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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA Faculdade de Medicina Veterinária A IMPORTÂNCIA CLÍNICA DA ANÁLISE DO LÍQUIDO CEFALORRAQUIDIANO PARA O DIAGNÓSTICO DE AFEÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DO CÃO FELIPE FERNANDES DE ALMEIDA 2013 LISBOA ORIENTADOR Dr. João Carlos Gil da Silva Ribeiro CO-ORIENTADOR Doutora Graça Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo CONTITUIÇÃO DO JÚRI Doutor António Jose de Almeida Ferreira Doutor José Henrique Duarte Correia Doutora Graça Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo Dr. João Carlos Gil da SIlva Ribeiro

A Importância Clínica Da Análise Do Líquido Cefalorraquidiano Para o Diagnóstico de Afecções Do Sistema Nervoso Central Do Cão

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A compreensão da neuroanatomia dos animais de companhia constitui um grande desafioque por vezes desencoraja as mais entusiásticas intenções. No entanto, esse conhecimentoé um dos pilares basilares duma correcta localização no SN de lesões nos doentesneurológicos (Colaço, 2003). Tentando evitar a tentação de estudar as neuropatias maiscomuns, ou talvez as mais interessantes, deve-se tentar sempre aplicar a máxima usada emmatemática e física: "to go back to first principles". Com isto em mente, esta dissertaçãodedicou-se a um componente do sistema nervoso central (SNC), o líquido cefalorraquidiano(LCR), revendo as suas aplicações clínicas, de modo a poder-se afinar as técnicas decolheita e as análises e aferir a importância dos resultados obtidos para a prática clínica,comparando-o com outros exames complementares de diagnóstico.

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  • UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA

    Faculdade de Medicina Veterinria

    A IMPORTNCIA CLNICA DA ANLISE DO LQUIDO CEFALORRAQUIDIANO PARA O DIAGNSTICO DE AFEES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DO

    CO

    FELIPE FERNANDES DE ALMEIDA

    2013

    LISBOA

    ORIENTADOR Dr. Joo Carlos Gil da Silva Ribeiro CO-ORIENTADOR Doutora Graa Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo

    CONTITUIO DO JRI Doutor Antnio Jose de Almeida Ferreira Doutor Jos Henrique Duarte Correia Doutora Graa Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo Dr. Joo Carlos Gil da SIlva Ribeiro

  • UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA

    Faculdade de Medicina Veterinria

    A IMPORTNCIA CLNICA DA ANLISE DO LQUIDO CEFALORRAQUIDIANO PARA O DIAGNSTICO DE AFEES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DO

    CO

    FELIPE FERNANDES DE ALMEIDA

    DISSERTAO DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA VETERINRIA

    2013

    LISBOA

    CONTITUIO DO JRI Doutor Antnio Jos de Almeida Ferreira Doutor Jos Henrique Duarte Correia Doutora Graa Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo Dr. Joo Carlos Gil da SIlva Ribeiro

    ORIENTADOR Dr. Joo Carlos Gil da Silva Ribeiro CO-ORIENTADOR Doutora Graa Maria Alexandre Pires de Lopes de Melo

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    Agradecimentos

    Do not spoil what you have by desiring what you have not; remember that what you now have was once among the things you only hoped for.

    Epicurus

    imprescindvel agradecer a todos os que me ajudaram ao longo dos anos que

    antecederam a escrita desta dissertao...

    Conhecidos, colegas, amigos e familiares... Conhecidos que se tornam colegas... Colegas que se tornam amigos... Mas acima de tudo, aos amigos que se tornam famlia!

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    A IMPORTNCIA CLNICA DA ANLISE DO LQUIDO CEFALORRAQUIDIANO PARA O DIAGNSTICOS DE AFEES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DO

    CO

    Resumo

    O diagnstico definitivo e o prognstico de afeces neurolgicas essencial para a

    realizao de uma teraputica adequada e eficaz. Contudo, a disponibilidade dos

    meios complementares de diagnstico (MCD), os riscos associados e a relao

    custo-benefcio tornam a seleo dos meios de diagnstico que conduzem a este

    ltimo verdadeiramente um desafio.

    O lquido cefalorraquidiano (LCR) o produto tecidular do sistema nervoso central

    (SNC) mais facilmente acessvel e passvel de sofrer modificaes aquando de

    afeces que alterem as barreiras hemato-enceflicas e sangue-LCR.

    Esta dissertao tem como objectivo determinar a importncia da anlise do LCR

    para o diagnstico de afeces do SNC do co. Avaliando o impacto que a anlise

    do LCR tem no nmero dos MCD realizados por doente, estudou-se uma populao

    de 143 ces com afeces neurolgicas. A populao foi divida em dois grupos:

    grupo "LCR" (n=37), onde se colheu LCR, realizando-se a contagem total de clulas,

    o citodiagnstico e o teste de Pandy, e o grupo "S/LCR" (n=106) onde esses

    procedimentos no foram realizados.

    Estudou-se estatisticamente a relao entre grupos, o nmero de doentes com e

    sem diagnstico definitivo. Verificou-se que a significncia dos testes estatsticos

    entre as variveis nmeroMCD, pesoMCD e LCR so ambas zero (inferiores a 0,05),

    evidenciando uma relao estatstica entre as variveis. Com anlise das mdias de

    exames realizados por animal e o custo-benefcio/risco associado a todos os MCD a

    que esses doentes foram submetidos concluiu-se que a anlise de LCR, per si, no

    diminui o nmero de MCD necessrios por animal, sendo sempre essencial recorrer-

    se a tcnicas imagiolgicas para determinar o diagnstico definitivo.

    Contudo, verificou-se uma relao positiva no teste de chi-quadrado no que

    concerne existncia ou no de diagnstico definitivo e realizao de anlises no

    LCR na presena de neuropatias (p = 0,020; p 0,05). Assim, a anlise do LCR,

    embora inconclusiva se utilizada de forma isolada, uma ferramenta til para a

    excluso de etiologias da lista de diagnsticos, ajudando os mdicos veterinrios a

    direccionar o seu raciocnio diagnstico de modo a exercerem uma prtica clnica

    slida, direccionada e razovel.

    Palavras-chave: Lquido cefalorraquidiano, neuropatias, citodiagnstico, meios

    complementares de diagnstico.

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    CLINICAL IMPORTANCE OF CSF ANALYSIS IN THE DIAGNOSIS OF CANINE CENTRAL NERVOUS SYSTEM DISORDERS

    Abstract

    In order to implement an adequate and effective treatment for a neuropathy it's

    crucial to determine the definite diagnosis and prognosis. Notwithstanding,

    ascertaining a diagnosis can be challenging due to lack of availability of methods of

    diagnosis, associated risks and cost-benefit ratio.

    The cerebrospinal fluid (CSF) is an accessible secretion, which may suffer alterations

    in its normal characteristics in the presence of a pathologic process that damages

    the blood-brain and blood-CSF barriers.

    This dissertation aims to determine the importance of CSF analysis towards the

    diagnosis of canine neuropathies. 143 dogs with neurologic disorders were examined

    in order to assess if the CSF analysis influences the number and type of other

    methods of diagnosis required per pacient. The study population was divided into two

    different groups: the "CSF" (LCR in portuguese) group (n=37) in which there were

    obtained and analyzed CSF samples, performing the total cell count, differential cell

    count and Pandy test; and the W/O-CSF group (S/LCR in portuguese) in which none

    of those procedures were done.

    The inter-relations between groups, the number of diseased dogs, with and without

    diagnosis were statistically evaluated. The significance of both tests was zero (<

    0.05) meaning that there is a statistical relation between the variables. The analysis

    of the mean of exams performed per pacient and their cost-benefit ratio lead to the

    conclusion that the CSF analysis doesn't decrease the number of methods of

    diagnosis performed per patient and ergo the imaging tests are crucial to an accurate

    diagnosis. However, the chi-square test concerning the existence or not of a

    diagnosis and the CSF implied a significant relationship between both variables (p =

    0.020; p < 0.05). Thus, the CSF analysis, regardless of being inconclusive, is a very

    helpful mean of diagnosis, helping clinicians to exclude etiologies from their

    diagnosis' list, to target their clinical reasoning and to make their practice as

    steadfast and accurate as possible.

    Key words: Cerebrospinal fluid, neuropathy, cytologic diagnosis; methods of

    diagnosis.

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  • ix

    ndice

    Parte I - Descrio das actividades desenvolvidas durante o estgio ............. 1

    Parte II - Reviso bibliogrfica .................................................................................. 1 A. Objectivos............................................................................................................................. 1 B. Introduo ........................................................................................................................... 2 C. Reviso bibliogrfica ......................................................................................................... 2 1. Anatomohistologia............................................................................................................. 2

    1.1 - LCR - o incio........................................................................................................................................... 2 1.2 - Introduo histrica ........................................................................................................................... 2

    2 - O desenvolvimento embrionrio do Sistema Ventricular Cerebral ................... 3 3 - Neurohistologia ................................................................................................................. 5

    3.1 - A BHE e a BSLCR .................................................................................................................................. 6 4 - Produo do LCR ............................................................................................................... 7 5 - Fluxo ..................................................................................................................................... 9 6 - Absoro .............................................................................................................................. 9 7 - O LCR e as suas funes ................................................................................................. 10 8 - Colheita de LCR ................................................................................................................ 11

    8.1 - Indicaes para colheita................................................................................................................ 12 8.2 - Tcnica de colheita........................................................................................................................... 12

    8.2.1 - Generalidades ................................................................................................................................. 12 8.2.2 - Cisterna cerebelomedular (atlanto-occipital) ..................................................................... 13 8.2.3 - Cisterna lombar .............................................................................................................................. 15

    8.4 - Contra indicaes ............................................................................................................................. 16 8.5 - Consequncias/complicaes .................................................................................................... 16

    9 - O LCR no animal saudvel - caractersticas e tcnicas laboratoriais ............... 17 9.1 - Avaliao fsica e macroscpica ................................................................................................ 17

    9.1.1 - Colorao .......................................................................................................................................... 17 9.1.2 - Turvao ........................................................................................................................................... 17

    9.2 - Anlises qualitativas ....................................................................................................................... 18 9.2.1 - Protena total .................................................................................................................................. 18

    9.3 - Contagem de clulas ........................................................................................................................ 19 9.3.1 - Contagem total de clulas (CTC) .............................................................................................. 19 9.3.2 - Contagem diferencial de leuccitos (CDLs) e Citodiagnstico (CDx)........................... 20

    10 - Processamento da amostra ....................................................................................... 22 11 - O LCR no animal doente - caractersticas e tcnicas laboratoriais ................. 23

    11.1 - Avaliao fsica e macroscpica ............................................................................................. 23 11.1.1 - Colorao ....................................................................................................................................... 24 11.1.2 - Turvao ........................................................................................................................................ 25 11.1.3 - Coagulao .................................................................................................................................... 25

    11.2 - Anlises qualitativas .................................................................................................................... 25 11.2.1 - Protena .......................................................................................................................................... 25

    11.2.1.1 - Protena total ....................................................................................................................... 26 11.2.1.1.1 - Dissociao albuminocitolgica ............................................................................ 27

    11.2.1.2 - Albumina e Quociente de albumina ............................................................................. 27 11.2.1.3 - Enzimas.................................................................................................................................. 27 11.2.1.4 - Globulinas e Imunoglobulinas........................................................................................ 28

    11.2.1.4.1 - Perfis electroforticos da protena no LCR. ...................................................... 28 11.2.1.4.2 - IgG ................................................................................................................................... 29 11.2.1.4.3 - IgM .................................................................................................................................. 29 11.2.1.4.4 - IgA ................................................................................................................................... 29

    11.2.2 - Glicose ............................................................................................................................................. 30 11.3 - Contagem de clulas ..................................................................................................................... 30

    11.3.1 - CTC ................................................................................................................................................... 30 11.3.2 - CDLs e CDx .................................................................................................................................... 31

    11.3.2.1 - Pleocitose mononuclear ................................................................................................... 31

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    11.3.2.1.1 - Linfcitos ...................................................................................................................... 31 11.3.2.1.2 - Clulas monocitides ................................................................................................ 32

    11.3.2.2 - Pleocitose neutroflica ...................................................................................................... 33 11.3.2.3 - Pleocitose mista .................................................................................................................. 33 11.3.2.4 - Pleocitose eosinoflica....................................................................................................... 34 11.3.2.5. - Outras alteraes ............................................................................................................... 34

    11.4 - Culturas de microoganismos ................................................................................................... 35 11.5 - Tcnicas moleculares ................................................................................................................... 36

    Parte III - Parte prtica/Componente experimental ......................................... 38 1 - Material e Mtodos ......................................................................................................... 38

    1.1 - Material de estudo............................................................................................................................ 38 1.2 - Material .................................................................................................................................................. 38

    1.2.1 - Colheita e anlise de LCR ............................................................................................................ 38 1.2.2 - Anlise estatstica .......................................................................................................................... 39

    1.3 - Mtodos ................................................................................................................................................. 40 1.3.1 - Colheita e anlise de LCR ............................................................................................................ 40 1.3.2 - Tratamento estatstico ................................................................................................................. 41

    2 - Resultados ........................................................................................................................ 42 2.1 - Estatstica descritiva ....................................................................................................................... 42 2.2 - Estatstica comparada .................................................................................................................... 47 2.3 - Alteraes do LCR e as suas respectivas classes .............................................................. 49

    3 - Discusso........................................................................................................................... 52 3.1 - Estatstica descritiva ....................................................................................................................... 52 3.2 - Estatstica comparada .................................................................................................................... 55 3.3 - Alteraes do LCR e as suas respectivas classes .............................................................. 58

    4 - Concluso .......................................................................................................................... 61

    Bibliografia .................................................................................................................... 62

    Lista de Anexos............................................................................................................. 79 Anexo 1 - Breve descrio das actividades realizadas durante o estgio curricular e casustica. ........................................................................................................ 80

    1 - Actividades desenvolvidas no estgio ....................................................................................... 80 2 - Casustica .................................................................................................................................................. 82

    2.1 - Neurolocalizao ............................................................................................................................... 82 2.2 - VITAMIN D .......................................................................................................................................... 83 2.3 - Grau de Leso ..................................................................................................................................... 83

    Anexo 2 - Breve descrio das actividades realizadas durante os estgios adicionais e outras actividades. ....................................................................................... 85

    1 - Tierspital da Vetsuisse-Fakultt, Universitt Bern, Schweiz ......................................... 85 2 - Pathology Department - University of Liverpool, UK ........................................................ 86 3 - Outras actividades ............................................................................................................................... 87

    Anexo 3 - Tabela-resumo das caractersticas fisiolgicas do LCR .......................... 88 Anexo 4 - Gatos e os achados no LCR ............................................................................... 89 Anexo 5 - Testes de normalidade de distribuio de valores das variveis NmeroMCD e PesoMCD. Tabelas originais obtidas pelo IBMSPSSStatistics version 20. .............................................................................................................................. 90

    a) NmeroMCD ............................................................................................................................................. 90 b) PesoMCD .................................................................................................................................................... 92

    Anexo 6 - Teste de Mann-Whitney U para as variveis NmeroMCD-LCR e PesoMCD-LCR. Tabelas originais obtidas pelo IBMSPSSStatistics version 20. 94

    a) NmeroMCD e LCR ............................................................................................................................... 94 b) PesoMCD e LCR ....................................................................................................................................... 94

    Anexo 7 - Teste de Chi-quadrado entre as variveis LCR e DX. Tabelas originais obtidas pelo IBMSPSSStatistics version 20. .............................................................. 95

  • xi

    ndice de Figuras Figura 1 - Estrutura celular das meninges (Adaptado de: De Lahunta & Glass, 2009).

    ........................................................................................................................... 3 Figura 3 - Representao esquemtica das BHE e BSLCR presentes no SNC ........ 7 Figura 4 - Referncias anatmicas para a colheita de LCR na cisterna atlanto-

    occipital ............................................................................................................ 14 Figura 5 - Perfis electroforticos proteicos no LCR.................................................. 28 Figura 6 - Hemacitmetro (cmara de Neubauer) e representao esquemtica de

    uma das zonas de contagens de clulas da cmera (Figura original). ............. 41

    ndice de Tabelas Tabela 1 - Vesculas cerebrais primrias, suas respectivas subdivises cerebrais e

    ventrculos associados ....................................................................................... 3 Tabela 2 - Relao entre os segmentos espinhais lombossagrados e as vrtebras no

    co adulto ........................................................................................................ 15 Tabela 3 - Estimativa da [PT] do LCR atravs da utilizao de urinary dipsticks (N-

    Multitix SG, Bayer, Miles, Diagnostic Division). ................................................ 19 Tabela 4 - Coloraes do LCR e sua etiologia ........................................................ 25 Tabela 5 - Diferentes diagnsticos diferenciais baseados na contagem total de

    clulas de amostras de lquido cefalorraquidiano ............................................. 30 Tabela 6 - Diagnsticos diferenciais de possveis afecces do sistema nervoso

    central tendo em considerao as contagens celulares do lquido cefalorraquidiano.............................................................................................. 35

    Tabela 7 - Testes de doenas infecciosas no lquido cefalorraquidiano .................. 37 Tabela 8 - Meios complementares de diagnstico e seus respectivos pesos. ......... 40 Tabela 9 - Estatstica descritiva da varivel idade em anos. .................................... 42 Tabela 10 - Frequncias absolutas do nmero de meios complementares de

    diagnstico realizados nos diferentes grupos (LCR e S/LCR). ......................... 47 Tabela 11 - Frequncias absolutas do peso dos meios complementares de

    diagnstico realizados nos diferentes grupos (LCR e S/LCR). ......................... 47 Tabela 12 - Teste de normalidade de KolmogorovSmirnov para a varivel nmero

    de meios complementares de diagnstico realizados....................................... 47 Tabela 13 - Teste de normalidade de KolmogorovSmirnov para a varivel peso dos

    meios complementares de diagnstico realizados. .......................................... 48 Tabela 14 - Mdias do nmero de meios complementares de diagnsticos realizados

    nos grupos "LCR" e "S/LCR", tendo em conta a existncia ou no de diagnstico definitivo. ....................................................................................... 48

    Tabela 15 - Testes no paramtricos para variveis independentes (NmeroMCD e LCR), com especial destaque para o teste de Mann-Whitney U e a Significncia assinttica a negrito. ........................................................................................ 48

    Tabela 16 - Mdias do peso de meios complementares de diagnsticos realizados nos grupos "LCR" e "S/LCR", tendo em conta a existncia ou no de diagnstico definitivo. ....................................................................................... 48

    Tabela 17 - Testes no paramtricos para variveis independentes (PesoMCD e LCR), com especial destaque para o teste de Mann-Whitney U e a Significncia assinttica a negrito. ........................................................................................ 49

    Tabela 18 - Teste de Chi-quadrado para as variveis LCR e Dx numa tabela de dupla entrada (2x2) e 1 grau de liberdade. ....................................................... 49

    Tabela 19 - Resultados da anlise dos LCR do caso referente classe "Vascular". 49 Tabela 20 - Resultados da anlise dos LCR dos casos referentes classe

    "Inflamatrio". ................................................................................................... 50

  • xii

    Tabela 21 - Resultados clnicos da anlise dos LCR do caso referente classe "Anomalias". ..................................................................................................... 50

    Tabela 22 - Resultados da anlise dos LCR dos casos referentes classe "Degenerativo". ................................................................................................ 51

    Tabela 23 - Distribuio de afeces neurolgicas observadas e a sua respectiva frequncia absoluta. ......................................................................................... 83

    Tabela 24 - Tabela-resumo das caractersticas fisiolgicas do LCR. Adaptada de Lorenzs, Coates & Kent, 2011. ......................................................................... 88

    Tabela 25 - Resultados obtidos da anlise dos LCR obtidos de 4 dos 16 gatos examinados durante o estgio curricular. ......................................................... 89

    Tabela 26 - Resumo do processamento da anlise estatstica da varivel "NmeroMCD".................................................................................................. 90

    Tabela 27 - Estatstica descritiva da varivel "NmeroMCD". .................................. 90 Tabela 28 - Testes de normalidade para a varivel "NmeroMCD". ........................ 91 Tabela 29 - Resumo do processamento da anlise estatstica da varivel

    "PesoMCD". ..................................................................................................... 92 Tabela 30 - Estatstica descritiva da varivel "PesoMCD". ...................................... 92 Tabela 31 - Testes de normalidade para a varivel "PesoMCD". ............................ 93 Tabela 32 - Estatstica descritiva para as variveis "NmeroMCD" e "LCR". ........... 94 Tabela 33 - Ranks do teste de Mann-Whitney U para a varivel "NmeroMCD". .... 94 Tabela 34 - Testes no-paramtricos para duas varivies independentes, a saber

    "NmeroMCD" e "LCR" a. ................................................................................. 94 Tabela 35 - Estatstica descritiva para as variveis "PesoMCD" e "LCR". ............... 94 Tabela 36 - Ranks do teste de Mann-Whitney U para a varivel "PesoMCD". ......... 94 Tabela 37 - Testes no-paramtricos para duas varivies independentes, a saber

    "PesoMCD" e "LCR" a. ..................................................................................... 94 Tabela 38 - Resumo do processamento da anlise estatstica das variveis

    "Diagnstico" e "LCR". ..................................................................................... 95 Tabela 39 - Tabulao cruzada das variveis "Diagnstico" e "LCR". ..................... 95 Tabela 40 - Testes de Chi-quadrado entre as variveis "Diagnstico" e "LCR". ...... 95

    ndice de Grficos Grfico 1 - Frequncias absolutas e relativas da totalidade da casustica (N = 171),

    de acordo com as espcies examinadas durante os 6 meses de estgio......... 42 Grfico 2 - Frequncias absolutas e relativas do grupo onde se colheu e analisou o

    lquido cefalorraquidiano (N=37) ...................................................................... 43 Grfico 3 - Frequncias relativas dos doentes com colheita de LCR (n = 37). ........ 44 Grfico 4 - Frequncias absolutas e relativas dos casos sem colheita de LCR (n =

    106).................................................................................................................. 44 Grfico 5 - Frequncias relativas das diferentes classes de alteraes do SNC (n =

    143). ................................................................................................................. 45 Grfico 6 - Frequncia absoluta de casos com LCR relacionando o nmero de meios

    complementares de diagnstico realizados e suas respectivas classes (n = 37). ......................................................................................................................... 45

    Grfico 7 - Frequncia absoluta de casos sem LCR relacionando o nmero de meios complementares de diagnstico realizados e suas respectivas classes (n = 106). ......................................................................................................................... 46

    Grfico 8 - Distribuio dos casos tendo em conta a sua localizao neurolgica. . 82

  • xiii

    Abreviaturas

    A.C. - Antes de Cristo BHE - Barreira hemato-enceflica BSLCR - Barreira sangue-LCR C1 - Primeira vrtebra cervical (atlas) CDLs - Contagem diferencial de leuccitos CDx - Citodiagnstico /L - Clulas por microlitro Cl- - Io cloro CTC - Contagem total de clulas D.C. - Depois de Cristo DNA - Deoxyribonucleic acid; Portugus: cido desoxirribonucleico

    FCS - soro fetal de vitelo (do ingls: fetal calf serum) G - Gauge HCO3

    - - Io bicarbonato HD - Hrnia discal H0 - Hiptese nula H1 - Hiptese alternativa K+ - Io potssio pol - Polegada (do ingls inch; 1pol corresponde a 2,54cm)

    LCR - Lquido cefalorraquidiano MARC - Meningite-arterite responsiva a corticosterides MCD - Meio complementar de diagnstico MEG - Meningoencefalite granulomatosa mg/dL - Miligrama por decilitro mL - Mililitro mL/min/g - Mililitro por minuto por grama mm - Milmetro mmH2O - Milmetros de gua MV - Mdico Veterinrio Na+ - Io sdio OCV - rgos circunventriculares p - Probabilidade

    PC - Plexo coride PIC - Presso intra-craniana POE - Protuberncia occipital externa QA - Quociente de albumina QV - Quarto ventrculo RM - Ressonncia Magntica RNA - Ribonucleic acid; Portugus: cido ribonucleico

    RRV - Clnica Veterinria Referncia Veterinria (RRV, Lda.) SN - Sistema nervoso SNC - Sistema nervoso central TC - Tomografia computorizada TV - Terceiro ventrculo VL - Ventrculos laterais VS - Vasos sanguneos - Nve e gn f cnc L/m n - Microlitro por minuto [PT] - Concentao de protena total

  • 1

    Parte I - Descrio das actividades desenvolvidas durante o estgio

    O trabalho desenvolvido no estgio curricular1, nas suas mltiplas vertentes, constitui a base

    desta dissertao. O estgio teve uma durao aproximada de seis meses (de 20 de

    Setembro de 2011 a 23 de Maro de 2012) e foi efectuado na Clnica Veterinria Referncia

    Veterinria (RRV).

    Este estgio teve como orientador o Director clnico da clnica referenciada, o Dr. Joo

    Carlos Gil da Silva Ribeiro e incidiu exclusivamente em neurologia clnica e neurocirurgia de

    animais de companhia, tendo sido dado particular enfoque componente imagiolgica

    (estudos radiogrficos simples e com contraste - mielografia - e ressonncia magntica -

    RM) como uma ferramenta de grande importncia no diagnstico diferencial neurolgico. De

    notar que todos os pacientes examinados na RRV procuram esta clnica para consultas de

    referncia ou de segunda opinio.

    Os objectivos fulcrais deste perodo de trabalho foram: alicerar conhecimentos bsicos

    sobre a anatomofisiologia do sistema nervoso (SN), central e perifrico e a obteno de

    casustica que nos permita realizar um exame neurolgico slido e preciso, que se objective

    na neurolocalizao correcta correspondente sede do processo que determina a avaliao

    neurolgica.

    Nesse mbito fez parte das minhas funes como estagirio, auxiliar na realizao das

    consultas, prestar assistncia ou realizar os exames necessrios a cada paciente, a par da

    ajuda necessria s enfermeiras ou a qualquer outro mdico veterinrio (MV) de servio na

    clnica2.

    Parte II - Reviso bibliogrfica

    A. Objectivos

    A compreenso da neuroanatomia dos animais de companhia constitui um grande desafio

    que por vezes desencoraja as mais entusisticas intenes. No entanto, esse conhecimento

    um dos pilares basilares duma correcta localizao no SN de leses nos doentes

    neurolgicos (Colao, 2003). Tentando evitar a tentao de estudar as neuropatias mais

    comuns, ou talvez as mais interessantes, deve-se tentar sempre aplicar a mxima usada em

    matemtica e fsica: "to go back to first principles". Com isto em mente, esta dissertao

    dedicou-se a um componente do sistema nervoso central (SNC), o lquido cefalorraquidiano

    (LCR), revendo as suas aplicaes clnicas, de modo a poder-se afinar as tcnicas de

    colheita e as anlises e aferir a importncia dos resultados obtidos para a prtica clnica,

    comparando-o com outros exames complementares de diagnstico.

    Let's go back to basics.

    1 Estgio obrigatrio incluido no programa curricular do Mestrado Integrado de Medicina Veterinria, da Faculdade de Medicina

    Veterinria da Universidade Tcnica de Lisboa. 2 Para mais informaes concernentes ao estgio, consulte o Anexo 1.

  • 2

    B. Introduo

    Devido intimidade entre o LCR e o SNC, a colheita do LCR e sua anlise (laboratorial ou

    imagiolgica) podem providenciar elementos informativos que permitem a excluso ou

    incluso de listas de diagnsticos diferenciais possveis (Hoerlein & Gage, 1978; Furr &

    Andrews, 2008). Mesmo que, por vezes, forneam informaes inconclusivas que caream

    de tcnicas imagiolgicas, o LCR pode, ainda assim, fornecer informaes importantes,

    principalmente na ausncia de meios complementares de diagnstico de imagem, como a

    mielografia, tomografia computorizada (TC) ou a ressonncia magntica (RM).

    Assim sendo, fulcral que o MV tenha em mente as tcnicas de colheita (quais os locais de

    colheita e como escolher o mais adequado a cada caso; quais as implicaes de erros na

    tcnica de colheita), as anlises que se podem realizar no LCR (quais as caractersticas

    fisiolgicas e as alteraes do LCR; o que se pode realizar na clnica e como; quando que

    se deve recorrer a laboratrios externos e quais as anlises a requerer). O que resultou de

    mais importante com a feitura desta dissertao e que se gostara de fazer passar como

    mensagem a importncia de criar uma mente aberta, que analisa os sinais clnicos

    isoladamente, sempre mantendo um esprito crtico, de modo a realizar uma anlise aos

    mtodos utilizados, sendo sempre passvel de corrigir e adaptar a metodologia caso-a-caso.

    C. Reviso bibliogrfica

    1. Anatomohistologia

    1.1 - LCR - o incio

    A atribuio da existncia de fludo no sistema cavitrio do SNC um conceito que remonta,

    pelo menos, ao sculo XVII A.C., tendo sido mencionado no Papiro Cirrgico Egpcio

    divulgado por Edwin Smith, a par das primeiras descries de meninges, da superfcie

    externa do crebro e das "pulsaes intracranianas" (Breasted, 1992).

    O LCR um fluido corporal estril que, fisiologicamente, de aparncia translcida e

    lmpida, protegendo, servindo de suporte e nutrindo todo o SNC (Braund, 1986; DeLahunta,

    2009). Alguns autores referem que o LCR um ultra-filtrado de plasma, embora

    concentrao e proporo dos seus contituintes bastante dspares das do plasma

    sanguneo, tendo baixo teor proteco (Furr & Andrews, 2008).

    1.2 - Introduo histrica

    Claudius Galenus (129 D.C. - cerca de 200 D.C.) descreveu o sistema ventricular,

    explicando como dissecar o crebro de um Bos taurus (Finger, 1994). Durante sculos

    acreditou-se que este sistema de cavidades estaria cheio de um fluido chamado de "esprtio

    vital" e, segundo Nemesius (cerca de 390 D.C.), a cada ventrculo era associada uma

    funo diferente. Assim, a percepo aos ventrculos laterais (VL), a cognio ao terceiro

  • 3

    ventrculo (TV) e a memria ao quarto ventrculo (QV) (Finger, 1994; Sharples & van der

    Eijk, 2008). Hoje sabemos que no s o sistema ventricular cerebral, mas tambm o ducto

    central medular, o espao subaracnide e os espaos perivasculares esto preenchidos

    pelo LCR (Figura 1) (Junqueira & Carneiro, 2005; DeLahunta, 2009).

    Figura 1 - Estrutura celular das meninges (Adaptado de: De Lahunta & Glass, 2009).

    2 - O desenvolvimento embrionrio do Sistema Ventricular Cerebral

    c e n c e e env v men em n partir da parte rostral do ducto neural

    (Dellmann & McClure, 1986), que ao expandir d origem a trs dilataes, a saber: as

    vesculas cerebrais primrias, nomeadamente, no sentido rostrocaudal, o prosencfalo, o

    mesencfalo e o rombencfalo (McGeady, Quinn, FitzPatrick & Ryan, 2006). Cada uma

    dessas vesculas sofrero divises que iro estar associadas a dilataes internas que iro

    formar o sistema cavitrio cerebral, como est expresso na tabela 1.

    Tabela 1 - Vesculas cerebrais primrias, suas respectivas subdivises cerebrais e ventrculos associados.

    (Adaptado de: McGeady, Quinn, FitzPatrick & Ryan, 2006).

    Vesculas Cerebrais Primrias Subdivises Cerebrais Ventriculos Associados

    Prosencfalo Telencfalo Ventrculos Laterais

    Diencfalo Terceiro Ventrculo

    Mesencfalo Mesencfalo Aqueduto Mesenceflico

    Rombencfalo Metencfalo Parte rostral do Quarto Ventrculo

    Mielencfalo Parte caudal do quarto Ventrculo

    Os VL, esquerdo e direito, acompanham o crescimento das vesculas do telencfalo, que

    daro origem aos hemisfrios direito e esquerdo, e compreendem o crebro propriamente

    dito. Esse crescimento d-se a nvel da lamina terminalis, sendo que esta estrutura localiza-

  • 4

    se no plano mediano dos hemisfrios cerebrais e o limite rostral do TV (Fletcher 2006;

    DeLahunta, 2009).

    O TV tem forma circular, sendo circundado pela adeso intertalmica e comunica com cada

    VL atravs do formen interventricular, ou de Monro (Willis Jr., 1993; Cunningham, 1997), e

    com o aqueduto cerebral mesenceflico (Masty, 2008).

    Figura 2 - Sistema Ventricular Cerebral Canino (Adaptado de: De Lahunta & Glass, 2009).

    O aqueduto cerebral ou de Sylvius consiste numa curta e estreita estrutura tubular que se

    interpe entre o terceiro e quarto ventrculos, localizados respectivamente rostral e

    caudalmente (Dellmann & McClure, 1986; Barone & Bortolami, 2004; Evans & DeLahunta,

    2010).

    O QV tem forma losangular e delimitado dorsalmente pelo cerebelo (metencfalo) e

    ventralmente pela medula oblonga (mielencfalo). C men e e nc ce e e

    caudal, esta cavidade, quando se dobra para unir os pednculos cerebelares esquerdo e

    direito e "entrar" no cerebelo, contm os chamados recessos laterais, ou de Luschka, na

    juno do metencfalo com o mielencfalo (Dellmann & McClure, 1986; Masty, 2008;

    DeLahunta, 2009). A Figura 2 apresenta de forma esquemtica o sistema ventricular

    cerebral canino.

    O lmen do ducto neural tambm persiste durante o desenvolvimento embrionrio, e d

    origem ao ducto central da medula espinhal (McGeady et al., 2006).

  • 5

    3 - Neurohistologia

    A produo do LCR da responsabilidade de capilares sanguneos que esto localizados

    por todo o SNC e tambm na leptomeninge (DeLahunta, 2006; King, 2005). A leptomeninge

    a designao dada ao conjunto das duas meninges mais internas, dos trs estratos

    constituintes das meninges. Por sua vez, as meninges so definidas como o conjunto de

    membranas que revestem o SNC e que se situam abaixo do peristeo dos ossos do crnio.

    As meninges dividem-se, do exterior para o interior da seguinte forma: duramter (contnua

    com o peristeo do crnio, mencionando-se o espao sub-dural apenas como um espao

    virtual); pela aracnide (constituda por um estrato celular em contacto com a duramter e

    por um sistema trabecular); e pela pia-mater. Estas duas ltimas esto interligadas e so

    muitas vezes denominadas por pia-aracnide ou leptomeninge, como mencionado

    anteriormente (Schad & Ford, 1971; Jenkins, 1972; Burkitt, Young & Heath, 1994; Fletcher,

    1998; Junqueira & Carneiro, 2005; King, 2005; Fletcher, 2013).

    As trabculas da aracnide realizam as ligaes entre esta e a pia-mater, e os espaos

    inter-trabeculares so designados por espao subaracnide, onde se encontra e flui o LCR

    (Junqueira & Carneiro, 2005; King, 2005; Fletcher, 2013).

    So apenas as clulas ependimogliais que estabelecem contacto com a superfcie dos

    ventrculos (Reichenbach & Wolburg, 2004; Del Bigio, 2010; Wolburg & Paulus, 2010). As

    regies do cho de cada VL, contnuas com as do teto do TV e o terceiro e quarto

    ventrculos tm como revestimento clulas ependimais e a pia mater vascular - que em

    conjunto compem as telas da coride (Barone & Bortolami, 2004; King, 2005; Cauzinille,

    2007; Fletcher, 2013). O epitlio destas telas, composto por clulas no-neuronais e

    originando-se da neuroectoderme, constitu um subtipo de macroglia 3 (Banks, 1993).

    Projeces das telas da coride invadem os ventrculos formando estruturas vilosas - os

    plexos corides (PC) (McGeady et al., 2006). Os PC consistem numa monocamada clular,

    cubide a colunar, incorporada em tecido conjuntivo que pode ser visto como a interface

    entre o sangue e o LCR na medida em que consiste num epitlio fortemente aderente

    envolvendo um estroma sanguneo (Strazielle & Ghersi-Egea, 2000; Damkier, Brown &

    Praetorius, 2010). Essa clulas contm clios que se projectam para o interior dos

    ventrculos e tm movimento coordenado no sentido do fluxo do LCR (Storts & Montgomery,

    2001).

    Dentro de cada ventrculo, os PC diferem na sua morfologia. Assim sendo, verifica-se que

    nos VL o PC formado por uma estrutura ondulada, fina como uma folha, contrariamente ao

    TV e QV em que o PC composto por inmeras vilosidades (King, 2005; Damkier et al.,

    2010; Wolburg & Paulus, 2010). No caso do TV, o PC faz salincia do tecto da cavidade e,

    em termos de complexidade, encontra-se num estado intermdio comparando com os

    3 As clulas da macroglia incluem os astrcitos, os oligodendrcitos e as clulas ependimogliais (Banks, 1993; Wolburg &

    Paulus, 2010).

  • 6

    outros ventrculos, sendo que o PC do QV o mais lobulado e complexo, localizado

    caudoventralmente ao cerebelo (Wolburg & Paulus, 2010). De notar que, contrariamente ao

    que acontece com as clulas ependimais no geral, o epitlio do PC contm microvilosidades

    em grande nmero e longas em comprimento, enquanto que clios isolados ou grupos de

    clios so raramente observados (Wolburg & Paulus, 2010).

    O suporte sanguneo do PC garantido pelas artrias corides que so ramos da artria

    cartida interna (Praetorius, 2007). Os capilares do SNC so morfologicamente iguais aos

    capilares de todo o organismo, com clulas endoteliais sobre uma membrana basal. O

    endotlio capilar no fenestrado, excepto no PC (Burkitt et al., 1994), garantindo uma

    grande permeabilidade, o que representa a base fisiolgica para a produo do LCR

    (Wolburg & Paulus, 2010). Os capilares fenestrados juntamente com a lmina basal, tecido

    conjuntivo laxo e clulas epiteliais formam a barreira sangue-LCR (BSLCR), enquanto que a

    barreira-hemato-enceflica (BHE) constitda pelo endotlio capilar no fenestrado do SNC,

    pela astroglia, lmina basal, percitos e macrfagos perivasculares (Furr & Andrews, 2008;

    Damkier et al., 2010). A Figura 3 mostra um desenho esquemtico de ambas as barreiras e

    das estruturas que as constituem.

    3.1 - A BHE e a BSLCR

    A existncia destas barreiras foi o resultado do estudo de Paul Ehrlich (1885). Atravs desse

    estudo foi possvel concluir que a injeco intravenosa de um corante cido no corou o

    parnquima cerebral, com excepo do PC e dos rgos circunventriculares (OCV) 4 .

    Complementando este estudo, Edwin Goldwin (1993), colaborador de Ehrlich, utilizou o

    corante azul de triptano, porm injectou-o directamente no LCR verificando que o PC e os

    OCV no foram tingidos, mas que o parnquima cerebral sim (Wilson & Oehninger, 2007;

    Wolburg & Paulus, 2010).

    devido a existncia de conexes celulares que se torna compreensvel o facto de todas as

    trocas que ocorrem entre o sangue, o parnquima cerebral e LCR serem altamente

    selectivas (Cunningham, 1997). Tendo especial ateno apenas ao LCR, tem-se sempre

    que diferenciar o PC de todas as outras reas de contacto entre o LCR e o parnquima

    cerebral. De grosso modo, no PC a BSLCR muito permevel ao oxignio, ao dixido de

    carbono, gua e grande maioria de substncias lipossolveis como o lcool e os

    anestsicos (Guyton & Hall, 2000). Por outro lado, quando apenas existem clulas

    ependimrias com gap junctions e zonulae occludens pouco estanques, essas ligaes

    tornam possveis a difuso de molculas com maiores pesos moleculares e dimenses

    (Nicholls, Martin & Wallace, 1992). As diferentes permeabilidades e estruturas moleculares

    so directamente responsveis pela produo ou funes do LCR.

    4 Existem seis OCV, a saber: a glndula pineal, a rea postrema, o rgo subcomissural, o rgo subfornical, o organum

    vasculosum da lmina terminal e neurohipfise (Fuller & Burger, 2007; Ross et al., 2003a)

  • 7

    Figura 3 - Representao esquemtica das BHE e BSLCR presentes no SNC. O parnquima cerebral (a

    amarelo) tem a componente vascular (capilares contnuos) rodeada pela lmina basal (LB) e pela glia-

    perivascular - a astroglia com os seus processos podais e os percitos (Willis Jr., 1993; Ross, Kaye & Pawlina,

    2003a; King, 2005; Mathiisen, Lehre, Danbolt & Ottersen, 2010). Esses constituintes celulares, juntamente com a

    presena de zonnulae occludens entre as clulas endoteliais dos vasos sanguneos (VS) cerebrais formam a

    BHE (Fletcher, 1998; Ross et al. 2003b; King, 2005). As clulas ependimais formam o revestimento do espao

    ventricular na superfcie interna cerebral e do canal central medular (Fletcher, 1998; Del Bigio, 2010; Ressel,

    2010). Porm, estas clulas no so uma barreira fisiolgica e estabelecem interconexes atravs de gap

    junctions e de zonulae occludens pouco estanques. A glia limitans, ou membrana limitante glial (constituda em

    conjunto por processo podais astrogliais interligados por gap junctions), forma o limite externo do parnquima

    cerebral com as meninges. Contudo, a glia limitans tambm no tem propriedades de barreira (Del Bigio, 2010;

    Wolburg & Paulus, 2010). Os VS da pia-mater so protegidos pela BHE contrariamente aos VS do PC onde no

    existem barreiras para que o LCR possa ser produzido apartir do sangue. Porm, para prevenir as trocas entre o

    sangue e o LCR, existe a BSLCR composta por zonulae adherens e zonulae occludens entre as clulas epiteliais

    do PC e os tancitos - literalmente clulas esticadas - nos OCV (Dellmann & Carithers, 1996; Fletcher, 1998;

    Fuller & Burger, 2007). Os capilares desses rgos e do PC so fenestrados e extremamente permeveis

    (Wolburg & Paulus, 2010). (Adaptado de Wolburg & Paulus, 2010).

    Lquido cefalorraquidiano

    Pia-mater

    Glia limitans

    Parnquima cerebral

    Lmina basal

    Lmina basal

    Lmina basal

    Glia perivascular

    Clulas ependimais

    Plexo coride

    rgos circunventriculares

    Lmina basal

    Gap junctions e/ou zonulae adherentes

    Tight junctions pouco estanques

    Tight junctions muito estanques

    4 - Produo do LCR

    As opinies dividem-se quanto classificao do LCR. Classicamente, o LCR descrito

    como um ultrafiltrado de plasma (Wamsley & Alleman, 2004; Furr & Andrews, 2008;

    DeLahunta, 2009). No entanto, pelas concluses retiradas por Rougemont e seus colegas

    (1960), o LCR no deve ser ssim considerado visto ser mais hipertnico do que o plasma e

    porque as concentraes dos ies sdio, potssio, cloro e bicarbonato so diferentes das

    concentraes esperadas de um ultrafiltrado (Damkier et al., 2010).

  • 8

    Contudo, existe consenso cientfico no facto de que o LCR produzido, principalmente, pelo

    epitlio dos PC ventriculares (Detweiler, 1989; Willis Jr., 1993; Cunningham, 1997; Damkier

    et al., 2010). Um estudo determinou que 58% do LCR produzido pelos PC dos ventrculos

    (23% pelo QV e os restantes 35% pelos VL e TV, em conjunto). O mesmo estudo refere que

    42% do LCR tem origem no prprio espao subaracnide (DeLahunta, 2009). Mais

    especificamente, para alm dos PC, o LCR secretado pelas superfcies ependimais dos

    ventrculos, pelos capilares da leptomeninge (Detweiler, 1989; Chrisman, 1991;

    Cunningham, 1997; DeLahunta, 2009), pelos VS cerebrais e medulares (Bailey & Vernau,

    1997; Furr & Andrews, 2008) e ainda pelos espaos perivasculares que rodeiam os VS que

    entram no crebro (Guyton & Hall, 2000).

    A produo de LCR resulta do conjunto de vrios processos bioqumicos, a saber: difuso

    facilitada e transporte activo, com mecanismos celulares que requerem gastos energticos

    (Smith & Kampine, 1990), o que explica o grande nmero de organitos celulares

    (mitocndrias, retculos endoplasmticos rugoso e liso e complexos de Golgi) presentes no

    epitlio dos PC (Dellmann & Carithers, 1996). Toda esta mecnica celular baseia-se em

    canais de transporte de ies, nomeadamente de sdio (Na+), potssio (K+), cloro (Cl-) e

    bicarbonato (HCO3-), que funcionam de modo extremamente eficiente (Damkier et al., 2010).

    A secreo do LCR independente da presso hidrosttica vascular e presso

    intraventricular, mas depende do gradiente osmtico resultante das movimentaes inicas

    (Cunningham, 1997; Johnston & Papaiconomou, 2002; Furr & Andrews, 2008; Wolburg &

    Paulus, 2010), sendo que quaisquer substncias que alterem a osmolaridade do LCR

    resultam em variaes na taxa de produo do mesmo (Braund, 1986; Ducot & Dewey,

    2008; Furr & Andrews, 2008).

    O transporte activo de ies Na+ pelo endotlio do PC para os ventrculos o grande

    responsvel pelo gradiente osmtico que permite a produo do LCR (Masuzawa, Ohta,

    Kawamura, Nakahara, & Sato, 1984; Ernst, Palacios & Siegel, 1986; Cunningham, 1997;

    Guyton & Hall, 2000). Atravs de canais especficos, o Na+ transportado, juntamente com

    Cl-, HCO3- e K+, garantindo assim a concentrao inica necessria para o movimento

    selectivo de gua atravs do "sistema de canalizao celular" - as aquaporinas (Dreifus,

    2009; Damkier et al., 2010; Del Bigio, 2010; Wolburg & Paulus, 2010; Keep & Smith, 2011).

    Outros processos, como o transporte da glicose do sangue para o LCR, tambm ocorrem

    porm, com importncia relativa e comparada muito menor (Guyton & Hall, 2000).

    O LCR produzido a uma taxa constante. Existem variaes entre espcies, mas foi

    estimado que a taxa de produo de LCR no co de cerca de 0,05 mililitro, por minuto, por

    grama (ml/min/g), uma taxa mdia de 47 a 66 micro m n (L/m n) (Oppelt, Patlak

    & Rall, 1964; Ducot & Dewey, 2008; Furr & Andrews, 2008; DeLahunta, 2009).

  • 9

    5 - Fluxo

    Visto que a produo do LCR contnua, h constantemente um deslocamento de fluido

    "antigo" - fluxo de massa - que ser drenado para a circulao sistmica via sinusides

    durais (Cunningham, 1997; Damkier et al., 2010). Desde o seu local de secreo, o LCR

    circula pelo sistema ventricular. Com maior pormenor, iniciando o fluxo nos VL, o LCR flui

    para o TV passando pelos formens interventriculares, misturando-se com o LCR aqui

    produzido e continuando para o QV atravs do aqueduto mesenceflico. Do QV, sando

    pelos recessos laterais ou de Luschka, o LCR flui para a cisterna 5 magna ou

    cerebelomedular, entre o cerebelo e a medula oblonga. (Chrisman, 1991; Schaller, 1999;

    Guyton & Hall, 2000; King, 2005). Da ento flui para o espao subaracnide que rodeia o

    crebro e a medula espinhal (Smith & Kampine, 1990; Willis Jr., 1993; Cunningham, 1997;

    DeLahunta, 2009; Fletcher, 2013).

    O fluxo do LCR no espao subaracnide tambm dependente das alteraes de presso

    das cavidades torcica e abdominal, da sstole cardaca e das pulsaes arteriais

    intracranianas. Relacionando a sstole com expirao e a distole com a inspirao, o LCR

    pode movimentar-se caudal e cranialmente, respectivamente. Porm, o fluxo caudal o que

    predomina, em parte devido aos efeitos gravitacionais (Buser & Imbert, 1975; Thomson,

    Kornegay & Stevens, 1990; DeLahunta, 2009; Fletcher, 2013). Este fluxo tambm

    auxiliado pelos clios (cilia) presentes nas clulas ependimais (Schad & Ford, 1971).

    Do espao subaracnide, algum lquido passa ao longo da medula espinhal, sendo que a

    maior parte flui por cima da convexidade do crebro (Cunningham, 1997), passando

    dorsalmente ao cerebelo, ventral ao tentorium e por cima do crebro onde tem acesso s

    vilosidades aracnides nas paredes dos seios venosos (Guyton & Hall, 2000; Furr &

    Andrews, 2008; DeLahunta, 2009).

    6 - Absoro

    O parnquima cerebral e a medula espinhal so desprovidos de vasos linfcticos (Johnston

    & Papaiconomou, 2002). O LCR absorvido de trs formas: pelas vilosidades aracnides,

    pelas vnulas no espao subaracnide e pela circulao linftica de alguns nervos

    cranianos e razes nervosas (Hoerlein & Gage, 1978; King, 2005).

    As vilosidades aracnides so salincias da aracnide que perfuram a duramter de modo a

    atingir os seios venosos, nomeadamente o seio venoso longitudinal, ou sagital, superior

    (Burkitt et al., 1994; Ortiz, 2004; Junqueira & Carneiro, 2005; King, 2005). Ao conjunto das

    vilosidades aracnideais d-se a denominao de granulaes aracnides (Schad & Ford,

    1971; Guyton & Hall, 2000; Johnston & Papaiconomou, 2002; Rosenberg, 2004; DeLahunta,

    2009). O endotlio dessas granulaes apresenta vesculas grandes o suficiente para

    5 Regies onde o espao subaracnide se encontra distendido fisiolgicamente denominam-se cisternas (Schad & Ford,

    1971; Willis Jr., 1993; Schaller, 1999).

  • 10

    possibilitarem o fluxo livre de molculas proteicas, LCR e, at mesmo de clulas como os

    eritrcitos e os leuccitos (Guyton & Hall, 2000).

    Pollay e Welch (1962) descrevem que estas vilosidades funcionam como vvulas

    unidireccionais que permitem o fluxo de LCR para o lmen do seio venoso quando a

    presso de LCR excede a presso venosa (Schad & Ford, 1971; Hoerlein & Gage, 1978;

    Smith & Kampine, 1990; Furr & Andrews, 2008; DeLahunta, 2009). Quando a presso

    venosa ultrapassa a presso de LCR as vilosidades colapsam, impedindo que o sangue

    passe para o espao subaracnideu (Fletcher, 1998; DeLahunta, 2009; Fletcher, 2013). A

    presso de LCR, que fisiologicamente apresenta valores entre 80 a 150 mmH2O (milmetros

    de gua), determinada pela taxa de secreo e de absoro (Detweiler, 1989). Deste

    modo, qualquer ocorrncia que interfira com a drenagem venosa ou do LCR, alterando a

    normal circulao ou obstruindo a passagem de LCR, como um traumatismo ou uma leso

    que ocupe espao por efeito de massa, pode aumentar a presso do LCR e ter como

    consequncia, por exemplo, a hidrocefalia obstrutiva (Detweiler, 1989; Chrisman, 1991;

    Willis Jr., 1993; King, 2005; Del Bigio, 2010). Por outro lado, quando a presso do LCR

    diminui, atingindo valores inferiores a 60 mmH2O, a absoro cessa (Rosenberg, 2004).

    Esta absoro classificada como a absoro primria do LCR (Wilson & Oehninger, 2007).

    As vnulas do espao subaracnideu tambm realizam a absoro de LCR, essencialmente

    devido presso osmtica e presso venosa sangunea (King, 2005). Outros locais de

    absoro de LCR incluem a circulao linftica ao redor das razes nervosas e dos nervos

    espinhais nos formens intervertebrais e associados aos pares cranianos I, II e VIII quando

    eles passam pelos ossos do crnio, embora com menor importncia (Johnston &

    Papaiconomou, 2002; King, 2005; Wilson & Oehninger, 2007; DeLahunta, 2009; Fletcher,

    2013). Para alm disso, o LCR tambm passa pela lmina cribiforme do etmide, sendo a

    absorvido, caso contrrio ocorre o que se denomina de rinorria onde o LCR escoa pela

    cavidade nasal. Ainda uma quantidade nfima de LCR no espao intersticial pode ser

    absorvido pelos VS do parnquima cerebral (Hoerlein & Gage, 1978; Zhang, Richards, Kida

    & Weller, 1992; Johnston & Papaiconomou, 2002; DeLahunta, 2009).

    7 - O LCR e as suas funes

    Todos estes mecanismos fisiolgicos que garantem o fluxo e circulao do LCR so os

    responsveis por uma importante funo desempenhada por este fluido corporal: O LCR

    um lugar de intercmbio e excreo (Schad & Ford, 1971; Cauzinille, 2007; Ruotsalo,

    Poma, da Costa & Bienzle, 2008). No s na cavidade craniana, mas em toda a extenso do

    SNC, ele serve como meio de transporte a uma variedade de compostos, desde

    neurotransmissores (Furr & Andrews, 2008), a produtos resultantes do metabolismo celular

    do SNC, a neuro-hormonas e nutrientes entre o sangue e o parnquima do SNC (Ducot &

    Dewey, 2008), at mesmo a clulas e restos celulares resultantes da descamao do

  • 11

    epitlio e, em caso de afeces, podemos encontar agentes etiolgicos e clulas resultantes

    de reaces inflamatrias/infecciosas caso as BHE/BSLCR tenham sido corrompidas

    (Jenkins, 1972; Radaelli & Platt, 2002; Vandevelde, Jaggy & Lang, 2003; Nghiem &

    Schatzberg, 2010).

    Como mencionado, o PC responsvel por vrias trocas inicas entre o sangue e o LCR,

    de modo que este lquido exerce uma funo muito importante como tampo qumico para o

    parnquima (Cauzinille, 2007; DeLahunta, 2009; Keep & Smith, 2011). Ele regula o

    ambiente qumico onde o SNC se encontra, mantendo assim o equilibrio inico necessrio

    para o funcionamento neuroglial. assim que o LCR garante um maior controlo e uma

    maior estabilidade inica/qumica do que o plasma sanguneo, funcionando tambm como

    um "sistema linftico", o que designado por sink-action (Hoerlein & Gage, 1978; Fletcher,

    1998; Furr & Andrews, 2008; Ruotsalo et al., 2008; DeLahunta, 2009; Keep & Smith, 2011).

    Sobre o equlibrio inico, principalmente no que diz respeito s concentraes dos ies H+ e

    HCO3-, descrito que o LCR tambm pode ter alguma aco nos centros respiratrios, visto

    que os estudos de Mitchell (1963) e de Pappenheimer (1965), e seus respectivos

    associados, localizam receptores sensveis concentrao de H+ no LCR superfcie e

    abaixo da superfcie da medula oblonga (Jenkins, 1972).

    Atravs de propriedades mecnicas e hidrulicas o LCR responsvel por minimizar os

    efeitos das alteraes de presso, quer intracraniana (PIC), quer no canal vertebral (Schad

    & Ford, 1971; Cauzinille, 2007; Furr & Andrews, 2008).

    A densidade do LCR (1.004 1.006) e a sua presso hidrosttica garantem suporte fsico

    (flutuabilidade) e o amortecimento de choques e traumatismos do SNC, por exemplo,

    reduzindo eficazmente o peso normal do crebro at trinta vezes (Hoerlein & Gage, 1978;

    Furr & Andrews, 2008).

    Tambm foi sugerido por Fankhauser (1962) que o LCR possui propriedades bactericdas e

    anti-txicas e in vitro tambm mielinolticas (Fankhauser, 1962; Jenkins, 1972).

    Como muitas afeces do SNC podem modificar a composio normal do LCR, pode-se

    dizer ento que uma das funes/aplicaes clnicas do LCR servir como indicador de

    alteraes do SNC, da a importncia da realizao da sua colheita (Jenkins, 1972).

    8 - Colheita de LCR

    O LCR o nico produto tecidular, facilmente acessvel, passvel de sofrer alteraes em

    afeces do SNC (Parent, 1999). A sua colheita um dos exames invasivos em neurologia

    que est ao dispor dos mdicos veterinrios (Cauzinille, 2007). No entanto, ela no feita

    rotineiramente por muitos na prctica clnica diria, embora o material e a tcnica

    necessrias no estejam fora do alcance da maioria (Cook & DeNicola, 1988; Lorenzs,

    Coates & Kent, 2011a).

  • 12

    8.1 - Indicaes para colheita

    A anlise do LCR sensvel para a deteco de alteraes do SNC, embora no ocorram

    consistentemente modificaes na sua constituio em todas as afeces neurolgicas

    centrais. (Wamsley & Alleman, 2004; Cauzinille, 2007; DeLahunta, 2009; Di Terlizzi & Platt,

    2009; Lorenzs et al., 2011a). De qualquer forma, sempre que se suspeite de uma afeco

    do SNC com causa desconhecida, justifica-se a colheita de LCR, mesmo que no ocorram

    alteraes em outros exames preliminares, como o hemograma e o exame de bioqumicas

    sricas (Coles, 1979; Parent, 1999; Freeman, 2005; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    Na generalidade, leses neoplsicas, traumticas, vasculares, inflamatrias (infecciosas ou

    no-infecciosas) causam alteraes no LCR (Ruotsalo et al., 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009;

    Marcos & Santos, 2011).

    Encefalopatias, geralmente, so indicaes de colheita e anlise de LCR, em particular se

    se suspeitar de etiologia inflamatria, infecciosa ou no-infecciosa, visto que ocorrem

    alteraes na celularidade e no teor proteico (Ducot & Dewey, 2008).

    Leses na medula espinal (mielopatias), sejam focais, multifocais ou difusas, podem levar a

    modificaes do estado normal do LCR. Porm, importante que a colheita seja feita antes

    da administrao de contraste para mielografia, visto que a injeco do mesmo tem como

    consequncia a alterao do LCR durante trs a cinco dias (Parent, 1999; Cauzinille, 2007;

    Ducot & Dewey, 2008; DeLahunta, 2009).

    As radiculopatias tambm podem ser indicaes de anlise de LCR, tendo em conta que as

    meninges envolvem as razes nervosas distalmente at passarem a ser nervos perifricos

    (Ducot & Dewey, 2008).

    Leses congnitas, degenerativas, nutricionais, metablicas, txicas ou idiopticas podem

    no causar alteraes no LCR. Mesmo assim, nessas situaes, a anlise do lquido pode

    ser importante, tendo poder diagnstico de excluso (Lorenzs et al., 2011a; Marcos &

    Santos, 2011).

    A anlise repetida e seriada de LCR do mesmo doente pode ser um ptimo mtodo para

    avaliar a sua resposta ao tratamento, assim como para obter dados para basear uma

    cessao da teraputica (Coles, 1979; Parent, 1999).

    8.2 - Tcnica de colheita

    8.2.1 - Generalidades

    A colheita realizada aps a anestesia geral de modo a garantir a conteno do animal,

    para alm de diminuir o desconforto da puno (Jenkins, 1972; Braund, 1986; Freeman,

    2005, Delahunta, 2009). O protocolo anestsico a utilizar deve ter em considerao o tipo de

    doente e ser adaptado de modo a evitar ao mximo complicaes. Por exemplo, em animais

    com suspeita de aumento da PIC, embora seja um assunto controverso, como mostra o

    estudo de Mayberg (1995), deve-se evitar o uso de ketamina na pr-medicao pois diminui

  • 13

    a presso de perfuso cerebral, aumenta a frequncia cardaca, a presso de LCR e a PIC,

    aumentando o risco de hrnia (Dawson, Michenfelder & Theye, 1971; Shapiro, Wyte &

    Harms, 1972; Schwedler, Miletich & Albrecht, 1982; Mayberg, Lam, Matta, Domino & Winn,

    1995; Muir, Hubbel, Skarda & Bednarski, 2000; Wamsley & Alleman, 2004).

    Para a correcta e segura colheita de LCR necessrio que o clnico tenha perfeito

    conhecimento das estruturas anatmicas e da tcnica precisa (Coles, 1979). O animal deve

    ser posicionado6 em decbito lateral direito, com o dorso junto borda da mesa (Jenkins,

    1972; Braund, 1986; Wamsley & Alleman, 2004).

    essencial que a tcnica seja realizada com a maior asspsia possvel. A regio a

    puncionar deve ser preparada realizando-se a tricotomia e desinfeco da mesma, de forma

    semelhante asspsia cirrgica (Jenkins, 1972; Braund, 1986; Vandevelde et al., 2003,

    DeLahunta, 2009). Para no comprometer as condies asspticas, o MV deve usar luvas

    estreis (Bradley, Daroff, Fenichel & Jankovic, 2004; Freeman, 2005; DeLahunta, 2009).

    Podem ser retirados com segurana, aproximadamente 1 a 2 mL de LCR7, no sendo

    indicada a colheita por aspirao (presso negativa) por aumentar o risco de dano celular e

    hemorragia, hrnia, coma e at morte (Braund, 1986; Chrisman, 1991; Vandevelde et al.,

    2003; Wamsley & Alleman, 2004).

    Durante o procedimento o animal deve ser mantido totalmente imvel, visto que a

    movimentao da agulha pode causar danos, por vezes irreverssveis. Porm, se fr

    necessrio aumentar-se o fluxo de LCR durante a colheita, pode proceder-se aplicao de

    presso digital na jugular (Braund, 1986).

    As amostras de LCR so mais susceptveis de estar alteradas, ou de fornecer dados

    preciosos, quando so obtidas caudalmente leso. Esse facto rege a escolha do local a

    puncionar, obviamente, analisando os doentes caso-a-caso (Thomson et al., 1990; Wamsley

    & Alleman, 2004; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    8.2.2 - Cisterna cerebelomedular (atlanto-occipital)

    A puno na cisterna cerebelomedular a tcnica mais comumente realizada e a descrita

    por alguns autores como sendo a melhor (Braund, 1986; Chrismas, 1991; Lamb, Croson,

    Cappello & Cherubini, 2005; Platt, Dennis, Murphy & Stefani, 2005).

    Aps a preparao do paciente, ele deve ser posicionado em decbito lateral direito, com a

    cabea flectida, num ngulo de cerca de 90 graus com a coluna. O nariz elevado de modo

    a que o focinho se mantenha paralelo mesa (ao plano sagital). extremamente importante

    ter cuidado com flexo excessiva do pescoo devido ao risco de comprometer a respirao

    e para evitar dobras no tudo endotraqueal, o que ir interferir com a anestesia (Jenkins,

    1972; Braund, 1986; Wamsley & Alleman, 2004; Cauzinille, 2007; DeLahunta, 2009). Para

    prevenir esta complicao pode-se utilizar tubos endotraqueais flexometlicos, feitos de

    6 Todos os posicionamentos para a puno e colheita de LCR so descritos para pessoas com mo dominante esquerda.

    7 Um mililitro de LCR por cada 5 Kg de peso vivo (Chrisman, 1991; Ducot & Dewey, 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009).

  • 14

    silicone com um fio de nylon ou ao incorporado de modo a resistir a dobras e colapso

    (Clutton, 1999; Ducot & Dewey, 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    A escolha das agulhas varia de acordo com o tamanho e peso do animal. Geralmente, para

    a maioria dos ces so utilizadas agulhas espinhais com mandril, com cerca de 40

    milmetros (mm) (1 polegadas (pol)) de comprimento e 20 a 22 gauge (G). Por vezes, pode

    ser necessrio recorrer-se a agulhas entre 50 mm (2 pol) a 90 mm (3 pol) para ces com

    peso superior a 25 Kg, raas gigantes ou animais obesos de raas mdias. Para ces com

    peso inferior a 8 Kg recomenda-se a utilizao de catteres com 15 mm (0,5 pol) de 22 G

    (Braund, 1986; Vandevelde et al., 2003; Desnoyers, Bdard, Meinkoth & Crystal, 2008).

    As referncias anatmicas para a puno so a protuberncia occipital externa (POE) e as

    asas do atlas (primeira vrtebra cervical - C1) (Jenkins, 1972; Duncan, Oliver, Mayhew,

    1987). Posiciona-se o polegar da mo direita na POE, o indicador e o dedo mdio cada um

    numa das asas de C1, formando um tringulo imaginrio. O ponto central da rea desse

    tringulo, ou melhor, o ponto mdio da altura desse tringulo, o local a puncionar (Figura

    4). Com o bsel direccionado para um dos lados, a agulha inserida, perfurando a pele, a

    fscia e o msculo, dirigindo-a para o ngulo da mandbula (Braund, 1986; Chrisman, 1991;

    Vandevelde et al., 2003; DeLahunta, 2009; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    Sente-se uma ligeira resistncia ao penetrar a membrana atlanto-occipital e a duramter, em

    simultneo (Braund, 1986; Vandevelde et al., 2003; Di Terlizzi & Platt, 2009). A profundidade

    de insero da agulha varia com a espcie e raa do doente. De grosso modo, diz-se que a

    profundidade para ces pequenos de cerca de 0,5 a 1 cm, e 2 a 4 cm para ces de raas

    grandes ou gigantes (Braund, 1986; DeLahunta, 2009). O estilete da agulha ento retirado

    com a mo esquerda e o LCR pode fluir pela agulha, sendo recolhido para um tubo estril

    (Di Terlizzi & Platt, 2009; Lorenzs et al., 2011a). Quanto mais prtica o operador tem, menor

    risco est associado a esta tcnica (Chrisman, 1991).

    Figura 4 - Referncias anatmicas para a colheita de LCR na cisterna atlanto-occipital. O A identifica a

    protuberncia occipital externa e a B esto identificadas ambas as asas do atlas. O asterisco marca o centro do

    tringulo e o local de insero da agulha para colheita de LCR (Figura original).

    BA

    BA

    AA

    *

  • 15

    8.2.3 - Cisterna lombar

    A colheita por puno lombar descrita como sendo mais segura do que a tcnica descrita

    para a cisterna cerebelomedular (Kishimoto, Yamada, Ueno, Kobayashi & Wisner, 2004). Se

    o animal sofre de alguma afeco medular indicado fazer-se puno e colheita lombar

    porque est mais prximo da leso (Vandevelde et al., 2003).

    A escolha da agulha deve variar de acordo com o porte do animal. De um modo geral, as

    agulhas recomendadas so as agulhas espinhais de 40 mm ou 55 mm e 20 a 22 G (Braund,

    1986; Vandevelde et al., 2003; Desnoyers et al., 2008).

    A puno lombar baseia-se na mesma tcnica para a administrao de contraste para

    mielografia. O local ideal de insero da agulha varia consoante os autores. Segundo

    Duncan, Oliver & Mayhew (1987), entre outros, a agulha inserida no espao intervertebral

    L5-L6 nos ces (Ramirez & Thrall, 1998; Cauzinille, 2007; Di Terlizzi & Platt, 2009). Outros

    autores referem os espaos L4-L5 em ces de raas grandes e gigantes, e L5-L6 em ces

    de raa pequena (Ducot & Dewey, 2008). O que determina o local da puno nesta tcnica

    a relao entre os segmentos espinhais lombossagrados e as vrtebras no animal adulto

    (Tabela 2).

    O espao subaracnide no conus medularis mais pequeno dificultando a colheita e

    tornando susceptvel a contaminao sangunea iatrognica, embora esta no esteja

    associada a grandes riscos de leso medular, nem a sinais clnicos (Jenkins, 1972; Spano &

    Hoerlein, 1978; Braund, 1986; Duncan, Oliver, Mayhew, 1987; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    Tabela 2 - Relao entre os segmentos espinhais lombossagrados e as vrtebras no co adulto. Adaptado de De

    Lahunta & Glass, 2009).

    Nmero de

    segmentos sagrados

    Nmero de

    vrtebras lombares

    Localizao dos

    segmentos

    sagrados

    Segmentos sagrados

    na transio

    lombossagrada

    3 7 L5 Nenhum

    O animal deve ser posicionado em decbito lateral direito com a coluna lombar ligeiramente

    arqueada, flectindo-se os membros plvicos (Braund, 1986; Di Terlizzi & Platt, 2009). Aps a

    preparao do local da puno necessrio localizar-se as estruturas que servem como

    referncias anatmicas. Primeiro, necessrio identificar-se a crista do leo. Imediatamente

    cranial crista encontra-se o processo espinhal da vrtebra L6. Assim, dependendo da

    escolha do MV, pode-se facilmente encontrar a articulao intervertebral desejada. A agulha

    , ento, posicionada na linha mdia, cranial ao processo espinhal e inserida direccionada

    cranialmente, num ngulo de, aproximadamente, 45 graus (Wamsley & Alleman, 2004).

    Depois de penetrar o ligamento amarelo a agulha deve entrar no canal medular. Esta fase

    de perfurao pode estar associada a uma resistncia, maior ou menor, podendo mesmo

    no se sentir resistncia em particular (Braund, 1986; Di Terlizzi & Platt, 2009). Pode-se

  • 16

    sentir uma ligeira contraco da cauda ou de um dos membros plvicos pela estimulao de

    uma raiz nervosa ou cauda equina pela insero da agulha (Di Terlizzi & Platt, 2009; Wood,

    Garosi & Platt, 2012).

    Caso no haja sada de LCR pode-se proceder ligeira e cuidadosa rotao da agulha e/ou

    retirar-se a mesma alguns milimetros at que se veja LCR. No entanto, a taxa de fluxo e a

    quantidade de LCR que se obtm na puno lombar geralmente inferior do que na colheita

    na cisterna cerebelomedular (Di Terlizzi & Platt, 2009).

    8.4 - Contra indicaes

    Ambas as tcnicas descritas so realizadas sob anestesia geral, de modo que se a

    anestesia for uma contra indicao deve-se medir bem o risco-benefcio antes de se decidir

    realizar a colheita de LCR. Aqui esto incluidos os doentes com afeces intracranianas

    (Ducot & Dewey, 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009; Lorenzs et al., 2011a).

    Um risco especfico da puno o traumatismo iatrognico do tronco cerebral ou da medula

    oblonga pela insero da agulha (Wamsley & Alleman, 2004; Platt et al., 2005; Lujn Feliu-

    Pascual, Garosi, Dennis & Platt, 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    A asspsia da tcnica deve ser garantida para prevenir a possvel introduo de agentes

    infecciosos dentro do SNC (Cook & DeNicola, 1988; Di Terlizzi & Platt, 2009). por isso que

    uma contra indicao puno a existncia de infeco cutnea a nvel da regio a

    puncionar (Coles, 1979).

    A colheita tambm no aconselhvel em casos de aumento da PIC, como por exemplo em

    animais com traumatismos (Chrismas, 1991; Rand, Parent, Percy & Jacobs, 1994;

    Vandevelde et al., 2003). O aumento da PIC pode estar associada a hrnias transtentoriais

    ou cerebelares. Com isto, torna-se bvio que em doentes em que a priori j se saiba ou

    suspeite de herniaes a colheita de LCR est contra indicada (Rand et al., 1994; Lujn

    Feliu-Pascual et al., 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009). E o mesmo se aplica a animais com

    suspeitas de massas que ocupem espao, hemorragias intracranianas, edema cerebral,

    hidrocefalias graves, traumatismo cervical e sndrome de Chiari, situaes em que est

    contraindicada a realizao de punes (Wamsley & Alleman, 2004; Di Terlizzi & Platt,

    2009).

    Em casos de suspeita de instabilidade vertebral cervical e de luxao atlanto-axial a colheita

    de LCR no est indicada, assim como em doentes com coagulopatias (Wamsley &

    Alleman, 2004; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    8.5 - Consequncias/complicaes

    Todos os procedimentos mdicos tm um risco associado, e as punes cerebelomedular e

    lombar no so excepes. A insero de agulha e colheita de LCR podem provocar um

    gradiente de presso suficiente para que ocorra movimentao caudal de estruturas

    intracranianas, ou seja hrnia. Hrnia cerebelar pode comprimir estruturas como a medula

  • 17

    oblonga e centros vitais do tronco cerebral, provocando graves depresses respiratrias,

    coma e, por vezes morte (Chrismas, 1991; Lujn Feliu-Pascual et al., 2008; Di Terlizzi &

    Platt, 2009).

    J foram descritos casos de meningites como consequncia de m asspsia ou de

    contaminao da agulha antes da colheita (Bradley et al., 2004).

    Caso a agulha no se mantenha no plano correcto de insero, um vaso do seio venoso

    vertebral pode ser perfurado, resultando no aparecimento de sangue na agulha. Geralmente

    no ocorrem efeitos secundrios nos animais e, visto que estes seios esto fora da medula

    espinhal, o LCR estar livre de contaminao sangunea iatrognica (Braund, 1986). No

    entanto, pode acontecer que durante a picada aparea um fina linha de sangue na agulha

    resultante dos vasos da pia-aracnide. Esse sangue por vezes pode no interferir na anlise

    do LCR, principalmente se o lquido fluir e limpar a agulha espontaneamente (Braund, 1986;

    Gomes et al., 2009).

    Sinais como inclinao da cabea e hemiparsia podem ocorrer devido a leso de ncleos

    vestibulares e de feixes motores descendentes na parte ventral do QV. Embora possam

    ocorrer, estes sinais geralmente no so permanentes, sendo transitrios entre um a sete

    dias (Chrismas, 1991). Porm, casos de tetraparsia no-ambulatria e seringo hidromielia

    permanentes ps-puno j foram descritos, resultando na realizao de eutansia dos

    doentes (Parent, 1999; Lujn Feliu-Pascual et al., 2008).

    9 - O LCR no animal saudvel - caractersticas e tcnicas laboratoriais

    A anlise de rotina do LCR deve incluir: avaliao fsica e macroscpica, contagem de

    clulas, determinao do teor proteico e avaliao citolgica (Coles, 1979; Freeman, 2005).

    Se o volume de LCR limitado, a contagem total e diferencial de clulas deve ser a

    prioridade (Parent, 1999).

    9.1 - Avaliao fsica e macroscpica

    9.1.1 - Colorao

    O LCR normal incolor, com uma aparncia semelhante a gua, e geralmente qualquer

    colorao no LCR representa uma alterao (Ducot & Dewey, 2008; Di Terlizzi & Platt,

    2009; Nghiem & Schatzberg, 2010).

    9.1.2 - Turvao

    Como mencionado, o LCR tem uma aparncia aquosa e o seu aspecto normal translcido

    e transparente (Wamsley & Alleman, 2004; Di Terlizzi & Platt, 2009).

  • 18

    9.2 - Anlises qualitativas

    9.2.1 - Protena total

    Comparado com o plasma sanguneo, o LCR tem uma concentrao proteica extremamente

    baixa, com apenas cerca de 0,5% da concentrao de protena total ([PT]) do sangue

    (Fishman, Ransohoff & Osserman, 1958; Aldred, Brack & Schreiber, 1995; Di Terlizzi & Platt,

    2009; Nghiem & Schatzberg, 2010).

    Tal como no Homem, nos ces a [PT] aumenta ao longo do neuro-eixo, no sentido rostro-

    caudal. por essa razo que em amostras obtidas na cisterna atlanto-occipital se verificam

    valores de [PT] inferiores do que nas colhidas por puno lombar (Bailey & Higgins, 1985;

    Thomson et al., 1990; Wamsley & Alleman, 2004; Nghiem & Schatzberg, 2010). Em

    colheitas na cisterna magna os valores considerados normais para a [PT] so entre 15 a 25

    miligramas por decilitro (mg/dl) (ou menor do que 25 mg/dL), enquanto que nas amostras da

    cisterna lombar os valores variam entre 20 a 45 mg/dL (ou menor que 45 mg/dL) (Fishman

    et al., 1958; Nghiem & Schatzberg, 2010). Pensa-se que devido lenta circulao de LCR

    na regio lombar, com a consequente acumulao de protena, embora outros estudos

    defendam dever-se ao aumento da permeabilidade da BSLCR s protenas nessa regio

    (Fishman et al., 1958; Thomson et al., 1990; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    Practicamente a totalidade das protenas do LCR so originrias do plasma sanguneo,

    sendo a albumina o constituinte maioritrio (cerca de 80 a 95%) (Aldred et al., 1995; Reiber

    & Peter, 2001; Reiber, 2003; Freeman, 2005; Di Terlizzi & Platt, 2009). Existem tambm

    vestgios de outras protenas sintetisadas pelos PC, como por exemplo a transtirretina, a

    transferrina e a protena de ligao ao retinol, a alfa-macroglobulina, beta e gama-

    globulinas, a prostaglandina D, entre outras (Aldred et al., 1995; Forterre, Raila, Forterre,

    Brunnberg & Schweigert, 2006; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    Como os mtodos quantitativos de determinao proteica no LCR no esto sempre

    rapidamente disponveis, existem tcnicas semi-quantitativas rpidas e acessveis na prtica

    clnica diria, sem ser necessrio equipamentos dispendiosos (Jacobs, Cochrane, Lumsden

    & Norris, 1990; Freeman, 2005). De todas as protenas mencionadas, as globulinas

    compem a fraco proteica mais importante a medir. A tcnica mais simples de aferir a

    presena de globulinas no LCR o mtodo de Pandy (Coles, 1979; Meyer, Coles & Rich,

    1992; Rakich & Latimer, 2003).

    Este teste consiste na mistura de LCR com fenol. Num pequeno tubo de ensaio com cerca

    de 1 ml do reagente de Pandy8 adicionam-se duas a trs gotas de LCR. Se nessa amostra

    de LCR estiver presente uma concentrao de globulinas superior ao normal, a reaco ir

    resultar no aparecimento de filamentos ou estruturas floculares brancas. O resultado dado

    numa escala de 0 a 4+ de acordo com a abundncia dos produtos floculares que resultam

    8 O reagente de Pandy consiste em 10g de cido carblico cristalisado em 100 ml de gua destilada (Coles, 1979; Desnoyers

    et al., 2008).

  • 19

    da reaco, sendo o 0 a normalidade (sem reaco) e o 4+ uma reaco exuberante, com

    uma elevada concentrao de globulinas, sendo que este teste tem uma sensibilidade de

    aproximadamente 50 mg/dL (Coles, 1979; Meyer et al., 1992; Rakich & Latimer, 2003;

    Desnoyers et al., 2008). importante no esquecer que caso a amostra de LCR tiver sido

    contaminada com sangue durante a puno este teste pode no ser fivel, visto que as

    globulinas do sangue resultam em falsa positividade (Coles, 1979). No entanto, tendo em

    conta a natureza semi-quantitativa, a no reprodutividade dos resultados e a limitao na

    deteco de aumentos ligeiros na [PT], tem sido sugerido outro mtodo de deteo,

    nomeadamente o uso das tiras de anlise de urina (urinary dipstick) (Jacobs et al., 1990;

    Meyer et al., 1992; Rakich & Latimer, 2003; Freeman, 2005; Desnoyers et al., 2008; Marcos

    & Santos, 2011). A tabela 3 ajuda na interpretao das tiras de urina e os resultados da [PT]

    estimada.

    Decises clnicas que se baseiam em leituras com resultados iguais ou superiores a "++"

    so altamente confiveis. Porm, as tiras de urina apenas tm aplicao como teste de

    triagem, compreendendo que resultados falsos negativos e falsos positivos podem ocorrer

    quando os valores so vestigiais ou 1+ (Jacobs et al., 1990; Rakich & Latimer, 2003; Di

    Terlizzi & Platt, 2009). Assim, esta estimativa deve ser seguida de anlises quantitativas em

    laboratrios de referncia (Parent, 1999; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    Tabela 3 - Estimativa da [PT] do LCR atravs da utilizao de urinary dipsticks (N-Multitix SG, Bayer, Miles,

    Diagnostic Division). Para a elaborao desta tabela foram recolhidos dados dos seguintes autores: Villiers &

    Blackwood, 2005 e Peleteiro, Marcos, Santos, Correia, Pissarra & Carvalho, 2011.

    Resultado da urinary dipstick [PT] estimada Interpretao

    Negativo < 30 mg/dL Dentro dos valores normais

    Vestgios ("traces")

    + 30 mg/dL

    Anormal ++ 100 mg/dL

    +++ 300 mg/dL

    ++++ > 2000 mg/dL

    9.3 - Contagem de clulas

    O nmero total de clulas observadas e a caracterizao das mesmas so ferramentas de

    extrema importncia na anlise correcta do LCR para o diagnstico de afeces do SNC

    (Desnoyers et al., 2008; Di Terlizzi & Platt, 2009).

    9.3.1 - Contagem total de clulas (CTC)

    A CTC realizada com o auxlio de hemocitmetros, visto que as tcnicas hematolgicas

    no so suficientes para a deteco de clulas no LCR devido baixa concentrao celular

  • 20

    do LCR saudvel e, por vezes, at do LCR do animal doente. Cmeras como as de

    Neubauer, Nageotte ou de Fuchs-Rosenthal so utilizadas, aps permanacerem durante 10

    a 15 minutos num ambiente hmido facilitanto a adeso das clulas ao vidro (Boogerd, et

    al., 1988; Moroff, Eich & Dabay, 1994; Abate, Bollo, Lotti & Bo, 1998; Desnoyers et al., 2008;

    Di Terlizzi & Platt, 2009). A contagem feita aps o enchimento de ambas as cmaras do

    hemocitmetro com LCR no diluido (Wamsley & Alleman, 2004).

    Os eritrcitos e as clulas nucleadas so contadas separadamente (Di Terlizzi & Platt,

    2009). A CTC nucleadas em animais saudveis infeiror ou igual a cinco clulas por

    m c (c /L) e c men e n ex em e c (exce e c e c n m n

    durante a colheita) (Wamsley & Alleman, 2004; Ducot & Dewey, 2008).

    Deve-se ter cuidado especial na diferenciao entre eritrcitos e leuccitos. Os eritrcitos

    so pequenos, bicncavos, alaranjados, bastante translcidos e podem ser crenados. Os

    leuccitos, por outro lado, so maiores, por vezes granulares, acinzentados e muito menos

    tranlcidos em comparao com os eritrcitos. Porm, leuccitos pequenos podem ser

    facilmente confundidos com eritrcitos, resultando em CTCs erradas (Wamsley & Alleman,

    2004; Desnoyers et al., 2008).

    Um mtodo simples de diferenciao celular neste tipo de contagem a tcnica do Azul de

    Metileno, descrita por Fry e seus colaboradores (2006). Ao adicionar-se este corante na

    amostra de LCR a analisar, com o auxlio de um tubo de microhematcrito, garante-se que

    as clulas nucleadas sejam coradas facilitando a distino entre estas e os eritrcitos (Fry,

    Vernau, Kass & Vernau, 2006; Marcos & Santos, 2011; Wood et al., 2012).

    Amostras colhidas por puno lombar a ces saudveis apresentam contagens celulares

    inferiores do que as colhidas na cisterna magna (Ducot & Dewey, 2008).

    9.3.2 - Contagem diferencial de leuccitos (CDLs) e Citodiagnstico (CDx)

    Devido baixa celularidade que o LCR geralmente apresenta, necessrio recorrer-se a

    tcnicas de concentrao para possibilitar a avaliao citolgica (Desnoyers et al., 2008;

    Taylor, 2009). Porm, o contrrio tambm se verifica, ou seja, um dos factores

    determinantes para a contagem diferencial de moncitos, linfcitos e qualquer outro tipo de

    clula presente9 no LCR um elevado nmero total de clulas (Lehmitz, 1988).

    As tcnicas mais comumente utilizadas so as cmaras de sedimentao e a

    citocentrifugao. Ambos os processos se baseiam em princpios fsicos em que as clulas,

    devido s foras gravitacionais ou centrfugas, se depositam numa lmina de vidro, que

    posteriormente ser