maneira igual e o trato dos desiguais de maneira desigual. Aristóteles, dessa forma, não enxergava a igualdade como uma regra geral e abstrata, no sentido de apenas tratar a todos de maneira igual, aplicando-se a todos os indivíduos de maneira indistinta, mas, ao contrário, enxergava na realidade uma desigualdade natural dos indivíduos, que justificava o tratamento desigual, como premissa para se alcançar a justiça/igualdade.

Guilherme Machado Dray afirma que Cícero proclamava a igualdade natural entre os homens e Sêneca reconhecia a igualdade entre o escravo e seu amo. O autor cita, ainda, o pensamento estoico acerca da igualdade, que era elevada à condição de princípio fundamental da existência humana, posto que a afirmação desse pensamento se fazia no sentido de que todos os homens seriam iguais e essa igualdade seria a essên-cia da justiça. Os estoicos contrariavam o pensamento grego; portanto, não admitiam a ideia de diferença, acreditando que todos os indivíduos seriam dotados da mesma razão e participavam da divindade, sendo, assim, iguais(6).

Os estudos filosóficos deixaram para a humanidade grande acervo de relatos em relação ao tratamento da igualdade entre os homens, influenciando as demais ciências humanas, inclusive as concepções jurídicas da igualdade como instituto regulado pelo Direito.

Também a teologia se preocupou com as questões relacionadas à igualdade, bus-cando alcançar seu conceito e definição, além de propagar os ensinamentos religiosos a respeito do tema. O cristianismo, por diversas vezes, aponta para o reconhecimento da igualdade entre os homens, baseada no valor da dignidade que lhes é ínsita. Há várias passagens no Evangelho que apontam para a igualdade. O Evangelho segundo São Mateus, capítulo 13, v. 47, narra que Jesus Cristo, ao falar sobre o reino dos céus, acolhe a todos os homens, sem distinção, embora separe os homens bons dos homens maus. Posteriormente, na Epístola de São Paulo aos romanos (capítulo 2, v. 11), São Paulo diz que não há para Deus acepção de pessoas, denotando a noção de igualdade entre os homens. “Neste chamamento não ‘há distinção entre judeu e grego’ (São Paulo, Epístola aos Romanos, 10, 12), pois ‘não há judeu, nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus’ (São Paulo, Epístola aos Gálatas, 3, 28)”(7).

Santo Agostinho, filósofo da Idade Média, influenciado pelo pensamento aristotélico e pelo pensamento religioso cristão, distingue entre o tratamento religioso e o tratamento legal. Para Santo Agostinho, os homens são iguais na con-cepção religiosa, mas não na concepção material, de forma que diferencia e aceita a

(6) DRAY, Guilherme Machado. O princípio da igualdade no direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1999. p. 25. (7) LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 7. reimp. São Paulo: Com-panhia das Letras, 2009. p. 119.

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escravidão. Santo Agostinho afirma que todos, escravos ou não, são considerados, para fins religiosos, como filhos e membros da família, sendo que o culto de Deus deveria olhar para todos os membros da casa com amor igual. Porém, no tocante aos aspectos materiais, aos escravos e seus filhos, admitir-se-ia a distinção. Importante ressaltar que esse pensamento filosófico que admite a diferenciação se justifica em razão da época histórica, já que a Idade Média foi caracterizada como uma sociedade estamental, com distinção de classe, na qual cada homem era qualificado segundo seu status concedido a partir do nascimento. Nessa época o cristianismo se afastou da ideia originária de igualdade, para admitir a distinção e privilégios para o clero, como, por exemplo, a imunidade tributária(8).

Também no período contemporâneo a igualdade é mencionada, definida e con-ceituada por filósofos que se ocupam de seu estudo. Alf Ross(9), também relacionando a noção de igualdade ao ideal de justiça, manifesta-se afirmando que, “se se diz que a exigência de igualdade não deve ser tomada em sentido formal, mas que o fato decisivo é se a limitação ocorre de acordo com características distintivas que estejam ‘bem fundadas’, que sejam ‘razoáveis’ ou ‘justas’, isso quer dizer que a ideia de igualdade desvanece, para ser substituída por uma referência ao que se considera ‘justo’ segundo uma opinião subjetiva e emocional. Tal ‘princípio’ não é um princípio autêntico, mas o abandono de toda tentativa de análise racional”.

Os estudos filosóficos, religiosos, sociológicos e políticos a respeito da igualdade contribuíram para o desenvolvimento jurídico do reconhecimento e proteção da igual-dade. Esta, no sentido jurídico, da mesma forma que nas outras áreas do conhecimento humano, passou por estágios de desenvolvimento que se complementam e que contri-buem para a busca do seu real significado. Do ponto de vista da ciência jurídica, não há como se fixar um marco incontestável no qual tenha a igualdade se tornado objeto de regulação(10). Entretanto, para fins de estudo, podemos considerar alguns fatos marcantes da história, nos quais a igualdade foi objeto de tratamento e de busca de proteção, os quais se apresentaram de maneira diferenciada segundo as necessidades, os fatos e valores que surgiram ao longo do tempo. Neste estudo, elegemos como ponto de partida para a análise da igualdade como direito o período histórico que desaguou no término do absolutismo e início do liberalismo, marcado pela Revolução Francesa. Podemos dizer que, nesse referido momento da história, a igualdade se revelou e foi protegida como um direito meramente formal.

(8) COMPARATO, Fábio Konder. Igualdade, desigualdades. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 1, p. 73, 1993. (9) ROSS, Alf. Direito e justiça. 2. ed. Trad. e notas de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007. p. 31. (10) Já na Antiguidade Clássica a igualdade surgia como direito, representado pelo símbolo da justiça. Nesse sentido: “Não deixa de ser interessante notar que o símbolo do direito, remontando à Grécia e Roma antigas, é, ainda hoje, uma balança com os pratos colocados ao mesmo nível, iguais em suma. ‘A balança assegura a medida igual. Ela é o retrato perfeito da igualdade’”. GARCIA, Maria Glória F. P. D. Estudos sobre o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 2005. p. 33.