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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE MINEIRA DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO DO TRABALHO A IMPORTÂNCIA DA EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO REGULADO NO CAPITALISMO ATUAL ROSILAINE CHAVES LAGE BELO HORIZONTE 2009 PDF processed with CutePDF evaluation edition www.CutePDF.com

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Page 1: A IMPORTÂNCIA DA EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA … · Palavras-chaves: Trabalho Regulado, ... Para tanto, inicialmente, será apresentada de forma sucinta a história do homem e o

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO DO TRABALHO

A IMPORTÂNCIA DA EFETIVIDADE DO

PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO

REGULADO NO CAPITALISMO ATUAL

ROSILAINE CHAVES LAGE

BELO HORIZONTE

2009

PDF processed with CutePDF evaluation edition www.CutePDF.com

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO DO TRABALHO

A IMPORTÂNCIA DA EFETIVIDADE DO

PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO

REGULADO NO CAPITALISMO ATUAL

ROSILAINE CHAVES LAGE

BELO HORIZONTE

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Lage, Rosilaine Chaves M995d A importância da efetividade do principio da valorização do trabalho

regulado no capitalismo atual / Rosilaine Chaves Lage. Belo Horizonte, 2009. 218f. Orientador: Luiz Otávio Linhares Renault Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Trabalho regulado. 2. Dignidade da pessoa humana. 3. efetivação do

principio da valorização do trabalho. 4. Modernidade e Democracia. 5 I. Renault, Luiz Otávio Linhares. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 331.215.5

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ROSILAINE CHAVES LAGE

A IMPORTÂNCIA DA EFETIVIDADE DO

PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO

REGULADO NO CAPITALISMO ATUAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito do Trabalho.

Orientador: Professor Doutor Luiz Otávio Linhares Renault

BELO HORIZONTE 2009

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Rosilaine Chaves Lage

A IMPORTÂNCIA DA EFETIVIDADE DO

PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO

REGULADO NO CAPITALISMO ATUAL

Dissertação defendida e ________________________com média final igual a

__________, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito,

área de concentração em Direito do Trabalho, junto à Faculdade Mineira de

Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Belo Horizonte, 2009.

_______________________________________________________________

Prof. Doutor Luiz Otávio Linhares Renault (Orientador) – PUC Minas.

_______________________________________________________________

Prof. Doutor Márcio Túlio Viana – PUC Minas

_______________________________________________________________

Profª. Doutora Martha Halfeld Furtado de Mendonça Shimidt - UNA

_______________________________________________________________

Prof. Doutor José Roberto Freire Pimenta (Suplente)

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AGRADECIMENTOS

A Deus minha gratidão por mais essa conquista... “quando tudo diz não Sua

voz me encoraja a prosseguir, quando tudo diz que não ou parece que o mar

não vai se abrir, sei que não estou só...” – Sei que és real e fiel; obrigada por

caminhar sempre comigo.

Dedico este trabalho a flor da minha vida, minha Mãe Margarida, que através

de seu exemplo me ensinou o caminho do bem e da verdade.

Ao dono do meu coração, meu amado e amigo Jarbas por acreditar e participar

de todos os meus sonhos. Meu infinito amor e admiração àquele que detém

com exatidão um irradiar que lhe é peculiar, cuja mera presença ao meu lado,

sem qualquer esforço, já é suficiente para me fazer a mulher mais feliz do

mundo!

A minha irmã Rosiane pela força nos momentos mais difíceis – Você é a

música da minha vida.

Ao Professor Dr. Luiz Otávio Linhares Renault, pela excelência no ato de

ensinar, pela orientação feita com amor, zelo e incentivo. Louvo a Deus por sua

existência, sei que foi agraciado com o dom de ensinar, pois seus

ensinamentos ultrapassam o ambiente acadêmico.

Ao Professor Maurício Godinho Delgado por disponibilizar o artigo “Princípios

Constitucionais do Trabalho”, fonte inspiradora deste trabalho.

Ao Professor Márcio Túlio Viana, o meu muitíssimo obrigada. Sua simplicidade,

sabedoria notável e seu modo de ensinar me mostraram que é possível ser

nobre e excelente sem perder a simplicidade.

Ao Professor José Roberto Freire Pimenta pelos ensinamentos, pelos debates

em sala de aula que, com certeza, de alguma forma, estão presentes nessa

dissertação.

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HOMENAGEM

Ao Professor Dr. Luiz Otávio Linhares Renault eu dedico essa homenagem.

Estrela Guia

Diante de seu saber eu me curvo,

com sua arte de ensinar, aprendi

suas atitudes, expressão da humildade

sua índole um exemplo a seguir.

Mantém o poder do ministério

com total desenvoltura e empolgação

faz nos sentirmos honrados

por ter o conhecimento ao alcance das mãos.

Carisma e cordialidade é pouco, perto de tudo

respeito, alegria, humildade

não preenchem a metade de seu mundo.

Pessoa de inigualável caráter,

estimável, amistoso e compreensivo.

Estou orgulhosa pela oportunidade

de tê-lo como um grande mestre e amigo.

Estará para sempre em minhas lembranças

como exemplo de muito valor e sabedoria

e estará em meu coração guardado

como uma bela “Estrela Guia”.

Rosilaine Chaves Lage

Juliana Rosa de Souza

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RESUMO

O foco da dissertação é a importância da efetividade do princípio da

valorização do trabalho regulado no capitalismo atual.

Para tanto, foi elucidada de forma sucinta a história do homem, assim como o

trabalho na antiguidade, na idade média e na modernidade.

Na seqüência, o trabalho foi analisado como direito e como dever social, sob a

perspectiva do seu valor para a filosofia e para a economia.

Em seguida, realizou-se um estudo a respeito do Estado Liberal com enfoque

no absenteísmo disciplinatório do trabalho, perpassando pela disciplina contida

no Código Civil - o contrato de prestação de serviços, o princípio da autonomia

da vontade e as conseqüências decorrentes dessa visão civilista.

Posteriormente, buscou-se uma análise do capital e do trabalho, tangenciando

-se questões assaz relevantes como: o lucro excessivo e a acumulação de

riqueza, a proletarização e a consciência dos trabalhadores, as lutas de

classes, os movimentos reivindicatórios, o surgimento dos primeiros acordos e

por derradeiro, a voz da Igreja em favor dos pobres.

Nessa perspectiva, evidencia-se a questão da intervenção estatal com o

surgimento das primeiras leis trabalhistas, analisando-se, na seqüência, o

surgimento e a afirmação do Direito do Trabalho, trazendo as características e

as vantagens sociais do trabalho regulamentado.

Por fim, a dissertação trata do assunto relacionado com o capitalismo atual

frente à valorização do trabalho regulado conforme a Constituição Federal de

1988, tendo como pano de fundo o neoliberalismo e o mundo globalizado. No

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enfrentamento dessa questão medular, percebeu-se a importância de um

exame estreito, fino e sensível sobre as diversas tendências à flexibilização em

contraponto à importância da regulamentação, momento em que adquiriu

relevo a certeza da necessidade constante de elevação do patamar civilizatório

mínimo, bem como da priorização e da efetividade do princípio da dignidade da

pessoa humana.

Palavras-chaves: Trabalho Regulado, Dignidade da Pessoa Humana,

Efetivação do Princípio da valorização do Trabalho, Modernidade e

Democracia.

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ABSTRACT

The focus of this dissertation is the importance of the valorization effectiveness

of the regulated job in the contemporary capitalism.

Therefore, it was briefly elucidated the history of the man and the job in the

antiquity,in the Middle Age and Modernity.

In sequence, the work was analyzed like rights and social duties, from the job

value perspective to the philosophy and to economy.

A continuous act made along in the Liberal State in a consistent way with

particular attention to the disciplinatory absenteeism of the work that move

through the job ruled by the civil Law, the contract of public provision, the

principle of the autonomy of the will and ensuing consequences from civil vision.

Subsequently, the working capital was analysed, talking about important issues

like: excessice profit and wealth accumulation, the proletarianization and the

labors conscience, the classes struggle, the claiming movement, the

appearance of the first agreements and the last; the voice of the church in aid

of the poor.

In this point, it is noticed the issue about the state intervention with the

appearance work law consolidation, analyzing after that, the appearance and

affirmation of the Labor Rights, bringing the characteristics and the social

advantages of regulated job.

Finally, it became clear the current capitalism face to the appreciation of the

regulated job forward in the 1988 Federal Constitution, approaching the human

labor insert in neoliberalism and in the globalized world, going along in a close

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way about the tendencies to flexibilization in contrast to the importance of

regulation, emphazising the civilizatory level and the human being dignity.

Keywords: Regulated Job, Human Being Dignity, Job Appreciation put into

practice, Capitalism;

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..............................................................................................12

2. O HOMEM E O TRABALHO..........................................................................14

2.1 Na antiguidade.............................................................................................14

2.2 Na idade média............................................................................................22

2.3 Na modernidade..........................................................................................27

2.3.1 O trabalho como direito e como dever social............................................31

2.3.2 O valor do trabalho para a filosofia...........................................................39

2.3.3 O valor do trabalho para a economia........................................................43

3. O ESTADO LIBERAL E O ABSENTEISMO DISCIPLINATÓRIO DO

TRABALHO........................................................................................................49

3.1 O trabalho regulado pelo Código Civil.........................................................52

3.2 O contrato de prestação de serviços...........................................................54

3.3 O principio da autonomia da vontade...........................................................60

3.4 Conseqüências decorrentes da visão civilista.............................................69

4. O CAPITAL E O TRABALHO.........................................................................75

4.1 O lucro excessivo e a acumulação de riqueza............................................79

4.2 A proletarização e a consciência dos trabalhadores...................................92

4.3 As lutas de classes......................................................................................98

4.4 Os movimentos reivindicatórios e o surgimento dos primeiros

acordos.......................................................................................................101

4.5 A voz da Igreja em favor dos pobres.........................................................107

5. A INTERVENÇÃO ESTATAL.......................................................................112

5.1 As primeiras leis trabalhistas......................................................................115

5.2 O surgimento do Direito do Trabalho........................................................120

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5.3 A afirmação do Direito do Trabalho...........................................................128

5.4 As características do trabalho regulamentado..........................................135

5.5 As vantagens sociais do trabalho regulamentado.....................................142

6. O CAPITALISMO ATUAL E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO

REGULADO.....................................................................................................151

6.l. A Constituição Federal de 1988, seus princípios e a priorização da relação

de emprego..................................................................................................152

6.2 O trabalho humano inserido no neoliberalismo e no mundo

globalizado.................................................................................................166

6.3 Tendências à flexibilização........................................................................172

6.4 Patamar civilizatório mínimo......................................................................179

6.5 A dignidade do ser humano.......................................................................182

7. CONCLUSÃO..............................................................................................193

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................204

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1. INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea tem experimentado momentos de profundas

modificações sociais, políticas e econômicas, em virtude das ondas globalizantes

que assolaram e continuam assolando de modo intenso toda a humanidade.

O foco em questão é de corte laboral, qual seja: a valorização do trabalho formal

enquanto instrumento de inclusão social.

A presente dissertação buscará, através de pesquisas, estudos e comparações

doutrinárias, expor a importância da efetividade do princípio da valorização do

trabalho regulado no capitalismo atual.

Para tanto, inicialmente, será apresentada de forma sucinta a história do homem e

o trabalho na antiguidade, na idade média e na modernidade.

Na seqüência, o trabalho será analisado como direito e dever social, sob a

perspectiva do valor do trabalho para a filosofia e para a economia.

Ato contínuo, enveredar-se-á de forma coerente no Estado Liberal com enfoque

no absenteísmo disciplinatório do trabalho, perpassando pelo trabalho regulado

pelo Código Civil, o contrato de prestação de serviços, o princípio da autonomia da

vontade e as conseqüências decorrentes da visão civilista.

Posteriormente, buscar-se-á uma análise do capital e do trabalho, tangenciando

sobre questões assaz relevantes como: o lucro excessivo e a acumulação de

riqueza, a proletarização e a consciência dos trabalhadores, as lutas de classes,

os movimentos reivindicatórios, o surgimento dos primeiros acordos e por

derradeiro, a voz da Igreja em favor dos pobres.

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Nessa perspectiva, evidencia-se a questão da intervenção estatal com o

surgimento das primeiras leis trabalhistas, analisando na seqüência, o surgimento

e afirmação do Direito do Trabalho, trazendo as características e as vantagens

sociais do trabalho regulamentado.

No desdobrar cronológico da dissertação, será realizado um estudo a respeito do

capitalismo atual frente à valorização do trabalho regulado, conforme disposto na

Constituição Federal de 1988, abordando o trabalho humano inserido no

neoliberalismo e no mundo globalizado, percorrendo de forma estreita sobre as

tendências à flexibilização em contraponto à importância da regulamentação,

ganhando realce a elevação do patamar civilizatório mínimo e a dignidade do ser

humano.

Por fim, será imprimido destaque à importância de se efetivar o princípio da

valorização do trabalho regulado no capitalismo atual como instrumento de

inclusão do cidadão no mercado de trabalho, com todas as suas garantias

constitucionais inerentes a ele.

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2. O HOMEM E O TRABALHO

2.1 NA ANTIGUIDADE

A história do trabalho se confunde com a própria história do homem, que desde os

primórdios foi impelido a retirar da natureza bens para garantir a sua

sobrevivência. Para tanto, utilizava do seu esforço físico, a priori, apenas para

retirar da natureza o necessário para manter-se vivo.

Neste contexto, Julián A. de Diego assinala que:

El hombre debe someter a la naturaleza para valerse de ella con el fin de

procurarse alimento y un lugar para vivir. Éste fue el contexto en el que

debía sobrevivir el hombre primitivo em relación con el mundo salvaje

circundante. Para lograr el objetivo es esencial es esfuerzo físico e

intelectual que implica el proceso de transformación de modo de que los

bienes estén al servicio del hombre. Para ello es imprescindible la acción

humana que denominamos “trabajo”. 1

O homem, neste período, não modificava nem transformava a natureza, utilizava-a

apenas como fonte mantenedora de sua própria existência.

Neste sentido, Aurélio Eduardo aduz que:

A princípio, o trabalho foi resposta do homem às suas necessidades.

Desde que teve fome, o homem procurou comida para manter-se vivo.

Quando teve frio, procurou abrigo e vestimenta, para não morrer, etc.; e

1 DIEGO, Julián A. de. Manual de Derecho del Trabajo y de la Seguridad social. Buenos Aires: La Ley, 2008,

p. 1.

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assim foi reagindo de acordo com suas necessidades. Não resta dúvida

de que tais iniciativas foram naturais para a sobrevivência da espécie. 2

A partir do momento em que o homem passou a atuar na natureza, não de modo

extrativo como antes, mas sim de maneira transformadora é que o seu trabalho

diferenciou-se do trabalho animal. 3

Para Arendt4, na Antiguidade, o homem não estaria trabalhando ao realizar as

atividades necessárias para sobreviver; estaria, na verdade, laborando5, isto é,

perfazendo uma atividade necessária para mantê-lo vivo, porque o produto desta

atividade era consumido quase que concomitantemente à sua produção.

O sentido da palavra trabalho sofreu mutações históricas, ou seja, a cada período,

a cada fase, o trabalho foi ganhando conceitos e peculiaridades próprias.

Na antiguidade não existia a noção de emprego, somente a definição de trabalho

e labor.

Os povos primitivos passaram por três fases ou eras de desenvolvimento, quais

sejam: era Eolítica, Paleolítica6 e neolítica7.

2 NASCIMENTO, Aurélio Eduardo do, BARBOSA, José Paulo. Trabalho: História e Tendências. São Paulo:

editora ática, 1996, p. 13. 3 VIANA, Márcio Túlio. In PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: Evolução,

Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 94. 4 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 119. 5 Hannah Arendt faz uma distinção entre trabalho e labor em seu livro: A Condição Humana. 10ª Ed. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 15. O Labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do

corpo humano, cujos crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades

vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é a própria vida.

Já o trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência esta não

necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja mortalidade não é compensada por este

último. O Trabalho produz um mundo “artificial” de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente

natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e a

transcender todas as vidas individuais. A condição humana do trabalho é a mundanidade. 6 Evaristo de Moraes entende que na era Paleolítica a economia era apenas apropriativa. 7 Evaristo de Moraes entende que já na era Neolítica a economia é operativa.

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Na era Eolítica o homem começa a efetuar ingerências na natureza, e nos dizeres

de Evaristo de Moraes8, o homem passou a fabricar instrumentos que o auxiliavam

na árdua tarefa de perpetuar a sua espécie.

A segunda era é a Paleolítica ou Idade da Pedra, nesta fase o homem interfere na

natureza apropriando e por vezes aperfeiçoando os objetos. Sendo certo que a

nomenclatura conferida é adequada porque a apropriação era exatamente das

pedras, que eram polidas ou desgastadas pelo atrito, gerando assim uma

diversidade de instrumentos.

Nesta esteira de pensamento, Daniela Torres Conceição cita Arvon, que menciona

que:

A partir do momento em que o homem inventa utensílios para auxiliá-lo

na sua luta constante pela sobrevivência é que ele se torna livre para

explorar e tentar dominar a natureza. O homem passa a ser criador de

sua própria realidade, transformando a natureza de acordo com suas

necessidades. 9

A terceira era é a Neolítica ou da pedra polida, neste período, o homem interagia

com a natureza utilizando os utensílios que apropriou na era paleolítica de uma

maneira mais elaborada, e, concomitantemente ocorreu o desenvolvimento da

agricultura e domesticação de animais.

Em relação à fase neolítica, Evaristo de Moraes Filho destaca que:

Na fase neolítica, avança o homem primitivo no caminho da civilização,

dando maior precisão aos seus instrumentos de trabalho e de arte. De

troglodita passa a habitar as planícies, com construção de tendas, sob

8 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado Elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1960, p.94. 9 VIANA, Márcio Túlio. In PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: Evolução,

Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 95.

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forma de aldeias, ou nas regiões lacustres sob a forma de palafitas,

sempre tendo em vista a defesa. Constituiam-se os primeiros grupos

locais, permitindo as primeiras manifestações de vida agrícola. A

economia torna-se operativa, já com a produção de utilidades e de bens

econômicos pelo homem. A grande caça e a agricultura caracterizam

esta época. 10

Percebe-se que primeiro o homem apropriou-se da natureza, na seqüência

vivenciou um período operativo com os elementos da mesma, e, como

conseqüência adveio a fase transformativa que, por certo, serviu de berço para as

civilizações posteriores.

Com razão, destaca Evaristo de Moraes11 que foi graças às primeiras invenções e

descobertas – como a do fogo, da roda, da alavanca, da fusão dos metais, da

linguagem – que se tornou possível a formação das grandes civilizações antigas,

como a dos egípcios, dos assírios, dos babilônicos, dos gregos e dos romanos.

Neste período, a divisão do trabalho ocorria segundo os sexos: a mulher dedicava

à plantação, colheita e com o cultivo da terra e o homem responsável pela caça. E

naturalmente, o grupo social foi-se organizando de forma sedentária e

hierarquizada. 12

Na verdade, Evaristo13 considera que o trabalho é inseparável do homem14,

confunde-se com a própria personalidade, em qualquer de suas manifestações.

10 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 142. 11 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 96. 12 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 142. 13 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 96. 14 Evaristo de Morais Filho comenta que: O homem que pensa, planeja e age (o homo sapiens e o homo faber)

vivem em perfeita harmonia, em luta constante com a natureza, transformando-a, moldando-a a seus interesses,

criando um mundo artificial acima e ao lado do mundo natural. p. 96.

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A relação trabalhista preponderante na antiguidade era a relação escravizador-

escravo.

Segadas Vianna explica que a escravidão teve sua origem nos conflitos entre as

tribos e grupos, que com o tempo, ao invés de matar os adversários derrotados,

começaram a escravizá-los para usufruir de seu trabalho. Neste sentido, o autor

explicita:

Os mais valentes e os chefes, que faziam maior número de prisioneiros,

não podendo utilizar a todos em seu serviço pessoal, passaram a vendê-

los, trocá-los ou alugá-los. Aos escravos eram dados os serviços manuais

exaustivos não só por essa causa como, também, porque tal gênero de

trabalho era considerado impróprio e até desonroso para os homens

válidos e livres. 15

Sendo certo que a escravidão nessas grandes civilizações antigas, como a dos

egípcios, dos assírios, dos babilônicos, dos gregos e dos romanos atingiu grandes

proporções.

Nesta linha de reflexão, oportuno ressaltar o posicionamento de Julián A. de Diego

sobre o trabalho escravo na antiguidade, vejamos:

Em la Antiguedad el trabajo estaba relacionado con el esclavo, que no

era un sujeto sino um objeto, a punto tal que no sólo formaba parte del

inventario de un predio urbano o un fundo rural, sino que no se lo

diferenciaba como un ser humano que realizaba una actividade creativa,

sino que se lo asociaba com las cosas y se lo consideraba algo extraño al

grupo social, o ubicado en el último escalón posible. Em la tipología del

esclavo em la antiguedad parece inescindible la persona física del

esclavo del resultado de se obtiene, y se lo califica como los brazos o los

15 VIANNA, Segadas. Antecedentes históricos. In: SUSSEKIND, Arnaldo; VIANNA, Segadas; MARANHÃO,

Délio. Instituições de Direito do Trabalho. 17 ed. Vol 1, São Paulo: LTr, 1997, p. 29.

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recursos de los que se disponía generalmente ligado a un inmueble, rural

o urbano, o al servicio de un determinado clan o familia patricia. 16

Segadas menciona que a escravidão era considerada coisa justa e necessária, e

ainda, cita a afirmação de Aristóteles que para adquirir cultura, era necessário ser

rico e ocioso e que isso não seria possível sem a escravidão.

A história econômica grega mesmo sendo marcada pela grande contribuição nas

artes industriais, não se desenvolveu na forma de utilização de mão-de-obra

porque continuou em quase sua totalidade escrava; onde o trabalho livre era para

os artesãos e comerciantes que também utilizavam da mão-de-obra escrava.

O fato social dominante do trabalho entre os romanos era a escravidão. Neste

contexto, assim expressou Evaristo de Moraes:

Os romanos não foram um povo criador, original, de gênio inventivo;

contentavam-se em desenvolver as idéias alheias, de outros povos, seus

vizinhos, a eles submetidos. Devido ao pequeno desenvolvimento da

técnica e à mesma prevenção dos gregos contra os trabalhos mecânicos,

não chegaram a um nível elevado de produção industrial. O trabalho,

predominantemente manual (escravo), fazia-se com o auxílio de

instrumentos sem grande capacidade produtiva. A agricultura permanecia

como o modo mais generalizado e mais honroso do trabalho humano.

Grandes crises atravessou o Estado romano, nos séculos II a. C. e III d.

C, com a concentração exagerada da propriedade e correspondente

diminuição da produção rural, provocando insegurança nos campos e

êxodo dos camponeses.

Entre as atividades propriamente urbanas, destacavam-se os

metalúrgicos, os ceramistas, os tecelões, os sapateiros, os ourives,

muitas vezes agrupados em grandes oficinas, nas quais trabalhavam

16 DIEGO, Julián A. de. Manual de Derecho del Trabajo y de la Seguridad social. Buenos Aires: La Ley,

2008, p. 29-30.

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artesãos livres e escravos. Mas, desde os tempos do rei Numa, num

misto de interesses profanos e religiosos, reuniam-se os trabalhadores

livres em organismos corporativos (collegia), a princípio em número de

oito. Com a República e o Império seu número cresceu prodigiosamente,

à medida que as profissões iam-se diferenciando em especializações

cada vez mais minuciosas com o enriquecimento e a complexidade da

estrutura social. 17

Com o crescimento da população absoluta e crescente complexidade das relações

sociais e humanas, os senhores deixaram de contar apenas com a mão-de-obra

dos seus escravos, mas também com os próprios homens livres, incluindo os que

arrendavam os seus serviços. 18

Foi neste cenário que surgiu a figura da locatio conductio, onde as condições

iniciais do contrato eram idênticas às do escravo, que, por sua vez, se ligavam à

locação de coisas. Desta forma, só podiam oferecer para essas obrigações os

escravos e os pobres da classe mais baixa. 19

Para Catharino, a locatio conductio operarum consistia em um gênero com três

espécies: locatio conductio rei (locação de coisa), locatio conductio operis faciendi

(locação de obras) e locatio conductio operarum (locação de serviços). 20

No direito civil pátrio, as duas últimas figuras assemelham-se a empreitada e a

locação de serviços. 21

17 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 148/149. 18 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 149. 19 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 149. 20 CATHARINO, José Martins. Compêndio de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: saraiva, vol.I, 1982, p. 174. 21VIANA, Márcio Túlio. In PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: Evolução,

Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 101.

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21

Como se percebe, a antiguidade foi marcada pela mão-de-obra escrava, não

existindo qualquer sistema de proteção ao homem que trabalhava, negava-se

qualquer valorização e dignidade ao trabalho.

Por outro lado, tentava o cristianismo consolidar o trabalho como uma atividade

dignificante. O teólogo Santo Agostinho (354-430) demonstrou que todo trabalho é

útil e que o ócio produziria os vícios que maculam o espírito humano, sendo,

portanto, o trabalho uma ocupação impeditiva de pensamentos impuros. 22

Na prática, porém, a dignidade almejada pelo cristianismo se manteve no plano

abstrato, pois o que prevalecia era verdadeiramente o trabalho escravo, onde o

mesmo era considerado uma coisa.

Por derradeiro, insta mencionar os apontamentos de Rudolf Von Ihering citado por

Evaristo Moraes Filho:

A história, e principalmente a história do direito romano, nos oferece

assim as fases e os progressos do movimento econômico. Se

perguntarmos quais eram os fatores do comércio jurídico antigo, ela nos

responderá que eram as coisas e os homens considerados como coisas.

E conclui o grande romanista que a força individual livre, o talento, a

habilidade não haviam ainda alcançado o acesso ao mercado, como tais,

isto é, encarados independentemente dos produtos nos quais se realizam

e adquirem um valor econômico. A época antiga não chegou idéia

abstrata considerado isoladamente do operário, nem do uso considerado

isoladamente da coisa. 23

22

VIANNA, Segadas. Antecedentes históricos. In: SUSSEKIND, Arnaldo; VIANNA, Segadas; MARANHÃO,

Délio. Instituições de Direito do Trabalho. 17 ed. Vol 1, São Paulo: LTr, 1997, p. 29. 23 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 148/149.

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22

2.2 NA IDADE MÉDIA A idade media é marcada pelo regime feudal, e de acordo com Evaristo de Moraes

Filho sua origem está ligada:

Com a queda das cidades romanas e o desaparecimento das profissões

urbanas organizadas, a insegurança passou a ser a regra, com assaltos,

violências e atentados de toda a ordem. Entre a liberdade e a segurança,

optava-se sempre pela segunda, com a polarização do poder em torno de

um chefe forte e poderoso. Delineava-se assim o sistema feudal,

caracterizado pelas alianças ou associações naturais do protetor e de

seus subordinados dentro de determinado território (feudo). 24

Evaristo cita a lição de Calmette para demonstrar as características do feudalismo,

senão vejamos:

Caracteriza-se a feudalidade social e economicamente segundo o modo

que se possui a terra, com um desmembramento de titularidades; e do

ponto de vista político, por um desmembramento da soberania através de

uma hierarquia de poderes, que agem independentemente, salvo a

obrigação de satisfazer deveres pessoais. 25

A sociedade feudal, em sua organização estrutural, dividia-se em três classes:

sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, sendo que o homem que trabalhava

produzia para ambas as outras classes, eclesiástica e militar.

24

MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado Elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1960, p. 153/154. 25 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado Elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1960, p. 154.

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23

O feudo era composto de um senhor feudal, que era o proprietário das terras, das

aldeias e o povo que cultivava a terra, cuidava do rebanho, enfim, efetuava o

trabalho agrícola. Esta era a formação básica, existindo, porém, feudos de

tamanhos variados, organização e relação entre os trabalhadores de forma

diversificada. Certo era que cada propriedade feudal tinha um senhor. Dizia-se

comumente do período feudal que não havia “senhor sem terra, nem terra sem

senhor. 26

No que tange à utilização da terra nos feudos e sua divisão, merece destaque a

exposição de Leo Huberman:

Pastos, prados, bosques e ermos eram usados em comum, mas a terra

arável se dividia em duas partes. Uma, de um modo geral a terça parte

do todo, pertencia ao senhor e era chamada seus “domínios”; a outra

ficava em poder dos arrendatários que, então, trabalhavam a terra. Uma

característica curiosa do sistema feudal é que as terras eram contínuas,

mas dispersas em faixas.

Primeiro a terra arável era dividida em duas partes, uma pertencia ao

senhor e cultivada apenas para ele, enquanto a outra era dividida entre

muitos arrendatários; segundo, a terra era cultivada não em campos

contínuos, tal como é hoje, mas pelo sistema de faixas espalhadas. Havia

uma terceira característica marcante – o fato de que os arrendatários

trabalhavam não só as terras que arrendavam, mas também a

propriedade do senhor. 27

Julián A. de Diego faz uma exposição do trabalho na Idade Média com um

enfoque interessante, vejamos:

La mayoría de la doctrina cita a los gremios de la Edad Media, como

organizaciones incipientes de alguna forma de trabajo organizado. En

26HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21 ed. . Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 4. 27HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21 ed. . Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 4.

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24

realidad, los grêmios eran una suerte a aglutinamiento de aprendices y

discípulos en torno de uno o más maestros que dominaban un arte o un

oficio, y lo trasmitían por via oral y por el ejercicio práctico de la

enseñanza dentro de la cofradía. Son pocos los elementos de conexión

que se pueden detectar com el trabajo moderno. Los grêmios sin

embargo son un antecedente importante del valor de la educación, la

capacitación y el entrenamiento en un arte, oficio o profesión,

competências fundamentales que hacen a la empleabilidad de quién

desee trabajar em relación de depedencia.

La esclavitud continuó durante la Edad Media, aun cuando se crearon

figuras que moderaron el sometimiento original, inclusive reconociendo a

las personas algún derecho rudimentario. Es así como se generaron

figuras que atenuaron la dureza de la esclavitud, que bajo distintas

formas mantuvo su vigencia durante la Edad Media. Entre las figuras

citadas tenemos los colonos (agricolae coloni), personas que se

adscribían a un determinado predio en el que realizaban actividades

agrícolas o ganaderas. Por entoces, se diferenciaba el colono de una

figura análoga: el vasallo (vassallus), por el compromiso de fidelidad que

éste tenía com su señor. Otra de las modalidades que atenuaron la

esclavitud fue el “siervo de la gleba”, persona que prestaba un servicio

personal y que junto a su familia estaba adscripto a la tierra que tenía que

cultivar, sin poder ser proprietario ni de la tierra ni de lo que producía en

ella, entregando gran parte de su producción como tributo (forma

rudimentaria de un impuesto en especie), a cambio de la protección

militar que le brindara el Señor Feudal, que en la mayoría de los casos

explotaba o cometía con él distintos tipos de abusos. 28

O trabalho dos camponeses era no regime da servidão, ou seja, de trabalho

escravo típico da antiguidade passou-se para o regime da servidão.

Buscando o significado da palavra servidão, esta tem origem latina, o termo servo

significa escravo. Daí conclui-se que a evolução no campo do trabalho humano foi

apenas terminológica, não mudando em nada o aspecto dignificante do trabalho.

28 DIEGO, Julián A. de. Manual de Derecho del Trabajo y de la Seguridad social. Buenos Aires: La Ley,

2008, p. 31.

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25

Essa servidão escravizante fica clara com a colocação de Huberman acerca do

trabalho dos camponeses nas terras do senhor e em suas terras arrendadas:

O camponês vivia numa choça do tipo mais miserável. Trabalhando longa

e arduamente em suas faixas de terras espalhadas (todas juntas tinham,

em média, uma extensão de 6 a 12 hectares, na Inglaterra, e 15 a 20 na

França), conseguia arrancar do solo apenas o suficiente para uma vida

miserável. Teria vivido melhor não fora o fato de que, dois ou três dias

por semana, tinha que trabalhar a terra do senhor, sem pagamento.

Tampouco era esse o único trabalho a que estava obrigado. Quando

havia pressa, como em época de colheita, tinha primeiro que segar o

grão nas terras do senhor. Esses “dias de dádiva” não faziam parte do

trabalho normal. Mas isso ainda não era tudo. Jamais houve dúvida

quanto à terra mais importante. A propriedade do senhor tinha que ser

arada primeiro, semeada primeiro e ceifada primeiro. Uma tempestade

ameaçava fazer perder a colheita? Então, era a plantação do senhor a

primeira que deveria ser salva. Chegava o tempo da colheita, quando a

ceifa tinha que ser rapidamente concluída? Então o camponês deveria

deixar seus campos e segar o campo do senhor. Havia qualquer produto

posto de lado para ser vendido no pequeno mercado local? Então,

deveriam o grão e o vinho do senhor o que o camponês conduzia ao

mercado e vendia - primeiro. Uma estrada ou uma ponte necessitavam

reparos? Então o camponês devia deixar seu trabalho e atender à nova

tarefa. O camponês desejava que seu trigo fosse moído ou suas uvas

esmagadas na prensa de lagar? Poderia fazê-lo – mas tratava-se do

moinho ou prensa do senhor e exigia-se pagamento para sua utilização.

Eram quase ilimitadas as imposições do senhor feudal ao camponês. 29

Essa transição de escravidão para servidão ocorreu à custa do arrendamento da

terra e da proteção militar, mas os tratos com os trabalhadores entre um regime e

outro são muitos íngremes. Desta forma, a exploração, o excesso de trabalho,

29 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21 ed. . Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 6.

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enfim, o trabalho sem qualquer dignidade eram características da escravidão e

perpetuou no regime de servidão sem nenhuma mudança significativa.

Diante das similitudes entre a escravidão e a servidão, uma pergunta se mostra

inquietante, qual seja: qual a diferença essencial entre a escravidão e a servidão?

De acordo com a compreensão de Huberman o traço diferenciador é a questão da

liberdade, o escravo na antiguidade era propriedade do seu senhor, podendo este

vender, emprestar; o escravo era igualado à condição de coisa; por outro lado, na

servidão o senhor não é proprietário do camponês, mas também exerce um poder

de mando sobre os trabalhadores que acaba por limitar a liberdade, sendo que, na

verdade, o excesso de trabalho posto ao camponês por si só limitava sua

liberdade.

No que diz respeito ao aspecto político da feudalidade, cada senhor possuía

autonomia privada, manifestação da fragmentação do poder. O que prevalecia era

a obediência privada, não existindo nenhum dever para com uma soberania

estatal.

Conforme visto, a sociedade feudal era predominantemente rural, fundada na

propriedade ou na posse da terra. Simultaneamente a esta base estrutural, surgiu

de maneira discreta o trabalhador ambulante. Eram trabalhadores nômades,

conhecedores de pequenos ofícios mecânicos (ferreiros, curtidores, tintureiros,

padeiros, carpinteiros, oleiros), que visitavam os domínios rurais. 30

Na Idade Média, portanto, não havia a noção de emprego. A relação trabalhista da

época era a relação senhor-servo.

30 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1960, p. 155.

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2.3 NA MODERNIDADE

O início da idade moderna é marcado pelo declínio das corporações de ofício

ocorrido no século xv. Neste sentido, Alice Monteiro de Barros cita Pérez Paton:

Os abusos praticados pelos mestres nas corporações de ofício,

geradores de greves e revoltas dos companheiros, principalmente em

face da tendência oligárquica de transformar o ofício em um bem de

família, associada à incapacidade de adaptação do trabalho ali

desenvolvido às novas exigências socioeconômicas, dada a tendência

monopolizadora e o apego às formas superadas de produção, foram

motivos mais do que suficientes para incrementar a transição da

sociedade artesanal para o capitalismo mercantil. 31

Percebe-se que o declínio do feudalismo ocorreu, dentre outros fatores, em virtude

do aumento da população urbana, do movimento de fechamento das terras, do

aumento dos preços dos arrendamentos concomitantemente à expulsão dos

servos pelos seus senhores das terras arrendadas.

Neste contexto, milhares de camponeses que tinham perdido a terra em que

trabalhavam ou que foram expulsos das terras arrendadas migraram para a cidade

em busca de trabalho. Este movimento migratório de trabalhadores coincidiu com

a necessidade de mão-de-obra pela indústria capitalista principiante.

Leo Huberman, com sensatez retrata este movimento migratório, vejamos:

31 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. Ver. E ampl. São Paulo: LTr, 2008.

p.61.

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E quando a indústria capitalista teve necessidade de trabalhadores,

encontrou parte da mão-de-obra entre esses infelizes desprovidos de

terra, que haviam passado a ter apenas a sua capacidade de trabalho

para ganhar a vida. 32

Os trabalhadores destituídos de terra para cultivar partem para as cidades em

busca de melhores condições de vida. Entretanto, como não detinham o controle

sobre o processo produtivo e nem eram proprietários da matéria-prima, foram

obrigados a vender a sua força de trabalho com o único objetivo de garantir sua

subsistência. 33

Paralelamente com o início do trabalho nas fábricas, destacou-se também neste

período a figura do artesão. Os artesãos geralmente trabalhavam com seus

familiares ou companheiros com o intuito de vender a produção nos mercados,

como forma de garantir a sobrevivência, haja vista que a produção artesanal não

atingia grandes quantidades comparadas à produção fabril. Assim, enquanto o

trabalho artesão tinha como objetivo a sobrevivência, sendo o lucro uma questão

bastante incipiente, o trabalho nas fábricas visava efetivamente o lucro, daí não

existir muita similitude entre as figuras fabril e artesanal.

Fica claro, portanto, que neste período a prática do trabalho é transformada.

Porém, não podemos utilizar a palavra emprego para designar qualquer prática de

trabalho desta época, até porque estava apenas iniciando, de forma tímida, o

esboço conceitual da palavra emprego.

Neste diapasão, afirma Bobbio:

32HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21 ed. . Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 98. 33VIANA, Márcio Túlio. In PIMENTA, José Roberto Freire et al. (Coords). Direito do Trabalho: Evolução,

Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 107.

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Na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, o habitante da

cidade adquire sua configuração típica de classe: afirmação como

artesão, como comerciante, como pequeno e médio proprietário rural ou

imobiliário, como representante da lei e, enfim, como capitalista. É

mediante o burguês e a classe a que ele pertence, a Burguesia, que se

dá a acumulação inicial de capital que, nos países mais avançados da

Europa Ocidental, possibilitará, no decorrer do século XVIII, a decolagem

da Revolução Industrial. 34

Noutro giro, pertinente a colocação de Domenico De Masi ao mencionar:

Por milhares de anos, até o advento da indústria, os que ocupavam o alto

da pirâmide social – os aristocratas, os proprietários de terras, os

intelectuais – na verdade não trabalhavam. Não era do trabalho que

obtinham riqueza e prestígio, mas do nome de família, da proteção às

artes e letras e de rendas. Hoje, entretanto, um empresário, administrador

ou diretor geral trabalha muito mais horas do que um operário ou

empregado. Em suma, antigamente, quanto mais rica, menos a pessoa

trabalhava, podendo dedicar-se a si, à família e aos amigos; hoje,

entretanto, quanto mais rico, mais o homem trabalha, descuidando de si

e dos outros. O trabalho passou de castigo a privilégio. 35

Outro ponto de destaque na Idade Moderna é que passou-se a fazer uma

distinção entre o trabalho qualificado e o não qualificado, entre o produtivo e o não

produtivo, aprofundando-se a distinção entre trabalho manual e intelectual.

Após analise da relação homem e o trabalho na antiguidade, na idade média e na

modernidade, pertinente se faz a colocação do Professor Luiz Otávio Linhares

Renault, que aduz que: Mas a verdade, difícil de ser escondida, é que os

34BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p.12. 35MASI, Domenico de. O Futuro do Trabalho: Fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Trad. Yadyr A.

Figueiredo. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília, DF: Ed. Da UnB, 2000. p.13.

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resultados do trabalho do homem, em qualquer época e em qualquer regime,

ainda não foram repartidos com justiça. 36

Por derradeiro, mister se faz mencionar que o trabalho na idade moderna tornou-

se ao mesmo tempo um direito e um dever.

36RENAULT, Luiz Otávio Linhares.. O Direito do Trabalho? In: Pimenta, In PIMENTA, José Roberto Freire

et al. (Coords). Direito do Trabalho: Evolução, Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 40.

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31

2.3.1 O TRABALHO COMO DIREITO E COMO DEVER SOCIAL

Antes de analisarmos o assunto proposto, será abordado de forma concisa e

superficial o significado das palavras direito e dever no universo jurídico, com o

intuito de facilitar o entendimento da palavra trabalho e seqüencialmente analisar o

vocábulo trabalho compreendido como um direito e dever social.

Amaury Mascaro Nascimento, ao lecionar sobre a existência e conceito do Direito,

assim se manifesta:

Existe o Direito porque o homem procura ordenar a sua coexistência com

outros homens, pautando-a por meio de determinadas normas por ele

dispostas no sentido de evitar um conflito de interesses e realizar um

ideal de justiça. O Direito é um instrumento de realização da paz e da

ordem social, mas também se destina a cumprir outras finalidades, entre

as quais o bem individual e o progresso da humanidade. 37

Já Tarso Genro citando Miguel Reale aduz que o Direito é:

A realidade histórico-cultural ordenada de forma bilátero-atributiva,

segundo valores de convivência. O Direito é uma realidade espiritual na

qual e pela qual se concretizam historicamente valores, ordenando as

relações intersubjetivas consoante exigências complementares do

indivíduo e do todo social. 38

37 NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p.70. 38 GENRO, Tarso Fernando. Introdução à Critica do Direito do Trabalho. Porto Alegre: Editora L&PM, 1979,

p.13.

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32

Por derradeiro, o Professor Luiz Otávio Linhares Renault lecionando sobre o

conceito de Direito em seu aspecto estrutural salienta que:

O Direito é regra de conduta humana, imposta coativamente, com os

valores que lhe foram imantados pela própria sociedade. Materialmente,

é preceito advindo da imperiosa necessidade de regramento da

convivência entre os homens, na busca da realização dos Direitos

básicos condicionantes da dignidade humana, condição inicial para a

justiça e para a felicidade dos homens. 39

Diante destes conceitos, fica evidente que o Direito40 dotado do sentido jurídico,

que, hoje, se reconhece, nem sempre existiu, e que sua conceituação foi se

formando com o desenvolvimento social, e como a sociedade não é inerte por

natureza, conceituar Direito é também algo em movimento, a ser construído,

inacabado, portanto, inesgotável.

Percebe-se que os homens com o intuito de conviverem de forma harmoniosa,

estabeleceram regramentos de convivência básicos para garantir a paz social.

Já a palavra dever recebe a conotação de regra imposta pela lei, pela moral, pelos

usos e costumes ou pela conveniência legítima do agente, ou ainda, no sentido de

obrigação, de acordo com o Dicionário Houaiss. 41

O conceito da palavra dever é vasto e complexo; para esta análise

consideraremos expressão dever apenas como algo imposto.

39 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. O Direito do Trabalho? In: Pimenta, In PIMENTA, José Roberto Freire et

al. (Coords). Direito do Trabalho: Evolução, Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 60. 40

Arnaldo Sussekind citando Henri de Page ao prefaciar o Livro da Professora Volía Bonfim Cassar – Direito

do Trabalho mencionar que: O direito é essencialmente uma coisa viva. Ele está destinado a reger homens,

isto é, seres que se movem, pensam, agem, mudam e se modificam. 41 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 1275- houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=dever&stype=k

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Nota-se, portanto, que o conceito das palavras direito e dever são inesgotáveis e

complexas.

Noutro giro, a palavra trabalho também é carregada de inúmeros significados que

foram se formando no decorrer dos tempos e culturas, sendo certo que o trabalho

já foi considerado desde castigo a privilégio.

Neste sentido, Suzana Albornoz traz as seguintes considerações:

Na linguagem cotidiana a palavra trabalho tem muitos significados.

Embora pareça compreensível, como uma das formas elementares de

ação dos homens, o seu conteúdo oscila. Às vezes, carregada de

emoção, lembra dor, tortura, suor do rosto, fadiga. Noutras, mais que

aflição e fardo, designa a operação humana de transformação da matéria

natural em objeto de cultura. É o homem em ação para sobreviver e

realiza-se, criando instrumentos, e com esses, todo um novo universo

cujas vinculações com a natureza, embora inegáveis, se tornam opacas.

Em quase todas as línguas da cultura européia, trabalhar tem mais de

uma significação. O grego tem uma palavra para fabricação e outra para

esforço, oposto a ócio; por outro lado, também apresenta pena, que é

próxima da fadiga. O latim distingue entre laborare, a ação de labor, e

operare, o verbo que corresponde a opus, obra. Em francês, é possível

reconhecer pelo menos a diferença entre travailler e ouvrer ou oeuvrer,

sobrando ainda o conteúdo de tâche, tarefa. Assim também lavorare e

operare em italiano; e trabajar e obrar em espanhol. No inglês, salta aos

olhos a distinção entre labour e work, como no alemão, entre Arbeit e

werk. Work, como werk, contém a ativa criação da obra, que está

também em Schaffen, criar, enquanto em labour e Arbeit se acentuam os

conteúdos de esforço e cansaço.42

42 ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 8-9.

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A mesma doutrinadora entendeu a dificuldade em dar significado a palavra

trabalho, mas enfrentou a questão com bastante primor trazendo à baila a

compreensão da origem da palavra trabalho em nossa língua, vejamos :

[...] a palavra trabalho se origina do latim tripalium, embora outras

hipóteses a associem a trabaculum. Tripalium era um instrumento feito de

três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro, no

qual os agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, o linho, para

rasgá-los e esfiapá-los. A maioria dos dicionários, contudo, registra

tripalium apenas como instrumento de tortura, o que teria originalmente,

ou se tornando depois. A tripalium se liga o verbo do latim vulgar

tripaliare, que significa justamente torturar.

Ainda que originalmente o tripalium fosse usado no trabalho do agricultor,

no trato do cereal, é do uso deste instrumento como meio de tortura que

a palavra trabalho significou por muito tempo – e ainda conota – algo

como padecimento e cativeiro. Deste conteúdo semântico de sofrer

passou-se ao de esforçar-se, laborar e obrar. O primeiro sentido teria

perdurado até inícios do século XV; esta evolução de sentido se teria

dado ao mesmo tempo em outras línguas latinas, como trabajo em

espanhol, traballo em catalão, travail em francês e travaglio em italiano. 43

Como mencionado alhures, ao longo da história a palavra trabalho foi alterando

seu significado de acordo com a evolução cultural de cada tempo. Assim, na

antiguidade e na Idade Média, o trabalho era visto como um castigo dos deuses;

durante o renascimento houve a valorização do trabalho, que passou a ser visto

como manifestação cultural e na Idade Moderna o trabalho torna-se, ao mesmo

tempo, um direito e um dever. 44

Maria Ciavatta, através das ponderações de Lukács e Mézsáros efetua uma

análise interessante sobre a relação do homem com o trabalho, vejamos:

43 ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 8. 44 NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p.90.

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A questão das mediações traz à discussão duas categorias importantes

da sociabilidade humana, a liberdade e a necessidade, assim como os

fins e os meios da reprodução do ser social. O trabalho tem um papel

fundamental nesse processo, como relação criadora do homem com a

natureza, como atividade de autodesenvolvimento físico, material e

espiritual, como manifestação de vida e como realização do reino da

liberdade. Mas o trabalho apresenta-se, também, nas suas formas

históricas de sujeição, de servidão ou de escravidão, ou como o trabalho

moderno, assalariado, flexibilizado ou desregulamentado, formas

específicas da produção da existência do capitalismo.45

Vê-se que o trabalho, no início, era compreendido como castigo; depois uma

obrigação e na modernidade é reconhecido como um direito e um dever.

Souto Maior analisando o trabalho como um dever leciona:

Apenas com o trabalho o homem se socializa, porque passa a integrar

uma rede maior de produção e desenvolvimento. Com o trabalho o

homem se reconhece parte de um todo e é reconhecido por aqueles que

integram, igualmente, esse todo. “No vínculo que o liga à pessoa, o

trabalho é dever (...); não um dever que sofre limitações, mas um dever

que todos convoca a ser, que não admite privilegiadas exceções. Se

pessoa nos tornamos no trabalho, se ser pessoa é dever, o trabalho é

dever. A rigor deste raciocínio não se foge, não se subtrai. Todos devem

trabalhar. Nem se pode distinguir trabalho de trabalho, reserva-se a gente

para um trabalho não penoso e intelectual e fugir de um trabalho penoso

e manual.46

45 CIAVATTA, M, O conhecimento histórico e o problema teórico-metodológico das mediações – em Frigotto.

G e Ciavatta, M. Teoria e Educação no Labirinto do Capital. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p.143.

46 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr,

2000, p. 103-104.

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E utilizando dos ensinamentos de Battaglia continua Souto Maior na analise do

trabalho como direito e dever social, observemos:

A todos esses deveres correspondem direitos. “Do fato de ser o trabalho

um dever absoluto e inderrogável para o homem, segue-se logicamente

que o trabalho é, outrossim, um direito. Admitido que o sujeito tenha o

dever moral de desenvolver uma atividade produtiva, resulta que ele tem

também direito a isso, o direito de cumprir aquele seu dever. 47

Na linha dessa reflexão, aponta Jorge Luiz Souto Maior48 o Estado como o

elemento que deve proporcionar trabalho a todos, sendo o trabalho um dever

juridicamente exigível do Estado49, tendo a Constituição francesa de 1948 como

marco ao estabelecer o trabalho com um dever.

A Constituição Federal de 1988 reconhece o trabalho como direito e dever

fundamental social, imprescindível para a inclusão social e distribuição da riqueza.

Em seu artigo 6º, a CF/88 determina o trabalho como um direito social, vejamos:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,

a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,

a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo

nosso)

No artigo 7º elenca os direitos sociais de maneira ampla, na seqüência

encontramos na Carta Política de 1988 outros artigos como o 170 e 193 que

47 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr,

2000, p. 104.

48 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr,

2000, p. 105.

49 Esta expressão é de Felice Battaglia.

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novamente reconhecem o direito social ao trabalho como pressuposto de

efetividade da existência digna, finalidade precípua da ordem econômica.

Os direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 são normas de

ordem pública, caracterizadas pela imperatividade, pela invioliolabilidade, pela

imprescritibilidade, além de, em alguns pontos, conter um modelo programático.

Fato é que tais normas não conseguiram, até hoje, surtir os efeitos almejados em

nossa sociedade que enfrenta as mazelas de uma deficitária distribuição de renda.

A atual conjectura nacional reflete uma tendência mundial que muito preocupa a

todos: a crescente taxa de desemprego somada ao despreparo e à lenta

adaptação do mercado de trabalho às novas tendências de um mundo globalizado

e informatizado.

Neste cenário fica evidenciado que não basta a existência de uma Constituição

com normas que priorizam o trabalho como um direito social, é necessário o

desenvolvimento de uma política voltada para a efetivação dos direitos sociais.

A questão da valorização do trabalho considerado como um valor social não é um

assunto que se resolve apenas com uma legislação extensa (caso da Constituição

brasileira), faz-se necessário também vários outros instrumentos para conferir

efetividade a norma, principalmente através de políticas públicas.

O professor Jorge Luiz Souto Maior ao mencionar sobre a importância do trabalho

no campo da integração social leciona:

O trabalho é da essência humana, no sentido de dever de valorização

pessoal e de integração social, e será ao mesmo tempo um dever e um

direito, na relação do indivíduo com a sociedade e o estado. O direito do

trabalho, que regula o trabalho prestado por uma pessoa a outra, deve ter

por base, portanto, o respeito à essência do trabalho, enquanto dever e

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direito. Nisso consiste a ética do direito do trabalho, e sua existência só

terá sentido na medida em que respeitar isso. 50

50 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr,

2000, p. 102.

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2.3.2 O VALOR DO TRABALHO PARA A FILOSOFIA

Do ponto de vista filosófico, a palavra vem sendo conceituada como uma

“atividade consciente e voluntária do homem, dependente de um esforço” ou como

“a obra moral de um homem moral.” 51

Luigi Bagolini ao fazer menção a respeito do valor do trabalho para filosofia

leciona:

...o trabalho é exaltado como a mais fecunda afirmação da vida humana:

o trabalho, no fundo, é a única dimensão do homem. Não há, portanto,

mistério que transcenda a história.

... Todo trabalho é atividade que, se bem implique uma pena, a implica

para superá-la mediante o senso da conquista. No trabalho está a

liberdade. Merece a liberdade e a vida quem todo dia consegue

conquistá-las. 52

E prossegue Bagolini citando Croce, vejamos:

Croce parece opor-se inicialmente à opinião daqueles que pensam que o

trabalho seja “essencialmente pena e dor”. Para ele o trabalho é, pelo

contrário, “essencialmente alegria, alegria de viver; e, até mesmo, o viver

e a alegria de viver não é outra coisa senão trabalhar. Trabalham as

próprias crianças, cujos brinquedos são para elas, isto é, são, na

realidade, trabalho. Trabalham até mesmo aqueles que tem por profissão

o prazer, como pode verificar quem os observa atarefados e atentos e

51 NITTI, Francesco. Apud MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,

1971, p.133. 52 BAGOLINI, Luigi. O Trabalho na Democracia- Filosofia do Trabalho. São Paulo: LTr, 1981, p.34.

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diligentes em coisas que para nós não passam de inépcias. Não trabalhar

é enfastiar-se, definhar, morrer. 53

O trabalho como categoria filosófica é a assimilação prática dos fenômenos dos

processos da natureza, em cujo resultado criam-se coisas indispensáveis à

natureza humana.54

Mas o trabalho, que é o objeto de regulamentação pelo Direito

do Trabalho, é a atividade produtiva ou improdutiva do trabalhador livre, que

vende sua força de trabalho .55

Neste momento, interessante destacar a colocação de Suzana Albornoz:

No dicionário filosófico você poderá encontrar que o homem trabalha

quando põe em atividade suas forças espirituais ou corporais, tendo em

mira um fim sério que deve ser realizado ou alcançado. Assim, mesmo

que não se produza nada imediatamente visível com o esforço do estudo,

o trabalho de ordem intelectual correspondente àquela definição tanto

quanto o trabalho corporal, embora seja este que leve a um resultado

exteriormente perceptível, um produto concreto ou uma mudança de

estado ou situação.

Todo trabalho supõe tendência para um fim e esforço. Para alguns

trabalhos, este esforço será preponderantemente físico; para outros,

preponderantemente intelectual. Contudo, parece míope e interesseira

esta classificação que divide trabalho intelectual e trabalho corporal. A

maioria dos esforços intelectuais se faz acompanhar de esforço corporal;

uso minhas mãos e os músculos do braço enquanto datilografo estas

páginas, que vou pensando. E o pedreiro usa sua inteligência ao

empilhar com equilíbrio os tijolos sobre o cimento ainda não solidificado.56

53

BAGOLINI, Luigi. O Trabalho na Democracia- Filosofia do Trabalho. São Paulo: LTr, 1981, p. 36. 54 BAGOLINI, Luigi. O Trabalho na Democracia- Filosofia do Trabalho. São Paulo: LTr, 1981, p. 36. 55 BAGOLINI, Luigi. O Trabalho na Democracia- Filosofia do Trabalho. São Paulo: LTr, 1981, p. 36. 56 ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 11.

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Albornoz citando o alemão Max Scheler menciona que o referido filósofo distinguia

três sentidos da palavra trabalho, sendo:

... o de uma atividade humana, às vezes também animal ou mecânica

(“esta máquina trabalha bem”; “este burro faz um bom trabalho”); o de

produto coisificado de uma atividade (“este quadro é um belo trabalho”;

“este livro é um trabalho bem acabado”); e o de uma tarefa ou fim apenas

imaginado (“resta-nos muito trabalho para fazer um democracia no

Brasil”).57

O estudo filosófico da expressão trabalho é voltado para o homem, para o espírito,

para o plano ético, buscando avaliar como o trabalho lhe é imprescindível, e

questionando por que o homem trabalha, qual a destinação do trabalho e qual a

finalidade do trabalho. 58

Bataglia destaca a ética social ao trabalho:

No trabalhar, ou melhor, na atividade, o homem sai de si próprio; a

satisfação das necessidades o induz a invadir a solidão e a procurar,

pois, as coisas, e , mais do que as coisas, os outros. Os outros ele

reconhece na mesma dignidade de que encontra investido,

reconhecendo-os como sujeitos na ordem ética. Se reconhece os outros,

exige ser reconhecido conforme a uma exigência de paridade e de

reciprocidade. Sente, em conclusão, e reconhece a si e aos outros

associados, dá sentido, numa relação que é forma transcendental, ao

mesmo tempo de convivência e de colaboração.59

57 ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 13.

58 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr,

2000, p. 91. 59 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 119.

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Percebe-se que a filosofia despreza, grosso modo, o resultado do trabalho

humano que é a produção que gera o lucro. Ao contrário, preocupa-se com o

sentido do trabalho para o homem, com o aspecto moral e ético do trabalho e,

principalmente, com a dignificação do trabalho.

Não significa que a filosofia despreze o resultado do trabalho humano, muito pelo

contrário, valoriza tudo que o ser humano produz. O ponto crucial para a filosofia

é o homem, o trabalho executado e o sentido do trabalho. Assim, para a filosofia,

questões como mais-valia, cumulação de riquezas dentre outros aspectos

econômicos padecem de interpretações e fogem demasiadamente do estudo

filosófico.

Filosoficamente, portanto, o trabalho há de ser o centro dos valores numa visão

ideal do Estado Moral, nele ínsito o Estado de Justiça, valores estes que, embora

estejam no centro dos problemas econômicos, deveriam constituir “o progresso

geral da força complexiva de trabalho, derivada do total desenvolvimento de suas

potenciais capacidades”, de modo a conferir a todos os trabalhadores de

“participar do aperfeiçoamento geral da produtividade, da satisfação profissional,

da segurança e do tempo livre”. 60

60 FERRARI, Irany, NASCIMENTO, Amauri Mascaro, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História di

Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Homenagem a Armando Casimiro Costa. São

Paulo: LTr, 1998, p. 119.

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2.3.3 O VALOR DO TRABALHO PARA A ECONOMIA

O trabalho sob o prisma econômico é considerado como “toda energia humana

empregada, tendo em vista um escopo produtivo.61

Diante desse conceito, Evaristo de Moraes esclarece que:

É óbvio que se encontram aí incluídas todas as manifestações do

trabalho econômico, material, técnico ou intelectual; no setor primário

(rural), secundário (atividade manufatureira ou industrial) e terciário

(serviços de qualquer espécie). Deixamos de lado a querela do trabalho-

valor: para nós, todo o trabalho é útil e produtivo, desde que dentro do

tráfico econômico, parte integrante do aparato ou do equipamento

civilizador do homem. 62

Suzana Albornoz traz à baila um comentário pertinente sobre o valor do trabalho

para a economia:

Também no século XVIII, os economistas clássicos – Adam Smith e

David Ricardo, especialmente – se caracterizam pela exaltação da

atividade material produtiva que percebem na sociedade burguesa. A

eles se reconhece o mérito de haver enxergado no trabalho humano a

fonte de toda riqueza social e de todo valor. Mas os economistas viram o

trabalho humano apenas por sua utilidade exterior e não por seu

entrosamento com o homem. Dissociaram o operário do homem concreto

que ele é: ou seja, fizeram uma imagem de homem apenas como homo

61

NITTI, Francesco. Apud MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,

1971, p. 133. 62 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960,

p. 133.

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oeconomicus. O conceito de atividade material transformadora da

realidade natural fica reduzido a um conceito econômico, o que é

incompleto. Contudo, esta descoberta do trabalho humano como fonte de

todo valor e riqueza põe nas mãos da filosofia um valioso instrumento

para repensar a praxis63

humana.64

As diversas teorias existentes na economia que tratam do trabalho e do seu valor

vêem o ser humano apenas como um instrumento gerador de riquezas, deixando

de lado toda analise pertinente ao homem que trabalha, questões como bem-

estar, satisfação pessoal do obreiro, dentre outras questões assaz importante

ficam descartadas. Tudo isso porque a economia quer resultados, e empresa quer

enfrentar a competitividade com menores preços, produção enxuta, lucros e mais

lucros.

Neste contexto, o homem deixa de ser o foco e passa a ser instrumento

necessário para o capitalista.

Sabedores da existência de infinitas teorias econômicas que abordam o sentido do

trabalho para a economia será considerado, neste ponto, apenas as idéias

trazidas por Adam Smith (1723-1790), economista escocês e de Karl Marx (1818-

1883).

A obra mais famosa que Adam Smith escreveu foi “A Riqueza das Nações:

investigações sobre a natureza e suas causas”, onde buscou estabelecer os

fatores que produziam o aumento da riqueza na sociedade.

63 ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 61 – 62. O Termo práxis aí aparece

de modo bem distinto do termo original, do conceito grego de práxis como ação pura, do discurso, da política,

que determina em si mesma, e não produz objetos. Praxis no sentido marxista corresponde talvez mais

aproximadamente ao poiesis grego: atividade produtiva, fabricação. Pelo menos, elabora uma síntese de poiesis e

práxis no sentido tradicional. 64 ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 61.

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Smith foi considerado um dos maiores teóricos do liberalismo clássico,

estabeleceu a figura da “mão invisível” como resultado do funcionamento

sistemático das leis naturais.65

Entendia Adam Smith que a “mão invisível” agia no mercado gerando a livre

concorrência atendendo os interesses particulares e promovendo harmonia e

felicidade humanas.66 Tudo isso, rejeitando a ação interventiva do Estado na

economia para satisfazer os interesses econômicos da burguesia inglesa.67

Adam Smith reconhecia que na sociedade capitalista as diferentes condições de

propriedade eram a base para as divisões de classes, determinante do status

econômico-social dos indivíduos. Defendia, no entanto, que essa divisão de

classes dependia do trabalho, meio exclusivo para a criação de valor ou de

riquezas em sociedade. Dessa maneira, reconheceu que os fatores propriedade

da terra e do capital é que determinavam a diferença das classes capitalistas e

proletária. 68

Nessa linha do pensamento econômico, o trabalho era vislumbrado como a fonte

da riqueza dos homens, da nação. Já o aumento da produtividade era visto como

resultado da divisão do trabalho. Dessa forma, sustenta Smith:

O Trabalho foi o primeiro preço, a moeda de troca original, que pagava

todas as coisas. Não era com ouro ou prata, mas pelo trabalho, que toda

a riqueza do mundo foi originalmente adquirida; e este valor, para

aqueles que o possuem, e que querem trocá-lo por alguma nova

65 HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª ed.. Rio de

Janeiro: Campus, 1981. p. 64. 66 HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª ed.. Rio de

Janeiro: Campus, 1981. p. 64. 67 SANDRONI, Paulo (Cons.). Dicionário de Economia. São Paulo: Nova Cultura, 1987. p. 404. 68 HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª ed.. Rio de

Janeiro: Campus, 1981. p. 68.

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produção, é precisamente igual à quantidade de trabalho que lhes

permite comprar ou comandar. 69

Smith considerava o trabalho determinante do valor de troca, ou seja, a

quantidade de trabalho empregado deveria suportar a demanda pretendida,

recompensa pela força humana empregada. 70

No entanto, nem sempre o trabalho como valor de troca corresponde ao valor da

mercadoria almejada, capaz de oferecer realização das necessidades do ser

humano. Neste passo, Smith comenta:

Quando a quantidade de qualquer mercadoria que é trazida ao mercado

está aquém da demanda efetiva, todos os que estão dispostos a pagar

todo o valor da renda, salários e lucro, não poderão ser supridos com a

quantidade que desejam. Além de apenas desejá-la, alguns estarão

dispostos a dar mais por elas. Uma competição imediatamente começará

entre eles, e o preço de mercado subirá mais, ou menos, acima do preço

natural, de acordo com a magnitude da deficiência, ou com a riqueza e

capricho dos competidores, que anime mais ou menos a cobiça da

competição. Entre competidores de mesma riqueza e luxo, a mesma

deficiência dará ocasião para uma competição mais ou menos cobiçosa,

conforme a aquisição da mercadoria seja de mais ou menos importância

para eles. Daí o preço exorbitante das necessidades da vida durante o

bloqueio de uma cidade, ou a fome. 71

A despeito de considerar o trabalho a única medida universal e precisa de valor,

bem como identificar o trabalho como a moeda de troca original do sistema de

69 SMITH, Adam. Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações. Trad. e sel. Norberto de

Paula Lima. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1986, p. 32. 70 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 119. 71 SMITH, Adam. Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações. Trad. e sel. Norberto de

Paula Lima. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1986, p.119-120.

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produção capitalista, Smith assevera que não é pelo trabalho que as mercadorias

são geralmente avaliadas pelo sistema capitalista.

Outro giro, temos a colocação de Adam Smith que abranda a atribuição do valor

de uso como fator de avaliação dos preços, vejamos:

A palavra valor, deve ser observado, tem dois significados diversos, e por

vezes expressa a utilidade de algum objeto particular, e por vezes o

poder de adquirir outros bens, que a posse daquele objeto proporciona.

Um pode ser chamado valor de uso, o segundo, valor de troca. As coisas

com maior valor de uso freqüentemente tem pouco ou nenhum valor de

troca; e, pelo contrário, aquelas que tem o maior valor de troca,

freqüentemente tem pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil que

a água, mas dificilmente com ela se comprará algo.72

Um diamante, pelo

contrário, dificilmente tem utilidade, mas uma grande quantidade de

coisas pode amiúde ser trocada por ele. 73

Em Karl Marx o trabalho do homem é concebido como algo integrante da estrutura

da vida em sociedade, considerando que o homem desde os primórdios

necessitou do trabalho para produzir seus objetos e garantir o sustento próprio e

da prole.

Nesse processo, os homens passaram a depender uns dos outros, e tempo

depois foram estabelecidos as relações sociais de produção. E nessa dinâmica

das relações sociais de produção, o trabalho individual integra-se ao trabalho

social. 74

72 Na atualidade, em decorrência das mudanças climáticas provocadas pelo homem, que excedeu no modo de

utilização da natureza, temos a água como um bem precioso, objeto inclusive de discussões internacionais

com o objetivo de resguardar esse bem – a água- para as futuras gerações. 73 SMITH, Adam. Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações. Trad. e sel. Norberto de

Paula Lima. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1986, p. 31. 74 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 127.

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Citando Karl Marx, Gabriela Delgado menciona que o valor de uma mercadoria

está também determinado pela quantidade de trabalho nela incorporada, e

transcreve:

Sabemos que o valor de toda mercadoria se determina pela quantidade

de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho

socialmente necessário para sua produção. Este critério vale também

para o produto que vai parar nas mãos do capitalista como resultado do

processo de trabalho. 75

Nesse relevo, Gabriela Neves Delgado tece a ponderação a seguir:

Na compreensão da identidade social do homem é indissociável o

conceito de trabalho humano, já que o ser social revela-se

potencialmente pelo trabalho. Identificar o homem trabalhador enquanto

indivíduo social é garantir-lhe espaço de relação com outros homens que

também disponham da força de trabalho. Dessa maneira, é concedida ao

homem a possibilidade de formação de sua identidade, pelo trabalho.76

Segundo o pensamento do materialismo histórico de Karl Marx somente o trabalho

do operário seria elemento criador de valor.

Enfim, insta esclarecer que o sentido mais coerente que deve ser empregado à

palavra trabalho é a dignidade que confere ao trabalhador, constituindo-se um

equívoco analisar o trabalho ora em sua dimensão apenas filosófica, ora na sua

dimensão econômica; deve-se, porém, efetuar uma interpretação conjunta das

diversas teorias em torno do elemento trabalho, retirando todo conteúdo que

desumaniza o trabalho e elevando todos os aspectos que dignificam o trabalho e o

homem que trabalha.

75 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 127. 76 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 134.

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3. O ESTADO LIBERAL E O ABSENTEÍSMO DISCIPLINATÓRIO DO

TRABALHO

O Estado Liberal institucionalizou-se após a Revolução Francesa de 1789, no final

do século XVIII. Os revolucionários tinham por lema a Liberdade, a Igualdade e a

Fraternidade, que resumiam os autênticos desejos da burguesia, quais sejam: a

liberdade individual para a expansão dos seus empreendimentos e a obtenção do

lucro; igualdade no aspecto jurídico e fraternidade visando o apoio dos

camponeses na referida revolução.

Ressalte-se que a igualdade almejada pelos burgueses era tão-somente a

igualdade formal, na qual se buscava a submissão de todos perante a lei. Contudo

que a igualdade tão-somente formal somada ao absenteísmo do Estado Liberal

diante as questões sociais foram palco fértil para a expansão do capitalismo, cuja

preocupação nuclear não ultrapassava a cega obsessão do lucro pelo lucro,

visando sempre a uma progressiva acumulação de riquezas.

Enquanto a burguesia, a realeza e a nobreza manipulavam a economia ao seu

favor, a classe trabalhadora, que foi usada no processo revolucionário, vivia em

condições miseráveis, entregues à própria sorte77. Fica claro que a burguesia, a

realeza e a nobreza não se ocuparam em momento algum na defesa das

questões sociais, principalmente da questão da classe trabalhadora, e o Estado

“não podia” intervir, afinal de contas o que se pregava naquela época era

exatamente a não intervenção estatal, tanto na economia quanto nas relações

77 O lema próprio dos liberais foi resumido na expressão “find them, leave them” (encontre os homens e

deixe-os); vale dizer: o Estado deveria deixar o homem livre para que ele, só por si, alcançasse os frutos dessa

liberdade, em todos os setores da vida social, inclusive no campo do trabalho. Não é despiciendo afirmar que

o resultado foi catastrófico – muitas, inúmeras pessoas miseráveis, formando um verdadeiro contigente de

excluídos.

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sociais. Resta evidente, portanto, que o cenário estatal era propício para o

alojamento e a permanência das mazelas sociais.

Neste momento, a classe burguesa emergente detinha o poder econômico,

enquanto a realeza e a nobreza dominavam o poder político. Com este cenário,

fica fácil compreender que a elevação do princípio da não intervenção do Estado

na economia pelos burgueses não foi por acaso, na verdade, tinha um objetivo

concreto e perceptível, qual seja, evitar a interferência dos antigos monarcas e

senhores feudais nas estruturas econômicas.

O que os burgueses almejavam com essas estratégias era a obtenção da garantia

da liberdade individual para expandirem seus negócios e obterem lucros (mais

valia), sem qualquer ingerência do plano econômico, assim como no plano

jurídico.

Já os capitalistas em ascensão estavam utilizando do lema liberdade a seu favor,

ditando na economia a prática da auto-regulação do mercado. E ainda, com a

meta de expandir seus domínios econômicos, pregavam a idéia da intervenção

mínima Estatal78, defendendo sempre a ordem natural da economia de mercado.

Neste período, o que prevalecia era a figura absenteísta do Estado. A propósito,

vejamos a pertinente observação do Professor César Fiuza:

O século XIX foi de intenso liberalismo, como dito, arrefecido no século

XX. Assim, pode-se bem imaginar que algumas adversidades que

tornavam certos contratos extremamente injustos para uma das partes

não justificassem seu inadimplemento. Ora, o lema do liberalismo era o

da não-interferência do Estado, e os contratos, uma vez celebrados,

78 Intervenção Mínima Estatal- Estado Mínimo. Um dos construtores da matriz econômica liberal que se

destacou foi Adam Smith (1723-1790) - defendia a teoria da “mão invisível” que regia o mercado e que o

trabalho era a fonte de riqueza que norteava toda a sociedade.

Gabriela Neves Delgado menciona em seu livro Direito Fundamental ao Trabalho Digno que o Estado Liberal

teve em John Locke o “pai do individualismo liberal” e que o parâmetro era a não-intervenção estatal nas

questões econômicas e sociais.

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tornavam-se lei entre as partes, tendo que ser cumprido custasse o que

custasse. Era o princípio da autonomia da vontade em todo seu vigor. A

vontade livre, no sentido kantiano, era soberana, e, dada a presunção de

igualdade entre as partes, o acordo contratual vinculava às últimas

conseqüências. É fácil deduzir que várias pessoas foram levadas à

ruínas por tal princípio.79

O aspecto social no Estado Liberal foi ignorado e com a Revolução Industrial em

efervescência, a questão social que carecia de atenção foi mais uma vez ultrajada,

haja vista que os trabalhadores foram submetidos a condições desumanas e

degradantes em decorrência da prevalência do princípio da autonomia da vontade.

Neste período, não existiam normas que regulassem de forma específica as

relações de trabalho e o que vigorava era o Direito Civil. As questões referentes

ao contrato de trabalho eram tratadas de maneira individualista; na prática, o

contrato de trabalho era equiparado aos contratos bilaterais tradicionais civilistas,

nos quais se relacionavam partes iguais.

Paulo Bonavides80 refere-se ao Estado Liberal como sendo uma lição da História,

uma úlcera da sociedade, uma página de escuridão que cobre as ruínas do

passado.

79 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p.411. 80 BONAVIDES, Paulo, Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p 21.

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52

3.1 O TRABALHO REGULADO PELO CÓDIGO CIVIL

A matriz de origem do Direito do Trabalho é o Direito Civil, em especial, seu

segmento regulatório das obrigações. Em conseqüência, permanecem inevitáveis

as relações entre os dois campos do direito.81

Fato incontestável é que o Direito do Trabalho ao longo dos tempos foi firmando

suas peculiaridades que acabaram por gerar sua autonomia frente aos outros

ramos do direito, o que via de conseqüência gerou a separação das duas esferas

jurídicas, quais sejam: Direito Civil e Direito do Trabalho.

Seguindo este entendimento leciona Maurício Godinho:

Contudo, ainda assim, há importantes institutos, regras e princípios do

Direito Civil que preservam interesse à área justrabalhista.

Ilustrativamente, os critérios de fixação de responsabilidade civil, fundada

em culpa, que se aplicam a certas situações de interesse trabalhista

(veja-se o caso da responsabilidade do empregador em vista de dano

acidentário – art. 7°, XXVIII, CF/88). É claro que avanços verificados no

plano civilista podem, sem dúvida, atingir também o ramo juslaboral, se

houver a necessária compatibilidade de segmentos jurídicos. Nesta linha,

a tendência do novo código civil de objetivar, em certa medida e em

determinadas situações, a responsabilidade do empregador perante seu

empregado, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do

dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”

(parágrafo único do art. 927 do CCB/2002, vigorante desde 11.01.2003.82

81 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2008. p.78. 82 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2008. p.78.

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Outro ponto assaz importante é que, na seara laboral, existe uma teoria de

nulidades própria, que é até pela natureza do Direito do Trabalho distinta da teoria

civilista de nulidades, o que, porém, não exclui a utilização da teoria civilista de

nulidades, em certos aspectos e com adaptações no campo laboral.

A velha matriz do Código Civil ainda aplica-se em algumas situações de vícios nos

elementos constitutivos do contrato de trabalho. É o que se passa no tocante à

ilicitude do objeto do contrato empregatício.83

Esse tipo de relação verifica-se também no que tange à hierárquica de normas

justrabalhistas. Embora o Direito do Trabalho também tenha elaborado teoria

própria, muito distinta da oriunda do Direito Civil, esta ainda preserva-se influente

em certos casos de conflitos de regras jurídicas na seara juslaboral.84

O Direito Civil é fonte subsidiaria do Direito do Trabalho, em situações de lacunas,

conforme preceitua o artigo 8°85 do consolidado. Cabe notar, porém, que a

aplicação da regra civilista não tem o condão de revogar regra juslaborativa

especial: é que, em tal caso, não terá havido lacuna, inviabilizando a analogia

pretendida; além disso, a regra especial não se invalida, por força do surgimento

de regra geral distinta, do mesmo modo que não tem aptidão para influir no campo

de atuação desta.86

83 Note-se que a ilicitude do objeto do contrato de trabalho está irritamente ligada ao tipo de serviço prestado

pela pessoa física, e não ao empreendimento em si, de modo que ocorre um alargamento da preservação do

vínculo empregatício. Ademais, existe uma tendência doutrinária e jurisprudencial de tolerância com relação a

algumas atividades – jogo do bicho e garotas de programa, dentre outras. 84 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2008. p.79. 85 Artigo 8º da CLT: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou

contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e

normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o

direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o

interesse público. Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em

que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. 86 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2008. p.79.

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3.2. O CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

No mundo sociojurídico, existem inúmeros contratos que têm como elemento

central ou relevante de seu objeto a prestação de serviços por uma pessoa natural

a outrem. 87

O contrato de emprego ou de trabalho, a locação de serviços, a empreitada, a

representação comercial, o mandato, a sociedade e a parceria são modalidades

de contrato de atividade, expressão utilizada por Jean Vicent88 para designar todos

os contratos nos quais a atividade pessoal de uma das partes constitui objeto da

convenção ou uma das obrigações que ela comporta.

Será objeto de estudo apenas o contrato de prestação de serviço, analisado

paralelamente e comparativamente ao contrato empregatício, haja vista a tênue

distinção entre ambos, em especial se considerarmos que tal distinção está

basicamente centrada na subordinação.89

Por força da tradição romana, o contrato de prestação de serviço também é

alcunhado como contrato de locação de serviço, que é um contrato, por intermédio

do qual uma parte se obriga a fornecer a outra parte a prestação de sua atividade,

mediante uma contraprestação remuneratória, porém, sem vínculo empregatício.

O professor Maurício Godinho Delgado aduz que a prestação de serviços é o

contrato mediante o qual uma (ou mais) pessoa(s) compromete(m)-se a realizar

87 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2008. p.584. 88

VICENT, Jean. Op cit, p. 27 Apud GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson Op cit, p.117. 89A subordinação jurídica tem sido a pedra de toque do contrato de emprego. No passado, ela era

acentuadamente subjetiva, vale dizer, expressava-se por comandos diretos ao prestador de serviços. Hoje, ela

ganhou novos contornos, estando em destaque a denominada subordinação objetiva, integrativa ou reticular.

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ou mandar realizar uma ou mais tarefas para outrem, sob a imediata direção do

próprio prestador e mediante uma retribuição material especificada.

Fato é que o contrato de prestação de serviço guarda similitudes com o contrato

de trabalho. De um lado, o contrato de trabalho, regulamentado pela CLT e pela

legislação complementar. Do outro lado, a prestação de serviço, regulamentada

pelo Código Civil. 90

O contrato empregatício para ter validade jurídica deve reunir os cinco elementos

fático-jurídicos constitutivos91, quais sejam: prestação de trabalho por pessoa física

a outrem, com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e sob subordinação.

É certo que paralelamente aos elementos fático-jurídicos retro-mencionados, o

contrato empregatício também deve observar os elementos essenciais do

contrato, elencados no artigo 10492 do Código Civil que assim dispõe:

A validade do negócio jurídico requer:

I- Agente capaz;

II- Objeto lícito, possível, determinado ou determinável:

III- Forma prescrita ou não defesa em lei.

No entanto, ao observar os elementos clássicos formais de validade contratual

civilista no campo juslaboral, há que se preservar as peculiaridades ou adaptá-las.

Para Godinho está claro que o fenômeno da relação de emprego somente se

completa, do ponto de vista de seus efeitos jurídicos, se reunidos, no vínculo

examinado, não só os elementos fático-jurídicos, como também os jurídico-formais

90

FIUZA, César, Direito Civil: Curso Compelto. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p.535. 91 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2008. p.305. 92 CAHALI, Yussef Said, Constituição Federal . Código Civil. Código de Processo Civil. Código Comercial.

9 ed. Ver., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.245.

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do respectivo contrato. Verificada a reunião dos elementos fático-jurídicos, a

relação de emprego existe. Entretanto, se não confirmada a presença (ou

regularidade) de todos os elementos jurídico-formais do correspondente contrato,

a relação de emprego pode se tornar impotente para provocar efeitos no mundo

jurídico.

De forma exemplificativa, Godinho demonstra com maestria que a falta ou defeito

dos elementos jurídicos formais pode alterar a resposta jurídica na ordem laboral,

vejamos:

Aquele que trabalhar onerosamente, com pessoalidade, não-

eventualidade e sob subordinação, para um tomador de serviços

diretamente envolvido na atividade de contrabando ou tráfico de drogas –

objetos ilícitos-, realizando, assim, trabalho ilícito, não terá reconhecido,

pelo Direito, o vínculo firmado com o tomador dos serviços, para fins de

repercussão trabalhista. Nesse tipo de situação extremada (atividade

francamente ilícita), a negativa de efeitos justrabalhistas será total (não

obstante a presença dos elementos fático-jurídicos da relação de

emprego): é que a gravidade do defeito de um dos elementos jurídico-

formais do pacto é tamanha que não se autoriza qualquer respaldo

jurídico à relação estabelecida entre as partes.

Observe-se, por outro lado, a situação de contratação empregatícia da

criança e do adolescente. Como se sabe, tal pactuação é proibida antes

de 16 anos (ou 14, se tratar de aprendiz), a teor do art. 7°, XXXIII, da

Carta Constitucional de 1988. Ora, se existente, na prática, o contrato

irregular, pagar-se-ão ao empregado menor todas as parcelas cabíveis;

contudo, imediatamente deve-se extinguir o vínculo, ope judicis, em face

da vedação constitucional. Neste caso, a capacidade obreira é que não

foi respeitada. Não obstante o vício em um dos elementos jurídico-

formais do contrato, todos os efeitos trabalhistas devem lhe ser

reconhecidos, em face da tutela justrabalhista ter sido construída

exatamente para proteger a criança e o adolescente – e não ampliar a

perversidade de sua exploração.93

93 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2008. p.306-307.

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57

Resta evidente que, diante da situação fática laboral, o que será sopesado serão

os valores sociais e o valor-trabalho para definir a validade contratual laboral,

assim com a extensão de direitos.

O contrato de prestação de serviços, disciplinado pelos artigos 593 a 609 do

Código Civil de 2002, estende-se a toda espécie de serviço ou trabalho lícito,

material ou imaterial, não sujeita às leis trabalhistas ou à lei especial.

Se o serviço for prestado por quem não possui habilitação ou não satisfaz os

requisitos estabelecidos em lei, não poderá o prestador cobrar a retribuição

normalmente correspondente ao trabalho executado. Se, entretanto, desse

trabalho adveio benefício para a outra parte, o juiz fixará retribuição razoável em

favor de quem o executou de boa-fé, exceto se houver proibição da prestação de

serviço em virtude de lei de ordem pública.

A prestação de serviços não poderá ser convencionada por mais de quatro anos,

conforme preceitua o artigo 598 do Código Civil. O período em que o prestador,

por sua culpa, deixou de servir, não será computado na duração do contrato.

Decorrido esse prazo, o contrato dar-se-á por findo, ainda que não concluída a

obra. Se rompido o contrato a prazo sem justa causa, o prestador de serviço fará

jus à retribuição, pela metade, do que lhe seria devido até o final do contrato. Se

pedir demissão ou for despedido por justa causa, fará jus à retribuição vencida,

mas responderá por perdas e danos.

Não havendo prazo estipulado, qualquer das partes, a seu arbítrio, poderá romper

o ajuste mediante prévio aviso. Pelo que se pode observar, a prestação de

serviços guarda semelhanças com o contrato de trabalho, principalmente quanto

aos efeitos, porém o traço que o difere, é a subordinação jurídica, ausente na

prestação de serviços, que se realiza sempre com autonomia.

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Sendo a prestação de serviços pactuada efetivamente por pessoa jurídica, tais

tipos de contrato irão se afastar da relação de emprego e, até mesmo, do próprio

conceito de relação de trabalho.

César Fiuza ao mencionar sobre a tênue diferença entre o contrato de trabalho

que gera vínculo empregatício e o contrato de prestação de serviço leciona:

Já a prestação de serviço não gera qualquer vínculo trabalhista, não

possuindo necessariamente tais características. Assim é que não será

obrigatoriamente contínua; o prestador de serviços, normalmente

chamado de contratado, não depende obrigatoriamente do tomador

(contratante) para sua sobrevivência econômica e, principalmente, não

há a mesma subordinação que no contrato de trabalho, ou seja, não há

completa hierarquia entre eles, apesar de o prestador trabalhar sob a

fiscalização e orientação do tomador. 94

Por outro lado, é bom lembrar que existe alguma forma de ingerência no prestador

de serviço pelo tomador, mormente no que se refere aos direitos de direção e

controle, mas não é igual ao contrato de trabalho. 95

No entanto, essa ingerência não pode ser desvirtuada, sob pena de

caracterização da subordinação e do conseqüente deslocamento do eixo de tutela

jurídica.

Por derradeiro, insta mencionar a explicação do professor Fiuza sobre o disposto

no artigo 595 do Código Civil:

94 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p.535. 95 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p.535.

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O Código Civil, por sua vez, no art. 593, divide a prestação de serviços

em prestação lato sensu e stricto sensu. Lato sensu é toda forma de

prestação de atividade, aí incluído o contrato de trabalho subordinado.

Stricto sensu é a prestação de serviço regida pelas normas de Direito

Comum (Direito Civil). Segundo o referido artigo, “a prestação de serviço,

que não tiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas

disposições deste Capítulo”. Em outras palavras, estão fora do âmbito do

Código Civil o contrato de trabalho subordinado e, em regra, as relações

de trabalho com o Estado.96

96 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P.536.

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3.3 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

Existem princípios do Direito Civil aplicáveis ao Direito do Trabalho. São válidos

para ambos os ramos do Direito, embora em determinadas ocasiões possuam tais

princípios um caráter especial no Direito do Trabalho. Assim ocorre com o

chamado princípio da autonomia da vontade, porque também nas relações de

trabalho não se nega o poder dos indivíduos de suscitar, por meio de declaração

de vontade, efeitos reconhecidos e protegidos pelo ordenamento jurídico, quer

pela vontade una, quer pelo consenso de vontades.97

Existem princípios do Direito Civil aplicáveis ao Direito do Trabalho. São válidos

para ambos os ramos do direito, embora que em determinadas ocasiões possuam

tais princípios um caráter especial no Direito do Trabalho. Assim ocorre com o

chamado princípio da autonomia da vontade, porque também nas relações de

trabalho não se nega o poder dos indivíduos de suscitar, por meio de declaração

de vontade, efeitos reconhecidos e protegidos pelo ordenamento jurídico, quer

pela vontade una, quer pelo consenso de vontades.

No campo civilista o princípio da autonomia da vontade é considerado um princípio

de extrema importância. Para Fiuza é ele que faculta às partes total liberdade para

concluir seus contratos. Baseia-se na vontade livre, na liberdade de contratar. O

contrato é visto como fenômeno da vontade e não como fenômeno econômico-

social.

César Fiuza98 alude que a autonomia da vontade pode ser exercida em quatro

planos:

97

Insta salientar que o contrato de trabalho é bilateral, embora a sua caracterização possa ocorrer

independentemente da vontade das partes. Normalmente, isso ocorre com os contratos de trabalho

reconhecidos judicialmente. 98 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 398.

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61

1°) Contratar ou não contratar. Ninguém pode ser obrigado a contratar,

apesar de ser impossível uma pessoa viver sem celebrar contratos.

2°) Com quem e o que contratar. As pessoas devem ser livres para

escolher seu parceiro contratual e o objeto do contrato.

3°) Estabelecer as cláusulas contratuais, respeitados os limites da Lei.

4°) Mobilizar ou não o Poder Judiciário para fazer respeitar o contrato,

que, uma vez celebrado, torna-se fonte formal de Direito.

O princípio da autonomia da vontade deve, pois, se limitar à ordem pública e aos

bons costumes, sendo ineficaz o contrato que ultrapassar essas fronteiras. 99

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 444, dispõe que a estipulação

das condições de trabalho é livre em tudo aquilo que não contrarie a ordem

pública, as decisões judiciais e as convenções de trabalho. Contudo, enquanto no

Direito Civil as disposições legais em matéria contratual têm caráter supletivo ou

subsidiário, no Direito do Trabalho elas têm caráter principal, funcionando a

autonomia da vontade de forma complementar. Observe-se ainda a existência no

Direito do Trabalho de processos técnicos para coibir abusos em detrimento do

trabalhador, preservadores do equilíbrio das relações de trabalho.

Enquanto no Direito Civil as normas, em geral, são meramente dispositivas, no

Direito do Trabalho elas são imperativas.100

Fiuza101 entende que o princípio da autonomia da vontade se desdobra em dois

outros princípios: da obrigatoriedade e do consensualismo.

99

FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p.409. 100 Daí a construção do princípio da imperatividade das normas justrabalhistas - o conteúdo mínimo do

contrato possui força cogente. 101 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p.398.

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O princípio da obrigatoriedade contratual - Pacta sunt servanda (força obrigatória

dos contratos), aplica-se também nas relações individuais e coletivas de trabalho

como característica primeira da atividade negocial, da qual resultam cláusulas,

que se inserem no contrato individual de trabalho, e que devem ser cumpridas,

desde que observadas as normas imperativas, artigo 444 - CLT, combinado com

os artigos 7° e 114, parágrafo 2°, da Constituição Federal, este último como

reforço da necessidade de contenção, caracterizada pelo respeito às disposições

mínimas de proteção ao trabalho.

O contrato deve, portanto, ser executado pelas partes nos termos ajustados. As

convenções coletivas têm eficácia pelo período de sua vigência, não se inserindo

definitivamente nos pactos individuais, por força da súmula n° 227, do Colendo

TST. Tal força cogente é estrutura basilar da segurança dos negócios jurídicos

trabalhistas, necessária como condição de estabilidade e de paz nas relações

entre os sujeitos acordantes.

Só se aplica este princípio aos contratos realizados de acordo com a Lei. Os

contratos, bem como as cláusulas contrárias ao Direito, reputam-se ilegítimos,

saindo da esfera do princípio da obrigatoriedade contratual. 102

O princípio da obrigatoriedade contratual possui forte embasamento filosófico-

doutrinário, por isso que se expande por diversos ramos do Direito, inclusive o

Direito do Trabalho.

Os jusnaturalistas divergem em relação aos fundamentos do princípio da

obrigatoriedade contratual, para alguns jusnaturalistas103 os fundamentos se

encontram no contrato social, para outros, as bases do princípio se encontram na

própria natureza humana.

102 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p.399. 103 César Fiuza entende que para a escola jusnaturalista, esse princípio seria indubitavelmente norma de

Direito natural.

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Para os utilitaristas, como Jhering, por exemplo, encontraríamos os fundamentos

do princípio da obrigatoriedade contratual na própria conveniência de respeitar

para ser respeitado. 104

Na visão positivista, os fundamentos estariam no próprio Direito Positivo, ou seja,

o princípio só vigora por estar sacramentado em lei. 105

Segundo a ótica do normativismo Kelseniano, é também a lei o fundamento do

princípio. Este se encontra evidenciado em lei, tendo como substrato outra lei que,

por sua vez, origina-se de outra lei, e assim por diante, até a norma fundamental

(Grundnorm)106, abstrata e sem conteúdo, servindo só para alicerçar o Direito

Positivo. 107

Para Kant, o princípio da obrigatoriedade contratual funda-se na própria liberdade

de contratar: o contrato obriga por terem as partes assim combinado. 108

Pertinente a colocação de Fiuza:

Modernamente, a obrigatoriedade contratual encontra seus fundamentos

na Teoria Preceptiva, segundo a qual as obrigações oriundas dos

contratos obrigam não apenas porque as partes as assumiram, mas

porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada,

por suas conseqüências econômicas e sociais. A esfera contratual é

104 JHERING. Estudios jurídicos (Del interés en los contratos), p. 23 apud FIUZA, César, Direito Civil:

Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 399. 105 NERSESSYANTS et al. Istorya, cit., p. 572 apud FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed.

Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 399. 106 A expressão Grundnorm é uma teoria desenvolvida por Hans Kelsen que considera o ordenamento jurídico

como um complexo de relações normativas escalonadas, na base do qual e como ponto de apoio de todo

sistema estaria a norma fundamental ou, em alemão a Grundnorm. A Grundnorm, dentro da Pirâmide

Euclidiana de Kelsen, seria a Constituição Federal, em nossa realidade nacional. Informação obtida através do

site: WWW.clubjus.com.br – Professor Fernando Augusto Ricardo dos Santos.– consulta feita dia 24-04-2009

ás 12:51. 107 KELSEN. Reine Rechtslehre, S. 352 apud FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo

Horizonte: Del Rey, 2008. p. 399. 108 KANT. The science of right. Great Books of the Western World, p. 416 apud FIUZA, César, Direito

Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P. 399. Fiuza considera Kant um dos filósofos

mais importantes no que diz respeito ao princípio da autonomia da vontade e da obrigatoriedade contratual.

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espaço privado, em que as partes, nos limites impostos pela Lei, podem

formular preceitos (normas) para regular sua conduta. A obrigatoriedade

contratual também se baseia no princípio da confiança. Baseado no valor

social da aparência (Betti), o contrato vincula por razões sociais, ou seja,

as partes têm que ter a segurança ou a confiança de que o contrato será

cumprido, mesmo que à força.109

O segundo desdobramento do princípio da autonomia da vontade para Fiuza é o

princípio do consensualismo, que considera os contratos celebrados a partir do

momento em que as partes chegam ao consenso, na conformidade com a lei,

dispensando qualquer formalidade adicional.110

No âmbito contratual existem casos nos quais surge a necessidade de revisão, o

que é admitido, também, na esfera trabalhista.

Trata-se do princípio consubstanciado na cláusula rebuc sic stantibus, que justifica

as exceções que a isonomia exige, impostas como medidas indispensáveis para

que a modificação dos contratos encontre respaldo jurídico quando da alteração

do estado de fato existente no momento da formação dos contratos, indicando a

inafastabilidade da sua alteração.

Convém incluir dentre os princípios do Direito Civil aplicáveis ao Direito do

Trabalho, e em decorrência da natureza sinalagmática dos contratos trabalhistas,

o princípio exceptio non adimplenti contractus em razão do qual nenhum dos

contratantes, antes de cumprida sua prestação, pode exigir o implemento do

outro.

O princípio da autonomia da vontade relaciona-se com o pacta sunt servanda, de

modo que as partes são livres para acordarem o que quiserem, e, justamente por

isso, o contrato deve ser cumprido. Ou, dizendo de outra forma, a autonomia da

109 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 399-400. 110

FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 400.

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vontade somente existe porque o que for pactuado deverá ser cumprido, ainda,

como no caso trabalhista, haja a necessidade de ajustes automáticos do conteúdo

normativo mínimo.

Pode-se, assim, conceituar o princípio da autonomia da vontade como sendo a

possibilidade de, em certos casos autorizados por lei - direitos disponíveis -, as

partes convencionarem, livremente, o que lhes aprouver acerca de seus direitos e

deveres, de maneira que, o que for pactuado será juridicamente exigível, ou, não

sendo a exigibilidade possível, dará ao credor a possibilidade de pedir indenização

por perdas e danos decorrentes do não cumprimento da obrigação

convencionada.

A autonomia da vontade, como todos os outros direitos fundamentais,111 não é

absoluta, sofrendo limitações de ordem pública.

Noutro giro, necessário mencionar que o princípio da autonomia da vontade

ganhou outro enfoque na modernidade ao ser relido dentro do novo contexto

social, sendo certo que o contrato realiza um valor de utilidade social. 112

Nesse contexto, o professor César Fiuza baliza essa releitura113 do princípio da

autonomia da vontade – princípio da autonomia privada:

111 Andrietta Kretz em seu livro “Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais,

publicado em 2005 pela Editora Atual analisa o Princípio da Autonomia da Vontade frente aos direitos

fundamentais, sob uma abordagem civil-constitucional da eficácia e vinculatividade desses direitos nas

relações jurídicas entre particulares, ou seja, nas manifestações da autonomia da vontade e do livre arbítrio,

isso porque, para os particulares, os direitos fundamentais não são somente direitos, mas também deveres a

serem cumpridos em suas relações com os demais indivíduos. A investigação parte da problemática de que a

juridicidade da vontade, somente amparada no Direito Civil, não garante a sua total legitimidade, sendo

necessária uma abordagem civil-constitucional, uma vez que o Estado Brasileiro, ao recepcionar na CRFB/88

temas compreendidos como sendo de Direito Privado (pela tradicional dicotomia público/privado), provocou

transformações importantes no Direito Civil Clássico. O livro apresenta, de maneira inovadora, uma proposta

de caracterização do princípio da autonomia da vontade como direito fundamental, tomando como base

argumentativa a concepção de Constituição Material.

112 FIUZA, César, A Principiologia Contratual e a Função Social dos Contratos. In: LAGE, Emérson José

Alves et al. (coords) Novo código Civil e seus desdobramentos no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

p. 102.

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66

O princípio da autonomia privada consiste na liberdade de as pessoas

regularem, através de contratos, seus interesses, respeitados os limites

legais. Os contratos são um fenômeno da autonomia privada, em que as

partes se impõem normas de conduta. Difere do princípio da autonomia

da vontade, em que o contrato viria de dentro para fora. Seria fenômeno

exclusivamente volitivo. Na autonomia privada, o contrato não vem,

exclusivamente, de dentro; não é fenômeno meramente volitivo. As

pessoas não contratam apenas porque desejam. A vontade é

condicionada por fatores externos, por necessidades, que dizem respeito

aos motivos contratuais. 114

Esta nova interpretação contratual sustenta que os fundamentos da vinculação

dos contratos não podem mais centrar-se exclusivamente na vontade, segundo o

paradigma liberal individualista. Os contratos passam a ser concebidos em termos

econômicos e sociais.115

Nesse diapasão, é salutar o posicionamento do Professor Luiz Otávio Linhares

Renault:

Embora indispensável para o desenvolvimento da vida econômica, o

contrato não pode ser, contudo, a suprema resposta da vontade privada

individual.

113 Dentro dessa releitura César Fiuza acrescenta que a hermenêutica contratual deverá ter como base os

valores consagrados na Constituição Federal, alicerce de nosso ordenamento jurídico. É com fundamento na

dignidade humana, na promoção do ser humano, nos direitos fundamentais, enfim, que o exegeta deverá

interpretar os contratos. Lembremos sempre que a interpretação se dá segundo as circunstâncias de cada caso

concreto, devendo o hermeneuta conjugar os princípios e regras, construindo uma argumentação que

resguarde os valores da dignidade e da justiça. FIUZA, César, A Principiologia Contratual e a Função Social

dos Contratos. In: LAGE, Emérson José Alves et al. (coords) Novo código Civil e seus desdobramentos no

Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 107. 114 FIUZA, César, A Principiologia Contratual e a Função Social dos Contratos. In: LAGE, Emérson José

Alves et al. (coords) Novo código Civil e seus desdobramentos no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

p. 102. 115 FIUZA, César, A Principiologia Contratual e a Função Social dos Contratos. In: LAGE, Emérson José

Alves et al. (coords) Novo código Civil e seus desdobramentos no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

p. 102.

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Impossível fechar-se os olhos à liberdade ilimitada de estruturação do

conteúdo do contrato, que não pode mais ficar ao sabor da renovada

fórmula laisser-faire, laisser-aller, realimentado por um neoliberalismo

globalizante e asfixiante.

Com essa proposta concretista, baseada na utilidade social do contrato,

quebra-se um pouco mais o individualismo contratual, substituindo-se o

indivíduo-indivíduo pelo indivíduo-cidadão, a quem a Constituição Federal

garante diversos direitos, inclusive a dignidade humana. 116

A tendência modernizante em relação aos contratos é a sua expansão em direção

à respectiva função social deste importante instituto jurídico. Assim, se a liberdade

contratual encontra sua razão de ser e seus limites na função social, isso significa

que a finalidade do contrato é tão ou mais importante do que o exercício da

autonomia privada. 117

Diante disso, o professor Renault adverte:

O contrato não pode mais ser um tesouro que se esconde por detrás das

muralhas da autonomia privada individual. Nele não mais é possível

esconder os abismos, os desfiladeiros, as avalanches, que tanto separam

o forte do fraco, o rico do pobre, o incluído do excluído. O movimento

interpretativo tem de ser dinâmico: inicia-se na validade e termina na

eficácia, mas antes tem de passar pelo valor maior da justiça,

axiologicamente assoalhada pela boa-fé e pelo interesse social. 118

116 RENAULT, Luiz Otávio Linhares, O novo Código Civil, a proteção ao emprego e o velho Contrato de

Trabalho. In: LAGE, Emérson José Alves et al. (coords) Novo código Civil e seus desdobramentos no Direito

do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 118-119. 117 RENAULT, Luiz Otávio Linhares, O novo Código Civil, a proteção ao emprego e o velho Contrato de

Trabalho. In: LAGE, Emérson José Alves et al. (coords) Novo código Civil e seus desdobramentos no Direito

do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 121. 118 RENAULT, Luiz Otávio Linhares, O novo Código Civil, a proteção ao emprego e o velho Contrato de

Trabalho. In: LAGE, Emérson José Alves et al. (coords) Novo código Civil e seus desdobramentos no Direito

do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 121.

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É fundamental que os contratos sejam interpretados como instrumento de

promoção da dignidade humana, tendo o indivíduo como cidadão e não como

objeto de negociação, perquirindo sempre acerca da função social do contrato.

Os contratos são instrumentos de movimentação da cadeia econômica, de

geração e de circulação de riquezas. É por seu intermédio que economia se

movimenta. Eles geram empregos, criam oportunidades para a promoção do ser

humano.119

119 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 403.

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3.4 CONSENQUÊNCIAS DECORRENTES DA VISÃO CIVILISTA

O Código Civil Brasileiro de 1916 foi construído nos moldes da visão civilista do

individualismo e arraigado na concepção do absolutismo da autonomia da

vontade.

Vale registrar neste sentido, a abalizada lição do Professor Maurício Godinho

Delgado:

No contexto histórico-social em que se reúnem esses fatores

econômicos, sociais e políticos, o Direito vigorante à época, consistente

no Direito Civil, de formação liberal-individualista, não tinha resposta

jurídica adequada ao fato novo da relação empregatícia. A matriz civilista

clássica tendia a reduzir todas as questões surgidas no interior da

relação de emprego a questões típicas e próprias ao velho modelo de

contrato bilateral. Portanto, questões de natureza civil e contratual,

tratadas sob a ótica individual dos sujeitos isolados da relação

empregatícia – de um lado, o empregador e, de outro lado, o empregado.

Ambos tomados, pelo Direito Civil, como se indivíduos singelos fossem.

Os segmentos sociais dos trabalhadores, a contar da segunda metade do

século XIX, descobriram a ação coletiva, por meio da qual

compreenderam, no transcorrer do processo, que seus dramas,

necessidades e interesses não se aplicavam a partir da ótica

exclusivamente contratual-civil e individual. Esses segmentos,

socialmente dominados e juridicamente subordinados na estrutura do

processo produtivo, passaram a formular, em contraposição ao estuário

jurídico liberal e individualista da época, propostas de normatização de

caráter coletivo, abrangentes do conjunto dos trabalhadores, através de

sua ação sociopolítica, conseguiram contrapor ao sujeito individual

assimilado pelo Direito Civil da época a idéia de sujeito coletivo.120

120 FIUZA, César, Direito Civil: Curso Completo. 11 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 411.

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O Novo Código Civil – Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, procurou afastar-se

da matriz individualista que norteava o diploma anterior para seguir orientação

compatível com a socialização do direito moderno, refletindo a prevaência dos

valores coletivos sobre os individuais e priorizando os princípios éticos. A nova

legislação tende a resguardar a parte mais fraca, dando prevalência ao aspecto

coletivo em detrimento do aspecto individual.

Quando mencionamos a prevalência dos valores coletivos sobre os valores

individuais, esbarramos em teorias e discussões filosóficas, sociológicas, jurídicas,

dentre outras que analisam a relação antitética entre os valores da igualdade e da

liberdade.

Nesta dissertação, porém, o enfoque será o sincretismo proposto pelos

ordenamentos jurídico-político, ou seja, a conciliação entre os valores da

igualdade e da liberdade.

Nesta linha complexa de pensamento, necessário ponderar que igualar naturezas

desiguais implica em intervencionismo restritivo da liberdade individual, com

valorização do coletivo. De outra feita, prestigiar a liberdade significa promover as

regras de direito natural, entre as quais o da prevalência da vontade do mais forte,

que vem a ser a própria negação da igualdade entendida como ideal de justiça

social ou valor coletivo.

Nessa mesma linha de raciocínio, segue a lição de N. Bobbio:

A sociedade de livres e iguais é um estado hipotético, apenas imaginado.

Imaginado como se situando ora no início, ora no fim da história,

conforme se tenha do curso histórico da humanidade uma visão

regressiva ou progressiva. Trata-se de uma sociedade na qual todo

homem é livre na medida em que obedece apenas a si mesmo e, pelo

fato de que essa liberdade é desfrutada por todos, todos são iguais pelo

menos quanto são livres. Ao contrário, uma sociedade histórica pode ser

constituída de homens livres mas não iguais nas respectivas esferas de

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liberdade, assim como de iguais enquanto não são livres, ou, mais

sucintamente, pode ser constituída de desiguais na liberdade e de iguais

na escravidão.121

O resguardo de tais valores, mais que a prevalência de um deles, é visivelmente

sugerida no artigo 421122, do Código Civil que consagra a liberdade de contratar,

sopesada com o imperativo de evitar a exploração através do contrato. Fazendo

uma análise rasa, nota-se que o legislador deixou para o aplicador da lei efetuar a

ponderação dos valores diante do caso concreto.

O direcionismo limitador da liberdade, previsto no artigo 421 do referido Código,

não se limita apenas à questão da observância da função social, como princípio

geral; na seqüência, consagra no artigo 422123, a necessidade dos contratantes

respeitarem os princípios da probidade e da boa-fé.

Todavia, a intenção de apaziguar a convivência entre os dois princípios, quais

sejam: liberdade e igualdade, que são valores já consagrados na história por

revoluções e também por doutrinadores muito antes da elaboração do novo

Código Civil Brasileiro, não é tarefa com solução existente e disponível, muito pelo

contrário, o que temos são apenas conjecturas e inúmeras discussões sobre o

assunto, que por natureza peculiar não se esgota.

Noutro giro, a elevação do valor igualdade parece inquestionável quando se trata

de contrato de adesão previsto nos artigos 423124, e 424125

, do Código Civil, que

seguiu o mesmo parâmetro do Código de Defesa do consumidor, onde o

121 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro,

1997, p. 8 122 Artigo 421 do Código Civil – A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função

social do contrato. 123 Artigo 422 do Código Civil – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,

como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 124

Artigo 423 do Código Civil – Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias,

dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. 125 Artigo 424 do Código Civil – Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia

antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

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legislador criou a presunção de desigualdade entre as partes, elegendo o aderente

no contrato de adesão como a parte presumidamente mais fraca.

Esses dispostos civilistas estipulam regra protecionista de interpretação, com a

prevalência da norma mais favorável ao aderente, e impõe nulidade de cláusulas

que impliquem em renúncia antecipada. Nesta linha interpretativa de elevação da

função social do contrato e conseqüente preservação dos valores coletivos fica

manifesto a aproximação do novo Código Civil Brasileiro com Direito do Trabalho.

Frise- se, por oportuno, que esse raciocínio encontra respaldo nos conteúdos dos

artigos 423 e 424 do Código Civil que expressam laivos de intervencionismo e

protecionismo à parte mais fraca da relação contratual.

Por outro lado, é salutar mencionar, neste momento, que o Direito do Trabalho

está enfrentando uma avalanche, qual seja: a da tendência flexibilizadora que vem

se instaurando na seara juslaboral, influenciado pela intensa divulgação das idéias

neoliberais vigentes. Tudo isso fruto de ideais liberais que reacenderam com um

novo perfil ainda mais desigual.

Não se pode esquecer ainda que, a despeito de uma das bases de argumentação

liberal ser a valorização da autonomia da vontade, nesta quadra histórica tal

dogma encontra menor respaldo na lei, uma vez que, além da modernização do

Código de 2002, houve uma verdadeira constitucionalização do Direito Civil.

E a importância de relativizar a elevação do princípio da autonomia da vontade se

faz necessário porque a própria lei fixa a presunção de desigualdade entre as

partes. Esta situação acontece não somente no contrato de adesão, mas também

nos casos em que o conteúdo do contrato é determinado de forma heterônoma,

como ocorre em grande parte no contrato de trabalho.

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A restrição à liberdade de contratar em decorrência da função social é premissa

de existência do Direito do Trabalho, o que não retira, muito pelo contrário, justifica

sua autonomia em relação ao direito privado comum.

Muitos autores enfatizam a característica filosófica do Direito Laboral pelo seu

aspecto prevalentemente socializante e opositor ao individualismo, justamente

porque a questão que se pretende resolver é de natureza social.

A questão da neutralização do individualismo para fazer prevalecer os valores

coletivos se revela através do intervencionismo estatal que, no tema especifico, se

denomina dirigismo contratual, perante o qual apenas o Estado, por meio das

normas jurídicas pode instituir condições para equilibrar uma relação que desde

sua origem é desigual.

Os valores coletivos ainda apresentam pouca efetividade na sociedade moderna

frente ao desigual sistema capitalista operante. Diante disso, o dirigismo voltado à

elevação dos valores coletivos tem por escopo garantir que a igualdade formal se

aproxime ao máximo da igualdade econômica de maneira efetiva.

Nota-se que mesmo com as transformações sociais ocorridas, com a passagem

do Estado Liberal para o Social e com a Constituição alterada, os Códigos Civis

ainda continuam com o ranso da ideologia do pensamento liberal, individualista e

patrimonialista.

Mudou a lei; não mudaram os intérpretes.

Muitas vezes, o mais difícil é o avanço no campo da interpretação, já que são os

juristas – advogados, professores, juízes, procuradores – quem dizem o que é o

Direito.

No campo do Direito do Trabalho o progresso que se verifica, no que tange à

relação contratual é que, embora de natureza privada e com origem na autonomia

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da vontade e na livre pactuação, uma vez formado o contrato, inicia-se a

incidência de normas de ordem pública, que não podem ser desprezadas pelas

partes.

Assim, pode-se dizer que o Direito Civil estende os seus tentáculos do

individualismo jurídico do século passado sobre todo o Direito Privado, mantendo

latente, à despeito dos avanços legislativos, parte da mesma postura interpretativa

que predominou por décadas e décadas, esvaziando, por vezes, o clamor da

classe mais pobre, no sentido de que a cidadania passa também por uma maior

igualdade real nas diversas relações jurídicas e não apenas no Direito do

Trabalho, cuja experiência, no campo protetivo, foi, é e será bastante exitosa.

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4. O CAPITAL E O TRABALHO

Norberto R. Keppe, em sua obra “Trabalho e Capital” menciona que o capital sem

o trabalho é ladroeira, e o trabalho sem o seu devido capital é a escravidão; mas,

em ambos os casos, leva a um total desequilíbrio. E continua:

Deve haver uma dialética entre o capital e o trabalho, para se alcançar o

equilíbrio social. Vamos dizer que um tem de controlar o outro porque,

cada vez que o capital ou o trabalho crescem desproporcionadamente, a

sociedade entra pelo desequilíbrio. Estou dizendo que o capital tem de

existir em proporção com a atividade do ser humano, como única

maneira de se viver dentro da realidade. 126

A relação capital e trabalho é o objeto central da jurisdição trabalhista.

Rodrigo Deon demonstra, com nitidez, a necessidade de reconduzir o homem à

condição de elemento mais importante na relação capital-trabalho:

Entretanto, a globalização da economia, por meio de seus instrumentos,

como a revolução tecnológica, inferiorizou o homem à condição de mero

instrumento de trabalho, substituindo-o pela máquina e priorizando o

capital sobre o valor da dignidade humana. É claro que se deve buscar o

progresso econômico do país, no entanto o desenvolvimento político, o

econômico e o social devem estar harmonizados com o ordenamento

jurídico, para que os direitos fundamentais não sejam ignorados na

relação de trabalho.127

126

KEPPE, Norberto. Trabalho e Capital. São Paulo: Proton, 2003, p.111-112. 127 DEON, Rodrigo. Os impactos sociais diante do ressurgimento das idéias liberais, e a dignidade da pessoa

humana, como limite à flexibilização do Direito do Trabalho. DireitoNet, São Paulo, 04 fev. 2004. Disponível

em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/14/52/1452/>. Acesso em: 06 abr. 2009.

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O professor Luiz Otávio Linhares Renault acentua bem o perigo de entender o

trabalho humano apenas como bem material, vejamos:

Note-se, acima de tudo, que ainda é necessária a erradicação por

completo da mentalidade de que o trabalho, qualquer que seja o sistema

de produção, é um simples bem material, que só interessa ao indivíduo e

não a toda a sociedade; é indispensável o convencimento por parte de

alguns setores produtivos de que a organização do trabalho alheio

“deslizou” definitiva e irremediavelmente, há mais de um século, do

plano puramente contratual para uma necessária e indispensável

dimensão de tutela, pouco importando se o sistema da produção é rígido

ou flexível, fordista ou toyotista.128

Fato é que a classe trabalhadora sempre enfrentou e continua enfrentando as

agruras decorrentes da relação trabalho e capital.

Em países em desenvolvimento como o Brasil, este enfrentamento só acontece

com a intervenção do Estado nas relações entre capital e o trabalho para

compatibilizar este embate através de instrumentos que garantam, de forma

efetiva, direitos mínimos, que permitam a sobrevivência digna do trabalhador.

Ricardo Antunes, ao abordar a relação capital e trabalho, tece a seguinte análise:

Nós queremos uma sociedade, com vida e trabalho dotados de sentidos.

Trata-se de uma grande contradição: o trabalho que estrutura o capital,

desestrutura a humanidade. Como contrapartida, o trabalho para

estruturar humanamente a sociedade, tem que desestruturar o capital. E

não há vida dotada de sentido com trabalho desprovido de significado

autônomo e auto-determinado.

128 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Que é isto – o Direito do Trabalho. In: PIMENTA, José Roberto Freire

Pimenta & outros (coord.). Direito do Trabalho: Evolução, crise e perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 75.

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Vamos preservar o capital ou exercitar o espírito crítico para auxiliar na

construção de um novo modo de vida? Nós não sabemos sequer se o

século XXI será longevo. Quem pode garantir isso? Não temos mais

certeza de nada. Quem poderia imaginar que três aviões poderiam atingir

dois símbolos do poder norte-americano – as Torres Gêmeas e o

Pentágono?

O capitalismo é em si e por si destrutivo. Ele acumula destruindo força

humana que trabalha; ele acumula destruindo forças produtivas que ele

torna inoperantes; ele acumula destruindo o meio ambiente e a natureza.

Por que Bush não aceita o acordo de Kyoto? Porque o esquema

americano não tem como controlar o nível de poluição ambiental que a

sua lógica destrutiva impõe. São menos de 5% da população mundial

que consome mais de 25% dos recursos energéticos do planeta.

Para quebrar essa destrutividade, o que o mundo do capital fez? Criou

um metabolismo social fundado no trabalho necessário mais trabalho

excedente, mecanismos necessários para a geração do valor, apropriado

pelo capital sob a forma do lucro.

Nós precisamos pensar num imperativo societal pelo meio do qual a

sociedade se estruture por um sistema de metabolismo social, em que o

trabalho disponível seja imperativo visando a criação de coisas

socialmente úteis. É preciso pensar que o tempo disponível para produzir

coisas úteis supõe que o trabalho e a vida sejam dotados de sentido. A

pergunta que se faz é: na sociedade dos nossos dias, o capitalismo faz

com que sua vida seja dotada de sentido dentro e fora do trabalho? Não.

Dentro do trabalho, vivemos o estranhamento, o risco e a iminência de

sua perda. Fora, não fazemos outra coisa que não seja pensarmos em

como nos qualificar mais para não perder o trabalho amanhã. É um

circulo vicioso perverso. O resultado disso são hordas de miseráveis, a

destruição ambiental, o aumento da criminalidade, a política do

narcotráfico e a lógica belicista, entre outras aberrações. Ou acabamos

com esse arcabouço societal destrutivo ou a humanidade não vai

vivenciar esse nosso século XXI sem traumas profundos, cujas

conseqüências são difíceis até de imaginar. 129

129 Este texto é parte do Jornal da Unicamp, edição 354, de 9 a 15 de abril, disponível a partir de segunda-feira

(9) à tarde em www.unicamp.br/ju, p. 19-20.

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A questão da necessidade de se buscar instrumentos efetivos para compatibilizar

a relação capital – trabalho, por natureza desigual, é importante não apenas para

classe trabalhadora, mas também para a sociedade que vive sob o manto dos

ditames inconstantes e cruéis do capitalismo.

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4.1 O LUCRO EXCESSIVO E A ACUMULAÇÃO DE RIQUEZA

Com o fim do sistema feudal e a efervescência da mercantilização,

concomitantemente com o crescimento da indústria, o trabalho humano foi

utilizado pela classe que detinha os meios de produção como instrumento hábil a

proporcionar lucro e conseqüentemente a acumulação de riqueza.

O trabalho sob este prisma exerceu papel de agente fundamental na criação de

riqueza. Vejamos a colocação de Hunt sobre o lucro:

O capital do mercador gerava lucro, quando o preço pelo qual ele vendia

uma mercadoria era suficientemente alto para cobrir o preço pago por

ela, mais as despesas de manuseio, armazenagem, transporte e venda

da mercadoria e, mais ainda, um excedente sobre estes custos. Este

excedente era o lucro do mercador. Portanto, compreender os

determinantes dos preços pelos quais as mercadorias eram compradas

e vendidas era crucial para compreender os lucros do mercador. 130

Os capitalistas lutaram durante toda a época mercantilista contra as restrições em

relação à busca de lucros. Entendiam que a busca do lucro só poderia ser eficaz

numa sociedade baseada na proteção dos direitos de propriedade e na certeza do

cumprimento dos compromissos contratuais impessoais entre os indivíduos. 131

130

HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª ed.. Rio de

Janeiro: Campus, 1981. p. 44. 131 HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª ed.. Rio de

Janeiro: Campus, 1981. p. 54.

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Neste contexto, K. Hunt alude que:

Com a integração de produção e comércio e a dificuldade cada vez maior

de se obter lucro com a simples exploração das diferenças de preço,

começou uma nova orientação para entender os preços e o lucro. Um

famoso estudioso desta época escreveu o seguinte: “No fim do século

XVII, principalmente na Inglaterra, a orientação sobre custos, adotada

pelos produtores mais antigos com relação ao valor, começa a dar sinais

claros de renascimento. Passa-se a dar cada vez mais ênfase aos custos

de produção, particularmente na indústria.”

Com a criação de uma mão-de-obra “livre” – quer dizer, um número

substancial de produtores que não podiam ter controle algum sobre os

meios de produção necessários e que eram obrigados a vender sua força

de trabalho para sobreviver – foi-se tornando gradativamente claro que o

controle sobre estes produtores era a chave para obtenção de lucros. 132

Neste período de busca pelo lucro excessivo e de acumulação de riqueza, as

pessoas foram tratadas como mercadoria, porque entenderam os capitalistas que

o trabalho humano gerava riqueza.

Estabelecendo neste momento um contraponto marcante à política mercantilista

ao julgar, primeiramente, que a riqueza de uma nação não estava na acumulação

de metais e pedras preciosas, mas no trabalho. 133 Segundo, por acreditar que a

divisão do trabalho era causa do aumento da produtividade. 134

Gabriela Neves Delgado cita Adam Smith que reconheceu no trabalho a

verdadeira origem da riqueza dos homens, alertando que:

132 HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª ed.. Rio de

Janeiro: Campus, 1981. p. 54-55. 133 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 119. 134 HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª ed.. Rio de

Janeiro: Campus, 1981. p. 405.

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O trabalho foi o primeiro preço, a moeda de troca original, que pagava

todas as coisas. Não era com ouro ou prata, mas pelo trabalho, que toda

a riqueza do mundo foi originalmente adquirida; e este valor, para

aqueles que o possuem, e que querem trocá-lo por alguma nova

produção, é precisamente igual à quantidade de trabalho que lhes

permite comprar ou comandar. 135

Nesse andamento, os economistas utilizavam suas teorias para justificar o lucro

excessivo obtido através da super exploração dos obreiros. Vejamos a explanação

de Abraão Blay e Eduardo Sucupira Filho a esse respeito:

[...] o lucro não se reveste de outra característica senão a da recompensa

aos riscos que acompanham qualquer aplicação de capital na produção.

O mesmo ponto de vista, com pequenas variações, é esposado pelos

sucessores de Ricardo e Adam Smith, como o economista inglês Senior,

e segundamente, Cenel Schultze e outros. Todos insistem na mesma

tecla de que o capitalista se compensa - mediante a obtenção do lucro –

por não investir capitais em empreendimentos improdutivos, e essa tese

é esposada inclusive pelo famoso economista Stuart Mill. 136

Com as justificativas acima expostas, os capitalistas burgueses que visavam

apenas mais-valia, fonte dos lucros, aumentaram a jornada de trabalho que

atingiam até 16 horas diárias, simultaneamente reduziram os salários, e tudo isso

num ambiente de trabalho precário.

Nesse período, o número de desempregados aumentou drasticamente, formando

assim um exército de reserva (expressão de Karl Marx), o que contribuiu para a

exploração dos obreiros de forma desumana.

135 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 119. 136 BLAY, Abraão, SUCUPIRA FILHO, Eduardo. Do Trabalho à Civilização. São Paulo: Fulgor, 1962, p.

131.

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E diante deste quadro, os capitalistas puderam baratear seus preços e participar

da concorrência, tudo isso é claro, reduzindo os custos nos salários e condições

de trabalhos dos obreiros.

E esse excedente de mão-de-obra derivou-se da mudança da organização do

trabalho através da passagem do feudalismo para o capitalismo que resultou na

separação do trabalhador de seus meios de produção (ferramentas ou terras).

Sobre essa mudança na organização do trabalho, Aurélio Eduardo do Nascimento

e José Paulo Barbosa esclarecem que:

No entanto, com a afirmação dos burgueses no cenário econômico e

político ocorre a conseqüente desestruturação das terras como fonte

única de geração de riqueza. Os nobres, detentores exclusivos de poder

e de riqueza, vêem-se obrigados a se desfazer comercialmente de suas

terras. O que outrora era detido pela força da tradição se transforma em

mercadoria sujeita a compra e venda de quem puder.

O uso da terra, antes vinculado à subsistência – da nobreza, do clero ou

do próprio servo -, agora será meio para extração de novas riquezas.

Vários e gigantescos lotes de terra deixaram de abrigar seus servos para

dar lugar à criação de carneiros para a produção de lã, com grande

aceitação no mercado.

Esse é o começo do cerceamento das terras. Porém, essa não é a única

forma de retirar do servo a possibilidade de trabalho na terra. Outras

formas eram conhecidas, tais como a compra, por preços irrisórios, das

terras dos pequenos agricultores livres. Ou até mesmo usando o recurso

da força para expulsar os resistentes.

Esses homens desprovidos de seus meios de produção deslocavam-se

para as cidades em busca de trabalho e de subsistência. Esse processo

resultou no maior enriquecimento dos proprietários de terras e dos

comerciantes de lã e na formação de um contingente enorme de

desapropriados miseráveis. Nas cidades, porém, o contato já não era

mais com os mestres artesãos, que estabeleciam uma relação patriarcal

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com seus oficiais e aprendizes. Existe agora a figura do capitalista, ou

seja, daquele que detém os meios de produção. 137

A introdução das novas máquinas, que representa a consolidação definitiva desse

novo modo de produção, também agravou as contradições entre capital e

trabalho. Através desses novos instrumentos, a burguesia golpeia os artesãos e

suas corporações, que em decorrência das mudanças na organização do trabalho

foram perdendo o poder de barganha.

Com o ingresso das máquinas, a mão-de-obra especializada do artesão foi

descartada, e de uma forma aviltante, mulheres e crianças foram colocadas no

mercado de trabalho, com salários miseráveis.

Diante disso, é salutar o ensinamento de Evaristo de Morais Filho:

Com o aparecimento do maquinismo na produção econômica, como que

ficou o homem relegado a um plano secundário, como que perdeu o seu

primitivo papel na economia. Nascia a era das máquinas. Não era a

pessoa humana o que mais importava, já que passava a ser mera

guardiã e assistente do aparelho mecânico. A produção crescia

assustadoramente, numa corrida desenfreada de lucros e procurando

satisfazer os mercados os mais longínquos. As operações técnicas

tornavam-se mais rápidas e automáticas, e assim poderia ser dispensado

um grande número de trabalhadores masculinos e adultos, que eram

substituídos pelo trabalho de mulheres e de crianças, menos

dispendiosos e mais dóceis. 138

137

NASCIMENTO, Aurélio Eduardo do, BARBOSA, João Paulo. Trabalho: História e Tendência. São

Paulo: ática,1996, p. 39. 138 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Vol. I.Rio de Janeiro: Freitas

Bastos, 1960, p. 343.

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Nessa fase, o trabalho é tratado como mercadoria porque ao retirar o trabalhador

do campo, ele é obrigado enfrentar a cidade para garantir sua subsistência. Note-

se que a classe trabalhadora foi maltratada; não lhes ofereceram outra chance.

Todas essas mudanças que marcaram a história do trabalho e do homem

ocorreram a partir do século XVIII, sendo certo que todas as grandes

transformações econômicas que aconteceram na Europa trouxeram repercussões

mundiais.

Nesse ínterim, a Inglaterra liderava mundialmente a industrialização, por possuir

disponibilidade de capitais e desenvolvimento industrial, marcando o surgimento

das primeiras fábricas e, conseqüentemente, da grande indústria.

Com a Revolução Industrial, houve um aumento contínuo e rápido da

produtividade no trabalho. O dono de uma fábrica mecanizada podia vender seus

produtos a um preço menor que seus concorrentes artesãos ou manufatureiros, e

ainda com lucros maiores. 139

O principal fator na passagem da produção manufatureira para a industrial é que,

literalmente, houve uma substituição do homem pela máquina.

Com o surgimento das grandes fábricas na Inglaterra e em outros países

europeus veio ao mundo o que se conhece como o trabalhador moderno.

Associado ao crescimento desenfreado da produção e também à competitividade

no mercado, a cada dia surgiam formas engenhosas para aumentar ainda mais a

produtividade com redução dos custos operacionais, visando em contrapartida

mais e mais lucros.

Nesta ânsia pelo aumento da produtividade e economia de tempo na produção

dos produtos, o engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-

139 NASCIMENTO, Aurélio Eduardo do, BARBOSA, João Paulo. Trabalho: História e Tendência. São

Paulo: ática,1996, p. 41.

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1915) criou um novo processo produtivo, com a alcunha de “A organização

científica do trabalho”, que em linhas gerais objetivava adestrar o trabalhador a

produzir mais e mais.

Segundo Aurélio Eduardo e José Paulo, o taylorismo baseava-se nos seguintes

princípios:

Mecanização da produção: repassar o saber do trabalhador para a

máquina, sempre que possível;

O estudo dos tempos e movimentos: buscar a maneira certa de executar

uma tarefa, com menor gasto de tempo e energia possível;

Seleção e treinamento “científico”: definir um perfil adequado à tarefa a

ser executada, com apoio de profissionais das áreas de psicologia e

serviço social;

Separação entre a concepção e a execução do trabalho: à gerência cabe

o trabalho de “pensar”, de decidir o processo de produção em operações

limitadas, de tal forma que se limite ao trabalhador a execução daquilo

que foi prescrito e determinado pela chefia;

Plano de incentivo salarial: incentivar monetariamente o trabalhador,

pagando-o por peça produzida ou hora trabalhada. 140

Sobre o Taylorismo, é singular e oportuna a colocação do professor Maurício

Godinho Delgado:

O taylorismo, aplicando análise sistemática ao exercício prático do

trabalho no estabelecimento capitalista, viabilizou a simplificação e

agilização do treinamento da mão-de-obra, mesmo não qualificada, além

de potenciar, significativamente, a produtividade do trabalho. Propondo a

minusiosa separação de tarefas e sua conseqüente rotinização no

processo laborativo interno à empresa, o método taylorista reduzia a

140 NASCIMENTO, Aurélio Eduardo do, BARBOSA, João Paulo. Trabalho: História e Tendência. São Paulo:

ática, 1996, p. 45.

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necessidade de sofisticada especialização do trabalho, transformando-o

em uma seqüência de atos basicamente simples. 141

Esses conceitos e técnicas introduzidas no mundo do trabalho ocasionaram uma

verdadeira revolução no modo de trabalhar e conseqüentemente nas relações

sociais do trabalho.

Este novo modelo de produção funcionou na verdade como uma maneira

“científica” de adestramento humano; o trabalhador se tornou um ser alienado,

mecanizado. Colocou-se o obreiro num ambiente de trabalho com atividades

repetitivas com uma rotina interminável.

A compreensão do processo produtivo foi destinada à chefia e aos supervisores,

excluindo os trabalhadores de qualquer entrosamento com o saber produtivo.

Sob este aspecto, a relação da classe obreira com os meios de produção tornou-

se invertida. Podemos dizer que os trabalhadores foram “comandados” pelos

meios de produção. Ao invés de manejar ferramentas e equipamentos, os obreiros

tornaram-se apêndices das máquinas. 142

Noutro giro, surge uma nova modalidade de organização do trabalho – o fordismo

– linha de montagem.

A origem desse novo modelo aconteceu quando um empresário norte-americano

Henry Ford (1863-1947), ao visitar um frigorífico de frango, percebeu que o

proprietário havia inventado uma espécie de linha de produção. O frango era

morto, depenado e transportado por um processo mecânico que o conduzia aos

obreiros nas diferentes funções de preparação e embalagem do produto.

141

DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. Entre o paradigma da destruição e os

caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006, p. 45-46. 142 NASCIMENTO, Aurélio Eduardo do, BARBOSA, João Paulo. Trabalho: História e Tendência. São

Paulo: ática,1996, p. 45.

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Henry Ford a partir dessa experiência inventou a produção padronizada, que

através da técnica da linha de montagem pôde implementar sua indústria

automobilística.

Destaca-se, entretanto, que o Fordismo não significa qualquer ruptura com a

teoria formulada por Taylor. Na verdade, ele acrescenta novas técnicas para

impulsionar o processo produtivo, principalmente o processo produtivo

automobilístico.

Infelizmente, foi com a introdução da linha de produção nas fábricas que os

patrões encontraram a forma ideal para superexploração da força de trabalho.

Fato surpreendente acontece no mercado, depois das mudanças de paradigmas

nos modos de produção (Taylorismo/Fordismo), onde havia excedente de mão-de-

obra, o que conferia aos patrões todas as benesses para exploração e

desmandos; a situação muda radicalmente com a crise mundial, pois a

capacidade de produção superou a demanda de produtos e serviços.

Antes, sobrava mão-de-obra barata; com a crise, o consumo despencou, sobrando

produtos nas fábricas, ou seja, excesso de trabalhadores combinado com

excedentes de produção.

Com essa situação surge um novo modelo que ajudou a “solucionar” o problema

do excedente de produção: estoque.

Porém, este novo sistema chamado toyotismo ou ohnismo143, dotado de uma nova

estrutura de produção, ao invés de incluir mais trabalhadores, possuía um

processo de exclusão de trabalhadores.

143 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. Entre o paradigma da destruição e os

caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006, P. 47. Godinho menciona que “No cenário da forte crise

econômica então desencadeada no Ocidente, com a exacerbação da concorrência interempresarial e mundial,

inclusive com a célere invasão, naqueles anos, do mercado econômico europeu e norte-americano pelo novo

concorrente japonês, tudo associado ao desenvolvimento da chamada terceira revolução tecnológica e das

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A reorganização produtiva somada às inovações tecnológicas também

promoveram mudanças que afetaram a forma de contratação. Com o surgimento e

o desenvolvimento do sistema pós-fordista ou toyotista nas relações produtivas,

passou o empregador a exigir empregados multifuncionais, dentro da concepção

de empresa enxuta.

As fábricas, na busca pela redução de custos passaram a externalizar fases do

processo produtivo, ou seja, ao contrário das fábricas tayloristas-fordistas, que

concentravam toda a linha de produção num mesmo ambiente, no novo modelo,

onde o foco é a especialização, concentrava-se apenas em uma parte específica

do ciclo de produção, sendo o restante executado por outras fábricas. A

organização da produção em rede, sob a roupagem da terceirização, foi uma das

formas de operacionalizar os objetivos do novo modelo.

Sobre este novo modelo de gestão – toyotismo ou ohnismo, o ilustre professor

Godinho tece as seguintes considerações:

Em sua origem tais novas proposições de gestão empresarial foram

marcadamente influenciadas pelo revigorado capitalismo japonês do pós-

2ª Guerra Mundial, em especial a partir das experiências de gestão

implementadas por algumas de suas grandes empresas, particularmente

a Toyota, cujo vice-presidente era o engenheiro Taiichi Ohno.

Sintetizados, em conseqüência, pelas expressões toyotismo e ohnismo,

estes novos sistemas de gestão das empresas, inclusive de sua força de

trabalho, evidentemente foram aprofundados e readequados, na própria

ambientação do capitalismo ocidental, ao longo dos anos seguintes à

década de 1970. Pode-se dizer, de certo modo, em decorrência de tais

aprofundamentos e readequações, que toyotismo e ohnismo

representam, hoje, fundamentalmente, um emblema ou uma síntese do

conjunto de transformações operadas na gestão das empresas e de sua

condições macropolíticas desfavoráveis ao Estado de Bem-Estar Social, passa-se a assistir à incorporação de

novos sistemas de gestão empresarial e laborativa.

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força de trabalho ao longo das últimas duas ou três décadas no Ocidente.

144

O modelo de produção toyotismo tinha por meta enfrentar a crise, onde a

demanda no mercado consumidor estava insuficiente e a competitividade em alta

na economia através do sistema Just in time e de estoque zero.

Com essa nova transformação na vida econômica das fábricas, os patrões, para

enfrentarem a crise, implementaram o toyotismo, deixando nas fábricas apenas a

quantidade suficiente de obreiros para trabalharem nas atividades essenciais do

produto principal da fábrica, sendo certo que as outras atividades paralelas à

atividade principal da empresa foram repassadas para empresas menores.

E mais uma vez a redução do custo final do produto da empresa foi retirado do

suor dos trabalhadores, uma vez que ao repassar as atividades complementares

para as empresas subcontratadas, estas efetuavam pagamentos bem menores,

comparados à empresa principal.

Nesse sentido, Márcio Túlio Viana esclarece que:

Ao invés de se organizar verticalmente, como fazia antes, a empresa

moderna passa a se horizontalizar, jogando para as parceiras várias

etapas de seu ciclo produtivo. Algumas chegam a externalizar toda a

linha de produção, tornando-se simples gerenciadoras. E a mesma

técnica é utilizada pelas contratadas, que também subcontratam tudo o

que podem. Em geral, a empresa-mãe submete cada parceira a rígidas

diretrizes. E, enquanto se une em fusões e oligopólios, externaliza para

ela o jogo da concorrência. Naturalmente, quanto mais baixos são os

salários pagos pela parceira, mais fácil lhe será conseguir o contrato com

a grande. Isso a induz a violar os direitos de seus empregados, tarefa

facilitada pela sua pequena visibilidade. No fim da linha, quem ganha

com isso é ainda a grande empresa. O capital se tornou viajante, sem

144 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. Entre o paradigma da destruição e os

caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006, p. 47.

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pátria. Incapaz de exportar normas de Direito do Trabalho, como fizera no

início do século para igualar a concorrência, a indústria ocidental

exportou a si própria. A economia se fez mais global, internacionalizando

os problemas. 145

O resultado socioeconômico do toyotismo obtido pelo implemento do mecanismo

de subcontratação empresarial tende a significar, a um só tempo, a redução do

custo da empresa-pólo, o incremento da produtividade do trabalho, além da

redução da renda propiciada aos trabalhadores. 146

Diante desta nova realidade, as empresas tiveram que se adaptar às novas

exigências do mercado, mudando novamente o paradigma empresarial. Dentro

deste novo modelo, as empresas deixaram de estocar produtos ou matéria prima,

pois o giro rápido do capital era a ordem do mercado.

Noutro giro, concomitantemente a estas mutações de modelos de produção e

conseqüentemente das formas de contratação no mundo do trabalho, surgiu

também a filosofia do consumismo, fruto das idéias neoliberais. Defendia as

idéias do materialismo, onde o homem só seria reconhecido se fosse possuidor.

Verificou-se, neste momento, a verdadeira elevação do ter em detrimento do ser.

A exaltação do consumismo teve seu ápice no New Deal. Sobre o assunto,

merece realce o posicionamento de Jeremy Rifkin:

Poucos meses após ser eleito, O Presidente Franklin Delano Roosevelt

decretou o primeiro de uma série de programas legislativos projetados

para recolocar os Estados Unidos no trabalho. A Lei de Recuperação da

Indústria Nacional (NIRA), de 1933, fazia o país assumir o compromisso

de empregar milhões de trabalhadores num programa de expansão de

145 VIANA, Márcio Túlio. Direito do Trabalho e Flexibilização. In: Curso de Direito de Trabalho: estudos

em memória de Célio Goyatá. BARROS, Alice Monteiro de (Coord.). 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:

LTr, 1997, p. 136. 146 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o paradigma da destruição e os

caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006, p. 48.

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obras públicas. Apresentando o novo programa ao povo americano,

Roosevelt deixou claro que “nosso principal objetivo é criar empregos tão

rapidamente quanto pudermos”. A administração do New Deal definiu seu

papel como um empregador de último recurso, um tipo de último

mecanismo para reativar uma economia enfraquecida. Roosevelt

enfatizou o novo papel do governo, dizendo que “a meta de todo esse

esforço é restaurar nosso rico mercado interno através do aumento da

sua imensa capacidade de consumo... A demanda reprimida das pessoas

é muito grande e se pudermos libertá-la numa frente ampla, não

precisaremos temer uma recuperação defasada. 147

O fato é que como todo programa que tem por base a valorização do trabalho, o

New Deal surtiu efeitos benéficos para a classe trabalhadora norte-americana a

curto e médio prazo, porém, não podemos negar que este programa deixou uma

marca negativa não só para os Estados Unidos, mas também, para todos os

países, que por questões políticas e econômicas, compartilham e seguem os

mesmos ideais. Assim, esse “evangelho do consumo”148, se instaurou, e seus

malefícios foram melhor percebidos após o período glorioso de economia estável.

Exatamente nesse ponto, o consumo desenfreado deu os seus primeiros sinais de

alerta.

Posteriormente, o discurso do consumismo foi impregnado nos países periféricos;

e hoje, o Brasil enfrenta além da questão do desemprego estrutural e da falta de

instrumentos que valorizem o trabalho regulamentado, a malfadada filosofia do

consumismo tem levado a população ao endividamento e até problemas de saúde,

como a depressão.

147

RIFIKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força

global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995, p. 31. 148 Expressão utilizada por Jeremy RIFIKIN em seu livro: O fim dos empregos: o declínio inevitável dos

níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995, p. 31.

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4.2 A PROLETARIZAÇÃO E A CONSCIÊNCIA DOS

TRABALHADORES

A formação da consciência dos trabalhadores foi resultado de um processo

penoso para os obreiros. Na verdade, a classe obreira se reconheceu, quando

percebeu que passavam por tribulações muito semelhantes, quais sejam: jornada

extenuante, exploração do trabalho de mulheres e crianças, trabalho sob

condições perigosas e insalubres, salários insuficientes, todas estas

circunstâncias, resultado da prevalência do capital em detrimento ao trabalho,

fazendo surgir um movimento de expressão através da união dos trabalhadores,

que começaram a lutar contra os desmandos dos empregadores e contra a inércia

do Estado.

Desta união, surgiu o sindicato. Nesse sentido, ensina Márcio Túlio Viana:

Mas de onde terá Saído, então, o próprio sindicato? Talvez se possa

dizer que ele nasceu da mãe solteira – a fábrica concentrada. Foi ela que

abrigou em seu ventre aquelas vidas antes dispersas, para melhor

controlá-las e racionalizar a produção. Foi também ela que – sem saber –

acabou reconstruindo as solidariedades desfeitas. É importante

observarmos as condições peculiares daquele parto. A fábrica – como

uma verdadeira gestante – a cada dia crescia mais. Os trabalhadores, tal

como os produtos, eram cada vez mais numerosos e homogêneos.

Importante destacar que somente o trabalho digno possibilita essa

identificação. Contudo, pode-se observar que, atualmente, muitas vezes

os empregados não são bem remunerados, sendo seu salário insuficiente

até mesmo para prover a sua alimentação e a de sua família. Ainda deve

ser ressaltado que a necessidade de sobrevivência e de dinheiro tem

levado uma vasta quantidade de pessoas a exercerem ofícios de que não

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gostam e com os quais não se identificam. Há ainda o trabalho alienante,

que por força de sua repetitividade ou da exigência a que impõe ao

trabalhador, tira dele a possibilidade de noção de todo e de consciência

do que ocorre à sua volta. 149

Confirmando esta idéia, enfatiza a professora Gabriela Neves Delgado:

O sentimento de solidariedade e a construção da consciência de classe

foram pressupostos inevitáveis para a formação do associativismo

proletário, possibilitando-lhes perceber com maior clareza o papel que

exerciam na sociedade e a necessidade de se unirem para reivindicar

direitos face ao capitalismo de cunho liberal e individualista. 150

Desta feita, nota-se que da união e solidariedade dos obreiros em meio à

opressão no trabalho desencadeou um movimento reivindicatório – o sindicato -

em contradição ao próprio sistema capitalista.

Sendo certo que foi o próprio sistema capitalista que, vislumbrando lucros

excessivos, criou processos de produção que reuniam um grande número de

trabalhadores com o intuito de obter maior produtividade através do controle e

exploração em massa.

No entanto, ao unir os obreiros com o fito de explorá-los ao extremo, forneceu

também as armas que os mesmos precisavam para se defenderem. No “Manifesto

Comunista”, Marx e Engels já asseveravam:

149 VIANA, Márcio Túlio - 2005, p.162-179. 150 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 28.

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As armas que a burguesia utilizou para abater o feudalismo voltam-se

hoje contra a própria burguesia. A burguesia, porém, não forjou somente

as armas que lhe darão a morte; produziu também os homens que

manejarão essas armas – os operários modernos, os proletários. Com o

desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolvem-se

também o proletariado, a classe dos operários modernos, que só podem

viver se encontrarem trabalho e que só encontram trabalho na medida

em que este aumenta o capital. Esses operários constrangidos a vender-

se diariamente, artigo de comércio como qualquer outro, em

conseqüência, estão sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, a

todas as flutuações do mercado. 151

O objetivo dos sindicatos inicialmente era a contestação ao sistema, onde lutavam

por um sistema econômico mais humanizado, que melhor distribuísse a renda

social.

Nesse sentido, merece destaque a lúcida colocação do professor Maurício

Godinho Delgado:

O movimento sindical, desse modo, desvelou como equívoca a equação

do liberalismo individualista, que conferia validade social à ação do ser

coletivo empresarial, mas negava impacto maior à ação do trabalhador

individualmente considerado. Nessa linha, contrapôs ao ser coletivo

empresarial também a ação do ser coletivo obreiro. Os trabalhadores

passaram a agir coletivamente, emergindo na arena política e jurídica

como vontade coletiva (e não mera vontade individual). A dinâmica de

atuação grupal, caracterizada por embates envolvendo grupos sociais,

que marca o Direito Coletivo do Trabalho, surgiu, portanto, em torno do

ser coletivo obreiro, do sindicato. 152

151 MARX, Karl Heinrich. O capital (1867). Coimbra: Centelha - Promoção do Livro, SARL, 1974 (1ª edição

em português). Tradução de: J. Teixeira Martins e Vital Moreira (MARX; ENGELS, 1977, p. 26-27). 152 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1285-1286.

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Márcio Túlio Viana destaca a importância do Direito do Trabalho, ressaltando que

sua criação ocorreu como um paradoxo dentro do próprio sistema capitalista:

Seria o caso de se perguntar: e como foi que a classe dominante permitiu

a construção de todo um ramo do Direito que constrangia as suas ações?

A resposta pode ser encontrada, sobretudo, em outro paradoxo: para

produzir mais e melhor, o sistema teve de agrupar pessoas em volta das

máquinas, e essas mesmas pessoas – vendo-se como num espelho –

aprenderam a conspirar.

Assim, mais do que um subproduto do sistema capitalista, o Direito do

Trabalho é conseqüência de um seu modo de ser, simbolizado pela

fábrica. Embora construído sob o signo da opressão, ela acabou

permitindo que o sofrimento de cada um se transformasse em

esperanças de todos. 153

Neste sentido, informa Leôncio Martins Rodrigues:

Em todos os países de velha industrialização, os grupos de trabalhadores

que primeiro se organizaram profissionalmente foram aqueles em que os

componentes artesanais do trabalho se mantiveram no capitalismo

industrial. As primeiras associações operárias foram formadas por ex-

artesões, isto é, por trabalhadores profissionalmente qualificados

(marceneiros, pedreiros, pintores, etc.). Não se tratava mais de

trabalhadores independentes mas de assalariados submetidos à

disciplina das oficinas e à lei do proprietário. Contudo, nesta fase de

expansão do capitalismo, as modificações ocorridas afetavam mais a

situação social e o status jurídico desses grupos do que o modo e a

técnica de organização do trabalho. Em outras palavras: do ponto de

vista técnico, o tipo de tarefa e o modo de realizá-la não se tinham

modificado substancialmente. Em numerosos casos, o trabalhador era

ainda proprietário de suas ferramentas (pouco especializadas e

153 VIANA, Márcio Túlio. 2000, p. 20.

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polivalentes), porém não era mais o proprietário do resultado de seu

trabalho. (...) Abrangendo inicialmente grupos de ex-artesões

transformados em assalariados, as primeiras associações operárias se

constituíram geralmente em torno de um mesmo ofício e não da empresa.

Trata-se de um sindicalismo de trabalhadores “profissionais” que

agrupava operários de uma mesma profissão. 154

A consciência de classe foi solidificando-se com o aperfeiçoamento do liberalismo

e com o desenvolvimento industrial. Neste momento, crescia uma classe proletária

carente de bens materiais e uma afortunada classe burguesa. O quadro de

opressão aprofundava, paradoxalmente, a metamorfose da consciência de classe

entre os operários. 155

Os operários, ao se unirem para trabalharem, criaram uma fina sintonia com seus

pares. E, durante as agruras que juntos passavam (péssimas condições de

trabalho), foram assimilando que o trabalho era a força motriz da sociedade. Ao

compreenderem o valor fundamental do trabalho no plano social, reagiram através

da resistência coletiva contra a opressão dos capitalistas.

A crise decorrente do modo de produção em série e do consumo crescente em

massa (o fordismo), deu-se no final dos anos sessenta e início dos anos setenta.

Dentre as causas dessa crise, a ação contestadora dos trabalhadores foi uma das

mais importantes. Os operários tomaram mais consciência de seus direitos e

conseguiram conquistas significantes nas searas trabalhistas e sociais,

principalmente nos países do Primeiro Mundo.

Ao lado disso, outros fatores contribuíram para essa crise, como: a crise financeira

mundial, as mudanças nos comportamentos dos mercados, a crise social e a

automação da produção. 156

154 RODRIGUES, Leôncio Martins. Trabalhadores, Sindicatos e industrialização, São Paulo, Brasiliense,

1974. p. 14-15. 155 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 136. 156 NASCIMENTO, Aurélio Eduardo do, BARBOSA, João Paulo. Trabalho: História e Tendência. São

Paulo: ática, 1996, p. 50.

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Ao relatar sobre esta fase Aurélio Eduardo e João Paulo aduzem que:

Durante vários anos, no período que se seguiu à Segunda Guerra, a

economia mundial floresceu. Entrou numa fase de grande expansão,

marcada pela produção e pelo consumo em massa de produtos

padronizados. Entretanto, na década de setenta, desencadeou-se um

grande crise no mundo inteiro. Durante essa fase a difusão da informática

acelerou-se intensamente nos países desenvolvidos. A automação e os

novos métodos de organização do trabalho iniciaram uma nova forma de

trabalhar e de organizar a produção. 157

157 NASCIMENTO, Aurélio Eduardo do, BARBOSA, João Paulo. Trabalho: História e Tendência. São

Paulo: ática,1996, p. 50.

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4.3 AS LUTAS DE CLASSES É incontestável que o trabalho individual nunca foi a essência no mundo do

trabalho dentro da sociedade, sendo que a própria relação produtiva tende a

coletivizar o trabalho.

As lutas de classes foram a conseqüência da proletarização, haja vista que foi em

função da estrutura econômico-social que se desenvolveram as “lutas de classes”

e as iniciativas individuais e coletivas concernentes ao processo histórico.

Marx entendia que a emancipação dos homens só aconteceria através da ação de

um sujeito coletivo – o proletariado.

Os movimentos luddista e cartista158 ocorridos na Inglaterra, as revoluções de 1848

e 1871, na França, bem como a revolução de 1848, na Alemanha, são marcos

históricos das lutas de classes que clamavam pela intervenção do Estado na

regulamentação da vida econômica da sociedade e também determinaram a

formação da consciência social entre os trabalhadores.

Nota-se que o século XIX foi um período de ebulição das lutas de classes, que

recebeu a influência do marxismo, de maneira especial, através da publicação do

Manifesto Comunista, de Karl Marx e Engels, em 1848, criticando as condições de

trabalho da época e exigindo mudanças em benefício do trabalhador, bem como

contribuiu para a sedimentação da consciência operária e organização dos

movimentos sociais, potencializando a resistência operária.

158 BLAY, Abraão, SUCUPIRA FILHO, Eduardo. Do Trabalho à Civilização. São Paulo: Fulgor, 1962, p.

188 – Cita Lenine que dedicou estudos aprofundados ao movimento Cartista, caracteriza do seguinte modo

esse movimento popular: “A Inglaterra deu ao mundo o primeiro movimento amplo, verdadeiramente de

massas, politicamente formado, um movimento proletário revolucionário, ou cartismo”.

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Evidentemente que as distorções do liberalismo político e econômico, associado

aos efeitos da Revolução Industrial e à formação de consciência operária (lutas de

classes), contribuíram para a o surgimento e consolidação do Direito do Trabalho.

Nesse sentido, discorre Evaristo de Morais Filho:

Tiveram igualmente uma forte parcela na gênese do direito do trabalho as

lutas sociais que se desenrolaram durante o século XIX. Os ludistas, os

cartistas, na Inglaterra; as revoluções de 1848 e 1871, na França; a

revolução, de 1848, na Alemanha, representaram muito no despertar do

Estado para a intervenção e regulamentação na vida econômica. Não se

limitavam mais os operários a assistir de braços cruzados à sua própria

desagregação e ao seu extermínio biológico e econômico. Reuniam-se,

protestavam, reivindicavam. E dessas reivindicações, dessas agitações

sociais, ressentia-se todo o corpo social, com prejuízo para a produção

capitalista. Era preciso dar côbro a tal situação. Como? Tornando menos

injustas as relações entre empregados e empregadores. 159

Uma das principais formas de luta foi o Luddismo160, também conhecido como o

movimento dos quebradores de máquinas. A jovem classe operária viu nas

máquinas o seu principal inimigo. Afinal, aparentemente, as máquinas seriam as

responsáveis pelo desemprego dos trabalhadores especializados e pela inserção

da mulher e do menor nas fábricas em condições desumanas, sem qualquer

dignidade.

159 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1960, p. 346. 160 O termo Luddismo deriva do nome do operário têxtil Ned Ludd, que trabalhava numa pequena oficina em

Nottingham, cidade próxima de Londres. Segundo pesquisas, esse operário destruiu totalmente os teares

mecânicos da fábrica num sinal de revolta contra os efeitos da Revolução Industrial. Sua atitude, apesar de

individual, refletia o estado de espírito dos artesões. Em pouco tempo, seu gesto foi imitado em várias cidades

da Inglaterra e atingiu também a França.

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A legislação repressiva não reprimiu o Movimento Luddista de forma plena. Com o

tempo, o Luddismo começou a ser superado como forma de luta da jovem classe

operária. E com o passar dos anos, assimilaram que não era a máquina a sua

oponente, mas sim a forma na qual o empregador fazia uso dela.

O movimento dos quebradores de máquinas também caiu no isolamento diante da

sociedade, reduzindo-se a pequenos grupos de obreiros que destruíam máquinas

e espancavam os cientistas que as inventavam.

Também nesse período, a classe proletária desenvolve a luta política, tentando

superar a pressão exercida apenas por reivindicações de caráter econômico.

Surge então o movimento cartista161, na Inglaterra, que representou um avanço na

ação operária. Este movimento foi duramente reprimido, culminando com

inúmeros cartistas sofrendo processos criminais e acusados de “alta traição”.

Como conseqüência disto houve inúmeras condenações.

161 O termo cartismo deriva de uma “carta”, elaborada em 1837-38, em que os trabalhadores reivindicam

maiores liberdades políticas: direito de voto para todos, abolição do sistema pelo qual só podiam se candidatar

os que tivessem renda, voto secreto etc. Em seu conteúdo, o cartismo já expressara a luta por liberdades

democráticas e socialistas.

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4.4 OS MOVIMENTOS REINVIDICATÓRIOS E O SURGIMENTO

DOS PRIMEIROS ACORDOS

Retomando um pouco na história, especificamente na Idade Média, onde de

maneira geral, as regras de trabalho eram as corporações, podemos ter uma

percepção da sociedade da época.

Tarso Genro utiliza as expressões de Mário de La Cueva para mencionar que a

corporação, na Idade Média, era um órgão eminentemente patronal, uma

associação de produtores. E continua:

Os mestres e proprietários das pequenas oficinas se aglutinavam dentro

da Corporação para defesa de interesses recíprocos e comuns, relativos

à produção. Não eram, portanto, grupos de pessoas, como acontece

modernamente, mas grupos de empresas, razão pela qual só podem ser

comparados aos sindicatos patronais. Mas no seio das próprias

corporações, brotou o que se poderia denominar “rebelião dos

companheiros ou oficiais” contra as regras oriundas das forças

econômicas e política das mesmas. Estas regras tendiam, visando ao

monopólio do mercado de trabalho, multiplicar os anos de aprendizagem,

fechar a possibilidade de trabalho às pessoas estranhas à família e

manter os ganhos dos oficiais sob absoluto controle. Tais disposições

sempre emanaram do “Conselho das Corporações”, que tinha o poder de

permitir, ou não, a abertura de novas oficinas pelos interessados. 162

162 GENRO, Tarso Fernando. Introdução à Critica do Direito do Trabalho. Porto Alegre: Editora L&PM,

1979, p. 30-31.

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Essas rebeliões desembocaram nas associações de companheiros que têm a

maternidade longínqua e confusa dos modernos sindicatos operários. A identidade

com os sindicatos parte de que tais associações são uma forma de organização

para reivindicação dos obreiros. 163

Ao que tudo indica, desde a antiguidade os homens se associavam por motivos

diversos, porém, ao efetuar uma análise histórica sobre as associações com o

interesses laborais, fica mais evidente o período denominado Idade Média. Neste

contexto, ministra o distinto professor Maurício Godinho Delgado:

A partir de meados da Idade Média (após o ressurgimento do comércio e

das cidades, em seguida ao século XI), até fins da Idade Moderna, as

corporações de ofícios tornaram-se formas associativas notáveis, de

longa duração e influência nos séculos anteriores ao advento do

capitalismo industrial. Entretanto, eram, em certa medida, associações de

produtores ou, até mesmo, forma de organização da produção

incrustrada nas cidades européias do período. Elas integravam-se,

hierarquicamente, por três segmentos de indivíduos: aprendizes,

companheiros e mestres – o que por si só, já demarca sua grande

distância do moderno sindicalismo. 164

Com a queda do feudalismo na Europa, num extenso processo iniciado a partir do

século XVII, a sociedade se divide claramente em duas classes. De um lado, a

burguesia165, dona dos instrumentos de produção - instalações, máquinas, matérias

primas etc. Do outro, o proletariado166, desprovido de tudo, obrigado a vender a

sua força de trabalho aos capitalistas.

163 GENRO, Tarso Fernando. Introdução à Critica do Direito do Trabalho. Porto Alegre: Editora L&PM,

1979, p. 31. 164 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1353. 165

O termo burguesia deriva de burgos, que eram as pequenas localidades nos arredores dos feudos, onde

viviam os comerciantes e os artífices - os germes dos futuros industriais. 166 A expressão proletariado vem do latim da antiga Roma e designa os cidadãos que viviam à beira da

miséria e que tinham uma prole numerosa.

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A expansão industrial mecânica introduziu alterações significativas na sociedade,

mormente nas relações sociais.

O operário só detinha a sua força de trabalho, sua força física, que por questão de

sobrevivência empregava no processo de produção.

Desta dura realidade, começaram a surgir uniões operárias ou sindicatos

profissionais. Inicialmente, na Inglaterra, no início do século XVIII, e

posteriormente, na França e Alemanha. Naquele país, as associações

profissionais ou sindicatos adotaram o nome de trade-unions.167

Estabelecer um marco inicial para o surgimento do sindicato não é tarefa tão

simples. Godinho, citando Russomano, aponta que no ano remoto de 1720, os

mestres-alfaiates, através de uma associação que reuniu mais de sete mil

trabalhadores se dirigiram ao Parlamento Britânico pleiteando a redução de uma

hora na jornada diária de trabalho e aumento salarial. Configurando este episódio,

para Russomano, o ponto de partida das trade unions britânicas. 168

Dentro dessa dinâmica, Maurício Godinho Delgado leciona:

O ano e o país escolhidos pelo autor (1720) para demarcar o ponto inicial

do sindicalismo têm, certamente, algo de significativo e emblemático,

uma vez que esse movimento social e sua estrutura organizativa, os

sindicatos, encontram-se, de fato, organicamente atados à Revolução

Industrial e suas conseqüências econômicas, sociais e políticas. E esta

revolução industrial tem seu marco tecnológico na criação da máquina a

vapor, poucos anos antes, 1712, por Thomas Newcomem, que seria,

tempos depois, em fins do século XVIII, aperfeiçoada por James Watt

(estendendo-se por todo o século XVIII aquilo que seria, posteriormente,

conhecido como a primeira revolução tecnológica do capitalismo. 169

167

BLAY, Abraão, SUCUPIRA FILHO, Eduardo. Do Trabalho à Civilização. São Paulo: Fulgor, 1962, p.

146. 168 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1353. 169 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1354.

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E continua o ilustre doutrinador:

Porém é razoável argumentar-se não caber a busca de marco tão remoto

para a criação dos sindicatos (1720), porque ainda não reunidas, no

início do século XVIII, todas as condições econômicas, sociais, políticas e

ideológicas que propiciaram a descoberta da ação coletiva pelos novos

trabalhadores assalariados do novo sistema industrial emergente. Isso

porque tais condições foram deflagradas não apenas pelo surgimento do

capitalismo (que se fez, em seu alvorecer, em pequenas plantas

industriais), porém, principalmente, em função do processo acelerado de

desenvolvimento, propagação e concentração capitalistas que se seguiu

logo à frente. 170

Maurício Godinho Delgado divide em três fases o desenvolvimento das

associações sindicais, a saber:

A Primeira fase de desenvolvimento das associações sindicais foi

extremamente difícil, porque não reconhecia sua validade pelas ordens

jurídicas da época.

Trata-se da fase da proibição sindical, eventualmente acoplada com a

própria criminalização da prática de atos sindicais.Na França, em 1791,

foram abolidas as corporações de ofício, pela conhecida Lei Le

Chapelier, assegurando-se, em decorrência, plena liberdade de trabalho

(registre-se que, em virtude de assegurar o fim das corporações e da

vinculação do indivíduo aos instrumentos de produção,

institucionalizando a figura jurídica do trabalhador livre, essa lei passou a

ser, eventualmente, considerada um dos marcos de florescimento do

sindicalismo). Entretanto, o mesmo diploma legal poderia ser interpretado

como proibitivo de associações sindicais, uma vez que entendidas

conspiratórias da noção do trabalho efetivamente livre. Pouco tempo

170 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1354-1355.

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depois, na esteira dessa ideologia político-jurídica, foram as coalizões

operárias criminalizadas na França, através do Código Penal

Napoleônico, de 1810.

A segunda fase do sindicalismo no Ocidente correspondeu á tolerância

jurídica com os sindicatos e sua descentralização.

Trata-se, na verdade, de fase de transição, em direção ao pleno

reconhecimento do direito de livre associação e de auto-organização dos

sindicatos. A Inglaterra, uma vez mais, foi pioneira, nesse processo,

extinguindo o delito de coalização de trabalhadores na década de 1820.

Comentam Gomes e Gottschalk que a lei britânica de 1824, extintiva do

anterior delito, “foi modificada no ano seguinte, 1825, para punir a

violência, a ameaça, os atos de intimidação, etc., que porventura

acompanhassem o movimento grevista, que, por sua vez, foi modificada

em 1859 pelo Molestation of Workmem Act, em sentido mais favorável ao

operário. Russomano, por sua vez, corrobora que, “nos anos de 1825 e

1826, o direito inglês, mesmo sem atribuir personalidade jurídica aos

sindicatos, reconheceu o direito de associação”, antecipando-se por

décadas às conquistas alcançadas pelo sindicalismo no continente

europeu.

A terceira fase do sindicalismo, ultrapassada a transição anterior, é a do

reconhecimento do direito de coalização e livre organização sindical.

Esta fase de liberdade e autonomia sindicais firma-se, como regra geral,

na segunda metade do século XIX, atingindo diversos países europeus (é

evidente, que não se pode deixar de demarcar o pioneirismo da leis

inglesas de 1824/25). Não é por simples coincidência, a propósito, que o

estágio denominado de sistematização e consolidação do Direito do

Trabalho, nos planos individual e coletivo, que se demarca entre 1848 e

1919, estabelecendo exatamente em torno da afirmação sindical. 171

Ressalte-se, por oportuno, que a agregação dos trabalhadores nas fábricas

contribuiu para solidificar a noção de solidariedade e organização dos movimentos

171 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1355-1356.

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sociais, pois permitiu o reconhecimento de que estavam inseridos em uma mesma

situação de exploração e que a atuação coletiva seria a única forma de exercer

pressão sobre os empregadores e sobre o Estado para buscar melhorias nas

condições de trabalho.

Foi na Inglaterra, o berço do capitalismo, que nasceram os primeiros sindicatos e

também se realizou a primeira revolução burguesa da história, que depois de

muitos contratempos, se consolidou no poder, acumulou capital e pôde realizar a

primeira revolução industrial, no século XVIII. Seguiu-se um intenso processo de

desenvolvimento, com a superação do trabalho artesanal e da produção

manufatureira, sendo que foi a partir do ingresso das novas máquinas, com o

surgimento das grandes fábricas, que o capitalismo encontrara plenas condições

para se expandir e transformar no sistema dominante.

Ponto de destaque na história do trabalho é, sem dúvida, o fenômeno da

constitucionalização do Direito do Trabalho através das constituições do México

em 1917 e seqüencialmente com a constituição da Alemanha em 1919, bem como

edição do Tratado de Versalhes e a fundação da OIT – Organização Internacional

do Trabalho que estabeleceram alguns direitos sociais, dentre eles a liberdade de

associação e sindicalização.

É indiscutível a relevância da atuação coletiva dos trabalhadores para exercer

pressão sobre os empregadores e sobre a própria sociedade para transformar a

realidade. O sistema capitalista globalizado impregnado pelos conceitos

individualistas, mesclados com a dura realidade do desemprego estrutural,

envenena os próprios trabalhadores, colocando uns contra outros, estimulando-os

a competir entre si pelos postos de trabalho, rompendo o elo de solidariedade que

serviria para fortalecê-los na luta pela melhoria das condições de trabalho.

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107

4.5 A VOZ DA IGREJA EM FAVOR DOS POBRES

Dentre as fontes do pensamento que mais amplamente defenderam a idéia de

justiça social, está a doutrina social da Igreja Católica, através dos seus

documentos denominados Encíclicas, como a Rerum Novarum (1891), que iniciou

uma linha desenvolvida até os nossos dias com a Laborem Exercens (1981).172

É oportuna neste momento a transcrição Rerum Novarum no que diz respeito à

“Proteção do Trabalho dos Operários” e “O quantitativo do salário aos operários”,

a saber:

Proteção do trabalho dos operários, das mulheres e das crianças.

No que diz respeito aos bens naturais exteriores, primeiro que tudo é um

dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de

ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma discrição, das

pessoas como das coisas. Não é justo nem humano exigir do homem

tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o

espírito e enfraquecer o corpo. A atividade do homem, restrita como a

sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar. O exercício e o

uso aperfeiçoam-na, mas é preciso que de quando em quando se

suspenda para dar lugar ao repouso. Não deve, portanto, o trabalho

prolongar-se por mais tempo que as forças permitem. Assim, o número

de horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores,

e a quantidade do repouso deve ser proporcionada à qualidade do

trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde

dos operários. O trabalho, por exemplo, de extrair pedra, ferro, chumbo e

outros materiais escondidos, debaixo da terra, sendo mais pesado e

nocivo à saúde, deve ser compensado com uma duração mais curta.

Deve-se também atender às estações, porque não poucas vezes um

172 NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p.43.

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trabalho que facilmente se suportaria numa estação, noutra é de fato

insuportável ou somente se vence com dificuldade.

Enfim, o que um homem válido e na força da idade pode fazer, não será

equitativo exigi-lo duma mulher ou duma criança. Especialmente a

infância, - e isto deve ser estritamente observado, - não deve entrar na

oficina senão quando a sua idade tenha suficientemente desenvolvido

nela as forças físicas, intelectuais e morais; do contrário, como uma

planta ainda tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado

precoce, e dar-se-á cabo da sua educação. Trabalhos há também que se

não adaptam tanto à mulher, a qual a natureza destina de preferência

aos arranjos domésticos, que, por outro lado salvaguardam a

admiravelmente a honestidade do sexo, e correspondem melhor, pela

sua natureza ao que pede a boa educação dos filhos e a prosperidade da

família. Em geral, a ação do descanso deve medir-se pelo dispêndio das

forças que ele deve restituir. O direito ao descanso de cada dia assim

como á cessação do trabalho no dia do Senhor, deve ser a condição

expressa ou tácita de todo o contrato feito entre patrões e operários.

Onde esta condição não entrar, o contrato não será probo, pois ninguém

pode exigir ou prometer a violação dos deveres do homem para com

Deus e para consigo mesmo.

O quantitativo do salário dos operários.

Passemos agora a outro ponto da questão e de não menor importância,

que, para evitar os extremos, demanda uma definição precisa. Referimo-

nos à fixação do salário. Uma vez livremente aceito o salário por uma e

outra parte, assim se raciocina, o patrão cumpre todos os seus

compromissos desde que o pague e não é obrigado a mais nada. Em tal

hipótese, a justiça só seria lesada, se ele se recusasse a saldar a dívida

ou o operário a concluir todo o seu trabalho, e a satisfazer as suas

condições; e neste caso, com a exclusão de qualquer outro, é que o

poder público teria que intervir para fazer valer o direito de qualquer

deles.

Semelhante raciocínio não encontrará um juiz equitativo que consinta em

o abraçar sem reserva, pois não abrange todos os lados da questão e

omite um, deveras importante. Trabalhar é exercer a atividade com o fim

de procurar o que requerem as diversas necessidades do homem, mas

principalmente a sustentação da própria vida. “Comerás o teu pão com o

suor do teu rosto” (Gên. 3, 19). Eis a razão porque o trabalho recebeu da

natureza como um duplo cunho: é pessoal, porque a força ativa é

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109

inerente à pessoa, e porque é propriedade daquele que a exerce e a

recebeu para sua utilidade; e é necessário, porque o homem precisa da

sua existência, e porque a deve conservar para obedecer às ordens

irrefragáveis da natureza. Ora, se não se encarar o trabalho senão pelo

seu lado pessoal, não há dúvida de que o operário pode a seu talante

restringir a taxa do salário. A mesma vontade que dá o trabalho, pode

contentar-se com uma pequena remuneração ou mesmo não exigir

nenhuma. Mas já é outra coisa, se ao caráter de personalidade se juntar

o de necessidade, que o pensamento pode abstrair, mas que na

realidade não se pode separar. Efetivamente, conservar a existência é

um dever imposto a todos os homens e ao qual se não podem subtrair

sem crime. Desde dever nasce necessariamente o direito de procurar as

coisas necessárias a subsistência e que o pobre as não procure senão

mediante o salário do seu trabalho.

Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes

aprouver, cheguem inclusive a acordar na cifra do salário; acima da sua

livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga,

a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a

subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela

necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições

duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são

impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto

sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.

Mas, sendo de temer que nestes casos e em outros análogos, como no

que diz respeito às horas diárias de trabalho e à saúde dos operários, a

intervenção dos poderes públicos seja importuna, sobretudo por causa da

variedade das circunstâncias, dos tempos e dos lugares, será preferível

que a solução seja confiada às corporações ou sindicatos de que

falaremos mais adiante ou que se recorra a outros meios de defender os

interesses dos operários, mesmo com o auxílio e apoio do Estado, se a

questão o reclamar”. 173

173 FERRARI, Irany, NASCIMENTO, Amauri Mascaro, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História di

Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Homenagem a Armando Casimiro Costa. São

Paulo: LTr, 1998, p. 28-30.

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A Igreja persiste na consolidação do valor-trabalho, desempenhando papel

relevante na luta para a concretização dos direitos sociais. Nesse entendimento, o

Papa João Paulo II, na Encíclica Laborem Exercens, 14/09/1981, dispõe que:

O trabalho é uma das características que distinguem o homem do resto

das criaturas, cuja atividade, relacionada com a manutenção da própria

vida, não se pode chamar trabalho; somente o homem tem capacidade

para o trabalho e somente o homem o realiza preenchendo ao mesmo

tempo com ele a sua existência sobre a terra. Assim, o trabalho comporta

em si uma marca particular do homem e da humanidade, a marca de uma

pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal marca

determina a qualificação interior do mesmo trabalho e, em certo sentido,

constitui a sua própria natureza. [...] o fundamento para determinar o

valor do trabalho humano não é, em primeiro lugar o tipo de trabalho que

se realiza, mas o direito de que quem executa é uma pessoa. 174

Evidentemente, a Igreja buscou seus fundamentos na Bíblia para discorrer sobre a

questão do trabalho do homem no mundo, ou seja, a base é primariamente

bíblica, conforme discorre Irany Ferrari:

Para João Paulo II, “a Igreja vai encontrar logo nas primeiras páginas do

Livro de Gênesis a fonte dessa sua convicção, de que o trabalho constitui

uma dimensão fundamental da existência humana sobre a terra”. Assim,

quando o homem, criado à imagem de Deus... varão e mulher, houve as

palavras “Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a”, mesmo

que estas palavras não se refiram direta e explicitamente ao trabalho,

indiretamente já indicam, e isso fora de quaisquer dúvidas, como uma

atividade a desempenhar no mundo”. 175

174 RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do Direito do Trabalho. São Paulo, LTr, 1995, p. 104. 175

FERRARI, Irany, NASCIMENTO, Amauri Mascaro, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História

di Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Homenagem a Armando Casimiro Costa. São

Paulo: LTr, 1998, p. 25.

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111

Dentro dessa dinâmica, resta evidente que a igreja reforçou a idéia de maior

participação e intervenção do Estado na economia, bem como da valorização do

trabalho, deixando claro sua preocupação com a questão social.

Resta também evidente que a Igreja sempre exerceu influência, até porque, em

alguns períodos da história, a instituição Igreja participou de tomadas de decisões

políticas, econômicas e também de cunho social. Ato contínuo, na história, a

Igreja se absteve de ter participação efetiva; houve uma ruptura política entre a

Igreja e o Estado.

Entretanto, o que nunca se rompeu foi a ingerência que a Igreja exerceu e ainda

exerce em todas as áreas da sociedade.

Mas o ponto de destaque é a interferência da Igreja em favor dos pobres, dos

trabalhadores, que são verdadeiramente a classe desprotegida, que durante toda

a história ficou a mercê do capital.

Por fim, é salutar mencionar que a importância da Igreja está principalmente

fundamentada no fato de que ela consegue comungar ideais em todo um território

de dimensões continentais, como o Brasil. Assim, é ponto pacífico que a “voz da

Igreja” em favor dos pobres representou e ainda representa na sociedade e no

âmbito laboral um instrumento de luta e conscientização pelos direitos sociais.

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5. A INTERVENÇÃO ESTATAL

A intervenção do Estado na produção da riqueza processa-se, dentre outros

modos, por meio de medidas de proteção ao trabalhador. Essa tutela assume

juridicamente o aspecto de limitações à liberdade de contratar. Nesse sentido,

Orlando Gomes explica que:

A ação do poder político para solucionar a questão social não altera o

modo de estruturação do vínculo de trabalho. É apenas um

reajustamento, visando estabelecer o equilíbrio entre as partes, que não

fora conseguido na época do liberalismo. Mas, se em sua constituição e

em seus fins, a relação de trabalho conserva a sua natureza, já não

apresenta os mesmos caracteres no que tange a seu conteúdo. O

trabalhador está protegido. O Estado lhe provê, como acentua Mário de

La Cueva, um mínimo de garantias individuais, que não podem ser

desrespeitadas. 176

Em relação à intervenção Estatal, destaca-se a colocação de Ari Possidonio

Beltran:

O intervencionismo estatal caracteriza-se pelo cerceamento da

autonomia da vontade individual ou coletiva, decorrente da imposição de

condutas por leis de ordem pública. O Estado passou a intervir nas

relações individuais e coletivas do trabalho, com o escopo de dar maior

proteção aos hipossuficientes através de leis imperativas, criando-lhes

direitos mínimos irrenunciáveis. As normas impositivas oriundas desse

modelo intervencionista, por não contarem com a espontânea adesão,

são amiúde desrespeitadas, tornando as leis ineficazes e

176GOMES, Orlando. Introdução ao Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1944, p. 23-24.

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desprestigiadas, sobretudo pela realidade econômica cultural em que

devem ser aplicadas. 177

Percebe-se que a intervenção do Estado na vida econômica, através de normas

de ordem pública, foi necessária em virtude da falta de paridade entre empregador

e empregado.

É perceptível, na história do trabalho, que se a matriz civilista tivesse

preponderado na seara juslaboral por meio da aplicação do princípio da autonomia

da vontade, a desigualdade econômica existente entre as partes que compõe um

contrato de trabalho seriam ainda maiores.

Desta feita, para conferir real proteção ao trabalhador foi necessária a intervenção

estatal via legislação, com o fim especial de compensar a desigualdade

econômica entre as partes. Assim, a lei confere superioridade jurídica ao

empregado compensando a superioridade econômica do empregador.

A propósito, vejamos o que o professor João Walge da Silveira Noronha

mencionou a esse respeito:

A intervenção do Estado no domínio econômico, através da lei, para

proporcionar o bem comum, é dever das democracias participativas.

Constitui-se em dever impostergável que não pode ser retardado sob

pena de gerar um custo social incalculável. A par de ser a social

democracia, a melhor forma de atuação política até hoje concebida, não

soube ainda resolver adequadamente o problema do trabalho e do

emprego. Para atender as necessidades sociais múltiplas das categorias

menos favorecidas da sociedade estatal, é necessário um Estado

dinâmico, intervencionista na medida certa da sua responsabilidade, para

não transforma-se em capitalismo de Estado, mas que imponha

restrições à livre iniciativa, instituindo um Estado capaz de balizar a

177 BELTRAN, Ari Possidonio. Tendências do Direito Material e Processual do Trabalho, vol. 2. Yone

Frediani – Coordenadora. São Paulo: LTr, 2001, p. 160.

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economia através de instrumentos legais e democráticos que o

capacitem para o verdadeiro exercício que lhe é atribuído. 178

Diante do exposto, resta claro que é essencial o papel do Estado como agente de

equilíbrio da ordem econômico-social, principalmente, num Estado Democrático de

Direito, como o Brasil. Do contrário, um Estado que se diz comprometido, mas que

é omisso em questões de cunho social não poderá ver entendido como

democrático.

Nessa linha de raciocínio, vejamos a colocação de Ismal Gonzalez:

As garantias mínimas constitucionais aos trabalhadores subordinados,

com vista à paz social, justificaram na origem a intervenção estatal em

nome do princípio protetor que embasa todo o Direito do Trabalho.

Decorreram as normas estatais da premente necessidade de elevar o

trabalho humano ao patamar de dignidade que lhe é imanente. Cerceou-

se a autonomia da vontade, ofuscou a liberdade, em razão dos

imperativos de justiça social. 179

A intervenção do Estado na economia faz-se necessária para que se mantenham

fixos os pilares do bem-estar social e da existência digna do homem.

Por derradeiro, cabe ao Estado, como único agente político capaz de conduzir

interesses conflitantes, de maneira desinteressada (atendendo à sua própria

finalidade), harmonizar a relação entre capital e trabalhador, com o fim precípuo

de conferir proteção e dignidade ao trabalho e ao homem que trabalha.

178NORONHA, João Walge da Silveira. A valorização do trabalho como condição de dignidade humana.

Direito & Justiça, Revista Anual da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul – PUCRS. Porto Alegre, Vol 21 – Ano XXII, p. 165, 2000. 179 GONZALEZ, Ismal. Tendências do Direito Material e Processual do Trabalho, vol. 2. Yone Frediani –

Coordenadora. São Paulo: LTr, 2001 p. 161.

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5.1 AS PRIMEIRAS LEIS TRABALHISTAS O primeiro país a constitucionalizar normas juslaborais foi o México em 1917; em

1919 a Alemanha seguiu o caminho através da Constituição de Weimar. Depois

destes dois precedentes históricos os outros países começaram a atentar para a

importância da constitucionalização dos direitos sociais.

Neste ponto, serão abordadas com mais ênfase as primeiras leis trabalhistas

brasileiras, sendo que a menção da Constituição do México e da Alemanha serviu

apenas como marco histórico, sendo certo que tratar das primeiras leis

trabalhistas estrangeiras é tarefa inesgotável e foge do objeto proposto.

A primeira Constituição brasileira, datada de 1824, estabelecia um governo

monárquico e hereditário180, que apenas tratou de abolir as corporações de oficio,

que dificultavam o exercício de ofícios e profissões; no entanto, não contemplava

os direitos sociais por absoluta omissão.

Em 1891 a Constituição reconhecia a liberdade de associação, permitindo que os

obreiros, de forma lícita se associassem ou reunissem sem armas, não podendo a

polícia intervir, salvo para manter a ordem pública.

Com o crescimento da classe trabalhadora, formada em sua grande maioria por

adolescentes, mulheres e imigrantes e diante da superexploração da mão-de-

obra, iniciou-se um levante em direção à busca dos direitos sociais.

Neste sentido, a professora Gabriela Neves Delgado, instrui:

Em 1930 eclodiu um movimento político contestatório ao poder instituído

que teve, como conseqüência, a posse de Getúlio Vargas na presidência

180 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 73.

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da República. Institui-se, gradativamente, naqueles anos, um Estado

centralizador corporativo-assistencialista influenciado, sobremaneira, pelo

fenômeno da constitucionalização dos direitos sociais no início do século

XX. 181

A Constituição Federal de 1934 trouxe várias inovações sociais, dentre elas:

direito ao salário mínimo, isonomia salarial, jornada de trabalho de oito horas

diárias, repouso semanal remunerado, férias anuais remuneradas, proibição de

trabalho noturno para menores de quatorze anos, proibição de trabalho insalubre

para menores de dezoito anos e para mulheres, e garantias de liberdade sindical.

A Carta de 1934 teve curta duração em virtude de sua suspensão através do

Estado de Sítio decretado, em 1935, pelo Governo Getúlio Vargas.

Este foi um período de grande recessão democrática, uma vez que o Congresso

Nacional, as Assembléias Estaduais e as Câmaras de Vereadores foram fechados

e o país passou a ser regido por uma Constituição outorgada por Vargas, em

1937, que promoveu assento a um Estado unitário, centralizador e autoritário. 182

Esta Constituição inspirou-se no modelo de Constituição fascista da Polônia e na

Carta del Lavoro italiana, de 1927. Fazendo referencia a Carta de 1937183, ministra

Gabriela Delgado:

Apesar de manter os direitos assegurados pela Constituição de 1934,

apresentou os seguintes retrocessos: não mencionou o princípio da

isonomia salarial; proibiu a greve o lockout, eis que considerados

recursos anti-sociais; garantiu a liberdade de associação, mas reservou

ao Estado o reconhecimento dos sindicatos. 184

181DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 74. 182DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 75. 183 Gabriela Neves Delgado (p. 75) citando Ives Gandra tece o seguinte comentário: Aliás, algumas das

maiores vítimas da violência estatal no período foram, como se sabe, as lideranças sindicais não vinculadas ao

governo. Inclusive, foi a Constituição de 1937 que introduziu o Sindicato único e o imposto sindical

obrigatório. 184 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 75.

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Em primeiro de maio de 1943 editou-se o decreto-lei n° 5.452, aprovando-se a

Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Ressalte-se, por oportuno que a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho foi

promulgada na vigência de um governo ditatorial, que engessava sobremaneira a

classe trabalhadora porque ao mesmo tempo em que protegia, controlava a

mesma através da repressão.

Apesar do manto ditatorial sob o qual a CLT foi gerada, esta significou uma etapa

importante e progressiva na busca da proteção jurídica aos obreiros.

O professor Antônio Fabrício de Matos Gonçalves defende que os direitos

trabalhistas no Brasil foi resultado de conquista dos trabalhadores, nesse sentido

ele aduz que:

Getúlio Vargas encontrou um país onde havia uma grande massa de

imigrantes, com idéias anarquistas e socialistas, que começaram a

organizar a luta dos trabalhadores brasileiros, organizando greves e lutas

por leis trabalhistas. Neste quadro, o então presidente começa a editar

leis em função da organização dos operários, no intuito de acalmar os

ânimos e evitar convulsões sociais. Assim, o Direito do Trabalho no Brasil

não foi um presente do chamado “pai dos pobres”, mas uma conquista.

185

Noutro giro, há quem entenda que a CLT foi uma concessão, um presente do

Estado. Para quem entende desse modo, há que se ponderar pelo menos que, se

foi um presente do Estado para a classe trabalhadora, este presente teve o

objetivo de paralisar a mesma, que já estava em processo de ebulição na luta por

garantias mínimas dos direitos trabalhistas.

185 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Flexibilização trabalhista. Belo Horizonte: Mandamentos,

2004. p. 146-147.

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Na verdade, a Consolidação veio para acalmar os ânimos já aflorados dos

trabalhadores.

Em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil passou por um

processo de reestruturação social e econômica, e, conseqüentemente, de ruptura

com a continuidade do regime autoritário e adoção de medidas de democratização

política, buscando a efetivação dos direitos sociais.

A Constituição de 1946 teve a peculiaridade de fazer referência expressa à

dignidade da pessoa humana, ao afirmar que a todos deveria ser assegurado

trabalho que possibilitasse a existência digna.

O golpe militar de 1964 interrompeu o período de consolidação democrática

iniciada em 1945, sendo que de 1964 até 1967 a Constituição de 1946 sofreu

várias alterações em decorrência do AI- Atos Institucionais.

Em 1967 foi publicada nova Constituição, sendo a mesma ratificada pelo AI – Ato

Institucional n° 5, através da Emenda Constitucional n° 1, de 1969.

Gabriela Neves Delgado refere-se a esta fase como um período marcado pela

filosofia do arbítrio centralizador, vejamos:

O eixo central do governo pautava-se no autoritarismo e na supremacia

do Poder Executivo, fatores que em muito contribuíram para a restrição

dos direitos políticos e civis, além da proibição de quaisquer

manifestações de cunho social. Paradoxalmente, manteve os direitos

trabalhistas previstos nas Constituições anteriores e foi além, definindo a

composição do Tribunal superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais,

com Juízes Togados vitalícios e classistas temporários. 186

186 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 77.

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A atual Constituição, aprovada em 1988, com a alcunha de Carta Cidadã, trouxe

mudanças relevantes como a inclusão das normas trabalhistas no capitulo dos

Direitos Sociais, o que não ocorrera nas anteriores.

A Constituição Federal defende o trabalho como um fator imprescindível para uma

vida digna. O direito ao trabalho está garantido na CF/88 desde seu preâmbulo, e

em especial, em seu artigo 6°, no rol dos direitos sociais, e também nos artigos 7°

ao 11°, onde estão previstos os principais direitos para os trabalhadores.

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5.2 O SURGIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO

Vários foram os fatores que levaram ao surgimento do Direito do Trabalho, todos

no sentido de minimizar o desequilíbrio de forças econômicas, clamando pela

presença do Estado, tecendo regras mínimas. Este passou, então, a intervir nas

relações trabalhistas, para evitar a exploração desenfreada do trabalhador no

contexto da sociedade industrial européia no século XIX.

De forma brilhante, o professor Luiz Otávio Linhares Renault, ao mencionar sobre

o surgimento do Direito do trabalho, aduz que:

O Direito do Trabalho, como se sabe, foi fruto de violentas lutas e de

algumas concessões do capital, que necessitava de uma fórmula jurídica

moderna, que assoalhasse a utilização pacífica e disciplinada da mão-de-

obra em massa, necessária e útil à implementação e ao desenvolvimento

da revolução industrial. 187

Já Orlando Gomes utiliza a expressão aparecimento do Direito do Trabalho,

vejamos:

A realidade social desmascarou o individualismo jurídico. Erigido sobre o

dogma da igualdade formal, não se cumpriram as finalidades que se

esperavam de uma legislação que considerava todos os homens iguais.

A desigualdade real entre os homens, resultante da diversidade de

situação econômica, era sancionada pelo Direito, que permitia assim, a

opressão do fraco pelo forte. Foi no mercado do trabalho que se

manifestou primeiramente, e com mais vigor, o divórcio entre os fatos e a

lei. Por circunstâncias e devido a causas, que não cabe examinar aqui, o

187 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. O Direito do Trabalho? In: Pimenta, In PIMENTA, José Roberto Freire et

al. (Coords). Direito do Trabalho: Evolução, Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 76.

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Estado foi forçado a intervir nas relações entre patrões e trabalhadores a

fim de organizá-las em moldes mais justos, coibindo os abusos que se

praticavam à sombra da liberdade de contratar. Para alcanças esse

objetivo, restringiu-a, debilitando o poder dos patrões. 188

Sobre a origem do Direito do trabalho, Maurício Godinho Delgado menciona que:

O Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à revolução

histórica desse sistema, retificando-lhe distorções econômicas-sociais e

civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica

cria no âmbito da sociedade civil, em especial no estabelecimento e na

empresa.

[…]

O Direito do Trabalho é, pois, produto cultural do século XIX e das

transformações econômicas-sociais e políticas ali vivenciadas.

Transformações todas que colocam a relação de trabalho subordinado

como núcleo motor do processo produtivo característico daquela

sociedade. Em fins do século XVIII e durante o curso do século XIX é que

maturaram, na Europa e Estados Unidos, todas as condições

fundamentais de formação do trabalho livre mas subordinado e de

concentração proletária, que propiciaram a emergência do Direito do

Trabalho.189

Ao relatar a função modernizante e progressista do Direito do Trabalho, o autor

ainda destaca:

[...] a legislação trabalhista, desde seu nascimento, cumpriu o relevante

papel de generalizar ao conjunto do mercado de trabalho aquelas

condutas e direitos alcançados pelos trabalhadores nos segmentos mais

avançados da economia, impondo, desse modo, a partir do setor mais

188 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1944, p. 57. 189 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7 ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 81 e 86.

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moderno e dinâmico da economia, condições mais modernas, ágeis e

civilizadas de gestão da força de trabalho. 190

Certo é que o Direito do Trabalho surgiu para exaltar a dignidade do trabalhador e

melhorar sua condição humana. Na verdade, toda a classe trabalhadora necessita

dos benefícios do trabalho regulado, do qual é mantida continuamente a vida

humana. É o trabalho digno e regulado que integra o cidadão na sociedade e

contribui para a plena realização de sua personalidade como ser humano e

cidadão.

Em relação à segurança que proporciona o trabalho regulado e digno ao homem,

que depende única e exclusivamente de seu trabalho para garantir sua

subsistência, instrui Jorge Luiz Souto Maior, na sua obra Relação de Emprego e

Direito do Trabalho:

A centralidade do direito do trabalho na relação de emprego, ademais, é

o que tem permitido que este ramo do conhecimento jurídico, o direito do

trabalho, evolua constantemente. A melhoria da condição social e

econômica do empregado, cumpre não esquecer, é o princípio

fundamental do direito do trabalho e com o avanço constante da

normatividade trabalhista a aquisição de uma relação de emprego passou

a ser sinônimo de status social e segurança [...].191

Ao fazer uma análise da economia de mercado, Maurício Godinho Delgado,

enfatiza que:

[...] a economia de mercado não visa à procura de equidade, de justiça

social, porém à busca da eficiência, da produtividade e do lucro. Neste

contexto o Direito do Trabalho tem se afirmado na história como uma

190 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 59. 191 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Relação de Emprego e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 95

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racional intervenção da idéia de justiça social, por meio da norma jurídica,

no quadro genérico de toda a sociedade e economia capitalista [...].192

Sobre o surgimento do Direito do Trabalho, a doutrina juslaboral costuma dividir o

processo de estruturação desse ramo da ciência jurídica de diversas formas.

Neste trabalho, utilizarei a dinâmica de fracionamento utilizada pelo Mestre

Maurício Godinho Delgado, por ser mais compreensível e didática, não

desprestigiando em nada os outros doutos no assunto.

Segundo o professor Maurício Godinho Delgado, o processo de formação e

consolidação do Direito do Trabalho se deu num primeiro momento através de

manifestações incipientes ou esparsas, iniciada no século XIX (1802), com o

Peel´s Act inglês, até 1848; seguida pela fase da sistematização e consolidação

do Direito do Trabalho que se estende de 1848 até 1919; a terceira fase é a da

institucionalização do Direito do trabalho, que iniciou-se em 1919, avançando ao

longo do século XX; e, finalmente, uma quarta fase, concernente à crise e

transição do Direito do Trabalho, deflagrada no Ocidente em torno de 1979 e

1980. 193

Primeira fase do Direito do Trabalho: Manifestações Incipientes ou esparsas:

Apesar de a primeira fase de formação histórica do Direito do Trabalho ter sido

iniciada com a expedição do Peel’s Act, em 1802, diploma legal inglês que fixou

certas restrições à utilização do trabalho de menores, é necessário advertir a

respeito da falta de sistematização entre as leis que foram produzidas nesse

período que vai de 1802 até 1848, com a publicação do Manifesto Comunista.

192

DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o Paradigma da Destruição e os

Caminhos de Reconstrução. São Paulo: Editora LTr, 2006, p. 122. 193 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 94.

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Exatamente em razão da falta de sistematização das leis à época existentes,

ainda não era possível vislumbrar o surgimento do Direito do Trabalho como ramo

autônomo e especializado da ciência jurídica. Pelo contrário, tais leis incipientes e

esparsas constituíam, apenas, dispersos esforços de contenção das

manifestações obreiras mais violentas contra a exploração de trabalho de

menores e de mulheres nas fábricas.194

A afirmação de que os contratos adotados na época para regular a prestação de

serviços fundavam-se na autonomia da vontade e na igualdade jurídica das partes

contratantes, dois dos grandes pilares do Direito Civil. Realmente, para o

liberalismo, em suas vertentes política e econômica, a garantia de igualdade

jurídica entre as partes contratantes não significava, como de fato nunca

significou, um comprometimento estatal com o fito de estabelecer uma igualdade

econômica entre as partes.

Segunda fase do Direito do Trabalho: Sistematização e Consolidação

O Direito do Trabalho somente começou a surgir como um novo ramo autônomo,

sistemático e especializado da ciência jurídica a partir de 1848, quando Marx e

Engels publicaram o Manifesto Comunista, e enterraram, de vez, as correntes

utópicas do pensamento revolucionário. Isto porque é nesse instante que as

classes social e juridicamente subordinadas (...) passam a se voltar a uma linha de

incisiva pressão coletiva sobre o pólo adverso na relação empregatícia (o

empresariado) e sobre a ordem institucional vigorante, de modo a insculpir no

universo das condições de contratação da força de trabalho e no universo jurídico

mais amplo da sociedade, o vigor de sua palavra e de seus interesses coletivos. 195

E complementa o renomado doutrinador:

194 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 94. 195 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 95.

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[...] Na verdade, perceberam os trabalhadores que um dos sujeitos da

relação de emprego (o empregador) sempre foi um ser coletivo, isto é,

um ser cuja vontade era hábil a detonar ações e repercussões de

impacto social. (...) Em comparação a ela, a vontade obreira, como

manifestação meramente individual, não tem a natural aptidão para

produzir efeitos além do âmbito restrito da própria relação bilateral

pactuada entre empregador e empregado. O Direito Civil [que trazia a

regulamentação legal dos contratos na época aduzidos entre

trabalhadores e capitalistas] tratava os dois sujeitos da relação de

emprego como seres individuais, ocultando, em sua equação

formalística, a essencial qualificação do ser coletivo detida naturalmente

pelo empregador. 196

A conseqüência dessa pressão coletiva exercida pelos trabalhadores sobre os

donos das fábricas, através de normas autônomas elaboradas pelas partes

interessadas de forma negocial, foi que o Estado passou a incorporar em suas

atribuições a função de resguardar, por meio de normas jurídicas tutelares, os

interesses dos hipossuficientes e subordinados da relação empregatícia.

É notório que, mesmo a partir da consolidação do Direito do Trabalho, a

subordinação continuou sendo o diferencial entre empregados e demais

prestadores de serviço.

Terceira fase do Direito do Trabalho: Institucionalização do Direito do

Trabalho

Suplantada a fase de sistematização e consolidação do Direito do Trabalho,

segue-se uma terceira fase, qual seja, a da institucionalização do Direito do

Trabalho que se inicia logo após a Primeira Guerra Mundial, e que teve seu marco

196 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 90/91.

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a partir do reconhecimento dos direitos sociais pelas Constituições do México, de

1917 e da Alemanha (Weimar), de 1919. 197

Nesta fase, dá-se a constitucionalização do Direito do Trabalho que se incorpora,

dessa forma, às ordens jurídicas dos países de regime democrático. Cabe frisar,

ainda, que, neste mesmo ano de 1919, veio a ser criada a OIT - Organização

Internacional do Trabalho.

Naquela fase, como já se afirmou, começou-se a perceber que o Estado deveria

passar a garantir os direitos sociais mínimos, para que os direitos individuais

pudessem, realmente, ser usufruídos por toda população. Se o Liberalismo

pregava a igualdade dos cidadãos frente a seus pares, o modelo teórico do Estado

que o sucedeu passou a pregar a necessidade de inserção de toda a população

no processo econômico, garantindo-lhe o direito social ao trabalho digno, para que

os trabalhadores pudessem desfrutar também de uma igualdade econômica frente

aos seus empregadores, natural e economicamente mais fortes que aqueles.

Destarte, ao contrário do que pregava o liberalismo, passou-se a acreditar que a

igualdade jurídica plena entre os capitalistas e os trabalhadores só seria possível

se garantisse também uma igualdade efetiva, real e econômica entre os mesmos.

Quarta fase do Direito do Trabalho: Crise e Transição do Direito do Trabalho

A quarta fase abrange o final do século XX, tendo por marco inicial nos países

ocidentais desenvolvidos, nos anos de 1979/1980.

197 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 96.

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Nesse compasso, ministra Maurício Godinho:

Uma conjugação de fatores verificou-se nessa época. De um lado, uma

crise econômica iniciada alguns anos antes, entre 1973/74 (a chamada

crise do petróleo), que não encontrou resposta eficaz e rápida por parte

das forças políticas então dirigentes. A crise abalava a higidez do sistema

econômico, fazendo crescer a inflação e acentuando a concorrência

interempresarial e as taxas de desocupação no mercado de trabalho. A

par disso, gravava o déficit fiscal do Estado, colocando em questão seu

papel de provedor de políticas intensas e generalizantes.

De outro lado, um processo de profunda renovação tecnológica,

capitaneada pela microeletrônica, robotização e microinformática. Tais

avanços da tecnologia agravavam a redução dos postos de trabalho em

diversos segmentos econômicos, em especial na indústria, chegando

causar a ilusão de uma próxima sociedade sem trabalho. Além disso,

criavam ou acentuavam formas de prestação laborativa (como o

teletrabalho e o escritório em casa – home-office), que pareciam

estranhas ao tradicional sistema de contratação e controle

empregatícios.198

Neste contexto, os modelos clássicos de gestão foram substituídos por modelos

de descentralização administrativa empresarial, surgindo concomitantemente a

terceirização.

Na verdade, após um período de crise, as coisas foram se assentando e as

previsões de uma futura sociedade em trabalho caiu no vazio, no esquecimento.

No entanto, houve, sem dúvida, uma acentuada desregulação, informatização e

desorganização do mercado de trabalho, principalmente nos países em

desenvolvimento como o Brasil, porém, sem que se criassem alternativas mínimas

de gestão trabalhista, em contraponto com o padrão juslaborativo clássico. 199

198 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 97. 199 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 98.

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128

Por derradeiro, finaliza o mestre Maurício Godinho Delgado, mencionando que, no

fundo, o que despontara, no início, para alguns, como crise para a ruptura final do

ramo trabalhista, tem-se afirmado, cada dia mais, como essencialmente uma

transição para um Direito do Trabalho renovado. 200

200 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 99.

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129

5.3 A AFIRMAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

Desde a afirmação do Direito do Trabalho como ramo jurídico autônomo,

estruturado em torno da relação de emprego, aconteceram várias mudanças

relacionadas com a evolução do sistema econômico e com o desenvolvimento

tecnológico, questões de cunho puramente políticas, dentre outras, que

propiciaram o surgimento de outras formas de contratação paralelamente à

clássica relação de trabalho subordinado, utilizada de forma maciça no modelo

taylorista-fordista de produção.

Certo é que, com a evolução tecnológica, juntamente com a ideologia liberal, o

sistema capitalista passou por uma crise nas últimas décadas do século XX, o que

colaborou para a proliferação do discurso de desconstrução do Direito do

Trabalho. A par disso, surgiram propostas de flexibilização da tutela da relação

jurídica que envolve o trabalho produtivo, bem como o esvaziamento do conjunto

de direitos e garantias já conquistados pelos trabalhadores.

A propagação do discurso neoliberal no mundo contemporâneo de que a

regulamentação do trabalho funciona como um entrave ao desenvolvimento

econômico gerou uma inversão de valores, deslocando a tutela destinada aos

trabalhadores à defesa dos interesses do capital, caminhando em sentido oposto

ao do reconhecimento da centralidade da valorização social do trabalho regulado.

Como analisado anteriormente, as razões que levaram à formação, consolidação

e crise do Direito do Trabalho foram questões de ordem política, econômica e

social. E que neste momento, o foco é a afirmação e efetividade do Direito do

Trabalho.

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Convém relembrar que a discussão sobre a necessidade de regulação da relação

de trabalho na modernidade, via Direito do Trabalho, é matriz prevalecente,

esgotada totalmente, no cenário atual, a possibilidade de regulação, adotando-se

a regulamentação do direito comum (Direito Civil).

Em vista disso, o que se torna necessário na atualidade é uma reflexão positiva

sobre o futuro do Direito do Trabalho, buscando alternativas para o seu

redirecionamento ou de sua reafirmação, estabelecendo premissas que viabilizem

tanto o Direito Individual e Coletivo, como também o Direito Processual do

Trabalho.

É através do reconhecimento da afirmação do Direito do Trabalho como um Direito

Social por excelência, e do encadeamento de um aprimoramento efetivo das

relações entre o capital e o trabalho, com o objetivo de recolocar a sociedade no

rumo da reconstrução, comprometida com a busca por inclusão social, melhor

distribuição de renda e justiça social, é que poderemos vislumbrar uma sociedade

livre, com trabalhadores valorizados e dignos.

O Direito do Trabalho se estruturou em torno da relação de emprego em virtude do

contexto social, político e econômico em que aconteceu seu surgimento.

Fazendo um retrocesso na história, percebemos que o trabalhador destituído de

capital e dos meios de produção, foi obrigado a vender seu próprio trabalho, sendo

esta a característica que marcou o surgimento do sistema econômico capitalista.

A ótica capitalista sempre foi, e ainda é, a da superexploração dos obreiros em

benefício de maiores produtividades e lucros.

Nesta senda, a modificação da natureza do vínculo estabelecido nas relações de

produção foi considerada um pressuposto lógico para o surgimento do trabalho

subordinado, e, conseqüentemente, da relação empregatícia de trabalho, núcleo

fundamental do Direito do Trabalho.

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131

As alterações ocorridas no modo de produção baseavam-se no trabalho livre,

porém, subordinado. Nesta sistemática, os trabalhadores livres (mas

subordinados) foram então usados de forma maciça e concentrada como

instrumento central e integrante, como acentua o doutrinador, Amauri César Alves:

Com a Revolução Francesa e sobretudo com a Revolução Industrial o

trabalho livre desponta como central, quase hegemônico. Com a

dissolução do sistema feudal as cidades atraem uma massa de cidadãos

pobres, que somente possuem sua força produtiva para vender aos

detentores do capital. Surgem as grandes fábricas, que arregimentam

mão-de-obra desqualificada de homens, mulheres e crianças. A pobreza

continua reinante, mas não há, formalmente, sujeição pessoal. Havia

remuneração pelo trabalho desenvolvido, ainda que a realidade

demonstre que o valor da mão-de-obra era baixíssimo, dado o excesso

de oferta e a natureza do trabalho a ser desenvolvido – trabalho braçal,

desqualificado. Neste contexto industrial e de superexploração da mão-

de-obra é que nasce o Direito do Trabalho, de natureza protetiva e que

buscou gerar patamares civilizatórios mínimos de contratação da força

produtiva. 201

Após este período descrito acima, a relação de emprego, desequilibrada sob o

aspecto econômico, tornou-se dominante na conjuntura sócio-econômica do

mundo ocidental, e essa se tornou a forma de pactuação da realização de trabalho

mais importante, não só daquela época, como ainda, nos dias atuais. Sendo que,

de tão relevante, o Direito do Trabalho, que surgiu por uma combinação de fatores

históricos, econômicos, políticos e sociológicos, se estruturou em torno dela.

Nesta digressão, Amauri César Alves comenta que:

Ao Direito do trabalho, sobretudo ao Direito Individual do Trabalho, não

interessam diretamente todas as espécies de relação de trabalho, mas

201 ALVES, Amauri César. Novo contrato de emprego: parassubordinação trabalhista. São Paulo: LTr, 2005,

p.50.

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apenas uma em especial: a relação de emprego. Dadas as

especificidades, a relação de emprego assumiu, ao longo dos últimos

séculos, posição de destaque no mundo do trabalho capitalista.(...)

A relação de emprego, então, recebe a proteção do Direito do Trabalho, o

que inocorre, regra geral, com as demais relações de trabalho. Tal

realidade pode ser explicada por ser o vínculo empregatício mais sólido e

permanente do que o vínculo de trabalho em que não está presente a

relação de emprego. 202

De fato, a otimização do sistema produtivo, dentre outros fatores, ocasionou o

desemprego, que acentuou sobremaneira os contrastes sociais.

Sobre a dinâmica da equação emprego/desemprego, o professor Maurício

Godinho Delgado203 elenca cinco fatores que a influenciaram ou motivaram,

vejamos:

1 Inovações ou alterações tecnológicas (terceira revolução tecnológica);

2 Processo de reestruturação empresarial;

3 Aprofundamento e generalização da concorrência capitalista, em todos os

planos, inclusive internacional, acirrando a competição entre empresas e

economias, com reflexos importantes no mundo do trabalho;

4 Formação de matriz intelectual apologética quanto ao suposto fim do

emprego e, mesmo, do próprio trabalho;

5 Configuração institucional e jurídica do mercado de trabalho e das normas

que regulam suas relações integrantes.

Neste momento, mais que outrora, com a otimização, gerou-se um

desencadeamento no excedente de mão-de-obra, ocasionando um aviltamento no

202 ALVES, Amauri César. Novo contrato de emprego: parassubordinação trabalhista. São Paulo: LTr, 2005,

p. 52. 203 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o paradigma da destruição e os

caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006. p. 35.

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valor do trabalho humano, que a cada dia vem se tornando mais barato. Dizendo

de outra forma, como a “mercadoria” - trabalho humano barato - a obtenção de

lucros maiores seria ponto facilitador, tornando-se a questão salarial um ponto de

decisão apenas do empregador.

Daí em diante, o Direito do Trabalho não parou de ser construído e de progredir,

ampliando mais e mais seu foco de proteção, rumo ao seu destino histórico de

ajudar na construção de uma sociedade renovada e mais justa.

De tal modo, mesmo em países que não tiveram real experiência de Estado de

Bem Estar Social, o primado do trabalho e do emprego incorporou-se à cultura

jurídica. Foi o que ocorreu no Brasil, que mesmo sem ter passado por tal

experiência, incorporou algumas das suas diretrizes, destacando-se dentre as

quais a idéia da valorização social do trabalho, inserida na Constituição da

República de 1988.

Neste contexto em que o neoliberalismo ganhava força e passava a oferecer os

contornos da reorganização do capital, como a privatização do Estado, a

desregulamentação do Direito do Trabalho e a desmontagem do setor produtivo

estatal, seguiu-se, paradoxalmente, um intenso processo de reestruturação da

produção e valorização do trabalho.

O avanço da tecnologia, que ficou conhecido como a III Revolução Industrial, já

conduzira ao desenvolvimento da microeletrônica, da robótica e da internet, e

também ocasionara mudanças no modo de produzir e, conseqüentemente, nas

relações entre capital e trabalho, já que muitos postos de trabalho passariam a ser

ocupados por máquinas e robôs.

O aumento do desemprego e a necessidade de sobrevivência ainda

desencadearam outra questão social preocupante, quais sejam: a propagação da

economia informal e o subemprego.

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O Direito do Trabalho, que se consolidou como ramo jurídico autônomo diante da

necessidade de intervir nas relações entre o capital e o trabalho, e para constituir

um conjunto de direitos e garantias que eram considerados como o mínimo

necessário para assegurar condições dignas de trabalho e de vida, começava a

passar por uma fase de desprestígio e de duras críticas. Chegou-se a defender

que seria o fim dos empregos e do próprio Direito do Trabalho, pois diante da nova

ideologia neoliberal que se firmava, com foco nas empresas, a regulação era vista

como um entrave ao desenvolvimento econômico.

Entende-se, assim, de forma mais límpida, que a inversão de valores nesse

momento em que a flexibilização se impõe como forma de tornar a legislação

trabalhista menos rígida e cada vez mais maleável diante das necessidades do

mercado, o foco da tutela deixa de ser o trabalhador e passa a ser a empresa.

O princípio do valor social do trabalho (regulado) traduz a idéia de valorização do

trabalho da pessoa humana, no sentido de assegurar condições dignas de

realização do trabalho e que esta seja capaz de assegurar a subsistência digna do

trabalhador enquanto cidadão.

Assim sendo, a valorização do trabalho é uma das facetas do princípio da

dignidade humana, sendo também um valor fundamental, um dos pilares que

norteiam o ordenamento jurídico brasileiro.

É fato consumado, que o Direito do Trabalho está em constante evolução e que

diuturnamente busca acompanhar as mudanças sócio-culturais. Aliás, não se

pode admitir que isso ocorra a qualquer custo, ou seja, com o sacrifício daqueles

que mais necessitam de tutela, os hipossuficientes.

Héctor-Hugo Barbagelata, ao abordar sobre a afirmação do Direito do Trabalho,

argumenta que:

Com mais razão, convém lembrar que não só a proteção do trabalho, do

trabalhador e de suas organizações é o resultado do avanço da

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civilização para a dignificação da vida humana, mas que também, e além

disso, é salvaguardada pelas normas da mais alta hierarquia que não

podem ser desfiguradas sem pôr em risco todo o sistema jurídico e

comprometer seriamente a paz social. 204

Certo é que os momentos de crise podem e devem servir para nos levar a

reconstruir e a recolocar a sociedade no rumo da inclusão social, o que passa pela

reafirmação do trabalho como valor social, e que demonstra que o Direito do

Trabalho ainda tem vasto campo de atuação, sendo tão imprescindível ou mais

ainda do que já foi, até porque, na atualidade, existem cada vez mais cidadãos em

situação de carência e necessitados de tutela do que outrora.

Nas nobres palavras do professor Luiz Otávio Linhares Renault, ao mencionar

sobre a afirmação do Direito do Trabalho, quando aduz que o mesmo é jovem e

ainda tem muita contribuição para dar na busca de uma sociedade mais justa e

minimamente fraterna. 205

Enfim, o Direito do Trabalho na expressão do mestre Souto Maior, é um

instrumento de Justiça Social.

204 BARBAGELATA, Hécto-Hugo. O Particularismo do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996. p. 65. 205 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. O Direito do Trabalho? In: Pimenta, In PIMENTA, José Roberto Freire

et al. (Coords). Direito do Trabalho: Evolução, Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 65.

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5.4 AS CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO REGULAMENTADO

Neste ítem, trataremos do trabalho regulamentado, entendido com tal aquele tipo

de trabalho regulado por normas, ou como querem alguns, o trabalho formal206. O

trabalho formal como se sabe, é o que é realizado em conformidade com as leis

que integram nosso ordenamento jurídico.207 Formal é, pois, o trabalho executado

pelo titular de uma empresa individual e por seus empregados devidamente

registrados.

Irany Ferrari menciona que é também trabalho formal, o executado por sócios de

qualquer tipo de sociedade comercial ou civil, e por seus respectivos empregados,

com registro em carteira, e ainda:

Os profissionais liberais: engenheiros, médicos, advogados, dentistas,

etc, que trabalham como autônomos (por conta própria) e que podem ter

a seus serviços pessoas físicas contratadas pela CLT.

A administração pública, direta e indireta ou fundacional pode ter

empregados regidos pela CLT ou servidores regidos por Estatuto próprio.

São essas, enfim, as pessoas físicas que trabalham no chamado

mercado formal porque, como já tido, tem as garantias que as leis que os

tutelam lhes concedem, e porque os mantém sob dependência

econômica e subordinação jurídica. 208

206 A expressão foi cunhada pelo Professor Pastore. 207 FERRARI, Irany, NASCIMENTO, Amauri Mascaro, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História

do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Homenagem a Armando Casimiro Costa. São

Paulo: LTr, 1998, p. 66. 208 FERRARI, Irany, NASCIMENTO, Amauri Mascaro, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História

do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Homenagem a Armando Casimiro Costa. São

Paulo: LTr, 1998, p. 66-67.

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Os trabalhadores inseridos no mercado formal possuem garantias, ainda que

mínimas, de manterem, com o esforço do seu trabalho, sua sobrevivência e de

seus familiares.

A importância de priorizar a existência do trabalho formal no mundo do trabalho é

de extrema relevância, haja vista que é impossível analisar o ser humano fora do

contexto do trabalho.

Como não existe, no Brasil, nenhum instrumento que impeça a dispensa

imotivada, os empregadores podem dispensar seus obreiros sem qualquer

justificativa. A conseqüência dessa carência é justamente o crescimento

exagerado do mercado informal, mercado este que não oferece qualquer garantia

ao trabalhador. 209

Neste prisma, Márcio Pochmann210 alude que:

Não obstante, para grande parte do emprego formal o vínculo de trabalho

tem curta duração. Ou seja, na prática, a regulamentação do trabalho no

país não garante estabilidade no emprego e permite alta flexibilidade

209 Deve-se salientar, entretanto, que o trabalhador que está no mercado informal, ali está por circunstâncias

alheias à sua vontade, muitas vezes por falta de oportunidade de educação e trabalho. Outro ponto relevante é

que existem algumas situações de trabalho informal que desde sua origem mostram-se como um trabalho

formal “desvirtuado”. Neste caso, se o obreiro aciona a Justiça do Trabalho, ele terá seu trabalho protegido e

seus direitos garantidos.

210 POCHMANN, Márcio, et al. Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo:

Scritta, 1996, p. 142 – Menciona que a discussão sobre o regime de trabalho dever ser ampliada, indo além

das considerações das pressões sobre o funcionamento do mercado de trabalho impostas pela abertura da

economia brasileira à competição internacional. Este estudo procurou mostrar que existem duas ordens de

questões ou problemas, que devem ser examinadas separadamente. Em primeiro lugar, o problema do

trabalho instável, pouco especializado e mal remunerado, que caracteriza boa parte do emprego formal. Em

segundo lugar, o problema da insuficiência na geração de emprego formal, que realmente se agravou com a

abertura da economia. Significa dizer que a questão da qualidade dos empregos e da institucionalidade do

mercado de trabalho não se confunde com o problema da falta de empregos, o qual exigiria uma reflexão

sobre as dificuldades para retornar o desenvolvimento e sobre as peculiaridades da atual política econômica.

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para o empregador contratar, usar, remunerar e dispensar trabalhadores.

211

É claro que o inchaço do mercado informal é resultado do desemprego estrutural,

que vem ao longo dos anos deixando milhões de trabalhadores em situação

precária, incluindo inclusive, a de mendicância.

Por outro lado, temos ainda um discurso neoliberal falacioso e desumano que

incentiva o empreendedorismo na classe trabalhadora. Ora, esse discurso não

guarda nenhuma similitude e sensatez frente ao mercado de trabalho existente.

Muitos trabalhadores, após perderem seus empregos (trabalho formal), seduzidos

pelo discurso neoliberal tentaram abrir seus próprios negócios com o intuito de

continuarem garantindo seu sustento. Porém, a estatística comprovou que quase

90%212 ou mais não conseguiram prosseguir seus negócios.

Tudo isso acontece porque empreendedorismo é para pessoas qualificadas e

preparadas para enfrentarem o mercado globalizado.

Em virtude disso, estes trabalhadores, que tentaram a sorte montando seu próprio

negócio e faliram, retornam para o mercado informal, ou quando não conseguem,

somam-se à massa de desempregados na sociedade. Essa dura realidade traz

várias conseqüências sociais, como o aumento da violência e do consumo de

entorpecentes, dentre outros.

Um dado certo é que o trabalho informal não é benéfico nem para o obreiro, nem

para as instituições do país.

211 POCHMANN, Márcio, et al. Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo:

Scritta, 1996, p. 141.

212 Entrevista de Allan Szacher – Designer e editor da revista Zupi – ele menciona que as estatísticas mostram

que 80% das empresas abertas vão à falência no primeiro ano, 90% vão à falência nos dois primeiros anos e

dos 10% restantes quem conseguir durar mais do que três anos acaba conseguindo se estabelecer -

www.unibero.edu.br/images/.../SEMANADD_080607_parte2.doc.

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No Brasil, a CLT estabelece os direitos e obrigações de empregados e

empregadores. Embora a Consolidação das Leis do Trabalho abranja a totalidade

do mercado de trabalho, sua aplicação se verifica quando o empregador é um

estabelecimento com um mínimo de estrutura jurídica. 213

Desde 1980, o mercado de trabalho no Brasil tem apresentado uma proliferação

de empregos fora do círculo dos estabelecimentos organizados, sem o benefício

da assinatura da carteira de trabalho e previdência social.

Na década de 90, com a abertura da economia ocasionou-se uma redução do

emprego formal no Brasil.

Neste contexto, o economista Márcio Pochmann faz uma análise sobre as

proposta de desregulamentação do trabalho, vejamos:

Diante deste quadro de relações de trabalho e de dinâmica do emprego,

tem ganhado força uma proposta de desregulamentação do trabalho.

Tal proposta visa proporcionar aos empregadores maior facilidade para

dispensar trabalhadores e rebaixar o preço da mão-de-obra, permitindo

um melhor ajustamento da folha salarial em nível da produção e das

vendas (Pastore, 1994). Os defensores dessa proposta sustentam que

essa flexibilização do custo do trabalho contribuiria para impedir uma

maior redução do emprego formal, evitando a aumento do desemprego e

da ocupação informal.

Em resposta a essa posição liberalizante do mercado de trabalho, alguns

autores têm argumentado que, no nosso país, é muito grande a

capacidade de geração de empregos, porém, em postos de trabalho de

baixa produtividade, estabilidade e remuneração (Amadeo, 1994). Esta

outra posição advoga que uma alteração na regulamentação do mercado

de trabalho deveria estimular a permanência do trabalhador, supondo

213 POCHMANN, Márcio, et al. Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo:

Scritta, 1996, p. 141.

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que a maior estabilidade no emprego seria acompanhada de maior

flexibilidade funcional e elevação da produtividade do trabalho.

Essas duas posições, ao tratar das relações de trabalho, dão

demasiadamente ênfase aos seus efeitos sobre a competitividade das

empresas. A primeira destaca o valor da flexibilidade quantitativa e a

segunda o da flexibilidade qualitativa, ambas incidindo, de modo diverso,

na produtividade e nos custos de produção. O confronto entre as duas

posições, entretanto, ainda permanece inconclusivo, por faltar às duas

uma análise específica da magnitude dos efeitos das mudanças

propostas na legislação trabalhista sobre a competitividade do sistema

econômico. No primeiro caso, sabe-se que o trabalho já é muito

flexível e barato no Brasil, sendo duvidoso que a

desregulamentação possa garantir um impacto substancial sobre a

geração de empregos. No segundo, como mencionado anteriormente,

nem sempre a estabilidade do vínculo de emprego acarreta maior

produtividade (grifos nossos). 214

Percebe-se que Márcio Pochmann não comunga com as posições acima

ventiladas no sentido de desregulamentar o mercado de trabalho. O interessante é

que ele é um economista, e possui um entendimento mais humano do mercado

laboral, ultrapassando a matemática econômica, possuindo uma posição definida

contra as tentativas de desregulamentação, que apenas tem como função a busca

de maior competitividade. Ao contrário, seus argumentos direcionam na

construção de uma sociedade mais justa. Neste sentido ele aduz:

A proposta de simples desregulamentação, ao que parece, apenas

reforçaria os aspectos negativos do atual regime de trabalho. Por sua

vez, a proposta de dificultar legalmente a dispensa de empregados, na

expectativa de que as empresas investiriam no treinamento e na melhoria

da sua força de trabalho, não parece suficiente para fazer avançar o

padrão de relações de trabalho vigente no país. Nesse particular, parece

mais aceitável a proposta, que vem ganhando força no movimento

214 POCHMANN, Márcio, et al. Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo:

Scritta, 1996, p. 141-142.

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sindical, de desenvolvimento da contratação coletiva como base para

uma democratização das relações de trabalho. 215

Para Pochmann a reversão do quadro de extrema desigualdade socioeconômica,

profundamente arraigada no nosso país e que tem sólidas bases ao nível do

mercado de trabalho, requer um esforço político em duas direções simultâneas e

complementares, vejamos:

De um lado, uma pressão sobre o Estado para forçá-lo atuar em prol da

retomada do desenvolvimento econômico. De outro, a implementação de

uma autêntica contratação coletiva do trabalho, a qual exige sindicatos

representativos nos diversos locais de trabalho. 216

A valorização do trabalho é elemento imprescindível para a valorização do próprio

ser humano enquanto cidadão.

A propósito, Maurício Godinho Delgado, ao discorrer sobre a importância do

trabalho regulado como instrumento de inserção social do obreiro, ressalta:

O emprego, regulado e protegido por normas jurídicas, desponta,

desse modo, como o principal veículo de inserção do trabalhador na

arena socioeconômica capitalista, visando a propiciar-lhe um patamar

consistente de afirmação individual, familiar, social, econômica e, até

mesmo, ética. É óbvio que não se trata do único veículo de afirmação

econômico-social da pessoa física prestadora de serviço, uma vez que,

como visto, o trabalho autônomo especializado e valorizado também tem

esse caráter. Mas, sem dúvida, trata-se do principal e mais abrangente

215

POCHMANN, Márcio, et al. Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo:

Scritta, 1996, p. 143. 216 POCHMANN, Márcio, et al. Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo:

Scritta, 1996, p. 145.

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142

veículo de afirmação socioeconômica da ampla maioria das pessoas

humanas na desigual sociedade capitalista. (grifos nossos) 217

Nesse contexto, mister se faz distinguir a relação de trabalho da de emprego.

A expressão relação de trabalho possui um caráter mais genérico, representando

todas as relações jurídicas caracterizadas por uma obrigação de fazer por meio do

trabalho humano.

A relação de trabalho conglomera, assim, a relação de emprego, de trabalho

autônomo, de trabalho eventual e avulso, e outras modalidades de pactuação de

prestação de trabalhado. É a relação de trabalho o gênero a que se acomodam

todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo

jurídico atual. Sendo pois, a relação de emprego espécie do gênero relação de

trabalho, e correspondendo à prestação de serviço subordinado por uma

determinada pessoa física, é firmada por meio de contrato de trabalho e composta

pela união de todos os elementos fático-jurídicos, resultantes dos artigos 2.º e 3.º

da Consolidação das Leis do Trabalho, que compõe a figura do empregado no

Direito do Trabalho brasileiro.

Na relação de emprego, existe o empregador que utiliza a força de trabalho do

empregado em prol do seu negócio. Em contrapartida, existe a obrigação do

empregado de sujeitar-se a ser dirigido e controlado pelo empregador, segundo os

fins que se propõem a alcançar no campo da atividade econômica, justamente

porque o trabalho humano é um dos fatores de produção, colocado à disposição

do empregador mediante o contrato de trabalho. A subordinação, desse modo,

passa a ser uma conseqüência direta de tal contratação jurídica. 218

217 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. Entre o paradigma da destruição e os

caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006. p. 30.

218 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 301. Ao abordar os

elementos caracterizadores da relação de emprego, o doutrinador revela que a subordinação, entre todos os

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143

5.5 AS VANTAGENS SOCIAIS DO TRABALHO REGULAMENTADO

Neste ponto abordaremos as vantagens sociais do trabalho regulamentado sob o

prisma laboral, até porque a questão em torno da importância do trabalho para a

humanidade é um ponto de conteúdo inesgotável, portanto, inexaurível.

Assim, o foco será a efetivação do núcleo basilar do Direito do Trabalho, que é

elevar o patamar civilizatório mínimo fixado pela ordem jurídica heterônoma

estatal. 219

Nessa diretriz, pertinente a colocação do professor João Walge da Silveira

Noronha, vejamos:

De que vale as liberdades de locomoção; de expressão, de religião, se

não possuir o operário, um emprego de onde possa usufruir de uma

renda para suprir as necessidades básicas para si e sua família?

Certamente sem tais condições não estarão sendo atendidas as

condições compatíveis com a sua dignidade. Faltando-lhe o emprego, de

onde possa retirar o sustento próprio e de sua família, faltar-lhe-á a

condição básica para alcançar tal condição e cujo emprego depende

diretamente do Estado e do detentor do capital. Abandonado pelo

Estado, fica ele entregue à sua própria sorte e à voracidade de um mero

lucro, sem regras e sem limites, onde o valor econômico é de maior

significado do que a vida, onde o trabalho deve servir apenas enquanto

servir como objeto de lucro. 220

requisitos da relação de emprego, constitui o elemento principal de diferenciação na relação de emprego das

diversas fórmulas de contratação de prestação de trabalho no mundo contemporâneo. 219 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1289. 220

NORONHA, João Walge da Silveira. A valorização do trabalho como condição de dignidade humana.

Direito & Justiça, Revista Anual da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul – PUCRS. Porto Alegre, Vol 21 – Ano XXII, p. 160, 2000.

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As assertivas do referido professor tornam clara a necessidade de um Estado que,

além de proporcionar liberdades, deverá também garantir condições mínimas de

empregabilidade para o cidadão, haja vista que não existe liberdade onde não há

sequer oportunidade de trabalho.

O emprego formal e digno proporciona segurança e maior qualidade de vida, além

de melhorar a situação de igualdade social, bem como confere ao trabalhador um

sentimento de inclusão social.

O cidadão excluído do mercado de trabalho formal, com o mínimo de direitos e

garantias, vê-se na necessidade de buscar sua subsistência na informalidade,

sem usufruir dos direitos sociais e fundamentais, previstos principalmente nos

artigos 6º e 7º da Constituição Federal de 1988 e também na Consolidação das

Leis do Trabalho.

Nesse entendimento vale registrar os apontamentos do professor Maurício

Godinho Delgado31, que:

[...] detectou a Constituição que o trabalho, em especial o regulado,

assecuratório de certo patamar de garantias ao obreiro, é o mais

importante veículo (senão o único) de afirmação comunitária da maioria

dos seres humanos que compõem a atual sociedade capitalista, sendo,

desse modo, um dos mais relevantes (senão o maior deles) instrumentos

de afirmação da Democracia na vida social.221

Não produz nenhum resultado prático, o fato de termos no ordenamento jurídico

brasileiro normas que garantam direitos sociais ao cidadão-trabalhador; é

221 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2004. p. 32-33.

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necessário, entretanto, que tais normas de proteção sejam efetivadas pelos

Poderes Constituídos, com a devida aplicação dos direitos sociais ao cidadão.

A mobilização para o alcance do trabalho formal poderá diminuir a disparidade

entre as classes, colaborando efetivamente para a diminuição da desigualdade

social e econômica. Trata-se de um direito social, com fundamento nos artigos 6º

e 7º da Constituição Federal de 1988, figurando, inclusive, como princípio geral da

atividade econômica a busca do pleno emprego, com respaldo no artigo 170,

inciso VIII, da CF/88.

Domenico De Masi, em seu livro O Futuro do Trabalho, mesmo valorizando a

teoria do ócio, traz à baila a relevância social do trabalho regulado:

As pessoas que “trabalham, isto é, aquele bilhão que exerce encargos

regularmente remunerados, estão mais garantidas do que as outras, são

mais respeitadas, podem ostentar a profissão no cartão de visita. Ao

“trabalho”, de fato, são atribuídas efeitos positivos, até milagrosos.

Segundo muitos sociólogos, apenas quem trabalha consegue socializar-

se, amadurecer, realizar-se.222

Conforme explica Maurício Godinho Delgado, arquitetou-se o chamado Estado de

Bem-Estar Social, que marcou a fase do primado do trabalho e do emprego na

vida social, e que foi uma das maiores conquistas da democracia no mundo

ocidental capitalista.

Por meio da centralidade do trabalho e do emprego, a nova matriz

cultural submetia a dinâmica econômica do capitalismo a certa função

social, ao mesmo tempo que restringia as tendências autofágicas,

222 MASI, Domenico de. O Futuro do Trabalho: Fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Trad. Yadyr A.

Figueiredo. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília, DF: Ed. Da UnB, 2000. P.13. Defende que o

trabalho criativo é tão importante quanto o ócio.

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destrutivas, irracionais e desigualitárias que a história comprovou serem

inerentes ao dinamismo normal desse sistema econômico.

(...) O emprego, regulado e protegido por normas jurídicas, desponta,

desse modo, como o principal veículo de inserção do trabalhador na

arena socioeconômica capitalista, visando propiciar-lhe um patamar

consistente de afirmação individual, familiar, social, econômica e, até

mesmo, ética. 223

De fato, a proposta do chamado Estado de Bem-Estar Social era minorar as

mazelas decorrentes do sistema capitalista. Apesar disso, a desigualdade social

jamais deixou de existir, até porque, a exploração é o meio pelo qual se concretiza

o objetivo do modo de produção: acumulação. De tal modo, pelas próprias

características inerentes ao capitalismo, mesmo à época dos Anos Gloriosos, não

se chegou a superar as contradições.

Por esse prisma, suscita Maurício Godinho Delgado:

O emprego, regulado e protegido por normas jurídicas, desponta, desse

modo, como o principal veículo de inserção do trabalhador na arena

sócio-econômica capitalista, visando a propiciar-lhe um patamar

consistente de afirmação individual, familiar, social, econômica e, até

mesmo, ética. 224

Vale registrar, a propósito, a abalizada lição de Maurício Delgado225:

223 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o Paradigma da Destruição e os

Caminhos de Reconstrução. São Paulo: LTr, 2006, p. 28. 224 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. São Paulo:

Editora LTr, 2004, p. 36. 225 Maurício Godinho Delgado menciona que: A população economicamente ativa no Brasil gira em torno de

72 milhões de pessoas. Mas somente 22 milhões têm emprego formal. Assim, aproximadamente 50 milhões

de homens e mulheres desta população ativa estão sem carteira de trabalho, vivendo de atividades informais.

Trabalho informal são o empregado desempregado ou o desempregado empregado. Hoje ele tem salário,

amanhã não tem, e nunca conta como direitos sociais, porque não possui carteira de trabalho.

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O elemento nuclear da relação empregatícia (trabalho subordinado)

somente surgiria, séculos após a crescente destruição das relações

servis. De fato, apenas já no período da revolução industrial é que esse

trabalhador seria reconectado, de modo permanente, ao sistema

produtivo, através de uma relação de produção inovadora, hábil a

combinar liberdade (ou melhor, separação em face dos meios de

produção e seu titular) e subordinação. Trabalhador separado dos meios

de produção (portanto juridicamente livre), mas subordinado no âmbito da

relação empregatícia ao proprietário (ou possuidor, a qualquer título)

desses mesmos meios produtivos – eis a nova equação jurídica do

sistema produtivo dos últimos dois séculos. 226

Infelizmente, o desemprego não é somente uma realidade apenas brasileira, como

também está presente em todo o mundo, tendo suas origens mais significativas

nas Revoluções Industriais.

As conseqüências da falta de valorização do trabalho formal (regulado) no âmbito

social são várias, destacando-se dentre elas: distúrbios e desequilíbrios sociais,

tensões políticas, miséria, aumento acelerado da taxa de desemprego,

degradação ambiental, imigração em massa, fragmentação do mercado e a guerra

comercial entre os blocos econômicos, dentre outros.

O desemprego estrutural (postos de trabalho perdidos com as inovações

tecnológicas e organizacionais) é, sem dúvida, uma das piores conseqüências.A

perda de milhões desses postos de trabalho está reduzindo a classe trabalhadora,

porque a cada dia aumenta-se a produção em detrimento de uma redução do

número de trabalhadores.

A conseqüência é um verdadeiro ciclo vicioso, onde, reduzindo-se o número de

empregos, reduz-se a renda familiar; e, com a redução da renda das famílias,

226 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: Editora LTr, 2008, p. 84.

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reduz-se o consumo; reduzindo-se o consumo, diminui-se a produção, o que vai

diminuir a oferta de empregos e assim sucessivamente.

De outra feita, é inegável que a valorização e a dignidade do trabalhador

dependerão da política pública que o Estado adotar.

A efetivação da valorização do trabalho formal é benéfica para a sociedade, bem

como para a economia. Inúmeras são as vantagens do trabalho regulamentado na

sociedade.

Inicialmente, e talvez a mais importante é que o trabalho regulado propicia ao

trabalhador uma segurança de garantidor de sua subsistência e dos seus, uma

vez que tem assegurado direitos fundamentais.

Neste sentido, Jorge Luiz Souto Maior tece a seguinte indagação: Quais são os

direitos fundamentais do trabalhador?

Estes direitos são: salário mínimo; limitação da jornada (adicional de hora

extra); adicional noturno; férias anuais (feriados); 13° salário; regras de

proteção ao salário; proteção contra alterações contratuais por ato

exclusivo do empregador (art. 468 da CLT); descanso semanal

remunerado; verbas indenizatórias para a dispensa injusta; aviso prévio;

estabilidade provisórias no emprego, em casos excepcionais e

socialmente justificáveis; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço;

proteção do trabalho da criança, do adolescente; direito de greve e

seguro social contra contingências sociais.

Ora, nenhum desses direitos pode ser considerado despropositado, não

havendo razão alguma para que sejam excluídos. Com efeito, nos

diversos países do mundo, ainda que de formas diversas, com maior ou

menor amplitude, esses direitos são reservados aos trabalhadores.227

227 MAIOR, Jorge. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr, 2000. p. 140.

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No aspecto econômico, o benefício é grande, uma vez que, se um cidadão não

possui um emprego formal ele não é inserido na relação de consumo, não

participante, assim, da movimentação econômica.

É tão indignificante o fato de um cidadão não ter garantido a oportunidade de

emprego, haja vista que hoje a identificação do ponto de vista econômico para

aquisição de créditos, compras, comprovação de renda numa abertura de conta

bancária, na aquisição dos benefícios de assistência a moradia, dentre outros, não

se faz apenas com a apresentação da CI- Carteira de Identidade. Condição, sine

qua non, é a apresentação de uma folha de pagamento oficial, onde se reconheça

o vínculo empregatício e a segurança de recebimento. Assim, quem não possui

um emprego formal não é sequer considerado na sociedade capitalista um

consumidor confiável.228

O aspecto previdenciário também é de suma importância, porque quando o

trabalhador possui um trabalho formal ele contribui para a previdência e tem como

contra partida os benefícios da aposentadoria, dos auxílios, dentre outros

benefícios.

Um ponto de destaque para o trabalhador que possui um vínculo formal é o

benefício do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que garante após

a dispensa imotivada ou aposentadoria, ou moléstia grave e incurável o

levantamento de todo depósito recolhido durante o pacto laboral.

Outro dado interessante é que o trabalho formal contribui para a diminuição da

violência. Existem pesquisas comprovando que o aumento nos índices de trabalho

formal diminuem os números de violência. Isso é óbvio, porque o trabalhador,

quando inserido no mercado de trabalho formal, se torna um cidadão, possuindo

garantias dentro da sociedade.

228 Há um descrédito implícito quando se trata de um indivíduo que não possui a CTPS. A polícia, por

exemplo, desconfia dele e o considera uma pessoa sem emprego. Na verdade, não ter um trabalho regulado é

não ter nome, endereço, é ser uma pessoa sem identidade.

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Noutro giro, o fenômeno da globalização exigiu dos Estados mudanças profundas

para garantir sua permanência no sistema; globalizaram tudo. Hoje, estamos

vivendo o mundo do on-line, do imediato, das tecnologias de ponta. E o

trabalhador não recebeu instrução para lidar com esse processo globalizante,

altamente excludente.

No mercado global, o trabalhador deve possuir habilidades específicas, ou seja,

possuir uma formação de excelência.

E, aqui no Brasil, a educação ainda está em processo de valorização e

consolidação, sendo certo que o percentual de brasileiros que tem acesso a

educação ainda é muito ínfima.

Assim, com este perfil, os trabalhadores brasileiros, que em sua maioria não

possuem qualificação específica, estão na contramão do desenvolvimento do

mundo globalizado, pautado numa política neoliberalizante.

Sendo certo que a falta de qualificação também é um agravante no aspecto

emprego/desemprego. E a massa de trabalhadores brasileiros que não possuem

sequer uma qualificação técnica (Segundo Grau) estão incluídos apenas na

“globalização do desemprego”.

A propósito, não podemos desconsiderar que a educação deve ser analisada

como um referencial de inclusão no mundo do trabalho.

Uma questão delicada é a implementação de políticas públicas com o objetivo de

aumentar a empregabilidade no país, porque tal implementação depende

exclusivamente de decisões de cunho político e social.

Já a questão do emprego público no Brasil, por mais que o discurso neoliberal

tente manipular as estatísticas, mencionado que no país o índice de emprego

público é altíssimo, este dado não guarda correlação com a realidade, haja vista

que nos países desenvolvidos, com extensão territorial inúmeras vezes menor que

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o Brasil – que possui dimensões continentais - o percentual de empregos públicos

é muito maior.

O aspecto psicológico não pode ser desprezado, pois sabemos que a mazela do

desemprego estrutural tem adoecido a população brasileira, e, como ainda, não se

resolveu o problema do emprego, o SUS – Sistema Único de Saúde – está sendo

sobrecarregado com pacientes (desempregados, subempregos, trabalhadores

informais), que, sem condições mínimas de subsistência, ficam à mercê de um

sistema de saúde que é incapaz de atender e suprir as necessidades, não por se

tratar na maioria das vezes de doença física, e sim social. A doença se chama

desemprego, falta de oportunidade de trabalho e formação profissional, frente às

demandas do mercado de trabalho, sendo a profilaxia a fomentação de

investimentos via políticas públicas de inclusão e valorização do trabalho regulado.

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6. O CAPITALISMO ATUAL E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO

REGULADO

Neste capítulo, o capitalismo será tratado sob um enfoque otimista e ao mesmo

tempo realista, com o intuito de vislumbrar possibilidades de compatibilização

entre capital e trabalho, prestigiando a dignidade humana e a valorização do

trabalhado regulado no capitalismo atual.

Neste sentido, E. K. Hunt efetua uma análise bastante racional sobre o

capitalismo:

...Não acho que o capitalismo seja a apoteose da racionalidade humana.

Acho que ele cumpriu, historicamente, uma tarefa progressista e

muitíssimo importante, aumentando o controle humano sobre a

natureza, mas, ao fazê-lo, o que era progressista e racional no

capitalismo se acabou transformando em regressivo e irracional. O

sistema, como tal é agora, sistematicamente sufoca o pleno

desenvolvimento do potencial dos seres humanos. Por esta razão, o

sistema é ineficiente e irracional. Acho, de acordo com Veblen e Marx,

que o capitalismo não é o estágio mais elevado do desenvolvimento

humano e que, se os seres humanos um dia afirmarem sua humanidade

coletiva contra a irracionalidade do capitalismo, abrirão as portas para

possibilidades extraordinárias, dificilmente sonhadas durante o reinado

do capitalismo.229

229 HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª ed.. Rio

de Janeiro: Campus, 1981. p 518.

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6.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, SEUS PRINCÍPIOS E A

PRIORIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO

Desde o preâmbulo a Constituição Federal de 1988 prioriza o trabalho, e no artigo

1° destaca como fundamento o valor do trabalho, vejamos:

A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Desse modo, a constituição estabeleceu dois dos princípios constitucionais mais

importantes à ordem jurídica trabalhista, quais sejam: o da dignidade da pessoa

humana e do valor social do trabalho.

Com a disposição constitucional de tais princípios, nota-se que o constituinte

desejou evidenciar que a pessoa humana só conquistaria sua dignidade a partir da

efetiva valorização social do seu trabalho.

No artigo 3º, a CF/88 nomeou como objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade justa, a erradicação da

pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais, bem como a

promoção do bem estar de todos.

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Paulo Henrique Tavares da Silva menciona que a coletividade política brasileira

assenta-se em valores que priorizam a dignidade do homem, aí inserido o

trabalho, e pontua que o primeiro fundamento é mais abrangente que o segundo.

A dignidade da pessoa humana emparelha-se ao direito à vida, constituindo-se na

essência dos direitos fundamentais. 230

Nessa linha de raciocínio, Tavares da Silva cita a conveniente colocação de

Arnaldo Sussekind:

Destarte, os instrumentos normativos que incidem sobre as relações de

trabalho devem visar, sempre que pertinente, à prevalência dos valores

sociais do trabalho. E a dignidade do trabalhador, como ser humano,

deve ter profunda ressonância na interpretação e aplicação das normais

legais e das condições contratuais de trabalho. O respeito à dignidade do

trabalhador se insere na categoria dos direitos que Pontes de Miranda

denomina de supraestatais e que a Igreja Católica inclui no elenco dos

direitos naturais, cuja observância não deve depender da vigência de

tratados internacionais ou leis nacionais. No Brasil, ele está expresso na

Lei Maior, tal como na Constituição alemã do após-guerra, ao afirmar,

logo no seu artigo 1°, que “A dignidade do homem é inviolável” – preceito

que levou seus intérpretes a concluírem pela inconstitucionalidade de

qualquer disposição legal ou ato administrativo que o afrontar. Como bem

ressalta Francesco Santoni, a tutela da dignidade está “ligada à garantia

mais geral da personalidade humana e identificada, ao mesmo tempo,

com as liberdades fundamentais que caracterizam o status civitatis, não

só na Constituição italiana, mas também em muitas Constituições de

países latino-americanos, mesmo se nestes últimos nem sempre se

possa encontrar uma legislação ordinária que vise a dar cumprimento à

exigência de proteção dos trabalhadores diante dos poderes da

empresa.231

230

SILVA, Paulo Henrique Tavares da. A Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem

Econômica Brasileira: Interpretação Crítica e Possibilidades de Efetivação. Curitiba: Juruá, 2003. p. 106. 231 SILVA, Paulo Henrique Tavares da. A Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem

Econômica Brasileira: Interpretação Crítica e Possibilidades de Efetivação. Curitiba: Juruá, 2003, p. 106-107.

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A ordem constitucional democrática brasileira está firmada na elevação do

trabalho, trazendo os direitos sociais de forma expressa nos artigos 6º232 e 7º,

prevendo expressamente como uma das metas da ordem econômica a

concretização da justiça social.

Já artigo 170233 localizado no capítulo dos princípios gerais da atividade econômica

dispõe claramente o fundamento constitucional: a ordem econômica, fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames sociais (...).

Nessa digressão, Gabriela Neves Delgado explica que o princípio da dignidade

consagrado na Constituição Federal de 1988:

[...] deve ser efetivado sob diferenciados aspectos no contexto societário,

seja no tocante ao próprio interesse individual da pessoa, seja nos planos

econômico ou social. É nesse sentido que a Constituição da República

descreve as diversas dimensões do princípio da dignidade,

especialmente em seu art. 170, ao determinar que a ordem econômica

garanta a todos uma existência digna e, em seu art. 193, ao exigir que a

ordem social tenha como objetivos o bem-estar e a justiça social. 234

232 Artigo 6° da CF/88 - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição.

233 Art. 170 da CF/88 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre

concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento

diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX -

tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua

sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

234 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 79.

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Frise-se, por oportuno, que não existe conflito entre a valorização do trabalho e a

livre iniciativa, são disposições constitucionais que devem ser analisadas tendo

por base o primado do trabalho.

Nesta esteira de pensamento, Eros Grau, tece a seguinte colocação:

No que tange ao primeiro dos princípios que ora temos sob consideração

[livre iniciativa], cumpre prontamente verificarmos como e em que termos

se dá a sua enunciação no texto. E isso porque, ao que tudo indica, as

leituras que tem sido feitas do inciso IV do art. 1° são desenvolvidas

como se possível destacarmos de um lado “os valores sociais do

trabalho”, de outro a “livre iniciativa”, simplesmente. Não é isso, no

entanto, o que exprime o preceito. Este em verdade enuncia, como

fundamento da República Federativa do Brasil, o valor social do trabalho

e o valor social da livre iniciativa. Isso significa que a livre-iniciativa não é

tomada, enquanto fundamento da República Federativa do Brasil, como

expressão individualista, mas sim no quanto expressa de socialmente

valioso. 235

A própria Constituição realça a primazia do trabalho quando dispõe no artigo

193236 que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo

o bem-estar e a justiça social, ou seja, eleva o trabalho através da expressão

primado, e confere superioridade ao trabalho como elemento de fomento ao bem

estar social.

Nota-se que a Constituição Federal de 1988 priorizou a relação de emprego,

principalmente quando determinou que a base da ordem social brasileira é o

235 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 225-

226.

236 Art. 193 da CF/88 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a

justiça sociais.

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primado do trabalho, neste ponto a interpretação que mais condiz com os ideais

de justiça social é que o trabalho que está previsto no artigo 193 é o trabalho

regulado (emprego).

Sobre o princípio do valor social do trabalho, Ana Paula Tauceda alude que:

Não constitui tão-somente uma regra juridicamente ordenada, mas antes

um “cordão umbilical” em que o sistema é realimentado pelo Princípio

Constitucional Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana que, a

nosso ver, inegavelmente, ocupa local e função (informadora, normativa

e interpretadora) em primazia às demais normas, vinculando-as a

posicionamentos hermenêuticos que reconheçam a pessoa humana,

especialmente na figura do trabalhador e do seu trabalho, como pilar

estruturante do Sistema. 237

O valor fundamental da dignidade humana e o valor social do trabalho também

norteiam a interpretação dos demais princípios constitucionais, como por exemplo,

o princípio da livre iniciativa. Isso se evidencia pelo fato de também estar o

princípio do valor social do trabalho expresso no artigo 170 da Constituição de

1988, relativo à Ordem Econômica e Financeira. Desse modo, podemos

considerar que o princípio da busca pelo pleno emprego é um desdobramento do

princípio do valor social do trabalho. 238

Maurício Godinho Delgado, ao discorrer sobre a centralidade do trabalho na vida

homem, enfatiza que:

Sabiamente, detectou a Constituição que o trabalho, em especial o

regulado, assecuratório de certo patamar de garantias ao obreiro, é o

237 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no Direito do Trabalho. São Paulo:

LTr, 2007, p. 62. 238 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no Direito do Trabalho. São Paulo:

LTr, 2007, p. 63.

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mais importante veículo (senão o único) de afirmação comunitária da

grande maioria dos seres humanos que compõem a atual sociedade

capitalista, sendo, desse modo, um dos mais relevantes (senão o maior

deles) instrumentos de afirmação da Democracia na vida social”. 239

Torna-se manifesto que apenas o trabalho regulado e protegido por normas

jurídicas garante a inclusão do trabalhador no campo social e econômico do

capitalismo, já que somente o trabalho regulado, valorizado e digno permite esta

inclusão social e, por conseguinte, a diminuição das desigualdades sociais.

Noutro giro, temos o pensamento econômico neoliberal que preza pela

desvalorização do trabalho, utilizando o discurso da competitividade da economia

global e do desemprego para justificar sua filosofia de descompromisso social e

desrespeito a dignidade e aos direitos dos trabalhadores.

Gabriela Neves Delgado, em seu livro Direito Fundamental ao Trabalho Digno,

adverte que o trabalhador não deve ser valorizado por ser visto como mero

instrumento a compor o sistema de necessidade do capital (...), mas destacar o

valor humano do trabalhador.240

Necessário se faz ressaltar a importância do trabalho regulado na moderna

sociedade capitalista, haja vista que é através dos benefícios trazidos pela

proteção jurídica é que a massa de trabalhadores consegue a garantia de um

poder social mínimo.

Nessa linha de pensamento, leciona Maurício Godinho Delgado:

O trabalho, em especial o regulado (o emprego, em suma), por ser

assecuratório de certo patamar de garantias ao ser humano, constitui-se

no mais importante veículo de afirmação socioeconômica da grande

239 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 06/685. 240 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 241.

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maioria dos indivíduos componentes da sociedade capitalista, sendo,

desse modo, um dos mais relevantes (senão o maior deles) instrumentos

de afirmação da democracia na vida social. 241

Nesse diapasão, é dever precípuo do Estado efetivar os valores sociais do

trabalho estabelecidos na Constituição da República brasileira, mormente dando

priorização à relação de emprego, buscando a minimização das injustiças sociais,

mediante a concretização do princípio da justiça social.

Com efeito, cumpre destacar os ensinamentos de Canotilho, que ao fazer

referência aos direitos sociais e econômicos, destacou que:

[...] os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito

à assistência, direito à educação), uma vez alcançados ou conquistados,

passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um

direito subjectivo. Desta forma, [...] o princípio em análise justifica, pelo

menos, a subtracção à livre e oportunística disposição do legislador, da

diminuição de direitos adquiridos, em clara violação do princípio da

protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito

econômico, social e cultural. [...] constitui um limite jurídico do legislador

e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prosecucção de uma política

congruente com os direitos concretos e expectativas subjectivamente

alicerçadas. Esta proibição justificará a sanção de inconstitucionalidade

relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada

“justiça social”.242

Dentro da dinâmica proposta por Canotilho, podemos mencionar que os direitos

sociais expressos na Constituição Federal de 1988 devem ser efetivados para

atender os ditames do próprio constituinte, bem como os clamores sociais.

241 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 21. 242 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Livraria Almedina,

1997, p. 468-469.

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E o direito ao trabalho é um direito que deve ser efetivado, ou seja, deve-se

priorizar a efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado atendendo

o princípio da proibição do retrocesso social243, e por via de conseqüência, o

princípio da segurança jurídica.

De acordo com os princípios constitucionais, realça-se o princípio da justiça social

como finalidade da atividade estatal. Nesse sentido, Jorge Luiz Souto Maior

esclarece que é o Direito do Trabalho o instrumento precípuo de realização da

justiça social, porquanto:

O direito do trabalho, desse modo, inicialmente, visa a impedir a

superexploração do capital sobre o trabalho humano; em seguida, busca

melhorar as condições de vida dos trabalhadores; e, por fim, conforme

encontra campo propício de atuação, possibilita aos trabalhadores

adquirirem status social. 244

Nesse compasso, Paulo Henrique Tavares da Silva alude que: Defendemos, justamente para emprestar uma real efetividade ao

princípio da valorização do trabalho no âmbito de uma economia

globalizada, a adoção do modelo do “direito social”, contraposto ao

“direito reflexivo”, por exigir do Estado a adoção de condutas positivas

para a garantia de direitos que consagrem uma situação digna para os

obreiros, bem como o desenvolvimento de políticas públicas destinadas

ao engajamento dos excluídos do mercado de trabalho. 245

243 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2006, p. 440 – aborda a questão dos Direitos Fundamentais e proibição de retrocesso, trazendo a questão da

eficácia protetiva dos direitos fundamentais (notadamente dos direitos sociais) em relação ao legislador

infraconstitucional. Entende o professor que a discussão em torno da proibição de retrocesso na esfera dos

direitos sociais na realidade brasileira é absolutamente obrigatória e inadiável. 244 MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr,

2001, p. 20. 245 SILVA, Paulo Henrique Tavares da. A Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem

Econômica Brasileira: Interpretação Crítica e Possibilidades de Efetivação. Curitiba: Juruá, 2003. p.

142.

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É salutar o entendimento que é o trabalho regulado e, portanto, protegido pela

legislação trabalhista, que permite a inclusão do trabalhador no capitalismo atual.

As premissas e objetivos do Direito do Trabalho se harmonizam com a

Constituição Federal de 1988 que, no artigo 1º, prevê que a República Federativa

do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos

a soberania, a cidadania, a dignidade humana e os valores sociais do trabalho e

da livre iniciativa. Neste contexto constitucional, o trabalho é compreendido como

instrumento de realização e efetivação da justiça social, porque atua distribuindo

renda.246

No ordenamento jurídico pátrio, a relação de emprego é a relação jurídica que se

forma entre empregador e empregado, quando presentes os requisitos

caracterizadores, previstos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do

Trabalho, quais sejam: trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade,

não eventualidade, onerosidade e sob dependência do empregador, o que se

consolidou como subordinação jurídica.

A definição de empregador, contida no artigo 2º da CLT, o caracteriza como

aquele que dirige a prestação de trabalho dos empregados e assume os riscos do

empreendimento.

A relação de emprego recebe a proteção da Constituição Federal de 1988 e do

Direito do Trabalho, e tal proteção se justifica por ser o vínculo empregatício mais

adequado e permanente do que o vínculo de trabalho em que não está presente a

relação de emprego.

De outra feita, Ferreira Filho, ao discorrer sobre o princípio básico da ordem

econômica da “busca do pleno emprego”, afirma que realmente, não basta

valorizar o trabalho, é necessário, em sociedade como a nossa, criar

246 PITAS, José Severino da Silva. Questões práticas relevantes. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da

24a. Região, Campo Grande, n. 5, 1998, p. 152-153.

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oportunidades de trabalho, para que todos possam viver dignamente, do próprio

esforço.247

O conceito de trabalho na expressão “valorização do trabalho” deve ser

compreendido como trabalho juridicamente protegido, ou seja, emprego. É o

emprego o elemento condutor que promove a inserção do trabalhador no sistema

capitalista globalizado, e só deste modo é possível garantir-lhe um patamar

concreto de afirmação individual, familiar, social, ético e econômico.248

Portanto, a correta leitura constitucional do princípio da valorização do trabalho

está ligada intrinsecamente com o emprego, por ser a única forma coerente com

os demais imperativos principiológicos constitucionais, como o princípio da justiça

social e da busca do pleno emprego, conforme preceitua o artigo 170, VIII da

Constituição Federal de 1988.

Ingo Wolfgang Sarlet adverte que é o Estado que existe em função da pessoa

humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e

não meio da atividade estatal249, deixando estabelecido que o ser humano é a

razão de ser do Estado e para ele devem se voltar todas as garantias e proteções.

De fato, o princípio da valorização do trabalho deve ser lido como princípio da

valorização do trabalho regulado digno, pois este é a verdadeiro sentido do

princípio, qual seja, possibilitar a efetiva inserção do homem na sociedade e

garantir as condições necessárias a sobrevivência digna do trabalhador e de sua

família.

247 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 33ª ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p. 362. 248

DELGADO, Maurício Godinho. Princípios do Direito individual e coletivo do trabalho. 2 ed. São Paulo:

LTr, 2004, p. 36. 249 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal

de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 68.

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Cumpre acrescentar, que é dever do Estado garantir a todas as pessoas o acesso

ao trabalho digno e regulado, mediante a promoção de políticas públicas eficientes

e a normatização das relações trabalhistas.

O problema do emprego é uma questão de direitos humanos, haja vista que o

salário obtido do trabalho é o instrumento que garante ao cidadão-trabalhador o

acesso aos bens e serviços essenciais a uma sobrevivência digna. Entretanto, a

lógica da economia mundial tem tentado, via políticas internacionais precarizantes,

desprestigiar a importância do trabalho regulamentado através de implementações

de políticas flexibilizantes que desvalorizam o emprego formal e,

conseqüentemente, provocam uma alteração no nível de estabilidade da renda,

piorando de forma generalizada o quadro de desemprego na sociedade. 250

O princípio do valor social do trabalho traduz a idéia de valorização do trabalho

humano, no sentido de assegurar condições dignas de realização do trabalho e

que este seja capaz de possibilitar a subsistência digna do trabalhador enquanto

cidadão.

O valor social do trabalho foi instituído, por exemplo, como base da Ordem Social,

conforme se verifica no artigo 193 da Constituição brasileira vigente. Nesse

sentido, destaca Ana Paula Taceuda Branco, o valor social do trabalho abarca:

[...] tanto a dimensão do direito a manter a vida humana por meio da

sobrevivência oportunizada por esse mesmo trabalho, como também a

dimensão de dever, uma vez que a sociedade necessita da contribuição

de todos para o seu adequado funcionamento e para a harmonização

social, é inevitável que tal princípio seja disseminado como eixo condutor

de atos e de contratos pactuados tanto entre particulares quanto pelo

Poder Público e, ainda, na interação das instâncias. 251

250 O Sistema Capitalista fez do emprego a única alternativa para a classe pobre. 251

BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no Direito do Trabalho. São Paulo:

LTr, 2007, p. 62.

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Com efeito, diante de uma interpretação sistêmica, que tem como eixo a dignidade

humana e o valor social do trabalho, cujo fundamento se aproxima do direito

fundamental à igualdade, caput do artigo 5º da Constituição de 1988, é possível

harmonizar tais princípios com o princípio da livre iniciativa, que, para Ana Paula

Taceuda Branco252: [...] apresenta-se como corolário natural do direito fundamental

à liberdade (incisos II, XIII e XVII do art.5º).

A esse respeito, José Afonso da Silva considera que:

A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização

do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em

primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma

economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é

um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que,

embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do

trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de

mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade

tem o sentido de orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim de

fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa

privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da

própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV). 253

É perceptível, neste ínterim, que o capitalismo globalizante seja o elemento

responsável pela enorme desigualdade social e miséria, pois tal modelo veio, ao

longo dos anos, causando um abismo cada vez mais crescente entre ricos e

pobres e entre países desenvolvidos/industrializados e emergentes.

252 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no Direito do Trabalho. São Paulo:

LTr, 2007, p. 72. 253 SILVA, José Afonso da. apud BRANCO, 2007, p. 73.

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Como já visto, a Constituição Federal de 1988, traz em seu artigo 5.º, § 1.º,

conteúdo de aplicação imediata, in verbis:

Art. 5.º (...)

§ 1.º As normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata (...)

Esses direitos encontram-se gravados com dispositivos de imutabilidade, são

cláusulas pétreas da Carta Magna de 1988, conforme preceitua o comando

constitucional artigo 60, § 4.º, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 60 (...)

§ 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a

abolir:

(...)

IV - os direitos e garantias individuais.

Assevera Gabriela Neves Delgado que, onde o direito ao trabalho não for

minimamente assegurado (por exemplo, com o respeito à integridade física e

moral do trabalhador, o direito à contraprestação pecuniária mínima), não haverá

dignidade humana que sobreviva. 254

E nas palavras de Maurício Godinho Delgado:

[...] é pela norma jurídica trabalhista, interventora no contrato de

emprego, que a sociedade capitalista, estruturalmente desigual,

consegue realizar certo padrão genérico de justiça social, distribuindo a

um número significativo de indivíduos (os empregados, em alguma

medida, ganhos do sistema econômico. 255

254 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 207. 255 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o Paradigma da Destruição e os

Caminhos de Reconstrução. São Paulo: Editora LTr, 2006, p. 122.

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E o emprego, regulado e protegido por normas jurídicas, desponta como o

principal veículo de inserção do trabalhador na arena socioeconômica capitalista,

visando a propiciar-lhe um índice consistente de afirmação individual, familiar,

social, econômica e também ética. 256

256

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 30.

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6.2 O TRABALHO HUMANO INSERIDO NO NEOLIBERALISMO E

NO MUNDO GLOBALIZADO

Globalização257, nas palavras de Sidney Guerra, divide sentimentos de amor e

ódio, otimismo e pessimismo, esperança e desespero, expressando um novo ciclo

como modo produtivo e processo civilizatório, de amplas proporções envolvendo

nações, classes sociais e regimes políticos diferentes. 258

É justamente diante destes sentimentos que o trabalho humano se insere. Nesta

cadência, Frei Betto salienta que:

O capitalismo transforma tudo em mercadoria, bens e serviços, incluindo

a força de trabalho. O neoliberalismo o reforça, mercantilizando serviços

essenciais, como os sistemas de saúde e educação, fornecimento de

água e energia, sem poupar os bens simbólicos – a cultura é reduzida a

mero entretenimento; a arte passa a valer, não pelo valor estético da

obra, mas pela fama do artista; a religião pulverizada em modismos; as

singularidades étnicas encaradas como folclore; o controle da dieta

alimentar; a manipulação de desejos inconfessáveis; as relações afetivas

condicionadas pela glamourização das formas; a busca do elixir da

eterna juventude e da imortalidade através de sofisticados recursos

tecnocientíficos que prometem saúde perene e beleza exuberante. 259

257 Benizete Ramos De Medeiros, p. 42 aduz que: A expressão globalização, de origem inglesa, ou

mundialização da economia como preferem os franceses, ou ainda aldeia global, tem sido, nas últimas

décadas, o dicionário de bolso dos que discutem economia, sociologia e direito, estas mais de perto, embora

não deixando de atingir igualmente outras ciências sociais. 258

GUERRA, Sidney César Silva. Globalização, desafios e implicações para o direito internacional

contemporâneo. Rio Grande do Sul: Unijuí, 2006, p. 439. 259 BETTO, Frei. O que é neoliberalismo. HTTP://www.adital.com.br/site/noticia.asp?long=pt&cod=15768 -

Acesso em 20.04.2009.

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De outra feita, Márcio Pochmann faz uma análise interessante sobre os efeitos

deletérios da globalização, vejamos:

No centro do capitalismo, a redução da capacidade de produção

intensiva em mão-de-obra foi complementada, em parte, pela ampliação

de fábricas intensivas em capital e conhecimento, com valor adicionado

por trabalhador muito mais elevado. Por conta disso, mais de 70 % do

total da ocupação desses países concentram-se no setor de serviços,

que é menos globalizado (e, portanto, mais protegido) que os setores

industriais e agropecuários. Mesmo com a redução no total dos postos de

trabalho no setor primário das economias da periferia, ele ainda é

responsável por 55% da ocupação total.

Enquanto os países ricos possuem 30% das ocupações mais expostas à

concorrência internacional (indústria e agropecuária), os países pobres

tem 70% das ocupações concentradas nos setores primários e

secundários, que são mais objeto de competição mundial. Por conta

disso, são justamente os trabalhadores dos países periféricos e

semiperiféricos os que sofrem mais diretamente os efeitos deletérios da

globalização, decorrentes da liberalização comercial e da

desregulamentação do mercado de trabalho, sem constrangimentos por

parte das políticas macroeconômicas e sociais nacionais. 260

Caminham junto a globalização a doutrina neoliberal que, no fundo, sustentam

que: o mercado é bom, as interferências do Estado são ruins. 261

O bombardeamento no mundo contemporâneo do discurso neoliberal, que

diuturnamente tenta promover uma inversão de valores para justificar ações

mercadológicas desumanas, tenta, a todo custo, colocar a regulamentação do

trabalho como entrave ao desenvolvimento econômico. Neste entendimento, tal

260 POCHMANN, Márcio. O Emprego na Globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os

caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001. p. 34.

261 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr,

2000, p. 130.

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discurso objetiva deslocar o foco da tutela do trabalhador para os interesses do

capital, desprezando, assim, todas as conquistas da classe trabalhadora no

sentido do reconhecimento da centralidade do trabalho e sua valorização social.

Hans-Peter Martin e Harald Schumann mencionam que esses discursos

funcionam como uma cilada para a democracia e discorrem:

A integração global é acompanhada da ascensão de uma doutrina

redentora da economia, que um exército de consultores econômicos

constantemente leva à política: o neoliberalismo. Simplificando, eis sua

tese básica: o mercado é bom e interferências do Estado são ruins.

Partindo das idéias dos expoentes dessa escola, entre os quais o

economista americano e prêmio Nobel Milton Friedman, os governos do

Ocidente, majoritariamente a favor de liberdade na economia, levantaram

esse dogma como diretriz de sua política no decorrer da década de 1980.

Desregulamentação em vez de controle pelo Estado, liberalização do

comércio e do fluxo de capitais, bem como privatização das empresas

estatais, tornam-se armas estratégicas no arsenal de governos crentes

na economia de mercado e no das organizações por eles orientadas:

Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização

Mundial do Comércio (OMG, a entidade que sucedeu a Gatt). Com tais

instrumentos, todos entraram na luta pela liberdade do capital, uma

batalha que dura até hoje. 262

Não obstante, ao mesmo tempo em que o neoliberalismo263 ganhava forças e

ditava os contornos da reorganização do capital através da privatização do Estado

e da desregulamentação do Direito do Trabalho, seguiu-se, também, um processo

de reestruturação da produção e do trabalho.

262 MARTIN, Hans-Peter, SHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização: O assalto à democracia e ao

bem-estar social. 5. Ed. São Paulo: Globo, 1999, p. 18.

263 CATTANI, Antonio David. Trabalho & Autonomia. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 32- aduz que o

Neoliberalismo apresenta a mediocridade da economia de mercado como o destino da humanidade,

criminalizando todas as tentativas de ruptura da ordem, ridicularizando o esforço de transcendência e de

superação da rotina nascísica, do consumo e do individualismo abúlico.

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Nesse sentido, esclarece Flávia Piovesan que:

O processo de globalização econômica tem-se orientado pelas regras

ditadas no chamado “Consenso de Washington”. Esse Consenso passou

a ser sinônimo das medidas econômicas neoliberais voltadas à reforma e

à estabilização de economias “emergentes” – notadamente latino-

americanas. Tem por plataforma o neoliberalismo (o Estado mínimo com

a redução das despesas públicas), a privatização do Estado, a

condenação dos gastos sociais em prol da austeridade monetária, a

flexibilização das relações de trabalho, a disciplina fiscal para eliminar o

déficit público, a reforma tributária e a abertura do mercado ao comércio

exterior. Esse é o código que tem inspirado as aludidas reformas

constitucionais neoliberais, com a corrosiva descaracterização da Carta

de 1988. 264

Noutro giro, adverte Luciane Cardoso:

A Globalização econômica excludente faz com que os trabalhadores não

tenham garantias de sobrevivência no emprego, que se torna bem

escasso, nem contém como o auxílio presente da “mão invisível” do

mercado, a proteção suficiente do Estado ou a solidariedade eficiente

para a satisfação de suas necessidades básicas. 265

Outro discurso falacioso que veio com a onda globalizante do neoliberalismo

dentro das empresas é a implementação de programas de qualidade total e de

remuneração variável, que mudaram as estratégias de dominação do trabalhador

e que procuraram obscurecer o equilíbrio da relação capital e trabalho. Mudaram,

264

PIOVESAN, Flávia. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 45, ano 11, outubro-dezembro,

Editora Revista dos Tribunais, p. 235. 265 CARDOSO, Luciane. A declaração de princípios e direitos fundamentais no trabalho. Revista Direito &

Justiça, v. 28, ano XXV- 2003/2. p. 103.

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de forma proposital, a denominação de trabalhador para “colaborador”, “parceiro”,

“sócio”, deturpando e destruindo a condição laborativa.

Assim, as empresas conseguem embutir nos empregados uma falsa ilusão de que

também são os donos do empreendimento, o que sabemos não ser verdade.

Na verdade, o Brasil, como um país emergente que é, apropriou de maneira

equivocada dos ideais neoliberais, causando prejuízos diretos à classe que

efetivamente enriquece o país – os trabalhadores. Em decorrência disso e de

outros tantos fatores, estamos vivendo uma crise sem precedentes.

Neste sentido, Jorge Luiz Souto Maior considera que:

Uma crise econômica, vista do ponto de vista estrutural, se

concretamente existente, somente pode ser superada por meio de um

autêntico pacto social, que envolva os setores da produção, do trabalho e

do consumo, gerenciado pelo Estado, e no qual se priorize a construção

da justiça social. Ou seja, constatando-se o colapso do modelo ou o risco

de que venha ocorrer, o que se deve realizar é a sua reformulação por

inteiro, o que impõe medidas reais de aumento das potencialidades do

Direito Social, tais como: reforma agrária; redistribuição da riqueza;

reorganização dos meios de produção; aumento das despesas públicas

com educação, saúde, ciência e tecnologia; eficácia das medidas de

efetivação do custeio da seguridade social; incentivos às atividades

produtivas, sem sacrifício aos direitos dos trabalhadores e ao custeio da

seguridade social; tributação especial da especulação financeira e das

grandes fortunas; incentivo ao turismo etc.

[…] a superação de uma crise econômica estrutural requer sacrifícios de

cima para baixo e não de baixo para cima. Não se promove uma

sociedade, salvando empresas e deixando pessoas à beira da fome. Se

há um problema na conjuntura econômica, que atinge a todos

indistintamente, e não apenas a uma ou outra empresa, é necessário,

então, o sacrifício conjunto, começando pelos próprios empresários e

passando por diversos outros setores da sociedade (profissionais liberais,

servidores públicos, senadores, deputados, prefeitos, governadores,

juízes etc). É impensável que se busque a solução de problemas

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econômicos estruturais do país com o sacrifício apenas de trabalhadores

cujo salário já está entre os mais baixos do mundo.

Derradeiramente, a título de reflexão, segue as palavras de José Saramago em

palestra do Fórum Social Mundial de 2005:

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de

estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute

neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado

definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até a

consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em

erro, se não sou capaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras

discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos

torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia

e as causas de sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na

vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder

econômico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e quilo que nega

a democracia, sobre o direito a felicidade e a uma existência digna, sobre

as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos

retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos

juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo si engana.

E assim é que estamos vivendo. 266

266 SARAMAGO, José. Palestra proferida no Fórum Social Mundial de 2005. Saramago tem demarcado

fronteiras na luta contra a globalização, a qual define apenas mais um nome para o imperialismo. Mas para

ele, a palavra não basta. É preciso transformar todo o discurso em ação. É esse o desafio do Fórum segundo

Saramago: tornar-se em instrumento de ação e demarcar um novo sentido para a utopia: “Coloquemos aquilo

que é utopia, aquilo que é o conceito, não o coloquemos em lugar nenhum. Coloquemos no amanhã e no aqui.

Porque o amanhã é a única utopia.

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173

6.3 TENDÊNCIAS À FLEXIBILIZAÇÃO

Neste ponto, trataremos da flexibilização ocorrida no Brasil. Tal ponderação se

justifica porque sabemos que nos países desenvolvidos o instituto da flexibilização

foi tratado de forma muito diferenciada, não permitiram a utilização da

flexibilização para retirar direitos dos trabalhadores.

Diversas foram as correntes doutrinárias brasileiras que escreveram sobre o

assunto, dando cada uma um significado, um sentido para a flexibilização. Além

dos diferentes significados dados ao fenômeno da flexibilização, ganhou realce a

forma como se manifestou no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro.

A flexibilização é encarada também sob o enfoque da desregulamentação

normativa, imposta pelo Estado, que consiste em derrogar vantagens de cunho

trabalhista, substituindo-as por benefícios inferiores. 267

Para tanto, compete diferenciar a flexibilização da desregulamentação trabalhista,

recorrendo, para tanto, dos ensinamentos do professor Jorge Luiz Souto Maior:

Por flexibilização entende-se a adaptação das regras trabalhistas à nova

realidade das relações de trabalho, que permite, e muitas vezes exige,

um reoordenamento do sistema jurídico, não necessariamente no sentido

de regular, de modo diferente, as relações de trabalho. Por

desregulamentação identifica-se a idéia de eliminação de diversas regras

estatais trabalhistas, buscando uma regulamentação por ação dos

próprios interessados. Ambos, no entanto, quando apoiados no

pressuposto da necessidade de alteração das relações de trabalho, para

267 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 87.

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fins de satisfação do interesse econômico, no que se refere à

concorrência internacional, o mesmo sob o prisma interno, acabam

constituindo-se na mesma idéia, sendo que o termo „flexibilização‟ ainda

possui um forte poder ideológico, por ter conceitualmente, um significado,

mas atuar em outro sentido. 268

E prossegue o referido doutrinador, sobre a flexibilização das leis trabalhistas:

... a flexibilização das leis trabalhistas [...] a despeito de servir para atacar

o desemprego, acaba provocando mais desemprego. [...] Embute-se

nesta idéia de flexibilização, portanto, um autêntico movimento de

desregulamentação do direito trabalhista. Argumenta-se que se trata

apenas de uma redução das regras ditadas pelo Estado, aumentando-se

o campo de atuação dos atores sociais, realizando aquilo que se pode

chamar de privatização normativa. Entretanto, como a força negocial dos

sindicatos está sensivelmente reduzida, a retirada das normas estatais

representa, de forma concreta, a mera desregulação das relações

trabalhistas. 269

Já nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento, a flexibilização do Direito do

Trabalho:

É, portanto, o afastamento da rigidez de algumas leis para permitir, diante

de situações que a exijam, maior dispositividade das partes para alterar

ou reduzir as condições de trabalho. Mas a flexibilização desordenada do

direito do trabalho faria dele mero apêndice da Economia e acabaria por

transformar por completo a sua fisionomia originária, uma vez que

deixaria de ser uma defesa do trabalhador contra a sua absorção pelo

processo econômico, para ser preponderantemente um conjunto de

normas destinadas à realização do progresso econômico, atritando-se

268 MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTR,

2000. p. 139. 269 MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTR,

2000. p. 156.

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com a sua finalidade, que é a proteção do trabalhador diante da sua

inferioridade econômica no contrato de trabalho. 270

Ocorre que, a flexibilização é prejudicial enquanto medida de desarticulação da

legislação trabalhista e instrumento de desregulamentação das relações laborais,

tendentes a atingir fins outros que não os colimados pelo Direito do Trabalho, pois

que consiste simplesmente na derrogação de benefícios trabalhistas preexistentes

ou sua substituição por outros inferiores, (...) imposta unilateralmente pelo Estado,

por meio de lei ou decreto (...).271

Mais que isso, a flexibilização, no aspecto de desregulamentação, busca a

realização de objetivos totalmente contrários à justiça social, sendo utilizada como

instrumento para proporcionar o aumento crescente do lucro e acumulação de

riquezas dos donos dos meios de produção e diminuir as responsabilidades dos

mesmos frente à classe dos detentores da mão de obra, dentro da relação

empregatícia.

Depreende-se, nesse sentido, que, como descrito nas palavras de Antônio

Fabrício:

A flexibilização fundamenta-se ideologicamente na economia de mercado

e na saúde financeira da empresa, justificando-se para que uma empresa

saudável gere empregos. É também fundamento da flexibilização a

grande massa de excluídos do mercado formal que, com a flexibilização,

passaria a integrar o „mercado oficial‟ do trabalho e teria, portanto, mais

dignidade. Todos esses argumentos assentam-se na teoria do

neoliberalismo. 272

270 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33ª Edição. São Paulo: LTR, 2007.

p. 69. 271 URIARTE, Oscar Ermida. A flexibilidade. São Paulo: LTR, 2002. p. 28. 272 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Flexibilização trabalhista. Belo Horizonte: Mandamentos,

2004. p. 117.

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Todavia, a despeito do teoricamente justificado, e no mais das vezes defendido, a

flexibilização, tal como analisado na sociedade atual, precarizou as condições de

trabalho no mercado, não se traduzindo, portanto, em nenhum ganho social para o

trabalhador.

A flexibilização, com vistas ao atendimento das novas necessidades da sociedade

e, mais especificamente, da classe trabalhadora, deveria ser buscada no âmbito

social, de modo a ampliar aquele leque de direitos e garantias constitucionais e

infraconstitucionais dos trabalhadores. Contrariamente, a flexibilização é pautada

no individualismo inerente à política neoliberal característica da economia

capitalista de mercado de sociedade contemporânea.

Destarte, a flexibilização, como verificada em muitos casos, não representa

mudanças ocasionadas em razão de transformações sofridas pela sociedade, mas

uma forma de reduzir o poder dos trabalhadores quando de pactuações de suas

forças de trabalho no mercado, impondo a própria legislação condições de

trabalho precárias, que na verdade retiram a proteção do obreiro.

Assim sendo, o fenômeno flexibilização/desregulamentação, apresentou-se na

dinâmica social brasileira, com um verdadeiro desprezo às normas estabelecidas

em favor da classe trabalhadora, com a justificativa desprezível que flexibilizando

haveria aumento de postos de trabalho. E o obreiro, que vive à mercê dos reveses

políticos, tenta aceitar o que os economistas neoliberais dizem ser as “razões de

mercado”, contra as quais os trabalhadores sozinhos não podem lutar.

Tal discurso é cruel e piegas, porém, como a massa da população é desprovida

de educação interpretativa, aceita, conforma e sofre as conseqüências.

Verdadeiramente, foram os avanços na tecnologia com a informatização de

inúmeras atividades, o aumento do desemprego, a competitividade entre as

empresas, bem como a internacionalização da economia que criaram condições

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para que se refletissem no Brasil as tendências da flexibilização do mercado de

trabalho combinados com a redução da rigidez das leis trabalhistas. 273

Márcio Pochmann desmistifica a questão da flexibilização, vejamos:

Vejamos a questão da flexibilização. Nós vamos flexibilizar para tornar a

nossa classe trabalhadora mais empobrecida e mais fragilizada, ou nós

vamos dizer que o nível de exploração tem limite? A política pública

neoliberal vai dizer que precisa flexibilizar para gerar mais emprego. Pura

mistificação. Até porque o que gera emprego é outra coisa. Como as

tecnologias são poupadoras de força de trabalho, pode haver muito

crescimento sem o equivalente crescimento do nível de emprego.274

O Brasil iniciou seu processo flexibilizatório ao criar o FGTS (Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço) em 1966, e, posteriormente, com a CR/88, suprimiu-se a

estabilidade decenal, criando seqüencialmente, novas formas de contratação

(trabalho temporário - Lei. n. 6019/74; contrato de estágio - Lei n. 6.494/77),

admitindo a possibilidade de redução de salário e da jornada em situações de

crise empresarial, via ajuste coletivo ou decisão do juiz (Lei n. 4.923/65), e a

prática do Banco de Horas ou compensação anual de jornada, terceirização (via

súmula 331 do TST), dentre outras formas.

É inegável que a Constituição da República representou um grande e importante

passo no processo de transição democrática do próprio Direito do Trabalho

nacional. Por outro lado, porém, o mesmo diploma constitucional também admitiu

que a flexibilização normativa afetasse alguns desses direitos conferidos aos

obreiros.

273 FERRARI, Irany, NASCIMENTO, Amauri Mascaro, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História

di Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Homenagem a Armando Casimiro Costa. São

Paulo: LTr, 1998, p. 163-164. 274 Este texto é parte do Jornal da Unicamp, edição 354, de 9 a 15 de abril, disponível a partir de segunda-feira

(9) à tarde em www.unicamp.br/ju.

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Inicialmente, a Constituição o fez quanto à possibilidade de redução do salário.

Depois, em outros dispositivos, quanto à possibilidade de redução e compensação

da jornada normal de trabalho e de ampliação da jornada especial cumprida nos

denominados turnos ininterruptos de revezamento.

Vê-se que a Constituição Federal de 1988 condicionou a flexibilização de tais

direitos à ocorrência de negociação coletiva. Seguem os dispositivos

constitucionais que a admitiram:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros

que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo

coletivo.

(...)

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e

quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a

redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

(...)

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos

ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

A permissão constitucional acerca da flexibilização de direitos trabalhistas

alcançou pontos específicos, quais sejam: os referentes a salários e à jornada de

trabalho. Não abrindo espaço para que se implementassem novos focos de

flexibilização.

E ainda, condicionando a ocorrência da flexibilização à realização obrigatória de

negociação coletiva, frisou também a Constituição que tais flexibilizações só

seriam possíveis quando se tratasse de um motivo necessariamente relevante,

para atender situação peculiar de uma categoria.

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Noutro giro, o legislador constituinte, ao mesmo tempo, tornou expressa a

irredutibilidade salarial, bem como estipulou que as jornadas de trabalho dos

empregados devem respeitar uma duração máxima.

Em suma, na prática brasileira, o fenômeno flexibilização mostra-se como uma

ferramenta eficiente de exploração e desvalorização do trabalho.

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6.4 PATAMAR CIVILIZATÓRIO MÍNIMO A expressão patamar civilizatório mínimo é do professor Maurício Godinho

Delgado, vejamos:

No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado,

essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas

heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro,

as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art.

7°, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções

internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5°,

§ 2°, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo

ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais

infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo

que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas

concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação

profissional, dispositivos andiscriminatórios, etc). 275

E continua o ilustre mestre, nas suas sempre abalizadas explicações:

Também não prevalece a adequação setorial negociada se concernente

a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade

relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por

negociação sindical coletiva. Tais parcelas são aquelas imantadas por

uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório

mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em

qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a

própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao

trabalho (art. 1°, III e 170, caput, CF/88. Expressam, ilustrativamente,

275 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1323.

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essas parcelas de indisponibilidade absoluta a anotação de CTPS, o

pagamento do salário mínimo, as normas de saúde e segurança no

ambiente de trabalho. 276

O trabalho é de fato um instrumento social que auxilia na construção da identidade

social do homem, tanto na antiguidade quanto na sociedade contemporânea. No

entanto, se não forem garantidas e preservadas as condições mínimas para o seu

exercício, pautadas no pilar da dignidade humana, pode provocar a destruição da

identidade social dos trabalhadores.

De tal modo, se não forem assegurados ao trabalhador condições mínimas de

saúde e de segurança no trabalho, por exemplo, não há espaço para o exercício

do direito fundamental ao trabalho digno.277

Dessa feita, é evidente que a garantia dos Direitos Humanos sociais do

Trabalhador está amparada pela intangibilidade que toca o artigo 60, § 4.º, inciso

IV da Constituição Federal de 1988.

O princípio insculpido no artigo. 5º, inciso XXXV da CF/88, reconhece os Direitos

Humanos sociais do trabalhador como verdadeiras garantias constitucionais

fundamentais irreformáveis, ao preservar as conquistas históricas dos

trabalhadores pelos direitos trabalhistas, já sedimentados no ordenamento

justrabalhista brasileiro.

Nesse contexto, os Direitos Humanos sociais do trabalhador estão blindados com

a cláusula de imutabilidade e, dessa maneira, estão absolutamente inaptos à

renunciabilidade do obreiro. As cláusulas pétreas garantem a proteção ao patamar

mínimo civilizatório278com que o Direito do Trabalho brasileiro se sustenta na

276 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 1323. 277

DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 23. 278 A expressão é apresentada pelo professor Maurício Godinho Delgado em sua obra Curso de Direito do

Trabalho, Ed. LTr, p. 1.322, ao tratar do Princípio da Adequação Setorial Negociada, como um dos princípios

especiais do ramo do Direito Coletivo do Trabalho.

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ordem justrabalhista brasileira. Destarte, além de assegurarem a identidade da

Constituição, podem ser elas próprias consideradas parte integrante desta

identidade279.

279 SARLET, Ingo Wolgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2007, p. 422.

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6.5 A DIGNIDADE DO SER HUMANO

O trabalho é um dos pilares fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro e,

assim como todas as normas jurídicas constitucionais, deve ser interpretado sob o

prisma da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, ao analisarmos o sentido do trabalho expresso na Constituição

cidadã temos que entendê-lo como trabalho digno, haja vista que o trabalho em

condições indignas destrói o valor principal do Estado Democrático de Direito, qual

seja, a pessoa humana e, por via de conseqüência, acaba por atingir a própria

democracia.

Convém relembrar que a dignidade da pessoa humana está firmada no artigo 1º,

III, da Constituição, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil

e do Estado Democrático de Direito. O referido artigo elenca em seus incisos II e

IV, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,

simultaneamente.

Vê-se que a Carta Magna exerce papel essencial na valorização do cidadão ao

elevar os direitos do trabalhador e a dignidade da pessoa humana ao status de

direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos.

A esse respeito, leciona Moraes que a dignidade da pessoa humana:

...concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente

às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de

predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em

detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e

moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na

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autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz

consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,

constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve

assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas

limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem

menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas

enquanto seres humanos.280

A dignidade se manifesta como valor supremo sobre o qual se edifica a sociedade

brasileira. Nas palavras da Mestra Gabriela Neves Delgado, no desempenho das

relações sociais, em que se destacam as trabalhistas, deve ser vedada a violação

da dignidade, o que significa que o ser humano jamais poderá ser utilizado como

objeto ou meio para a realização do querer alheio.281

Impende acrescentar, as observações de Ingo Wolgang Sarlet:

[...] a dignidade da pessoa humana, compreendida como vedação da

instrumentalização humana, em princípio proíbe a completa e egoística

disponibilização do outro, no sentido de que se está a utilizar outra

pessoa apenas como meio para alcançar determinada finalidade, de tal

sorte que o critério decisivo para a identificação de uma violação da

dignidade passa a ser (pelo menos em muitas situações, convém

acrescer) o do objetivo da conduta, isto é, a intenção de instrumentalizar

(coisificar) o outro.282

Cumpre destacar que Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em

seu artigo 1º já priorizava o valor da dignidade humana:

280 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Jurídica Atlas, 2006, p. 16. 281 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 206. 282 SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de

1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.52.

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Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São

dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros

com espírito de fraternidade. (grifo nosso)

É preciso destacar que a Declaração Universal dos direitos Humanos configura

um avanço que foi seguido principalmente, aqui no Brasil pelo Constituição de

1988 que, de forma expressa, elencou como princípio a dignidade da pessoa

humana, representando, portanto, um progresso no ordenamento jurídico

brasileiro.

Com efeito, mesmo reconhecendo tal avanço, o princípio da dignidade carece em

muitos aspectos de efetividade, necessitando, deste modo, de sua efetividade,

principalmente na seara juslaboral.

Nesse sentido, Ingo Wolgang Sarlet alude que:

[...] pelo fato de a dignidade da pessoa encontrar-se ligada à condição

humana de cada indivíduo, não há como descartar uma necessária

dimensão comunitária (ou social) desta mesma dignidade de cada

pessoa e de todas as pessoas, justamente por serem todos iguais em

dignidade e direitos (na iluminada fórmula da Declaração Universal de

1948) e pela circunstância de nesta condição conviverem em

determinada comunidade ou grupo.283

Com maestria, continua Sarlet a esse respeito:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano

que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do

Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de

direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra

todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a

lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,

283 SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de

1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 53-54.

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além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos

destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais

seres humanos.284

A mesma idéia é exposta por alguns doutrinadores como fundamento de

existência do chamado “princípio da função social da empresa”. Nessa linha, Ana

Paula Taceuda Branco sustenta:

Não há dúvidas, pois, de que, sendo a empresa [...] “a atividade

economicamente organizada para a produção ou a circulação de bens e

serviços” (Belmonte, 2004, p. 509), o empresário, seu sujeito de direito,

ao exercer a atividade econômica (direito), deve fazê-lo de modo a

estabelecer (dever) uma conexão, estreita e inseparável, entre a

produção ou circulação de bens e serviços e a função social, de forma a

viabilizar uma convivência harmônica e razoável entre os mais distintos

interesses envolvidos (proprietário, trabalhador, consumidor, empresas

concorrentes, sociedade civil, Estado, etc.) e de maneira a – em especial

na esfera do Direito do Trabalho – gerar a circulação de riquezas e a

proteção da relação de emprego, em respeito ao Princípio Constitucional

Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. 285

Diante de tais considerações, é inegável que o trabalho revela-se em princípio,

fundamento, valor e direito social.

Sabe-se, entretanto, no esteio de Ingo Wolfgang Sarlet, que

[...] ninguém será capaz de negar que entre nós - e lamentavelmente

cada vez mais - a dignidade da pessoa humana (de alguns humanos

mais do que outros) é desconsiderada, desrespeitada, violada e

desprotegida, seja pelo incremento assustador da violência contra a

284 SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de

1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 62. 285 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 33ª ed. São Paulo: Saraiva,

2007, p. 362.

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pessoa, seja pela carência social, econômica e cultural e grave

comprometimento das condições existenciais mínimas para uma vida

com dignidade e, neste passo, de uma existência com sabor de

humanidade. 286

A proteção integral da dignidade humana no contexto juslaboral atesta as funções

desse ramo aos anseios específicos do obreiro no atual sistema capitalista.

Aliás, a pessoa humana deveria ser o sujeito central do desenvolvimento

econômico.

O Direito do Trabalho ao fornecer proteção ao hipossuficiente está seguindo os

ditames do princípio da dignidade humana previsto em nossa Carta Cidadã. Além

disso, sem o exercício da dignidade não há que se falar em trabalho digno, e o

trabalhador sem dignidade não adquire existência plena.

A dignidade é um valor inerente ao trabalhador, que irradia toda a tutela jurídica de

proteção ao hipossuficiente, possibilitando condições mínimas de vida aos

cidadãos. Por conseguinte, não pode o indivíduo dispor de tal direito, pelo seu

caráter de indisponibilidade, irrenunciabilidade e inalienabilidade.

Como bem observa, Marthius Lobato, é através da proteção da dignidade da

pessoa humana que surge a proteção constitucional da relação de emprego,

assim como os direitos humanos fundamentais dos trabalhadores consignados no

artigo 7° e seus incisos e artigo 8° e seus incisos”. 287

Prosseguindo nessa cadência, José Felipe Ledur defende que a existência digna

está intimamente relacionada ao princípio da valorização do trabalho humano.

286 SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de

1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 127. 287 LOBATO, Marthius. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho.

São Paulo: LTr, 2006, p. 90.

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Assim, a dignidade da pessoa humana é inalcançável quando o trabalho humano

não merecer a valorização adequada.288

Sobre a dimensão da dignidade humana, a lição do professor Maurício Godinho

Delgado, se faz sempre oportuna:

[...] a idéia de dignidade não se reduz, hoje, a uma dimensão

estritamente particular, atada a valores imanentes à personalidade e que

não se projetam socialmente. Ao contrário, o que se concebe inerente à

dignidade da pessoa humana é também, ao lado dessa dimensão

estritamente privada de valores, a afirmação social do ser humano. A

dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre em uma

situação de completa privação de instrumentos de mínima afirmação

social. Enquanto ser necessariamente integrante de uma comunidade, o

indivíduo tem assegurado por este princípio não apenas a intangibilidade

de valores individuais básicos, como também um mínimo de possibilidade

de afirmação no plano social circundante. Na medida desta afirmação

social é que desponta o trabalho, notadamente o trabalho regulado, em

sua modalidade mais bem elaborada, o emprego. 289

E complementa o constitucionalista, José Afonso da Silva:

[...] a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a

realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas

dimensões, e, como a democracia é o único regime político capaz de

propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o homem,

é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona

e humaniza. 290

288 LEDUR, José Felipe. A realização do direito ao trabalho. Editora Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre, p.

95. 289 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Editora LTr,

2004, p. 43-44 290 SILVA, José Afonso da. A Dignidade da Pessoa Humana como valor supremo da democracia. p. 94.

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O Estado precisa adotar medidas políticas, direcionadas à busca do pleno

emprego e para a redistribuição de renda no país, somente assim, poderemos

falar em respeito ao cidadão e na efetivação do princípio constitucional

fundamental da dignidade humana e da valorização do trabalho regulado.

Assim também entende, Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral

do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna

não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde

a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os

direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente

assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e

esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de

arbítrio e injustiças. 291

O luta contra a exclusão social representa um desafio da humanidade para o

século XXI. A exclusão social é a face perversa da crise social que se vive no

mundo e, especialmente, no Brasil, como resultado do estímulo à precarização

das normas trabalhistas, da concentração de renda nas mãos de poucos e

também da falta de um comprometimento por parte do Estado em garantir

oportunidades de desenvolvimento econômico, social, político e cultural para os

cidadãos menos favorecidos, através do trabalho regulamentado.

O renomado jurista brasileiro, Maurício Godinho Delgado juntamente com a

professora Lorena Vasconcelos Porto, ao mencionarem sobre importância do

Estado de Bem-Estar Social no Capitalismo Contemporâneo, conseguiram

estabelecer algumas diretrizes de caráter intervencionista na busca da construção

de justiça social:

291 SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimensões da Dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão

jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2005, p. 35.

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Somente um Estado de Bem-Estar social, adequado às peculiaridades

latino-americanas e brasileiras em particular, será capaz de tomar as

medidas eficazes assecuratórias de um significativo crescimento

econômico com a simultânea construção de justiça social. O perfil

intervencionista do EBES torna naturais políticas públicas imprescindíveis

ao crescimento econômico, como, a título ilustrativo, gestão racional do

câmbio, gestão racional do crédito e seus juros, políticas

intervencionistas de estímulo a distintos segmentos empresariais,

incremento do investimento público e do privado na economia, a par de

outras medidas na mesma direção. O mesmo perfil intervencionista torna

naturais a adoção simultânea de políticas sociais distributivas de riqueza

e/ ou renda, tais como elevação do salário mínimo, medidas sociais de

agregação direta de renda, estratégias intervencionistas de ampliação de

oportunidades no sistema econômico, social e cultural, medidas eficazes

de incremento do emprego na economia. 292

Marthius Lobato observa que a ausência da atuação positiva do Estado leva a

classe operária à total marginalização, haja vista que o trabalho retorna aos

tempos de escravidão, em ambientes de trabalho subumanos.293

E complementam Maurício Godinho Delgado e Lorena Vasconcelos Porto, ao

preceituarem que:

O Estado de Bem-Estar Social (EBES) traduz uma das mais importantes

conquistas da civilização ocidental. Agregando ideais de liberdade,

democracia, valorização da pessoa humana e do trabalho, justiça social e

bem-estar das populações envolvidas, o EBES é certamente a mais

completa, abrangente e profunda síntese dos grandes avanços

292 DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos. O Estado de Bem-Estar Social no Século

XXI. São Paulo: LTr, 2007, p. 29. 293 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O Valor Constitucional para a Efetividade dos Direitos Sociais nas

Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 35.

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191

experimentados pela história social, política e econômica nos últimos

trezentos anos. 294

Esclarecem os autores, que o Estado de bem-estar social sintetiza, em sua

variada fórmula de gestão pública e social, a afirmação de valores, princípios e

práticas hoje consideradas como fundamentais: democracia, valorização do

trabalho e do emprego, justiça social e bem-estar. 295

No Brasil, se faz urgente uma política interventiva que promova a curto, a médio e

longo prazo, uma redistribuição de renda. Tal intervenção de justifica em fase das

discrepantes diferenças sociais existentes, que ao longo dos anos vêem gerando

o aumento da criminalidade, mendicância, falta de emprego296 decente, dentre

outros fatores que geram desconforto em toda a sociedade.

É sabido que é direito dos cidadãos que o Estado forneça condições de eficácia

que garantam os direitos sociais do trabalhador. É incumbência estatal promover o

aumento do bem-estar social e econômico, bem como a qualidade de vida dos

trabalhadores, em especial, dos desfavorecidas, por meio de correções das

desigualdades na distribuição da riqueza e da renda.

Diante de tais considerações, é o Direito do Trabalho um importante mecanismo

de combate à pobreza e à exclusão social, e à implementação de um sistema de

proteção social ao cidadão, pois, obedecendo aos princípios da justiça social e da

distributividade, assegurar-se-á uma renda digna decorrente do trabalho digno e

valorizado.

294 DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos. O Estado de Bem-Estar Social no Século

XXI. São Paulo: LTr, 2007, p. 20. 295 DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos. O Estado de Bem-Estar Social no Século

XXI. São Paulo: LTr, 2007, p. 22. 296 Para Márcio Pochmann, a política econômica é determinante. O emprego não é uma variável

indeterminada, que pode ser estabelecida a partir da vontade própria. O emprego está associado diretamente

ao comportamento mais geral da política econômica. É ela que define as possibilidades de maior ou menor

demanda da força de trabalho. Este texto é parte do Jornal da Unicamp, edição 354, de 9 a 15 de abril,

disponível a partir de segunda-feira (9) à tarde em www.unicamp.br/ju. p.12.

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Como bem asseveram Maurício Godinho Delgado e Lorena Vasconcelos Porto

que o primado do trabalho e do emprego traduz uma “eficiente maneira de

propiciar igualdade de oportunidades, de consecução de renda, de alcance de

afirmação pessoal e de bem-estar para a grande maioria da população na

sociedade capitalista. Afirmar-se o trabalho e, articularmente, o emprego, significa

garantir poder a quem originalmente é destituído de riqueza; desse modo, consiste

em fórmula eficaz de distribuição de renda e de poder na desigual sociedade

capitalista. 297

Fazendo uma análise histórica da formação do ramo juslaboral, um dos princípios

fundamentais do Direito do Trabalho é o Princípio da proteção, por se revelar o

mais relevante e geral, o qual constitui a premissa do Direito do Trabalho.

Por outro lado, será através da valorização do trabalho-emprego na sociedade

contemporânea, expressão do imperativo político-jurídico em favor da estabilidade

social do trabalhador no mercado formal de trabalho no Brasil.

Nesse entendimento, destaca Maurício Godinho Delgado que é preciso criar um

ramo jurídico capaz de assegurar, com notável eficiência, certo patamar

civilizatório digno àqueles que vivem essencialmente de sua força laborativa à

disposição e subordinação de outrem – os quais sempre foram a vasta maioria

das populações nas sociedades capitalistas. 298

Não obstante, são pelos direitos sociais do trabalhador, advindos da concepção de

Estado de Bem-Estar Social, que se encontra presente o ideário social, que

consiste na proteção à dignidade da pessoa humana. E é nessa compreensão que

o trabalho regulado se revela como valor essencial ao homem na sociedade

contemporânea.

297

DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos. O Estado de Bem-Estar Social no Século

XXI. São Paulo: LTr, 2007, p. 22 298 DELGADO, Maurício Godinho. Discriminação e Exclusão Social. As grandes maiorias e o Direito do

Trabalho. In: Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais. São Paulo: LTr, p. 376.

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Conforme confirma Maurício Godinho Delgado, o trabalho empregatício constitui a

mais relevante modalidade de relação trabalhista lato sensu existente no mundo

contemporâneo [...].299

Será através do intermédio da relevância que se dá a relação de emprego é que o

Direito do Trabalho atingirá o equilíbrio entre as forças da produção capitalista e o

trabalho humano. Por essa razão, o objetivo maior da ordem justrabalhista deve

ser a proteção da relação de emprego por meio da permanência do trabalhador no

mercado formal de trabalho. Somente assim a ele serão assegurados todos os

direitos e garantias fundamentais que o Direito do Trabalho brasileiro lhe vem

proporcionando ao longo dos tempos, pois, nos dizeres de Ana Virgínia Moreira

Gomes, as normas trabalhistas, além de resguardarem direito de uma classe,

também constituem direito de toda a sociedade [...].300

Nesse diapasão, vale destacar que a função e a eficácia do princípio da dignidade

humana juntamente com o princípio da valorização do trabalho (regulado) se

tornam indispensáveis no Direito do Trabalho, uma vez que prioriza por uma

qualidade mínima de vida humana.

Derradeiramente, faz-se necessário desprestigiar o discurso neoliberal em voga,

que na atualidade, propugna, propositadamente, pelo abandono da concepção

social da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho regulado.

É preciso que se entenda que é a relação de emprego a que melhor protege o

trabalhador. Não importa se o cidadão trabalha num lixão, ou se é gari, mas, tendo

todos os seus direitos garantidos (proteção), este trabalho é digno e valorizado.

299 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2007, p. 55. 300 GOMES, Ana Virginia Moreira. A Aplicação do Princípio Protetor no Direito do Trabalho. São Paulo:

LTr, p. 58.

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6. CONCLUSÃO

Desde o início da história da humanidade, os homens utilizaram de sua força física

(trabalho), para produzirem os meios de subsistência, sendo certo que a noção de

trabalho foi se modificando ao longo da história.

No princípio, o homem apenas retirava da natureza aquilo que necessitava para

manter-se vivo. Posteriormente, começou a apropriar-se da natureza, tirando dela

o que precisava para a sua subsistência e um pouco mais para elaborar

instrumentos de uso pessoal, e, por conseguinte, para sua defesa, com a

finalidade precípua de perpetuação da espécie humana.

Através da interação mais intensa e mais elaborada do homem com a natureza

ocorreu, concomitantemente, o desenvolvimento da agricultura e a domesticação

de animais. Foi este período de grandes transformações e descobertas, como o

fogo, a roda, a fusão dos metais, a linguagem, que serviu de berço para a

formação das grandes civilizações antigas, como a dos egípcios, dos assírios, dos

babilônicos, dos gregos e dos romanos.

A divisão do trabalho nesta fase da história ocorria segundo os sexos: a mulher

dedicava-se à plantação, à colheita e ao cultivo da terra; já o homem, responsável

pela caça. Naturalmente, o grupo social foi-se organizando de forma

hierarquizada. A conseqüência desta hierarquização foi a relação trabalhista que

preponderou na antiguidade: a relação escravizador-escravo.

Com o crescimento da população absoluta e a crescente complexidade das

relações sociais e humanas, na antiguidade, os senhores passaram a contar não

só apenas com a mão-de-obra dos seus escravos, mas também com os próprios

homens livres, incluindo os que arrendavam os seus serviços.

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Como se percebe, a antiguidade foi marcada pela mão-de-obra escrava, não

existindo qualquer sistema de proteção ao homem que trabalhava, onde se

negava qualquer valorização e dignidade ao trabalho.

Já a Idade Média é marcada pelo regime feudal que ocorreu através da transição

de escravidão para servidão, que surgiu à custa do arrendamento da terra e da

proteção militar, embora os tratos com os trabalhadores entre um regime e outro

fossem muitos íngremes. Desta forma, a exploração, o excesso de trabalho, enfim,

o trabalho sem qualquer dignidade eram características da escravidão, e

perpetuou no regime de servidão sem nenhuma mudança significativa.

Na Idade Média, portanto, não havia a noção de emprego. A relação trabalhista da

época era a relação senhor-servo.

O declínio do feudalismo ocorreu, dentre outros fatores, em virtude do aumento da

população urbana, do movimento de fechamento das terras, do aumento dos

preços dos arrendamentos concomitantemente à expulsão dos servos pelos seus

senhores das terras arrendadas.

Como resultado, os trabalhadores, destituídos de terra para cultivar, partem para

as cidades em busca de melhores condições de vida. Entretanto, como não

detinham o controle sobre o processo produtivo e nem eram proprietários da

matéria-prima, foram obrigados a vender a sua força de trabalho como garantia de

subsistência.

Paralelamente ao início do trabalho nas fábricas, destacou-se também neste

período a figura do artesão. Os artesãos geralmente trabalhavam com seus

familiares ou companheiros com o intuito de vender a produção nos mercados,

como forma de garantir a sobrevivência, haja vista que a produção artesanal não

atingia grandes quantidades comparadas à produção fabril. Assim, enquanto o

trabalho artesão tinha como objetivo a sobrevivência, sendo o lucro uma questão

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bastante incipiente, o trabalho nas fábricas visava efetivamente o lucro, daí não

existir muita semelhança entre as figuras fabril e artesanal.

Fica claro, portanto, que neste período a prática do trabalho é transformada.

Porém, não podemos utilizar a palavra emprego para designar qualquer prática de

trabalho desta época, até porque estava apenas iniciando, de forma tímida, o

esboço conceitual da palavra emprego.

É um dado notório que, nem na antiguidade, nem na idade média e tampouco na

idade moderna, os resultados do trabalho do homem, em qualquer época e em

qualquer regime, não foram repartidos com a devida justiça.

Ao adentrarmos na Idade Moderna, o trabalho tornou-se, mais do que um direito,

também um dever.

Foi aí então que a filosofia buscou dar sentido ao trabalho, enquanto a economia

analisa o trabalho humano como fonte geradora de riqueza.

Enquanto a burguesia, a realeza e a nobreza manipulavam a economia ao seu

favor, a classe trabalhadora, que foi usada no processo revolucionário, vivia em

condições miseráveis, entregue à própria sorte. Ficou claro que a burguesia, a

realeza e a nobreza não se ocuparam, em momento algum, na defesa das

questões sociais, mormente da questão da classe trabalhadora, e o Estado “não

podia” intervir nessa espécie de relação jurídica. Afinal de contas o que se

pregava naquela época era exatamente a não intervenção estatal, tanto na

economia quanto nas relações sociais. Resta evidente, portanto, que o cenário

estatal era propício para o alojamento e a permanência das mazelas sociais.

Neste momento, a classe burguesa emergente detinha o poder econômico,

enquanto a realeza e a nobreza dominavam o poder político. Com este cenário,

fica fácil compreender que a elevação do princípio da não intervenção do Estado

na economia pelos burgueses não foi por acaso. Na verdade, o objetivo concreto e

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perceptível era evitar a interferência dos antigos monarcas e senhores feudais nas

estruturas econômicas.

O que os burgueses almejavam com essas estratégias era a obtenção da garantia

da liberdade individual para expandirem seus negócios e obterem lucros (mais

valia), sem qualquer ingerência do plano econômico, assim como no plano

jurídico.

Fato é que a classe trabalhadora sempre enfrentou e continua enfrentando as

agruras decorrentes da relação trabalho e capital.

Com o fim do sistema feudal e a efervescência da mercantilização, concomitante

com o crescimento da indústria, o trabalho humano foi utilizado pela classe que

detinha os meios de produção como instrumento hábil a proporcionar lucro e

conseqüentemente a acumulação de riqueza.

Neste período de busca pelo lucro excessivo e de acumulação de riqueza, as

pessoas foram tratadas como mercadoria, porque entenderam os capitalistas que

o trabalho humano gerava riqueza.

Nessa fase, o trabalho é tratado como mercadoria porque, ao retirar o trabalhador

do campo, ele é obrigado enfrentar a cidade para garantir sua subsistência. Note-

se que a classe trabalhadora foi maltratada; não lhe ofereceram outra chance.

Todas essas mudanças que marcaram a história do trabalho e do homem

ocorreram a partir do século XVIII, sendo certo que todas as grandes

transformações econômicas que aconteceram na Europa trouxeram repercussões

mundiais.

Nesse ínterim, a Inglaterra liderava mundialmente a industrialização, por possuir

disponibilidade de capital e desenvolvimento industrial, marcando o surgimento

das primeiras fábricas e, conseqüentemente, da grande indústria.

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Com a Revolução Industrial, houve um aumento contínuo e rápido da

produtividade no trabalho. O dono de uma fábrica mecanizada podia vender seus

produtos a um preço menor que seus concorrentes artesãos ou manufatureiros, e

ainda com lucros maiores.

O principal fator na passagem da produção manufatureira para a industrial é que,

literalmente, houve uma substituição do homem pela máquina. As fábricas, na

busca pela redução de custos, passaram a externalizar fases do processo

produtivo, ou seja, ao contrário das fábricas tayloristas-fordistas, que

concentravam toda a linha de produção num mesmo ambiente, no novo modelo,

onde o foco é a especialização, concentrava-se apenas em uma parte específica

do ciclo de produção, sendo o restante executado por outras fábricas. A

organização da produção em rede, sob a roupagem da terceirização, foi uma das

formas de operacionalizar os objetivos do novo modelo.

Não obstante, o novo modelo de gestão – toyotismo ou ohnismo - tinha por meta

enfrentar a crise, onde a demanda no mercado consumidor estava insuficiente e a

competitividade em alta na economia através do sistema Just in time e de estoque

zero.

Com essa nova transformação na vida econômica das fábricas, os patrões, para

enfrentarem a crise, implementaram este modelo (toyotismo), deixando nas

fábricas apenas a quantidade suficiente de obreiros para trabalharem nas

atividades essenciais do produto principal da fábrica, sendo certo que as outras

atividades paralelas à atividade principal da empresa foram repassadas para

empresas menores.

E mais uma vez a redução do custo final do produto da empresa foi retirada do

suor dos trabalhadores, uma vez que ao repassar as atividades complementares

para as empresas subcontratadas, estas efetuavam pagamentos bem menores,

comparados à empresa principal.

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A formação da consciência dos trabalhadores foi resultado de um processo

penoso para os obreiros. Na verdade, a classe obreira se reconheceu, quando

percebeu que passavam por tribulações muito semelhantes, quais sejam: jornada

extenuante, exploração do trabalho de mulheres e crianças, trabalho sob

condições perigosas e insalubres, salários insuficientes, todas estas

circunstâncias, resultado da prevalência do capital em detrimento ao trabalho,

fizeram surgir um movimento de expressão através da união dos trabalhadores,

que começaram a lutar contra os desmandos dos empregadores e contra a inércia

do Estado.

Percebe-se que a intervenção do Estado na vida econômica, através de normas

de ordem pública, foi necessária em virtude da falta de paridade entre empregador

e empregado.

O primeiro país a constitucionalizar normas juslaborais foi o México em 1917; em

1919 a Alemanha seguiu o caminho através da Constituição de Weimar. Depois

destes dois precedentes históricos, os outros países começaram a atentar para a

importância da constitucionalização dos direitos sociais

O Direito do Trabalho é, pois, produto cultural do século XIX e das transformações

econômicas-sociais e políticas ali vivenciadas.

Certo é que o Direito do Trabalho surgiu para exaltar a dignidade do trabalhador e

melhorar sua condição humana. Na verdade, toda a classe trabalhadora necessita

dos benefícios do trabalho regulado, do qual é mantida continuamente a vida

humana. É o trabalho digno e regulado que integra o cidadão na sociedade e

contribui para a plena realização de sua personalidade como ser humano e

cidadão.

A ordem constitucional democrática brasileira está firmada na elevação do

trabalho, trazendo os direitos sociais de forma expressa nos artigos 6º e 7º,

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prevendo expressamente como uma das metas da ordem econômica a

concretização da justiça social.

Nota-se que a Constituição Federal de 1988 priorizou a relação de emprego,

principalmente quando determinou que a base da ordem social brasileira é o

primado do trabalho. Neste ponto, a interpretação que mais condiz com os ideais

de justiça social é que o trabalho que está previsto no artigo 193 é o trabalho

regulado (emprego).

Torna-se manifesto que apenas o trabalho regulado e protegido por normas

jurídicas garante a inclusão do trabalhador no campo social e econômico do

capitalismo, já que somente o trabalho regulado, valorizado e digno permite esta

inclusão social e, por conseguinte, a diminuição das desigualdades sociais.

Noutro giro, temos o pensamento econômico neoliberal que preza pela

desvalorização do trabalho, utilizando o discurso da competitividade da economia

global e do desemprego para justificar sua filosofia de descompromisso social e

desrespeito à dignidade e aos direitos dos trabalhadores.

Nesse diapasão, é dever precípuo do Estado efetivar os valores sociais do

trabalho estabelecidos na Constituição da República brasileira, principalmente

dando priorização à relação de emprego, buscando a minimização das injustiças

sociais, mediante a concretização do princípio da justiça social.

As premissas e objetivos do Direito do Trabalho se harmonizam com a

Constituição Federal de 1988 que, no artigo 1º, prevê que a República Federativa

do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos

a soberania, a cidadania, a dignidade humana e os valores sociais do trabalho e

da livre iniciativa. Neste contexto constitucional, o trabalho é compreendido como

instrumento de realização e efetivação da justiça social, porque atua distribuindo

renda.

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De fato, o princípio da valorização do trabalho deve ser lido como princípio da

valorização do trabalho regulado digno, pois este é a verdadeiro sentido do

princípio, qual seja, possibilitar a efetiva inserção do homem na sociedade,

garantir as condições necessárias e a sobrevivência digna do trabalhador e de sua

família.

O princípio do valor social do trabalho traduz a idéia de valorização do trabalho

humano, no sentido de assegurar condições dignas de realização do trabalho e

que este seja capaz de possibilitar a subsistência digna do trabalhador enquanto

cidadão.

O capitalismo globalizante é o elemento responsável pela enorme desigualdade

social e miséria, pois tal modelo veio, ao longo dos anos, causando um abismo

cada vez mais crescente entre ricos e pobres e entre países

desenvolvidos/industrializados e emergentes.

A flexibilização, com vistas ao atendimento das novas necessidades da sociedade

e, mais especificamente, da classe trabalhadora, deveria ser buscada no âmbito

social, de modo a ampliar aquele leque de direitos e garantias constitucionais e

infraconstitucionais dos trabalhadores. Contrariamente, a flexibilização é pautada

no individualismo inerente à política neoliberal característica da economia

capitalista de mercado de sociedade contemporânea.

A dignidade é um valor inerente ao trabalhador, que irradia toda a tutela jurídica de

proteção ao hipossuficiente, possibilitando condições mínimas de vida aos

cidadãos. Por conseguinte, não pode o indivíduo dispor de tal direito, pelo seu

caráter de indisponibilidade, irrenunciabilidade e inalienabilidade.

Fazendo uma análise histórica da formação do ramo juslaboral, um dos princípios

fundamentais do Direito do Trabalho é o Princípio da Proteção, por se revelar o

mais relevante e geral, o qual constitui a premissa do Direito do Trabalho.

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202

Sendo assim, é pelos direitos sociais do trabalhador, advindos da concepção de

Estado de Bem-Estar Social, que se encontra presente o ideário social, que

consiste na proteção à dignidade da pessoa humana. E é nessa compreensão que

o trabalho regulado que revela como valor essencial ao homem na sociedade

contemporânea.

Faz-se necessário desprestigiar o discurso neoliberal em voga, que na atualidade,

propugna, propositadamente, pelo abandono da concepção social da dignidade da

pessoa humana e da valorização do trabalho regulado.

É preciso que se entenda que é a relação de emprego a que melhor protege o

trabalhador. Não importa qual o tipo de trabalho que exercido pelo cidadão: se

trabalha num lixão, ou se é gari, mas, tendo todos os seus direitos garantidos

(proteção), este trabalho é digno e valorizado.

A qualificação profissional e o emprego formal, no período contemporâneo,

poderão contribuir para a diminuição da violência e a inserção social do cidadão,

e, conseqüentemente são alternativas, juntamente com a educação, para a

redução da desigualdade social e diminuição da violência.

Constitui-se numa relevante ameaça à democracia o momento em que a

cidadania do trabalhador e a mensuração de seu trabalho são desrespeitadas

diuturnamente. Só se pode falar em Estado Democrático quando se asseguram

efetivamente normas protetivas ao trabalhador.

Ainda que possa parecer utópico almejar uma sociedade justa e igualitária, onde

os ditames constitucionais sejam efetivados, é imperioso acreditar na real

possibilidade de uma democracia voltada para a valorização do trabalho regulado.

De qualquer forma, é o momento de analisar a situação global dos trabalhadores

de forma crítica, para reafirmar a importância do trabalho regulado e digno,

principal veículo de inserção social, e repensar a forma de atuação de todos os

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segmentos da sociedade para estabelecer uma estratégia de combate aos abusos

do capital e restabelecer a tutela sobre o trabalho de forma efetiva, sem que o

Direito do Trabalho perca de vista seu princípio basilar: o princípio de proteção.

Em países em desenvolvimento como o Brasil, este enfrentamento só acontece

com a intervenção do Estado nas relações entre capital e o trabalho para

compatibilizar este embate através de instrumentos que garantam, de forma

efetiva, direitos mínimos, que permitam a sobrevivência digna do trabalhador.

E concomitante a tudo isso, propagou-se um discurso de consumismo nos países

periféricos, como o Brasil, que enfrenta, além da questão do desemprego

estrutural e da falta de instrumentos que valorizem o trabalho regulamentado, a

malfadada filosofia do consumismo tem levado a população ao endividamento e

até problemas de saúde, como a depressão.

A inversão de valores por trás da proposta neoliberal consiste em priorizar o ter

em detrimento do ser; o capital, em detrimento do emprego; o individualismo em

detrimento da solidariedade e da justiça social.

O emprego regulado e protegido por normas jurídicas, desponta, desse modo,

como o principal veículo de inserção do trabalhador na arena socioeconômica

capitalista, visando propiciar-lhe um patamar consistente de afirmação individual,

familiar, social, econômico e, até mesmo, ético.

A norma fundamental brasileira, em sintonia com a construção doutrinária

consolidada ao longo dos anos, e ciente de que é somente por meio do trabalho

digno e regulado que se promovem a verdadeira cidadania e a dignidade plena da

pessoa humana, elegeu como um de seus pilares a valorização do trabalho.

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Ponto incontroverso é a necessidade latente de um Estado intervencionista e

preocupado com a verdadeira política social, que tenha por meta o fornecimento

de proteção social e econômica aos trabalhadores, haja vista que o obreiro que se

encontra na informalidade, no desemprego ou no subemprego, não recebe

nenhuma proteção social.

O que mais enaltece a personalidade humana é o trabalho realizado com plena

dignidade. A noção de justiça social e democracia deve-se fundar num ideário de

valorização do trabalho regulado e digno.

E por acreditar na efetivação do princípio da valorização do trabalho regulado no

capitalismo atual, firmo-me nas palavras poéticas, fortes, atuais e marcantes de

Gonzaguinha:

[...]

Um homem se humilha

Se castram seus sonhos

Seu sonho é sua vida

E vida é trabalho...

[...]

E sem o seu trabalho

O homem não tem honra

E sem a sua honra

Se morre, se mata...

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