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A IMAGEM EM SALA DE AULA: CULTURA VISUAL E A FORMAÇÃO DE CONSUMIDORES Bruna Carolini Barbosa Universidade Estadual de Londrina / UEL Resumo: A sociedade tem se tornado cada vez mais visual, e em consequência a imagem constitui potencialmente um grande meio de persuasão e construção da identidade, formando opiniões e claro, consumidores. O presente trabalho tem como objetivo maior propor uma discussão acerca da cultura visual de nossos alunos e o domínio da cultura imagética a que estão expostos através da publicidade, além de verificar quais são os reflexos que tais exposições têm causado em sua própria imagem e formação identitária. Para tanto, buscaremos analisar a publicidade direcionada ao público infanto-juvenil e o efeito causado em sua recepção. O professor dentro desse contexto desempenha um papel fundamental, já que é ele quem cumpre o papel mediador na tarefa de filtrar e realizar o estudo não só das formas estéticas da imagem, mas também das impressões que ela deseja causar. Nossas considerações acerca da linguagem e publicidade são realizadas à luz da concepção bakhtiniana, além das teorias de Maingueneau, Koch, Benveniste e apoiadas na perspectiva de cultura e pedagogia visual de Rose, Hernandez e Cunha. Palavras-chave: imagem, linguagem, publicidade e cultura. 1. Publicidade e Linguagem No mundo contemporâneo, onde as ideias circulam livremente, a publicidade torna-se uma grande e eficaz forma de persuasão e construção ideológica e, dentro desse contexto, é o uso perspicaz da linguagem que torna isso possível. Mas a publicidade não é algo que surgiu agora, e sim na Grã Bretanha no início do século XVII. Segundo Leotti (2007), com o surgimento da indústria e, consequentemente com seu crescimento, iniciou-se a produção em escala industrial, o que acarretou um grande desenvolvimento econômico da população que deu origem à classe média. Esse ambiente industrial e econômico revela-se bastante favorável às condições para a existência da propaganda, que oportunamente se estabeleceu na sociedade. De acordo com Sandmann (1933, p.9), o termo propaganda vem do nome da instituição Congregatio de propaganda fide, que significa “Congregação da fé que deve ser propagada. A instituição foi criada na cidade de Roma em 1622, com o intuito de propagar a fé cristã. Sandmann diz também que em português o termo é abrangente, pode ser usado para propagar ideias, assim como para vender produtos. Alguns profissionais entendem que os termos propaganda e publicidade não apresentam o mesmo significado. Devido a sua origem, o termo propaganda passou a III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 455

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A IMAGEM EM SALA DE AULA: CULTURA VISUAL E A FORMAÇÃO DE CONSUMIDORES

Bruna Carolini Barbosa

Universidade Estadual de Londrina / UEL

Resumo: A sociedade tem se tornado cada vez mais visual, e em consequência a imagem constitui potencialmente um grande meio de persuasão e construção da identidade, formando opiniões e claro, consumidores. O presente trabalho tem como objetivo maior propor uma discussão acerca da cultura visual de nossos alunos e o domínio da cultura imagética a que estão expostos através da publicidade, além de verificar quais são os reflexos que tais exposições têm causado em sua própria imagem e formação identitária. Para tanto, buscaremos analisar a publicidade direcionada ao público infanto-juvenil e o efeito causado em sua recepção. O professor dentro desse contexto desempenha um papel fundamental, já que é ele quem cumpre o papel mediador na tarefa de filtrar e realizar o estudo não só das formas estéticas da imagem, mas também das impressões que ela deseja causar. Nossas considerações acerca da linguagem e publicidade são realizadas à luz da concepção bakhtiniana, além das teorias de Maingueneau, Koch, Benveniste e apoiadas na perspectiva de cultura e pedagogia visual de Rose, Hernandez e Cunha.

Palavras-chave: imagem, linguagem, publicidade e cultura.

1. Publicidade e Linguagem No mundo contemporâneo, onde as ideias circulam livremente, a publicidade

torna-se uma grande e eficaz forma de persuasão e construção ideológica e, dentro desse

contexto, é o uso perspicaz da linguagem que torna isso possível.

Mas a publicidade não é algo que surgiu agora, e sim na Grã Bretanha no início

do século XVII. Segundo Leotti (2007), com o surgimento da indústria e,

consequentemente com seu crescimento, iniciou-se a produção em escala industrial, o

que acarretou um grande desenvolvimento econômico da população que deu origem à

classe média. Esse ambiente industrial e econômico revela-se bastante favorável às

condições para a existência da propaganda, que oportunamente se estabeleceu na

sociedade.

De acordo com Sandmann (1933, p.9), o termo propaganda vem do nome da

instituição Congregatio de propaganda fide, que significa “Congregação da fé que deve

ser propagada. A instituição foi criada na cidade de Roma em 1622, com o intuito de

propagar a fé cristã. Sandmann diz também que em português o termo é abrangente,

pode ser usado para propagar ideias, assim como para vender produtos.

Alguns profissionais entendem que os termos propaganda e publicidade não

apresentam o mesmo significado. Devido a sua origem, o termo propaganda passou a

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ser gentilmente usado para, como o próprio termo diz, propagar ideias de cunho

religioso ou político, por exemplo, ideias que não estão ligadas a objetivos comerciais,

seu objetivo principal é persuadir o interlocutor a partir da adesão de um sistema

ideológico.

Já a publicidade tem o foco direcionado para a venda de um produto concreto ou

serviço, tendo como seu maior objetivo o lucro e rentabilidade. Neste caso não se vende

uma ideia, se propagam mensagens comerciais. Em maior grau de intensidade, o

trabalho com a linguagem e persuasão torna-se muito mais perceptível e sedutor na

publicidade, já que seus gastos, segundo Malanga (1979), são pagos pelo próprio

produto, enquanto na propaganda são pagos pelo Estado e é gratuita para o indivíduo.

Para Baudrillar (2002, p.174) “a publicidade tem como tarefa divulgar as

características desse ou daquele produto ou promover-lhe a venda. Essa função objetiva

permanece em princípio sua função primordial”.

Em português publicidade é usado para a venda de produtos ou serviços e propaganda tanto para a propagação de ideias como no sentido de publicidade. Propaganda é, portanto, o termo mais abrangente e o que pode ser usado em todos os sentidos.

O corpus constituído nessa pesquisa pode ser contemplado de acordo com o

termo publicidade, entretanto usaremos os termos propaganda e publicidade como

sinônimos, com base no que encontramos em Sandmann (1993, p. 10):

Portanto, usaremos o termo propaganda, que consideramos mais versátil, e não

por acreditar que os dois podem ser considerados sinônimos perfeitos.

Podemos distinguir, segundo Vesteegard e Schroderc(1988), os dois tipos de

propaganda: a comercial e a não comercial. As propagandas não comerciais seriam, por

exemplo, as propagandas de Organizações não Governamentais, já as propagandas

comerciais, seriam as que vendem um produto, serviços ou imagem ao consumidor.

Dentre as duas classificações optamos por trabalhar com as propagandas

comerciais que, de acordo com Vesteegard e Schroderc(1988, p.2) são:

propagandas ao consumidor, na qual o anunciante é uma empresa que tem como objetivo influenciar os hábitos de consumidores individuais e onde os papéis dos participantes da situação comunicativa (locutor e alocutário) são desiguais no

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que diz respeito ao conhecimento do produto anunciado, possuindo, portanto, forte característica persuasiva.

Com o desenvolvimento da indústria e a melhora dos instrumentos tecnológicos

que geravam produção em grande escala, as indústrias produziam mercadorias de

qualidade e preço semelhantes, o que fez com que surgisse a necessidade de criar os

meios persuasivos para estimular o mercado.

Essa situação foi evoluindo ao longo do tempo e no contexto atual a propaganda

desempenha papel fundamental dentro de uma sociedade capitalista, capaz de criar

consensos e pesamentos semelhantes, atitudes e ideologias, as quais segundo Chauí

(2004), que compõem um conjunto sistemático, coerente e lógico de ideias e valores

que orientam toda uma sociedade sobre agir, pensar e ver o mundo,

A função da propaganda é, portanto, influenciar e persuadir o consumidor a

adquirir os produtos que representem as tendências e os valores da classe dominante.

Segundo Sandmann, (1933), a linguagem das propagandas busca satisfazer e vir ao

encontro de certos interesses e valores da classe dominante, refletindo assim a sua forma

de ver o mundo e entendê-la.

O que a classe dominante estabelecer como padrão é o que será buscado e

admirado por todas as outras classes, pois é padrão que irá refletir as tendências do

momento: comidas e bebidas mais requintadas, a moda, automóveis, assim como temas

como a ecologia e sustentabilidade, tradição, classe, inclusão e tantos outros.

Hoje a persuasão pode ser vista como uma forma de convencer, construir

ideologias e afirmar valores (CITELLI, 1985), mas antes a persuasão era relacionada à

mentira, manipulação e falsidade. Porém com o passar do tempo percebeu-se sua real

função, a de construção ideológica.

Para a construção da ideologia, a linguagem faz uso dos elementos persuasivos,

que podem ser vistos como aspectos linguísticos que atuam com o intuito de influenciar

o interlocutor. São esses elementos que constroem a significação, e é a análise destes

que nos interessa.

Não se pode negar que a publicidade causa uma forte influência na formação da

sociedade, refletindo seus valores e formas de ver o mundo. Por isso torna-se altamente

persuasiva, já que não existe comunicação isenta de um ponto de vista, que seja neutra,

a comunicação implica em convencer o outro de algo, “o elemento persuasivo está

colado ao discurso como a pele ao corpo” (CITELLI, 1985 p. 6).

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Consideramos a linguagem como “atividade, como forma de ação individual

finalisticamente orientada” (KOCH, 1998, p. 9). O texto publicitário promove uma

interação entre locutor e interlocutor, pois sempre haverá a intenção da obra em reforçar

ou até mesmo modificar as convicções do interlocutor.

Em tempos atuais, não apenas os aspectos linguísticos podem constituir a

significação, haja vista que a tecnologia torna possível a utilização de diversos tipos de

ilustração, cores, tipos de letras e outros aspectos significativos, portanto, pensando que

o texto é composto por diferentes signos, verbais e não verbais, a sua compreensão

global depende da decodificação de todos os signos, indissociavelmente. Assim como

entende Gonçalves, (2006, p.14),

a valorização de outras linguagens, além da verbal, tem sido cada vez mais frequente: se diferentes signos interagem na sociedade e na informação, não há motivos para se priorizar a palavra em detrimento de outros códigos, considerando-os inferiores ou simplesmente complementares. No contexto da publicidade, os diferentes signos interagem de tal maneira que se torna impossível dissociá-lo, a apresentação dá-se no conjunto.

Entendemos que a linguagem, inclusive a publicitária, utiliza características de

sua época e tenta representar as ideias da classe dominante, este estudo abordará

propagandas de circulação nacional e que são direcionadas ao público infanto-juvenil.

Analisaremos os signos verbais e não verbais, que constituem os textos veiculados,

levando em consideração o contexto sócio histórico, meios de circulação e condições de

recepção.

A intenção da propaganda é a de persuadir o receptor, os consumidores. Assim

como os outros gêneros, a propaganda configura-se a partir do discurso, que é um modo

de ação e de representação de um ponto de vista e do mundo.

As propagandas são constituídas de signos verbais e não verbais. Maigueneau

(2002, p.85) afirma que “um texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro

deixado por um discurso em que a fala é encenada”. A partir desses rastros é que vamos

buscar na forma que esse discurso foi construído a fala que encena.

2. A imagem em sala de aula

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Muito mais que um conjunto de conceitos, disciplinas e convenções, a escola

tem trabalhado para a formação do sujeito receptivo e ativo, ou seja, não cabe ao aluno

somente receber o conteúdo ensinado na escola, deve também estar preparado para

intervir na sociedade com base no que abstrai dentro e fora da escola.

Sabemos que nossos alunos são influenciados por diversos meios que não o

escolar, e dentro desse contexto é a nós, professores, que cabe orientar para as melhores

escolhas e atitudes a serem tomadas diante de tanta informação.

Dentro desse contexto um olhar mais crítico deve ser lançado sobre o uso da

imagem pela sociedade. Ela está presente na televisão, revistas, livros, internet e em

muitos outros espaços os quais as crianças e adolescentes têm acesso, e é por isso que o

presente trabalho se debruça sobre a abordagem que a publicidade realiza sobre esse

público, que frequentemente é persuadido.

A publicidade leva o aluno a pensar que somente fará parte da sociedade se ele

comprar determinados produtos, será alegre, aceito e é levado a acreditar e concordar

com conceitos e valores que muitas vezes nem são os seus, vejamos o que nos diz

CUNHA sobre essa questão:

termos objetos que trazem as marcas da infância significa pertencer a uma categoria. TER significa SER. TER, compartilhar os mesmos significados, significa SER. Tornamo-nos alguém porque nos apropriamos de determinados códigos culturais, sejam roupas, tipos de cabelo, marcas de carro, cigarro e ao SERMOS alguém, detentores de códigos específicos que DIZEM sobre o que e como somos, estamos construindo nossa identidade numa interação amalgamando com estes artefatos. De certo modo, os objetos nos representam, nos tornam visíveis ao mundo (2005, p.29)

O ensino de Língua Portuguesa não deve priorizar mais como objeto de estudo

somente a competência gramatical, vários outros conteúdos são importantes para

compor o currículo e dentro dessa perspectiva acreditamos que as Pedagogias Visuais

são de suma importância nesse processo,

entendidas aqui como os processos educativos efetuados pelas imagens, passam a compor um currículo paralelo, dentro e fora das escolas, funcionando como uma espécie de currículo visual. As pedagogias da visualidade formulam conhecimentos e saberes que não são ensinados e aprendidos explicitamente, mas que existem, circulam, são aceitos e produzem efeitos de sentido

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sobre as pessoas. Entender as pedagogias da visualidade, dentro e fora das escolas, é fundamentalmente para que se compreenda como estamos sendo regulados por elas, como crianças, homens e mulheres de diferentes contextos sociais e culturais estão construindo suas identidades e visões de mundo a partir de seus ensinamentos. (CUNHA, 2005, p.40)

A principal função da linguagem é possibilitar a interação, e a partir dela tornar

possível as práticas sociais, para isso é primordial compreender o mundo em que

vivemos e “as imagens não são janelas transparentes para o mundo. Elas interpretam o

mundo; apresentam-no de formas bem particulares” (ROSE, 2001, p.6), sendo assim é

que acreditamos ser importante o domínio do texto imagético.

A construção dos nossos valores é influenciada pela família, religião, escola,

mas sobretudo pela mídia e com toda certeza pela publicidade que revela diversas

visões de mundo e influenciam de forma efetiva em nosso modo de pensar e ver as

coisas,

daí que um primeiro objetivo de uma educação para a compreensão da cultura visual, que, além disso, estaria presente em todas as áreas do currículo, seria explorar as representações que os indivíduos, segundo suas características sociais, culturais e históricas, constroem na realidade. Trata-se de compreender o que se representa para compreender as próprias representações. (HERNANDÉZ, 2000, p.136)

Nesse aspecto o que nos preocupa é com qual intensidade essa publicidade

formadora de opinião tem influenciado nossas crianças e adolescentes e até que ponto

isso modifica sua própria imagem e identidade. Para que os conceitos expostos sejam

ilustrados, analisaremos duas propagandas direcionadas ao público infanto-juvenil

3.Análise das Propagandas

Propaganda 1

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Figura 1 – Rainha Neo – O futuro encontra o passado

Fonte: <http://www.fnazca.com.br/index.php/2005/05/02/rainha-neo/>. Acesso em 07

de janeiro de 2011.

A primeira propaganda analisada é predominantemente marcada pela linguagem

não verbal. É composta por apenas uma página com o texto imagético e o texto escrito,

e juntos compõem a argumentação. Trata-se da imagem de duas jovens, uma um pouco

maior ao fundo, vestida com roupas da marca Rainha e outra mais à frente que também

veste as roupas da marca, as duas passam a imagem de modernidade e atitude em um

cenário urbano, mais especificamente em uma ferrovia.

Essa propaganda faz parte de uma campanha composta por 5 peças publicitárias

da agência F Nazca, no ano de 2005, para lançar a nova linha Rainha Neo, um segmento

da marca que investe em roupas, bolsas e acessórios. As imagens que foram criadas

justamente para propor a modernidade, movimento e atitude, circularam em revistas

como Capricho, Atrevida e Revista MTV, que são direcionadas para o público jovem.

No canto superior direito da imagem temos então a marca e seu tradicional logo,

desde 1934 a tocha e o arco, vem acompanhados da frase “O futuro encontra o

passado”, justamente para afirmar então a ideia de que uma marca já há muito tempo no

mercado está inovando sua imagem, e isso significa que você irá modernizar-se

também.

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A tabela de cores utilizada na imagem é composta por cores frias e é interessante

atentar-se ao fato de que onde o nome ou logo da marca aparecem temos os tons claros

ou então temos o fundo escuro, mas a logo é clara, para que haja o contraste e

predominância dos elementos da Rainha. Vale a pena ressaltar também próprio fato de

as duas jovens vestidas com a modernidade com a ferrovia já sugere o encontro do

passado com a modernidade.

Por fim o texto colocado ao lado das duas moças comprova a ideia de que essa

propaganda foi feita para ser direcionada ao público juvenil, pois temos aí um meio

geralmente frequentados por eles, a rave. É importante notar que o texto escrito dessa

propaganda esta carregado de um “pre-conceito” sobre essas festas, o de que em raves

há consumo exacerbado de drogas lícitas e ilícitas. Fragmentaremos o texto para

facilitar a compreensão da análise:

“Vão achar bem legal, bem bacana ou muito louco...”

Aqui fica claro que está se falando das roupas e acessórios Rainha que o jovem

estará usando na festa, e uma forma de aproximar a linguagem é colocar nessa

propaganda os mesmos argumentos que eles usam para dar valor a alguma coisa, “bem

legal, bacana, muito louco”. Perceba que esse trecho segue uma cronologia com a rave,

pressupondo que ao passo que a festa vai acontecendo, o uso de substâncias

alucinógenas ou então que aceleram o metabolismo como energéticos aumentam e

surtem efeito. E então o que colocamos em nossa análise faz sentido quando vemos a

última parte do texto: “Depende da hora que você chegar”.

O uso de uma propaganda como essa em sala de aula para uma análise gera

inúmeras possibilidades de análise com os alunos, tanto da imagem em si, do texto,

quanto da imagem que é circulada sobre eles e as festas que eles costumam frequentar.

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Propaganda 2

Figura 2 – Cada gota vale a pena.

Fonte:<http://www.cocacolabrasil.com.br/release_detalhe.asp?release=76&Categoria=3

0>. Acesso em 19 de janeiro de 2011.

Esta peça publicitária faz parte de uma campanha criada pela Coca-Cola para

arrecadação de fundos para ações sociais e ambientais, cada embalagem vendida de

produto da marca reverteria em um valor para o Instituto Coca-Cola Brasil, que de

acordo com o texto disponível no site, já investe R$37 milhões de reais em

responsabilidade social.

O sobre responsabilidade social e sustentabilidade é um recurso utilizada pela

mídia em geral para alcançar o público, já que nos últimos tempos têm se dado bastante

atenção para essas questões, inclusive no ambiente escolar, que prioriza a formação do

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cidadão crítico capaz de intervir e posicionar-se diante dos assuntos abordados

socialmente.

A imagem mostra uma criança, e é importante notar que esta criança é negra, o

que usualmente não se vê em propagandas, e nesse contexto de responsabilidade social,

colocar uma criança negra significa preocupar-se com as questões do preconceito e

tantos outros discursos que são possíveis sobre os afro-descendentes no Brasil. Esta

criança está em meio a milhares de gotas, na cor vermelha da marca Coca-Cola e uma

gota maior com a mensagem “Semana cada gota vale a pena”, que é o título da

campanha.

A palavra gota sugere mais de uma interpretação, a de que cada ajuda, por mais

pequena que seja é fundamental, ou então cada gota dos produtos Coca-Cola

contribuem com a campanha. E sobre o texto escrito da propaganda é importante

destacar os verbos Tire e Participe, no modo imperativo que evoca ordem, e remete ao

tradicional “Beba Coca-Cola”. Quando se coloca “Tire da geladeira aquela velha

vontade de ajudar”, podemos inferir que a vontade de ajudar já está incutida em nós a

algum tempo e a oportunidade surgiu agora, tire sua Coca-Cola da geladeira e junto com

ela a sua vontade de ajudar.

A propaganda coloca todas as opções de produtos disponíveis e frisa que

“Levando qualquer produto Coca-Cola Brasil, você estará contribuindo para os

projetos do Instituto Coca-Cola Brasil.” Dois pontos merecem uma atenção especial, a

aproximação com o consumidor-leitor através do 'você' e a repetição de 'Coca-Cola

Brasil' que enfatiza ser um instituto nacional, e mesmo sendo a Coca-Cola muito

internacional, o discurso da marca coloca que se preocupa com as particularidades de

cada país.

4. Considerações finais

Numa situação comunicacional, onde existe interação entre locutor e

interlocutor, o processo de construção de sentidos acontece mutuamente levando em

consideração o que se diz, a forma como se diz e qual o objetivo do que se diz. A

significação do discurso de constrói levando-se em consideração os aspectos históricos

e sociais das partes envolvidas na interação.

No discurso publicitário, o bom uso da linguagem, verbal e não-verbal, contribui

para que a marca consiga influenciar os consumidores a fim de renderem-se às

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maravilhas de seus produtos que, diga-se de passagem, refletem a visão das classes

dominantes.

Partimos da análise da propaganda da marca Rainha Neo que é direcionada ao

publico jovem e adolescente e posteriormente uma propaganda da Coca-Cola que foi

elaborada para atingir todas as faixas etárias, mas que veicula a imagem de uma criança

e por isso é mais facilmente percebida por elas se partirmos do princípio de que nos

associamos com mais facilidade àquilo que divulga nossa imagem.

As análises dessas propagandas serviram também como um modelo de análise

de peças publicitárias, e o quanto podemos retirar desse trabalho. Dessa forma os

professores podem visualizar o tipo de trabalho que pode ser realizado em sala de aula

com o texto imagético, analisando a imagem, texto escrito, ideologia veiculada,

utilização das cores e efeito causado, além de problematizar em sala de aula com seus

alunos a imagem que a mídia veicula sobre as crianças e os jovens e seus valores.

Todo texto, seja ele imagético ou não, permite inúmeras interpretações e análises

e a sala de aula pode tornar-se um ambiente onde a aplicação desses exercícios pode

configurar-se como uma excelente forma de problematizar questões polêmicas que

veiculam na sociedade e que fazem parte da vida de nossos alunos, representando o seu

eu e o seu meio social, dessa forma é de suma importância ter em mente que não há

interpretação única, todas valem a pena desde que coerentes, afinal, a visão de um

indivíduo sobre algo e suas impressões refletem a sua visão de mundo.

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