27

A ilha tipografica

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A ilha tipografica
Page 2: A ilha tipografica

Criação e ilustração

Leopoldo Leal

Adaptação

Ana Cristina Puttini

São Paulo, 2008

Page 3: A ilha tipografica

{�}

Olá, meu amigo leitor, você estará, durante a leitura deste livro, realizando uma viagem fantástica e repleta de informações e de sensações.

As informações revelarão para você dados históricos dos tipos gráficos dessas letras do alfabeto com as quais escrevemos. A escrita alfabética foi uma incrível invenção humana. Você já pensou: com alguns poucos caracteres (as letras), em função de uma engenhosa maquinária, somos capazes de escrever um número infindo de palavras, de arranjá-las de modo a construir muitos e profundos significados. Além disso, movido pelo senso de praticidade e por uma sensibilidade estética peculiar ao homem, ele providenciou tamanhos para diferenciar o uso dessas letras, bem como a separação entre agrupamentos de letras (as palavras), para orientar a ação do leitor. Se isso não tivesse ocorrido, imagine o tempo que levaríamos a decifrar o recadinho que escrevi para vocês, na forma como o fiz, logo acima.

As letras, que inicialmente foram cunhadas em superfícies fixas, não ficaram tão comportadas assim, foram migrando para outros suportes, mais flexíveis e móveis até chegar a serem móbiles de luz em nossa tela de computador. Ao longo do tempo, com o desenvolvimento de estudos e das tecnologias de comunicação, elas ganharam movimento, cor como vemos nas publicidades, nos outdoors, assumiram muitas outras variações, a ponto de permitirem aos poetas realizarem textos que são verdadeiras arquiteturas gráficas.

Se pensarmos bem, o escrever tem algo de lúdico, de jogo, de brincadeira, ao mudar o lugar das letras, mudamos o sentido, fazemos LOBO virar BOLO, AR virar RÃ, fazemos AMOR virar RAMO ou OMAR ou ainda O MAR, e, se quisermos ir mais longe, poderemos inventar estórias com palavras escritas com letras e inventar estórias que contam a história dos tipos de letras.

Ao fim e ao cabo, meu amigo, é só encontrar alguém com bastante talento para misturar informação, conhecimento, jogo e aventura, criando com pistas deixadas pela história real, uma divertida estória ficcional. É o caso de Leopoldo e Ana. Esses autores fizeram proeza de criar em linguagem verbal e não verbal um texto lúdico-informativo e, por meio de Lina e Bigato, levam você e outros leitores a uma viagem aventuresca à Ilha Tipográfica, vivenciando sensações de que há enigmas a serem decifrados. Bom divertimento. E não esqueçam de me contar se gostaram.

Maria Zilda da Cunha

Diretor editorial Eduardo LenEditor executivo Otávio Nazareth

Revisão Monalisa NevesDesenhos complementares Daniel BittencourtProdução gráfica Marcos FrançaImpressão e acabamento Posipress

AgradecimentosEquipe Interbrand BrasilFabio ManzanoFamília LealJoão Marcopito Len Comunicação e Branding Maria Zilda CunhaTatiana CapellThais Fonseca

Este projeto foi selecionado pelo 1º edital de co-patrocínio para primeiras obras do Centro Cultural da Juventude da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o que viabilizou a produção.

Copyright © 2008, Editora Olhares

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Leal, Leopoldo / Puttini, Ana Cristina A Ilha Tipográfica / Leopoldo Leal e Ana Cristina Puttini. --São Paulo : Estúdio Substância : Editora Olhares, 2008.

Inclui CD-ROM. ISBN 978-85-60492-03-9

1. Ficção brasileira 2. Tipografia - História I. Título.

08-03683 CDD-869.93

Índices para catálogo sistemático : 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

OLAMEUAMIGOLEITORVOCEESTARADURANTEALEITURADESTELIVROREALIZANDOUMAAVENTURAFANTASTICAREPLETADEINFORMACOESEDESENSAOPA

“Opa! Ao reler o meu texto, senti dificuldade em compreender mais rapidamente o significado das palavras. Vou tentar novamente.”

OLAMEUAMIGOLEITORVOCEDURANTEALEITURADESTELIVROESTARAREALIZANDO

UMAAVENTURAFANTASTICARELETADEINFORMACOESEDESENSA

Prefácio

Page 4: A ilha tipografica

Lina Menina esperta que

descobre o mundo das letras, suas diferentes formas,

seus desenhistas... Com o gato Bigato faz uma viagem

inesquecível e passa a falar só por meio de rimas!

Bigato Um gato listrado astuto

e sabido que cativa Lina com seu conhecimento do mundo da tipografia.

Page 5: A ilha tipografica

Era tarde da noite, Lina fazia sua lição de caligrafia, copiando textos para seu caderno. Achava esse exercício chato e tudo a distraía. Olhou para seu gato rajado e pensou: “Bem que você podia me ajudar, mas nem falar você sabe, que dirá escrever!”

Cansada, Lina caiu em um sono profundo e sonhou com um mundo colorido, até que de repente apareceu um gato na sua frente! E não era um gato qualquer; esse era roxo com listras vermelhas e falava sem parar!

— Venha! Precisamos resolver um caso de tipofagia!— Quanta magia! Mas o que é tipofagia? — respondeu Lina.— Não temos tempo. Venha comigo agora!O gato pegou Lina pela mão. Os dois correram em direção ao mar e no

horizonte surgiu um barco.— Este barco — disse o gato — nos levará a uma ilha onde está acontecendo

um caso inédito de tipofagia. Lina estava curiosa: como um gato podia ser colorido e falar? Entraram no

barco e ela perguntou:— Sr. gato, quem é você? Eu preciso saber. E o significado de tipofagia? Eu

quero entender. — E assim ela percebeu que sempre que seus pensamentos viravam palavras passavam a rimar.

Um sonho caligráfico

— Desculpe — disse o gato —, você está confusa, não é? Meu nome é Bigato, vamos para a Ilha Tipográfica, onde vivem todas as letras. Elas também são chamadas de tipos, por isso Ilha Tipográfica. Nós vamos para lá porque algo terrível está acontecendo: as letras estão sendo capturadas por canibais comedores de tipos, são os tipófagos!

— Tipos são letras: ok! Mas o que é tipografia ainda não sei! — Tipografia é tudo aquilo que é escrito, tudo aquilo que tem a ver com as letras, ou

melhor, com os tipos. Quando eu digo canibal refiro-me àquele que come outras pessoas – essa coisa horrível se chama antropofagia –; como na Ilha Tipográfica os canibais estão comendo tipos, o nome dado foi tipofagia... entendeu?

— Ahhhhhhhh, entendi! E me surpreendi! Nada de tão terrível já ouvi! Como faremos para encontrar esses canibais aqui?

Bigato, com um olhar inteligente, disse:— Vamos percorrer a ilha e conhecer todos os moradores.

{�} {�}

Família Tipográfica

Tipográfia

Tipo

Page 6: A ilha tipografica

A Coluna de Trajano

A viagem seguiu e quando chegaram à ilha Bigato continuou sua conversa com Lina.— Essa ilha é dividida em duas grandes extensões de terra ligadas por uma pequena

faixa de areia; na parte ocidental moram os tipos com serifa, enquanto na outra parte, a oriental, moram os tipos sem serifa ou grotescos, como são chamados pelos com serifa. Na faixa ocidental toda a área é conhecida e de fácil circulação, já o lado oriental é pouco conhecido e tem florestas mais densas. Vamos caminhando até a fronteira para o lado oriental da ilha, durante o trajeto faremos algumas visitas para investigar o caso e a primeira será ao imperador Trajano.

Lina, entusiasmada, perguntou:— Um imperador! Quanto esplendor! Como ele virou governador? — Lina, ele não governa esta ilha; Trajano é um dos célebres moradores. Na verdade

a importância dele está em sua coluna: a Coluna de Trajano! E antes que você pense que se trata da coluna vertebral do moço, explico que é um monumento em que está escrita a história de uma batalha; sua base é o que tem de mais importante para essa ilha, pois ali estão as letras que viraram referência para toda a escrita do mundo.

Lina começou a entender a importância desse monumento na história da tipografia e pediu a Bigato para falar mais sobre a Coluna de Trajano.

— Esse monumento é um registro da evolução da escrita. As letras eram sempre maiúsculas e são chamadas de clássicas, pois têm proporções, curvas e espessura perfeitas. A criação das minúsculas surgiu muitos anos depois.

Os novos amigos andaram mais uns dez minutos até avistarem uma bonita casa com a famosa coluna no pátio central. Aproximando-se, puderam constatar que a casa estava vazia e foram olhar a famosa coluna. Lina logo percebeu que havia algo de errado naquelas formas e perguntou:

— As palavras estão grudadas! Por que eles escrevem assim, com elas coladas?— Antigamente, não se separavam as palavras. Com o passar do tempo fizeram um

triângulo para separação entre elas e só depois é que as separaram com espaço.Bigato procurou em cada canto da casa e infelizmente não encontrou ninguém.

{�} {�}

Page 7: A ilha tipografica

No castelo de Carlos MagnoO tempo estava agradável, o céu limpíssimo. Era possível ver

letrinhas voando no horizonte. Lina perguntou:— Letras voando como pássaros... E nós, para onde direcionaremos

nossos passos? — Vamos para o castelo de Carlos Magno.Lina ficou surpresa:— Carlos Magno, o imperador do Ocidente? Mas ele não

mora no continente?— Sim, ele mesmo. Agora ele mora aqui. Carlos Magno é muito

importante para a tipografia, pois ele organizou a maneira de escrever obrigando todas as pessoas ilustres a terem calígrafos. Lembra

do seu caderno de caligrafia? O calígrafo é um profissional que desenha letras. E foi assim que surgiu a escrita feita de

letras maiúsculas e minúsculas.Lina pensou: “Nossa! Se soubesse disso antes

não acharia meus exercícios de caligrafia tão chatos”.Quando chegaram ao castelo, foram recebidos

calorosamente pelo próprio Carlos Magno:

— Seja bem-vindo, meu amigo Bigato, em que eu posso te ajudar?— Olá, Carlos Magno, estamos com um sério problema. Canibais estão

raptando os tipos que vivem aqui na ilha.— Nossa, mas que desgraça, felizmente aqui no castelo nenhum tipo foi

devorado. Caminhe até o monastério aqui perto, quem sabe lá você consegue mais informações com os monges copistas.

Os dois foram em direção ao monastério. Ao se aproximarem perceberam uma grande confusão. Um monge veio correndo e gritando:

— Canibais, canibais, canibais! Canibais raptaram as letras góticas.Lina não entendeu nada e perguntou:— Mas não há lógica! O que é uma letra gótica?O monge tomou fôlego e começou a explicar:— Nós, os monges, desenhamos as letras góticas, que são apertadas e

cabem aos montes em cada folha de papel. Canibais altos e fortes vieram até aqui e pegaram minhas letrinhas! Disseram que vão comê-las, por sorte consegui salvar algumas.

Bigato disse ao monge, com um ar de detetive:— Fique tranqüilo, iremos atrás desses canibais devoradores de tipos.

{10} {11}

Page 8: A ilha tipografica

Bigato e Lina despediram-se rapidamente do monge e caminharam para mais uma visita: a oficina de Gutenberg, quem sabe ali encontrariam mais pistas.

— Estamos indo visitar a oficina de um dos mais ilustres moradores desta ilha: Johannes Gutenberg, o inventor do processo de impressão através dos tipos móveis, que são letras em caixinhas de metal que recebem tinta e imprimem no papel, como um carimbo. Com seu invento Gutenberg possibilitou a produção de livros por preços muito menores e, conseqüentemente, as pessoas tiveram mais acesso aos livros! — Bigato explicava a Lina, que estava fascinada com tudo que estava aprendendo.

Chegaram à oficina, um lugar cheio de livros, papéis, tintas e diversos tipos móveis brincando no chão, esperando para serem impressos em algum livro.

Bigato, como um verdadeiro detetive, pegou seu bloco de anotações e interrompeu o trabalho de Gutenberg:

— Sr. Gutenberg, estimado amigo, essa é Lina e estamos atrás dos canibais que estão raptando os tipos de toda ilha. Você tem alguma informação que possa ser útil nas investigações?

Lina sentia-se importante, como uma verdadeira assistente na investigação e ouvia com atenção as palavras de Gutenberg.

— Olá amigos, tipos móveis fiquem em silêncio! O assunto aqui é importante. Fiquei sabendo desse caso de tipofagia há algum tempo, pois alguns canibais entraram em

A oficina de Gutenberg

minha oficina. Felizmente consegui esconder todos os tipos em suas caixas. Eles perguntaram onde estavam os tipos e eu respondi que eu era apenas um impressor e que os tipos viviam livremente. Assim consegui convencê-los e eles se foram.

— Você conseguiu descobrir alguma coisa sobre eles? — perguntou Bigato— Estava com tanto medo que não perguntei nada. Tentem falar com Claude

Garamond, ele também é tipógrafo, quem sabe possa ajudar.Agradeceram ao Gutenberg, que voltou ao trabalho, e saíram.

{12} {1�}

Page 9: A ilha tipografica

O navio de Garamond

Bigato e Lina tinham um novo destino: o navio de Claude Garamond. — Chegamos! Esta é a caravela de Claude Garamond! Para que você saiba Lina,

foi ele quem desenhou o tipo romano substituindo os tipos góticos, aqueles do monge, lembra? — foi explicando Bigato enquanto acenava ao Capitão Garamond, que na mesma hora ordenou que sua tripulação jogasse a escada.

A tripulação era formada pelos tipos da família Garamond. Lina observava fascinada um “A” lavando o convés, um “B” arrumando o mastro, sendo ajudado por uma letra “T”, parecia um navio pirata. O Capitão Garamond gritou:

— Bem-vindos, Bigato e menina! A família Garamond os saúda com grande alegria.

Bigato cumprimentou o Capitão Garamond e respondeu:— Obrigado pela recepção, esta é minha amiga Lina. Estamos investigando o

caso de tipofagia da ilha.— Aterrorizante essa história, mas aqui em meu navio nenhum tipo foi

devorado nem devoramos ninguém... Lina estava curiosa e perguntou:— Mas Capitão, você tem alguma dica que nos ajude a resolver essa situação?— Algum tempo atrás os canibais, liderados por um que era gago, estiveram em

meu navio e conversamos muito. Eles reclamavam que não tinham registros escritos e que a sua língua era somente falada. Com isso tinham sérios problemas em registrar fatos. Eu recomendei que eles usassem as letras do alfabeto e desenvolvessem uma tipografia própria, para conseguirem registrar todas as suas histórias e lendas. Nossa conversa foi sobre esse assunto e eu

acredito que eles não comem mais carne humana... são pessoas muito boas.Depois de muito conversar, o Capitão Garamond convidou todos para jantar

na cantina do italiano Bodoni e aproveitarem para investigar se ocorreu algum problema por lá. Bigato e Lina aceitaram o convite.

{14} {15}

Page 10: A ilha tipografica

Após uma tranqüila parada todos desembarcaram do navio e caminharam numa trilha em direção à cantina. Quando já estavam lá perto, Capitão Garamond gritou:

— Bodoni! Sou eu, Garamond! Trouxe alguns amigos para saborearem o seu macarrão!

— Meu amigo, você não imagina o que aconteceu em minha cantina: um bando de canibais vieram almoçar, mas não comeram meu macarrão... levaram todos os tipos

Bodoni minúsculos! Disseram que iam comê-los! Logo os meus pequeninos! Eu não sei o que fazer! — Com licença, Sr. Bodoni — disse Bigato. — Estamos

investigando esse caso de tipofagia; como eram esses canibais?— Eram altos, fortes e liderados por um gago.— Finalmente acertamos! São os mesmos que conversaram com o Capitão

Garamond, claro! O líder é gago! Garamond respondeu:— Muito estranho. Por que eles fariam isso?— É isso que vamos descobrir, o importante é que estamos no caminho certo!

— Bigato respondeu, entusiasmado.O italiano, na esperança de que seus pequenos tipos retornassem, gritou:— Para comemorar a coragem e astúcia de vocês vamos comer o melhor

macarrão desta ilha!

A cantina de Bodoni De repente alguém bateu à porta. Bodoni recebeu e abraçou o visitante, apresentando-o a todos:

— Este é meu grande amigo Francesco Griffo, o sovina.— Olá Bodoni, fiquei sabendo do rapto de seus tipos

minúsculos e vim até a cantina para me juntar a você!— Sr. Griffo, desculpe interromper, sou a Lina

muito prazer, mas por que o senhor é sovina? Não consigo compreender.

Sorrindo diante da inocência e da pergunta rimada da menina, Griffo respondeu:

— Sovina significa mão-de-vaca e fui eu quem inventou o tipo itálico, ou cursivo, aquele inclinado à direita

e mais estreito, que economiza espaço e páginas ao imprimir.Bigato pegou seu bloco de anotações e começou

a fazer perguntas:— Sr. Francesco Griffo, você encontrou algum canibal nesta ilha, ou

tem alguma informação que possa nos ajudar?— Eu não vi nenhum canibal até agora, mas sei de alguém que corre grande

perigo: Willian Caslon, dono da pensão Caslon. Lá moram muitas letras, a família Caslon é muito numerosa, a maior da nossa ilha, se eles estão interessados em devorar tipos lá os encontrarão em quantidade.

{1�} {1�}

Page 11: A ilha tipografica

Bodoni saiu da cozinha com uma panela enorme de macarrão al sugo; letras ajudaram-no a levar a panela até a mesa. O cheiro e o sabor eram maravilhosos e em poucos minutos a panela ficou vazia e, todos satisfeitos com a iguaria, conversavam sobre os perigos que habitavam o lado oriental da ilha.

Bigato pulou sobre a mesa e berrou a todos:— Eu não tenho medo e vou caminhar por toda esta ilha!Uma letra “R” da tripulação de Garamond respondeu com uma voz amedrontada:— Você diz isso porque não conhece o outro lado da ilha. Lá só moram os tipos

grotescos, eles não têm serifa!

A macarronada de Bodoni O Capitão completou os relatos sobre o lado oriental da ilha:— Não conhecemos direito o outro lado da ilha, as trilhas são muito

fechadas. Diversas criaturas ainda desconhecidas vivem por lá, dizem que todo cuidado é pouco na área da floresta, pois é a morada dos “Dingbats”.

— Dingbats, que diferente! Que nome é esse que fica em minha mente? — perguntou Lina

— É o nome dos símbolos, pequenos desenhos. Não são letras, mas pensam que são. Muito cuidado com eles!

Bigato completou: — É nosso dever proteger todos os tipos, mesmo que

não tenham serifa, que se disfarcem de desenho. Temos de visitar Willian Caslon, ele corre perigo! Preciso de ajuda

para atravessar o rio.Francesco Griffo disse:— Eu posso ajudar, meu barco está lá.Garamond ficou na cantina de Bodoni para ajudar na

proteção de novos ataques, enquanto Francesco Griffo guiou os dois amigos até o rio. O sol começava a se pôr na Ilha Tipográfica e um nevoeiro tomou conta do caminho. Lina

disse baixinho:— Estou com medo, não enxergo nada além

do meu dedo!— Não se preocupe, nada de errado

vai acontecer.Francesco Griffo gritou:— Pessoal! Para chegar à pensão de Caslon é

só seguir em frente nesta trilha. Adeus e espero que consigam resolver este caso.

{1�} {1�}

Page 12: A ilha tipografica

Pensão Caslon

Seguiram a trilha até que Lina avistou uma placa: “Pensão Caslon”. Bateram na porta e de lá de dentro uma voz perguntou:

— Quem são vocês e o que querem?— Eu sou Bigato e esta é minha amiga Lina.— Bigato! É você? Entre. Caslon está no balcão,

vai ficar feliz em te ver.Quando a porta abriu foi possível visualizar o

porteiro, um pequeno asterisco. Ele trancou a porta e disse baixinho:

— Devemos tomar muito cuidado à noite nesta região da ilha.

— Por quê? — perguntou Bigato.— Os antigos contam histórias de que tipos

grotescos caminham à noite, assustando e devorando qualquer um que estiver em seu caminho.

Bigato interrompeu:— Deixe de bobagem! Sabemos claramente que os

tipos sem serifa não são horríveis e que essas histórias não passam de mentiras.

Willian Caslon aproximou-se, abraçou Bigato e disse em tom severo:— Essas histórias não são mentiras. Tipos estão sumindo e não sabemos qual é a causa.— Sr. Caslon, o sumiço dos tipos está acontecendo na ilha inteira e trata-se de um

caso de tipofagia. Não são os tipos grotescos que estão fazendo isso, são canibais que estão seqüestrando os tipos com o objetivo de comê-los.

— Sério? Isso explica o sumiço repentino de alguns tipos. Aqui em minha pensão somos muitos, é difícil controlar toda a família... vocês precisam descansar, tenho um quarto especial para vocês. — Os dois agradeceram em coro e seguiram Caslon até o andar superior. Foram acomodados num quarto grande e espaçoso.

Bigato tomou a dianteira, atirou-se em uma cama e disse a Lina:— Vamos descansar um pouco, porque amanhã teremos mais investigações a fazer.

Principalmente porque iremos atravessar para o lado oriental da ilha. Não devemos ter medo das letras sem serifa, mas a mata é muito fechada e contam histórias horripilantes de lá. Durma bem, Lina.

— Tentarei descansar, são tantas novidades que não consigo parar de pensar! — respondeu Lina

{20} {21}

Page 13: A ilha tipografica

Por volta das 5 horas da manhã um dos tipos Caslon faz muito barulho para acordar Lina e Bigato, que esfregou os olhos e perguntou para a letra:

— O que você está fazendo? Eu estava dormindo!— Hora de levantar, Caslon pediu para acordá-los cedo.Caslon os esperava com uma mesa cheia de pães, queijos e doces:— Estávamos aguardando vocês para tomarmos o café-da-manhã.Sentaram-se à mesa e fizeram uma excelente refeição. Era chegado o momento da

despedida. Bigato agradeceu toda a hospitalidade e Lina despediu-se de todos os tipos Caslon. O sol estava nascendo quando os dois começaram a caminhada em direção ao lado oriental da ilha. Conforme chegavam próximo da estreita faixa de areia, a paisagem se modificava, a vegetação sumia devagar até chegarem numa região onde havia apenas areia e muito vento. Bigato, demonstrando coragem, disse:

— Vamos seguir em frente, tenho certeza de que nada de mal vai nos acontecer! Após alguns minutos de caminhada o cenário era o mesmo. Apenas areia em todo

lugar, até que de repente avistaram uma pirâmide. Bigato arregalou os olhos e gritou:— Uma pirâmide egípcia! Então não era lenda, existem pirâmides na ilha!

A travessiaAo longe iam surgindo, bem devagar, soldados com uniformes azuis e vermelhos.Bigato entrou em desespero:— O que faremos? São os soldados de Napoleão!— Soldados de Napoleão! Mas o que eles fazem aqui nessa imensidão? —

perguntou Lina. — De acordo com as histórias que contam, aparecem por aqui para saquear todos

os tesouros das pirâmides. Vamos, depressa! Precisamos nos esconder!— Não há lugar onde poderíamos nos esconder! O que vamos fazer?O medo ia crescendo... De repente, um pequeno alçapão se abriu no meio do

caminho e surgiu uma letra “D”:— Venham, venham depressa! Aqui vocês poderão se proteger dos soldados.Sem perder tempo, os dois pularam no alçapão.

{22} {2�}

Page 14: A ilha tipografica

O alçapão dava acesso a uma grande galeria, muito iluminada por tochas. Bigato ficou olhando a letra “D” e perguntou:

— Primeiramente, muito obrigado por nos salvar. A que família você pertence?— Eu sou uma Clarendon. Podem reparar pela minha serifa quadrada, inspirada nas

inscrições das pirâmides. Vamos em frente, pois há uma saída segura. Após alguns passos nossos amigos encontraram uma grande sala e um

homem de costas.— Sejam bem-vindos! Meu nome é Robert Besley. Mas o que vocês fazem por aqui? — Estamos investigando um caso de tipofagia; tipos estão sendo raptados para serem

devorados.— Nossa, que notícia horrível. Felizmente não enfrentamos esses problemas. Nosso

maior dilema são os soldados de Napoleão, que dificultam os estudos arqueológicos.— Que bom que vocês estão seguros senhor, nós temos que seguir adiante em nossa

viagem. Poderia nos indicar uma saída segura?— Claro! Sigam a letra “D”.Eles seguiram em frente até outro alçapão. O ”D” se despediu e explicou que dali

em diante não teriam mais problemas com os soldados. Depois de uns minutos de caminhada sobre a areia quente, a paisagem mudou completamente para uma floresta tropical, de mata muito fechada. Lina, com bastante medo, olhou para todas aquelas árvores e comentou baixinho:

— Quantas árvores, está meio escuro. Você sabe o que nos reserva o futuro?

Por dentro do alçapão

— Sim, fique tranqüila, estamos na floresta dos Dingbats. Não os conhecemos direito, devemos apenas tomar cuidado, mas não somos letras, não temos o que temer.

De repente, um barulho muito forte começou a se aproximar. Bigato subiu em uma árvore para observar de onde vinha o barulho; depois, abriu um sorriso e, feliz da vida, gritou:

— Lina! Estamos com muita sorte! É Trajano com seu exército de letras.

— Por onde andou, Bigato? Havíamos pensado que você também fora raptado.

— Felizmente estou bem, colhendo informações para resolver esse assunto.

Lina interrompeu:— Meu nome é Lina, estou investigando esse caso de

tipofagia. O senhor conhece dos canibais a filosofia?— Menina, que jeito engraçado de falar esse seu. Não

conheço a filosofia desses canibais, mas podemos trabalhar juntos. Também estamos atrás deles. Soubemos desse caso e partimos imediatamente para o lado oriental da ilha. Faremos uma ótima parceria. Vamos marchar para dentro desta floresta. Levantem-se, letras, não temos o dia todo!

{24} {25}

Page 15: A ilha tipografica

A floresta era toda colorida, formada por plantas muito esquisitas. Todos estavam apreensivos, pois não sabiam como seria a recepção em relação a eles. De repente encontraram o primeiro Dingbat. O pequeno, ao ver todo aquele exército, saiu correndo em disparada. Todos foram atrás dele, em busca de alguma informação.

Alguns metros depois, depararam com uma grande clareira, parecida com uma aldeia. Não havia ninguém. Bigato perguntou a Lina:

— Será que aqui é a aldeia dos canibais?— Hummmmm, pergunta um tanto incomum. — Pensativa, Lina continuou: —Você mesmo disse que ninguém nunca entrou nesta floresta, como então

poderia haver uma aldeia como esta?Um barulho de tambores ensurdecedor tomou conta do lugar; ninguém sabia

o que fazer. No topo das árvores ao redor da clareira começaram a aparecer vários Dingbats. Em poucos instantes as árvores estavam abarrotadas deles. Um desses sinais gritou do alto da árvore:

— Eu sou o chefe Dingbat! O que vocês fazem em nossa floresta?

A Floresta de Dingbats

— Estamos apenas de passagem, procuramos os canibais que estão raptando tipos — respondeu Bigato.

— Nossa! Comendo tipos! Eles passaram por aqui e não desconfiamos de nada, pareciam sujeitos muito bons e prestativos, ficaram conosco por algum tempo e depois partiram.

— Partiram para onde? — Bigato perguntou, nervoso— Foram em direção aos Alpes.— Senhor, estamos perto de desmascará-los, peço permissão para

partirmos de sua aldeia.— Permissão concedida, meu caro gato. Fiquem calmos, nós estávamos

com mais medo e vimos que os canibais não tinham nada de suspeito.— Desculpem-nos, é que nunca entramos nesta floresta, e são tantas

histórias que ouvimos daqui.— Pois de agora em diante podem nos visitar quando quiserem.

As pessoas fantasiam com tudo o que não conhecem direito, são preconceituosas, mas vocês puderam ver que aqui não há perigo algum.

— Muito obrigado, vocês foram muito gentis. Lina, vamos em direção aos Alpes.

{2�} {2�}

Page 16: A ilha tipografica

Lina e Bigato mantiveram-se unidos ao grupo de Trajano e em passos firmes rumaram para os Alpes. A paisagem daquela região era belíssima, com campos de vegetação rasteira e pequenas flores coloridas e perfumadas. Lina estava calma, tranqüilizada pela bela paisagem. Bigato viu bem de longe um pastor com suas letras pastando; o homem falava sozinho, parecia nervoso.

Aproximaram-se e Bigato perguntou:— Tudo bem com o senhor?— Não, não está tudo bem comigo! Eu estou arruinado, não consigo acreditar no

que acabaram de fazer.— Conte-nos, assim poderemos ajudá-lo.— Eu estava aqui tirando uma soneca enquanto minhas letrinhas pastavam;

de repente, quando acordo, vejo minhas letras sendo levadas. Por sorte acordei e consegui que eles não levassem todas.

— Calma, senhor pastor, estamos investigando e vamos solucionar este caso, pode contar com nossa ajuda.

— Obrigado, meu nome é Frederic Goudy, quem são vocês? Vocês podem trazer de volta minhas queridas letrinhas?

— Meu nome é Bigato e essa é Lina, viemos para a Ilha Tipográfica para resolver esse terrível caso de tipofagia. Temos a ajuda de Trajano e sua equipe. E agora estamos bem perto de solucionar esse mistério. Já temos fortes pistas de quem está fazendo isso. Pode contar conosco, faremos todo o possível para trazer suas letrinhas de volta.

Roubo de ovelhas

O pastor, mais calmo, agradeceu a cada um deles.Lina, Bigato, Trajano e sua equipe partiram para os Alpes, atravessaram um

pequeno rio, que era bem raso, e aproveitaram para beber um pouco de água e encher seus cantis. Bigato tinha passado por ali há algum tempo e traçou uma rota alternativa, passando pela Floresta Negra e subindo os Alpes ao final dela. Trajano concordou, pois sabia que Bigato conhecia a ilha como ninguém. Com o consentimento geral, seguiram para a Floresta Negra.

{2�} {2�}

Page 17: A ilha tipografica

A Floresta Negra era pequena, porém com árvores muito altas, que impediam a entrada de luz. No início da caminhada todos ficaram um pouco apreensivos, pois era um ambiente assustador, cheio de árvores secas e muito escuro. O grupo avista uma letra “A” deitada no chão. Trajano olha fixamente para ela:

— Pessoal, aquela letra tinha uma serifa e parece que foi cortada. Não pode ser! Como alguém teria coragem de fazer uma barbaridade dessas? Ela está sem as suas serifas!

O grupo decidiu aproximar-se com o objetivo de ajudar a letra, mas de repente ela levantou-se e começou a tagarelar:

— Quem são vocês? O que fazem aqui? O que querem de mim?— Está tudo bem com você? Estamos aqui para ajudá-la! — disse Trajano.— Comigo está tudo bem, estava tirando uma gostosa soneca até vocês

me acordarem.— Mas você está machucada! Não está sentindo dor com a perda de suas

serifas? — pergunta Bigato.— Serifas? Eu nunca tive serifas!— Você é uma grotesca? — diz Trajano com espanto.— Olhe o palavreado! Eu simplesmente não tenho serifa. — Desculpe-nos, ainda não havíamos encontrado nenhuma letra sem serifa.

— Bigato tenta corrigir a grosseria de Trajano.

O primeiro encontro

— Nunca viram letras sem serifa e o que fazem então em nossa morada? — Você tem família? Trajano tenta mudar de assunto, mas só piora a situação.— Claro que eu tenho família! Você acha que eu sou sozinha no mundo? Sou a

tipografia mais nova da família Caslon.— Caslon tem tipos sem serifa com ele? — Trajano parece indignado.— Claro que tem! Você acha que eu sou mentirosa? Olha, vocês não sabem de nada,

me deixaram com um mau humor terrível, tenho de ir, vou procurar um lugar mais calmo onde não serei perturbada.

A letra foi embora deixando o grupo boquiaberto. Lina correu em sua direção e disse:

— Não fique triste com quem não a entende. Eu garanto que por conhecê-la estou muito contente.

A letrinha sorriu e disse para Lina:

— É porque você, menina dona da rima, não tem preconceito, você possui uma das maiores e raras virtudes: o respeito às diferenças. Siga seu caminho e boa sorte na missão.

Lina voltou para perto de seus companheiros; estava muito feliz com o que ouvira.

Tipo sem serifa Tipo com serifa

{�0} {�1}

Page 18: A ilha tipografica

Depois de quase duas horas caminhando a paisagem mudou: árvores, flores, folhas dispostas de maneira simétrica, ou seja, organizadinhas, enfileiradas. Diante daquele ambiente simétrico Lina não se conteve:

— Olhem esses triângulos formando o gramado! Será que estamos em um desenho animado?

Bigato respondeu:— Uma vez ouvi falar deste lugar. Um

dos moradores daqui é Paul Renner, criador da tipografia futura. Uma tipografia sem serifa, uniforme e geométrica.

Continuaram a caminhada até chegarem ao início da subida aos Alpes da Ilha

Tipográfica. A subida era difícil, mas a vista era espetacular. Conforme iam subindo, o frio aumentava, pois se aproximavam do pico dos Alpes, onde a neve nunca derretia. Lina, curiosa, perguntou:

— Bigato, o que há nestes Alpes de tão importante? Por que os canibais vieram para um lugar tão distante?

— Dizem que um dos moradores daqui é Max Miedinger, um tipógrafo, desenhista de letras e alpinista nas horas vagas. Ele criou a família Helvetica, umas das mais famosas famílias tipográficas sem serifa. Seu desenho simples, sem enfeites e com muita facilidade para leitura, transformou essa tipografia na mais popular do século XX.

De repente eles ouviram um grito que ecoou pelo ar:— Socorroooooooo! Aquiiiiiiiiiiii! No abiiiissssssmoooooooo!Todos olharam para o abismo e viram um homem e várias letras,

pendurados por cordas.— Sou eu, Max Miedinger! Ajudem-me, estava fugindo de uns canibais

que queriam capturar minhas helveticas para serem devoradas. O que estão esperando? Esta corda não vai nos agüentar por muito tempo.

O exército de Trajano providenciou tudo que era necessário para o resgate.

— Sr. Max, que bom que está bem. Nós estamos atrás desses canibais. — disse Bigato enquanto o ajudava.

— Obrigado, mas apressem-se, pois eles passaram por aqui há pouquíssimo tempo.

Bigato gritou:— Trajano! É melhor você ficar para resgatar todas as letras. Eu e Lina

iremos na frente. Trajano achou a idéia pertinente e despediu-se dos amigos

desejando sorte no final da batalha.

Os alpes

{�2} {��}

Page 19: A ilha tipografica

Lina e Bigato seguiram a caminhada. Bigato percebeu que Lina estava muito apreensiva e disse:

— Lina, eu enviei uma mensagem numa caligrafia que voará e avisará Bodoni e Garamond que estamos na direção dos canibais.

Viram os canibais à distância. Então se esconderam e ficaram observando o que eles estavam fazendo. Lina viu um homem bem vestido vindo na direção deles e disse:

— Hei, você aí! Esconda-se com a gente aqui!— Por que deveria esconder-me? Bigato ajudou:— Esconda-se rápido, antes que os canibais o vejam! Eles estão

capturando todos os tipos da ilha com a promessa de devorá-los.

Só a antropofagia nos une

O homem respondeu:— Não pode ser, eu sou amigo dos canibais. Eles não fazem mal a ninguém. Xiii! Eu

acho que fui mal-interpretado! Eu sou Oswald de Andrade. Durante um tempo convivi com os canibais e transmiti a eles meu manifesto antropofágico. “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi or not tupi, that is the question”, e por aí vai... Eu não disse para eles devorarem os tipos desta ilha, eles não me entenderam. Saiam desse esconderijo, devemos fazer alguma coisa para mudar esta situação.

Lina respondeu:— Ah! Então é muito simples a conclusão! Vamos conversar com os canibais e explicar

toda essa confusão!— Claro, mas devemos nos apressar, porque reparem o que está prestes a acontecer.

— disse Bigato, revoltado.Os canibais estavam carregando grandes caldeirões para cozinhar os tipos. Trajano com

seu exército e Max Miedinger com todas as suas helveticas estavam chegando perto dali e prestes a atacar os canibais. Oswald de Andrade ordenou:

— Depressa pessoal, temos de evitar uma guerra, vamos para perto dos canibais antes que as letras de Trajano iniciem uma guerra por engano!

{�5}{�4}

Page 20: A ilha tipografica

Oswald de Andrade tomou a liderança do grupo e, quando estava próximo dos canibais, gritou:

— O que vocês estão fazendo?— Oswald, me... me... meu grande amigo! Veio à ce... ce... cerimônia tipofágica?

Hoje devo... devo... devoraremos todos os tipos que fo... foram capturados e assim te... te... te... teremos a tã... tão sonhada identidade tipográfica.

— Canibal Gago! Você entendeu tudo errado! Quando eu falei em antropofagia, não era devorar outro ser, mas apropriar-se de todo conhecimento para desenvolver a sua própria identidade.

Nesse momento, o exército de Trajano e as helveticas de Max Miedinger apareceram prontos para atacar os canibais. Bigato correu na direção deles e interrompeu o ataque:

— Parem todos! Acalmem-se! O caso foi resolvido!— Como, resolvido? Olhem o caldeirão e todos os tipos presos nestas redes!

— disse Trajano, indignado.— Acalmem-se! Tudo não passou de um mal-entendido. Vamos libertar

todos esse tipos. Canibal Gago ordene que os outros canibais ajudem na libertação dos tipos.

Oswald e Canibal Gago subiram numa pedra e começaram a discursar:— Pessoal, creio que devemos desculpas a todos por essa grande confusão, mas

pensem que foi por ele que nos encontramos de forma tão única. Vivemos a união dos tipos com e sem serifa. Vocês trabalharam em equipe, esta data deve entrar para a história da Ilha Tipográfica. O dia em que o Ocidente e o Oriente se encontraram.

Bigato olhou para o horizonte:— Olhem, é o navio de Garamond!O navio aportou no pequeno trapiche e Bodoni desceu correndo do

navio e perguntou:— Algum tipo foi devorado?— Não, Bodoni, tudo foi resolvido. Tudo isso não passou de um grande

mal-entendido! — exclamou Lina.— Senhores canibais, os caldeirões estão com água fervendo?

Sopa de letrinhas

Todos responderam que sim, mas olharam para Bodoni admirados: o que ele pretendia com a água fervendo do caldeirão? E Bodoni, orgulhoso, continuou:

— Perfeito, em nome da paz na ilha eu ofereço a minha mais nova invenção: a sopa de letrinhas. As letras são feitas de massa de macarrão!

Todos riram da forma inteligente como Bodoni encerrou a questão e Lina, animada, gritou:

— Que grande confusão! Agora, se querem comer as letras que sejam de macarrão!

{��} {��}

Page 21: A ilha tipografica

Era uma cena fantástica, canibais conversando com soldados de Trajano, tipos com e sem serifa convivendo alegremente. Uma festa inimaginável.

As diferenças foram colocadas de lado. Todos experimentaram e aprovaram a deliciosa sopa de letrinhas de Bodoni, o caldo cheio de legumes dava mais sabor às letrinhas de massa de macarrão. No meio de tanta harmonia, Bigato teve uma idéia e pediu a opinião de Lina.

— Lina, pensei em sugerir um acordo para que o Ocidente e o Oriente da ilha vivam sempre em paz e harmonia.

— Que legal! Depois de tudo o que aconteceu uma idéia para a paz mundial! Sugira agora, aproveitando o momento de felicidade geral.

Tratado tipográfico — Ahhhh Lina — disse Bigato com cara de orgulhoso —, não sei se minha idéia é pela paz mundial, mas reforça a convivência pacífica na Ilha Tipográfica...

— Além de colocar em prática de verdade o manifesto de Oswald de Andrade — interrompeu Lina.

Bigato afastou-se, subiu nos caixotes de madeira em que Bodoni trouxe sua massa de macarrão e anunciou:

— Por favor, um minuto de atenção: gostaria de aproveitar esse momento de festa para sugerir um acordo.

Todos pararam o que estavam fazendo e prestaram a máxima atenção ao que Bigato tinha a dizer:

— Gostaria que instaurássemos hoje aqui o tratado tipográfico de ajuda mútua entre Ocidente e Oriente. Por meio desse tratado os canibais

liderados pelo Canibal Gago ficariam na Ilha Tipográfica aprendendo tudo sobre tipografia. Dessa forma, cultivaríamos corretamente os ideais antropofágicos de Oswald de Andrade.

Todos ficam em silêncio por uns dez segundos, tempo suficiente para que Bigato ficasse temeroso. Depois de se entreolharem, todos responderam aos gritos:

— Viva o tratado tipográfico! Viva o Bigato! Viva a Lina, a menina que rima!

Após muito tempo de festa e diversão o sol foi se pondo e a festa chegando ao fim. Garamond prometeu seguir o tratado e ajudar todos

os tipos a voltar para suas famílias.

{��} {��}

Page 22: A ilha tipografica

Depois de muito festejar com todos os seus amigos, Bigato disse a Lina:— É hora de irmos, Lina.— Sim, creio que nosso trabalho chegou ao fim.— Exato, nossa missão foi cumprida.— Será difícil me despedir, sinto que minha amizade com todos aqui só tende a progredir.— Esse é o fim de uma missão, mas a amizade estará sempre guardada em sua

memória e coração. A despedida foi alegre, com promessa de retorno o mais breve possível. Os dois

seguiram pela floresta dos tipos psicodélicos até o farol onde pegariam outro barco. A visita à Ilha Tipográfica chegava ao fim. Bigato, um pouco triste, abraçou Lina:

— Foi uma grande aventura, não?Ela sorriu com os olhos cheios de lágrimas. Eles entraram no barco para retornarem para

casa. Lina perguntou:— Bigato, com tanto aprendizado e cultura, como voltarei para casa depois

dessa aventura?— Não se preocupe, você simplesmente retornará.Após a última palavra de Bigato uma onda gigantesca encobriu o barco e todos

caíram no mar.

De volta à realidade

Lina se debateu na água e foi segura pela mão por Bigato. Ela tentou subir à tona, mas seus olhos se fecharam.

Quando Lina recuperou os sentidos escutou o barulho da chuva forte e viu seu gato rajado entrando em seu quarto pela janela, todo ensopado:

— Nossa, tudo foi um sonho, parecia tão real. Vivi uma aventura sem igual.O gato rajado de Lina ficou olhando para ela.— E você? Seu gato danado! Por onde andou, que está todo molhado? O fato de falar com rimas já não a incomodava mais, talvez fosse a forma dela

nunca esquecer a aventura que vivera minutos atrás e ela concluiu:— Nossa, já são 2 da manhã, vou vestir meu pijama e voltar para cama.

Hummmm quem sabe volte e sonhar com a Ilha Tipográfica e com aquela viagem fantástica.

Lina colocou seu pijama, deitou na cama e caiu rapidamente no sono. O gato, olhando para a menina, disse baixinho:

— Durma bem querida! E quanto à sua pergunta: “por onde andei?”, a resposta é simples: estive ao seu lado, o tempo todo.

{41}{40}

Page 23: A ilha tipografica

Nossa história acaba aqui, mas essa aventura não tem um fim. Todo os dias novos tipógrafos criam e recriam suas famílias tipográficas. Você vai ter sempre novas letras para conhecer e se encantar com suas histórias e belos desenhos.

Todas as vezes que deparar com uma nova família de letras, seja nos livros, nos jogos ou no seu computador, lembre-se da Lina e do Bigato, quem sabe eles não aparecem aí no seu quarto e te levam para mais uma aventura de barco...

O fim, ahhhhh mas não dá para acabar assim

{4�}{42}

Page 24: A ilha tipografica

Bigato conta a história de cada personagem que visitou na ilha

Imperador TrajanoMarco Úlpio Nerva Trajano foi imperador em Roma de 98 a 117. Entre outras construções, fez a Coluna de Trajano, para glorificar sua capacidade militar. O seu baixo-relevo em espiral comemora as vitórias das campanhas militares contra os Dácios. Depois de sua morte, em 117, o Senado decidiu que as cinzas do seu corpo deviam ser enterradas na base da coluna. (pág. 8)

Carlos MagnoFoi sucessivamente rei dos Francos (de 771 a 814), rei dos Lombardos (a partir de 774), e ainda o primeiro imperador do Sacro Império Romano (coroado em 25 de dezembro do ano 800), restaurando, assim, o antigo Império Romano do Ocidente. Para unificar e fortalecer o seu império, Carlos Magno decidiu executar uma reforma na educação e instaurou a Renascença Carolina, movimento de renovação cultural e intelectual que trouxe, entre outras coisas, a escrita em letras maiúsculas e minúsculas à tona. (pág. 10)

Monges e letras GóticasDistinta do modelo carolíngio, a letra gótica teve origem por volta do século XI, na Bélgica e no norte da França. Em vários conventos medievais funcionavam as scriptorias, oficinas caligráficas encarregadas de copiar textos religiosos – e, por vezes, textos da Antiguidade. Era imperativo economizar espaço na folha de pergaminho, compactação ainda reforçada pelo uso contínuo de abreviaturas. (pág. 11)

Johannes GutenbergInventor alemão que se tornou famoso pela sua contribuição para a tecnologia da impressão e tipografia. Criou uma liga para os tipos de metal e tintas à base de óleo, além de uma prensa gráfica, inspirada nas prensas utilizadas para espremer as uvas no fabrico do vinho. Tradicionalmente, crê-se que teria inventado os tipos móveis — que não passavam, no entanto, de uma melhoria dos blocos de impressão já em uso na Europa. (pág. 12)

Claude GaramondUm dos mais importantes desenhistas de letras do século XVI, desenhou a família de letras Garamond, obra-prima da tipografia na época e considerada, segundo pesquisas, a letra mais legível do mundo para textos. Redescoberta no século XX, teve várias reproduções. (pág. 15)

Giambattista BodoniDe Parma, na Itália, começou trabalhando na gráfica do Vaticano e tornou-se um gênio não só pela beleza do desenho de sua família de letras mais famosa (bodoni), mas pelo conjunto de sua obra: os belíssimos livros que imprimiu e as inovações tecnólogicas nas máquinas de impressão e nos materiais. Bodoni recebeu os prêmios mais importantes de sua época (século XVIII), incluindo medalhas outorgadas por Napoleão e pelos reis da Espanha. (pág. 16)

Francesco GriffoA sua maior façanha foi a invenção do itálico tipográfico, nos anos 1500-1501. Inicialmente ourives – como a maioria dos gravadores de tipos da época – e exímio artesão, é considerado o iniciador da independência nos desenhos dos tipos para impressão, das letras dos manuscritos humanistas, de onde era adaptada, na época, a maioria dos tipos venezianos (hoje conhecidos como ‘itálicos’). (pág. 17)

{44} {45}

Page 25: A ilha tipografica

Willian CaslonFoi o primeiro grande impressor inglês. Como era excelente desenhista, passou a desenhar tipos, abrindo a primeira fundição ao lado da Universidade de Oxford. O estilo de letra de Caslon é limpo e legível; a declaração de independência dos Estados Unidos foi composta por tipos desenhados por ele. (pág. 20)

Robert BesleyEditou letras condensadas, sombreadas, perfiladas... Depois, editou o grupo de fontes que chamou Ionics, para finalmente desembocar na bela síntese de uma fonte inglesa com o nome de Clarendon. Gravada, em Londres, no ano de 1845, a Clarendon tornou-se o protótipo de todas as slab-serifs. (pág. 24)

Frederic GoudyTipógrafo norte-americano, desenhou por volta de 124 famílias de letras. Goudy, que não gostava do modo mecânico como as fundições comerciais traduziam os seus desenhos de tipos feitos à mão, decide criar a sua própria fundição em 1925 – para poder controlar todas as fases do processo. (pág. 28)

Paul RennerTrabalhou como desenhista gráfico, tipógrafo, pintor e professor. Lançou a letra Futura em 1927, exemplo máximo das letras geométricas sem serifa, considerado na época o tipo da nova tipografia baseado em formas geométricas representativas do estilo visual da Bauhaus dos anos 1920 e 1930. (pág. 32)

Napoleão BonaparteFigura importante no cenário político mundial da época, já que esteve no poder da França durante 15 anos e nesse tempo conquistou grandes partes do continente europeu. Os biógrafos afirmam que seu sucesso deu-se devido ao seu talento como estrategista e ao seu talento para empolgar os soldados com promessas de riqueza e glória após vencidas as batalhas. Neste livro falamos do ataque ao Egito. A estratégia de Napoleão nessa batalha era atrair a Inglaterra para fora das Ilhas Britânicas, bloqueando-lhe o contato com seu império indiano. Nessa batalha ficaram conhecidos os saques aos tesouros das pirâmides. (pág. 23)

Max MiedingerTipógrafo suíço, desenhou a Helvetica, um tipo eficaz no uso cotidiano, com alta legibilidade tanto para texto como para leitura à distância. Foi considerada a letra dos designers durante os anos 1950, 1960 e 1970 em todo o mundo, sendo considerada símbolo do bom desenho nesse período. (pág. 33)

Oswald de AndradeFoi um dos promotores da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, tornando-se um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro. Foi o autor de dois manifestos modernistas: O Manifesto da Poesia Pau Brasil e o Manifesto Antropófago. Esse manifesto constitui-se numa síntese de alguns pensamentos do autor sobre o Modernismo Brasileiro. (pág. 35)

{4�} {4�}

Page 26: A ilha tipografica

ESTA OBRA FOI COMPOSTA EM THE SERIF E LINOTYPE CONRAD, TEVE SEUS ARQUIVOS

PROCESSADOS EM CTP E FOI IMPRESSA PELA POSIPRESS EM OFFSET SOBRE PAPEL COUCHÉ

DA COMPANHIA SUZANO PARA EDITORA OLHARES EM MAIO DE 2008

Page 27: A ilha tipografica