A Importância Do Cuidado Com o Pé Diabético - Ações de Prevenção e Abordagem Clínica

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  • 7/26/2019 A Importncia Do Cuidado Com o P Diabtico - Aes de Preveno e Abordagem Clnica

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    RESUMO

    O diabetes considerado um srio problema de sade pblica, tanto devido ao nmero de pessoas

    afetadas quanto s suas complicaes, suas incapacitaes, alm do elevado custo financeiro da sua

    abordagem teraputica. Acomete todas as classes socioeconmicas: as populaes de pases em todos os

    estgios de desenvolvimento so atingidas por essa enfermidade. Uma das complicaes mais temidas

    ocasionadas pelo diabetes a perda de um p ou uma perna. Porm, essa uma situao que pode serevitada mediante alguns cuidados. O objetivo desse trabalho apresentar dados epidemiolgicos que

    evidenciem a importncia da preveno desse problema e aspectos importantes relacionados ao seu manejo

    clnico, alm de questes fundamentais para garantir o controle adequado do diabetes que so a adeso

    ao tratamento e o vnculo do paciente com a equipe de sade.

    ABSTRACT

    It is acknowledged that diabetes is a major public health problem, not only due to the large number of

    individuals that suffer from its complications and incapacitations, but also because of the high cost of the

    treatment. Diabetes affects the populations of all socio-economical classes in all countries, regardless their

    stage of development.

    One of the most feared diabetes complications is loss of one foot or leg. With some care, however,

    such situations can be prevented. The purpose of this paper is to present epidemiological data showing

    clearly the importance of prevention and aspects relevant for clinical care, as well as to make some decisive

    suggestions for assuring an appropriate control of this chronic disease that are: adherence to treatment and

    the doctor/patient relation.

    A importncia do cuidado com o p diabtico:aes de preveno e abordagem clnica

    The importance of diabetic foot care:preventive care and clinical approach

    Carolina Fajardo1

    PALAVRAS-CHAVE:- Diabetes Mellitus - preveno e controle;- P Diabtico - tratamento;- Epidemiologia.

    1Mdica de Famlia e Comunidade, Residncia em MFC/UERJ, mdica da Coordenao do PSF/SES-RJ, Rio de Janeiro, Brasil.

    KEY-WORDS:- Diabetes Mellitus - prevention and control;- Diabetic Foot - treatment;- Epidemiology.

    RBM

    FC

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    I. Apresentao e consideraes gerais sobre

    diabetes.A arte de viver

    simplesmente a arte de conviver...

    Simplesmente, disse eu? Mas como difcil!Mrio Quintana

    Mrio Quintana fala em sua poesia que a

    arte de viver simplesmente a arte de conviver, e

    como isso difcil por si s. A vida no nada

    simples. E a vida com problemas de sade mais

    difcil ainda. Isso, claro, dependendo de como cada

    um enfrenta o seu problema de sade. Conviver a

    vida toda com um problema que exige mudanasnos hbitos de vida e pode ter complicaes gra-

    ves, no sendo uma tarefa simples.

    O diabetes uma doena que transforma

    a vida das pessoas por ele acometidas, uma vez

    que exige uma srie de mudanas nos hbitos de

    vida e pode ter srias complicaes. Freqente-

    mente nos deparamos no nosso dia-a-dia com

    pessoas com diabetes. considerado um srioproblema de sade pblica, tanto devido ao nme-

    ro de pessoas afetadas quanto s suas compli-

    caes, suas incapacitaes, alm do elevado

    custo financeiro da sua abordagem teraputica1.

    Acomete todas as classes socioeconmicas: as

    populaes de pases em todos os estgios de

    desenvolvimento tambm so atingidas por essa

    enfermidade1.

    Uma das complicaes mais temidas oca-

    sionadas pelo diabetes a perda de um p ou uma

    perna. Porm, essa uma situao que pode ser

    evitada mediante alguns cuidados. O objetivo

    desse trabalho apresentar dados epidemiol-

    gicos que evidenciem a importncia da preveno

    desse problema e aspectos importantes relacio-

    nados ao seu manejo clnico, alm de questes

    fundamentais para garantir o controle adequado do

    diabetes que so a adeso ao tratamento e o

    vnculo do paciente com a equipe de sade.

    A prevalncia do diabetes tipo 2 temaumentado em propores epidmicas, o que

    atribudo a vrios fatores como a taxa de urba-

    nizao, industrializao, sedentarismo, hbitos

    alimentares, obesidade, aumento da expectativa de

    vida e maior sobrevida dos diabticos2.

    De acordo com a Federao Internacional

    de Diabetes3, h aproximadamente 177 milhes de

    pessoas com diabetes no mundo, o que corres-ponde a uma prevalncia de 5,2% nas pessoas

    adultas (de 20 a 79 anos). Nos pases desenvol-

    vidos, o diabetes tipo 2 corresponde a faixa de 85%

    a 95% das pessoas com diabetes, sendo que, nos

    pases em desenvolvimento, provavelmente esse

    nmero maior3. Enquanto nos pases desenvol-

    vidos a prevalncia de diabetes maior na popula-

    o mais idosa, nos pases em desenvolvimento a

    prevalncia est aumentando na populao

    comparativamente mais jovem, em fase produtiva3.

    No Brasil, estima-se que haja 5 milhes de

    pessoas com diabetes, dos quais a metade no

    sabe que tem a doena2. Muitas vezes as pessoas

    descobrem que tem diabetes por meio das mani-

    festaes das suas complicaes.

    Um grande problema, no Brasil, o acesso

    das pessoas com diabetes ao sistema de sade,

    o que no possibilita o diagnstico precoce. Mas,

    com a poltica de reorientao da Ateno Bsica

    pela Estratgia de Sade da Famlia (ESF), tivemos

    um grande avano no acesso ao sistema de sa-

    de. Uma das aes prioritrias da Estratgia o

    atendimento ao diabtico, alm das aes de pro-

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    moo e preveno de sade.

    O diabetes considerado uma sndrome

    de etiologia mltipla, decorrente da falta da insulina

    e/ou incapacidade da insulina exercer adequada-

    mente seus efeitos. Caracteriza-se por uma hiper-glicemia crnica que, se no controlada ade-

    quadamente, evolui com srias complicaes,

    como perda da viso, insuficincia renal em estgio

    terminal, amputao no-traumtica dos membros

    inferiores, infarto agudo do miocrdio, acidente vas-

    cular enceflico2.

    A adeso ao tratamento fundamental para

    o melhor controle do diabetes e a reduo das suascomplicaes, mas difcil de ser alcanada de-

    vido necessidade de tratamento contnuo e pro-

    longado. A abordagem do diabetes dividida em

    terapia no-medicamentosa e terapia medicamen-

    tosa. As mudanas nos hbitos de vida, como ali-

    mentao mais saudvel, realizao de atividades

    fsicas e interrupo do tabagismo, so elementos

    essenciais da terapia no-medicamentosa.Os efeitos colaterais dos remdios e a difi-

    culdade de acesso ao sistema de sade so ou-

    tros fatores que influenciam na adeso ao trata-

    mento a qual deve ser uma meta j na primeira

    consulta e tambm nas subseqentes. Sendo

    assim, o paciente com diabetes necessita de uma

    abordagem integral por uma equipe interdisciplinar,

    a qual trabalha com tecnologia do cuidado, facili-

    tando e promovendo a adeso ao tratamento, e

    estimula o vnculo do paciente com a equipe de

    sade, que um outro elemento importante para

    a adeso ao tratamento. Adeso no s ao uso

    das medicaes quando necessrias, mas a um

    estilo de vida mais saudvel.

    A classificao utilizada atualmente a

    proposta pela Associao Americana de Diabetes

    (ADA), que se baseia na etiologia do diabetes

    mellitus4. A classificao anterior (proposta pelo

    National Diabetes Data Group e OMS) tinha por

    base a forma de tratamento e classificava o diabe-tes como insulino-dependente e no-insulino-de-

    pendente4.

    Classificao etiolgica do diabetes mellitus

    (Associao Americana de Diabetes)

    I- Diabetes Mellitus tipo 1A- Auto-imune

    B- Idioptico

    II- Diabetes Mellitus tipo 2

    III- Outros tipos especficos

    A- Defeitos genticos da funo da

    celula B- Defeitos genticos na ao da

    insulina

    C- Doenas do pncreas excrino

    D- Endocrinopatias

    E- Induzida por medicamentos ou

    produtos qumicos

    F- Infeces

    G- Formas incomuns de diabetes auto-imune

    H- Outras sndromes genticas s

    vezes associadas ao diabetes

    IV- Diabetes mellitus gestacional

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    O diabetes tipo 1 corresponde a faixa de

    10% a 20% dos casos de diabetes e se caracteriza

    por uma deficincia absoluta de insulina, que ocorre

    na maioria das vezes devido a uma destruio

    auto-imune das clulas beta. Predomina em crian-as e adultos jovens, embora possa surgir em qual-

    quer poca da vida. Requer obrigatoriamente o uso

    de insulina e tem tendncia ao quadro de cetoaci-

    dose diabtica2.

    O diabetes tipo 2 responde por entre 85%

    e 95% dos casos de diabetes e aparece freqen-

    temente aps os 40 anos de idade. Resulta em

    geral de graus variveis de resistncia a ao dainsulina ou de deficincia de secreo de insulina.

    A maioria dos pacientes com diabetes tipo 2 (80%)

    so obesos e a cetoacidose ocorre apenas em si-

    tuaes especiais como durante as infeces gra-

    ves2. Pode ser controlado apenas com mudanas

    no estilo de vida, sendo algumas vezes necessrio

    o uso de medicamentos hipoglicemiantes ou anti-

    hiperglicemiantes. Nos casos de resistncia ao tra-tamento com essas medicaes, pode ser neces-

    srio o uso de insulina.

    O diagnstico do diabetes se baseia na his-

    tria clnica e confirmado por exames laborato-

    riais.

    Na maioria dos pacientes com diabetes tipo

    2, no h sintomas ou estes so inespecficos,

    como tontura, dificuldade visual, astenia e/ou

    cibras2. Os sintomas clssicos de diabetes, como

    poliria, polidipsia e polifagia, so bem mais carac-

    tersticos do diabetes tipo 1, embora tambm pos-

    sam estar presentes no diabetes tipo 22.

    A Associao Americana de Diabetes pre-

    coniza como critrios para o diagnstico de diabe-

    tes os seguintes valores2:

    Duas glicemias de jejum maior que 126

    mg/dl em um paciente assintomtico ou uma gli-

    cemia de jejum = 126 mg/dl em paciente sintom-

    tico.

    Glicemia ao acaso = 200 mg/dl, em paci-entes com sintomas (poliria, polidipsia e perda de

    peso sem explicao).

    Valor de 2 horas = 200 mg/dl durante um

    teste de tolerncia oral glicose (TOTG).

    Essa classificao de diabetes fundamen-

    tada na etiologia a utilizada atualmente pelo Mi-

    nistrio da Sade5.

    II. Incidncia e prevalncia das complicaes

    e doenas associadas ao diabetes

    No Brasil, no existem dados da populao

    sobre as complicaes ou morbidade do diabetes1.

    Portanto, h necessidade de estudos epidemio-

    lgicos em relao s complicaes do diabetes

    na populao brasileira. Como exceo a essa

    regra, temos a regio metropolitana do Rio deJaneiro, que apresenta a seguinte taxa de incidncia

    de amputao de extremidades: 6,9/100 mil habi-

    tantes1. Para o conjunto desses casos, a sobrevida

    acumulada para cinco anos aps amputao foi

    de apenas 55% para os homens e 59,4% para as

    mulheres. Na maioria dos estudos internacionais,

    essa taxa de amputao equivale a 7,2/100 mil

    habitantes6. Os nmeros mais elevados de ampu-

    tao foram relatados nas reservas indgenas nos

    Estados Unidos e os mais baixos em reas da

    Dinamarca e Gr Bretanha6. Segundo dados da li-

    teratura, porm, h poucos estudos bem realizados

    relativos a incidncia de amputao dos membros

    inferiores. H relatos de que, entre 15% e 19%

    dos pacientes diabticos submetidos a algum tipo

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

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    de amputao, o diabetes foi diagnosticado nesse

    momento6.

    Como j relatado, uma das complicaes

    mais temidas ocasionadas pelo diabetes a perda

    de um p ou uma perna. Os problemas com osps so uma importante causa de morbidade para

    as pessoas com diabetes, que apresentam um ris-

    co 15 vezes maior de serem submetidas a uma

    amputao do que as pessoas no-diabticas6. As

    feridas nos ps so uma das principais causas de

    atendimento hospitalar a essa populao.

    Estudos mostram que as amputaes de

    ps, pernas e coxas em pacientes com doenaarterial perifrica e diabetes mellitusaumentaram

    cinco vezes na cidade do Rio de Janeiro entre 1990

    e 2000. Grande parte delas poderia ter sido evitada.

    A imensa maioria dessas cirurgias (97,7%), deno-

    minada amputaes primrias, foi realizada sem

    que antes tivesse sido feito o procedimento vascu-

    lar para restabelecer o fluxo arterial7.

    Nos Estados Unidos, de 50% a 70% de to-

    das as amputaes no-traumticas ocorrem em

    pessoas diabticas6.

    Um dado assustador apresentado em al-

    guns estudos que apenas 12% dos mdicos exa-

    minam os ps dos diabticos sem estes tenham

    queixas a apresentar durante a consulta8. sabido

    que um problema com o p do diabtico pode evo-

    luir para condies mais graves mesmo na ausn-

    cia de sintomas. Na maioria das pessoas (85%),

    as amputaes dos membros inferiores relacio-

    nadas ao diabetes so precedidas de uma lcera

    no p. A proporo de pacientes que sofre ampu-

    amputao com gangrena varia entre 50% a 70%

    e com infeco, entre 20% a 50%6.

    A prevalncia de lceras nos ps, em pases

    desenvolvidos, corresponde a aproximadamente de

    4% a 10% dos pacientes com diabetes6.

    As complicaes do p diabtico geram um

    elevado gasto financeiro com hospitalizao pro-

    longada, reabilitao, necessidade de cuidados do-miciliares, assistncia social, alm dos custos in-

    diretos, como o afastamento do trabalho, e emoci-

    onais pela perda do p ou da perna 6. Estudos mos-

    tram que de 40% a 50% do custo total para uma

    doena crnica correspondem aos custos indire-

    tos. O impacto da amputao na qualidade de vida

    dessas pessoas no tem sido considerado6.

    H relatos de que o tempo mdio de hospi-talizao para pacientes com lceras nos ps varia

    de 30 a 40 dias, sendo, portanto, 50% mais pro-

    longado do que nos pacientes sem lceras nos

    ps6. Outros estudos evidenciaram que os paci-

    entes diabticos com leses nos ps e doena

    vascular permanecem hospitalizados por mais

    tempo do que as pessoas no-diabticas com lce-

    ra e doena vascular perifrica6.

    A preveno das complicaes do p di-

    abtico uma medida de baixo custo, que traz

    grandes benefcios6. Vrios estudos apresentaram

    que uma abordagem multidisciplinar, as aes de

    preveno, a terapia educacional e o tratamento

    multifatorial das lceras nos ps reduziram as taxas

    de amputao em torno de 43% a 85%.

    III. Definio de p diabtico

    Com base nas definies da OMS, o p di-

    abtico uma condio em que a pessoa com

    diabetes apresenta infeco, ulcerao e ou destru-

    io dos tecidos profundos associadas a anormali-

    dades neurolgicas e vrios graus de doena vascu-

    lar perifrica nos membros inferiores6.

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    IV. Fatores de risco do p diabtico

    Embora na maioria dos casos se observe

    que os fatores de risco para amputao e para

    desenvolvimento de lcera sejam semelhantes, de

    acordo com o Consenso Internacional sobre PDiabtico6, quando se fala em fatores de risco para

    p diabtico, preciso diferenciar os fatores rela-

    cionados neuropatia perifrica, os relacionados

    ao desenvolvimento de lceras nos ps e os

    relacionados amputao.

    Vrios fatores tm sido sugeridos como

    relacionados ao desenvolvimento de lceras nos

    ps, como exemplificado a seguir6

    :

    IV.1 lcera no p

    lcera, amputao prvia.

    Neuropatia: sensitivo-motora.

    Trauma: calado inadequado; caminhar

    descalo; quedas, acidentes; objetos no interior

    dos sapatos.

    Biomecnica

    Doena Vascular perifrica

    Condio socioeconmica: baixa posi-

    o social; acesso precrio ao sistema de sade;

    no-adeso ao tratamento, negligncia; educao

    Sistema de Classificao de Risco

    Categoria Risco Freqncia da avaliao

    0 Neuropatia ausente Uma vez por ano

    1 Neuropatia ausente Uma vez a cada seis meses

    2 Neuropatia presente, sinais de doena Uma vez a cada trs meses

    vascular perfrica e/ou deformidades nos ps

    3 Amputao prvia Uma vez entre um e trs meses

    teraputica precria.

    Aps o exame clnico do paciente, deve ser

    feita a sua classificao de risco. O sistema apre-

    sentado abaixo o proposto pelo Consenso sobre

    o P diabtico6

    :Um estudo realizado para avaliar a efeti-

    vidade desse sistema de classificao do risco de

    desenvolver complicaes no p diabtico mostrou

    resultados favorveis mesma9. Os dados obtidos

    mostraram que h uma clara tendncia de

    complicaes nos pacientes em estgios avana-

    dos dessa classificao.

    Vrios estudos mostraram que o principal

    fator de risco para lceras nos ps a presena

    de neuropatia sensitivo-motora, cuja prevalncia

    estimada varia de 30% a 70% das populaes

    estudadas, dependendo das definies e dos

    critrios diagnsticos utilizados6. Em estudostransversais, evidenciou-se que de 80% a 90% das

    lceras nos ps foram precipitadas por algum

    trauma externo, como exemplo, o uso de calados

    inadequados6.

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    IV.2 Neuropatia Perifrica

    A neuropatia perifrica definida como a

    presena de sintomas e/ou sinais de disfuno do

    nervo perifrico em pessoas com diabetes aps

    excluso de outras causas conforme est descritonas Diretrizes para o Diagnstico e Abordagem

    Ambulatorial da Neuropatia Diabtica Perifrica6.

    A neuropatia perifrica pode ser agrupada de acor-

    do com as manifestaes clnicas em dois grupos:

    Neuropatia sensitivo-motora a forma

    mais comum e a que mais causa problemas nos

    ps dos diabticos8. Evolui insidiosamente e pode

    ser assintomtica ou causar sintomas importan-tes, como sensao de queimao e agulhadas

    nos ps e pernas, que pioram noite. No exame

    fsico h diminuio da sensibilidade dolorosa, ttil

    e trmica com distribuio em bota, atrofia da

    musculatura intrnseca dos ps e ausncia dos re-

    flexos aquileus.

    Neuropatia simptico-perifrica im-

    portante porque causa ressecamento da pele de-

    vido ausncia de sudorese, o que leva a pele a

    ficar rachada e fissurada, facilitando as infeces

    nos ps. Causa tambm vasodilatao, propici-

    ando o aparecimento de shuntsarteriovenosos,

    que aumentam o fluxo de sangue na pele, dimi-

    nuindo, assim, o aporte de nutrientes aos tecidos

    mais profundos. Portanto, a ausncia de sudorese

    e a distenso das veias dorsais dos ps so evi-

    dncias de disfuno autonmica que envolve fi-

    bras dos nervos simpticos.

    Estudos mostram que a perda da sensibi-

    lidade leva a ulcerao no p diabtico. A diminuio

    da sensibilidade vibratria aumenta sete vezes o

    risco de desenvolvimento de lcera nos ps com

    ou sem isquemia6.

    A lcera neuroptica muito mais freqente

    do que a lcera isqumica.

    IV.3 Doena Vascular Perifrica

    A doena vascular perifrica o fator maisimportante relacionado evoluo de uma lcera

    no p diabtico, deve ser diagnosticada por meio

    do exame clnico dos ps, avaliando cor, tempe-

    ratura da pele, palpao dos pulsos, medida da

    presso do tornozelo6. Testes vasculares no-in-

    vasivos permitem avaliar a probabilidade de cicatri-

    zao de uma lcera em um p diabtico6.

    A aterosclerose mais freqente nos paci-entes diabticos, nos quais afeta indivduos mais

    jovens, com uma progresso mais rpida, multis-

    segmentar e mais distal6. A aterosclerose est em

    geral associada elevada prevalncia de tabagis-

    mo, hipertenso e diabetes.

    A doena vascular perifrica pode ser con-

    siderada como sinal da doena aterosclertica ge-

    ral. Portanto, deve se buscar doena asteroscle-

    rtica em outros lugares como o corao e as car

    tidas6. O papel da hiperglicemia no desenvolvimen-

    da doena aterosclertica no est claro. A nefro-

    patia diabtica um marcador para doena vascu-

    lar generalizada e, provavelmente, os pacientes

    com nefropatia esto mais suscetveis ao desenvol-

    vimento de doena vascular perifrica6.

    A doena vascular perifrica pode ocorrer

    mesmo na ausncia de sintomas, sendo dividida

    em quatro estgios, segundo Fontaine6:

    Estgio 1: doena arterial oclusiva sem

    sintomas clnicos.

    Estgio 2: claudicao intermitente.

    Estgio 3: dor isqumica em repouso.

    Estgio 4: ulcerao ou gangrena.

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

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    preciso ficar atento, pois os pacientes

    com doena vascular perifrica podem apresentar

    isquemia perifrica grave sem sintomas, como

    conseqncia da perda da sensibilidade devido

    neuropatia perifrica6.Os pacientes devem ser avaliados em rela-

    o presena de doena vascular perifrica pelo

    menos uma vez por ano, devendo ser pesquisado:

    histria de claudicao intermitente ou dor isqu-

    mica em repouso; palpao dos pulsos das art-

    rias tibiais posteriores e pediosas dorsais; sinais

    de isquemia crtica palidez dos ps elevao,

    rubor postural, ulcerao, necrose da pele ougangrena6.

    A investigao vascular no-invasiva deve

    ser realizada para uma avaliao mais objetiva da

    perfuso da pele6. Os seguintes testes so utiliza-

    dos:

    Presso do tornozelo.

    Presso do pododctilo.

    Medidas da presso de oxignio

    transcutneo.

    Esses testes podem ser utilizados para: o

    diagnstico e a quantificao da doena vascular

    perifrica; a previso da cicatrizao da leso em

    um p diabtico e o seguimento e controle de tra-

    tamento6. Desses mtodos o mais utilizado a

    medida da presso do tornozelo, que pode estar

    falsamente elevada devido esclerose mdia. Nos

    pacientes com lcera no-cicatrizada, a doena

    vascular perifrica deve ser investigada, e caso

    seja necessrio realizar uma angiografia.

    A revascularizao indicada nas seguintes

    situaes6:

    Baixa probabilidade de cicatrizao.

    Dor isqumica persistente e em repouso.

    Claudicao intermitente ameaando as

    atividades profissionais do paciente ou limitando

    seu estilo de vida.

    A modificao dos hbitos de vida que repre-

    sentam fatores de risco para o desenvolvimentode claudicao intermitente e amputao deve

    sempre ser incentivada. O tabagismo, por exemplo,

    deve ser interrompido uma vez que estudos mos-

    tram que as taxas de patncia para reconstruo

    vascular so mais elevadas em pessoas que para-

    ram de fumar6.

    A realizao de caminhadas importante,

    pois foi demonstrado que os programas dessa ativi-dade possibilitam a melhoria da claudicao inter-

    mitente em pacientes no-diabticos. Porm, se-

    gundo especialistas, os programas de caminhada

    no devem ser realizados quando h, nos pacien-

    tes, presena de lceras ou gangrena6.

    IV.4 Biomecnica

    Os fatores mecnicos (deformidades das

    articulaes, proeminncia ssea, calos, mobilida-

    de articular limitada, propriedades dos tecidos

    alteradas, cirurgia prvia do p, articulaes neuro-

    osteoartropticas, calado inadequado, caminhar

    descalo, quedas, acidentes, objetos no interior dos

    calados, grau de atividade) tm um importante

    papel na etiologia das lceras nos ps6.

    O calado teraputico utilizado com o ob-

    jetivo de aliviar completamente a presso sobre u-

    ma lcera, que no cicatrizar se a carga mecnica

    no for removida6. Por outro lado, h estudos mais

    recentes que indicam que, nos pacientes sem de-

    formidades severas nos ps, as aes de cuidado

    com estes, realizadas tanto pela equipe de sade

    quanto pelos pacientes, so mais efetivas do que

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

    Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n5, abr / jun 2006

    050

  • 7/26/2019 A Importncia Do Cuidado Com o P Diabtico - Aes de Preveno e Abordagem Clnica

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    o uso de sapatos teraputicos10.

    O calado protetor aquele que reduz a

    presso nos ps, abaixo do limiar para ulcerao,

    extremamente importante para prevenir tanto a

    lcera inicial quanto recorrncia de lcera6. Ospacientes devem ser orientados a no utilizar

    novamente um calado que j provocou ulcerao.

    Estudos mostram que as pessoas que tem um es-

    tilo mais ativo de vida apresentam um risco maior

    de ferimentos nos ps do que aqueles que levam

    uma vida menos ativa.

    Os pacientes devem ser encorajados a uti-

    lizar calados protetores sempre. Os sapatos no-vos devem ser usados por perodos curtos, inicial-

    mente. Os calados devem ser trocados vrias

    vezes ao dia e devem ser inspecionados antes do

    seu uso. Estudos mostram que, quando os cala-

    dos protetores so utilizados, h uma preveno

    entre 60% e 85% de recorrncia de lceras. A

    adeso ao uso de sapatos protetores um proble-

    ma freqente, provavelmente devido ao custo e por

    questes estticas. Um estudo mostrou que o esti-

    lo e a aparncia do sapato influencia na adeso ao

    seu uso11. Caso a recorrncia de ulcerao no

    seja evitada com o uso de calados apropriados

    necessrio avaliar a indicao de cirurgia6.

    IV.5 lceras

    Vrios fatores influenciam na cicatrizao

    das lceras nos pacientes com diabetes. Nos cen-

    tros de excelncia as taxas de cicatrizao das

    lceras esto entre 80% e 90%6.

    importante reconhecer que a leso ul-

    cerada um sinal de uma doena de mltiplos

    rgos. A idade um fator importante em relao

    evoluo da lcera. Outros fatores de risco para

    evoluo da leso ulcerada so: nefropatia dia-

    btica; proteinria; insuficincia renal em estgio

    terminal; insuficincia cardaca congestiva; corona-

    riopatias; doena vascular perifrica. Portanto, paci-

    entes com lcera nos ps apresentando comorbi-dades devem ser tratados incisivamente6.

    essencial diferenciar a categoria da lcera

    em relao ao fator predisponente, se a neuro-

    patia ou neuroisquemia. Para facilitar a abordagem

    das leses importante a sua classificao. Dessa

    forma, o tipo, a localizao e a causa de uma lcera

    devem ser considerados para auxiliar na deciso

    da teraputica apropriada6

    .O alvio do estresse mecnico fundamen-

    tal para a cicatrizao da lcera.

    A infeco no p diabtico uma situao

    que no pode ser negligenciada e deve ser tratada

    efetivamente.

    As comorbidades associadas devem ser

    tratadas como o edema da insuficincia cardaca

    congestiva, por exemplo, pois influenciam na evolu-

    o da leso ulcerada.

    A dor no deve ser subestimada, devendo

    ser tratada de maneira adequada, dando conforto

    ao paciente. Muitas vezes, a dor em repouso est

    relacionada probabilidade de amputao6.

    Um bom controle metablico auxilia no pro-

    cesso de cicatrizao da lcera.

    O tratamento tpico apenas uma parte da

    abordagem teraputica das lceras no p diabtico.

    A escolha do tratamento tpico emprica, deve

    ser fundamentada na condio da lcera e no im-

    plica a cicatrizao e no-cicatrizao, porm pode

    alterar a velocidade6.

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

    Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n5, abr / jun 2006

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    IV. 6 Infeco

    A infeco no p diabtico uma situao

    que coloca o paciente em risco para amputao,

    devendo ser tratada incisivamente. importante

    considerar a gravidade das conseqncias dainfeco no p diabtico, pois h fatores que con-

    tribuem para essa evoluo, como a estrutura a-

    natmica, alterao da resposta inflamatria, alte-

    raes metablicas, neuropatia, edema e doena

    vascular perifrica6.

    importante ressaltar que sinais e sinto-

    mas de infeco, tais como febre, leucocitose e

    elevao do VHS, podem estar ausentes em pa-cientes diabticos com lceras infectadas nos

    ps6.

    A infeco superficial (celulite) freqen-

    temente causada por bactrias Gram-positivas,

    enquanto as infeces mais profundas so cau-

    sadas por polimicroorganismos, envolvendo as

    bactrias Gram-negativas e anaerbicas. Nos

    casos de infeco profunda e grave do p, a remo-

    o cirrgica do tecido infectado essencial6.

    A seguinte estratgia deve ser usada na

    abordagem dos pacientes com leso ulcerada6.

    1. Debridamento.

    2. Cuidado meticuloso da leso.

    3. Adequado suprimento vascular.

    4. Controle metablico adequado.

    5. Antibioticoterapia emprica.

    6. Alvio da presso.

    O uso emprico de antibitico para leso

    ulcerada com infeco superficial deve ser ativo

    contra estafilococos e estreptococos6.

    No caso de leses ulceradas profundas,

    est indicada hospitalizao para interveno

    cirrgica e antibioticoterapia de largo espectro6.

    IV. 7 Neuro-osteoartropatia

    Nos pacientes com p que apresente

    aumento da temperatura da pele, hiperemia e ede-

    ma devem se pensar em neuro-osteoartropatia.

    importante que seja descartada a possibilidade deinfeco para evitar erros de diagnstico. Essas

    alteraes sseas e articulares neuropticas so

    denominadas p de Charcot e so consideradas

    complicaes devastadoras do diabetes. Progride

    rapidamente com fragmentao ssea e destruio

    das articulaes. A osteoartopatia freqentemen-

    te causada por trauma extrnseco em um p neuro-

    ptico. O tratamento dessa complicao empricoe inclui gesso de contato total e limitao da ativi-

    dade fsica6.

    V. Abordagem do paciente com p diabtico

    Vrias razes apresentadas anteriormente

    justificam a necessidade do diagnstico precoce

    no s do diabetes mellituscomo de sua to temida

    complicao: o p diabtico. preciso que o exame

    minucioso do p do paciente com diabetes faa

    parte do exame fsico, alm de aes educativas

    que possibilitem ao paciente a realizao do auto-

    cuidado.

    A perda da sensibilidade o principal fator

    preditivo do desenvolvimento de lceras nos ps,

    por isso o exame neurolgico regular dos ps de

    todos os pacientes diabticos fundamental. Todas

    os profissionais de sade que trabalham com

    pessoas com diabetes devem estar habilitados a

    fazer avaliao neurolgica12.

    No exame do p do paciente com diabetes,

    deve se realizar o teste da sensao vibratria utili-

    zando-se um diapaso de 128 Hz, a sensao dolo-

    rosa com um pino, apenas quando a pele estiver

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

    Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n5, abr / jun 2006

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    intacta, e a sensao profunda com o martelo (pes-

    quisa do reflexo do tendo de Aquiles). Alm dessa

    avaliao, os testes semiquantitativos podem ser

    utilizados12:

    Monofilamentos de Semmes-Weinstein -h estudos que demonstraram que a incapacidade

    de percepo do monofilamento de 10g nos dedos

    ou dorso do p prev futuras ocorrncias de lceras

    nos ps. So testes simples para realizao e de

    baixo custo.

    As seguintes instrues para o uso do mo-

    nofilamento foram publicadas no manual de hiper-

    tenso arterial e diabetes mellituspelo Ministrio

    da Sade5:

    1- Mostrar o filamento ao paciente e aplic-

    lo em sua mo, para que ele possa reconhecer o

    tipo de estmulo e perder o medo.

    2- Solicitar que o paciente no olhe para o

    local em que ser efetuado o teste.

    3- Pedir para que o paciente preste ateno

    e simplesmente responda sim quando sentir o

    filamento; no perguntar se ele sente ou no, parano induzi-lo.

    4- Ao aplicar o filamento, mantenha-o per-

    pendicularmente superfcie testada, a uma dis-

    tncia de 1 a 2cm: com um movimento suave, faa-

    o curvar-se sobre a pele e retire-o, contando men-

    talmente a seqncia numrica 1001-1002, en-

    quanto o filamento toca a pele, curva-se e sai do

    contato.

    5- No use movimentos bruscos na aplica-

    o: se o filamento escorregar pelo lado, desconsi-

    dere a eventual resposta do paciente e teste o mes-

    mo local, novamente, mais tarde.

    6- Use uma seqncia, ao acaso, nos lo-

    cais de teste, para no induzir o paciente a prever

    o local seguinte, no qual o filamento ser aplicado.

    7- Havendo reas ulceradas, necrticas, ci-

    catrizadas ou hiperceratticas, teste o permetro

    da mesma, e no sobre a leso.

    8- Se o paciente no responder aplicao

    do filamento em um determinado local, continue aseqncia randmica e volte posteriormente quele

    local, para confirmar.

    9- Anote os resultados, segundo a percep-

    o do filamento, em cada regio testada.

    10- Conserve o filamento protegido, cuidan-

    do para no amass-lo ou quebr-lo. Se necess-

    rio, limpe-o com soluo de hipoclorito de sdio a

    1:10.

    Nas figuras 1 e 2, reproduzidas do manual

    de hipertenso arterial e diabetes mellitus/ Minist-

    rio da Sade5, so apresentadas as instrues de

    uso do monofilamento de nylon, que um bom ins-

    trumento para verificar os indivduos em risco de

    ulcerao:

    Figura 1 - Locais de Teste

    Figura 2 - Aplicao do Monofilamento A e B

    1, 3 e 5dedos e

    metatarsos

    A B

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

    Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n5, abr / jun 2006

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    Testes de percepo de vibrao - h estu-

    dos que demonstraram que a diminuio na sen-

    sao vibratria prev o risco de desenvolvimento

    de ulcerao. Porm, os instrumentos utilizados

    nesse teste so caros para muitos centros.Testes quantitativos detalhados de vibrao

    ou de percepo trmica - so utilizados apenas

    em centros especializados.

    De acordo com o Consenso Internacional

    de P Diabtico6, no h atualmente tratamento

    farmacolgico que produza efeitos importantes na

    evoluo da neuropatia diabtica.

    O diagnstico de neuropatia diabtica podeser facilmente realizado em qualquer unidade de

    sade com o exame neurolgico nos ps. Alm

    Objetivos do tratamento do diabetes mellitus tipo 2

    Glicose plasmtica (mg/dl)*

    jejum 110

    2 horas ps-prandial 140Glico-hemoglobina (%)* Limite superior do mtodo

    Coleterol (mg/dl)

    total < 200

    HDL > 45

    LDL < 100

    Triglicrides (mg/dl) < 150

    Presso arterial (mm Hg)

    Sistlica < 135

    Diastlica < 80

    ndice de massa corporal (kg/m2) 20-25

    disso, h os testes que podem prever o risco de

    futuras ulceraes. O nico tratamento disponvel

    para a neuropatia diabtica o controle metablico

    rgido. Apresentada a seguir tabela com as metas

    do tratamento do diabetes mellitustipo 213.Quanto ao controle glicmico, deve-se pro-

    curar atingir valores mais prximos do normal. Co-

    mo muitas vezes no possvel, aceita-se, nestes

    casos, valores de glicose plasmtica em jejum at

    126 mg/dl e de duas horas ps-prandial at 160

    mg/dl, alm de nveis de glico-hemoglobina at um

    ponto percentual acima do limite superior do m-

    todo utilizado. Acima desses valores, sempre ne-cessrio realizar interveno para melhorar o con-

    trole metablico.

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

    Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n5, abr / jun 2006

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    Fonte:Consenso Brasileiro de Diabetes.

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    VI. Preveno do P Diabtico

    Para realizar a preveno das complica-

    es do p diabtico, as seguintes metas devem

    ser alcanadas6:

    Realizao de exame dos ps pelo me-nos uma vez ao ano nos pacientes com diabetes

    e mais freqentemente naqueles com alto risco

    de amputao.

    Identificao dos pacientes com alto ris-

    co de ulcerao.

    Educao teraputica simples, contnua,

    tanto para os pacientes quanto para os profis-

    sionais. Uso de calados adequados.

    Tratamento da patologia no-ulcerativa.

    Estudos mostram a reduo de ocorrncia

    das leses nos ps em 50% dos pacientes que

    fazem parte de programas de educao terapu-

    tica para cuidados com os ps. Portanto, as aes

    de educao so importantes nos cuidados dos

    pacientes com diabetes. O reconhecimento do p

    em risco e com leses em fase inicial a respon-

    sabilidade dos profissionais de sade, que muitas

    vezes no cumprida14. Estudos mostram que

    50% dos pacientes submetidos amputao ti-

    nham exame incompleto dos ps. Um outro estudo

    evidenciou que 22 de 23 amputaes abaixo do

    joelho foram realizadas em pacientes que nunca

    haviam recebido informaes sobre cuidados tera-

    puticos ou medidas preventivas.

    As aes de educao permitem a mudan-

    a de atitude do paciente, estimulando-o ao auto-

    cuidado e possibilitando uma maior adeso ao tra-

    tamento proposto. O paciente precisa participar ati-

    vamente do tratamento, pois muitas vezes ele po-

    de identificar problemas em fase inicial em seu

    prprio p, tomando assim as providncias neces-

    srias e procurando auxlio profissional mais cedo.

    H poucos dados na literatura sobre as tcnicas

    educativas utilizadas6. Contudo, estudos mostram

    que, quando se utiliza a tcnica do aprendizadoparticipativo, o resultado o paciente com uma ati-

    tude mais apropriada quanto aos cuidados com os

    ps e uma reduo das demandas de ps reque-

    rendo tratamento.

    Os pacientes com diabetes ou os seus cui-

    dadores devem estar capacitados aos seguintes

    cuidados com seus ps7:

    1- Inspeo dos ps todos os dias.- Usando um espelho, se necessrio, para

    visualizar todo p. Isso deve ser feito em uma rea

    com iluminao apropriada.

    - Buscando qualquer sinal de presso

    (vermelhido, bolhas, calosidades), cortes ou

    fendas entre os dedos, feridas ou qualquer

    mudana na cor habitual de seus ps.

    - Ateno para qualquer mudana na tempe-

    ratura da pele dos seus ps.

    2 - Lavar os seus ps todos os dias.

    - Usando um sabo suave e gua morna

    (nunca quente).

    - Enxugando seus ps com uma toalha ma-

    cia, sem esfregar a pele.

    - Prestando muita ateno ao enxugar a pele

    entre os dedos.

    3 - Manter a pele de seus ps macia e flex-

    vel.

    - Aplicando uma loo hidratante sobre os

    ps secos, exceto entre os dedos ou sobre feridas

    abertas ou rachaduras.

    - No aplicando talco em seus ps, pois isso

    poder produzir ressecamento.

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

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    4 Usar, todos os dias, meias limpas e

    sapatos resistentes e bem adaptados.

    5 - Prestar ateno especial aos cuidados

    das unhas.

    - Ao lixar as unhas, usar sempre uma lixaapropriada e respeitar o formato delas.

    - Ao cortar as unhas, dispor de boa ilumina-

    o. Se o paciente no consegue enxergar bem,

    ele deve pedir a algum que corte suas unhas.

    Cortar as unhas imediatamente aps lavar os ps,

    quando elas esto macias. Usar tesouras com

    pontas arredondadas. No usar tesouras para

    unhas com pontas encurvadas. Respeitar oformato da unha.

    - No cortar calosidades nem unhas

    encravadas.

    Para que tenham os ps sadios, os paci-

    entes devem ser orientados a:

    - Usar sempre sapatos e meias at mes-

    mo em casa. Chinelos resistentes so apropriados

    para serem usados em casa, devem ser calados

    logo aps sair da cama. Nunca devem andar des-

    calos.

    - Usar meias limpas as brancas sem cos-

    tura so as melhores. Evitar as meias apertadas.

    - Sacudir os sapatos antes de cal-los.

    - Nunca cruzar as pernas quando estiver

    sentado ou deitado; ao cruz-las a circulao ser

    afetada.

    - Realizar exerccios suficientes caminhar

    bom. Se o paciente precisa ficar sentado por

    longos perodos de tempo, deve ser orientado a

    inclinar os ps para cima e para baixo, movendo

    os dedos com freqncia.

    - Levantar os ps sobre um banquinho ou

    cadeira enquanto estiver sentado.

    - No ficar andando sem rumo no escuro

    o paciente deve acender as luzes antes de entrar

    em um quarto escuro ou de subir escadas.

    - No fumar! O fumo reduz a circulao

    sangnea e, para os pacientes que sofrem de dia-betes, isso pode provocar a perda de um membro.

    Alm dessas orientaes o paciente deve

    saber que, ao detectar um dos sintomas abaixo,

    ele deve avisar o seu mdico imediatamente:

    - Uma ferida aberta ou uma bolha em seus

    ps.

    - Pernas frias e dormentes com uma

    colorao plida ou azulada.- Dores, tipo cimbras, em suas pernas ao

    caminhar.

    - P de atleta (coceira, bolhas, pele desca-

    mada) entre seus dedos ou na sola dos ps.

    Os pacientes precisam de um canal de co-

    municao com a equipe de sade que cuida deles.

    Eles devem ter acesso para a comunicao

    imediata sobre alteraes nos seus ps, o que per-

    mitir o tratamento eficaz.

    VII. Concluso

    Aps a apresentao de todos esses

    dados, os seguintes aspectos devem ser ressal-

    tados para garantir um atendimento adequado ao

    paciente diabtico:

    A importncia das aes de promoo

    de sade e preveno do diabetes mellituse suas

    complicaes, em evidncia nesse trabalho o p

    diabtico.

    A necessidade de garantir o acesso a

    todos os nveis de ateno sade.

    A valorizao de uma abordagem huma-

    nizada e interdisciplinar na assistncia ao paciente

    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

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    diabtico.

    A importncia da realizao do exame

    minucioso dos ps dos pacientes com diabetes,

    na maioria das vezes negligenciada pelos profissi-

    onais de sade. A valorizao da adeso ao tratamento

    e do vnculo do paciente com a equipe de sade

    como estratgias essenciais para que se alcance

    os resultados esperados.

    A realizao de atividades educativas

    que trabalhem com os profissionais de sade e

    os pacientes, as questes relacionadas ao cuidado

    dos ps e a necessidade de ter uma vida com hbi-tos mais saudveis.

    VIII. Referncias

    1. Franco JF. Epidemiologia do diabetes mellitus.

    In: Lessa I. O adulto brasileiro e as doenas da

    modernidade - epidemiologia das doenas

    crnicas no transmissveis. So Paulo - Rio de

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    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

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    Endereo para correspondncia:

    Carolina Fajardo

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    Carolina Fajardo A importncia do cuidado com o p diabtico

    Rev Bras Med Fam e Com058